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1 COMPRAS INSTITUCIONAIS DA AGRICULTURA FAMILIAR: ESTRATÉGIA DE COMBATE À POBREZA NA ÓTICA DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. SOARES CARVALHOSA, Clarice 1 RESUMO As diretrizes da Segurança Alimentar e Nutricional e a garantia do Direito Humano a Alimentação Adequada são atualmente norteadoras de políticas e programas de governo. Embora haja extrema relação entre pobreza, fome e o conceito trazido pela Lei Orgânica 11.346/2006, destaca-se a complexa diversidade das causas da Insegurança Alimentar e Nutricional. Assim, entendendo as compras institucionais como modalidade de política pública que contribuem para a consolidação das políticas sociais, este trabalho tem como objetivo analisar, a partir de análise documental, o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos, sob a ótica da Segurança Alimentar e Nutricional. Tais programas representam avanços políticos ao fortalecerem a agricultura familiar e fomentarem o abastecimento alimentar. Destaca-se a necessidade de ampliação destas políticas intersetoriais, de modo a contribuir para o enfrentamento de questões centrais e desafiadoras ao cenário brasileiro. Palavras-Chave: Política Social, Segurança Alimentar e Nutricional, Política de Nutrição e Alimentação, Alimentação Escolar, Agricultura. 1 INTRODUÇÃO A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) tem papel central na agenda pública brasileira. Suas concepções vêm sendo debatidas no cenário nacional e internacional mais intensamente a partir da década de 90, porém, seu principal marco histórico é a promulgação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional em 2006 (LOSAN - Lei 11346), que cria o Sistema Nacional de SAN (SISAN) e estabelece as bases para a construção da Política Nacional e do Plano Nacional de SAN. A LOSAN estabelece a definição do conceito de SAN que passa a ser adotado como tema transversal, de caráter amplo e intersetorial. A conceituação da SAN abrange dimensão nutricional (utilização do alimento pelo organismo e 1 Universidade Federal Fluminense. Doutoranda em Política Social. Email: [email protected]

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COMPRAS INSTITUCIONAIS DA AGRICULTURA FAMILIAR: ESTRATÉGIA DE

COMBATE À POBREZA NA ÓTICA DA SEGURANÇA ALIMENTAR E

NUTRICIONAL.

SOARES CARVALHOSA, Clarice1

RESUMO

As diretrizes da Segurança Alimentar e Nutricional e a garantia do Direito Humano a

Alimentação Adequada são atualmente norteadoras de políticas e programas de governo.

Embora haja extrema relação entre pobreza, fome e o conceito trazido pela Lei Orgânica

11.346/2006, destaca-se a complexa diversidade das causas da Insegurança Alimentar e

Nutricional. Assim, entendendo as compras institucionais como modalidade de política

pública que contribuem para a consolidação das políticas sociais, este trabalho tem como

objetivo analisar, a partir de análise documental, o Programa Nacional de Alimentação

Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos, sob a ótica da Segurança Alimentar e

Nutricional. Tais programas representam avanços políticos ao fortalecerem a agricultura

familiar e fomentarem o abastecimento alimentar. Destaca-se a necessidade de ampliação

destas políticas intersetoriais, de modo a contribuir para o enfrentamento de questões centrais

e desafiadoras ao cenário brasileiro.

Palavras-Chave: Política Social, Segurança Alimentar e Nutricional, Política de Nutrição e

Alimentação, Alimentação Escolar, Agricultura.

1 INTRODUÇÃO

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) tem papel central na agenda pública

brasileira. Suas concepções vêm sendo debatidas no cenário nacional e internacional mais

intensamente a partir da década de 90, porém, seu principal marco histórico é a promulgação

da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional em 2006 (LOSAN - Lei 11346), que

cria o Sistema Nacional de SAN (SISAN) e estabelece as bases para a construção da Política

Nacional e do Plano Nacional de SAN. A LOSAN estabelece a definição do conceito de SAN

que passa a ser adotado como tema transversal, de caráter amplo e intersetorial. A

conceituação da SAN abrange dimensão nutricional (utilização do alimento pelo organismo e 1 Universidade Federal Fluminense. Doutoranda em Política Social. Email: [email protected]

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sua relação com a saúde) e dimensão alimentar (produção comercialização e consumo).

(Brasil, 2006)

A Política Nacional de SAN (PNSAN), sancionada em 2010, tem a promoção da SAN

e a garantia do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) como objetivos e, dentre

as suas diretrizes, constam: o fortalecimento de iniciativas que contemplem estes principais

objetivos; assegurar o acesso universal a alimentação saudável e adequada e a água,

enfocando pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e comunidades

tradicionais; promover, de modo permanente, ações de educação alimentar e nutricional e

formação em SAN e em DHAA; e, ainda, estruturar sistemas sustentáveis e descentralizados

em toda cadeia alimentar. (Brasil 2010)

Nos anos recentes, o Brasil vem apresentando sucesso na implementação de sua

Política de SAN. Numa perspectiva institucionalizada e intersetorial, a SAN tem sido

norteadora de políticas e programas, direcionando e apoiando ações de promoção da

alimentação saudável em todas as fases da vida e, ainda, em todas as etapas do ciclo do

alimento, que vão desde sua produção até o consumo. (Custódio et al, 2013)

As compras institucionais constituem modalidade de política pública brasileira com

vistas a implementar ações no âmbito da SAN e de políticas agrícolas com o objetivo direto

de combate à fome e à pobreza. Tal iniciativa tem como objetivo fortalecer a agricultura

familiar através da compra dos gêneros alimentícios produzidos localmente pelos produtores

familiares e então a doação para grupos socialmente vulneráveis em situação de insegurança

alimentar e nutricional. Desta forma, há benefícios tanto para quem produz, pelo fato de gerar

mercado facilitando o escoamento da produção, quanto para quem recebe, por facilitar o

acesso a alimentos frescos e variados. (Mattei, 2006)

O reconhecimento dos agricultores familiares e o incentivo a sua produção data da

década de 90, sendo marcado pelo lançamento do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF). Atualmente, as compras públicas constituem estratégias de

fortalecimento da agricultura familiar e garantia do DHAA, contribuindo para a SAN da

população brasileira. (Schneider, Mattei, Cazella, 2004; IBASE, 2006)

Fome e pobreza são condições inter-relacionadas e não são questões recentes no

Brasil. A pobreza é heterogênea e se manifestas de formas distintas, podendo ser entendida

como situação de falta de acesso dos indivíduos a bens e serviços. A fome é quase sempre

associada à pobreza, embora não sejam questões equivalentes, e está relacionada à

incapacidade do indivíduo em se alimentar por falta de renda ou de acesso ao alimento. Mas,

embora haja extrema relação entre – pobreza, fome e SAN – o conceito trazido pela LOSAN

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contempla várias outras dimensões que podem ser responsáveis por insegurança alimentar e

nutricional, para além da fome. (Mattei, 2006)

Considerando estes aspectos apontados, este trabalho tem como objetivo analisar as

compras institucionais, a partir de resgate histórico das políticas de alimentação e nutrição e

dos programas PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de

Aquisição de Alimentos), sob a ótica da SAN como ação pública potencial para combate à

fome e à pobreza no cenário brasileiro.

2 DESENVOLVIMENTO

Este texto é parte de uma pesquisa mais ampla, de uma tese de doutorado que está

sendo desenvolvida tendo como foco a compra da agricultura familiar pelo PNAE no Rio de

Janeiro. Busca-se fazer uma análise documental a partir de documentos de governo sobre as

compras institucionais e com esta análise pretende-se clarear como os documentos entendem

questões conceituais e a partir de que ótica isto é feito. A pergunta central a ser compreendida

é: Como se dá a inserção das compras públicas de gêneros alimentícios nas políticas sociais e

sua repercussão no combate à fome no Brasil.

Considerando-se que os documentos expressam ações, que o discurso não é dissociado

da prática e, que, ao analisar documentos buscamos compreender estes discursos políticos

(Charaudeau, 2008), ao analisar documentos é preciso entender que o documento expressa

uma intencionalidade. Neste sentido vale um exame crítico do documento, a saber: qual

contexto no qual foi escrito, circunstancia temporal, conjuntura política, econômica, social e

cultural (Cellard, 2008), a fim de compreender o uso que está sendo dado por seus autores aos

fatos e poder então interpretar o conteúdo em função destas questões. Ainda é importante

compreender sobre os autores, quem são estes atores que escrevem, quais seus interesses e

motivos e qual a origem do texto. Dessa forma, é importante destacar que documentos

revelam mais do que seus conteúdos, também prática, ação e são parte do processo político.

Os documentos expressam e tem o potencial de influenciar e convencer, podendo ser

apropriados por diversos atores, com diferentes intenções políticas e, que são ainda

referenciais que expressam disputas, ideias e até pactos políticos. (Freeman et al, 2011)

Combate à Pobreza no Brasil

Por um longo período, as políticas sociais brasileiras foram marcadas por ações que

privilegiavam ações específicas e emergenciais, não havendo um enfoque nos serviços sociais

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a partir de uma ótica ampliada, sendo caracterizadas por intervenções fragmentadas. Tal fato

demonstra opção por um tipo de proteção social com enfoque no alívio imediato da pobreza,

utilizando iniciativas específicas e pontuais e não um sistema com foco na garantia dos

direitos e enfoque em políticas de longo prazo. (Azevedo & Burlandy, 2010)

Segundo Rocha (2003), “pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de

forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma

adequada”, sendo assim uma situação na qual há falência de capacidades básicas em alcançar

mínimos aceitáveis. Porém deve-se ter claro o que seria tido como adequado ou aceitável,

uma vez que se trata de fenômeno complexo, sofrendo variação caso a caso, ao ser

dependente de dimensões subjetivas, econômicas, sociológicas e políticas.

Há na literatura associação da pobreza à condição de renda – “insuficiência de renda”

(Atkinson, 1989). A partir desta abordagem são apontados os conceitos de “pobreza absoluta”

(relacionada a um mínimo vital para sobrevivência física) e “pobreza relativa” (relativa a um

mínimo em determinada sociedade) como concepções distintas.

Tal entendimento de renda como critério de pobreza possibilita a definição de duas

linhas – a de indigência (atende as necessidades nutricionais) e a de pobreza (leva em conta

conjunto mais amplo de necessidades). Porém deve-se levar em conta a dificuldade de

estabelecimento do que seriam estes mínimos para estas necessidades, principalmente

considerando diferenças entre culturas. Ainda, uma vez estabelecido que existe relação entre

renda e bem estar e, que a delimitação destas linhas possibilitaria uma ordenação de níveis de

pobreza, permitindo rearranjo da situação e proposição de alternativas (Rocha, 2003).

Devido a complexidade da situação deve-se considerar capacidades básicas dos

indivíduos de alcançarem estes mínimos e também como estes são afetados por diversos

fatores. A pobreza deve por isso ser considerada na ótica relativa de atendimento destas

capacidades e não da ótica absoluta (suficiência ou não de renda). (Sen, 1992)

Esta concepção de pobreza a partir das capacidades também entende a privação por

insuficiência de renda, mas não como sendo a causa principal e, sim, algo dependente do local

ou espaço no qual o indivíduo está inserido e quais seriam ali as necessidades relevantes

considerando a situação. A relação entre renda e as capacidades dos indivíduos são relevantes,

assim como a idade e suas especificidades, os papéis sociais desempenhados, as

características dos diversos locais e as variáveis epidemiológicas, as quais os indivíduos não

tem controle. (Sen, 1992; Rocha, 2003)

A complexidade e a inter-relação existente entre questões como pobreza, fome e SAN

exigem uma abordagem que considere além do déficit de renda e que inclua ótica relativa e

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não apenas a absoluta para ser ter mais chance de superá-las, levando em conta outros fatores

que não se reduzam ao atendimento de necessidades biológicas.

Mesmo havendo forte relação entre pobreza, fome e SAN, destaca-se que a SAN

considera outros pontos ao analisar um cenário de segurança ou insegurança. O conceito

ampliado leva em conta que embora sem “passar fome”, famílias e indivíduos podem estar em

situação de insegurança alimentar e nutricional ao não terem alimentação adequada numa

perspectiva cultural, nutricional ou sanitária, ou ainda quando se privam de outras

necessidades com o gasto com a alimentação. E mesmo quando não há privação de renda, há

vulnerabilidade em relação ao acesso em função de oferta e escolhas, influenciadas, por

exemplo, por propaganda e disponibilidade de alimentos não adequados e saudáveis. (Sen,

1981; Burlandy, 2007)

Agricultura Familiar no âmbito da SAN: Estratégia das Compras públicas de Alimentos

Atualmente o Brasil enfrenta grandes desafios ao desenvolvimento e ampliação dos

direitos sociais. No que diz respeito à saúde da população, 50% dos indivíduos apresentam

algum grau de sobrepeso ou obesidade. Apesar disso, ainda convivemos com alarmantes

casos de má nutrição e carências nutricionais. No que tange a saúde ambiental de um modo

mais amplo, o modelo produtivo ligado numa agricultura intensiva, mecanizada, que utiliza

elevada quantidade de produtos químicos intensificam a degradação dos recursos naturais,

carregando ainda prejuízos sociais ao aumentar a pobreza rural e marginalizar os pequenos

produtores (Triches & Schneider, 2010)

Principalmente a partir de 2003, mudanças no direcionamento das políticas vem sendo

implementadas a fim de combater esta modelo de produção e alimentação. Para tanto, as

ações tem se pautado no conceito ampliado de SAN uma vez que abrange a dimensão

nutricional (utilização do alimento pelo organismo e sua relação com a saúde) e dimensão

alimentar (produção comercialização e consumo).

Esta mudança inicia-se já no final de década de 90, com o surgimento do Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF - 1996) que é um marco para

esta categoria social – agricultores familiares – uma vez que até então inexistia política

pública específica para os pequenos produtores rurais. O período que se segue é marcado por

mudança no direcionamento das políticas para os agricultores familiares, ao dar mais

capilaridade e diversidade às ações de apoio a estes pequenos produtores rurais (Schneider,

Mattei, Cazella, 2004; IBASE, 2006)

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O PRONAF tem como objetivo o fortalecimento da agricultura familiar através de

apoio técnico e financeiro, visando o desenvolvimento rural sustentável. Dessa forma, os

esforços do programa são na direção de fortalecer a capacidade produtiva destes agricultores,

contribuir para a geração de emprego e renda nas áreas rurais e para melhorar a qualidade de

vida destes trabalhadores.Esta política surge a partir de dois principais fatores, podendo se

destacar a pressão do movimento social rural no final da década de 80, em busca de políticas

públicas de credito agrícola e apoio institucional, a fim de conseguirem se manter no campo.

Outro fator que poderia ser apontado são estudos da FAO que serviram de base para

formulação do PRONAF e foram responsáveis dentre outras questões por conceituar a

agricultura familiar e estabelecer diretrizes para estas políticas. (Schneider, Mattei, Cazella,

2004; IBASE, 2006)

As Compras Públicas constituem dessa forma ações de fortalecimento à agricultura

familiar por meio principalmente dos programas – PNAE e PAA. Tem como objetivo ampliar

os canais de comercialização, usando o poder de compra do estado e então fornecer alimentos

para abastecimento de equipamentos públicos da rede socioassistencial, promover a produção

e o consumo de alimentos saudáveis, estimular circuitos locais de produção e promover a

geração de renda para agricultores familiares extremamente pobres, contribuindo, desse

modo, para a SAN. (Grossi, 2015)

Dessa forma, a criação do PAA (Lei 10.696/2003) e a obrigatoriedade de compra de

30% da agricultura familiar pelo PNAE (Lei 11.947/2009) são marcos importantes de ações

de fortalecimento da agricultura familiar sob a ótica da SAN. Destaca-se ainda as adequações

constantes na legislação que regulamenta estes programas, por exemplo a resolução FNDE

26/2013 que altera o PNAE e o início do termo de adesão para execução do PAA em Estados

e Municípios, a criação da modalidade de Compra Institucional, ainda a permissão para

compra de sementes pelos agricultores e recentes alterações nos limites de compras do PAA,

fato ilustrado pela existência de 71 resoluções do Grupo Gestor do PAA. (Ibid.)

O Programa Nacional de Alimentação Escolar

O mais antigo programa social, em funcionamento ininterrupto, na área de

alimentação e nutrição – o PNAE foi implantado ainda na década de 50 com o objetivo

primordial de fornecer alimentação às crianças em idade escolar, num escopo de ações que

consistia na doação de alimentos, principalmente de leite. O atual PNAE deixou de ser uma

iniciativa incerta e centralizada e tornou-se um programa amplo, variado e participativo,

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atualmente um dos mais abrangentes na área de alimentação e nutrição, tendo investido no

ano de 2013 R$ 3,5 bilhões no atendimento a 43 milhões de alunos. (Sinader et al, 2013)

Sendo norteado por decreto e lei recentes (Lei 11.947/2009 e Resolução FNDE

26/2013), a longevidade PNAE caracteriza certa estabilidade ao programa, que, ao longo do

tempo, apresentou avanços significativos. (Siqueira et al, 2014). Atualmente, o PNAE tem

atendimento universal, englobando todos os alunos matriculados na educação básica – da

creche ao ensino médio, sendo ainda um programa intersetorial. Há articulação com o setor

saúde, alimentação e nutrição, agricultura e assistência social, além da educação. Também, no

que diz respeito ao seu modo de gestão e execução, é hoje um programa descentralizado, no

qual estados e municípios possuem autonomia administrativa e são responsáveis pelo uso do

recurso repassado e também pela qualidade da alimentação fornecida. (Brasil, 2009)

Há na legislação atual que fundamenta o PNAE apoio inquestionável a agricultura

familiar e ao combate à fome por meio de: obrigação de compra de gêneros oriundos de

comunidades tradicionais e pequenos produtores rurais; preocupação com a promoção de

saúde e desenvolvimento de hábitos saudáveis; valorização de alimentos menos processados e

restrição de alimentos não saudáveis no ambiente escolar; entendimento da escola como

espaço potencialmente promotor de saúde e por isso ser fundamental a educação alimentar e

nutricional no ambiente escolar. (Teo & Monteiro, 2012; Brasil, 2009)

A lei 11.947/2009, que regulamenta o PNAE, determina que no mínimo 30% do total

de recursos financeiros repassados pelo FNDE às entidades executoras (estados, municípios e

Distrito Federal) para a alimentação escolar, devem ser utilizados na compra de gêneros

alimentícios diretamente dos agricultores familiares locais. As compras são feitas por meio de

chamadas públicas, com dispensa de licitação e devem ser priorizadas propostas de grupos

localizados no município e, caso estas não sejam suficientes para suprir a demanda, a escolha

deverá seguir para grupos da região, território rural, estado e país, nesta ordem de prioridade.

Dessa forma, contribui para o enfrentamento de problemas relativos ao consumo e à

produção de alimentos, integrando políticas de saúde e criação de mercado para os

agricultores familiares, ao promover ações intersetoriais que buscam melhoria destas

condições, mas que ainda encontram uma série de desafios para sua implementação.

O Programa de Aquisição de Alimentos

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) criado pelo governo federal, no bojo

de ações do Programa Fome Zero conta com duas principais finalidades: promover o acesso

regular à alimentos para indivíduos em insegurança alimentar e incentivar a agricultura

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familiar. Tem como objetivo realizar ações tanto de incentivo à políticas agrícolas, por meio

da compra de gêneros da agricultura familiar pelo governo, como também apoio a política

Segurança Alimentar e Nutricional, através da doação destes gêneros à grupos sociais em

situação de insegurança alimentar. Assim, o PAA integra o SISAN e os conselhos de SAN

são instâncias de controle social, com vistas à garantia do DHAA. (Saraiva et al, 2013)

A operacionalização do programa é a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social

e Combate à Fome (MDS), sendo os executores: os entes da federação, estados, Distrito

Federal e municípios, além de consórcios públicos e a CONAB. A partir de 2012, estes

consórcios foram sendo substituídos por termos de adesão – estados e municípios passam a

ser entendidos como Unidades Executoras do Programa. A adesão do Estado ou município ao

PAA pode se dar por quatro diferentes modelos: adesão estadual (execução direta por alguma

secretaria ou indireta por alguma órgão de administração indireta) e adesão municipal (pura,

sem auxílio do estado ou mista, em conjunto com o estado). (Brasil, 2013) O PAA existe em

diferentes modalidades, de acordo com a finalidade a que se propõe: Compra com Doação

Simultânea; Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite; Compra Direta; Apoio à Formação

de Estoques; Compra Institucional. O programa busca fortalecer os agricultores familiares, em

especial aqueles que produzem em pequena escala e que enfrentam dificuldades na

comercialização, ao promover a compra dos gêneros com dispensa de licitação, a preço de

mercado, em âmbito local.

Essa cadeia de ações favorece ainda apoio à equipamentos públicos de alimentação e

nutrição e a instituições socioassistenciais, estimula circuitos locais de produção e consumo e

ainda a possibilidade de formação de estoque para doações em momentos específicos de

necessidades a populações em situação de insegurança alimentar e nutricional. Importante

destacar ainda que há estímulo a produção orgânica e agroecológica, por haver pagamento

diferenciado a estes itens (30% a mais) e ainda ao consumo de alimentos regionais,

resgatando hábitos e costumes com preservação de cultura, o que é extremamente salutar a

garantia da SAN uma vez que incentiva o consumo de alimentos de origem vegetal, frescos e

integrais tanto aos produtores quanto aos beneficiados pelas doações. (Grisa et al., 2011)

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os últimos anos são marcados por avanços nas políticas de combate à fome e à

pobreza ao incluírem ações que atingem causas estruturais às políticas emergências, que são

fundamentais para atenderem grupos populacionais específicos que não poderiam aguardar os

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efeitos de ações estruturais de médio à longo prazo. Este período também é marcado por

avanços ao incluir as dimensões da SAN aos objetivos básicos e estratégicos dos diferentes

níveis de governo, permeando diversas ações, programas e políticas e possibilitando novo

direcionamento às múltiplas dimensões da alimentação e nutrição.

Dessa forma as compras públicas são avanços nas políticas sociais brasileiras

contribuindo para a SAN ao considerarem o papel central da agricultura familiar e por

integrarem políticas de fomento à produção com políticas de abastecimento alimentar.

Considerando-se a extrema necessidade de políticas integradas, transversais e intersetoriais,

que tenham condições de superar as desigualdades com ações emergenciais (imediatas) e

estruturais (de médio e longo prazo), destaca-se recente esforço em relação aos programas

PAA e PNAE ao caminharem em consonância a estes objetivos colaborando para o

enfrentamento de questões centrais e desafiadoras ao cenário brasileiro.

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