Comunicacao Como Pratica Educacional

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Comunicação como prática educacional

Clarissa Diniz DIÓGENES1

Resumo

Tanto a comunicação como a educação precisa do diálogo para ser compreendida entre os sujeitos envolvidos. A educação é comunicação, é a discussão de um assunto, em que os participantes não são apenas espectadores, mas pessoas ativas que podem problematizar e tentar mudar a sua realidade. Utilizar os meios de comunicação durante o processo educativo é uma das maneiras encontradas para estimular jovens e adultos a se expressarem e mostrarem as suas opiniões e idéias, reconhecendo, assim, que são produtores de cultura. Esse artigo faz um panorama sobre como se dá a relação educação/ comunicação e tem como objeto de pesquisa as oficinas de formação em rádio-escola que foram realizadas no Assentamento Santana, município de Monsenhor Tabosa, interior do estado do Ceará, pela ONG Catavento. Palavras-chave:

Comunicação, educação, participação, diálogo.

1. A evolução da comunicação

A comunicação humana tem início desde que os homens primitivos se

agrupavam em pequenas sociedades. Nessa época, os homens se comunicavam entre si

por meio de gritos ou grunhidos, gestos ou utilizando objetos para produção de sons.

Com o aparecimento da linguagem oral, a comunicação entre os homens ficou

mais compreensível entre eles. Cada grupo social criava seus próprios códigos

lingüísticos para que houvesse o diálogo. Porém, a linguagem oral possui algumas

limitações, por exemplo, não há como registrar e arquivar e não é possível atingir longo

alcance. Para fixar suas mensagens e idéias, os homens utilizavam os desenhos nas

cavernas e, mais tarde, criaram a linguagem escrita.

A escrita inicialmente seguia a mesma seqüência que a língua falada. Nos

primeiros pictogramas, signos que guardam correspondência direta entre o desenho e o

1 Estudante de graduação em Jornalismo na UNIFOR, Fortaleza, Ceará. Membro da ONG Catavento,

Fortaleza, Ceará.

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objeto representado, a seqüência dos signos reproduzia a cronologia dos eventos

narrados.

Um acontecimento interessante na história da humanidade foi quando os homens

perceberam que as palavras ou nomes de objetos compunham-se por unidades de som,

os fonemas. Com os fonemas, os signos podiam representar as unidades de som e não

mais objetos ou idéias. O fato de os signos gráficos passarem a representar unidades de

som menores que as palavras deu origem ao conceito de letras. Com isso facilitou o

maior alcance da linguagem escrita, pois qualquer pessoa podia aprender a combinar os

sons sem ter que conhecer as equivalências dos signos gráficos com idéias e objetos

determinados.

O autor, Juan Bordenave (2003), no seu livro, O que é Comunicação, fala que

“apesar de existirem os alfabetos, por muitos séculos, a cultura transmitiu-se

oralmente”, pois não havia uma maneira prática e rápida para a transmissão das

informações escritas de um determinado local para outros mais distantes, a maioria das

informações era feita em pedras e pergaminhos de couro.

Antes do advento da imprensa, já havia redes organizadas de comunicação

funcionando na Europa, controladas e estabelecidas por instituições e/ou pessoas

importantes da época, como a Igreja Católica, que utilizava essas redes de

comunicação para ter contato com o clero e as elites políticas dispersas pelo continente;

autoridades políticas dos estados e principados, essas redes serviam para facilitar a

administração e a pacificação de cada território; e, os negociantes que criaram sua

própria forma de comunicação para fornecer informações aos seus clientes.

Além disso, as informações também eram transmitidas às cidades e aldeias

através das redes de comerciantes, mascates e entretenedores ambulantes, tais como

contadores de histórias e trovadores. Ao se reunirem em espaços públicos de uma

localidade, relatavam acontecimentos ocorridos em lugares mais distantes. Essas redes

de comunicação se desenvolveram e deram origem aos correios e a imprensa para

produção e disseminação de notícias.

A evolução da linguagem aconteceu paralelamente ao desenvolvimento dos

meios de comunicação. Johann Gutenberg, em 1440, foi um dos precursores da

imprensa com a criação de técnicas de fundição de metal para a impressão de textos.

Com o surgimento da imprensa, a difusão das notícias acontecia em espaço de tempo

cada vez menor. Além disso, a nova forma de comunicação produziu um novo fluxo de

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dados, gráficos, mapas e teorias na época, também contribuiu para o surgimento das

línguas nacionais.

A invenção da fotografia teve um impacto muito forte sobre o desenvolvimento

da comunicação visual, pois possibilitou a ilustração de livros, jornais e revistas;

inspirou o cinema, primeiro mudo, mais tarde sonoro; aliada a eletrônica, culminou na

transmissão das imagens via televisão. Outro veículo importante criado foi o rádio que

por meio da voz de homens e mulheres foi possível se divertir e ficar informado dos

acontecimentos locais e nacionais.

Desde a sua criação, os meios de comunicação influenciam e interferem na vida

dos indivíduos que de alguma forma participam dele, sendo emissor ou receptor da

mensagem que é transmitida.

2. Para que serve a comunicação?

A comunicação é uma necessidade para qualquer pessoa. Juan Díaz, em seu

livro O que é Comunicação, enumera funções destinadas à comunicação:

Função instrumental: satisfaz necessidades materiais ou espirituais da pessoa; função informativa: apresenta novas informações; função regulatatória: controla o comportamento dos outros, função

interacional: relacionamento com outras pessoas; função de expressão pessoal: forma de identificar e expressar seu próprio eu; função heurística ou explicativa: explora o mundo dentro e fora da pessoa. (BORDENAVE, 2003: 46).

A comunicação está presente em todo momento na vida de um ser humano que

vive em sociedade, seja, na sua casa, ao dirigir um automóvel, no ambiente de trabalho,

na escola. O que seria dos homens e mulheres se não houvesse o ato de comunicar entre

eles? É a partir da comunicação que uma sociedade estabelece a sua cultura, seus

hábitos, valores e crenças. É durante o processo comunicativo que o homem transmite

seus pensamentos, idéias e cria relações com outros homens.

A comunicação serve para que as pessoas se relacionem entre si, transformando-se mutuamente e a realidade que as rodeia. Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham experiências, idéias e sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas (BORDENAVE, 2003: 36).

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Sabe-se que a comunicação é fundamental para estabelecer a organização de

todo grupo social. Mas, então, como seria a nossa sociedade se não houvesse os meios

de comunicação?

Há bastante tempo, os recursos midiáticos fazem parte do nosso cotidiano, hoje

em dia, já não é possível pensar a comunicação sem as suas formas de mediação. Os

meios de comunicação, desde a sua criação, interferem no cotidiano das pessoas, pois

produzem novas formas de interação entre as pessoas; cria relações de intimidade,

mesmo que não seja recíproca, entre pessoas que não se conhecem face a face, como é o

caso de fãs com seus ídolos; possibilita que pessoas conheçam outras experiências e/ou

lugares muito distantes de onde estão.

O processo de auto-formação é cada vez mais alimentado por materiais

mediados, que apresentam várias opções aos indivíduos. Diante da tempestade de

informações que são transmitidas diariamente, cabe ao receptor selecionar as que lhes

são de maior interesse, filtrando as outras. A mídia não domina as ações e os

pensamentos das pessoas, é o próprio ser humano, que a partir dos recursos simbólicos

que lhe são disponíveis, vai construindo a sua identidade.

3. Relação entre comunicação e educação

Durante o processo comunicativo, não há sujeitos passivos, pois o que

caracteriza a comunicação é diálogo entre os envolvidos. Para que a relação

comunicativa aconteça de forma eficiente é preciso que os sujeitos estejam dentro de

um mesmo sistema de signos lingüísticos. A mensagem comunicada só terá significação

se os participantes do processo estiverem compreendido o que o receptor pretendeu

comunicar.

Da mesma forma, isso acontece na educação, pois esta é comunicação, é

diálogo. É um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a compreensão de um

assunto, e não a transmissão ou extensão sistemática de um saber dado por uma única

pessoa.

A educação deve ser uma construção de pensamentos e idéias, em que os

sujeitos envolvidos deverão ter liberdade para se expressar e o educador deve ter

respeito ao ouvir as opiniões de seus estudantes. Ensinar não é transferência de

conhecimento, mas uma forma de intervenção no mundo.

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A tarefa do educador é problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado. Neste ato de problematizar os educandos, ele se encontra igualmente problematizado. (FREIRE, 1985: 81)

Com a problematização de um caso, ninguém permanece como mero espectador,

pois durante esse processo, os sujeitos envolvidos vão discutindo e abrindo novos

caminhos de compreensão do objeto analisado. Para que a educação aconteça de forma

libertadora é preciso que haja uma problematização do mundo para que educando e

educador analisem os fatos ocorridos de maneira crítica e, assim, possam mudar ou

transformar a realidade em que vivem.

A participação dos estudantes nas discussões em sala de aula propostas pelo

professor é uma oportunidade para que eles se expressem, aprendam a conviver com as

opiniões alheias, além de questionarem sobre o mundo em que vivem propondo ações

de mudanças.

O papel do professor é mediar essas discussões, levantando pontos que sejam

interessantes e relevantes para o cotidiano dos estudantes, pois aquilo que não tem

relação com o contexto do educando torna-se algo cansativo e não atrativo para o seu

aprendizado. A educação precisa estar vinculada com a vida dos participantes.

Porém, educar não é apenas responsabilidade da escola, mas também da família,

das relações de amizade, das comunidades religiosas, dos movimentos sociais e,

principalmente, dos meios de comunicação, já que fazem parte da vida diária das

pessoas. Por isso a mídia não é para ser somente entretenimento e diversão, mas

também expressar a cultura local e nacional, ter informação educativa e contextualizada,

preocupando-se com formação de cidadãos críticos.

Uma boa maneira de tornar o aprendizado mais prazeroso e fazer com que os

estudantes sejam sujeitos mais ativos da sua realidade é levar para o processo educativo

formas de comunicação e expressão.

Educar-se é envolver-se em um processo de múltiplos fluxos comunicativos. O sistema será tanto mais educativo quanto mais rica for a trama de interações comunicações que saiba abrir e por à disposição dos educandos. Uma comunicação educativa concebida a partir dessa matriz pedagógica teria como uma de suas funções capitais a provisão de estratégias, meios e métodos destinados a promover o desenvolvimento da competência comunicativa dos sujeitos educandos. (KÁPLUN, 1999: 74)

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3.1 Escola tradicional X Meios de comunicação de massa

Apesar de pesquisas e experiências que envolvam a relação educação/

comunicação (aqui chamamos de educomunicação2), constatem resultados favoráveis a

formação de indivíduos mais críticos e ativos na nossa sociedade, a educação tradicional

ainda é realidade no nosso país e apresenta muitos entraves para que essa relação

realmente aconteça e tenha sucesso.

A educação tradicional é o termo dado à pedagogia utilizada em sala de aula em

que professores se colocam como pessoas que sabem de tudo e transferem seus

conhecimentos aos estudantes, estes são considerados como sujeitos que nada sabem. O

que predomina é palavra do professor. Por isso, os conteúdos e métodos didáticos

utilizados costumam não ter relação com o cotidiano e o contexto social em que o

estudante está inserido.

Esse tipo de educação e o sistema de meios de comunicação não conseguem

dialogar entre si devido aos fortes preconceitos e às resistências existentes, um

subestima ou desvaloriza o outro, ambos trabalham com conceitos diametralmente

opostos. Exemplo disso, é que a escola repousa sobre a lógica da razão, a grande mídia

sobre a surpresa do acontecimento, o impacto e o emocional; um procura formar

cidadãos, o outro consumidores.

Uma das maneiras para transformar a educação tradicional é preparar os

educadores para as diversas possibilidades que tem direito no campo educacional,

desenvolvendo trabalhos com os estudantes em que estimulem a sua criatividade e que

sejam de interesse dos participantes e da sociedade, pois, assim, eles irão se reconhecer

como produtores de cultura.

Porém mudanças somente no campo educacional não adiantam, é preciso mudar

os sistemas de comunicação para que estes também sejam agentes de transformação

social. A educação e a comunicação não podem caminhar dissociadas, como afirma

Maria Tereza Freire (2000):

É nos meios de comunicação que a educação encontra sua democratização, a sua popularização, pois suas atividades, suas transformações e suas conquistas ultrapassam os espaços das discussões eruditas, os círculos culturais restritos e alcançam outras camadas da sociedade. Por intermédio da comunicação, que

2 Termo criado por Mario Kaplún para designar a relação entre comunicação e educação.

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testemunha e relata o caminhar da educação, a sociedade compreende o alcance das suas possibilidades e da sua formação cultural. Ainda, as mudanças profundas no nosso próprio modo de viver como indivíduos sociais refletem-se na disponibilidade e na estrutura dos meios de comunicação. (FREIRE, 2000: 32)

É por isso que, a partir de necessidades estruturais e dialógicas na educação

brasileira, há educadores e comunicadores investindo e acreditando na área da

educomunicação.

3.2 O que caracteriza a educomunicação?

O nome é novo, mas estudos dessa prática acontecem há muito tempo. Nos anos

60, Paulo Freire já despertava para a necessidade de uma maior relação entre a

comunicação e a educação. Para ele é impossível haver educação sem diálogo e

comunicação.

E que é um diálogo? É uma relação horizontal de A com, B. nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só ai há comunicação. (FREIRE, 1987: 107)

A educomunicação parte do princípio da pedagogia do diálogo entre os sujeitos.

Em que a partir da utilização do debate no processo de construção do conhecimento é

possível formar cidadãos argumentativos e autônomos. Uma das maneiras para isso

acontecer é relacionar as formas de comunicação na educação.

O professor Ismar Soares conceitua a educomunicação como:

Expressão usada para identificar ações de cunho pedagógico que têm como objetivo oferecer ferramentas para a decodificação e avaliação da mídia. (...) É processo de análise e/ou de produção de materiais de comunicação como instrumentos de ensino e formação de cidadãos. (SOARES, 2004: 257)

Para o autor, a Educomunicação possui duas principais vertentes: a leitura

crítica dos meios, ou seja, é um processo de “desconstrução” do material midiático, a

partir de um estudo aprofundado sobre a linguagem, conteúdo, edição, fontes de

informação e outros recursos que são utilizados para a produção do que é transmitido

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pelos meios de comunicação; a outra vertente é a apropriação dos meios, em que

promove a educação crítica da mídia por meio da produção de conteúdos.

Por meio da relação educação/comunicação é possível reforçar o diálogo,

valorizando o papel dos estudantes e professores como agentes ativos da sociedade e

realizando na prática ações de intervenção social.

4. Apropriação dos meios

A apropriação dos meios é um dos trabalhos referentes à Educomunicação, em

que os participantes produzem seus próprios recursos midiáticos, sejam eles, vídeos,

jornais, programas de rádio, internet, entre outros, com o objetivo de decodificar e

avaliar criticamente a produção da grande mídia.

O cotidiano de grupos que participam desse tipo de trabalho tem passado por

mudanças significativas, pois a apropriação promove a democratização da

comunicação, já que os participantes irão produzir o seu próprio meio de comunicação;

o conhecimento das linguagens utilizadas pela mídia; aprendizagem de como as

mensagens são produzidas e elaboradas pelos meios de comunicação, tendo uma

maior noção de como acontece o processo de edição dos materiais e os interesses que

estão por trás da divulgação ou não de certas informações.

Só a apropriação dos meios não é o bastante, é preciso que esse trabalho tenha

um caráter pedagógico e que os sujeitos tenham uma visão mais crítica do que é

transmitido pelos meios de comunicação, se isso não for feito, a mídia que eles

produzirem só será mais uma reprodução do que os participantes costumam ser

espectadores.

5. A rádio-escola e a relação entre comunicação/educação

O objetivo do projeto Segura essa onda: rádio-escola digital na gestão

sociocultural da aprendizagem3 é levar a comunicação, no caso o rádio, para contribuir

com a educação de determinada comunidade.

3 O projeto Segura essa Onda é desenvolvido pela ONG Catavento Comunicação e Educação.

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A partir disso, o projeto visa desenvolver uma educação contextualizada usando

métodos de ensino que sejam prazerosos para a aprendizagem dos sujeitos envolvidos

no processo.

O professor Ismar Soares, em seu artigo, Comunicação / educação emergência

de um novo campo e o perfil de seus profissionais,enumera quatro áreas de intervenção

social que podem ser consideradas como trabalhos educomunicativos, são elas:

educação para a comunicação, que tem como objetivo formar pessoas autônomas e

críticas diante do que a mídia transmite; mediação tecnológica na educação, consiste

no utilização das tecnologias da informação na educação, por exemplo, o rádio, a

televisão, o computador, entre outros; gestão comunicativa, envolve ações

relacionadas ao planejamento, execução e avaliação de projetos voltados para a área de

comunicação/educação; e a reflexão epistemológica, que é designada a qualquer

pesquisa e/ou estudo realizado na área de educomunicação.

Pode-se caracterizar o trabalho realizado pela equipe da ONG Catavento como

educomunicativo, já que o objetivo do projeto Segura essa Onda é formar cidadãos

mais conscientes e mais envolvidos com as questões sociais que fazem parte do seu

ambiente sócio-cultural, a partir das discussões realizadas durante as oficinas e,

principalmente, com a construção da sua própria forma de comunicação e expressão, o

rádio.

Além disso, o Segura essa Onda é um projeto que tem como proposta principal a

relação entre a comunicação e educação. Todas as suas fases sejam elas de

planejamento, execução das oficinas e avaliação do trabalho feito tem como foco

principal trabalhar a utilização da comunicação no processo educativo. A reflexão

epistemológica também está inserida no projeto, um dos exemplos disso é o presente

artigo, pois além de está na prática da educomunicação, há uma preocupação da equipe

em registrar e refletir sobre o trabalho, unindo a teoria à prática.

Atualmente, o Segura essa Onda acontece no Assentamento Santana, município

de Monsenhor Tabosa, interior do estado do Ceará. O projeto desenvolve oficinas de

formação em rádio-escola digital com turmas de 25 estudantes e 15 educadores de todas

as áreas do conhecimento, com a carga horária de 120 horas/aula para os estudantes e 80

horas/aula para os educadores.

As oficinas são dadas em turmas separadas de professores e estudantes, já que os

propósitos pedagógicos são distintos. Com os estudantes procura-se discutir as formas

de comunicação e como podem ser utilizadas no dia-a-dia da rádio-escola.

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Já com os professores, a mediação discute como utilizar o rádio como recurso

pedagógico, por exemplo, ao conhecer melhor como se faz um rádio-documentário, os

educadores planejam como trabalhar essa técnica com os seus estudantes em sala de

aula, pois para que o meio de comunicação tenha um caráter educativo, os professores

precisam dominar as técnicas e saber quando podem ser usadas.

Durante as oficinas, os participantes discutem junto com a mediação os

conceitos e a utilização das técnicas de comunicação radiofônicas, além da discussão de

temas que fazem parte do cotidiano dos moradores da comunidade, como Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), organização e participação do

assentamento, influência dos meios de comunicação na vida dos moradores, abordagem

dos meios de comunicação a respeito da juventude e do meio rural, entre outros

assuntos.

A formação pretende fazer com que os participantes conheçam as técnicas

radiofônicas a partir de conceitos que já fazem parte do cotidiano deles. Por exemplo,

quando discutimos a técnica de rádio-teatro, eles já sabiam como se fazia uma peça

teatral já que os participantes costumam apresentar-se em eventos que acontecem no

assentamento, além disso, eles tinham noção de como adequar à história ao rádio, já que

eles assistem diariamente as telenovelas e estas têm origem nos rádio-teatros.

Depois de produzir uma técnica, a turma se reúne e avalia os trabalhos,

discutindo se realmente os produtos radiofônicos estavam de acordo com a proposta

construída, além disso, avalia-se em que pontos a equipe acertou e o que podia ser

melhorado.

As atividades e dinâmicas sempre trazem uma reflexão sobre a importância da

coletividade e o papel de cada um na estruturação do grupo. Por exemplo, ao realizar a

“brincadeira do tubarão”, os participantes refletiram sobre a coletividade do grupo. A

dinâmica era a seguinte: antes de começar a brincadeira, a mediação distribuiu cinco

folhas de jornal pela sala. Depois, as mediadoras pediram para que as pessoas

caminhassem como se estivesse no oceano e que a qualquer momento podia aparecer

um tubarão, que seria indicado pela voz da mediação. Para que os participantes se

protegessem do “animal”, eles podiam refugiar-se nas pequenas ilhas, que no caso,

seriam as folhas de jornal. Depois que o tubarão ia embora era tirada uma ilha e os que

não conseguiam espaço no papel saiam da brincadeira. A dinâmica acabava quando

sobrava uma única ilha. Ao final da brincadeira, o grupo refletiu sobre o egoísmo de

cada um, pois no momento em que todos precisam se “salvar”, ninguém pensa no outro,

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pensa somente em si mesmo. Levando para o contexto dos participantes, questionaram-

se como eles irão reagir diante de um problema que surgir na rádio-escola, já que as

pessoas não estão pensando no grupo, mas somente em si mesmas.

A formação também pretende fazer com os participantes interajam mais com o

ambiente sócio-cultural que os circunda, estreitando relações entre a comunidade e a

escola, valorizando histórias de pessoas que moram na própria comunidade. A formação

também busca o aumento da auto-estima dos professores e estudantes, pois ao elaborar

os conteúdos radiofônicos e divulgar pelo assentamento, eles serão valorizados pelos

moradores e se reconhecerão como produtores de cultura.

Além disso, a comunidade passa a perceber que a escola tem um papel

fundamental na formação da cultura local, que não apenas transmite saber aos

estudantes, mas pode produzir conhecimento com um objetivo de formar pessoas que

possam interferir na construção da realidade.

A mediação é formada de duas jornalistas, uma pedagoga e uma estagiária de

comunicação. As mediadoras são responsáveis em levantar discussões; construir junto

com os participantes conceitos coletivos sobre as técnicas radiofônicas a partir do que

eles já conhecem; organizar e planejar as oficinas; avaliar de acordo com suas

percepções e teorias o que acontece durante a formação e tentar solucionar junto com os

participantes os problemas que possam surgir.

As oficinas acontecem na escola São Francisco, única escola da comunidade, e

são realizadas durante os finais de semana a cada quinze dias. A rádio não fica

localizada na própria escola, pois não há estrutura para isso. O estúdio encontra-se no

antigo posto telefônico no centro do assentamento, assim, quando ligadas, as cornetas

expandem o som da rádio para toda a comunidade.

Além da rádio, o assentamento conta com um laboratório de informática

desenvolvido pelo projeto Centro Rural de Inclusão Digital (Crid) que tem como

objetivo unir internet e educação. Essa iniciativa foi realizada pelo Núcleo de Estudos

Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) e teve apoio da Universidade Federal do

Ceará (UFC).

A proposta do projeto Segura essa onda: rádio-escola digital na gestão

sociocultural da aprendizagem é tornar a rádio do assentamento Santana acessível para

qualquer pessoa por meio da internet. Os programas ainda não estão disponíveis na

rede, mas foi criado o Portal do projeto (www.seguraessaonda.org.br), em que

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brevemente estarão sendo veiculadas as produções realizadas durante as oficinas de

formação em rádio-escola e os programas que serão produzidos ao longo do processo.

5. Considerações Finais

Um meio de comunicação inserido no processo educativo pode se tornar uma

ferramenta interessante, desde que os participantes, professores e estudantes, saibam

como utilizá-lo de forma interativa e dialógica. Toda forma de educação deve está

voltada para o contexto de cada grupo social, com o objetivo de formar cidadãos críticos

e ativos na sociedade.

Esse artigo tem o propósito de apresentar um trabalho educomunicativo

realizado numa localidade do meio rural do semi-árido cearense, utilizando o rádio

durante o processo educativo. A partir dessa e de outras experiências, percebe-se como

é interessante para a formação cidadã de um grupo um trabalho que relacione a

educação e a comunicação, pois com a utilização de práticas educomunicativas o papel

de estudantes e professores se renovam e se reestruturam no ambiente escolar e cada um

se sente responsável em interferir e transformar a realidade que os circunda.

6. Referências bibliográficas

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2003.

FREIRE, Maria Tereza Martins. O jornal como agente promotor da relação entre

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FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? São Paulo: Paz e Terra, 8ª edição, 1985.

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18ª edição, 1987.

KAPLÚN, Mario. Processos educativos e canais de comunicação. Revista

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SOARES, Ismar. Comunicação / educação emergência de um novo campo e o perfil

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Acessado em 29/04/2007, 10:00 horas.

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