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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 COMPORTAMENTO DE VARIÁVEIS CLIMÁTICAS EM ESPAÇOS URBANOS CONSOLIDADOS FORMAIS E INFORMAIS E A CRIAÇÃO DE CENÁRIOS FUTUROS: ESTUDO DE CASO DA BACIA DO ANHUMAS Caroline Krobath Luz Pera Faculdade de Arquitetura e Urbanismo CEATEC [email protected] Laura Machado de Mello Bueno Grupo de Pesquisa Água no Meio Urbano CEATEC [email protected] Resumo: A bacia do ribeirão Anhumas está em posição estra- tégica dentro do contexto do município de Campinas, próxima a redes de infraestrutura e na região central da cidade. Tem 46% de sua área urbanizada [1], alta taxa de impermeabilização do solo e áreas já conso- lidadas com baixa e média densidade urbana. Vários usos alteraram historicamente as condições naturais, comprometendo a qualidade e a quantidade das águas urbanas e consequentemente a qualidade de vida da população residente no entorno. O objetivo da pesquisa foi o estudo da morfologia urbana instaurada, sua relação com a legislação ur- banística vigente, com aspectos de desenho urbano e com o comportamento de variáveis climáticas no microclima de um espaço urbano consolidado. O conhecimento dos fatores climáticos, conjuntamente com as características físicas e socioeconômicas são fundamentais para a elaboração de diretrizes urba- nísticas que desenhem cidades mais sustentáveis com melhores condições de conforto. A relevância do estudo está nas mudanças de morfo- logia urbana desta área decorrentes da implementa- ção da política pública: Projeto Parque Linear e Vila Anhumas para recuperação urbana e socioambiental de trecho da bacia. Palavras-chave: Morfologia Urbana, Conforto Urba- no, sustentabilidade Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas – 6.04.02.02-4 Planejamento e Projeto do Espaço Urbano 1. A BACIA DO RIBEIRÃO ANHUMAS E SEU CONTEXTO Campinas é representativa do padrão de urbaniza- ção das grandes metrópoles brasileiras. Mesmo em seus setores mais estruturados, como a área em análise, apresenta diversos problemas, tanto no pas- sivo social, quanto ambiental e urbano. A bacia hidrográfica do Anhumas tem 15020 hecta- res, sendo a maior parte inserida no município de Campinas, e pequena parte no município de Paulí- nia, onde o ribeirão desagua no rio Atibaia. Cerca de 70% da área de sua bacia está dentro do perímetro urbano, tendo 46% de sua área urbanizada [1]. Quando a urbanização é alta, com intensa imperme- abilização, a quantidade de radiação solar armaze- nada é maior, como também é maior a produção de calor e de contaminantes atmosféricos. Em conse- quência, maiores serão as possibilidades de uma forte variabilidade climática, os obstáculos à penetra- ção a ventos, e menores a umidade do ar e as per- das de calor por evaporação. [2] As nascentes do ribeirão estão localizadas na região central da área urbana, onde há intensa impermeabi- lização. Muitos trechos da rede hídrica foram utiliza- dos como avenidas, sendo retificados, canalizados e tamponados. [3] Houve o agravamento das inundações (com águas poluídas), devido ao aumento sucessivo das vazões de pico, conforme a urbanização e as obras conven- cionais de drenagem ocorriam. [3] O recorte espacial desta pesquisa se dá ao longo de trechos à margem esquerda do Ribeirão Anhumas, incorporando trechos do Bairro Vila Nogueira e do Núcleo Residencial Gênesis, todos próximos do Pro- jeto da Vila e Parque Linear do Ribeirão Anhumas. Essas áreas começaram a ser ocupados por assen- tamentos informais a partir dos anos 70, no contexto do intenso crescimento econômico e demográfico da região. A população carente apropriou-se de áreas públicas para moradia de forma precária e predató- ria. Algumas delas eram destinadas, durante o pro- cesso de parcelamento legal do bairro, a reserva municipal para a construção de áreas livres públicas e áreas institucionais situadas ao longo do ribeirão,

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25 e 26 de setembro de 2012

COMPORTAMENTO DE VARIÁVEIS CLIMÁTICAS EM ESPAÇOS URBANOS CONSOLIDADOS FORMAIS E INFORMAIS E A

CRIAÇÃO DE CENÁRIOS FUTUROS: ESTUDO DE CASO DA BACIA DO ANHUMAS

Caroline Krobath Luz Pera Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

CEATEC [email protected]

Laura Machado de Mello Bueno Grupo de Pesquisa Água no Meio Urbano

CEATEC [email protected]

Resumo:

A bacia do ribeirão Anhumas está em posição estra-tégica dentro do contexto do município de Campinas, próxima a redes de infraestrutura e na região central da cidade. Tem 46% de sua área urbanizada [1], alta taxa de impermeabilização do solo e áreas já conso-lidadas com baixa e média densidade urbana. Vários usos alteraram historicamente as condições naturais, comprometendo a qualidade e a quantidade das águas urbanas e consequentemente a qualidade de vida da população residente no entorno. O objetivo da pesquisa foi o estudo da morfologia urbana instaurada, sua relação com a legislação ur-banística vigente, com aspectos de desenho urbano e com o comportamento de variáveis climáticas no microclima de um espaço urbano consolidado. O conhecimento dos fatores climáticos, conjuntamente com as características físicas e socioeconômicas são fundamentais para a elaboração de diretrizes urba-nísticas que desenhem cidades mais sustentáveis com melhores condições de conforto. A relevância do estudo está nas mudanças de morfo-logia urbana desta área decorrentes da implementa-ção da política pública: Projeto Parque Linear e Vila Anhumas para recuperação urbana e socioambiental de trecho da bacia.

Palavras-chave: Morfologia Urbana, Conforto Urba-no, sustentabilidade

Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas – 6.04.02.02-4 Planejamento e Projeto do Espaço Urbano

1. A BACIA DO RIBEIRÃO ANHUMAS E SEU CONTEXTO

Campinas é representativa do padrão de urbaniza-ção das grandes metrópoles brasileiras. Mesmo em seus setores mais estruturados, como a área em

análise, apresenta diversos problemas, tanto no pas-sivo social, quanto ambiental e urbano. A bacia hidrográfica do Anhumas tem 15020 hecta-res, sendo a maior parte inserida no município de Campinas, e pequena parte no município de Paulí-nia, onde o ribeirão desagua no rio Atibaia. Cerca de 70% da área de sua bacia está dentro do perímetro urbano, tendo 46% de sua área urbanizada [1]. Quando a urbanização é alta, com intensa imperme-abilização, a quantidade de radiação solar armaze-nada é maior, como também é maior a produção de calor e de contaminantes atmosféricos. Em conse-quência, maiores serão as possibilidades de uma forte variabilidade climática, os obstáculos à penetra-ção a ventos, e menores a umidade do ar e as per-das de calor por evaporação. [2] As nascentes do ribeirão estão localizadas na região central da área urbana, onde há intensa impermeabi-lização. Muitos trechos da rede hídrica foram utiliza-dos como avenidas, sendo retificados, canalizados e tamponados. [3] Houve o agravamento das inundações (com águas poluídas), devido ao aumento sucessivo das vazões de pico, conforme a urbanização e as obras conven-cionais de drenagem ocorriam. [3] O recorte espacial desta pesquisa se dá ao longo de trechos à margem esquerda do Ribeirão Anhumas, incorporando trechos do Bairro Vila Nogueira e do Núcleo Residencial Gênesis, todos próximos do Pro-jeto da Vila e Parque Linear do Ribeirão Anhumas. Essas áreas começaram a ser ocupados por assen-tamentos informais a partir dos anos 70, no contexto do intenso crescimento econômico e demográfico da região. A população carente apropriou-se de áreas públicas para moradia de forma precária e predató-ria. Algumas delas eram destinadas, durante o pro-cesso de parcelamento legal do bairro, a reserva municipal para a construção de áreas livres públicas e áreas institucionais situadas ao longo do ribeirão,

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seguindo a prática brasileira de destinar ao poder público as áreas ambientalmente sensíveis. [3] [4] Os assentamentos informais e precários possuíam problemas de habitabilidade e estavam desconecta-dos da malha urbana, contribuindo para a degrada-ção socioambiental da região. Por se tratarem de núcleos irregulares ficaram por muitos anos carentes de rede infraestrutura, comprometendo a proteção natural do córrego, ou seja, sua mata ciliar e conta-minando as margens, as encostas e o rio, causando alterações no solo, nas águas e no microclima de toda região. Instaurava-se portanto um problema tanto político e social, no que diz respeito à qualida-de de vida dessa população e à ilegalidade dos as-sentamentos, quanto um problema urbanístico e am-biental que atingia toda a cidade. [5] Diante desta problemática, o Projeto vem estabele-cendo ações reparatórias e compensatórias na área. A partir de 2005 iniciaram-se obras para remoção das famílias em situação mais vulnerável, e foi sendo elaborado um plano integrado de intervenções, de-nominado Projeto Parque Anhumas, tendo como componentes as Vilas Residenciais (Vila Parque Anhumas com moradias geminadas duas a duas e assobradadas, de 48 m2 de área construída), o Par-que Linear, ciclovia e equipamentos de esporte e lazer. As obras de urbanização, drenagem, habita-ção, recuperação ambiental e devolução de áreas livres e de recreação aos moradores da cidade toma-ram impulso em 2007, com os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC social). Dos 1012 domicílios existentes nos núcleos informais ao longo do Anhumas, 327 (32,3%) foram reassen-tada em um conjunto habitacional distante 14 Km do local. O restante das famílias foi remanejada na mesma área. Portanto, no que diz respeito a susten-tabilidade, aqui entendida em seu sentido social, este é um projeto urbanístico no qual as famílias benefici-adas não estão sendo em sua totalidade deslocadas da sua área de ocupação original, o que se destaca sobretudo por se tratar de terrenos localizados em uma área nobre e próxima das áreas centrais da ci-dade de Campinas, portanto, altamente vulnerável à especulação imobiliária. [5] No que tange à discussão sobre morfologia e dese-nho urbano, o remanejamento de parte das famílias dentro da mesma área proporcionou uma modifica-ção qualitativa na morfologia urbana. Com a tipologia habitacional casa geminada se configurou a criação de uma tipologia de quadra urbana com desenho interessante, com vilas em cul de sac lindeiras aos 30 metros reservados à APP, e proporcionando uma

densidade habitacional compatível com a realidade de inserção urbana do bairro. 2. A CIDADE INSTAURADA: MORFOLOGIA URBANA FORMAL E INFORMAL E O CONFORTO AMBIENTAL NA ESCALA MICROCLIMÁTICA Buscando o entendimento das condições de conforto ambiental urbano na escala microclimática, optou-se como metodologia, pela análise de um conjunto de características morfológicas dentro de recortes de estudo para traçar um panorama do cenário atual, reflexo tanto da legislação urbanística vigente, quan-to do desenho urbano proposto por arquitetos e ur-banistas para os loteamentos e projetos urbanos ins-taurados, somado ainda às intervenções vernacula-res realizadas no campo da cidade informal. Como aponta ROMERO [2] “a prática da arquitetura e do desenho urbano concretizam-se sem considerar os impactos que provocam no meio ambiente, reper-cutindo não somente no desequilíbrio do meio, como também no conforto e na salubridade da população urbana”. Os problemas de conforto ambiental são percebidos portanto tanto na escala da edificação quanto na escala da cidade. Como a concepção do espaço urbano público não edificado é interdisciplinar este estudo partiu do en-tendimento do território a partir de algumas variáveis, abordando aspectos: físicos, ambientais, urbanísti-cos e socioeconômicos. A área de estudo foi anali-sada em camadas do conhecimento explorando o próprio conceito de morfologia urbana como catego-ria de análise responsável por desmembrar o tecido urbano em parâmetros, estabelecendo, portanto, elementos descritivos de um espaço urbano, para que assim seja possível compreender melhor sua totalidade. [6] 2.1. Morfologia Física: Urbanização em fundo de vale e a Relação Rio/Topografia/Cidade

Nesta etapa da pesquisa o recorte espacial foi redu-zido, passando-se a trabalhar com estudos de perfis (Figura 1) de dois trechos de área.

• Área 1: Abrange 9 quadras: uma quadra reurba-nizada nos anos 1980, uma quadra da Vila par-que Anhumas e sete quadras da cidade formal. (Figura 1)

• Área 2: 11 quadras do Núcleo Residencial Gê-nesis, este que foi reparcelado nos anos 1990 e parte das famílias foram remanejadas para a mesma área.

Antes da realização do Projeto Vila e Parque Anhu-mas a ocupação no fundo do vale era mais predató-

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ria e sujeita a riscos tanto ambientais, quanto sociais devido a presença de habitações precárias próximas a calha do rio. Assim, o projeto urbanístico buscou modificar a configuração de ocupação, mitigar ações da ocupação predatória no fundo de vale, e melhorar a dinâmica hídrica e as condições térmicas da bacia.

Figura 1. Perfil Topográfico área 1 de estudo.

A pesquisa realizada por PEZZUTO et alli, [7] em fundos de vale da região central de Campinas para monitoramento do comportamento térmico em fun-dos de vale em ambiente urbano mostrou que o pro-cesso de urbanização altera as temperaturas e criam um “clima urbano”. As áreas livres verdes urbanas são importantes justamente pelo seu potencial de resfriamento do ar e melhoria das condições térmi-cas no seu microclima, tornando-o mais ameno e úmido. Os fundos de vales elementos chave na con-formação do microclima, quando vegetados, pois possibilitam um ambiente mais agradável para o seu entorno. Um corpo d’água pode ainda incrementar taxas de umidade do ar no ambiente urbano e dimi-nuir a amplitude térmica em uma área urbanizada. Estudo realizado em São José de Rio Preto- SP [8] aponta que represas localizadas em áreas urbanas muitas vezes contribuem para melhorar a qualidade de vida dos moradores. Favorecem o lazer, o confor-to térmico e são permeáveis às águas pluviais. As-sim o ambiente construído responde melhor às ne-cessidades de conforto humano, amenizando o calor em bairros próximos ao centro. 2.2 Morfologia Urbana: suas relações com o cli-ma urbano.

A análise sobre morfologia urbana é imprescindível pois serve para orientar intervenções. Espera-se uma proposição, uma requalificação de um espaço urbano a partir de suas potencialidades e necessida-des de projeto. Entendendo-se as particularidades daquele território, é possível requalificá-lo a partir do que ele já se constitui e não usando uma solução paradigmática pré-estabelecida e genérica. [5] A coleta de informações, se deu em campo e por sensoriamento remoto (imagem GEOEYE). Em cam-po foram mapeadas: relações de cheios e vazios, gabarito, uso do solo, padrão construtivo, unidades à venda ou para locação e tipologia construtiva. Atra-

vés do sensoriamento remoto foi analisado: tipo de telha (cobertura), posicionamento da arborização pública e presença de residências com piscinas. Por esta pesquisa tratar a questão da morfologia ur-bana integrada à questão de conforto urbano, perce-beu-se a relevância de elaborar um mapa de cheios e vazios que incluísse também o posicionamento da arborização pública para os dois trechos analisados. As grandes áreas livres de edificações em ambos os trechos são justamente a área que acolhe o novo Parque Linear e a definida como APP. Na área 1, existem, além do parque linear, outras áreas não edificadas. Mas não se configuram como locais de uso social/lazer público, são apenas canteiros urba-nos, resquícios do desenho urbano de parcelamento, um terreno vazio e outra área pública doada para aprovação do loteamento, mas que não se configura como praça com uso público ou social. Além disso, a arborização pública nestes espaços livres não foi executada considerando a melhor disposição para sombreamento do percurso do pedestre, ou seja, não se relaciona diretamente ao propósito de melho-ria do microclima urbano. Nem mesmo no Parque Linear a arborização foi pro-jetada para sombrear o passeio público, temos tre-chos com árvores com copas largas e que ajudam o conforto urbano, mas o percurso não dispõe de um plantio contínuo de árvores, o que torna-o pouco confortável, principalmente devido seu posiciona-mento a Norte, face que recebe insolação durante a maior parte do dia durante a maior parte do ano. A arborização no interior do bairro, entre as quadras também é esparsa e com árvores de copa pouco densa, mas estão localizadas no lado mais ensolara-do da calçada. Portanto, mesmo que precariamente, a arborização contribui para o sombreamento nos trechos onde está presente. Porém, a condição de arborização é ainda pior da quadra reurbanizada nos anos 1980 - a mais longa, com 360 metros e com a maior taxa de ocupação do solo -com apenas seis árvores. A situação é mais drástica na área 2. Em 11 quadras analisadas, encontramos apenas cinco árvores. A condição de sombreamento para o pedestre é ainda mais precária. Não há praças públicas e nem mesmo o Parque Linear atinge a área de preservação per-manente deste trecho. Sem contar que a APP está inacessível devido a presença de novas ocupações na margem esquerda do Ribeirão Anhumas. Vale destacar que, neste segundo trecho, a arboriza-ção teria fundamental função tanto para o conforto térmico quanto sonoro, minimizando o desconforto

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referente aos ruídos oriundos da Rodovia Dom Pe-dro, a poucos metros do bairro. 2.2.1. Cobertura: Tipo de Telhas e a radiação solar.

As forças térmicas que atuam no exterior de uma construção resultam da combinação dos impactos da radiação solar incidente e da convecção, que depen-de da temperatura do ar que rodeia a superfície e pode aumentar por causa do movimento do ar. Para estudar o controle térmico das superfícies, alguns problemas relacionados com umidade e deteriora-ção devem ser examinados, assim como os fatores da condução térmica e as características de retenção do calor por parte do ambiente construído. [2] Em nossa pesquisa não foram realizadas as medi-ções de temperatura e movimentação do ar. A análi-se se baseou na quantificação dos materiais das co-berturas das edificações que compõem as quadras estudadas. Na área 1, a maior quantidade de cobertura é de te-lha cerâmica (65,6%), seguida pela de cimento (laje ou telha de fibrocimento) com 22,9% e 3,1% de telha metálica, utilizada nos galpões industriais. Além dis-so, a maior parte das coberturas de cimento ocorre na quadra que passou pelo processo de urbanização nos anos 1980, com um tipo de provisão habitacional baseado em reparcelamento e autoconstrução. Já as unidades habitacionais da Vila Parque Anhumas possuem cobertura de telha cerâmica. Na área 2, onde o tipo de provisão habitacional foi reparcelamento com autoconstrução, nota-se nova-mente uma quantidade expressiva de coberturas de cimento (81,9%). Portanto, foi possível associar um padrão de morfologia urbana de cobertura através do tipo de material que compõe o telhado. A telha cerâ-mica é mais associada a melhor padrão construtivo. Quanto ao conforto, o uso de materiais que refletem a radiação em vez de absorve-la e rapidamente de-volvem ao exterior a que não foi absorvida, permite manter temperaturas baixas dentro do edifício. Con-tudo, essa utilização torna-se um elemento pouco benéfico para o espaço público exterior, uma vez que, além do calor incidente direto, o espaço deve comportar a soma das emissões. [2] No ambiente externo, as edificações de fibrocimento emitem menos radiação que as telhas cerâmicas. Reforça-se a necessidade dos ambientes externos também serem projetados com mecanismos para melhorar o conforto térmico nas ruas, por exemplo, considerando-se o aumento das taxas de permeabi-lidade e investimento em mais áreas livres e em ar-borização.

2.2.1. Uso do Solo, Gabarito e Densidade Urbana A análise conjunta destes aspectos levantou indaga-ções a respeito das tipologias de quadra urbana e densidades encontradas nos trechos estudados, sendo estas representativas do espaço amostral de toda cidade, uma vez que os trechos escolhidos tem como característica o fato de ser uma zona de conta-to entre a cidade formal, a informal e a reurbanizada em duas épocas distintas. Mapeando o uso do solo nota-se a absoluta predo-minância do uso residencial, na área 1 (86,8%) e na área 2 (93%). Na área 1 há alguns galpões industri-ais (3,5%) e um número insignificante de uso misto residencial e serviços. Já na área 2 temos algumas unidades de uso misto (residencial com comércio e serviços) mesmo em caráter informal. A predominância de uso residencial é fruto da legis-lação urbanística, definida pela Lei de Uso e Ocupa-ção do Solo de Campinas1, que ao invés de possibili-tar uma diversidade criativa de desenho urbano aca-ba transformando bairros em rascunhos de cidade. A necessidade de diversidade de usos mesmo já tão debatida ainda hoje encontra empecilhos diante da legislação urbanística da maior parte das cidades, na falsa esperança de garantir silêncio e conforto no interior dos bairros. Na área 1, por exemplo, notamos através de pesquisas de campo que quase nunca haviam pessoas circulando nas ruas. Claro que este fato não é apenas fruto da ausência de diversidade. Soma-se ao tamanho longo das quadras, a falta de sombreamento nas calçadas e a ausência de áreas livres no interior do bairro, existindo somente o Par-que Linear, recém construído. Inexiste, portanto, uma rede de hierarquia de espaços livres que atraia as pessoas às ruas. Já na área 2, existe maior vivacidade nas ruas. Suas quadras são mais curtas e ao andar pelos Núcleos observam-se em algumas unidades habitacionais placas com anúncios de venda de produtos alimentí-cios, serviços de beleza e outros, o que revela que em alguns locais o uso começa a se tornar misto, mesmo que de forma informal, que levam seus habi-tantes a circular por suas quadras. Mas, apesar disto, ao se comparar a vida urbana do N. R. Gênesis, onde existe o uso misto, mesmo que informal, com a vida urbana no bairro Vila Nogueira, nota-se que o primeiro atende muito melhor às ex-pectativas de cidade como local de encontro e diver-sidade, gerador de vida urbana do que o segundo. É,

1 LEI No 6.031 DE 29 DE DEZEMBRO DE 1988.

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portanto mais sustentável, pela sua capacidade de se autogerir e gerar sociabilidade e cidadania. A área 2, mesmo sendo mais precária quanto à habitabilida-de, possui uma capacidade de gerar vida urbana maior que o outro loteamento, tradicional e formal. Cabe ressaltar que nenhum dos projetos de Interes-se Social previu uma diversidade de usos em seu projeto. Assim, seguindo uma visão conservadora (e legalmente consagrada no Estatuto das Cidades) em relação aos empreendimentos de interesse social, o projeto mais recente prevê nas vilas apenas uso re-sidencial, sem mescla de usos. [5] Quanto ao gabarito, através da pesquisa de campo percebeu-se que as definições previstas pela Lei de Uso e Ocupação foram seguidas - unidades térreas e sobrados, com altura máxima para habitação unifa-miliar (tipologia padrão encontrada nas maioria das cidades brasileiras) de dois pavimentos. Na área 1, 61% dos domicílios são térreos e 32% sobrados. Na área 2 tem-se 87% de domicílios tér-reos e 13% sobrados. No que diz respeito ao confor-to ambiental, este baixo gabarito previsto e encon-trado permite que os ventos cruzem os bairros sem que estes encontrem tantas barreiras físicas no seu interior, proporcionando uma boa ventilação. Por outro lado, ao analisar o mapeamento de gabari-tos em comparação com o de densidades domicilia-res por quadra, percebe-se que o potencial de apro-veitamento do solo é muito baixo. Ao contrapormos o gabarito da cidade construída, fruto da legislação, com a possível capacidade da área, é possível ques-tionar se uma maior densidade urbana em algumas quadras, associado a outras medidas de requalifica-ção urbana, não poderia tornar o bairro mais susten-tável urbanisticamente e socialmente, à medida que permitiria que mais pessoas morassem em uma re-gião bem localizada e acessível, próxima da área central do município de Campinas e dotada de um Parque Linear que se articularia ao Parque Taquaral (parque de esfera metropolitana do município) na sua vizinhança. O adensamento de alguns trechos de área central, principalmente se voltado também para habitação de interesse social (HIS), poderia contribuir para uma cidade mais compacta. Adensando áreas que já con-tam com uma rede de infraestrutura instalada é pos-sibilitando que a HIS ganhe mais espaço em áreas nobres da cidade, criando uma diversidade também de classes dentro de um mesmo bairro. A área, mesmo estando em um fundo de vale, conseguiria provavelmente suportar uma densidade em torno de 90 domicílios por hectare (dom/ha) em algumas de

suas quadras sem comprometer sua dinâmica ambi-ental. Pois, poder-se-ia trabalhar com tipologias, tan-to de quadra quanto habitacionais, que aumentas-sem o gabarito para alguns andares, (deixando al-gumas quadras com quatro a seis pavimentos) e re-duzir a taxa de impermeabilização do solo. Esta medida de aumento de densidade e gabarito, deve ser implementada em conjunto com outras poli-ticas, como mobilidade urbana e manejo das águas pluviais. 3. RESULTADOS

Após a análise de vários aspectos referentes à mor-fologia urbana de trechos com constituições tão vari-adas, e através de um esforço de síntese, foi possí-vel identificar quatro tipologias de quadra (Figuras 2).

Figura 2. Estudo das Tipologias de Quadra.

Neste exercício de abstração o padrão construtivo das unidades habitacionais não serviu como principal elemento. A ideia foi justamente verificar as potencia-lidades e fragilidades de cada modelo de quadra en-quanto desenho urbano e sua relação com o conforto urbano na escala do microclima. A tipologia 1 possui um desenho urbano com quadra curtas e uma densidade de 88,75 dom/ha, sendo, que pode ser considerada adequada. É um desenho que tem como potencial o fato de incentivar o pedes-tre a andar a pé pelo bairro e cria uma esfera local de interação entre a unidade de vizinhança. O pro-blema fica por conta da largura das calçadas e a falta de sombreamento devido a arborização escassa. Esta quadra é fruto de um processo de reparcela-mento de uma área de ocupação por favelas, onde todas as unidades foram demolidas e o processo de desenho urbano se iniciou do zero. Os lotes estão implantados com suas testadas orientadas a leste e oeste, e foram nitidamente projetados para a inser-

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ção de unidades horizontais unifamiliares. Portanto, percebe-se que a densidade é alta devido a baixa fração ideal e não por explorar soluções arquitetôni-cas para alcançar maior densidade e menor taxa de ocupação do solo. O grande problema desta tipologia de quadra é jus-tamente o tamanho de lote que não possibilita a apli-cação de grandes recuos e afastamentos, o que compromete as áreas livres de edificação e a preju-dica a insolação e ventilação. A Tipologia 2 é fruto de um desenho urbano da urba-nização da favela que contou com a abertura do viá-rio e reparcelamento de lotes. As vielas que cortam quadra são estreitas e a quadra é demasiadamente longa. Sua densidade construtiva de 71,48 hab/ha é adequada para região, assim como a fração ideal . O tamanho do lote permite a implantação de sobra-dos, mas a tipologia unifamiliar horizontal não está adequada para quadras longas. A tipologia 3 é fruto de um parcelamento legal. A quadra também é longa, porém com uma fração ide-al que é o dobro das anteriores, gerando baixa den-sidade. Esta quadra poderia vir a ser mais densa e com um gabarito escalonado devido a topografia. A testada dos lotes é bem posicionada, com sua face para o Norte. O tamanho dos lotes propicia afasta-mentos e recuos maiores, com uma melhor relação entre os cheios e vazios. A tipologia 4 trabalha com vielas sem saída a cada conjunto de casas geminadas. Cria uma escala local entre os habitantes e a vida pública. O tamanho das quadras é satisfatório, e as vielas tornam o percurso ainda mais suave. A boa densidade é garantida pela tipologia arquitetônica, uma vez que a fração ideal é a menor dentre as estudadas. Com relação ao con-forto térmico, devido sua posição de maior proximi-dade com o ribeirão Anhumas, os domicílios devem sofrer mais com as épocas frias do que com as quentes. As aberturas das edificações, nas fachadas, estão orientadas para noroeste e sudoeste. Através da observação destas tipologias e da com-paração de seus indicadores percebeu-se a íntima relação entre desenho urbano, tipologia habitacional e densidade. Porém, apesar de parcelamentos do solo fruto de épocas e situações tão diversas, em todas percebe-se falhas de desenho urbano, sem aplicação de conhecimento bioclimático tanto na ci-dade formal quanto na derivada de reurbanizações ou reparcelamento do solo.

AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à FAPESP.

REFERÊNCIAS [1] Torres, Roseli B.; Bernaci, Luis C.; Dechoum,

Michele de S.; CONFORTI, Thiago B.; ESPELETA, Analice S.; Lorandi, Ana C.; Fer-reira, Ivan C. M.; e Oliveira Ariane S. (2006). A vegetação nativa remanescente na bacia do rib. Anhumas. Projeto Anhumas, Campinas, SP.

[2] Romero, Marta A. B. (2007). Arquitetura bio-climática do espaço público. Editora UnB. Brasíl-ia.

[3] Oliveira, Giovanna O. (2008). Assentamentos precários em áreas ambientalmente sensíveis – Políticas públicas e recuperação urbana e ambi-ental em Campinas. Tese de mestrado apresen-tada à PUC-Campinas, Campinas, SP.

[4] Bueno, Laura Machado de Mello. (2005). O tratamento especial de fundos de vale em pro-jetos de urbanização de assentamentos precár-ios como estratégia de recuperação das águas urbanas, In Anais do I Seminário Nacional sobre Regeneração Ambiental das Cidades – Águas Urbanas, Rio de Janeiro, RJ.

[5] Bueno, Laura M. M.; Pera, Caroline K. L; Arruda, Larissa P. (2012). Avanços e Desafios no trata-mento de áreas ambientalmente sensíveis ur-banizadas:o caso da Vila e Parque do Ribeirão Anhumas. In Anais do II Seminário Nacional so-bre Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano. Natal, RN.

[6] Del Rio, Vicente. (1990). Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. Editora Pini. São Paulo, SP.

[7] Pezzuto,Cláudia C.; Dacanal, Cristiane; Melo, Eduardo O; Labaki, Lucila C. (2011) . Análise do Microclima urbano através de medições experi-mentais e simulações no programa ENVI-MET. In Anais XI ENCAC e VII ELACAC, Búzios, RJ.

[8] Masiero, E.; Souza, L.C.L (2011). Influência de um corpo d’água dobre o microclima urbano em São José de Rio Preto-SP. In Anais do XI ENCAC e VII ELACAC, Búzios, SP.

[9] Andrade, Henrique. (2005). O Clima Urbano- natureza, escalas de análise e aplicabilidade. In Finisterra. XL, 80