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COMPETITIVIDADE DA CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ PAULISTA FRENTE AOS DEMAIS ESTADOS PRODUTORES BRASILEIROS 1 Flávia Maria de Mello Bliska 2 Oliveiro Guerreiro Filho 2 Luiz Carlos Fazuoli 2,3 Abel Ciro Minniti Igreja 4 Roberto Antônio Thomaziello 2,5 Terezinha de Jesus Garcia Salva 2 RESUMO: Nas últimas três décadas a participação da cadeia produtiva do café paulista no cenário agrícola nacional vem se reduzindo sistematicamente, especialmente quanto ao volume e valor da produção de grãos. No entanto, São Paulo é responsável pelo consumo de praticamente a metade de todo o do café torrado e moído brasileiro e por mais de 80,0% do café solúvel produzido no Brasil. Embora parte da cafeicultura paulista possa ser considerada competitiva em relação às demais regiões produtivas do País, especialmente quanto ao custo de produção e à qualidade de seus cafés, ela vem perdendo mercado principalmente para os cafés produzidos nos cerrados. Essa perda de representatividade da cafeicultura paulista frente a outras regiões produtoras do País motivou a realização deste estudo, o qual consiste do levantamento e da análise dos fatores mais importantes para avaliação da competitividade entre a cadeia produtiva do café de São Paulo e as cadeias produtivas do café dos demais estados produtores brasileiros. O estudo baseou-se nas análises diagnóstica e prognóstica do sistema agroindustrial do café no estado de São Paulo. Os resultados mostraram que as áreas de produção de café mecanizadas e irrigadas dos cerrados mineiro e baiano e as áreas de café arábica do Sul de Minas Gerais são ameaças concretas à cadeia produtiva do café paulista. Nas regiões paulistas com vantagens edafoclimáticas, a manutenção ou o aumento da competitividade estão mais relacionados à diferenciação da produção de café via qualidade, preferencialmente com denominação de origem e responsabilidade social. Em outras regiões do Estado, a busca da competitividade deve considerar também a disponibilidade de orientação e assistência técnica, a introdução de novas técnicas de preparo, como café cereja descascado, e o desenvolvimento de novas pesquisas científicas. As estratégias não tecnológicas mais importantes para o aprimoramento das vantagens competitivas da cadeia produtiva do café paulista, em ordem decrescente de prioridade, são: 1 o - Desenvolvimento de mercado, 2 o - Maior organização setorial, 3 o - Incentivo à certificação, 4 o - Incentivo aos programas de qualidade e 5 o - Financiamento da lavoura. E as linhas de pesquisa visando aumento da competitividade setorial, que deverão requerer atenção nos próximos anos, em ordem decrescente de prioridade, são: 1 o -Melhoramento genético/seleção, 2 o - Sustentabilidade do agronegócio café, 3 o - Desenvolvimento de novos produtos e novos mercados, 4 o - Qualidade/padronização e 5 o - Biologia molecular. 1 Estudo realizado com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP 2 Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio do Café ‘Alcides Carvalho’ – IAC / APTA. Caixa Postal 28, Campinas (SP), CEP 13001-970. 3 Bolsa de Produtividade do CNPq 4 Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Genética e Reprodução Animal, Laboratório de Metodologias Quantitativas, Instituto de Zootecnia – IZ / APTA. Av. Heitor Penteado 56, Nova Odessa (SP), CEP 13460-000. 5 Bolsa do CBP&D - Café – Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café.

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COMPETITIVIDADE DA CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ PAULISTA FRENTE AOS DEMAIS ESTADOS PRODUTORES BRASILEIROS1

Flávia Maria de Mello Bliska2

Oliveiro Guerreiro Filho2

Luiz Carlos Fazuoli2,3

Abel Ciro Minniti Igreja4 Roberto Antônio Thomaziello2,5

Terezinha de Jesus Garcia Salva2

RESUMO: Nas últimas três décadas a participação da cadeia produtiva do café paulista no cenário agrícola nacional vem se reduzindo sistematicamente, especialmente quanto ao volume e valor da produção de grãos. No entanto, São Paulo é responsável pelo consumo de praticamente a metade de todo o do café torrado e moído brasileiro e por mais de 80,0% do café solúvel produzido no Brasil. Embora parte da cafeicultura paulista possa ser considerada competitiva em relação às demais regiões produtivas do País, especialmente quanto ao custo de produção e à qualidade de seus cafés, ela vem perdendo mercado principalmente para os cafés produzidos nos cerrados. Essa perda de representatividade da cafeicultura paulista frente a outras regiões produtoras do País motivou a realização deste estudo, o qual consiste do levantamento e da análise dos fatores mais importantes para avaliação da competitividade entre a cadeia produtiva do café de São Paulo e as cadeias produtivas do café dos demais estados produtores brasileiros. O estudo baseou-se nas análises diagnóstica e prognóstica do sistema agroindustrial do café no estado de São Paulo. Os resultados mostraram que as áreas de produção de café mecanizadas e irrigadas dos cerrados mineiro e baiano e as áreas de café arábica do Sul de Minas Gerais são ameaças concretas à cadeia produtiva do café paulista. Nas regiões paulistas com vantagens edafoclimáticas, a manutenção ou o aumento da competitividade estão mais relacionados à diferenciação da produção de café via qualidade, preferencialmente com denominação de origem e responsabilidade social. Em outras regiões do Estado, a busca da competitividade deve considerar também a disponibilidade de orientação e assistência técnica, a introdução de novas técnicas de preparo, como café cereja descascado, e o desenvolvimento de novas pesquisas científicas. As estratégias não tecnológicas mais importantes para o aprimoramento das vantagens competitivas da cadeia produtiva do café paulista, em ordem decrescente de prioridade, são: 1o- Desenvolvimento de mercado, 2o- Maior organização setorial, 3o- Incentivo à certificação, 4o- Incentivo aos programas de qualidade e 5o- Financiamento da lavoura. E as linhas de pesquisa visando aumento da competitividade setorial, que deverão requerer atenção nos próximos anos, em ordem decrescente de prioridade, são: 1o-Melhoramento genético/seleção, 2o- Sustentabilidade do agronegócio café, 3o- Desenvolvimento de novos produtos e novos mercados, 4o- Qualidade/padronização e 5o- Biologia molecular.

1 Estudo realizado com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP 2 Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio do Café ‘Alcides Carvalho’ – IAC / APTA. Caixa Postal 28, Campinas (SP), CEP 13001-970. 3 Bolsa de Produtividade do CNPq 4 Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Genética e Reprodução Animal, Laboratório de Metodologias Quantitativas, Instituto de Zootecnia – IZ / APTA. Av. Heitor Penteado 56, Nova Odessa (SP), CEP 13460-000. 5 Bolsa do CBP&D - Café – Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café.

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Palavras-chave: cafeicultura, sistema agroindustrial, competitividade.

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INTRODUÇÃO

Após sua introdução no Brasil, iniciada no Pará no início do século XVIII, a cultura do café disseminou-se por outras regiões, encontrando condições favoráveis de clima e solo especialmente no Sudeste, que recebeu as primeiras mudas entre 1760 e 1762, no Rio de Janeiro (GRIEG, 2000).

Em 1859 o Rio de Janeiro respondia por 78,4% da produção brasileira, São Paulo por 12,9% e Minas Gerais por 7,8%. A partir de 1880 São Paulo tornou-se o maior produtor brasileiro, tendo atingido maior participação na produção nacional na década de 30. De São Paulo, entre 1904 e 1929, a cultura atingiu o norte do Paraná, que se tornou o maior produtor brasileiro até a metade da década de 80, chegando a responder por 50,0% da produção brasileira e cerca de um terço da produção mundial de café. Em 1960 a cafeicultura atingiu a fronteira com o Paraguai e o Mato Grosso do Sul (ANUÁRIO, 2001; GRIEG, 2000; MELLO, 2001).

Nas últimas três décadas a participação da cafeicultura paulista na produção nacional vem caindo sistematicamente. No período entre as safras 1996/97 – 2000/01, São Paulo respondeu em média por 12,2% (cerca de 3,3 milhões de sacas de 60kg) do volume total da produção brasileira, enquanto no período 1986/87 – 1990/91 respondeu em média por 20,7% (cerca de 6,1 milhões de sacas de 60kg) da produção brasileira. Entre 1966/67 – 1970/71 a participação de São Paulo na produção brasileira de café chegou a 43,3% em média, com pico de 59,7% na safra 1969/70 (ANUÁRIO..., 2001).

No entanto, São Paulo ainda é responsável por cerca de 48,0% do café torrado consumido e por 80,0% da do café solúvel produzido no Brasil. As indústrias paulistas de solúvel processam anualmente cerca de 800.000 sacas de café, geram cerca de 1.000 empregos diretos e destinam sua produção para os mercados interno e externo. Essa indústria processa cafés da espécie Canephora (genericamente denominado robusta ou conilon), com maiores teores de sólidos solúveis e cafeína que as cultivares Arabica. Mas o robusta é importado de outros Estados, especialmente Espírito Santo e Rondônia, e até mesmo do exterior, uma vez que São Paulo tradicionalmente só produz cafés do tipo Arábica.

A análise das estatísticas referentes à área plantada, área colhida, quantidade colhida e produtividade da cafeicultura mostram uma estruturação da cultura no Espírito Santo, Minas Gerais, Rondônia, Mato Grosso e Bahia e redução na participação na produção brasileira do Paraná e São Paulo (IBGE, 2001; IGREJA, 2000; VEGRO et al., 1997).

A análise dos componentes de crescimento da cultura do café mostra a crescente influência do rendimento e da localização geográfica no desenvolvimento da cafeicultura, acompanhados de retração da área cultivada de café no Brasil. Isto é, mostra um aumento da produtividade em detrimento da área plantada total, provavelmente via produção em larga escala e utilização de tecnologias modernas. Tais indicadores parecem refletir a expansão da cafeicultura nas zonas de cerrados, onde há maiores escalas de operação e utilização de tecnologia moderna, como irrigação e colheita mecânica, fatores que contribuem para elevados níveis de produtividade e podem sinalizar a existência de crescentes barreiras à entrada no setor cafeeiro e a saída de produtores marginais (IGREJA e BLISKA, 2001).

Algumas regiões de São Paulo, como Franca e São João da Boa Vista, além de apresentarem produções elevadas, têm produzido cafés de excelente qualidade. São regiões com condições edafoclimáticas bastante propícias à cafeicultura e vantagens excepcionais em relação à cafeicultura do cerrado, especialmente de Minas Gerais e Bahia. A cafeicultura é bastante importante também em regiões como Garça-Marília, onde o custo de produção não é

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baixo, mas onde é a principal opção agrícola.

Atualmente o café do cerrado se concentra em Minas Gerais e Oeste da Bahia, mas também abrange São Paulo (Mogiana), e áreas menores em Goiás e Mato Grosso. Em parte das áreas de cerrado há necessidade de irrigação e maior utilização de defensivos e fertilizantes, em função da maior incidência de bicho mineiro e dos solos pobres quimicamente (MATIELLO, 2001). Consequentemente, o custo de produção nessas áreas é mais elevado que nas principais regiões produtoras paulistas. Além disso, a utilização de irrigação e colheita mecânica no cerrado praticamente inviabiliza o cultivo do café em pequenos estabelecimentos.

Já em diversas regiões de São Paulo a cafeicultura é explorada por pequenos produtores, especialmente nas zonas de arenito e nas zonas serranas, o que é importantíssimo do ponto de vista social, pois proporciona maior diversidade nas propriedades e a manutenção da cultura nos períodos de crise para o setor, embora nesses períodos possa haver redução de produtividade (MATIELLO, 2001).

Esse cenário mostra que parte da cafeicultura paulista pode ser considerada competitiva em relação às demais regiões produtivas do País, especialmente na Alta Mogiana. Embora competitiva, essa região vem perdendo mercado principalmente para os cafés produzidos nos cerrados, apesar do custo de produção nessa região do Estado ser geralmente menor e da qualidade ser semelhante ou até mesmo superior ao dos cafés obtidos em certas área de cerrado.

Essa perda de representatividade da cafeicultura paulista frente a outras regiões produtoras do País motivou a realização deste estudo, o qual consiste do levantamento e da análise dos fatores mais importantes para avaliação da competitividade entre a cadeia produtiva do café de São Paulo e as cadeias produtivas do café dos demais estados produtores brasileiros.

Portanto, o objetivo deste estudo é analisar a competitividade entre a cadeia produtiva do café do estado de São Paulo e as cadeias produtivas do café dos demais estados brasileiros produtores, inclusive com relação à viabilidade da introdução do Coffea canephora em regiões marginais para o café arábica em São Paulo. METODOLOGIA Conceito de Competitividade

Alguns autores enfocam competitividade pelo ângulo microeconômico e, centrando-se nas empresas, a associam ao desempenho de uma empresa ou conjunto de empresas de uma indústria ou nação, e a expressam como sua participação no mercado, neste caso o principal indicador de competitividade. Para esses autores competitividade resulta de um conjunto de fatores, portanto é um fenômeno ex-post (FERRAZ et al., 1995).

Outros autores associam competitividade à eficiência produtiva, gerencial, financeira e comercial, a qual reflete o grau de capacitação da empresa, por meio das técnicas e da relação insumo-produto utilizada, portanto é um fenômeno ex-ante (HAGUENAUER, 1989; KUPFER, 1991; FERRAZ et al., 1995).

Para outros, competitividade deve conciliar os conceitos ex-post e ex-ante

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(POSSAS, 1995) ou é determinada pelo padrão de concorrência vigente na indústria ou no mercado (KUPFER, 1991).

Há, ainda, autores que enfocam competitividade pelo ângulo macroeconômico e, embora reconheçam o papel das empresas para a competitividade da nação, centram suas análises nas condições gerais do ambiente produtivo – econômicas, sociais, políticas – mostrando que suas características afetam os fatores de competitividade, influenciando o desempenho das empresas (OECD, 1992).

Para FARINA e ZYLBERSZTAJN (1994 e 1998), competitividade engloba conduta e desempenho, dimensões que nessa perspectiva se autodeterminam; para esses autores, a ação estratégica pode criar novos padrões de competição. Nessa mesma direção, FERRAZ et al. (1995) definem competitividade como “capacidade da empresa de formular e implementar estratégias concorrenciais que permitam ampliar ou conservar de forma duradoura uma posição sustentável no mercado”.

FERRAZ et al. (1995) lembram, ainda, que as “análises de competitividade devem levar em conta simultaneamente – e com o devido peso – os processos internos à empresa e à indústria e as condições econômica gerais do ambiente produtivo”.

Para MURPHY (2001) competitividade implica aumento substancial na produtividade como resultados de melhores estratégias. Esta competitividade não constituiria aproximações teóricas e sim um processo de mudança envolvendo iniciativa privada, governamental e um diálogo entre ambos que pode ser traduzido em regras claras e treinamento: estratégia e cooperação. Esta mudança implicaria modernização do setor privado e reforma do setor público, demandando maior esforço nas atuais condições brasileiras.

Neste estudo são considerados elementos presentes em diferentes enfoques de competitividade. São analisados os mecanismos de concorrência (preço, diferenciação de produtos, introdução de novos processos e capacidade de produção), os mercados a que se direcionam os produtos da cadeia produtiva, as estratégias empresariais que têm sido adotadas em alguns segmentos do setor, as vantagens competitivas, as condições sistêmicas de competitividade, a posição atual da indústria no mercado – doméstico ou internacional (análise de competitividade ex-post, mais difundida, mais simples, estática e medida por indicadores), a capacidade de competir a longo prazo (análise de competitividade ex-ante, mais complexa, dinâmica, leva em conta os fatores determinantes da competitividade), alguns indicadores do desempenho tradicionais (indicadores de produtividade) e novos ou multidimensionais (preocupados com a diferenciação, qualidade, inovação ou capacidade de resposta ao consumidor) e alguns fatores externos a empresa (ambiente macroeconômico, disponibilidade e tipo de crédito, custo de financiamentos, infra-estrutura econômica, infra-estrutura técnica-científica-educacional), dentre outros (ver PORTER, 1986; HAGUENAUER, 1989; KUPFER, 1991; FERRAZ et al., 1995; POSSAS, 1995).

Também é levada em conta a importância da segurança alimentar para a competitividade. Atualmente o consumidor tem maior acesso às informações sobre problemas decorrentes da alimentação, tornando-se essencial a preocupação da indústria alimentícia com a segurança alimentar para manter-se competitiva. TOLEDO et al. (2000), explica que um produto impróprio para o consumo humano pode afetar de maneira significativa a imagem de uma marca consolidada no mercado, comprometendo-a definitivamente.

Outra questão considerada é a definição da unidade de análise. Neste estudo, essa

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unidade é um sistema agroindustrial específico – a cadeia produtiva do café. Portanto, se refere ao desempenho de um sistema e não de uma empresa ou conjunto de empresas. FARINA e ZYLBERSZTAJN (1998) discutem de forma apropriada a questão conceitual decorrente desse nível de agregação, pois é preciso estender o conceito de competitividade tanto horizontalmente (da empresa para a indústria) como verticalmente (da indústria para a cadeia produtiva).

De acordo com esses autores, para que o conceito de competitividade das empresas seja estendido para os sistemas é preciso admitir que:

a) o segmento como um todo seja capaz de sobreviver no mercado, mesmo que várias de suas empresas não o sejam, isto é, o segmento melhora sua competitividade ainda que parte de suas empresas não sejam competitivas. O indicador de competitividade do sistema é o crescimento ou, no mínimo, manutenção de sua parcela em determinado mercado.

b) os segmentos de determinado sistema podem apresentar graus diferentes de competitividade, assim, um ou mais segmentos de um sistema nacional ou regional podem reduzir sua participação relativa nos mercados, sendo substituído por importações – neste estudo um exemplo seria o aumento da participação dos grãos de café produzidos por outros estados na composição dos blends produzidos pelas indústrias de torrefação e moagem e/ou solubilizadoras paulistas, em detrimento dos grãos de café produzidos em São Paulo.

c) dependendo das especificidades dos ativos envolvidos nas transações entre segmentos, poderão se formar sistemas regionais competidores entre si em determinados mercados consumidores, com níveis diferenciados de competitividade – neste estudo esses sistemas regionais seriam as cadeias produtivas do café nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Paraná e Rondônia.

d) dentro de um mesmo segmento poderão se formar grupos estratégicos. No caso da cadeia produtiva do café, exemplos de grupos estratégicos dentro de um mesmo segmento são o café torrado e moído comum e o café especial (gourmet).

De acordo com FARINA e ZYLBERSZTAJN (1998), a formação de grupos estratégicos pode ser iniciada pela adoção de uma estratégia bem sucedida por uma empresa individual, via coordenação de um sistema próprio de contratos formais ou informais. Essa estratégia bem sucedida poderá ser adotada por outras empresas e resultar em um conjunto de empresas disputando o mesmo segmento e partilhando o mesmo padrão de concorrência, constituindo um subsistema estritamente coordenado. Assim, uma alternativa para a captação de tendências e mudanças em um sistema agroindustrial é a identificação de estratégias individuais bem sucedidas. É preciso, ainda, identificar o grau de dependência inter-segmentos do sistema agroindustrial, analisar a coordenação ao longo desse sistema e analisar o papel das organizações públicas e corporativas privadas no processo de coordenação.

A análise da competitividade do sistema agroindustrial deve, portanto, avaliar: a) a possibilidade ou não do sistema crescer e agregar novos mercados; b) a alteração da composição relativa de cada segmento do sistema; c) a possibilidade de alteração na estrutura da coordenação que viabiliza a competitividade do sistema.

Assim, este estudo analisa a competitividade do sistema agroindustrial do café no estado de São Paulo de acordo com a proposta conceitual de FARINA e ZYLBERSZTAJN (1998) para análise de um sistema específico e não de uma empresa ou conjunto de empresas.

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Levantamento de Dados

O estudo da competitividade entre a cadeia produtiva do café do estado de São Paulo e as cadeias produtivas do café dos demais estados brasileiros produtores foi realizado a partir de dados obtidos via análise diagnóstica e técnica Delphi. A análise diagnóstica procurou identificar os principais fatores críticos ao desempenho daquelas cadeias produtivas, os quais podem afetar a competitividade de seus respectivos produtos em relação ao ambiente concorrencial vigente. Os fatores críticos foram identificados a partir das relações formais e informais entre os segmentos das cadeias produtivas e podem resultar da influência do ambiente externo relevante, tais como serviços de apoio, leis e costumes.

Análise diagnóstica da cadeia produtiva do café no estado de São Paulo

A análise diagnóstica para a cadeia produtiva do café paulista foi realizada de acordo com metodologia proposta por CASTRO et al. (1995 e 1998). Foi observado o comportamento passado e atual da cadeia produtiva do café e foi realizada a caracterização dos seus diversos componentes e a definição de suas respectivas necessidades. A coleta de informações baseou-se principalmente levantamento de dados secundários (Método de Coleta e Sistematização de Informações Secundárias - MECASIS, AGROPOLOS, 1999), na realização de reuniões e entrevistas com pessoas chaves da cadeia produtiva, como dirigentes de agroindústrias, técnicos e produtores rurais e consumidores, de acordo com o Método Rápido (Rapid Rural Appraisal - RRA, TOWNSLEY, 1996) e na realização de Encontros Regionais.

A análise do desempenho da cadeia produtiva do café paulista foi realizada por meio da síntese das informações coletadas em seus diversos segmentos produtivos, desde a produção até o consumidor final, em diversos municípios do Estado, de modo a identificar os gargalos específicos de cada segmento, os quais limitam o desenvolvimento da cadeia e dificultam a obtenção dos níveis de qualidade exigidos pelo mercado consumidor:

• Reuniões, visitas técnicas e entrevistas: realizadas em 2003, em Adamantina, Amparo, Araçatuba, Atibaia, Bofete, Bragança Paulista, Campinas, Espírito Santo do Pinhal, Franca, Itapetininga, Itirapuã, Jundiaí, Monte Alegre do Sul, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, São José do Rio Preto, São Paulo, Pariquera-Açu, Piracicaba, Piraju, Presidente Prudente, Registro, Ribeirão Preto e Sorocaba. Foram entrevistados engenheiros agrônomos das Casas de Agricultura e/ou Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs), pesquisadores científicos dos Pólos de Desenvolvimento Regional, diretores de empresas exportadoras, presidentes e agrônomos de cooperativas regionais, representantes de diversas entidades de classe, engenheiros agrônomos autônomos, representantes do setor de insumos, representantes dos setores de torrefação e moagem e de industrialização do café, produtores rurais e pesquisadores de diversas instituições de pesquisa e/ou ensino dentre outros.

• Encontros Regionais: realizados em Votuporanga, Franca e Mococa em 2001, Garça e Adamantina em 2002. Foram discutidos problemas regionais e demandas tecnológicas e não-tecnológicas das principais regiões produtoras do Estado. Participaram 60 a 80 engenheiros agrônomos dos setores público e privado, cooperativas e empresas relacionados com a cadeia produtiva do café das respectivas regiões. Foram organizados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).

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• Simpósio Internacional Sobre Qualidade do Café: permitiu a identificação dos impactos dos pontos críticos de diversos segmentos da cadeia produtiva do café sobre os níveis de qualidade do produto final exigidos pelo mercado, além da discussão sobre demandas de pesquisa, tendências e oportunidades de mercado e outras estratégias tecnológicas e não tecnológicas ao aprimoramento da competitividade da cadeia produtiva do café. Contou com 64 palestrantes e debatedores, público de 325 participantes, dos diferentes segmentos da cadeia produtiva do café de vários estados brasileiros e do exterior, com organização do IAC.

Informações sobre a competitividade das demais regiões brasileiras produtoras de café

Foram realizadas visitas, reuniões e entrevistas com pessoas relacionadas ao sistema

agroindustrial do café, em diversos estados e Instituições que trabalham com pesquisa e desenvolvimento (P&D). Destacam-se as visitas realizadas às regiões Sul e Extremo Sul da Bahia, Oeste da Bahia, Sul e Sudoeste de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal:

• Sul de Minas Gerais: teve o objetivo levantar e analisar os fatores determinantes da competitividade entre as cafeiculturas do Sul de Minas Gerais e paulista. Foram realizadas visitas a produtores e cooperativa. Foram analisados especialmente dois segmentos da produção primária, os pequenos produtores (associados a importante Cooperativa) e grandes produtores (representados por duas das maiores fazendas produtoras de café do País). Foram visitados cafeicultores dos municípios de Alfenas, Guaxupé e Nova Rezende. Essa é importante região produtora de café arábica.

• Sudoeste de Minas Gerais: teve o objetivo de levantar informações junto a engenheiros agrônomos, produtores e pesquisadores de diversos municípios e instituições de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Paraná, durante o Congresso Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras. Foram visitados cafeicultores nas regiões dos municípios de Araxá e Patrocínio.

• Espírito Santo: foram entrevistados representantes das cadeias produtivas de cafés arábica (Coffea arabica) e conilon (Coffea canephora), para levantar e analisar fatores determinantes da competitividade entre os estados do Espírito Santo e São Paulo e avaliar a viabilidade da introdução do conilon em São Paulo. Municípios visitados: Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Domingos Martins, Iúna, Jaguaré, Linhares, Marechal Floriano, Marilândia, São Gabriel da Palha, Soretama, Venda Nova do Imigrante e Vitória. Instituições visitadas: PRONOVA – Associação de Produtores de Venda Nova do Imigrante, Sindicato Rural de Iúna, Instituto Capixaba de Assistência Técnica e Extensão Rural – INCAPER, em venda |Nova do Imigrante, Vitória e Linhares, Fazendas Experimentais do INCAPER de Soretama e Marilândia, Centro do Comércio do Café em Vitória, COOABRIEL – Cooperativa Agrária de Café Conilon e Arábica de São Gabriel da Palha e Prefeitura Municipal de Jaguaré.

• Sul e Extremo-Sul da Bahia: teve o objetivo de levantar e analisar fatores determinantes da competitividade entre as cafeiculturas baiana e paulista, especialmente quanto à viabilidade da introdução do Coffea canephora em regiões marginais para o café arábica em São Paulo. Foram realizadas visitas a produtores do conilon, café predominante nas regiões Sul e Extremo-Sul da Bahia, nos municípios de Eunápolis, Itamaraju e Porto Seguro. Também foram realizadas reuniões com participantes do Simpósio de Cafés do Brasil e do Workshop Latinoamericano Sobre Investigación de Café en la Region Tropical (Porto Seguro)

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• Oeste da Bahia: teve o objetivo de avaliar a sustentabilidade da cafeicultura da região e a competitividade entre a produção de café arábica do cerrado baiano, mecanizada, irrigada e em larga escala e a cafeicultura paulista. Foram visitadas 8 fazendas na região dos municípios de Barreiras e Luiz Eduardo Magalhães e realizadas reuniões com representantes das seguintes Instituições: SEAGRI – Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária da Bahia, EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S.A. e AIBA – Associação de Agricultores e Irrigantes do Oeste da Bahia.

• Brasília: teve por objetivo levantar demandas regionais da cafeicultura brasileira junto ao Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café e discutir os resultados preliminares do diagnóstico realizado para o Estado de São Paulo e as diretrizes da política brasileira de café.

Técnica Delphi

Esta técnica permite previsões em situações onde não há dados históricos de parâmetro de desempenho ou onde se espera mudanças estruturais no ambiente de negócios. A técnica considera que a contribuição das pessoas que detêm o conhecimento essencial e o discernimento sobre os rumos futuros é essencial para apoiar o planejamento e a tomada de decisão dos formuladores de políticas públicas e dos componentes de uma cadeia produtiva. Ela consiste na circulação repetida de questionários entre um conjunto de especialistas anônimos entre si que, após a primeira rodada, passam a receber uma síntese das respostas dos demais participantes, estabelecendo-se a troca de informações e estímulo à criatividade, garantindo a consideração de idéias minoritárias e facilitando a formação de consenso.

Foram realizadas duas rodadas de questionários. Na 1a- rodada foram convidados 94 especialistas, dos ambientes institucional e organizacional relacionados à cadeia produtiva do café no estado de São Paulo e de alguns segmentos dessa cadeia produtiva. Houve retorno de 42,5%. Cada especialista recebeu uma síntese da análise diagnóstica realizada para a cadeia produtiva do café do estado de São Paulo. Foi solicitada sua colaboração quanto à localização regional do esforço da pesquisa e desenvolvimento, no contexto de alavancagem de vantagens de origem e, especialmente, com relação às áreas estratégicas ao aprimoramento das vantagens competitivas tecnológicas e não-tecnológicas da cadeia produtiva do café no Estado e aos desafios da competitividade dessa cadeia produtiva. Foram solicitadas sugestões no sentido de corrigir as informações apresentadas e acrescentar críticas e sugestões, de acordo com suas respectivas áreas de conhecimento e especialização.

Na 2a- rodada foram abordadas questões como introdução do café robusta em São Paulo, produção do café orgânico, estudo de modelos organizacionais, estímulos, subsídios, financiamento e importância da difusão de tecnologia, via assistência técnica e extensão rural. Também foi solicitada a priorização das estratégias identificadas na rodada anterior. Portanto, foram convidados a participar do estudo extensionistas dos EDRs, Casas de Agricultura e Cooperativas – e pesquisadores científicos dos 15 Pólos de Desenvolvimento Regional e de suas respectivas Unidades de Pesquisa, num total de 200 especialistas. Houve retorno de 40,0%.

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RESULTADOS

Verificou-se que dentre os desafios atuais à competitividade da cafeicultura paulista destacam-se: a) desafios inerentes às características regionais e problemas tradicionais dessa cafeicultura, tais como degradação dos solos e sua infestação por nematóides nas regiões da Nova Alta Paulista, Noroeste e Araraquarense, cigarras na Alta Mogiana, bicho mineiro nas regiões mais quentes e ferrugem nas regiões de maior altitude e temperaturas mais amenas, os quais afetam principalmente a produtividade da cultura; e b) características do sistema de produção que garantam a qualidade do café, a preservação do meio ambiente e recursos naturais, além da produção de café orgânico, fatores que poderão aumentar a demanda por café nos mercados interno e externo.

Nos últimos anos, um dos fatores que afetaram significativamente a participação do Estado na produção nacional foi a ocorrência de precipitações atípicas, muito inferiores às médias históricas, com redução em uma das maiores vantagens competitivas de algumas das mais tradicionais regiões produtoras paulistas: a possibilidade de produzir sem irrigação, portanto com menor custo de produção e maior uniformidade de maturação.

A pesquisa Delphi indicou que há possibilidade de desaparecimento da produção de café em determinadas regiões do Estado de São Paulo: 76,5% dos especialistas consultados acreditam que isso poderá ocorrer, principalmente na Alta Paulista e no Noroeste Paulista, em função da concorrência de outras culturas, especialmente citros, cana-de-açúcar e seringueira, mas também soja e pastagem. Mas outras razões bastante citadas foram as condições fitossanitárias e edafoclimáticas adversas, os custos elevados de produção, as dificuldades com a mão-de-obra, inclusive trabalhistas, além da falta de incentivos para a renovação de culturas e de outros fatores relacionados às políticas públicas para o agronegócio café.

Outras questões relacionadas ao aumento da competitividade do agronegócio café paulista abordadas neste estudo foram: introdução do café robusta no Estado, produção do café orgânico, estudo de modelos organizacionais, estímulos, subsídios, financiamento e treinamento gerencial, e a importância da difusão de tecnologia – via assistência técnica e extensão rural.

Embora não tenha havido consenso sobre a introdução do café robusta em São Paulo, as informações levantadas mostraram a importância estratégica do Estado se preparar tecnologicamente para sua produção, caso ela se torne conveniente frente aos aspectos conjunturais. Houve consenso sobre a forma de introdução daquele café no Estado: gradual e baseada na realização de ensaios regionais.

A produção do café orgânico foi considerada uma alternativa real à geração de renda para o produtor paulista, embora a definição de um modelo sustentável de produção de café para o Estado, quanto aos aspectos ambiental, social e econômico, sem os preceitos dogmáticos do café orgânico tenha sido considerada mais importante.

Verificou-se que é muito grande a importância da difusão de tecnologia para o aumento da competitividade da cadeia produtiva do café paulista. O parque cafeeiro do Estado é constituído principalmente de pequenas propriedades, onde há concentração de uma população de baixo nível de conhecimento, com dificuldades de acesso a novas tecnologias e que depende muito do trabalho do sistema oficial de extensão rural.

A pesquisa Delphi avaliou também cenários para o segmento produtivo. Dos especialistas participantes, 50,0% concordaram que, no estado de São Paulo, a médio e longo

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prazos, terão maiores chances de sobrevivência duas categorias de produtores: a) os pequenos, com mão de obra familiar, não considerada nos custos da produção, pois é tratada como fonte de renda da família, produzindo café notadamente para o mercado interno; e b) as grandes empresas, com alto grau de desenvolvimento tecnológico, baseado na colheita mecânica e excelente preparo pós-colheita, cujo destino dos produtos estará mais voltado à exportação.

Os 35,0% restantes não concordaram com a afirmativa e 15,0% não se manifestaram a favor ou contra. Alguns não concordaram sobre as pequenas propriedades direcionarem seus produtos principalmente para o mercado interno e/ou não concordam que as grandes propriedades poderão produzir café de qualidade superior ao da pequena. Outros especialistas não concordam que os pequenos produtores não irão exportar seus produtos. A criação de associações e cooperativas seriam alternativas para solucionar essa questão.

Os resultados do estudo indicam que nas pequenas propriedades o café é um fator importante para fixação do homem no campo e o Estado deve ter como atribuição a inclusão social de agricultores e familiares, tornando suas propriedades viáveis e garantindo estoques reguladores, além disso, é muito importante produzir café de qualidade independentemente do tamanho da propriedade.

Quanto às perspectivas para o cooperativismo/ associativismo, o Delphi mostrou que 76,25% dos especialistas concordam que o mal gerenciamento de muitas cooperativas tem resultado em altos custos e juros para o produtor de café, tornando-o altamente dependente, havendo necessidade de formação de novos modelos organizacionais, para que os produtores possam controlar pequenas agroindústrias, as quais possibilitem a certificação de origem e sua inserção no mercado de produtos diferenciados. Também concordam que as instituições de pesquisa deverão estender sua atuação ao estudo dos tipos de modelo organizacional, estímulos, subsídios, financiamentos e treinamento gerencial. Os demais 23,75% não concordam com o cenário acima ou não se manifestaram contra ou a favor.

De acordo com a análises diagnóstica e o Delphi, cabe ressaltar que:

• A organização dos produtores, especialmente dos pequenos, é cada vez mais importante para sua sobrevivência, desde a aquisição de insumos até a transformação de matérias-primas (maior poder de negociação).

• O associativismo não é um modelo organizacional ruim, mas a individualidade dos membros de Associações e Cooperativas geralmente é o gargalo do sistema atual. Portanto, o espírito de cooperativismo/associativismo deve ser muito bem trabalhado nos desafios e propostas de novos modelos organizacionais.

• Novos modelos organizacionais deverão ser mais ágeis e confiáveis. As capacidades administrativa e gerencial deverão ser os fatores determinantes.

A atuação da assistência técnica e difusão de tecnologias no fortalecimento de capacitações e treinamentos de membros de cooperativas/associações nas ações de produção e comercialização dos produtos é fundamental.

A pesquisa Delphi identificou que também são importantes para a competitividade do agronegócio café a inadequação dos financiamentos disponíveis para aquela cadeia produtiva e a ausência de um organismo que estabeleça de forma efetiva uma política global para o setor de café no Brasil. Esses fatores foram levantados também em outros Estados produtores, logo merecem maior atenção das autoridades responsáveis pela formulação e implementação de

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políticas públicas para o setor, não apenas para São Paulo, mas para o País como um todo.

Verificou-se que há controvérsias sobre a disponibilidade de créditos para o setor. As principais fontes de crédito para a cadeia produtiva do café são o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e as Cooperativas. No entanto há inúmeras deficiências nesse sistema de crédito. Destacam-se a ausência de crédito para custeio e renovação das lavouras e os períodos de carência muito curtos para os pequenos produtores, os juros muito elevados para os médios e grandes produtores e a ausência de um programa de financiamento para estufas e terreiros, visando a obtenção de cafés de melhor qualidade.

Em São Paulo, o BANAGRO (Banco do Agronegócio Familiar) possui linha de crédito para formação de lavoura de café com mudas enxertadas, resistentes a nematóides, para agricultores familiares enquadrados no PRONAF, para os municípios dos EDRs de Marília, Tupã, Dracena e Bauru. Porém, diversos especialistas e cafeicultores acreditam que esse tipo de crédito deveria ser disponibilizado pelo Governo para as demais categorias de propriedades e para outras regiões. O valor máximo do crédito também é considerado pequeno.

Outra linha de financiamento do BANAGRO visa agregação de valor ao café mediante melhoria da qualidade: aquisição de equipamentos para o preparo do café cereja descascado (lavador, descascador com rosca tipo chupim e desmucilador), para melhoria do café de terreiro e construção de cobertura para os equipamentos e reforma de infraestrutura para secagem. Essa linha é direcionada a cafeicultores que já estejam na atividade, dos municípios dos EDRs de Avaré e Ourinhos. Alguns especialistas sugerem a extensão dessa linha de crédito aos produtores de café do Vale do Ribeira, que já estejam na atividade ou que desejem iniciá-la.

As políticas públicas foram consideradas essenciais para o controle do parque cafeeiro, de forma a evitar excesso de produção e as quebras generalizadas. Diversos especialistas sugeriram a criação de um organismo que limite e oriente os incentivos e os créditos de forma coerente com a realidade brasileira, mesmo que seja por meio de um Banco de Desenvolvimento ou pelo próprio Estado.

A falta de política de preços foi identificada como um dos principais problemas da cadeia produtiva do café. Mas como definir política de preço sem saber detalhes sobre as culturas, como qualidade e quantidade? Para isso seria necessária uma Produção Programada, para mercados específicos. Foi sugerida a criação de uma organização nacional que realize análises conjunturais que subsidiem o agronegócio café, via planejamento antecipado de safras e das necessidades de estocagem e financiamento, para segurança dos próprios produtores e do País, porém com características diferentes às do extinto do IBC – Instituto Brasileiro do Café.

Atualmente os problemas no setor de café são responsabilidade do Departamento do Café – Secretaria de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Mas há compartimentalização das responsabilidades. O controle da política cafeeira é função do Departamento de Café, que no momento se ocupa principalmente com sua comercialização e armazenamento. Alguns especialistas acreditam que uma das causas da dificuldade em se obter uma política de café efetiva no Brasil seja a dificuldade do Conselho Deliberativo da Política do Café – CDPC, que cuida do café como um todo, em administrar as interfaces entre seus membros, cada um priorizando interesses próprios.

Atualmente, a concorrência no mercado tem estimulado as empresas a lançarem diferentes blends, novos produtos a base de café e, principalmente, a se preocuparem com a

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qualidade de seus produtos, visando comercializá-los em nichos especiais de mercado. Assim, um dos fatores primordiais para a competitividade dessa indústria é a qualidade dos produtos comercializados, a qual depende da qualidade da matéria-prima utilizada e dos equipamentos e processos utilizados na torrefação e na solubilização do café. Um grande desafio para o Estado é o mapeamento da qualidade dos cafés que produz e a criação de um programa de certificação de qualidade e origens que valorize os cafés paulistas e facilite sua comercialização e utilização, inclusive no crescente setor de cafés especiais.

Uma das mudanças que deverão causar grande impacto sobre a qualidade do café torrado e moído no varejo é a substituição do café embalado na tradicional “almofada” pelo café embalado à vácuo, aumentando a vida útil do produto.

Outra tendência na indústria é a substituição da armazenagem em sacas pela armazenagem em silos, por tipo de grão. Além de proteger e preservar a qualidade dos grãos, a armazenagem separada em silos facilita a formação dos blends.

Dentre as principais estratégias de pesquisa e desenvolvimento relacionados à industrialização do café estão o desenvolvimento de novos produtos à base de café, de tecnologias para o aproveitamento do café com defeitos, de novas embalagens e o desenvolvimento e aperfeiçoamento de equipamentos e processos voltados à torrefação.

Com relação à introdução do café robusta em São Paulo, o alto custo do transporte e o recolhimento do ICMS em outros Estados tem gerado controvérsias entre pesquisadores e indústrias, quanto à viabilidade técnica e econômica da implantação de lavouras daquele café principalmente no oeste paulista.

A priorização das linhas de pesquisa visando aumento da competitividade paulista, que deverão requerer atenção nos próximos anos, foi realizada via análise diagnóstica e pesquisa Delphi. Os resultados da pesquisa, em ordem decrescente de prioridade foram: melhoramento genético/seleção, sustentabilidade do agronegócio café, desenvolvimento de novos produtos e novos mercados, qualidade/padronização e biologia molecular.

As estratégias não tecnológicas importantes para o aprimoramento das vantagens competitivas da cadeia produtiva do café no Estado de São Paulo, consideradas como as mais importantes pelos 80 especialistas que responderam o questionário, em ordem decrescente de prioridade, foram: desenvolvimento de mercado, maior organização setorial (integração e coordenação na cadeia produtiva), incentivo à certificação (garantia de origem do produto), incentivo aos programas de qualidade e financiamento da lavoura.

Quanto à competitividade entre a cadeia produtiva do café no estado de São Paulo e as cadeias produtivas do café nos demais estados brasileiros produtores, os principais aspectos a serem considerados estão resumidos a seguir:

Espírito Santo • O nível tecnológico empregado nesse Estado, principalmente no setor agrícola, é muito mais

baixo do que em São Paulo. O número de tecnologias disponíveis ainda não acessíveis aos produtores também é maior que em São Paulo. Os produtores capixabas, tanto de café arábica como de conilon, não sabem qual a área que têm cultivada com café, quanto produzem por área e muito menos quanto gastam com a cultura e quais as características do café que estão

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produzindo. Não têm controle algum sobre os talhões e o nível cultural geral é muito baixo.

• A difusão de tecnologia é cada vez mais deficiente. A falta de recursos humanos e financeiros é maior que em São Paulo. A terceirização da assistência técnica por empresas produtoras de insumos é uma alternativa ao papel do Estado na extensão rural, porém não atende às necessidades dos pequenos produtores. Um problema grave da difusão de tecnologia é a distribuição de mudas para os jardins clonais de conilon, essenciais para uniformização e aumento e/ou manutenção da produtividade de sas cultivares.

• Apesar dos problemas de desuniformidade e produtividade de muitos cafezais de conilon, o grande problema da cafeicultura do ES é o café arábica: uma cafeicultura mal nutrida, onde faltam orientação e assistência técnica, especialmente aos pequenos cafeicultores, base da cafeicultura do Estado, e cujo produto final de modo geral é de baixa qualidade.

• Apesar dos esforços de alguns produtores e do início do trabalho de promoção dos Cafés das Montanhas do Espírito Santo, a bebida obtida ainda é de baixa qualidade.

• Praticamente não há organização ou integração na cadeia produtiva do café arábica e quando existem são ainda muito incipientes. Na cadeia produtiva do café conilon já há maior integração entre os elos.

• O programa capixaba de melhoramento do conilon partiu de uma produção de 9 sacas/ha em 1993 e obtém-se hoje 21,3, podendo-se chegar a 40 sacas, superando a meta inicial do programa que era de 18 sacas/ha. Quanto ao arábica, em 1993 produzia-se 4 sacas/ha e hoje ainda são produzidas apenas 8,7 sacas/ha. Assim, quanto aos aspectos de melhoramento genético e práticas culturais, a cultura do conilon já está muito bem estabelecida e nos últimos 10 anos obteve ganhos muito significativos. Os trabalhos com o arábica ainda são incipientes e os resultados sobre a produtividade da cultura no Estado deverão demorar.

• Há necessidade de se realizar a caracterização da bebida do conilon, de forma a serem estabelecidos padrões de bebida próprios para este tipo de café. Essa caracterização e padronização poderá vir a beneficiar a indústria paulista de torrefação e moagem e as solubilizadoras, que o utilizam em seus blends.

• A expansão do conilon no sul do ES é viável e, apesar de serem necessários alguns ajustes fitotécnicos, sua produção nessa região poderá atingir o dobro da produção que tem sido obtida na região norte. No entanto há competição entre as culturas de café e eucalipto em todo sul do Estado. Há expectativa de que a substituição de café por eucalipto deva continuar.

• As margens de comercialização na cadeia produtiva do café no Espírito Santo são muito elevadas, superiores à média mundial, o que poderá favorecer as indústrias e os exportadores daquele Estado em detrimento dos paulistas.

• A produção capixaba de café arábica não parece ser uma ameaça concreta à cadeia produtiva do café no estado de São Paulo, especialmente quanto aos níveis atuais de produtividade e nos nichos de mercado que exigem qualidade dos cafés. Assim, parece-nos que São Paulo deverá investir em ações que o identifiquem como produtor de cafés de boa qualidade e que fortaleçam essa posição.

• Com relação à produção de Coffea canephora, a competência do Espírito Santo é muito grande e, ainda assim, há problemas de produção e venda de mudas das cultivares clonais e de adoção de tecnologias específicas para a cultura pelos produtores. Face ao estágio atual

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dos conhecimentos sobre essa cultura em São Paulo, e das condições edafoclimáticas das áreas paulistas consideradas mais aptas ao seu plantio, sua introdução, se realizada, precisará ser feita de forma gradual e acompanhada de estudos regionais.

• A introdução do Coffea canephora em São Paulo deverá levar em conta não só a defasagem entre as competências que o Espírito Santo já possui e a paulista, mas também a possibilidade de expansão do cultura do conilon no sul daquele Estado, a qual poderá mais do que dobrar a produção capixaba de conilon.

Bahia

• Um aspecto favorável ao café arábica do oeste da Bahia é o inverno seco coincidente com a colheita, o que possibilita a obtenção de cafés de alta qualidade.

• A sustentabilidade da cafeicultura da região deverá ser o grande desafio dos cafeicultores do oeste baiano. A região é viável para a cafeicultura, porém o cafeeiro precisa ser tratado como planta perene e não como planta anual, como tem sido feito. É possível e esperado, com manejo adequado da irrigação, nutrição, tratos culturais e fitossanitários, obter culturas com sustentabilidade, por um período no mínimo de 15 anos.

• A mecanização e a irrigação dos cafezais da região oeste tornam a cultura viável em grande escala. Mas é necessário que seja feito um monitoramento mais racional da irrigação, a qual precisa ser ajustada às necessidades fisiológicas da planta, estabelecendo um período de repouso para uniformização da floração.

• A predominância de solos de textura arenosa e com baixíssima fertilidade natural resulta em baixa capacidade de retenção de água e nutrientes, requerendo técnicas aprimoradas de irrigação e nutrição para se obter boa produtividade e a sustentabilidade da produção. Está ocorrendo na região um grande desperdício de nutrientes por lixiviação, que de modo geral não vem sendo avaliado.

• A irrigação abundante aliada a doses elevadas de nutrientes nos primeiros anos de plantio tem proporcionado crescimento anormal do cafeeiro – plantas muito altas e troncos flexíveis – que levam ao seu tombamento. Essa prática poderá ter conseqüências indesejáveis na colheita mecânica e poderá reduzir a vida útil dos cafezais. Em muitas lavouras foi observado plantas excessivamente vigorosas devido altas doses de nitrogênio empregada, havendo perdas consideráveis de produtividade e fechamento da lavoura, o que compromete também o futuro pela falta de iluminação. A deficiência de cobre ocorre de forma generalizada nas lavouras.

• A região oeste da Bahia apresenta particularidades em relação às demais regiões produtoras de café do País, havendo necessidade de se desenvolver tecnologia própria para a região, especialmente nas áreas de nutrição e irrigação, em função das perdas enormes de nutrientes por lixiviação, o que aumenta o depauperamento do solo, além do custo excessivo e desperdício de fertilizantes.

• A grande vantagem das principais regiões paulistas produtoras de café é a possibilidade de se obter boa produtividade, com tecnologias e manejo adequados, porém sem necessidade de irrigação (embora a seca dos últimos dois anos tenha prejudicado muito a produtividade das lavouras paulistas) e com menores gastos com insumos. Também é possível a obtenção de

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floração e maturação mais uniformes.

• Quanto à produção do Coffea canephora no Sul e Extremo Sul da Bahia, que cultivam o tipo conilon trazido do Espírito Santo, a principal desvantagem de São Paulo é a necessidade de irrigação da cultura nas áreas marginais à produção do café arábica, especialmente na Alta Paulista. Na Bahia o conilon é produzido em áreas com boa precipitação pluviométrica e, apesar disso, muitas propriedades estão adotando sistemas de irrigação durante os períodos de estiagem, o que proporcionada elevadas produtividades. Os cafezais em que não há irrigação têm menor produtividade, porém os custos são menores.

• A produtividade média das áreas irrigadas e com manejo bem conduzido de conilon da Bahia têm chegado a 70 sacas beneficiadas/ha. Produtividade superior à média do Espírito Santo, que o produz sem irrigação.

• No Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira possui condições edafoclimáticas favoráveis ao cultivo do conilon, sem necessidade de irrigação. Mas essa região também é propícia ao cultivo do arábica, de maior valor agregado. O ponto desfavorável ao arábica no Vale do Ribeira é a dificuldade em se obter bebidas de boa qualidade em função da dificuldade de secar o café colhido, em função de umidade extremamente elevada. Esse problema pode ser contornado, por exemplo, com a utilização da tecnologia do café cereja descascado e/ou utilização de estufas, como tem sido feito com os cafés de montanha do Espírito Santo.

• A questão da difusão de tecnologia é semelhante à do Espírito Santo, cada vez mais deficiente e em piores condições que no estado de São Paulo.

• O aumento da substituição de café por outras culturas, principalmente a soja, tem ocorrido nas regiões de cerrado da Bahia.

Minas Gerais • Quanto aos pequenos produtores do Sul de Minas Gerais, o nível tecnológico empregado por

aqueles que são cooperados em geral é mais elevado do que a média da região. Os demais se igualam ao nível tecnológico geralmente observado nos pequenos produtores paulistas.

• As grandes empresas do Sul de Minas Gerais acompanham sistematicamente as alterações nos mercados interno e externo de café e têm bom controle sobre seus custos de produção e qualidade de seus produtos. Os pequenos produtores cooperados têm bom apoio da Cooperativa, especialmente quanto aos aspectos técnicos da produção e têm noções sobre a qualidade de seus cafés, porém não têm seus custos de produção sistematizados. Os demais pequenos produtores conhecem muito pouco sobre produtividade, custos e qualidade do café que estão produzindo.

• A difusão de tecnologia via Estado é ainda mais deficiente que no Estado de São Paulo, tanto com relação à falta de recursos humanos como financeiros. A terceirização da assistência técnica pelas cooperativas e por empresas produtoras de insumos não atende às necessidades dos pequenos produtores.

• A organização ou integração na cadeia produtiva do café é ainda incipiente. O número de produtores cooperados ainda é pequeno em relação ao total de propriedades com até 10ha de café. As grandes empresas competem entre si e trabalham individualmente.

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• Quanto aos aspectos de melhoramento genético e práticas culturais, a cultura em geral está muito bem estabelecida e é conduzida de forma muito semelhante às regiões que fazem fronteira com o Estado de São Paulo, principalmente nas regiões correspondentes aos Pólos Regionais Nordeste Paulista e Leste Paulista.

• A produção mineira de café arábica pode ser uma ameaça concreta à cadeia produtiva do café paulista, especialmente quanto aos níveis atuais de produtividade e aos nichos de mercado que exigem qualidade dos cafés. Isto em função das grandes fazendas da região estarem investindo muito em qualidade e certificações de diversas naturezas, tendo em vista mercados específicos, especialmente para exportações (em geral já contratadas) e também em função da ação de Cooperativas que vêm estimulando a produção de cafés com qualidade e divulgando o conceito de cafeicultura sustentável a parte dos pequenos e médios produtores mineiros. Assim, as características estruturais descritas para Minas Gerais reforçam a necessidade de que o aumento da competitividade da cafeicultura paulista deverá estar vinculado a ações que identifiquem São Paulo cada vez mais como produtor de cafés de boa qualidade.

• Embora o Sul de Minas produza apenas café arábica, lembramos que na Zona da Mata e no Vale do Jequitinhonha há pequena produção de Coffea canephora. Assim, a possibilidade de sua introdução em São Paulo deverá levar em conta a possibilidade ou não de expansão do café robusta naquelas áreas.

• É preciso ainda levar em conta a produção de café arábica no cerrado mineiro, como em Patrocínio, Coromandel e Monte Carmelo, onde há áreas irrigadas e não irrigadas e áreas propícias à mecanização da cultura, favorecendo as grandes propriedades. No entanto, é preciso considerar ainda o aumento da substituição de café, especialmente pela soja, no cerrado mineiro, da mesma forma que no cerrado baiano.

Paraná • No Paraná a produção de café predomina em pequenas propriedades e na forma de plantios

adensados, fomentados por um Programa estadual.

• Há uma tendência de retração da área plantada e aumento da produção por área.

• No período 1970-1996 a cultura do café cedeu espaço para lavouras de soja e trigo e atualmente, especialmente em função dos preços do café, continua cedendo espaço para culturas mais rentáveis, principalmente soja, tendência que tem sido observada também nos cerrados de Minas Gerais e Bahia.

• Dentre os principais problemas enfrentados pela cafeicultura do Paraná destacam-se as condições climáticas e os nematóides. Alguns pesquisadores vêm buscando via programa de melhoramento genético obter cultivares tolerantes a temperaturas mais baixas. Esse programa tem causado grandes controvérsias e apreensões entre os especialistas em café, pois a tolerância a temperaturas mais baixas pode ser importante para aquele Estado, mas pode ser estrategicamente perigosa para o agronegócio café brasileiro, pois outros países poderão vir a produzir ou aumentar sua produção de café. O argumento do Paraná baseia-se na possibilidade do Brasil obter e patentear cultivares tolerantes a temperaturas mais baixas antes que outros países o façam, tornando-se vendedor da tecnologia e não importador.

• De modo geral, as tendências do agronegócio café no Estado do Paraná são menos

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ameaçadoras à competitividade do estado de São Paulo que as de Minas Gerais. Rondônia • Atualmente o Estado de Rondônia possui cerca de 165mil ha cultivados com café, dos quais

98,0% com Canephora e os demais 2,0% com café arábica, correspondentes a 2,1 milhões de pés de robusta e 40 a 50 mil pés de arábica. Em função dos preços que o produto tem alcançado, há uma tendência de substituição dos cafezais por pastagens. A possibilidade de crescimento na área plantada está intimamente relacionada à permissão para novos desmatamentos, implantação de novos projetos de colonização e ao comportamento dos preços internacionais de café. É preciso considerar, ainda, os problemas que esse Estado vem enfrentando com as invasões de terra.

• A produtividade média das lavouras de Rondônia ainda são muito baixas quando comparadas às produtividades obtidas no Sul da Bahia e no Espírito Santo, apesar dos cerca de 30 anos da introdução da cultura na região. A produtividade do café robusta encontra-se em torno de 12 a 13 sacas beneficiadas/ha, chegando a 20 sacas apenas em lavouras muito boas. A produtividade do arábica é ainda mais baixa que nos demais estados produtores.

• Há potencial para obtenção de cafés arábica de qualidade diferenciada, especialmente se utilizada a tecnologia do café cereja descascado ou café com denominação de origem, identificado com preservação de árvores (café sombreado) e pássaros, por exemplo.

• A produtividade, a qualidade, o volume produzido e as perspectivas de futuro para o café arábica de Rondônia não indicam uma ameaça séria à competitividade da cadeia produtiva de café paulista.

• Quanto ao conilon, apesar do grande volume produzido em Rondônia, a preocupação maior dos paulistas deverá se concentrar na análise do custo de produção em São Paulo e a situação atual e perspectivas para o conilon no Espírito Santo e Sul da Bahia. Apesar da falta de tradição e conhecimentos dos paulistas sobre seu cultivo, os pesquisadores e cafeicultores paulistas acreditam que as produtividades de Rondônia poderão ser alcançadas sem grandes dificuldades.

CONCLUSÕES

Com relação à adoção de estratégias bem sucedidas, destacam-se as ações voltadas à

obtenção de certificações de qualidade e as certificações de responsabilidade social, como preservação ambiental, saúde dos trabalhadores, segurança alimentar e não utilização de mão-de-obra infantil.

Este tipo de estratégia permite a diferenciação de produtos e tem sido adotado pelas grandes empresas, como a Fazenda Monte Alegre e a Ipanema Agropecuária, do Sul de Minas Gerais, e é uma tendência bem definida entre as demais empresas desse segmento, inclusive entre diversas cooperativas.

Empresas e cooperativas dos diferentes estados produtores têm participado cada vez

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mais de Feiras de Cafés Especiais e Concursos de Qualidade, no Brasil e no exterior, buscando associar seu nome à boa qualidade e aos cafés especiais. Esta estratégia têm permitido não só que as empresas conservem uma posição sustentável no mercado mas que aumentem significativamente suas respectivas parcelas de mercado, especialmente no exterior.

A diferenciação de produtos também ocorre via denominações de origem e/ou processo, e tem sido utilizada por outros estados – Cafés das Montanhas do Espírito Santo, Cafés das Matas de Minas Gerais, Cafés do Cerrado e Café Cereja Descascado, dentre outros. Ações dessa natureza costumam ter efeito direto sobre o preço e a concorrência.

Diversas regiões de São Paulo já podem ser identificadas como produtoras de cafés de qualidade, especialmente aquelas da Mogiana, entre Pedregulho/Franca e Monte Alegre do Sul/Bragança Paulista e Avaré/Piraju.

Algumas cooperativas têm procurado sempre atualizar seus técnicos e seus cooperados. Na área de produção agrícola costumam promover palestras sobre técnicas específicas. Têm também procurado manter uma comunicação periódica com seus cooperados, principalmente via publicações mensais. Têm também fornecido aos cooperados instruções sobre produção de cafés com qualidade, produção do café cereja descascado e descarte de embalagens, dentre outros, por meio de Boletins Técnicos e Manuais, onde são tratados temas como responsabilidade social, melhor aproveitamento da água, conservação dos solos, prática da biodiversidade e rentabilidade.

A análise do sistema agroindustrial do café mostrou que as possibilidades de crescimento e agregação de novos mercados deverão ocorrer via qualidade, responsabilidade social e desenvolvimento de novos produtos.

O segmento de torrado e moído comum poderia se dedicar a agregar mais valor enquanto o café especial (gourmet), já mais destinado à exportação poderá vir a incrementar o consumo interno, além de procurar aumentar suas exportações.

Dentre as principais estratégias de pesquisa e desenvolvimento relacionados à industrialização do café estão o desenvolvimento de tecnologias para o aproveitamento do café com defeitos, de novas embalagens, desenvolvimento e aperfeiçoamento de equipamentos e processos voltados à torrefação e desenvolvimento de novos produtos à base de café. O estímulo ao consumo de industrializados e desenvolvimento de novos produtos poderia ser realizado via marketing, talvez propaganda institucional.

A adoção dessas estratégias é essencial para o aumento da competitividade da cafeicultura paulista, com relação aos demais estados e países produtores.

Quanto à alteração da composição relativa de cada segmento do sistema agroindustrial, esse estudo procurou avaliar principalmente os cenários futuros para as categorias de produtores rurais e as perspectivas para o cooperativismo/associativismo.

Embora o estudo tenha indicado que curto e médio prazos, no estado de São Paulo, terão maiores chances de sobrevivência os pequenos produtores, com mão de obra familiar, e as grandes empresas, com alto grau de desenvolvimento tecnológico, verificou-se que o mais importante para a sobrevivência dos produtores serão a produção de cafés de boa qualidade e a eficiência técnica e administrativa, independentemente do tamanho da propriedade.

Verificou-se também que o mal gerenciamento de muitas cooperativas tem

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resultado em altos custos e juros para o produtor de café, tornando-o altamente dependente. Havendo, portanto, necessidade de formação de novos modelos organizacionais, para que os produtores possam controlar pequenas agroindústrias, que possibilitem a certificação de origem e sua inserção no mercado de produtos diferenciados.

O número de Associações de classe na cadeia produtiva vem crescendo e sua intensificação deverá contribuir para a sobrevivência do segmento e para a competitividade do agronegócio café. A organização dos produtores, especialmente dos pequenos, é cada vez mais importante para sua sobrevivência, especialmente por resultar em maior poder de negociação.

Embora o associativismo não seja um modelo organizacional ruim, a individualidade dos membros de Associações e Cooperativas geralmente é o gargalo do sistema atual. O espírito de cooperativismo/associativismo deverá ser muito bem trabalhado nos desafios e propostas de novos modelos organizacionais, que deverão ser mais ágeis e confiáveis, e as capacidades administrativa e gerencial deverão ser os fatores determinantes.

De modo geral, as ameaças concretas à cadeia produtiva do café do estado de São Paulo são as áreas mecanizadas e irrigadas dos cerrados mineiro e baiano e as áreas de café arábica do Sul de Minas Gerais.

Nas regiões paulistas que possuem vantagens edafoclimáticas, que permitem a produção sem utilização sistemática de irrigação e colheita em períodos de menor umidade relativa, a manutenção ou o aumento da competitividade estão mais relacionados à diferenciação da produção via qualidade, preferencialmente com denominação de origem e responsabilidade social. Em outras regiões do Estado, a busca da competitividade deve considerar ainda a disponibilidade de orientação e assistência técnica, a introdução de novas técnicas de preparo, como café cereja descascado, e o desenvolvimento de novas pesquisas científicas.

As estratégias não tecnológicas mais importantes para o aprimoramento das vantagens competitivas da cadeia produtiva do café no Estado de São Paulo em ordem de prioridade, foram: 1o- Desenvolvimento de mercado, 2o- Maior organização setorial (integração e coordenação na cadeia produtiva), 3o- Incentivo à certificação (garantia de origem do produto), 4o- Incentivo aos programas de qualidade e 5o- Financiamento da lavoura.

E as linhas de pesquisa, visando aumento da competitividade setorial, que deverão requerer atenção nos próximos anos, em ordem de prioridade, são: 1o- Melhoramento genético/seleção, 2o- Sustentabilidade do agronegócio café, 3o- Desenvolvimento de novos produtos e novos mercados, 4o- Qualidade/padronização e 5o- Biologia molecular. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGROPOLOS: uma proposta metodológica. Brasília: ABIPTI/CNPq/SEBRAE/Embrapa/IEL,

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