Competindo Pra Valer - Aprendendo Estratégia com os Melhores da História

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    Competindo para Valer Aprendendo Estratgia com os Melhores da Histria

    Fbio Zugman

    Conhecer o outro e conhecer a si mesmo, em uma centena de batalhas no h

    perigo.No conhecer o outro e conhecer a si mesmo, uma vitria para uma derrota.No conhecer o outro e no conhecer a si mesmo, em todas as batalhas a derrota certa.

    Sun Tzu, A Arte da Guerra

    Quem melhor para comear um livro sobre estratgia do que Sun Tzu? A arteda guerra, como ficou conhecido seu livro, um dos livros mais influentes da histria.Entre em qualquer livraria e, alm do clssico A Arte da Guerra, voc encontrarttulos como a arte da guerra nos negcios, a arte da guerra para executivos, a arteda guerra para mulheres, ou qualquer variao (felizmente ainda no encontramos aarte da guerra para seu cachorro).

    Mas quem, afinal, foi Sun Tzu, e por que esse livrinho escrito h mais de 2.500anos to importante?

    A China da poca era dividida de forma semelhante do perodo feudal europeu.Vrios senhores e imperadores lutavam por territrio, e os conflitos e trocas de poderfaziam parte do dia-a-dia.

    Sun Tzu foi um General de um desses reinados, o reino de Wu. A histria que seconta sobre sua ascenso nos diz muito sobre quem ele era e sua filosofia:

    Conta-se que o Imperador lanou um desafio aos seus comandantes: Qualquerhomem que conseguisse organizar as 180 mulheres de seu harm, colocar-se como seugeneral e faz-las marchar como um exrcito seria digno de ser o general de seu exrcitoreal.

    Ningum conseguia colocar ordem naquelas 180 mulheres, acostumadas sbrincadeiras e vida na corte, as mulheres do Harm no respeitavam ningum. Aoreceber o desafio, Sun Tzu perguntou se poderia se comportar como um General agiria. Sim, claro, essa era a idia do desafio lhe responderam.

    Ao chegar presena das mulheres. Sun Tzu se aproximou da primeira esposa, apreferida do imperador, e declarou que, como general, ele acabara de escolher suacomandante. Como comandante, a esposa deveria fazer cumprir as ordens de seugeneral para o restante da tropa.

    D at para imaginar a reao daquelas mulheres ao verem Sun Tzu gritandoordens para a preferida do Imperador. A casa provavelmente veio abaixo. sgargalhadas, nem a comandante nem o restante da tropa obedecia a seu general.

    Resoluto, Sun Tzu fez o que qualquer general faria com tamanha

    insubordinao: Puxou sua espada e degolou sua comandante.Conta a lenda que a notcia chegou ao Imperador, que apesar de entristecido,teve que se resignar com a realidade de que fora ele quem dera a Sun Tzu a ordem deagir como general de seu Harm. Assim, mandou que o exerccio continuasse.

    Sun Tzu escolheu a segunda mulher do Harm, a condecorou como comandantee passou a ordem. Voc acha que alguma teve coragem de no cumprir as ordens?

    Essa histria nos conta muito da essncia da Arte da Guerra: Atinja seusobjetivos, com inteligncia e o mnimo desgaste.

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    O que impressiona na obra de Sun Tzu o requinte de conceitos como a anlise,a preparao para a ao e o uso da fora de forma coordenada com o que se buscaalcanar.

    Para isso, preciso se conhecer. Saber seus pontos fortes e fracos. Conhecer asituao em que voc se encontra. Identificar aquilo que pode lhe pegar desprevenido.Antes de invadir um territrio preciso conhec-lo. preciso estudar sua geografia,

    clima, populao, e quais foras contrrias voc encontrar pelo caminho. Quandofinalmente for lutar, importante que voc escolha o local e como se dar a batalha.Deve-se evitar que o inimigo dite as regras do enfrentamento.

    Um conceito muito importante em Sun Tzu na aplicao inteligente derecursos: Como fazer para vencer um inimigo sem lutar? Que informaes voc podelevantar sobre ele? Onde voc poderia atingi-lo, uma vez e decididamente, para acabarcom a briga?

    No dia a dia do mundo corporativo vemos recursos serem desperdiados embatalhas frontais e diretas: A concorrncia aumentou a propaganda? Aumentemostambm nossas aes. A concorrncia baixou os preos? Baixemos tambm. O resultadogeralmente um grande desperdcio de dinheiro e pouco resultado para ambos os lados.Sun Tzu, h 2.500 anos atrs j falava na futilidade em procurar solues rpidas e

    fceis.

    Quando falamos em Sun Tzu, com sua nfase em analisar informaes e atingiro inimigo aonde lhe di mais, podemos comear a falar da primeira tcnica de anliseestratgica, a famosa Anlise SWOT. Sigla em Ingls para Foras, Fraquezas,Oportunidades e Ameaas.

    A idia do SWOT fazer um 360. Da questo analisada. Aplicada nossaempresa e produtos, nos dar uma idia de nossa situao atual. Aplicada concorrncia, pode nos dar uma melhor idia de com quem estamos lidando, e o quepodemos fazer para lidar com ela. Sun Tzu ficaria satisfeito.

    Funciona da seguinte forma: separe uma folha em quatro pedaos (use o quevoc quiser, dependendo do espao podem ser at quatro quadros). Em cada fatiaescreve Foras, Fraquezas, Oportunidades e Ameaas, respectivamente.

    A primeira coisa reconhecer que h dois fatores internos e dois externos.Foras e Fraquezas so inerentes empresa analisada. Oportunidades e Ameaas sofatores externos.

    No quadro Foras, escreva todas as vantagens da empresa em relao concorrncia: A Equipe de Vendas e superior? A distribuio? Estrutura de capital?Escreva tudo aquilo que a empresa analisada possui, e a concorrncia teria algumtrabalho para alcanar.

    Em fraquezas, inverta o raciocnio. O problema que temos grande dificuldadeem reconhece-las. Parece simples, mas nosso problema em reconhecer as prpriasfraquezas uma das pegadinhas favoritas do pessoal de Recursos humanos: Pergunte a

    um candidato suas foras, ele lhe dar um brilhantssimo currculo, lnguas fluentes egrandes realizaes. Pergunte suas fraquezas, e a maioria ficar vermelha e gaguejarqualquer coisa: Modstia, talvez?

    Se j difcil enxergar nossas prprias fraquezas, abrir a boca sobre a dos outrospode ser mais ainda: Parece simples, mas funcionrios dificilmente tem coragem emlevantar fraquezas da empresa a seus superiores, consultores, gerentes e diretores temmedo de atirar no prprio p e mostrar os pontos fracos de suas estratgias. O problema que so justamente nesses pontos fracos que um concorrente inteligente focaria seusesforos.

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    Todas as empresas possuem pontos fracos e forte. Longe de se iludir em setornar uma empresa ou algum sem fraquezas, o melhor que podemos fazer reconhece-las. A partir do momento que voc sabe que sua estrutura de distribuio ruim, pode manter o olho ali, ou pelo menos se estruturar para lidar com as dificuldadesque isso possa trazer. Via de regra, tente listar ao menos tantas fraquezas quanto foras.

    Aps isso vm os fatores externos. Oportunidades e ameaas. Esses so fatores

    que dificilmente voc ter alguma influncia, mas pode aprender a lidar com eles.Que fatores podem lhe trazer alguma vantagem no mundo l fora? Mudanas namoda, tecnologia e referncias culturais so oportunidades que volta e meia aparecemem qualquer mercado. Liste aqueles fatores que, apesar de fugirem sua influnciadireta, podem beneficiar sua empresa caso voc esteja pronto para eles.

    Por ltimo ameaas. O problema com elas que uma ameaa costuma te pegardesprevenido quando voc menos espera. Da a importncia de tentar listar o maiornmero possvel delas. O que pode acontecer de realmente ruim no seu negcio? Quaisconcorrentes podem entrar? Quais produtos podem te substituir? O que voc faria emcaso de uma grande recesso econmica?

    A Anlise SWOT apenas o incio da preparao para a ao. No melhor estilode Sun Tzu, ela nos d um conhecimento da situao, que poderemos usar ao enfrentar

    nossos inimigos. O problema que eles tambm esto fazendo o mesmo sobre ns

    Our enemies get closer to the truth in their judgments of us than we getourselvesNossos inimigos chegam mais perto da verdade em seus julgamentos sobre ns doque ns prprios conseguimos.

    La Rochefoucauld (pg 14 faking it)

    A anlise SWOT uma das mais batidas teclas do planejamento estratgico. Deuma forma ou de outra, quase todo mundo faz isso. Examinamos os pontos fortes efracos de uma idia, produto ou empresa, e depois imaginamos quais oportunidadespodemos explorar, e com quais ameaas devemos tomar cuidado.

    Mas ser que realmente, to fcil fazer tal analise?Costumamos fazer a mesma anlise sobre a concorrncia, procurando seus

    pontos fracos e aonde podemos levar vantagem. Como Le Rochefoucauld nos lembra,acabamos esquecendo do mais importante. Muitas vezes as aes da concorrncia dizemmais sobre ns do que qualquer anlise que possamos fazer.

    Isso fica mais evidente com a entrada de um novo concorrente em um mercadoestabelecido: as companhias areas de baixo-custo, por exemplo, nos ensinaram que erapossvel fornecer esse tipo de transporte para um maior segmento da populao, atravsde ganhos operacionais e eliminando alguns dos mimos que as empresas estabelecidascostumavam dar a seus clientes. O caf, no pas do cafezinho, sempre foi visto como

    aquela bebida amarga que temos que agentar se quisermos o efeito da cafena. At aentrada dos chamados cafs especiais. A exploso de cafeterias especializadas, eprodutos diferenciados no mercado mostrou que existia um pblico disposto a pagarmais por uma melhoria no sabor e qualidade da bebida. E hoje a xcara que custavacerca de um real em qualquer esquina pode custar dez, aos que buscam degustar osprazeres de um gro premiado.

    Novos competidores, produtos alternativos e lanamentos geralmente revelam asmaiores fraquezas de uma indstria. Mais importante, as aes que nossa concorrnciaresolve tomar costumam revelar mais do que sequer sabamos sobre ns mesmos.

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    O que significa a entrada de um concorrente de baixo-custo em seu mercado? Ese os outros integrantes baixarem tambm seus preos? Ser esse o final dadiferenciao em sua rea?

    Analisar as competncias, instalaes e recursos que um concorrente possui um bom comeo. Mas frequentemente, as escolhas que os outros fazem enquanto atuamno mercado revelam muito sobre o que eles pensam sobre esse mercado e sua prpria

    concorrncia. No caso, ns.Observe as aes que sua concorrncia est tomando em busca de novosclientes: a melhor forma de revelar a anlise que os outros fazem de voc e seumercado.

    "Como homens prticos, vocs sabem e ns sabemos, que a questo da justiasurge somente entre partes de igual fora, e que o forte faz o que pode, e o fracosofre o que deve."

    Thucydides

    Thucydides considerado por muitos como o primeiro historiador moderno. Ele

    nasceu em Athenas e viveu entre 460-395 A.C. servindo como general durante a Guerrado Peloponeso, ainda hoje considerado um dos maiores e mais sangrentos conflitos dahistria.

    A guerra do Peloponeso envolveu duas das maiores potncias da histria. De umlado, Esparta, com uma das mais poderosas infantarias j vistas.

    Do outro, Atenas, cuja poderosa frota marinha tornava a movimentaoEspartana difcil em um territrio recheado de ilhas, aonde o mar ocupa o centro domapa.

    O conflito durou 27 anos, com pesadas perdas e sofrimento para ambos os lados.Durante a Guerra, as tropas de Thucydides estavam estacionadas em Thasos quando osinimigos espartanos atacaram a cidade prxima de Amphipolis. Essa era uma cidadeestratgica e, apesar de Thucydides dizer que a notcia de sua invaso no chegou ssuas tropas a tempo, ele foi considerado culpado pela sua perda.

    Como castigo, foi exilado e condenado a passar 20 anos fora de Athenas. Foinesse perodo que pde observar a guerra de perto, dos dois lados da batalha.

    A obra de Thucydides marcada por uma quebra na tradio grega de at ento.No que no existissem historiadores antes dele, mas Thucydides foi o primeiro a relatarapenas os fatos, e dar importncia as aes e conseqncias das aes dos homens.Antes dele, todos misturavam a influncia divina aos acontecimentos terrenos.

    Peguemos a guerra de Tria, por exemplo. O maior problema em interpretar esseque um dos conflitos mais famosos da humanidade a dificuldade em separar fatos defico. A Ilada, nico relato escrito sobre o tema, se refere constantemente aos deuses eaes desses sobre os acontecimentos terrenos. O exrcito Grego toma a dianteira

    quando Zeus assim o quer. Os Troianos revidam quando voltam s graas dos cus, eassim essa entidade dita os rumos da batalha. Outros deuses influenciam na poltica, nosmandos do deus supremo e at chegam a participar do campo de batalha, guerreando, sedisfarando de heris do adversrio e inspirando suas tropas e heris preferidos. Porvrias vezes vemos os deuses decidirem o resultado das aes dos homens.

    Em outras palavras, Thucydides disse que no existe destino. Os acontecimentosna terra so conseqncia das aes dos homens e das reaes por elas causadas. Umade suas frases mais famosas, acima, o melhor exemplo disso.

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    Se voc quer paz, deve ser forte o suficiente para fazer guerra. Se quer evitar umconfronto direto, deve mostrar competio os riscos e perdas que resultariam emcompetir com voc. Se algum achar que voc mais fraco, seu produto pior, suaempresa menos competitiva, tentar tomar seu lugar.

    Essa idia est muito ligada ao conceito de barreira competitiva, capitaneado

    pelo professor de Harvard Michael Porter. O que pode sua empresa fazer para impedir aconcorrncia de sequer pensar em entrar em seu mercado?Tudo comea com o conceito de vantagem competitiva. Quais as vantagens que

    sua empresa possui sobre a concorrncia? Ela est na produo? Nos preos? Naqualidade? Toda empresa deve buscar algo que lhe d vantagem na esfera competitiva,ou estar fadada ao fracasso.

    Segundo Porter, so sempre 3 as opes de uma empresa em busca da vantagemcompetitiva. No importa se estamos falando de uma grande multinacional ou uma lojade bairro, os movimentos so sempre os mesmo:

    Competir por CustosNessa modalidade a organizao voltar seus esforos em oferecer o mesmo que

    sua concorrncia oferece, com uma melhor estrutura de custos. Do ponto de vista doconsumidor, podendo escolher entre dois produtos iguais, escolher o mais barato. Doponto de vista da empresa, quanto menos gastar produzindo e oferecendo seus servios,maior o volume de vendas em potencial, e maior a possibilidade de lucros.

    Os investimentos, nesse caso, voltam-se produzir mais e mais barato, visandocapturar uma grande parte do mercado.

    A desvantagem dessa estratgia que os consumidores que vm sua empresapelo preo, iro embora pelo preo. A hora em que algum concorrente conseguiroferecer o que voc oferece a um menor custo, voc pode esperar ser trocado por ele.

    Competir por DiferenciaoO segundo movimento buscar uma diferenciao. Em outras palavras, nessa

    modalidade a empresa busca se tornar diferente da concorrncia. O raciocnio oseguinte: se todo mundo oferece a mesma coisa, ao oferecer alguma diferena voc farcom que o consumidor prefira o seu produto.

    O setor de restaurantes nos d um bom exemplo: Os restaurantes por kilo so umtimo caso de competio por custo. O pblico os procura como uma soluo rpida ebarata para um problema: Voc est de estmago vazio, quer ench-lo e continuar a

    jornada de trabalho. A partir do momento que aparecer um restaurante por kilo maisbarato e de qualidade semelhante na regio, os donos dos velhos restaurantes podemesperar algum problema.

    Imagine agora o dia em que finalmente voc consegue convencer aquela pessoaque voc imagina passar ao lado o resto da vida, a passar ao menos o tempo de umarefeio com voc. Ningum levaria a futura pessoa da sua vida a um restaurante porkilo no primeiro encontro. E ento surge a oportunidade para alguns restaurantes sediferenciarem na questo romantismo. Esses estabelecimentos oferecero umambiente mais aconchegante, privativo e agradvel que aquele kilo que voc costumafreqentar durante a semana. As mesas sero mais separadas, a iluminao mais baixa, orudo melhor e a comida e nvel de preos provar sua futura (ou futuro) o quosofisticado voc . Muitas vezes a comida o que menos importa.

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    Isso diferenciao. Buscar fatores em que se possa investir para se tornardiferente e importante para seu consumidor. Enquanto quem compete por custo investeem diminuir gastos e espremer margens, as empresas que buscam diferenciaoinvestem no outro lado da moeda, buscando sempre oferecer inovaes e ofertas que astornem diferentes aos olhos de seus clientes.

    Competir por FocoA competio por foco ocorre quando voc consegue identificar uma parcela do

    mercado pequena o suficiente para que voc possa oferecer algo que possa serapreciado, e grande o suficiente para que voc consiga pagar suas contas. No ramo delivrarias, por exemplo, podemos encontrar livrarias voltadas classes profissionaiscomo mdicos e advogados, ou at a grupos religiosos.

    Esse terceiro movimento foi criticado por muitos por ser visto apenas como umaforma especial de diferenciao.

    A empresa que escolher e executar um desses trs movimentos criar o que

    Michael Porter chamou de barreiras de entrada em seus mercados. Basicamente, aempresa ficar to boa naquilo que a concorrncia pensar duas vezes antes de enfrent-la em seu territrio.

    O conceito de barreira de entrada nada mais que um reconhecimento daquiloque os generais sabem desde a poca de Thucydides: sempre mais fcil se defender doque atacar. Se voc est atrs dos muros de uma cidade, est protegido e em boa posiopara acertar um invasor. Se voc que precisa carregar escudos, lanas e o peso de suaarmadura morro acima para ainda tentar escalar um muro sob uma chuva de lanas,flechas e pedras, boa sorte.

    Em toda histria vemos a vantagem de defender a posio ao invs de atacar.Reconhecendo isso, muitos dos grandes casos de viradas empresariais so de empresasque aprenderam a, ao invs de combater diretamente a concorrncia e invadir seuterritrio, criar novos territrios no mercado e defend-lo dos velhos concorrentes.

    Vamos ao caso da Apple. Com o passar dos anos, o mercado de computadoresveio se tornando cada vez mais competitivo. As diferenas de tecnologias so cada vezmenores de um concorrente a outro. A grande maioria das pessoas no quer ficardecorando as caractersticas e vantagens do sistema que usam. No interessa quantosgigas de memria seu computador tem ou a quantos Hertz chega o seu processador, amaioria de ns apenas quer fazer seu trabalho em paz. Com menos oportunidades de sediferenciar, e maior facilidade de novos competidores entrarem no mercado, os preos emargens so cada vez mais baixos. Cada ao de um concorrente leva a uma reao dosoutros, tornando a batalha cada vez mais difcil e sangrenta.

    Ao invs de competir exclusivamente nessa guerra de preos, a Apple preferiu

    ocupar territrio novo. O lanamento do Ipod foi o pice dessa estratgia. Nada maisque uma reinveno moderna do Walkman aquele glorioso produto que lanou a Sonyao estrelato na dcada de 80 e permitia que seus usurios ouvissem uma fita casseteaonde que que estivessem O Ipod tornou-se objeto de desejo de milhes de pessoas nomundo inteiro.

    Usando o conhecimento que j possua em tecnologia, no deve ter sido um feitomuito difcil do ponto de vista tcnico. Prova disso a quantidade de cpias lanadaspor concorrentes. Aps o sucesso do Ipod, todas as empresas estava lanando seustocadores de MP3, nome tcnico do aparelho. A Apple, no entanto, j estava

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    estabelecida e encastelada no topo desse mercado. sempre mais fcil se defender doque atacar.

    Onde no alcana a pele de leo deve ser coberto com pele de raposa Lisandro(A guerra do peloponeso- 528)

    Enquanto Thucydides foi julgado e culpado por perder uma cidade importantepara o lado de Athenas, Lisandro entrou para a histria como o comandante Espartanoque ps fim a tudo isso.

    Espionagem, politicagem, golpes de estado e traies eram acontecimentoscomuns no mundo antigo, principalmente nessa poca conturbada da histria. Lisandrolevou tudo isso ao extremo.

    Derrubando governos, conspirando, enganando e usando o terror para fazerinimigos de exemplo e desencorajar resistncias, Lisandro finalmente conseguiu minar opoder de Atenas e por fim a um dos conflitos mais importantes da histria.

    A pele de leo o bater de frente. Colocar exrcito contra exrcito, recursos

    contra recursos em confrontos diretos e abertos. A pele de raposa representa aesperteza, a tapeao do inimigo e o alcance dos objetivos com o uso da inteligncia,no da fora.

    Ao entrar em uma situao competitiva, nosso primeiro impulso usar a pele deleo, bater de frente concorrncia. Mas, como disse o comandante Espartano, nemsempre isso nos faz vencer a batalha.

    Ao pensar sobre a concorrncia, costumamos pensar sobre as peles de leo delese nossas. Quais o melhores recursos deles? Quais os nossos? Se eles vendem caro,podemos vender barato, se eles vendem barato, podemos vender algo mais refinado ecaro.

    Os maiores casos de sucesso competitivo, no entanto, costumam acontecerquando enxergamos um papel para a pele de raposa.

    Lisandro abalou o poder de Atenas se concentrando em suas cidades aliadas, dequem Atenas dependia para o comrcio e recursos para a guerra. Longe dessa cidade oude sua esquadra, Lisandro pde enfraquecer seu oponente antes da batalha final noestreito de Egosptamos, perto do Helesponto, uma rota vital para o comrcioAteniense.

    Peguemos o caso da Microsoft, por exemplo. Como competir com um gigantedesses? Desenvolvendo um novo sistema operacional para bater de frente com o famosoWindows?

    O Google fez exatamente essa proeza sem precisar bater de frente. Comeoucomo um sistema de busca na Internet, hoje se v como um grande organizador deinformao, dona de sites famosos como o Orkut e Youtube. Segundo muitos analistas,

    se h uma empresa que possui os meios de competir com a Microsoft, essa empresa oGoogle.A Coca-cola aprendeu a mesma lio quando, concentrando-se nos refrigerantes,

    comeou a perder mercado para toda uma linha mais saudvel, de gua mineral aisotnicos esportivos.

    Se h algo que essas histrias nos contam que os concorrentes mais perigososno so aqueles que aparecem em nossas frentes, rugindo como lees. So aqueles queesperam o momento e o lugar certo de nos atacar, e aparecem para nos devorar quando eonde menos esperamos. Lembre-se: O maior risco aquele que ns no podemos ver.

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    O que voc pode fazer para no ser pego de surpresa? E para competir com osoutros? Ser que no hora de parar de bater de frente e lanar a pele de raposa sobre aconcorrncia?

    Se voc tivesse nascido na Prsia, sentar no lugar do rei seria um crime capital: -

    Nascido na Macednia, permitido.

    Alexandre, o Grande (356/323 a.c.) Ao ceder seu lugar perto do fogo a um soldadoexausto pelo frio.

    A guerra do Peloponeso vista por muitos como o fim do poderia grego nomundo. A vitria de Esparta no trouxe paz, mas um perodo de novos conflitosinternos. A civilizao grega nunca mais foi a mesma. Enfraquecida, a Grcia ficouvulnervel a outros povos primeiro os ataques persas, depois a conquista por um povoque morava mais ao norte, em uma regio chamada de Macednia.

    O responsvel pela derrota final das cidades gregas foi Filipe II. Rei de umconjunto de reinos reunidos atravs de muita poltica e batalhas, viu na Grcia a

    oportunidade de montar seu imprio.Apesar de desgastados, os gregos ainda eram perigosos quando enfrentados em

    campo de batalha. A resposta de Filipe aos lendrios guerreiros gregos foi a inveno daSarissa: Uma longa lana de cerca de 6 metros de cumprimento.

    O Escudo era preso ao brao direito, permitindo que as Sarissas fossemmanuseadas com ambas as mos. Essas armas continham um ponta de ferro de um ladoe um contrapeso do outro, o que tornava o manuseio mais fcil. Filipe treinou seushomens para avanarem muito prximos uns aos outros, na famosa formao emFalange. O cumprimento das Sarissas fazia com que, na horizontal, o quinto homem deuma fila Pudesse atingir o inimigo. Mesmo que um soldado inimigo, portando astradicionais armas mais curtas, conseguisse passar da primeira fileira de pontas delanas, teria que lidar com mais quatro delas at chegar a seu objetivo.

    Usando um antigo grito de guerra para marcar o tempo, os soldados de Filipeagiam como um grande bloco enquanto cantavam seu Alalalalai. Uma viso que deveter aterrorizado muitos inimigos.

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    Apesar de sua fora em um ataque frontal, a Sarissa era vulnervel pelas laterais,e sua defesa ficava por conta da tropa de elite de Filipe, os carregadores de escudos,armados com escudos e espadas mais tradicionais. A prxima inovao do rei foicoordenar tudo isso com o uso da cavalaria, usada frequentemente para cercar o inimigoe atacar em seus pontos mais fracos. Filipe era sem dvida um gnio da estratgiamilitar, e seu filho, Alexandre, com certeza aprendera muito com ele.

    Apesar de seu gnio, Filipe no passava de um senhor tribal. A Macednia atento no tinha uma cultura muito desenvolvida, e Filipe, na busca de montar umimprio, teve que importar uma.

    Alexandre e outros jovens se beneficiaram disso. As maiores mentes da Grcia,incluindo Aristteles, foram trazidas para lhes servirem como tutores. Alm dopoderoso exrcito, o futuro imperador teve o luxo de uma bela educao.

    Aps a morte do pai, Alexandre herda o Imprio, as tropas e a promessa deatacar a Prsia, maior imprio do mundo. O uso das Sarissas combinado com as outrastropas provou-se infalvel. Usando as tcnicas e homens herdados pelo pai, Alexandremontou um dos maiores imprios que o mundo j viu. Prova disso o modo comoentrou para a histria: Alexandre, o Grande.

    Sob o comando de Filipe, e depois de Alexandre, as tropas possuam uma formabastante caracterstica de lutar: As Sarissas serviam para segurar as tropas inimigas,

    enquanto a cavalaria procurava um ponto fraco onde quebrar as defesas inimigas.Ocupados com as Sarissas frente, o inimigo no conseguia manobrar a tempo de sedefender da cavalaria macednica, que surgia pelo lado ou por trs. A grande maioriadas batalhas na carreira de Alexandre foram travadas dessa forma.

    Boa parte da fama de Alexandre se deve ao fato dele mesmo se colocar junto aobrao mais avanado do exrcito, a cavalaria do lado direito. Enquanto o rei Persa e seuspares costumavam se colocar na aparente segurana ao meio de seu exrcito, Alexandreliderava frente de seus homens. Apesar disso ter quase lhe custado a vida por diversasvidas, fez com que seus homens estivessem dispostos a lhe seguir at o inferno.

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    E ao inferno seguiram. Alexandre foi coroado Fara no Egito e Rei na Prsia,aonde visitou os lendrios jardins suspensos da Babilnia. Buscando o fim do mundo,chegou ao sul da China e ndia, locais desconhecidos do ocidente at ento. Sempre frente de seus homens, gerou histrias que viraram lenda, como a vez em que,atravessando uma regio rida com seu exrcito, jogou fora a ltima poro de gua

    trazida de um poo quase seco por um de seus batedores: Se no havia gua para todos,o rei passaria sede com seu exrcito. Muitos dos homens de Filipe seguiram o herdeiroat o fim. Quando finalmente voltou da campanha na ndia, a tropa de elite decarregadores de escudo herdada de seu pai contava com homens de mais de 70 anos.

    Quando perguntado como fazia para manter a coeso sobre a Grcia, respondeuuma frase que ficaria clebre: No fazendo amanh tudo que pode ser feito hoje.

    Para tudo isso era preciso velocidade. A prpria Sarissa podia ser dividida nomeio para ser mais fcil de carregar, e seus homens eram versados na coleta de gros eproduo de alimentos, o que os permitia usar os recursos locais ao invs de carregartudo que precisariam consigo. O imprio de Filipe j tinha escravos suficientes para oexrcito no precisar voltar na poca das colheitas, e Alexandre fez uso dessa mo deobra. Preconizando os romanos, Alexandre fez grande uso das estradas para receber e

    enviar suprimentos.Alm da liderana e tticas exemplares, Outra grande realizao de Alexandre

    foi no campo cultural. Percebendo como seria difcil controlar um imprio do tamanhodo seu, com tantos povos e culturas diferentes, fez algo inusitado: permitiu que seusconquistados mantivessem seus costumes e se integrassem ao novo governo. Osconquistados no eram somente conquistados. Depois da batalha, uniam-se de fato aoimprio. Isso tornava mais fcil manter a colaborao de todos, evitar revoltas econtrolar um territrio daquele tamanho em uma poca que as notcias podiam levarmeses para chegar de um lugar a outro.

    O que podemos aprender com a estratgia de Alexandre?

    Pirro (280-275 a.c.)

    Os exrcitos se separaram, e se diz que Pirrus respondeu a algum que lhecumprimentou pela vitria: Mais uma vitria dessas e estaremos arruinados (Plutarco)

    Logo aps voltar de sua campanha de conquistas, Alexandre o Grande morremisteriosamente. Como era jovem e no deixou herdeiros, seus generais resolvemdividir o imprio entre si.

    O general mais famoso dessa fase Ptolomeu, que vai ao Egito e funda uma

    dinastia que se manteve no poder pelos prximos trs sculos. A famosa rainhaClepatra era sua descendente. Pode-se dizer que Ptolomeu se saiu melhor que osoutros. Sem a figura de um grande rei para manter os ex-generais unidos, o imprio queAlexandre e seu pai criaram comeou a ruir.

    O vcuo de poder deixado pela morte de Alexandre e fim do impriomacednico deixou o caminho livre para que algum o ocupasse. E no faltavamcandidatos ao cargo.

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    Existem vrias lendas sobre quando e como a cidade de Roma foi fundada. Elaaparece na histria do mundo como apenas mais uma cidade na regio da Itliamoderna, logo, ela se tornaria um dos maiores imprios que o mundo j viu.

    As outras cidades e imprios no cederiam to facilmente. Durante um conflitocom a cidade de Tarentum, essa pediu auxlio ao rei de piro, na regio da Grcia.Pirro, o rei, respondeu o chamado, e ao fazer isso se tornou o primeiro governante da

    histria a testemunhar o poder da nova potncia que se formava.Pirro desembarcou na Itlia com uma tropa de 25.000 soldados. O que torna ahistria interessante que o problema de Pirro no era perder batalhas. Ele venceu suasduas primeiras batalhas contra Roma. O problema era o custo da vitria.

    Roma era um belo adversrio, e a cada batalha Pirro contava mais mortos. Apsa segunda batalha, em face s suas baixas e percebendo a organizao e capacidade deRoma em repor seus exrcitos, Pirro disse sua famosa frase: Mais uma vitria dessas eestaremos arruinados. Aps uma campanha com pesadas perdas, Pirro acaba sendoforado a voltar para casa. Tarentum se rendeu pouco tempo depois.

    Anibal 247/183(2) a.c.

    Voe como uma borboleta, pique como uma abelha. Suas mos no podem acertar o queseus olhos no podem ver.Muhammad Ali Lutador

    Crescimento gera oposio, e pouco aps a vitria sobre Pirro, Roma enfrentariaum oponente muito mais perigoso.

    Fundada pelos maiores navegadores da antiguidade, os Fencios, a cidade deCartago ficava aonde hoje a Tunsia. A posio estratgica para o comrcio, e apoderosa marinha que surgiu para apia-lo logo fez com que Cartago se tornasse um dosmaiores poderes da regio do Mediterrneo.

    As guerras entre Roma e Cartago so chamadas em conjunto de guerras pnicas.Anbal Barca seu personagem mais interessante.

    Cartago possua uma colnia ao sul da Espanha. O Imprio romano comeavaoficialmente na face norte do rio Ebre, Cartago comeava em sua margem sul.Naturalmente o equilbrio entre as duas potncias era delicado, e logo seria quebrado.Em 218 a.c. inicia-se a chamada segunda guerra Pnica. Ou, como ficou conhecidaentre os romanos: A guerra contra Anbal.

    Se voc fosse um romano, se preparando para a guerra com uma cidade nafrica, em disputa por uma regio na Espanha, aonde voc esperaria encontrar seuinimigo? No litoral? Na prpria Espanha? Foi exatamente isso que os lderes romanospensaram.

    ento que Anbal faz um dos movimentos mais inusitados da histria. O

    general resolve surpreender seus inimigos, parte com seu exrcito por terra, cruza osalpes e reaparece com cerca de 40.000 homens diretamente no norte da Itlia.No, voc no leu errado. A travessia de um exrcito desse tamanho, com

    cavalos e at elefantes de guerra um dos maiores feitos da histria. Conta-se que osprprios romanos j discutiam qual teria sido a rota usada pelos Cartaginenses. Athoje, no se sabe como Anbal fez para cruzar os Alpes e surpreender seu inimigo.

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    A surpresa no parou por a. No primeiro grande confronto entre Anbal e osRomanos, Mago Barca, irmo mais novo de Anbal, se escondeu noite atrs do campode batalha com 2.000 homens, sendo 1.000 de cavalaria. Aps o combate iniciar, Magosurge diretamente atrs do exrcito romano e garante uma vitria que ceifou a vida deaproximadamente 20.000 homens, metade do exrcito romano.

    No segundo enfrentamento, Anbal esperou que os romanos cruzassem a plancieladeada pelo lago trasimene. O exrcito Cartaginense estava escondido, coberto pelavegetao, enquanto a cavalaria esperava nas proximidades. Ao marcharem ao lado dolago, os romanos foram surpreendidos pelo inimigo. Sem tempo para se organizar eespremidos pelas guas do lago, todos os cerca de 40.000 homens do exrcito romanoforam mortos, afogaram-se ou se renderam.

    O pior, no entanto, ainda estava por vir. Dispostos a dar uma resposta definitiva ameaa que se aproximava cada vez mais de Roma, a repblica reuniu uma quantidademaior ainda de homens, e partiu para dar combate Anbal.

    Os romanos tinham o hbito de maquiar a histria a seu favor, aumentando onmero de mortos do inimigo e diminuindo as suas perdas. Por isso, difcil saber otamanho do exrcito romano em Cannae. A vergonha romana foi tanta que fez-se umesforo para sumir com os nmeros da batalha. Atualmente calcula-se que os cerca de40.000 soldados de Anbal enfrentaram algo em torno de 85.000 a 100.000 romanos.Algo entre 50.000 e 75.000 acabaram mortos.

    Cannae entrou para a histria como um modelo a ser seguido por estrategistasnos prximos milnios. Dwight D. Eisenhower, comandante das foras aliadas na 2.aguerra, chegou a declarar que todo comandante busca imitar o sucesso de Cannae.

    Em retrospecto, a estratgia de Anbal parece bastante simples (boas estratgiascostumam ser assim). Anbal estendeu ao mximo seu exrcito, formando uma grandelinha. Colocou suas tropas estrangeiras no centro e partiu somente com elas de encontroao enorme bloco que era o exrcito romano. claro que essas tropas no conseguiriamsegurar o poderoso exrcito romano, e esse comeou a avanar. medida queavanava, o exrcito romano concentrou-se no centro dos Cartaginenses, aqueles queestavam sua frente. Empolgados com a chance de vitria, avanavam sobre ainfantaria de Anbal. Sem perceber, colocavam-se em uma posio cada vez maisperigosa.

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    Quando deram por si, os romanos estavam completamente cercados pela forade Anbal. Com a cavalaria inimiga surgindo por trs e aos lados, as melhores tropaspelas diagonais e o centro fraco apenas segurando qualquer possibilidade de avano,restou aos romanos lutarem por suas vidas. Aps a batalha, conta-se, quando queriamassustar algum, os romanos diziam que Anbal estava aos portes. O general deCartago acabou obrigado a voltar, trado e derrotado pela poltica interna de seu pas

    natal, no sem antes se tornar no grande bicho papo que habitaria o imaginrio populardos cidados romanos.

    A estratgia de Anbal em Cannae formalmente conhecida como movimentode pina pela semelhana do formato desse objeto com a disposio das tropas. E aindahoje uma das mais fatais estratgias, tanto no meio militar quanto em qualquer outro.

    A estratgia de Anbal resume a essncia do pensamento estratgico atravs dostempos: Os grandes estrategistas podem ter seus objetivos, mas no necessariamente sedirigem diretamente a ele. No por querer destruir o centro do exrcito inimigo queAnbal se dirigiria diretamente a ele. No por querer acabar com os romanos que

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    Anbal esperaria para combat-los na Espanha, ou tomaria a rota mais bvia contra eles.O grande estrategista segue rumo a seus objetivos por caminhos indiretos usando asurpresa a seu favor.

    Julio Csar (100(2)-44 a.c.)

    Bem, o que vocs esto esperando?

    9 de Agosto de 48 a.c., e Gnaeus Pompeu Magnus provavelmente estava demau-humor. Aos 23 anos esse homem j era General, e subiu uma gloriosa trajetria deascenso militar e poltica. Agora com 57 anos, nunca derrotado em uma batalha,Pompeu sabia que se encontrava face a face com um dos maiores desafios de sua vida.O glorioso general estava para enfrentar um dos mais temveis exrcitos de todos ostempos.

    Restou aos historiadores apenas adivinhar o que se passou em sua mente naquelamanh, enquanto se lavava, vestia sua armadura e capa escarlate a capa que o marcavacomo general do exrcito. Ter ele amaldioado seus gananciosos comandantes, que

    segundo alguns contam, o foraram a uma batalha decisiva com o inimigo? Teria ele seperguntado se era bom o suficiente? Teria se lembrado dos banquetes dados em plenoacampamento de guerra, enquanto seus comandantes j dividiam entre si o que cada umiria tomar dos esplios do inimigo?

    Do outro lado da Plancie de Farsala, montado em seu cavalo em meio suastropas, Pompeu avistou o exrcito inimigo. Montado em seu cavalo, outro homem usavaseu manto escarlate enquanto passava por toda a tropa, animando-a e encorajando-a paraa batalha que se seguiria.

    Com um exrcito duas a trs vezes menor que o de Pompeu, longe de banquetese com o exrcito beira da fome, Julio Csar, 52 anos, ainda era um adversriofabuloso. General, agirei de tal modo hoje que voc ser grato a mim, morto ou vivo,gritou o centurio voluntrio Gaius Crastinus enquanto Csar passava pela linha defrente.

    A Plancie de Farsala entraria para a histria romana como o local aonde dois deseus maiores lderes entraram em seu conflito final. Quem pode imaginar o que teriamconseguido caso tivessem conseguido fazer a paz? Aonde Roma chegaria com essesdois agindo junto? Teriam indo ndia, expandindo o novo imprio para rivalizar com ofamoso Alexandre?

    O fato que nesse dia, romano contra romano, general contra general seenfrentariam. Pela primeira vez na histria tropas romanas enfrentariam umas s outrasem campo de batalha.

    Ao lado esquerdo de Csar passava o rio Enipeus, o que limitaria os movimentosda cavalaria ao lado direito da luta.

    Os dois exrcitos agora se encaravam frente frente. Pompeu ao lado direito deseu exrcito, encarava Marco Antnio liderando esse lado das tropas de Csar. JulioCsar se colocou ao lado direito de suas tropas, e observando os movimentos dos cercade 7.000 homens que compunham a cavalaria de Pompeu, percebeu que no seriampreos para a sua cavalaria, com cerca de 1.000, contendo sua prpria guarda pessoal.Csar retirou alguns de seus homens da linha de batalha e colocou-os atrs de suasfileiras, formando uma quarta linha do lado direito do campo.

    Finalmente soaram as trombetas, e as cavalarias de ambos os lados partiram parase enfrentar. Enquanto as tropas assistiam, a cavalaria mais numerosa de Pompeu

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    ganhou a dianteira, e enquanto enfrentava os cavaleiros de Csar, comeou a circundar oexrcito inteiro, para atingir sua retaguarda.

    Quando os cavaleiros inimigos chegaram s suas linhas, Csar deu a prximaordem. As trombetas soaram e os homens da quarta linha, que provavelmente estavamdeitados para ficar fora da viso do inimigo, levantaram-se e atacaram a cavalariainimiga com suas lanas. Em pnico, esses 7.000 homens de Pompeu dispersaram-se e

    bateram em retirada.As trombetas soaram novamente. A bandeira vermelha de Csar inclinou-se emdireo ao campo de batalha. Com ela, os estandartes das primeiras duas fileiras deCsar baixaram e suas tropas iniciaram o avano ao inimigo.

    Foi ento que algo curioso aconteceu: As tropas de Pompeu no se moveram.Um truque simples, que faria as tropas de Csar correrem por todo o campo de batalha,duas vezes mais que o usual, e chegarem cansados e sem flego outra ponta.

    Mas os Centuries de Csar no eram simples soldados. Alguns o tinhamacompanhado pela ltima dcada e meia de batalhas e conquistas. Muitos seorgulhavam de estar presentes quando Vercingetrix, o famigerado lder gauls, depssuas armas e finalmente submeteu seu imprio a Csar.

    E assim, espontaneamente, os centuries ordenaram que seus homens parassem.

    A fora de ataque de Csar parou ao meio do campo de batalha, recuperou seu flegopor alguns minutos, e retomou o avano.

    Os dois exrcitos se enfrentaram em uma barreira de escudos e lanas. Conta ahistria que Pompeu, aps ver sua poderosa Cavalaria derrotada nos momentos iniciaisda batalha e a ferocidade com que os homens de Csar avanava sobre os seus, deu meiavolta em seu cavalo e foi esperar a derrota em seu acampamento (posteriormente fugiupara o Egito, aonde acabou trado e executado pelo rei Ptolomeu XIII). O golpe demisericrdia veio quando as trombetas de Csar soaram e sua bandeira baixounovamente: a terceira linha de seu exrcito partiu para cima do inimigo. Os homens daprimeira e segunda linha deram espao para que homens descansados tomassem seulugar, e o exrcito de Pompeu comeou a ruir.

    A trajetria de Csar, culminando com seu assassinato no senado romano,provavelmente a histria mais famosa sobre o perodo romano. Csar no era s umgrande estrategista, mas tambm um grande lder. Estudioso do passado, procurouseguir o exemplo dos grandes nomes do passado, inclusive Alexandre.

    Um hbito de Csar que particularmente irritava os membros da nobreza quecompunham seu corpo de oficiais, era o de descer do cavalo e acompanhar seus homens batalha. Pelas leis romanas, quando um oficial de patente superior desmontava, todosseus subordinados tambm deviam desmontar. Muitos filhos de nobres, listados comooficiais para fazer suas reputaes, acostumados a assistir a batalha de longe no confortoe segurana de um cavalo, eram forados a descer e combater efetivamente nas batalhas.O maior perigo, no entanto, recaa sobre o prprio Csar, j que os generais usavam adiferenciada capa escarlate, o que o marcava como um belo alvo para soldados inimigos

    em busca de uma recompensa.Em sua ltima batalha, na Espanha, contra o filho de Pompeu, o inimigo estavaposicionado em cima de uma montanha. O exercito de Csar teve que cruzar um rio emarchar montanha acima para enfrent-lo. Durante a subida, o exrcito foi recebido porsaraivadas de lanas, que fizeram com que os homens parassem e comeassem a recuar.Ao ver isso, Csar desce de seu cavalo, agarra o escudo de um homem que fugia, toma adianteira de seu exrcito e, segundo a lenda, recebido por uma saraivada de 200lanas. Aps isso, abaixa seu escudo, vira-se a seus homens e diz a frase que abre essaseo. Foi o suficiente para renovar o nimo de seus homens e vencer a batalha.

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    Flavius Vegetius (Vegcio?) Renatus 385/400

    Uma grande estratgia pressionar o inimigo pela fome ao invs de pela espada

    Quando falamos em imprios e pocas que j passaram, sabemos que estamoslidando apenas com fragmentos do que um dia foi algo real. Sabemos que apenasalgumas obras, historias e textos resistem a diferentes geraes de conquistadores econquistados, mudanas polticas, sociais e econmicas e s agruras do tempo.

    Quando falamos em estratgia militar romana, portanto, devemos ser gratos aFlavius Vegetius. Sua obra, Epitoma Rei Militaris a nica fonte sobre a estratgia einstituies militares romanas a ter chego aos nossos tempos. Basicamente tudo o quesabemos sobre como os romanos operavam sua poderosa mquina de guerra vm deVegetius. Sua obra foi estudada por diversos lderes atravs dos tempos, e vrias de suasfrases ficaram conhecidas: Se quer paz, prepara-se para a guerra, por exemplo.

    O que diferenciava o exrcito romano dos outros era sua organizao edisciplina. Assim que chegavam a uma nova regio, os soldados formavam

    acampamentos. A disciplina e treinamento nunca cessava: Os soldados eram treinadosem vrias armas e diversas posies administrativas dentro do acampamento, tornando-os facilmente intercambiveis e substituveis. As sesses de treinamento ocorriamcontinuamente, e era comum ver membros do alto escalo e at o imperador treinando,se este estivesse presente no acampamento.

    A organizao e logstica romana foram o grande diferencial do Imprio. Dizia-se que todas as estradas levam a Roma, pois realmente, as estradas facilitavam otransporte, comunicao e coeso de todo o imprio. As legies frequentemente seengajavam em grandes obras de engenharia para dar apoio ao avano sobre novosterritrios e manter as posies tomadas.

    Pela maior parte de sua histria, os soldados romanos eram soldadosprofissionais. Faziam suas carreiras no exrcito, recebiam pagamento fixo e participaonos resultados das campanhas militares, e uma bonificao ao se aposentarem.

    Bem treinados e disciplinados, os soldados romanos conseguiam executarmanobras que os colocava em posio muito superior a seus inimigos. Eles treinavam,por exemplo, para alternar os homens da linha de frente. Os movimentos eramcoordenados de forma com que o soldado que estivesse frente desse passagem ao queestava atrs, descansado. Dessa forma os exrcitos romanos conseguiam manter o vigorno combate por perodo considerveis de tempo. Como profissionais e conhecedores deseu ramo, os soldados romanos eram bastante flexveis, adaptando suas estratgias paralutar contra diferentes tipos de inimigos.

    Com essa fora toda, seria de imaginar que os romanos no perderiam umaoportunidade de enfrentar logo qualquer inimigo que passasse pela frente. Mas eles

    eram melhores que isso.O exrcito romano era capaz de chegar a um novo local e rapidamente montaracampamento. Os soldados Cavavam de um lado, jogavam a terra para outro, e em cimamontavam uma cerca. Em menos de um dia surgia uma fortificao.

    Dessa forma, os romanos sempre procuravam construir seus acampamentos emtorno do inimigo. Assim que os acampamentos estavam prontos, comeavam a construirtrincheiras, ligando suas diferentes bases e apertando o cerco contra o inimigo. Durantea batalha com Vercingentorix na conquista da Glia, por exemplo, o exrcito de JlioCsar constru uma barreira de cerca de 18 quilmetros de extenso e quatro metros de

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    altura para cercar o inimigo, e logo em seguida ergueu uma nova linha em volta davelha, com 21 quilmetros, para se defender dos reforos dos gauleses.

    Um inimigo cercado, sem poder receber reforos, alimentos e sequer enterrarseus mortos, logo comeava a perder mais gente para a fome e doenas do que para abatalha propriamente dita. Muitas vezes capitulavam e se rendiam. Em outras,ofereciam uma resistncia enfraquecida por uma mistura de fome, doenas, e pressa de

    sair de uma situao desesperada.A organizao Romana, alm de auxiliar na vitria, garantia que muitos lderesdesistissem sequer da idia de entrar em confronto com esse Imprio. O custo poderia setornar alto demais.

    Gengis Khan 1167/1227

    A maior alegria exterminar seus inimigos, persegui-los, roub-los de suas riquezas,ver aqueles queridos a eles em lgrimas, abraar no seu mago suas mulheres e filhas

    De filho de senhor tribal a criador de um dos maiores imprios que o mundo j

    viu. A histria de Temujin, ou como ficou conhecido, Gngis Khan, um dos maiorescasos de ascenso pessoal que o mundo j viu.

    Entre a Turquia Manchria, ponta da China, h um mar de grama, ou estepe,de 6000 quilmetros. Enquanto os habitantes do mundo ocidental aprendiam a viver emcidades, por volta de 4.000 a.c., essa enorme regio asitica viu o nascimento da culturanmade pastoril.

    Ao contrrio dos ocidentais, cada vez mais arraigados vida urbana, oshabitantes daquela parte do mundo utilizavam-se do domnio sobre os animais e amplaextenso de terra para sobreviver. Levando seus rebanhos a melhores pastos, seguindosuas presas pelas rotas de migrao e passando por florestas aonde valiosos recursosnaturais podiam ser encontrados, esses povos aprenderam a viver em movimento. Nascea cultura dos pastos, da caa, e, principalmente, do arqueiro montado.

    Os romanos sentiram a fora dessa ameaa pela primeira vez durante a batalhade Carrhae. Marcus Licinius Crassus, integrante do primeiro triunvirato juntamente comJulio Csar e Pompeu Magno, levou mais de 40.000 homens Partia, regio que hojefaz parte do Ir. Apesar da clara vantagem numrica (alguns historiadores calculam afora Parta contendo no mais que 10.000 homens), os legionrios romanos no forampreos para a poderosa cavalaria inimiga. Arqueiros montados atacavam e se retiravamrpida e continuamente ao longo das linhas romanas, enquanto outra fora de cavalaria,mais fortemente armada e protegida (precursores dos cavaleiros da idade mdia),desgastava os soldados romanos. O prprio Crassus perderia a vida. Sua morte abriucaminho para um ano depois, Jlio Csar e Pompeu comearem a lutar pelo poder, naguerra civil romana.

    A cultura da cavalaria e do arco e flecha sempre foi muito forte na regio. Sendoessas as habilidades indispensveis para sobreviver, as crianas aprendiam desde cedo acavalgar e acertar seus alvos.

    Ainda falta algo para explicar a grande fora das tribos asiticas: O arcocomposto.

    No ocidente, os ingleses ficaram famosos pela fora de seus arqueiros. O arcolongo ingls era feito de madeira, podendo chegar a mais de 2 metros de altura. Essearco permitia uma fora que o fazia ter um alcance de at 320 metros, e a curto alcance,podia ser capaz de perfurar uma armadura.

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    O arco composto oriental, feito de madeira, chifre e tendes animais e cola, comseu cerca de 1 metro de envergadura parece algo muito menos impressionante. Noentanto, o material usado e a forma recurvada do arco, com as pontas voltando-se para afrente, aumentava em muito a energia potencial do arqueiro. Uma das nicas inscriesda poca de Gngis Khan nos diz que Yesunge, seu sobrinho, acertou um alvo a mais de500 metros de distncia.

    Pelo seu tamanho, o arco ingls e seu arqueiro eram elementos fixos. O pequenoarco composto podia ser carregado e usado de cima de um cavalo. Um arqueiro a cavalono algo que podia ser treinado facilmente. Os arqueiros turcos, por exemplo, usandoarcos parecidos, passariam a usar um anel protetor nos dedos. O soldado mongolcontava apenas com seus prprios dedos enrijecidos por anos de prtica. Como bonscaadores, podiam atirar no s para a frente, mas de lado e at de costas. Gngis Khanusou mais de uma vez a tcnica da retirada simulada, fingindo bater em retirada para serseguido pelo inimigo, apenas para esse descobrir que os homens do Khan eram capazesde continuar alvejando seu exrcito enquanto eram perseguidos. Muitas vezes, atperceber que os mongis estavam fingindo a retirada, j estaria sendo cercado por eles.

    Os homens do Khan eram excelentes guerreiros, contavam com dezenas de tipode flechas diferentes, para perfurar armaduras, serem atiradas distncia e at com

    apitos para marcar o territrio e assustar o inimigo. No se sabe ao certo, mas calcula-seque conseguiam fazer isso com grande velocidade. Segurando vrias flechas com amesma mo do arco, talvez chegassem velocidade de uma flecha a cada dois ou trssegundos. A vestimenta era leve, facilitando a movimentao e velocidade. GngisKhan teria dado a ordem para que todos seus homens usassem seda. Assim, o tecido nodeixaria com que as flechas penetrassem na pele dos homens, e podia ser retirada apenasesticando-se o tecido.

    Por ltimo, como pastores, cada soldado mongol levava vrios cavalos, queserviam de alimento em caso de necessidade e garantiam sempre uma montariadescansada para a batalha.

    Isso tudo explica a vantagem ttica de Gngis Khan. As tropas inimigas,carregando tradicionais armaduras, no eram preas para os arqueiros montados.

    Temujin, o homem por trs da lenda, queria construir um imprio. Nascido filhode um senhor tribal, aonde conflitos entre as pequenas tribos eram comuns, ele buscouacabar com as brigas internas e formar um povo coeso. Gngis Khan, cuja traduomais provvel imperador ocenico, s passou a ser seu nome aps uma grandeexpanso e unificao.

    Por isso, apesar de terem existido diversos povos com tecnologia semelhante(que os europeus costumavam se referir apenas como brbaros), Gnghis Khan sedestaca pelo objetivo explcito de formao de um Imprio. O historiador John Man nosd as 10 regras de liderana usadas por Gngis Khan:

    1) Recompensar a lealdadeGngis nunca se preocupou muito com a posio social de algum, sabendo

    recompensar a lealdade aonde for que ela ocorresse, incorporando, inclusive, ex-inimigos em seu exrcito e empregando homens antes utilizados por eles.

    2) Ser austeroApesar de podermos considera-lo o homem mais poderoso do mundo em sua

    poca, o Khan nunca abandonou suas origens. No chegou a construir monumentos,

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    cidades e palcios em sua prpria homenagem, como muitos faziam. O maisprximo que chegou de um palcio era uma tenda mvel, puxada por 22 bois.

    3) Exercitar autocontroleGngis Khan sempre escutava seus subalternos e nunca usou seu poder para

    descarregar sua raiva em algum de posio inferior. Perdoava muitos homens eusava a fora de seu exrcito como meios de chegar a um objetivo, no comoinstrumento de vingana ou a servio de seu ego.

    4) Descobrir talentos aonde for possvel e usa-losEx-inimigos e ex-escravos conseguiam chegar a altos postos em sua

    organizao. Enquanto os costumes difundidos pela poca colocavam os laos danobreza e familiares como mais importantes, Genghis Khan montou um governofortemente baseado no mrito individual.

    O exrcito mongol evitava o micro-gerenciamento. Os comandantes recebiamseus objetivos, mas cada homem era livre para decidir como chegar a eles. Todos os

    soldados eram mantidos em grupos de 10, que serviam como uma irmandade, dandoapoio mtuo uns aos outros, e at garantindo a lealdade. Se um soldado do grupofugisse batalha, todo o grupo era executado.

    A adaptao e comunicao eram pontos fortes. O exrcito se movia em vriasfrentes, com seus comandantes mantendo contato e coordenando suas aes, o quedificultava qualquer preparativo inimigo.

    5) Matar inimigos sem remorsoAo chegar em uma nova regio, o exrcito mongol sempre oferecia ao outro lado

    a chance de se submeter ao imprio. Uma vez declarada guerra, a guerra era levada acabo com toda a fria possvel. No perdoava traies e via qualquer resistnciacomo vinda de estrangeiros no-humanos que podiam ser destrudos.

    Esse lado de Gngis Khan, responsvel por sua fama de lder brbaro, a menoscompreendida nessa figura histrica. A atitude um aparente paradoxo, mas fcil deexplicar: Aos amigos, o Khan reservava a recompensa pela lealdade, aos inimigos, aseveridade da punio. A fama trazida pelos episdios de sanguinolncia fazia comque muitos lderes pensassem duas vezes antes de se opor a ele. E no raro, aoescutar a fama que precedia o exrcito do Khan, lderes estrangeiros j preparavamsua rendio ao imprio.

    6) Opor-se crueldade

    Ao mesmo tempo que o exrcito mongol era capaz de coisas indizveis durante abatalha, surge outra diferena: Nunca se ouviu falar de episdios de tortura ousadismo deliberado. Cabe lembrar que at os reis cruzados, tidos como santos namisso de liberar a terra santa dos infiis, divertiam-se torturando inimigoscapturados. Como diz John Man, podemos no ver traos do ideal do perdoCristo, mas tambm no vemos sinais do sadismo que acompanhou lderes egovernos atravs dos tempos.

    7) Adaptar-se e estar aberto a novas formas de governar

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    O homem que nasceu Temujin e morreu como Khan sabia que iniciou sua vidaliderando um bando de caadores. Por isso, aprendeu e empregou os conhecimentosdos povos com que tinha contato. Adquiriu a burocracia chinesa, contratandoburocratas para ensinar e administrar o novo estado mongol. Adotou a escrita de umpovo prximo e ao expandir para o oeste e chegar Europa seus exrcitos j

    contavam com equipamentos pesados de invaso usados no cerco a cidades, e atcom lana chamas.A liberdade religiosa e a falta de preconceitos contra raas e classes sociais,

    permitindo com que pessoas e conhecimentos diferentes fossem agregados, foramum fator determinante no estabelecimento do imprio.

    8) Saber que se conta com o apoio divino.Gngis nunca duvidou de sua misso de unificador do Imprio. Via-se como

    enviado dos cus para tal tarefa. Sua ideologia fora concebida de modo simples eincontestvel: Todas as naes j eram sditas do imprio mongol, e deviam apenas serreconquistadas. O governante estrangeiro apenas precisava reconhecer isso.

    9) Fazer os seguidores e herdeiros tambm acreditaremSeus seguidores tambm acreditavam nisso, o que facilitava a coeso: como

    podia algum se opor ao enviado dos cus?Mais importante, o imprio mongol s tomou sua extenso maior no perodo de

    Kublai Khan, neto de Gngis, que recebeu Marco Plo na China como imperador.Gngis Khan foi um dos nicos lderes da histria a se preocupar em montar umaorganizao que sobrevivesse sua morte. De fato, at hoje as condies e local desua morte so controversas, j que seus generais conseguiram esconder o fato porum bom perodo de tempo. Conta-se que o prprio Gengis no queria que seu povose fixasse a um monumento num local qualquer.

    10)Respeitar a liberdade de crenaDesde que ningum descordasse de sua misso divina, todos eram livres para

    buscar respostas quanto aos desgnios dos cus de sua prpria forma. Ele apenas sabiaque tinha sido escolhido, no por que ou quem. Qualquer um era livre para buscar seuprprio entendimento.

    Com tudo isso, no de espantar que o Imprio Mongol s perca em extensopara o imprio ingls, anos depois.

    John (Jan) Zizka 1360(?)/1424

    You who are warriors of GodAnd his lawAsk God for helpAnd hope in himThat in his nameYou may gloriously triumph

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    Tudo comeou com Jan Huss, reitor da Universidade de Praga. Hus se revoltoucontra o poder e riqueza da Igreja, e comeou a se opor abertamente a algumas dasprticas da instituio na idade mdia, principalmente a venda de indulgncias(absolvio pelos pecados).

    Em 1415 Huss foi condenado a queimar na fogueira, se recusando a voltar atrs

    no que tinha dito. Foi o comeo da briga da populao da Bohemia, regio que ocupadois teros a partir do oeste da Repblica Tcheca, com os poderes estabelecidos. Embreve, um exrcito de camponeses seria levado a encarar o imperador Sigismundo, doSacro Imprio Romano, e uma declarao de Cruzada contra os insurgentes vinda daprpria Igreja.

    Coube a John Zizka, um dos comandantes eleitos, lidar com essa situao.Vamos parar um pouco e imaginar a situao de Zizka: Voc possui um bando

    de camponeses, e est para enfrentar nobres e cavaleiros com armaduras, que passaramboa parte de suas vidas no campo de batalha. Com certeza seus homens no seropreos para homens assim.

    Zizka entrou para a histria ao se recusar a entrar nos padres vigentes da poca,usando o conhecimento e meios que seu exrcito j possua. Ser isso possvel?

    O primeiro problema de Zizka estava em como treinar rapidamente seus homenspara enfrentar um exrcito treinado. Seus homens no teriam chance usando espadas earmas tradicionais contra um inimigo mais acostumado e treinado com elas. No entanto,Zizka percebeu que camponeses podiam no saber lutar com homens no campo debatalha, mas eram timos em debulhar cereais. Com o mangual, uma longa vara, ligadaa outra menor por uma corrente, os homens de Zizka estavam acostumados.

    Percebendo a oportunidade, Zizka fez com que grande parte de se exrcitopassasse a usar essa ferramenta no campo de batalha. Modificadas com pontas de ferro,essas armas tinham grande fora mesmo contra armaduras, eram difceis de serdefendidas e tinham um alcance maior do que uma simples espada.

    As batalhas Hussitas tambm so vistas como a primeira situao em que aplvora foi usada em larga escala em campos de batalha. Os mosquetes e peas deartilharia demoravam para ser recarregados, e aps a salva inicial os homenscostumavam ficar indefesos contra a cavalaria tradicional.

    Zizka lidou tambm com esse problema. Para isso utilizou diversas carroas, squais mandou reforar com paredes de madeira de um lado. Ao incio de uma batalha,as carroas de Zizka se colocavam em posio defensiva, fazendo um quadrado ousemi-crculo virado para fora.

    Os homens e cavalos ficavam seguros protegidos pela barreira de carroas. Almdisso, as paredes eram timas protees para os mosqueteiros e artilharia de Zizka. Noincio de uma batalha, o exrcito de Zizka comeava desgastando o inimigo atravs dofogo, muitas vezes mirando nos cavalos e deixando homens com pesadas armadurasquase indefesos no meio do campo da batalha.

    Quando o inimigo finalmente conseguia se aproximar, as carroas das laterais semoviam e abriam espao para a cavalaria e infantaria. A fora de combate geralmentebuscava cercar o inimigo pelas laterais, enquanto a artilharia continuava o castigo.

    A estratgia de Zizka se provou imbatvel. Ele conseguiu transformar umexrcito de camponeses em uma poderosa mquina de batalha, inventou o tanque deguerra, e tido como o primeiro comandante a usar tticas combinadas de artilharia einfantaria. E tudo isso no perodo inicial do confronto.

    Os homens de Zizka ficaram cada vez melhores. Conta-se que aps um tempoconseguiam realizar movimentos extremamente bem coordenados, com as carroas em

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    movimento apoiando a localizao dos homens. Zizka ficou cego durante a guerra, emesmo assim continuou liderando seu exrcito. Um de seus tenentes ficava por pertopara lhe contar o que acontecia, enquanto Zizka ditava suas ordens.

    John Zizka tido como um dos nicos comandantes militares a nunca perderuma batalha. Morreu de peste, e seus homens passaram a ser conhecidos como osrfos.

    Nichollo Machiavelli 1469/1527

    "Voc est condenado ao infortnio se voc estiver desarmado porque, entre outrasrazes, pessoas o desprezaro [...]. Simplesmente no h comparao entre um homemque est armado e um que no est. irracional esperar que um homem armado devaobedecer um que esteja desarmado, ou que um homem desarmado deva permanecersalvo e seguro quando seus servidores estiverem armados."

    a Prince who rests wholly on Fortune is ruined when she changes. Moreover, I believethat he will prosper most whose mode of acting best adapts itself to the character of the

    times

    Era uma vez um homem chamado Callimaco. Depois de uma temporada emParis, ele volta a Florena e ouve falar de uma bela mulher. Aps v-la, resolve que querpassar a noite com ela. O problema que ela casada, e fiel.

    Callimaco arranjar um comparsa, e elaboram um grandioso plano. Callimaco seapresenta ao esposo como um doutor com a soluo para seu problema de fazer a moaengravidar e lhe gerar um herdeiro. Ela deve tomar uma raiz que no falha. Um efeitocolateral meio inconveniente que o primeiro homem que dormir com ela morrerenvenenado. A soluo simples, sugere o conspirador: Arranje um z ningum parapassar a primeira noite com a moa e sofrer as conseqncias.

    A moa pede conselhos ao frade, j devidamente subornado. O sacristorecomenda que ela siga com o plano. O alvo do sacrifcio, logicamente, Callimaco,capturado disfarado nas ruas da cidade.

    Os dois passam a noite juntos. Callimaco no morre, fato que no deixa amocinha to triste assim. Ao final, todos vivem felizes para sempre: Callimacoconsegue o que queria, o frade fica com seu dinheiro, a jovem ganha um amante e oesposo um herdeiro.

    Escandaloso? Roteiro de filme classe B? Ao que parece, quando a pea foiapresentada no vaticano, o papa deu gargalhadas.

    Nichollo Machiavelli, ou como o conhecemos por aqui, Nicolau Maquiavel,entrou para a posteridade com sua obra O Prncipe. No entanto, no recebeu o devidoreconhecimento por ele em vida. Seu primeiro sucesso como escritor foi A

    Mandrgora, a pea cujo roteiro resumimos acima. O tema e enredo nos dizem muitodo porque Maquiavel ser uma figura to polmica quanto respeitada.

    O termo Maquiavlico entrou para a histria como algo ruim. Falamos quealgum maquiavlico quando queremos dizer que essa pessoa cheia de segundasintenes, e no perde por esperar em passar os outros pra trs. Maquiavel entrou parahistria como sinnimo de tudo que escuso e traioeiro.

    Seu trabalho no foi tratado de forma muito diferente: Apesar dereconhecidamente ser um dos livros de maior impacto da histria, O Prncipe foi um

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    dos primeiros livros proibidos pela Igreja. At hoje muitos acham que o prncipe umaobra sobre como tirar vantagens e tapear os outros. verdade que a obra foi muito lida,mas tambm imensamente distorcida ao longo da histria.

    Se olharmos com uma lente mais ampla, no difcil entender essa reao: Quemais poderamos esperar que se dissesse sobre um homem que disse preferir acompanhia de atores e prostitutas do clero?

    Se Maquiavel ofende, porque difcil negar a verdade em suas palavras:Rousseau disse que se o livro foi proibido pela Igreja, pelo fato dela se ver retratadanele.

    Hoje, podemos ler Maquiavel de duas formas: Como um manual de instruespara chegar ao poder, ou como uma grande divulgao sobre o real comportamento dosgovernantes por trs das cortinas do poder. Tendo feito carreira na vida pblica, e vistode perto como realmente funcionava a dinmica do poder, legtimo lermos Maquiavelcomo um aviso a todos ns: dessa forma que os prncipes de verdade se comportam.

    Nascido em 3 de maio de 1469, na cidade-estado de Florena, o prprioMaquiavel se definiria como algum que escreveu sobre o mundo como ele era, nocomo desejaria que fosse. O objetivo declarado do Prncipe fornecer um guia decomo um governante poderia chegar e se manter no poder.

    Vamos comear por sua frase mais famosa e menos entendida: O fim justificaos meios. Na verdade, a frase foi tirada de contexto. Maquiavel deixa claro que umlder deve fazer tudo a seu alcance por seu estado e populao, mesmo que algunsdesses atos possam ser julgados ruins quando vistos isoladamente. Ele coloca que,apesar de primeira vista muitos governantes parecerem maus, pior so os governosque no agem pelo seu povo. Esses sim, trazem desgraas a seu povo, e podem ser

    julgados como ruins pela histria. O prncipe que age pelo bem estar de seu estado epovo, que sempre tem um objetivo maior, deve saber que nem sempre possvelagradar a todos, e deve reconhecer que o resultado de uma inao pode ser pior que deuma ao.

    esse o tipo de pragmatismo que marca a obra. Em um de seus trechos maisfamosos, Maquiavel conta a histria de quando Csar Brgia, O Duque Valentino,unificou sob seu poder a regio de Romagna.

    Brgia percebeu que aps a conquista, a regio estava tomada pelo tumulto,saques e todos os tipos de ofensa. Ele envia ento um de seus homens, Messer RemirodOrco, sob ordens de controlar a regio. DOrco controlou a regio com toda a forapossvel e necessria. Com isso, tambm passou a ser odiado pela populao.

    Brgia ento montou um julgamento e executou DOrco em praa pblica. Ficoucom a tranqilidade trazida pela severidade de seu tenente, e a aclamao popular porsalvar o povo de seu feroz algoz (que ele mesmo havia criado).

    Poderamos partir ns mesmo para um julgamento e dizer que Brgia era umhomem cruel e nos dar por satisfeitos com essa explicao. No entanto, Tentemosimaginar as alternativas e conseqncias de outras aes que podiam ser tomadas:

    Deixar a populao sofrer em meio ao tumulto geral e arriscar perder o controle daregio? Arriscar enfrentar uma revolta generalizada, que poderia resultar numa luta emlarga escala e ainda mais mortes?

    A ao de Brgia, escolhendo e sacrificando um de seus homens no foi maisprtica do que arriscar seu exrcito inteiro em um embate generalizado?

    Outros conselhos famosos seguem a mesma linha de anlise: Maquiavel diz queum lder sempre tem duas opes quanto a seus recursos: Pode ser generoso ou sovina.O problema que quando acostumamos os outros a receberem mimos e presentes, elespassam a esperar isso de ns. Logo, um lder generoso tende a ficar sem dinheiro, o que

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    trar a raiva daqueles que estavam acostumado a receber seus agrados. J o lder sovina,no acostumando mal aos outros, consegue manter sua fortuna para tomar as aesrealmente necessrias e de seu interesse. Voc ser odiado tanto por nunca ter dado nadacomo quando no puder dar mais nada. Sendo sovina, ao menos voc mantm suafortuna (e o poder e liberdade que ela permite).

    O mal se faz de uma s vez, o bem se faz aos poucos. Isso porque se voc fizer

    tudo que tiver que fazer de desagradvel de uma s vez, as pessoas se lembrarodaquele nico evento em que aquilo aconteceu. E no daquele lder cruel que sempre ssubmete a dificuldades e privaes. A bondade obedece a mesma dinmica delembranas e esquecimentos: O bem se faz aos poucos, deixando todos sempre gratos avoc por todas as bondades que continuamente recebem. Maquiavel faz uma ressalva:Nunca, mas nunca mesmo, mexa com as mulheres ou posses de seus subordinados.

    melhor ser temido que amado. Um lder deve tentar ser os dois, mas naimpossibilidade, o temido mais respeitado.

    Maquiavel tambm fala dos fatores incontrolveis da vida, comparando-os coma fora de um rio, que destri tudo pela sua frente. No entanto, acredita ser um errodeixar tudo nas mos do destino. Algo como metade de nossa sorte depende das aesque tomamos. Voltando metfora das guas, possvel se preparar durante a calmaria

    para no ser levado pela enchente quando ela ocorrer.Por ltimo, em uma de suas metforas mais famosas, Maquiavel nos diz que a

    fortuna uma mulher com a qual se deve lidar duramente, que melhor controladapelos que a tratam assim do que pelos que so mais tmidos em suas aes.

    Saladino (pg359)

    De minha parte, por maior que sejam os territrios onde sou rei, eu preferia ter riquezaabundante, com sabedoria e moderao, a exibir coragem e imprudncia imoderadas.

    Saladino foi o lder da resistncia rabe durante a terceira cruzada. Sua lideranafoi to marcante que at hoje seu nome uma lenda naquela parte do mundo.

    As cruzadas foram um movimento iniciado pelo papa Urbano II em 1095, com oobjetivo de apaziguar os conflitos internos entre os senhores feudais europeus criandoum inimigo e objetivo comum na libertao da terra santa. O perodo das cruzadas sesucedeu pelos prximos 300 anos, com a terceira sendo a maior e mais interessante detodas.

    No s pelo tamanho das foras envolvidas, pelo destino de Jerusalm, pelainstabilidade poltica na Europa causada pela ausncia de seus maiores lderes, a terceiracruzada causa interesse tambm pelas personalidades envolvidas no Conflito.

    Poucos lderes ocidentais geraram histrias e romances quanto Ricardo Corao

    de Leo, o rei ingls e principal comandante dessa cruzada. A fbula do Hobin Hoodnos conta a histria de um nobre forado a viver como um ladro para defender a causado rei contra o temvel Sherife de Nottingham, que se aproveitou da partida do soberanopara reprimir o povo. Em algumas verses, o rei Ricardo chega de sua Cruzada bem atempo de celebrar o casamento do heri com a sua amada.

    Na vida real a terceira cruzada acabou quando Ricardo foi obrigado a voltar paracasa para defender seu trono. O conde Joo, irmo de Ricardo, liderava umaconspirao contra o rei.

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    Robin Hood apenas a lenda mais famosa de uma diversidade de histrias sobrea volta de Ricardo, somando-se a contos sobre os disfarces que ele foi forado a usarpara escapar de governantes traioeiros no caminho de volta casa, at histrias sobresua captura e aprisionamento na ustria. As histrias so tantas que difcil separar fatode fico: Depois de capturado, o rei Ricardo teria sido encontrado por um de seus fiisescudeiros, que viajou a terra inimiga inteira cantando. O rei respondeu, do alto de sua

    priso, com o restante da msica.Do outro lado, Saladino, o sulto que unificou a regio do Egito Sria, no ficaatrs em feitos e lendas. Alm de unificar o grande territrio que governou, Saladinoteria escapado de duas tentativas de assassinato da temida seita dos Hashashin: Lideradacom mo de ferro pelo velho da montanha, a misteriosa seita realizava crimespolticos com tanta proeza que acabou virando sinnimo para o ato, gerando o termoassassino. Saladino tambm foi o homem que planejou e levou a cabo o cerco deJerusalm, tirando o controle conseguido pelos europeus na primeira cruzada. A famade Saladino como grande governante s aumentou quando negociou uma rendio doshabitantes da cidade. A maioria de seus comandantes clamava por sangue, em vingana primeira cruzada quando, segundo a lenda, a cidade ficou at os joelhos de sangue

    judeu e muulmano. Saladino estabeleceu um resgate, e aqueles que puderam pagar

    saram sem sofrer retaliaes.Como se cada histria em separado no fosse suficiente para grandes contos, a

    histria da terceira cruzada, com o embate entre os dois homens atingiu uma proporoquase pica, formando a base de lendas que habitam at hoje o imaginrio:

    Assim que foi coroado como novo rei de Jerusalm, Guy de Lusignan resolveuque chegara a hora de acabar de vez com a resistncia infiel. Reuniu seu exrcito,ordenou que a verdadeira cruz fosse retirada do santo sepulcro e os acompanhasse, epartiu em busca do exrcito de Saladino. Algo como mil e duzentos cavaleiros, toda anobreza do reino, mais cerca de vinte mil homens acompanharam o rei e sua cruz namarcha.

    O tamanho do exrcito rabe era similar ao cristo. Alm falarem todos a mesmalngua, existia outra grande diferena: Ao invs de pesadas armaduras, mantinham suamobilidade vestindo vestes acolchoadas apenas com algodo, e montavam os geis ebem treinados cavalos iemenitas.

    Saladino fez o primeiro movimento, atravessando o Jordo e cercando a cidadede Tiberades. A cidade ficava a 25 quilmetros do acampamento cruzado, parado juntos fontes de La Safaori. O rei cristo, provavelmente bastante incentivado por seusqito de fanticos religiosos, toma ento o que provavelmente foi uma das pioresdecises em mbito militar da histria: Parte com seu exrcito, em marcha forada, poruma regio desrtica com poucas opes de abastecimento de gua. preciso lembrarque, enquanto os rabes usavam sua roupagem de tecido, os cruzados utilizavampesadas e fechadas armaduras, o que por si s fazia com que muitos soldados fervessemde dentro para fora.

    A primeira parada dos cristos foi a Aldeia de Turan, aonde existia um pequenolago. Ao invs de parar para descansar, Guy deu a ordem para a continuao da marcha.Assim que o exrcito cristo deixou seu osis, cavaleiros de Saladino passaram a ocup-lo. O prximo lago estaria quinze quilmetros sua frente.

    No meio do deserto, Saladino comeou sua estratgia de cercar e privar a tropacrist de gua. Os cruzados foram forados a passar a primeira noite no deserto. noite,arqueiros montados de Saladino passaram a dar uma viso do inferno aos guerreiroscruzados. O alvo principal, no entanto, foram os cavalos. Alm de dificultar um contra-

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    ataque, muitos homens teriam que carregar o prprio peso no dia seguinte. Fogo foiateado no mato seco da regio, criando uma extensa cortina de fumaa.

    Os homens cruzados, sem gua, cansados e sem opo, continuaram sua marcha.Apesar de seus comandantes clamarem por um ataque final, Saladino pediu pacincia.Durante o dia inteiro seus homens incendiaram o caminho frente do inimigo.

    Cansado e sobre um sol escaldante, o exrcito cruzado s pode se amontoar em

    torno da cruz, quando, ao invs do prometido descanso ao chegar s guas do mar daGalilia, encontraram o inimigo.Os cavaleiros que conseguiram reagir foram recebidos por uma conhecida

    estratgia rabe: Mais geis que os inimigos, eles deixavam os cavaleiros se aproximar,se dividiam e abriam espao no meio de suas fileiras, somente para se fecharviolentamente quando os cavaleiros inimigos estivessem cercados. A batalha de Hattin,como ficou conhecida, foi a grande virada de Saladino contra os conquistadoreseuropeus, e pode ser vista como o fator principal que levou terceira cruzada.

    A vitria permitiu que Saladino finalmente montasse o cerco a Jerusalm. Acidade, sem seu poderoso exrcito, finalmente poderia ser recapturada. Digna de nota a participao de Balin de Ibelin, o Baro de Ibelin, que sob o pretexto de salvar suaesposa, entrou na cidade e organizou a resistncia. Curiosamente, o prprio Saladino

    acabou autorizando que ele ficasse para organizar a defesa da cidade.Quando a derrota crist ficou evidente, Saladino e seus comandantes queriam

    uma vitria absoluta, mas Ibelin o fez capitular dizendo que se fossem obrigados a ficar,os cristos lutariam como homens, e destruiriam todos os lugares sagrados antes demorrer. Apesar do desejo de vingana de seus comandantes, Saladino acabounegociando a rendio.

    Ricardo Corao de Leo partiu com seu exrcito na tentativa de recuperarJerusalm. Ao chegar na terra santa, no entanto, encontrou um inimigo altura.

    Da mesma forma que agira em Hattin, Saladino se recusou a dar uma batalhadefinitiva para Ricardo e seus cavaleiros. Cavaleiros de armadura provavelmente sesairiam melhor em uma luta grandiosa e fechada, mas Saladino apelou novamente parao desgaste das tropas inimigas. Por duas vezes Ricardo se aproximou de Jerusalm, masdesistiu de cercar a cidade, provavelmente por calcular que seria impossvel atacar acidade enquanto precisava se defender dos freqentes ataques dos cavaleiros ligeiros deSaladino.

    Por onde a tropa de Ricardo passava, era atacada por arqueiros montados, quefugiam assim que o inimigo comeasse a reagir. A batalha entre Saladino e Ricardo foimarcada pela ausncia de um grandioso e pico confronto entre os dois, comoaconteceria em um daqueles filmes de hollywood. Ao contrrio. O Rei ingls, aps anosde luta sem grande sucesso, voltou a seu pas, provavelmente ameaado por intrigasinternas, e Saladino morreu em paz, na cidade de Damasco. O homem que entrou para ahistria como um dos maiores combatentes do lado infiel, mostrou o valor damoderao e risco calculado.

    Ironicamente, Ricardo acabou servindo como seu contra-exemplo. A volta do rei Inglaterra, como j dissemos, foi conturbada. Sempre reconhecido como um grandeguerreiro, assim que finalmente chegou, ps-se a abafar as intrigas internas.

    Pouco aps sua volta, o Visconde de um castelo chamado Chalus resolveu ficarcom parte de um tesouro que caiu em suas mos. Ricardo e seu exrcito logoaparecerem em frente s muralhas.

    Os cavaleiros do castelo j tinham oferecido sua rendio, mas Ricardo era oglorioso rei do exrcito cruzado. Sobreviveu a Saladino e queria mostrar sua fora.Ricardo andava em torno das muralhas, perigosamente sem armadura, quando um

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    jovem arqueiro viu nele um belo alvo. Acertou seu brao. O ferimento gangrenou, acidade se rendeu e Ricardo ordenou que o arqueiro fosse trazido sua presena. Ricardoo perdoou, e disse j beira da morte: Continua a viver. Por minha generosidade,contempla a luz do dia. Que os vencidos aprendam com meu exemplo.

    Musashi

    No tenha nenhuma arma favorita. Familiarizar-se demais com uma arma uma falhato grande quanto no a conhecer bem. No imite os outros, mas use armas que saibamanejar com facilidade. ruim para comandantes e soldados ter preferncias.

    Shinmen Musashi No Kami Fuiwara no Genshin, ou s Musashi, como entroupara a histria, foi um samurai que viveu entre 1584 e 1646. Musashi reconhecidocomo um dos maiores espadachins da histria do Japo, e seu Livro dos Cinco Anis uma das principais obras clssicas de estratgia, e a principal sob o ponto de vista dacultura samurai.

    Musashi conta que derrotou seu primeiro oponente aos 13 anos, e seguiuvencendo desde ento. Ele era umRonin, ou samurai sem mestre, e sempre dependeu desuas habilidades para sobreviver sozinho. Isso permitiu que ele viajasse pelo pas,aprendendo e convivendo com vrias escolas e tcnicas diferentes. Em seu livro,Musashi diz que alm da estratgia, praticava muitas artes e habilidades, tudo sem umprofessor.

    Se tem algo que marca a obra do samurai, a maleabilidade e multiplicidade daarte da estratgia. Musashi reconhecido como o fundador de uma tcnica em que oguerreiro usava uma espada longa numa mo e uma curta na outra. Em vida, no entanto,chegou a lutar vrias vezes usando outras armas. Quando j havia dominado totalmentesua arte, conta-se, usava at espadas de madeira contra inimigos com lminas reais.

    Quem busca apenas o domnio da tcnica no chega quilo que Musashi chamado verdadeiro caminho, e nunca chegar ao nvel de um estrategista. Durante o texto, elenos mostra que preciso aprender vrias tcnicas, artes e adquirir um amplo leque deconhecimento. Quanto mais e melhor voc aprender, e mais ao fundo for em cadaquesto, melhor se sara.

    O treinamento deve sempre ser duro. Com as espadas, por exemplo, Musashi dizque deve-se usar espadas longas nas duas mos. A mo mais fraca ser fortalecida eresponder melhor quando usar a espada mais curta. Deve-se atentar, no entanto, paranunca se acostumar demais com uma arma ou tcnica. Segundo ele, se acostumardemais com uma arma ou tcnica um erro to grande quanto no as conhecer. Esseaprendizado continuo uma marca forte de sua obra.

    Musashi a favor de aes rpidas e eficazes. Enquanto outras escolas usavam

    movimentos grandes, corridas, pulos e outras variaes, Musashi defendia treinar eexecutar movimentos mais simples e eficazes. Outra frase famosa dele que oimportante na estratgia reprimir as aes teis do inimigo, mas permitir-lhe as aesinteis.

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    Napoleo

    I may have had many projects, but I never was free to carry out any of them. It did melittle good to be holding the helm; no matter how strong my hands, the sudden and

    numerous waves were stronger still, and I was wise enough to yield to them rather thanresist them obstinately and make the ship founder. Thus I never was truly my ownmaster but was always ruled by circumstances.

    Conversation with comte de Las Cases (November 11, 1816)

    T.E. Lawrence (Lawrence da Arbia)

    Those who dream by night in the dusty recesses of their minds wake in the day to findthat all was vanity; but the dreamers of the day are dangerous men, for they may act

    their dream with open eyes, and make it possible.

    Carl Von Clausewitz 1780/1831

    O conquistador sempre um amante da paz; ele preferiria tomar nosso pas semnenhuma oposio.

    Que deve se exigir, aqui, das faculdades superiores do esprito? a capacidade desntese e a capacidade de julgamento elevadas ao nvel de uma maravilhosa perspectivado esprito que aflora e afasta no seu vo mil concepes obscuras que uma intelignciavulgar teria a maior das dificuldades em trazer luz do dia. Pg 71.

    Provavelmente, no deve ter havido nenhum empreendimento importante em que ocomandante no tenha tido de ultrapassar novas dvidas no momento da execuo. Pg80

    Ttico ou estratgico: Forma ou significado (pg 100).

    Winston ChurchillSuccess is the ability to go from one failure to another with no loss of enthusiasm.

    George S. Patton

    Eu no quero ouvir nenhuma mensagem dizendo: Eu estou segurando minha

    posio. Ns no estamos segurando porcaria nenhuma, deixe os alemes fazer isso.

    Ns estamos avanando constantemente e no estamos interessados em segurar nada, a

    no ser as bolas do inimigo.

    Mao Zedong (livro vermelho, CAP 2)

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    We shall support whatever our enemies oppose; and oppose whatever our enemiessupport.