Comunicação e mobilização social para o desenvolvimento...

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KATIA REGINA PICHELLI Comunicação e mobilização social para o desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais em Bituruna (Paraná) Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós- Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo - Umesp, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Conde Caldas Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2007

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KATIA REGINA PICHELLI

Comunicação e mobilização social para o

desenvolvimento sustentável em

assentamentos rurais em Bituruna (Paraná)

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo - Umesp, para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Conde Caldas

Universidade Metodista de São Paulo

Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2007

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação “Comunicação e mobilização social em assentamentos rurais em

Bituruna (Paraná)”, elaborada por Katia Regina Pichelli, foi defendida e aprovada no dia 20

de junho de 2007, perante a banca examinadora composta por: Profa. Dra. Maria da Graça

Conde Caldas, Profa. Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo e Profa. Dra. Desirée Cipriano

Rabelo.

Assinatura do orientador: ___________________________________________

Nome do orientador: Profa. Dra. Maria da Graça Conde Caldas

Data: São Bernardo do Campo, 20 de agosto de 2007.

Visto do Coordenador do Programa de Pós-Graduação: __________________________

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de pesquisa: Comunicação Especializada

Projeto temático: Comunicação Científica, Mídia e Poder

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Dedico este trabalho a Jean e Pedro, que me mostram, todos os

dias, de diversas maneiras, com profunda intensidade, que

amar é possível, que amar é divino, que amar é infinito.

Jean, aquele que meu coração escolheu e pelo qual fui

escolhida: só você sabe os caminhos que percorremos para

chegar aqui. Sei que estaremos juntos eternamente, tendo o

infinito como nosso caminho.

Pedro, meu filhote maravilhoso: com você eu aprendi o que é o

amor desmedido, a risada pura, o carinho que aconchega, a

vida plena de graça.

Deus me provou seu amor ao colocar vocês em meu caminho...

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“Vê mais longe a gaivota que voa mais alto”

(Fernão Capelo Gaivota / Richard Bach)

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Agradecimentos

Depois da dissertação em si, acredito que essa é a parte mais difícil. Como citar,

nominar, lembrar de tanta gente – e olha que não foram poucas! - que durante estes pouco

mais de dois anos acreditou em mim, deu força, ajudou, apoiou? Até tentei andar com um

caderninho durante todo o mestrado para anotar os nomes, mas foi impossível... É sempre

assim: a gente corre o risco de esquecer. Mas gostaria que todos, todos mesmo, que me

ajudaram “um tantinho ou um tantão”, que torceram “um pouquinho ou um poucão”, e até

mesmo aqueles que não acreditaram, sintam meu abraço com todo carinho: todos vocês foram

fundamentais (e haja paciência comigo nestes dois anos, hein?!). Foram muitas idas e vindas

entre Curitiba e São Bernardo do Campo... Curitiba e Bituruna...

Mas, pegando emprestadas as obras da cantora Marisa Monte, dentro deste “Universo

ao meu redor”, tenho meu “Infinito particular”, a quem quero mais que agradecer de coração

(a lista abaixo não segue ordem de importância. Cada um esteve em seu topo diversas vezes):

• a Deus, por nos ter presenteado com este mundo maravilhoso e fantástico e ter nos

concedido o Dom da Vida;

• Jean e Pedro, a quem não basta dedicar este trabalho, mas também agradecer por toda

paciência e apoio; pedir perdão pelas horas roubadas e momentos de loucura; e falar: “agora

sou toda de vocês!!” (isso é bom ou ruim? Hehehe!!);

• a meus Pais, a quem não tenho palavras para agradecer. Falar que os amo parece ser

pouco. A minha querida Mãe, Santina, companheirona de todas as horas (que pique tem essa

mulher!!) e a meu querido Pai, Sergio, que de lá do céu tenho certeza que está torcendo por

mim;

• a Graça Caldas, que foi mais que uma competente orientadora acadêmica, mas sim, com

todo seu carinho, uma orientadora para a vida;

• a minhas irmãs, Kassia e Karin, que ajudaram com palavras de incentivo, abraços

carinhosos, transcrições, digitação de fichamentos e tabelas, revisões, foram babás do Pedro

etc etc, numa salada de amor que só as irmãs sabem dar. E ao maninho do coração Ideny, que

contou altas histórias ao Pedro;

• a minha sogra Sirlei, meu sogro Antônio, e cunhados Larissa e Antônio, por toda força

durante este tempo, principalmente ajudando a cuidar do Pedro em tantos momentos para que

eu pudesse escrever;

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• às minhas amigas, irmãs do coração que Deus também colocou em meu caminho e foram

companheiras de todos os momentos: Ana Cristina Suzina, Nívea Bona e Laureci Corradin

(junto com Élcio e minhas afilhadinhas lindas: Daniela e Camile): amo vocês!!!!

• à Família Felizz, fonte de motivação, carinho, confiança e inspiração, onde aprendi que

posso ser felizz e fazer as pessoas à minha volta felizzes, com carinho especial a Jacqueline

Cunha Canabrava e Maurino Veiga Jr.;

• aos amigos da Rede de Comunicadores Solidários, que me ensinaram sobre amizade e

mobilização, em especial a Élson Faxina, mestre e “guru” para toda a vida;

• à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, pelo apoio e incentivo na

realização do curso, em especial à Unidade Embrapa Florestas:

- às amigas e também companheiras de trabalho Regina Lucia Siewert

Rodrigues e Luciane Cristine Jaques, que mostraram o valor da amizade e da

competência, e seguraram muitas bombas enquanto estive fora: meninas, vocês

são demais!!! Amo vocês!!!

- aos colegas da Área de Comunicação e Negócios – ACN, que deram

continuidade a muitos trabalhos por mim iniciados, em especial à Relações

Públicas Maria Paraguaçu de Souza Cardoso;

- ao pesquisador Moacir José Sales Medrado, pelo apoio na concepção do

projeto original e durante o andamento do curso;

- ao pesquisador Vanderlei Porfírio da Silva, conselheiro acadêmico do qual tive

todo apoio e compreensão;

- ao Comitê Técnico Interno – CTI, pela aprovação e voto de confiança em meu

trabalho;

- aos colegas do Setor de Recursos Humanos, em especial Maria Cecília

Strapasson Torques e Cristiano Luiz Gottems, pelo apoio, paciência e

prestatividade. Foram muito além do que seus cargos exigiam. Obrigada!

- Aos colegas do SOF e SPM, que muito auxiliaram nos andamentos de

projetos;

- à colega Juliana Cláudio de Oliveira, do DGP da Sede, pelo apoio

principalmente durante o primeiro ano;

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• à Universidade Metodista de São Paulo, espaço do saber, onde pude desenvolver minhas

idéias e crescer muito, em especial:

- aos professores com os quais tive maior contato e pude “sugar” de sua

sabedoria: Graça Caldas, Cicília Peruzzo, Wilson Bueno, Elizabeth Moraes

Gonçalves e José Salvador Faro;

- à coordenação do curso, na pessoa do Prof. Dr. Sebastião Squirra;

- às funcionárias Márcia Maria Pitton e Amanda Quintela Maran Ferreira;

- aos colegas de curso, que comigo dividiram aulas, almoços, angústias e me

ajudaram a me tornar uma pessoa muito melhor. Lembrarei de todos com muito

carinho;

• Aos técnicos e assentados de Bituruna/PR, em especial aqueles que tive contato mais

intenso: Sandra, Olcimar, Talles, Jucélio, Anísio, Luiz e Ílzia (hum, que almoço gostoso!!!!),

Domingos e Fátima, Getúlio (outro almoço delicioso!), Félix e tantos outros com quem tive

contato: sem vocês, minha pesquisa não teria sido possível. Obrigada por me receberem de

braços abertos!

• a Carolina Zuana, que pacientemente transcreveu praticamente todas as fitas da pesquisa

de campo. Carol: valeu!!!!

• a Luana e Angelita, que abriram as portas de sua casa e me receberam com muito carinho

em São Bernardo do Campo. Obrigada, meninas!

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Lista de tabelas

Tabela 01 - Questão fundiária brasileira (50.000 a.C/1964 d.C – quadro resumo......... 31

Tabela 02 - Estrutura Fundiária Brasil 2003................................................................... 34

Tabela 03 - Evolução do Índice de Gini da propriedade da terra Brasil 1967 – 2000... 34

Tabela 04 - Famílias Assentadas.................................................................................... 35

Tabela 05 - Projetos de Assentamento............................................................................ 35

Tabela 06 - Principais diferenças entre agricultura sustentável e convencional............ 53

Tabela 07 - Níveis de Comunicação............................................................................... 94

Tabela 08 - População de Bituruna................................................................................. 98

Tabela 09 - Demonstrativo Distribuição Econômica Biturunense................................. 99

Tabela 10 - Principais Ramos de Atividade do Setor Industrial..................................... 99

Tabela 11 - Projetos de Assentamento Bituruna-Pr........................................................ 100

Tabela 12 - Assentados Entrevistados Individualmente................................................. 110

Tabela 13 - Assentados que participaram do Grupo Focal............................................. 111

Tabela 14 - Tipos de Interação....................................................................................... 135

Lista de Figuras

Figura 01 - Distribuição do PIB das Cadeias Produtivas segundo o tipo de produtor –

Brasil 2004 (em %)......................................................................................................... 52

Figura 02 – Localização do estado do Paraná no Brasil ................................................ 227

Figura 03 – Localização do município de Bituruna no Paraná ...................................... 227

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Lista de siglas

ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária

APP – Área de Preservação Permanente

Arcac – Associação Regional de Cooperação Agrícola

ATES – Assessoria Técnica, Social e Ambiental

C&T – Ciência e Tecnologia

CCA – PR – Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Conama – Conselho Nacional de Meio Ambiente

Concrab – Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil

Copel – Companhia Paranaense de Energia Elétrica

Cotrara – Cooperativa dos Trabalhadores em Reforma Agrária do Paraná

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação

EC – Estudo de Caso

Emater – Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural

Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

Embrater – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

FAEP – Federação de Agricultura do Estado do Paraná

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

IUFRO – International Union of Forestry Research Organizations – União Internacional de

Organizações de Pesquisa Florestal

MLST - Movimento de Libertação dos Sem Terra

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MTL - Movimento Terra, Trabalho e Liberdade

NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

P&D – Pesquisa e Desenvolvimento

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PA – Projeto de Assentamento

PDA – Plano de Desenvolvimento do Assentamento

PDU – Plano Diretor da Unidade

PIB –Produto Interno Bruto

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RL – Reserva Legal

SAFs – Sistemas Agroflorestais

SBS – Sociedade Brasileira de Silvicultura

SNPA – Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária

TCU – Tribunal de Contas da União

TT – transferência de tecnologia

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Sumário Introdução ............................................................................................................. 17

Objetivo geral .................................................................................................... 19

Objetivos específicos ......................................................................................... 20

Metodologia ....................................................................................................... 20

Corpus do trabalho ............................................................................................ 22

Por que realizar este estudo? .............................................................................. 25

Encadeamento dos capítulos .............................................................................. 27

Capítulo I – A questão fundiária no Brasil ..................................................... 29

Breve histórico da questão fundiária no Brasil .................................................. 31

O Estatuto da Terra ............................................................................................ 32

Realidade fundiária hoje .................................................................................... 34

O lugar do assentamento rural na pós-modernidade .......................................... 37

Movimentos sociais ........................................................................................... 38

Capítulo II – Desenvolvimento sustentável, florestas e meio rural .......... 43

Desenvolvimento sustentável ............................................................................ 44

O mundo urbano e a consciência ambiental ...................................................... 49

O mundo rural e a produção sustentável ............................................................ 51

As florestas e o desenvolvimento sustentável no meio rural ............................. 55

Sistemas agroflorestais – SAFs: prática de desenvolvimento sustentável no

meio rural ...........................................................................................................

60

Capítulo III – Comunicação, transferência de tecnologia e

extensão rural .............................................................................

62

O papel da comunicação na educação e capacitação do cidadão brasileiro ...... 63

A apropriação de conhecimentos científicos e tecnológicos ............................. 66

A Embrapa como instituição pública de pesquisa ............................................. 68

A Embrapa Florestas .......................................................................................... 70

Transferência de tecnologia ............................................................................... 71

O papel da comunicação .................................................................................... 74

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Capítulo IV – Comunicação e mobilização social ........................................ 79

Identidade .......................................................................................................... 80

Comunidade ....................................................................................................... 81

Cidadania e democracia ..................................................................................... 82

Mobilização social ............................................................................................. 83

Participação ........................................................................................................ 84

A formulação do imaginário .............................................................................. 85

O campo de atuação ........................................................................................... 88

A coletivização da ação ..................................................................................... 89

Comunicação como estratégia ........................................................................... 90

Níveis de comunicação ...................................................................................... 93

Capítulo V – A realidade estudada: os assentamentos de Bituruna/PR... 97

O município de Bituruna ................................................................................... 98

Os assentamentos em Bituruna .......................................................................... 100

A instituição de assistência técnica Cotrara ....................................................... 103

Perfis .................................................................................................................. 104

Os técnicos ............................................................................................. 104

Os assentados ......................................................................................... 110

Perfil dos assentados entrevistados individualmente ............................. 111

Capítulo VI – Estudo de caso: onde a comunicação gera mobilização ... 122

Mobilizar para quê? ........................................................................................... 123

Sonho comum ........................................................................................ 125

Relação com a natureza ......................................................................... 126

Os papéis da comunicação ................................................................................. 128

Níveis de comunicação ...................................................................................... 135

Micro comunicação ............................................................................... 136

Micro comunicação entre assentados .............................................. 136

Micro comunicação entre assentados e técnicos ............................. 138

Como os técnicos vêem este momento ............................................ 143

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Macro comunicação ............................................................................... 148

Percepções gerais dos assentados .................................................... 150

Descrições e análises dos eventos específicos observados .............. 154

Reunião para tratar de assuntos práticos do assentamento

12 de Abril ............................................................................... 154

Curso sobre agrofloresta em São Mateus do Sul/PR ............... 157

Dia de campo para “raleamento de bracatingal” no

assentamento Sonho de Rose ................................................... 161

Curso sobre agrofloresta no assentamento Rondom III ........... 165

Os materiais de comunicação .......................................................... 177

Comunicação de massa .......................................................................... 184

Televisão .......................................................................................... 185

Rádio ................................................................................................ 186

Jornal impresso ................................................................................ 188

Relação entre técnicos e pesquisadores da Embrapa ......................................... 188

Considerações finais ............................................................................................. 194

Referências ............................................................................................................. 205

Anexos ..................................................................................................................... 216

Anexo 1 – Processo de Criação de Assentamento ............................................. 217

Anexo 2 – Dimensões dos módulos fiscais ....................................................... 221

Anexo 3 – Sistemas agroflorestais: aspectos ambientais e sócio-econômicos .. 222

Anexo 4 – A visão sobre transferência de tecnologia na Embrapa ................... 224

Anexo 5 – Localização de Bituruna/PR ............................................................. 227

Anexo 6 – Folderes Projeto Colméia.................................................................. 228

Anexo 7 – Roteiros de conversas ...................................................................... 230

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Resumo Esta dissertação tem como objetivo analisar o papel da comunicação no processo de

mobilização e transferência de tecnologias florestais e ambientais em assentamentos rurais

para o desenvolvimento sustentável. A metodologia utilizada é o Estudo de Caso, de natureza

qualitativa, tendo como referencial teórico a Teoria da Mobilização Social, de Bernardo Toro

e Nísia Werneck (2004), por meio de observação direta. Foram realizadas observações e

entrevistas com técnicos extensionistas e assentados de Bituruna/PR sobre os papéis e níveis

de comunicação: micro (pessoal), macro (público segmentado) e massa (mídia em geral). Este

estudo mostra a importância da comunicação e de suas ferramentas para melhorar o processo

de transferência de tecnologia entre assentados e técnicos extensionistas. Revela as

dificuldades inerentes ao processo comunicativo, além da necessidade de criação de

mecanismos de participação coletiva dos assentados para serem sujeitos de seu

desenvolvimento. Desta forma, mostra que a comunicação pode ser melhor utilizada no

processo de mobilização e precisa estar inserida no planejamento dos trabalhos realizados nos

assentamentos, em uma perspectiva dialógica e participativa. A comunicação pode, então,

criar sentido, formular imaginários a serem alcançados e, efetivamente, mobilizar para o

desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: comunicação; mobilização social; desenvolvimento sustentável;

assentamentos rurais

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Resumen Esta disertación tiene como su objetivo analiza el rol de la comunicación en el proceso de

movilización y transferencia de tecnologías forestales y ambientales en asentamientos rurales

para alcanzar en desarrollo sostenible. La metodología usada es el Estudio de Caso de

naturaleza cualitativa y tiene como su marco teórico la Teoría de la Movilización Social de

Bernardo Toro e Nísia Werneck (2004). Fue utilizada la observación directa. Fueron

realizadas observaciones y entrevistas con extensionistas y asentados en la ciudad de Bituruna

(Paraná). Ellos contestaron preguntas sobre el rol y el nivel de la comunicación: micro

(personal), macro (publico segmentado) y masa (media en general). Esta investigación

demuestra la importancia de la comunicación y de sus herramientas para mejorar el proceso

de transferencia de tecnología entre los asentados y los extensionistas. Revela las dificultadas

propias del proceso comunicativo, además de la necesidad de crear mecanismo de

participación colectiva de los asentados que los conviertan en sujetos de su desarrollo. En esta

manera, demuestra que la comunicación puede ser mejor utilizada en el proceso de

movilización y que es necesario inserirla en la planificación de los trabajos realizados en los

asentamientos, en una perspectiva de diálogo y participación. Así, la comunicación puede

generar sentido, formular imaginarios a lograr y, de hecho, movilizar para el desarrollo

sostenible.

Palabras-clave: comunicación; movilización social; desarrollo sostenible; asentamientos

rurales.

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Abstract This dissertation has like its aim to analyze the communications’ role in the process of

mobilization and transfer of environmental and forest technologies oriented to build

sustainable development in rural settlements. The methodology used is the Case Study in a

qualitative way, through direct observation, and has like its theoretical basis the Social

Mobilization Theory from Bernardo Toro e Nísia Werneck (2004). The research used

observation and interviews with extension agents and settled people in Bituruna (Paraná).

They were asked about roles and levels of communication: micro (personal), macro

(segmented public) and mass (media in general). This study shows the importance of

communication and its tools to improve the process of technology transfer among settled

people and extension agents. It also reveals the natural challenges of the communication

process, besides the necessity of creating mechanisms to stimulate collective participation like

something that can transform settled people in actors of their development. Therefore, it

shows that communication can be better used in the mobilization process and must be inserted

in the settlements working plans, in a dialogic and participative perspective. The

communication can so create sense, build imaginaries to be achieved and effectively mobilize

to sustainable development.

Key words: communications; social mobilization; sustainable development, settlements.

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Introdução

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A realidade fundiária do Brasil sempre foi conflituosa. Freqüentemente manchetes nos

jornais tratam de ocupações de terra, reintegrações de posse, conflitos no campo, decisões

políticas. Após todo esse difícil processo, a posse da terra deveria, enfim, significar

tranqüilidade às famílias assentadas. No entanto, a posse da terra é apenas o começo de uma

jornada árdua e diária de trabalhar a terra. Entretanto, nem sempre esse trabalho é feito sem

prejuízo ao meio ambiente, por falta de orientação ou conhecimento. O ideal é que a

perspectiva do desenvolvimento sustentável esteja presente no dia-a-dia dos assentamentos.

O universo dos que fazem parte dos movimentos pela busca da posse da terra é muito

grande: não somente agricultores, mas também seus filhos e demais familiares. Existem

também, ainda, as pessoas que “fugiram” da pobreza da cidade e esperam encontrar na

lavoura uma opção de sobrevivência, representando um começo de êxodo urbano.

Para estas pessoas, ter um pedaço de chão representa a chance de começar de novo.

Mas não basta ter a terra. É preciso saber trabalhar, cultivar, manejar. Muitas vezes, ao entrar

no seu pedaço de terra, as primeiras perguntas do assentado são: “por onde começar?”, “o que

posso plantar aqui?”, “será que posso cortar estas árvores para plantar minha lavoura?”,

perguntas que, sozinho, não vai conseguir responder. É também necessário um mínimo de

capacitação para começar o trabalho.

Por isso, a prática nos assentamentos rurais tem que estar alicerçada em um amplo

programa de apoio à família assentada, com formação, educação, acompanhamento,

possibilitando a apropriação, por parte destas famílias, de técnicas modernas e sustentáveis de

gerenciamento da propriedade.

O Brasil é um dos países com pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de ponta nos

setores agropecuário e florestal. No entanto, são poucos os estudos e informações sobre como

a Comunicação pode auxiliar nesse processo de capacitação e transferência de tecnologia1 aos

assentados. A prática da extensão rural também precisa ser inovada para que seus efeitos

possam realmente beneficiar esse público. Além disso, as práticas de manejo de florestas e a

relação com o meio ambiente são iniciativas relativamente novas2, precisando, então, de uma

atenção especial.

1 Transferência de tecnologia aqui deve ser entendida como o processo de capacitar/educar um público específico para a utilizar a tecnologia, como se este saber tivesse sido transferido para quem não o conhece. 2 A Segunda Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Eco 92, pode ser considerada um marco na forma de relacionamento entre a humanidade e o meio ambiente. Na questão produtiva, abriu espaço para a discussão produção x conservação.

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É necessário, então, analisar como os assentados podem ser melhor preparados para a

sua nova realidade; como fazê-los conhecer e entender as questões ambientais e florestais, de

forma que estas práticas façam parte do seu dia-a-dia, que a sustentabilidade não seja algo

longe de sua realidade. A utilização correta de ferramentas3 de comunicação pode ser um

meio de se atingir estes objetivos.

Mas será que a comunicação tem sido utilizada? Os atores sociais envolvidos com os

assentamentos rurais estão aptos e sabem como utilizá-la? Tem consciência de sua

importância no processo e de como a comunicação pode ser ferramenta para a sua ação?

Quando usam a comunicação, o fazem de forma correta, de forma a aproveitar todas as suas

potencialidades? Como as estratégias de comunicação para transferência de tecnologia aos

assentados rurais propiciam a apropriação de conhecimento pelos mesmos? Estas e outras

questões fazem parte deste objeto de estudo.

Ao tentar responder estas questões, algumas hipóteses nortearam a presente pesquisa:

- A comunicação pode ser utilizada como ferramenta de mobilização social em

assentamentos rurais;

- A comunicação é uma ferramenta eficaz para capacitar os assentados rurais no processo de

transferência de tecnologias (TT) florestais e ambientais;

- Os atores sociais (técnicos, pesquisadores) envolvidos no processo de transferência de

tecnologia precisam ser capacitados para utilizar a comunicação;

- Existem formas apropriadas de produção de materiais de comunicação para melhor atingir

os assentados (linguagem, formato, conteúdo).

Objetivo geral

Para estudar estas hipóteses, ao realizar a pesquisa tive como objetivo geral analisar o

papel da comunicação no processo de mobilização e transferência de tecnologias florestais e

ambientais em assentamentos rurais para o desenvolvimento sustentável.

3 Uma ressalva deve ser feita: embora exista uma confusão semântica entre termos como ferramentas e instrumentos de comunicação , as reflexões realizadas neste trabalho utilizam tais termos como meios de se fazer comunicação e não como um fim em si mesmos, em uma perspectiva “não-instrumentalizadora”. Na falta de vocabulário mais apropriado, é desta forma que esses termos devem ser interpretados na leitura do trabalho.

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Objetivos específicos

A pesquisa, então, caminhou no sentido de:

1) Examinar como funcionam os processos de comunicação para transferência de tecnologias

rurais no Brasil, em específico para questões florestais e ambientais, observando como tais

processos podem ser utilizados como estratégia de desenvolvimento sustentável em

assentamentos rurais;

2) Verificar como se dá a comunicação para transferência de tecnologia para os

assentamentos rurais no âmbito da extensão rural e da Embrapa Florestas, em

assentamentos rurais no Município de Bituruna, Paraná;

3) Identificar como acontece o processo de apropriação do conhecimento científico e

tecnológico pelos assentados rurais, nos níveis de comunicação micro (pessoal), macro

(cursos, reuniões) e massa (jornal, rádio, vídeo);

4) Traçar um perfil dos assentados, técnicos e pesquisadores envolvidos na pesquisa;

5) Traçar um perfil das instituições que realizam diretamente ações de TT nos assentamentos

estudados (Cooperativa dos Trabalhadores em Reforma Agrária do Paraná – COTRARA;

Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná – CCA-PR; e Embrapa Florestas;);

6) Analisar o envolvimento e o trabalho realizado pela Embrapa Florestas em TT nos

assentamentos estudados;

7) Analisar como os veículos de comunicação podem ser utilizados para a transferência de

tecnologia.

Metodologia A metodologia utilizada foi o Estudo de Caso, de natureza qualitativa, tendo como

referencial teórico a Teoria da Mobilização Social, de Bernardo Toro e Nísia Werneck (2004),

por meio de observação direta. Em alguns momentos da fala dos técnicos, recorre-se a alguns

dos teóricos de Linguagem, como Vogt (1977), Bakhtin (1986 e 1997), Orlandi (1996), Van

Dijk (2002), entre outros, para melhor compreensão dos processos de enunciação e dos atos

de fala que, como será mostrado, fazem parte do cotidiano das relações entre técnicos

extensionistas e assentados.

A opção pelo Estudo de Caso (EC) é desafiadora e deve-se ao fato de as questões de

pesquisa apontarem para perguntas do tipo “como”, indicadas por Yin (2005) para essa

metodologia. Para Yin (2005, p.20) “como estratégia de pesquisa, utiliza-se o EC em muitas

situações, para contribuir com o conhecimento que temos dos fenômenos individuais,

organizacionais, sociais, políticos e de grupo, além de outros fenômenos relacionados”.

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Além das questões de pesquisa apontarem para essa metodologia, um segundo fator

importante para definir o EC como estratégia é ter a pesquisa focada em assunto

contemporâneo, quando se pode realizar observação direta dos acontecimentos estudados e

realizar entrevistas diretamente com os envolvidos. Este é o caso do projeto proposto. Por

outro lado, a observação direta não prescinde, de maneira alguma, da revisão de literatura. A

indispensável revisão não pode, porém, ser considerada a finalidade do estudo e sim um meio

para se chegar ao fim. É com base na teoria, aliada à observação direta, que poderão ser

elucidadas as questões propostas.

Segundo Yin (2005, p.33),

A investigação de EC enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir em um formato de triângulo e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados.

Ainda de acordo com Yin (2005, p.50), a pesquisa teórica deve estar voltada para: “a)

o propósito do trabalho descritivo; b) a ampla, porém realista, variedade de tópicos que

podem ser considerados um descrição ‘completa’ do que está sendo estudado; c) o(s) provável

(is) tópico(s) que será(ão) a essência da descrição”. Essa teoria depois será a base para a

análise, tendo-se o cuidado de não realizar apenas uma generalização estatística, mas uma

generalização analítica.

Para Toro e Werneck (2004, p.13), “mobilizar é convocar vontades para atuar na busca

de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados”. Em

Rabelo (2003), que também utilizou a Teoria da Mobilização Social em estudos sobre a

implantação da Agenda 21 no município de Vitória, Espírito Santo, é feita toda uma análise

dos papéis desempenhados pelos atores sociais em um processo de mobilização (a saber:

produtor social, editor e reeditor). Para o presente trabalho, que tem como referência inicial a

proposta teórica de Toro e passa pelas análises realizadas por Rabelo, aprofundei as reflexões

sobre os níveis de comunicação: micro (pessoal), macro (público segmentado) e massa (mídia

em geral), considerando as especificidades dos públicos estudados (assentados rurais e

técnicos extensionistas).

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A pesquisa contou com as seguintes etapas:

• Levantamento e análise bibliográfica;

• Levantamento e análise documental;

• Entrevistas semi-estruturadas;

• Análise de canais de comunicação;

• Observação direta;

• Análise dos resultados.

Para a análise dos canais de comunicação foi também trabalhada a apreensão do

conhecimento. Para Martín-Barbero (1995), na comunicação o receptor não pode ser visto

simplesmente como um lugar de chegada de uma mensagem. Ele deve ser visto também como

um lugar de partida, de produção de sentidos. Acompanhei, então, eventos de capacitação dos

assentados e, por meio de observação direta e entrevistas, analisei como se dá o processo de

apreensão de conhecimentos, como os diferentes níveis de comunicação atingem ou não seus

objetivos da forma como são utilizados.

Foi utilizada ainda, de forma complementar, a metodologia do grupo focal, mas

adaptada às condições de pesquisa encontradas, como será melhor explicado no Capítulo VI;

e o resgate das histórias de vida dos assentados entrevistados.

Corpus do trabalho

O local escolhido para este estudo é o município de Bituruna, Paraná, onde estão

localizados sete assentamentos, a saber: “12 de Abril”, “Sonho de Rose”, “Rondom III”,

“Criciuminha”, “Etiene”, “Santa Bárbara”, “27 de Outubro”, num total de 582 famílias

assentadas. Mais informações sobre o município e os assentamentos encontram-se no

Capítulo V.

Os contatos para a realização da pesquisa de campo e observação direta começaram no

segundo semestre de 2005. A idéia original era realizar a pesquisa em três municípios

diferentes. Após algumas viagens ao município de Bituruna e a percepção do que

efetivamente seria a realidade estudada, optei por focar a pesquisa somente neste município,

face à amplitude de trabalho necessária para atender ao projeto original e também pela riqueza

de material encontrada em Bituruna.

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A partir do início de 2006 as viagens a Bituruna foram mais freqüentes (seis viagens,

variando de dois a sete dias de permanência no município), tanto para acompanhamento de

visitas dos técnicos aos lotes quanto de eventos e realização de entrevistas. Então, as

observações foram realizadas em diferentes etapas:

- visitas dos técnicos aos lotes (tanto para avisar sobre eventos, levar material dos

projetos quanto orientações de trabalho);

- reunião para tratar de assuntos práticos do assentamento 12 de Abril (23 mar. 2006);

- curso sobre agrofloresta (realizado no Município de São Mateus do Sul/PR e que

contou com a participação de assentados de Bituruna) (09 a 12 mai. 2006);

- dia de campo para “raleamento de bracatingal4” no assentamento Sonho de Rose (30

ago. 2006);

- curso sobre agrofloresta no assentamento Rondom III, que contou com a participação

também de assentados do Sonho de Rose, Etienne e 12 de Abril (20 e 21 out. 2006);

- entrevistas individuais.

A seleção dos entrevistados procurou abranger pessoas com diferentes características,

história de vida, formação etc. Também levou em conta fatores como participação em

atividades propostas pelos técnicos e inserção nos projetos

Cada nível de comunicação foi estudado minuciosamente, com ênfase especial nos

níveis micro e macro. No nível micro (pessoal) foi estudado como se dá a relação pessoal

entre técnicos e assentados, pois nestes momentos são passadas orientações individuais e

também é uma forma de capacitação e transferência de tecnologia. Para este estudo foram

consideradas as visitas realizadas pelos técnicos aos lotes5 dos assentados. No nível macro

(público segmentado) foram analisados cursos, palestras, dias de campo e reuniões temáticas,

além de materiais de comunicação utilizados nestes momentos (folder, cartilha, folheto...) e

metodologia empregada (relação “capacitador/capacitando”). No nível massa (mídia) os

entrevistados foram instigados a falar sobre sua relação com programas de rádio, vídeo e

jornais. Especificamente para cada nível de comunicação foram adotadas as seguintes

estratégias:

4 O raleio do bracatingal consiste em tirar as árvores mais fracas ou tortas para abrir espaço de crescimento para outras árvores. 5 Não se considera aqui “propriedade”, pois o assentado ainda não tem a posse definitiva do lote. Isso é melhor explicado no Anexo 1.

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Nível micro

Para este nível, as análises foram feitas tanto observando visitas aos lotes quanto nas

entrevistas com os assentados. Foram realizadas oito (08) entrevistas individuais em visitas a

diferentes lotes. Esse número deve-se ao fato de as distâncias a serem percorridas entre os

lotes e os assentamentos serem grandes, o que inviabilizaria o trabalho caso fossem

selecionados mais assentados. Outro fator importante é que optei por acompanhar visitas que

realmente estivessem acontecendo e não agendadas somente para a entrevista. Como será

mostrado no Capítulo VI, a visita aos lotes é um dos problemas enfrentados pelos técnicos,

que gostariam de realizar mais visitas, porém prescindem de mais tempo e maior apoio

financeiro (combustível) para tanto, assim como pelos assentados, que gostariam de maior

presença dos técnicos em seus lotes.

Os diferentes perfis dos técnicos que atendem estes assentamentos foram pontos

importantes nas análises. No primeiro mapeamento realizado, notou-se que as características

pessoais destes atores sociais também são fundamentais para o sucesso da comunicação e da

apreensão do conhecimento por parte dos assentados.

Nível macro

Para este nível foram acompanhadas atividades que envolviam os assentados em

situações de capacitação, para saber como as ferramentas de comunicação estão sendo

utilizadas.

Além das observações diretas, as entrevistas individuais também abordaram aspectos

da comunicação macro. Outro aspecto abordado foram os materiais de comunicação a que os

assentados têm acesso, tais como folderes, cartilhas e vídeos.

Nível massa

Para este nível os assentados tiveram oportunidade de falar, durante as entrevistas,

sobre os diversos meios de comunicação de massa.

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Para realizar a pesquisa, foram utilizados os seguintes roteiros6 de conversas7:

1. com as famílias assentadas, para entender os processos de comunicação, como acontece a

apreensão de conhecimento, como os assentados avaliam a atuação do técnico (o que está

bom e o que pode melhorar), história de vida, formulação de imaginário sobre a questão

da terra e a sua condição de assentado, como avaliam os veículos de comunicação de

massa como forma de capacitação, entre outros;

2. grupo focal (metodologia adaptada) com participantes de curso, antes do evento: para

saber quais são suas expectativas, o que sabe sobre o assunto, como espera que a atividade

ocorra;

3. grupo focal (metodologia adaptada) com participantes de curso, após o evento: para saber

o que aprendeu, se suas expectativas foram atingidas, o que acha da forma como foi

conduzida a atividade, o que acha dos materiais entregues, o que precisaria para colocar

em prática o que foi decidido/aprendido, entre outros;

4. com técnicos após eventos (visita, reunião, curso): se suas expectativas foram cumpridas,

como se sentiu durante o evento em relação aos assentados, o que acha que poderia

melhorar, que condições pessoais influenciam em sua atuação (formação, material de

apoio, questões políticas etc), entre outros.

Tudo isso foi feito de forma adaptada à linguagem e condições do “entrevistado” e foi

gravado em áudio para posterior avaliação junto com as anotações realizadas. No total, foram

mais de 20 horas de gravação, com um material bastante rico, como poderá ser observado nos

Capítulos V e VI.

Por que realizar este estudo?

Existem diversos aspectos importantes que devem ser levados em consideração. O

primeiro deles é que as formas de apropriação do conhecimento por parte dos usuários

potenciais das tecnologias geradas pelas empresas de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D)

somente agora começam a receber atenção especial. Estudar estes processos, conhecer melhor

suas implicações, erros e acertos, pode trazer novas perspectivas de ações de comunicação

para essas instituições. Quando se traz esta perspectiva para um recorte de público, em

6 Os roteiros detalhados podem ser encontrados no Anexo 7. 7 Preferimos aqui o termo “conversas” ao invés de “entrevistas” pela formalidade que este impõe. A idéia é realmente ter “um dedo de prosa”, considerando o perfil dos assentados rurais. Ver Anexo 6 – Roteiros de conversas.

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especial os assentados rurais, objeto deste estudo, torna-se possível analisar qual é o tipo de

comunicação mais eficiente e eficaz.

A capacitação e a educação deste público através de ferramentas de comunicação são

parte integrante do tão falado desenvolvimento local sustentável, quando a própria

comunidade tem a chance de se tornar protagonista de seu desenvolvimento. Ou seja, não

basta somente criar os chamados “pacotes tecnológicos”, onde cabe ao agricultor aprender e

aplicar uma tecnologia, mas a questão da cidadania deve ser levada em conta para a

apropriação dessa tecnologia. Cidadania esta que não pode ser somente passiva, ou seja, o

assentado não pode somente ter consciência de sua condição (financeira, ecológica,

educacional, tecnológica), mas tem que ser ativa, ou seja, gerar transformação social.

Este processo, que apresenta um caráter formativo de troca e produção de

conhecimentos, deve ser oferecido à comunidade permanentemente e suas metodologias

devem ser adequadas às suas realidades.

O segundo aspecto importante é que fazer pesquisa e desenvolvimento também

significa tornar as informações acessíveis e melhor trabalhadas para os diferentes públicos.

Entender esta dinâmica é um desafio a ser constantemente perseguido pelas instituições de

pesquisa e extensão rural, principalmente. Saber qual é a melhor forma de fazer comunicação

científica/aplicada para os assentados rurais é premissa básica da transferência de tecnologia.

Outro aspecto importante é que as temáticas florestas e meio ambiente, apesar do

avanço científico e tecnológico da área, ainda não são muito conhecidas dos assentados rurais,

que acabam por desconhecer os benefícios ambientais e econômicos de certas práticas que

englobam este tema. Atualmente, muito se tem falado em sustentabilidade da propriedade

rural, mas esta mesma sustentabilidade não pode ser restringida somente às formas de

produção agropecuárias. A questão florestal também é bastante importante por ser opção

econômica e de conservação de recursos naturais.

A sustentabilidade da propriedade também está vinculada à questão ambiental, não só

por cumprimento da lei, mas também de benefícios indiretos que geram, por exemplo, água

potável, ar puro, sombreamento de culturas e rebanhos, turismo rural entre outros.

Para englobar todos estes aspectos, somente um processo de mobilização social

conseguiria reunir todos esses elementos e traduzí-los em desenvolvimento sustentável de um

assentamento rural. A Teoria da Mobilização Social, preconizada por Bernardo Toro, fala da

necessidade que toda mobilização social tem de um projeto de comunicação em sua

estruturação. “Cada processo de mobilização participada requer um modelo de comunicação

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específico”, afirmam Toro e Werneck (2004, p.70). “A comunicação pode ser concebida e

estruturada de diferentes formas, de acordo com o tipo e propósitos buscados”, complementa.

Em Vitória, Espírito Santo, em estudo realizado por Rabelo (2003), foi possível

analisar como a comunicação para mobilização social foi fundamental para implementação da

Agenda 21 local. Neste projeto pretende-se trazer esta reflexão para os assentamentos rurais.

Todo este aprofundamento necessita de embasamento teórico, conhecimento e

vivência de experiências e análise crítica de todo o processo.

Encadeamento dos capítulos

O “Capítulo I – A questão fundiária no Brasil” aborda a questão da terra, uma vez que

para entender os processos de comunicação, é necessário antes explicitar o cenário sobre a

questão fundiária no Brasil, onde estão inseridos os assentamentos. Primeiramente, será

apresentado um panorama da realidade rural no País: distribuição de propriedades rurais,

questão fundiária. Será mostrada, então, a evolução histórica da posse da terra e, em

específico, da Reforma Agrária. Também será analisada a participação dos movimentos

sociais (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST; Associação Brasileira de

Reforma Agrária – ABRA; entre outros).

O “Capítulo II – Desenvolvimento sustentável, florestas e o meio rural” discute o

desenvolvimento sustentável e sua relação com o meio rural e a questão florestal. Como o

estudo trata, especificamente, de capacitação sobre as questões florestais e ambientais, é

necessária uma visão de como este assunto é importante, tanto como opção econômica quanto

ambiental. As reflexões traçam um panorama da temática no País, e analisam o

desenvolvimento sustentável e o papel desta opção no mundo rural, com enfoque em florestas

e agroecologia.

Estes dois primeiros capítulos são mais descritivos, com o objetivo de situar, em linhas

gerais, tanto a questão fundiária quanto a questão florestal no Brasil. São assuntos vastos e

complexos e, para este trabalho, é oferecida apenas uma visão geral para contextualizar o

objeto de estudo.

O “Capítulo III – Comunicação, transferência de tecnologia e extensão rural” mostra

como ocorre a apreensão do conhecimento e sua relação com a educação e a comunicação,

com enfoque nos conhecimentos gerados pela pesquisa agropecuária e florestal no Brasil, em

espacial a Embrapa, e uma de suas Unidades, a Embrapa Florestas. Com o acompanhamento

da história da assistência técnica brasileira, é discutido o embate entre os termos “difusão x

transferência” e porque a Embrapa se insere neste contexto. Onde está este “meio de

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caminho” entre a transferência e a difusão. Também é mostrado como se realiza a assistência

técnica hoje no País (empresas de assistência técnica, organizações de pesquisa estaduais,

organizações não-governamentais e a própria Embrapa) e aqui os elementos de comunicação

já podem ser observados. É feita uma análise da transferência de tecnologia (TT) nas áreas

florestal e ambiental. E, por fim, uma discussão entre comunicação rural, difusão e

transferência de tecnologia.

O “Capítulo IV – Comunicação e mobilização social” trata sobre como a comunicação

pode interagir para facilitar o processo de transferência de tecnologias, com conseqüente

mobilização social para o desenvolvimento sustentável. É utilizado o referencial da Teoria da

Mobilização Social e os níveis de comunicação: micro, macro e massa, com suas principais

características.

O “Capítulo V – A realidade estudada: os assentamentos de Bituruna/PR” descreve a

região e o contexto onde estão inseridos os assentamentos estudados, e traça um perfil dos

assentamentos, dos assentados entrevistados e dos técnicos que fizeram parte da pesquisa.

O “Capítulo VI – Estudo de caso: onde a comunicação gera mobilização” traz a

pesquisa de campo realizada por meio de estudo de caso com observação direta. Relata o

papel dos atores sociais envolvidos na assistência técnica aos assentados além de descrever o

que foi observado em momentos específicos: visitas, reuniões, cursos, jornais/vídeos/rádio.

Traça um paralelo entre o que foi percebido in loco no processo de observação direta, com as

entrevistas realizadas com os assentados que participaram destes momentos, em contraposição

às análises realizadas sobre os níveis de comunicação.

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Cap 1

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Em 1970, a população rural brasileira representava 44,1% da população do País.

Dados do último Censo oficial, realizado no ano 2000, mostram que este percentual caiu

bastante: 18,8%. Além disso, a população total praticamente dobrou neste período1 (de 93

milhões para 170 milhões de pessoas). Na perspectiva da sociedade urbana, considerada aqui

aqueles que moram em grandes e médias cidades, isso pode ser discutido em termos

econômicos, sociais, antropológicos, entre outros. Ou seja, um olhar de fora, de quem não

vive o cotidiano rural. Mas também é cada vez mais necessária a análise sobre como são os

reflexos no espaço rural, não só em termos econômicos, de produtividade, tecnologias etc,

mas também em termos de processos sociais. Afinal, o que isso representa para aqueles que

optam por permanecer no campo? É a produção agropecuária o único trabalho realizado no

campo? Que outras realidades podemos ali encontrar? Qual a radiografia do espaço rural

brasileiro?

Além disso, um fenômeno recente tem chamado a atenção: o êxodo urbano. Apesar

das estatísticas comprovarem ainda a grande diferença populacional entre o urbano e o rural,

nota-se um fluxo migratório inverso das grandes cidades para o interior. Isso pode ser

explicado de duas formas. De um lado, cresce o número de pessoas que saem das grandes

regiões metropolitanas em busca de qualidade de vida e optam por viver em pequenas

cidades, muito próximas do rural. Segundo Antongiovanni (20022),

na década de 90 é detectado um processo de desmetropolização associado ao êxodo urbano, isto é, movimento numeroso de população entre cidades de diversos tamanhos e diversas regiões. A difusão da modernização no interior propicia uma migração para as cidades menores.

Por outro lado, as condições de vida nas grandes cidades, ou a falta delas, tais como

desemprego, falta de moradia entre outros, também têm contribuído para o êxodo urbano.

É certo que todas as perguntas feitas anteriormente podem e merecem ser respondidas,

e no presente trabalho vou me ater à realidade dos assentamentos rurais, objeto deste estudo.

1 Dados gerados pelo Sistema Sidra no site <http://www.sidra.ibge.gov.br> . Acesso em 25 abr. 2007. Dados estatísticos também disponíveis em ESTATÍSTICAS do meio rural. 2. ed. São Paulo: DIEESE; Brasília: MDA, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2006. Disponível em: <http://www.nead.org.br/index.php?acao=biblioteca&publicacaoID=328>. Acesso em: 02 dez. 2006. 2 Disponível em <http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/consnac/ocupa/procurb/pmigra/index.htm> Acesso em 10 jan. 2007.

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Breve histórico da questão fundiária no Brasil

Para melhor entender o processo de Reforma Agrária, é necessário um breve resumo

do histórico da questão fundiária no Brasil. Diversos autores têm estudado a evolução do

mundo rural no País, sob diversos aspectos, tais como Prado Júnior (décadas de 1960 e 1970),

Martins (a partir da década de 1960), Graziano da Silva (a partir da década de 1980), Ianni (a

partir da década de 1970), Graziano (a partir da década de 1990). Para este trabalho, vou

utilizar o resumo cronológico de Stédile (2005), pois traz uma visão de quem está

intimamente ligado à luta dos movimentos sociais pela terra, sem abrir mão dos autores

clássicos e contemporâneos. A Tabela 01 apresenta um quadro-resumo com as principais

idéias do histórico da questão fundiária brasileira até 1964:

Tabela 01 – Questão fundiária brasileira (50.000 a.C./1964 d.C.) – quadro-resumo

Período Forma de participação Forma de produção Economia

50.000 a.C.

a 1.500 d.C.

• Famílias, tribos, clãs – nômades • Caça, pesca,

extração, domínio

parcial da agricultura

• Comunismo

primitivo

1500 a 1850 • Táticas de dominação:

cooptação e repressão por parte

dos portugueses (descobrimento

ou invasão?)

• Regime de escravidão (negros)

• Transformação de

tudo em mercadoria e

envio à Europa

• Modelo agrícola:

plantation (grandes

extensões com

monocultivo)

• Monopólio da

propriedade pela

coroa portuguesa

(concessão de uso a

colonizadores).

• Modelo agro-

exportador, baseado

no capitalismo

mercantil europeu

1850 a 1930 • Abolição da escravidão

• Participação de imigrantes

• Aparecimento do campesinato

(imigrantes pobres e mestiços)

• Oligarquias rurais fortes

• Regime de colonato • 1850: primeira lei

de terras do País –

propriedade privada

da terra

1930 a 1964 • Oligarquias rurais perdem

espaço para burguesia industrial

• Surge a burguesia agrária

• Êxodo rural

• Subordinação

econômica e política da

agricultura à indústria

• Camponeses se

vinculam às regras

de mercado e se

integram à indústriaPichelli (2007) adaptado de Stédile (2005).

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Percebe-se que a questão da concentração de terras nas mãos de poucos sempre foi um

ponto importante no debate sobre a questão fundiária. Em um texto de 1960, Prado Junior já

analisava que o problema da Reforma Agrária tem suas

raízes dialéticas no antagonismo e contradição entre a reduzida minoria de grandes proprietários que detêm o monopólio virtual da terra, e controlam portanto as oportunidades de ocupação e trabalho na agropecuária brasileira, e doutro lado, a massa trabalhadora do campo, que depende dessas oportunidades para conseguir seus meios de subsistência. Os trabalhadores rurais alcançarão uma posição melhor na luta por suas reivindicações imediatas, e mais facilmente se beneficiarão dela, na medida em que as oportunidades de trabalho e ocupação não forem unicamente as proporcionadas pelos grandes proprietários. Haverá sempre a alternativa de se estabelecerem por conta própria em terras de sua propriedade. Circunstância essa que naturalmente terá grande peso no mercado de trabalho rural, favorecendo a parte ofertante da força de trabalho. (PRADO JR., 2005, p.80)

O Estatuto da Terra

Um grande avanço na discussão da questão da terra no Brasil foi a promulgação, em

30/11/1964, do Estatuto da Terra3. Embora seja uma lei datada de mais de 40 anos atrás e

muitas outras leis e decretos já tenham sido promulgados no tocante a esta questão, foi o

Estatuto que melhor aprofundou e trouxe propostas para tentar organizar e solucionar as

demandas referentes ao mundo rural. Desde sua publicação, até hoje, o Estatuto é considerado

uma das leis mais progressistas, embora tenha sido editado por um governo da ditadura

militar. No entanto, em entrevista concedida ao Núcleo de Estudos Agrários e

Desenvolvimento Rural – NEAD, o antropólogo social Mário Grynszpan considera que a

implantação do Estatuto durante o governo militar serviu mais para acalmar os ânimos dos

movimentos sociais pela terra do que para dar um sinal progressista diante da Reforma

Agrária no País:

em que pese o fato do Estatuto da Terra ter sido, efetivamente, um avançado instrumento em sua época, qualificá-lo como uma ação progressista do governo militar de 64 não seria exato, no meu medo de ver [...] tanto é assim que, já em um outro contexto, a partir de fins da década de 1960, com a retomada progressiva das lutas das organizações de trabalhadores rurais, ele foi retomado como base legal para a mobilização pela reforma agrária. Foi esse contexto, e esse uso político do Estatuto da Terra que, em larga medida, pesou para que dele fosse feita uma leitura mais positiva. (NEAD, 20054)

3 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4504.htm> . Acesso em 22 ago 2006. 4 Disponível em: <http://www.nead.org.br/boletim/boletim.php?noticia=1381&boletim=270> . Acesso em 22 ago 2006.

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Feitas essas considerações a respeito do papel histórico e político do Estatuto, é

importante entender qual foi a inovação que propôs. Um dos pontos principais é o que

assegura a todos o direito de acesso à terra, condicionada pela sua função social. De acordo

com o Estatuto, a propriedade da terra cumpre a função social integralmente quando:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim

como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os

que a possuem e a cultivem.

Tais pontos são tão importantes que foram incorporados à Constituição da República

Federativa do Brasil (Artigo 5º, incisos XXII e XXIII)5. Ainda segundo a Carta Magna, no

Artigo 186, “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,

segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio

ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

Percebe-se que, de 1964 para cá, manteve-se, com alguns ajustes e

complementaridades, o que se considerava como função social da propriedade rural. E esta

tem sido a bandeira dos movimentos sociais na luta pela terra.

O processo de assentamento em si é bastante complexo e envolve diversas variáveis.

Uma síntese de como se dá esse processo pode ser encontrado no Anexo 1 – Processo de

Criação de Assentamento.

5 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> . Acesso em 12 jan 2007.

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Realidade fundiária hoje

Para compreender melhor o que acontece hoje, é preciso ter uma noção quantitativa da

estrutura fundiária do país, conforme a Tabela 026.

Tabela 02 - Estrutura Fundiária – Brasil 2003 Imóveis Área Total Estratos

Área (ha) Nº de Imóveis % Hectares % Área Média

Hectares Até 10 anos 1.138.771 31,6 7.616.113 1,8 5,7 De 10 a 25 1.102.999 26,0 18.985.869 4,5 17,2 De 25 a 50 684.237 16,1 24.141.638 5,7 35,3 De 50 a 100 485.482 11,5 33.630.240 8,0 69,3 De 100 a 500 482.677 11,4 100.216.200 23,8 207,6 De 500 a 1000 75.158 1,8 52.191.003 12,4 694,4 De 1000 a 2000 36.859 0,9 50.932.790 12,1 1.381,8 Acima de 2000 32.264 0,8 132.631.509 31,6 4.110,8

TOTAL 4.238.447 100,0 420.345.362 100,0 99,2 Fonte: Incra. II PNRA Obs.: Situação em agosto de 2003

Percebe-se que 57,6% do número de imóveis possuem até 25 hectares (ha). Ou seja,

mais da metade da quantidade de imóveis rurais no país é constituída por pequenas

propriedades. Depois, 39% possuem de 25 a 500 ha e 3,5% acima de 500 ha. Se, por um lado,

o número de pequenas propriedades perfaz mais da metade do total, por outro representam

somente 6,3% da área total ocupada pelos imóveis fundiários, o que representa uma grande

desigualdade. Isso é confirmado pelo Índice de Gini da propriedade da terra da Tabela 03.

Tabela 03 - Evolução do Índice de Gini7 da propriedade da terra Brasil 1967 - 2000

Ano Índice

1967 0,836

1972 0,837

1978 0,854

1992 0,831

1998 0,843

2000 0,802 Fonte: Incra. O Brasil Desconcentrando Terras / Elaboração: DIEESE

6 As Tabelas 02 e 03 estão presentes na publicação ESTATÍSTICAS do meio rural (2006), que constitui uma consolidação de informações estatísticas de diversas instituições oficiais em uma só publicação. 7 É um indicador de desigualdade muito utilizado para verificar o grau de concentração de terra e da renda. Varia no intervalo de zero a 1, significando que quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade na distribuição, e, quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade. Os valores extremos, zero e 1, indicam perfeita igualdade e máxima desigualdade, respectivamente.

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Um retrato da evolução da Reforma Agrária no País pode ser encontrado nas Tabelas

04 e 05, que demonstram um sensível aumento no número de famílias assentadas, projetos de

assentamento e área desapropriada. É importante notar que de 2004 para 2005 observou-se

uma duplicação no número de projetos de assentamentos (de 426 para 880), assim como um

aumento significativo de famílias assentadas (de 81.254 para 127.506). Resta saber, no

entanto, como vivem estas famílias, se a terra está sendo de fato fonte de sobrevivência, que

uso fazem desta terra e como são incorporadas as tecnologias pelos assentados.

Tabela 04 – Famílias assentadas

Ano Famílias assentadas Média anual 1995 42.912 1996 62.044 1997 81.944 1998 101.094

Assentamentos por gestão 287.994

1999 85.226 2000 60.521 2001 63.477 2002 43.486

67.588 Assentamentos por

gestão 252.710

2003 36.301 2004 81.254 2005 127.506 2006 136.358

95.355

Assentamentos por gestão 381.419

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (2006)

Tabela 05 – Projetos de assentamento Implantação de projetos Ano

Número de projetos (Área / ha) Hectares por

gestão 1995 387 2.544.688 1996 466 2.451.405 1997 701 3.455.917 1998 753 2.802.086

11.254.096

1999 670 2.109.418 2000 417 2.158.702 2001 477 1.837.883 2002 384 2.501.318

8.607.321

2003 320 4.573.173 2004 426 3.511.434 2005 880 14.193.094 2006 717 9.402.089

31.679.790

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (2006)

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Embora sejam notados avanços tanto no Índice de Gini quanto nos números da

Reforma Agrária, o país ainda está muito distante de uma realidade satisfatória, pois se

encontra com um índice muito alto na escala de desigualdade. Além disso, a posse da terra é

apenas o começo de uma jornada que interfere de forma direta na sociedade. Reydon,

Escobar, Berto8 (1999) colaboram com a seguinte análise sobre os assentamentos de Reforma

Agrária:

Atualmente, os assentamentos de reforma agrária ocupam um espaço crescente no debate social brasileiro devido ao potencial e à contribuição que estes agentes econômicos podem dar para criação de emprego e diminuição do êxodo rural, o aumento da oferta de alimentos, incrementos na produção agrícola e para a elevação do nível de renda e a conseqüente melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores rurais brasileiros.

Mesmo sendo uma análise de 1999, e considerando que o espaço rural é bastante

dinâmico, a reflexão é extremamente atual. Cada vez mais novas técnicas de cultivo são

colocadas em prática, com uma preocupação também bastante recente: o meio ambiente.

Como será visto no Capítulo II, a sustentabilidade perpassa questões econômicas, sociais e

ambientais, que são cada vez mais conhecidas e aplicadas. A reflexão dos autores continua.

A demanda social por terra, aumentada em períodos recentes no Brasil, decorre do fato real de que, para uma grande parte de trabalhadores, a intenção de conseguir um posto de trabalho torna-se cada vez mais difícil e, quando aparece, é temporário e com os riscos provocados pela flexibilização e precarização do mercado de trabalho. A principal política de democratização do acesso à terra, seja por sua importância econômica como agente dinamizador da agricultura como por seu impacto político na mídia, tem sido os assentamentos rurais (REYDON, ESCOBAR E BERTO9, 1999).

Apesar de concordar com a assertiva, não são todos os que comungam desta reflexão.

Xico Graziano10, por exemplo, é um dos árduos rebatedores da Reforma Agrária como uma

política de distribuição de terras: “essa receita distributivista, goste-se ou não, não funciona

mais, faz parte de um mundo ultrapassado pela tecnologia e pela urbanização” (GRAZIANO,

2004, p.17). Para o autor, não existem mais latifúndios improdutivos onde possa se basear a

Reforma Agrária; os assentamentos não produzem; o assistencialismo no campo gera cada

vez mais pobreza, ou até mesmo a miséria. A pergunta que fica para o presente trabalho é: em

que medida a falta de produção nos assentamentos pode ser creditada à falta de orientação, de

8 Disponível em <http://gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/sober/sober.html>. Acesso em: 28 jul. 2003. 9 Disponível em <http://gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/sober/sober.html> Acesso em: 28 jul. 2003. 10 Xico Graziano é engenheiro agrônomo. Foi deputado federal, secretário da agricultura do Estado de São Paulo, presidente do Incra e chefe de gabinete pessoal do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Atualmente é Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

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transferência de tecnologia e à ausência de mecanismos de comunicação que propiciem a

compreensão do cultivo e manejo de terra assentada com a sustentabilidade desejável?

Apesar de concordar que somente a distribuição realmente não soluciona o problema,

há que se considerar que a mecanização da agricultura propiciou chance a grandes produtores

que, com esta prática, puderam aumentar seus lucros. Enquanto isso, pequenos e médios

produtores empobrecem cada vez mais. E muitos acabam indo para a cidade, tentar melhor

sorte. Ledo engano. Em um país com índices de desemprego alarmantes, ir para a cidade

produz somente mais pobreza.

A Reforma Agrária pode constituir, então, em uma forma de re-significar a

importância das pequenas e médias propriedades. Não quero dizer com isso que se deve

acabar com o grande produtor. Há espaço para todos. Em um país de dimensões continentais e

megadiverso11, as alternativas saltam aos olhos. Basta ter vontade para fazer acontecer.

Simples? Nem tanto.

É necessário que ocorra uma verdadeira revolução nas formas de ser do rural hoje. A

forma como se faz a Reforma Agrária deve sim ser repensada, não se preocupando somente

com números para causar apelo de mídia. A qualidade tem que passar a ser o foco,

entendendo-se aqui qualidade como estrutura, assistência técnica, apoio, capacitação, entre

outros itens que, na maioria das vezes, estão somente no papel.

Mais ainda: como afirmei anteriormente, o espaço rural não é mais somente aquele da

produção agropecuária. A questão florestal, por exemplo, cada vez mais ganha espaço, como

alternativa de sustentabilidade. Práticas agroecológicas, que serão explicitadas no Capítulo II,

comprovam que o uso da terra não precisa produzir degradação ambiental. É até uma

controvérsia imaginar que a agricultura, tão ligada à terra, possa causar danos à própria terra.

Mas é isso o que tem acontecido, com o empobrecimento dos solos e a contaminação

principalmente dos cursos d’água.

O lugar do assentamento rural na pós-modernidade

Em um continente marcado pela desigualdade como a América Latina, a luta pela terra

ainda é árdua. Vive-se atualmente a dicotomia entre parte da população com acesso ao que há

de mais avançado tecnologicamente por um lado e, por outro, pessoas na miséria, tanto física

quanto intelectual. Isso parece ser o reflexo prático da análise de Boaventura de Sousa Santos

sobre a pós-modernidade, também conhecida como “crise da modernidade”. O autor destaca

11 O Brasil é considerado um país megadiverso por possuir uma das maiores diversidades biológicas do mundo. Este termo é bastante utilizado nas discussões mundiais sobre biodiversidade.

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que a pós-modernidade é fruto das promessas que a modernidade não cumpriu por um lado e

do que cumpriu em excesso por outro:

o paradigma cultural da modernidade constituiu-se antes de o modo de produção capitalista se ter tornado dominante e extinguir-se-á antes de este último deixar de ser dominante. A sua extinção é complexa porque é em parte processo de superação e em parte processo de obsolescência. É superação na medida em que a modernidade cumpriu algumas das suas promessas e, de resto, cumpriu-as em excesso. É obsolescência na medida em que a modernidade está irremediavelmente incapacitada de cumprir outras de suas promessas (SANTOS, 1999, p. 76).

Este excesso e esta obsolescência/déficit são sentidos fortemente na questão da terra.

Déficit porque existe um vácuo entre aqueles que evoluíram no mundo rural e aqueles,

geralmente pequenos produtores, que continuam na ausência de diversos fatores. Não é

somente a distribuição da terra em si, mas também do acesso a tecnologias de produção de

ponta, crédito, condições de negociação, entre outros. Enquanto, por um lado, grandes

produtores estão altamente tecnificados e inseridos no mundo moderno, por outro, pequenos

agricultores ainda produzem em regime de subsistência, com baixa qualidade e totalmente

fora do mercado.

Movimentos sociais

A atuação dos movimentos sociais entra neste “vácuo” entre excesso e déficit. E, na

questão da terra gerou, em diversos momentos da história brasileira, ações ou movimentos da

sociedade civil pela luta pela terra. Gohn (2003, p.141) faz um resumo histórico das lutas e

movimentos populares pela terra e ressalta que já na época da escravidão “a aquisição de um

pedaço de terra para produzir e nela habitar se constitui em um sonho da maioria da

população pobre do campo”.

De história mais recente, e associada à questão de mobilização social, cumpre ressaltar

a importância de instituições tais como a Associação Brasileira de Reforma Agrária – Abra,

Comissão Pastoral da Terra – CPT, Via Campesina e Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem-Terra – MST.

Criada em 1967, a Abra12 tem como objetivo fomentar e discutir a Reforma Agrária no

Brasil. Já na transição da ditadura militar amplia seu foco de atuação e passa também a militar

na consolidação de sindicatos e movimentos populares. Participou ativamente das discussões

12 Informações disponíveis em <http://www.uel.br/cch/cdph/index.php?content=agenda_nov_exposicao3.htm> . Acesso em 22 ago 2006.

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da Constituinte (1988) e dos debates nas eleições presidenciais de 1989 e 1994. Até 2001

produzia uma revista acadêmica13 onde a Reforma Agrária era amplamente debatida14.

Já a CPT foi criada no âmbito da Igreja Católica em um Encontro de Pastoral da

Amazônia, em junho de 1975. Aos poucos, foi tomando um caráter ecumênico. Em plena

época de ditadura militar, o fato de estar vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil – CNBB, conferiu certa liberdade de atuação à CPT: “ela [a CPT] nasceu ligada à

Igreja Católica porque a repressão estava atingindo muitos agentes pastorais e lideranças

populares, e também, porque a igreja possuía uma certa influência política e cultural”(CPT15).

Do trabalho com posseiros da Amazônia à atuação nacional foi um passo, uma vez que o

problema na terra sempre foi gritante em todo o País.

É emblemática para este trabalho a forma de atuação da CPT, conforme analisa Gohn

(2003, p.143):

A pedagogia da Igreja teve grande sucesso no meio popular porque, a princípio, soube respeitar o modo de raciocinar do camponês, sua visão de mundo e forma de se expressar, valorizando sua fala, suas canções, poesias, sua cultura em síntese. A cruz e a visão de um processo que se constituía numa ‘caminhada’ foram os símbolos mais característicos da liturgia, que fez da educação de base uma arte da prática profética. Oscilando entre o imaginário das representações, através de exercício de grupo como o desenho de como se gostaria que a realidade fosse, e a dureza das condições concretas vivenciadas no cotidiano, faziam-se comparações entre o sonho e a realidade, e delineavam-se os caminhos a percorrer na ‘caminhada’.

Esta formulação de imaginário segue os preceitos da Teoria da Mobilização Social e

será melhor explicitado no Capítulo IV.

A Via Campesina, criada em abril de 1992, tem atuação internacional e sede atual na

Indonésia. Constitui, atualmente, em um dos mais importantes movimentos da sociedade civil

engajado na luta pela terra e Reforma Agrária e tem como objetivo “desenvolver a

solidariedade e a unidade na diversidade de organizações, para promover relações econômicas

de igualdade e justiça social, preservação da terra, soberania alimentar, produção agrícola

13 O acervo da Abra foi doado, em 2001, ao Centro de Documentação e Pesquisa Histórica da Universidade Estadual de Londrina – Paraná. 14 Infelizmente, pelas pesquisas realizadas, perece-me que a Abra perdeu força institucional. Em pesquisa no sítio de busca Google (<http://www.google.com.br>) a organização é bastante citada, mas não existem informações atuais disponibilizadas na Rede. Em diversos locais encontrei endereços de contatos para os quais escrevi e não obtive retorno sobre as atividades da Abra. Tentei, inclusive, contatos telefônicos, mas os mesmos foram infrutíferos. A informação mais atualizada é que o presidente da Abra é Plínio de Arruda Sampaio, com o qual também tentei contato, mas sem sucesso. 15 Disponível em <http://www.cptnac.com.br> . Acesso em 23 ago 2006.

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sustentável e igualdade baseada na produção em pequena e média escala” (VIA

CAMPESINA16, 2006).

A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas, pequenos e médios produtores, mulheres rurais, comunidades indígenas, gente sem terra, jovens rurais e trabalhares rurais migrantes. Defendemos os interesses básicos de nossos membros. Somos um movimento autônomo, plural, independente, sem nenhuma afiliação política, econômica ou de outro tipo. As organizações que formam a Via Campesina vêm de 56 países da Ásia, África, Europa e do continente Americano, organizadas em oito regiões: Europa; Leste e Sudeste da Ásia; Sul da Ásia; América do Norte; Caribe; América Central, América do Sul; e África (VIA CAMPESINA17, 2006)

Mais específico de interesse para o presente estudo é o que hoje pode ser considerado

o maior movimento de luta pela terra no país: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra – MST18. Tal interesse deve-se ao fato não somente de ser o maior, mas também ao fato

de o corpus de estudo serem assentamentos vinculados ao MST.

Gestado dentro da própria CPT e fortemente vinculado à Via Campesina, o MST19 é

oficializado formalmente como movimento nacional em 1984, durante um encontro em

Cascavel, Paraná. Hoje, é considerado o maior movimento na luta pela Reforma Agrária no

país. Sua atuação, no entanto, amplia a questão da posse da terra:

o MST entende que seu papel como movimento social é continuar organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanças. Nos 23 estados em que o Movimento atua, a luta não só pela Reforma Agrária, mas pela construção de um projeto popular para o Brasil, baseado na justiça social e na dignidade humana (MST20, 2001).

Uma das principais formas de atuação do MST é a ocupação de terras. É um termo

bastante controverso, pois enquanto o MST chama de ocupação, os proprietários chamam de

invasão. Morissawa (2001, p.132) esclarece:

na maioria das vezes, a imprensa usa a palavra invasão, em vez de ocupação, para designar a entrada e o acampamento dos sem-terra dentro de uma fazenda. É preciso que fique claro que a área ocupada pelos sem-terra é sempre, por princípio, terra grilada, latifúndio por exploração, fazenda improdutiva ou área devoluta21.

16 Disponível em <http://www.viacampesina.org>. Acesso em: 23 jan. 2007. Tradução feita pela autora. 17 Disponível em <http://www.viacampesina.org>. Acesso em: 23 jan. 2007. Tradução feita pela autora. 18 Existem outros movimentos de luta pela terra, mas com menor expressão, como por exemplo o Movimento de Libertação dos Sem Terra – MLST e o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade - MTL. 19 Para conhecer melhor a história da criação do MST, recomenda-se a leitura de MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. 20 Disponível em <http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=1> . Acesso em 27 jan 2007. 21 Grifos originais

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Além da ocupação, outras estratégias do MST são: acampamento permanente, marchas

pelas rodovias, jejuns e greves de fome, ocupação de prédios públicos, acampamentos nas

capitais, acampamentos diante de bancos, vigílias e manifestações nas grandes cidades

(MORISSAWA, 2001).

Para realizar estas atividades, o movimento está organizado em frentes de trabalho:

- Frente de Massa: formação dos grupos de famílias com a realização de trabalhos de

base e conscientização. A Frente de Massa está presente principalmente nos

acampamentos, manifestações e negociações para a conquista da terra;

- Setor de Formação: conscientização do sem-terra com formação sociopolítica, para

que compreendam o sistema político e econômico e as razões históricas da luta pela

terra;

- Setor de Educação: trabalha com a escola para crianças e alfabetização de jovens e

adultos;

- Setor de Produção: com a visão de que a luta não termina com a conquista da terra, o

Setor de Produção foi criado no sentido de apoiar os assentados estabelecendo novas

relações de produção;

- Sistema Cooperativista dos Assentados: responsável pelos trabalhos ligados

diretamente aos assentamentos rurais, com ênfase em cooperação agrícola.

(MORISSAWA, 2001).

Além destas frentes de trabalho, o MST também está subdividido em instâncias de

representação, que são os espaços políticos onde são decididas as formas de atuação:

congresso nacional, encontro nacional, coordenação nacional, direção nacional, encontros

estaduais, coordenações estaduais, direções estaduais, coordenações regionais, coordenações

de assentamentos e acampamentos e grupos de base.

A atuação do MST junto aos assentamentos rurais é fortemente caracterizada pela

aplicação de métodos de produção sustentáveis, com destaque para a produção agroecológica

e respeito ao meio ambiente, como será melhor demonstrado no próximo capítulo.

Conhecer, mesmo que de forma breve, como funciona o MST vai influenciar depois

nas reflexões feitas nas entrevistas com os assentados e técnicos.

Pertencer a este movimento, ou mesmo a outros ligados à luta pela terra, não significa

somente querer a terra em si. Isso pressupõe estar organizado e reivindicando direitos de todo

tipo. A luta pela terra é somente o primeiro passo. A identidade não é mais somente de

resistência, como apontado por Castells (1999), hoje é uma identidade de projeto, “quando os

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atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constróem

uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a

transformação de toda a estrutura social” (CASTELLS, 1999, p. 24). Isso acontece quando

reivindicações como educação, saúde, participação política entre outros passam a fazer parte

das estratégias de ação. É essa a percepção de Zitkoski (2000, p.317) quando estuda

Habermas e a nova forma de ser dos movimentos sociais:

Não são movimentos ligados ao núcleo produtivista dos sistemas sociais, mas relacionados com as questões sócio-comunicativas da reprodução e re-significação das formas de vida em sociedade consideradas em seu todo. Por tal motivo não existe um modelo de movimento social emancipatório que consiga abarcar a diversidade de luta e potencial de conflitos hoje presentes em nossas sociedades concretas. A prática dos novos movimentos sociais se dirige contra a burocratização do trabalho, contras as pressões do mercado e a competitividade imposta pela razão sistêmica, contra os padrões consumistas hoje reinantes nos planos estratégicos da expansão capitalista. Diante desse quadro de resistência, os movimentos sociais alternativos (...) se caracterizam pela exigência de abrir novos espaços de participação comunicativa da sociedade civil em busca da reinvenção da democracia e das formas de exercício do poder institucionalizado.

Gohn (2003, p.16) mostra como isso acontece no plano prático:

(...) as novas práticas civis das sociedades brasileiras estão desempenhando o papel de produtoras de significado político, impactando o desenvolvimento da sociedade civil e política e formando as bases de um projeto democrático, plural, cidadão. Uma nova utopia nasce e se alimenta a partir de nossa própria realidade, com suas carências e virtualidades. Está-se construindo uma nova concepção de cidadania, coletiva e ampliada.

A autora retoma “Habermas (1976) quando trata os movimentos sociais não apenas

como espaço para pensarmos as transformações sociais do ponto de vista do poder político,

mas também do ponto de vista estrutural” (GOHN, 2003, p.21).

Habermas afirma que existe um novo paradigma para a sociedade: sobre como, por

meio da comunicação, se dá o processo democrático. Sobre como, ao deixar de olhar somente

sobre a sua subjetividade, o ser humano passa a se perceber como ser intersubjetivo, e que

nessa relação entre seres se dá a transformação social. Para Zitkoski (2000, p. 286), ao

analisar a Razão Comunicativa de Habermas, “a relação intersubjetiva tem como meta a

construção de sentidos partilhados de forma solidária e comunicativa”. Essa compreensão

também está presente em Toro, quando ele afirma que a mobilização social se dá quando

temos propósitos e sentidos compartilhados por meio de ações de comunicação, e que será

aprofundado no Capítulo IV.

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Cap. 2

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No primeiro capítulo foi dada uma idéia geral da questão fundiária no País. Neste

capítulo a intenção é trazer um panorama geral sobre outro tema presente na discussão desta

dissertação: o desenvolvimento sustentável, e sua relação com o mundo rural, em especial

com a questão florestal.

Desenvolvimento sustentável

O primeiro conceito, o de desenvolvimento sustentável, traz em si diversas discussões.

Menezes (1998, p.249) afirma que “trabalhar com a categoria sustentabilidade [e aqui me

refiro também a desenvolvimento sustentável, pois são conceitos associados] exige considerar

o nível de imprecisão conceitual existente, travando-se hoje intensa disputa entre diferentes

correntes de pensamento que debatem o tema”.

Martins1 (2001) faz uma análise histórica, e situa a discussão na Europa e Estados

Unidos, como por exemplo na Grã-Bretanha já no século XVIII e Alemanha e Estados Unidos

no século XIX. Já as discussões sobre a terminologia correta e significações para

desenvolvimento sustentável remontam aos anos 1970 (MARTINS, 2001).

No Brasil, Pádua (2004) faz uma análise da destruição e exploração do meio ambiente

à luz de pensadores entre 1786 e 1888. Desde aquela época já havia uma crítica ambiental

brasileira, baseada mais em aspectos políticos que românticos (que era o que acontecia, por

exemplo, em países como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos). Políticos de importância,

como José Bonifácio, já demonstravam em seus discursos preocupação com o uso do meio

ambiente. Para Pádua (2004, p.26), “é de destacar, neste sentido, que investigações teóricas

recentes, indo ao encontro do que foi possível observar no caso brasileiro, têm enfatizado o

lugar central da herança iluminista e do racionalismo crítico na formação do moderno

pensamento ambientalista”.

A definição clássica de desenvolvimento sustentável, e sob a qual desenvolvo minhas

reflexões, afirma que "uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz as suas necessidades

sem diminuir as possibilidades das gerações futuras de satisfazer as delas". Este termo foi

introduzido no início da década de 1980 por Lester Brown (Capra, 2005) e utilizado,

posteriormente, em relatórios da Nações Unidas, entre eles o Informe Brundtland, de 1987,

considerado o precursor das discussões sobre desenvolvimento sustentável. Esta mesma

definição tem sido amplamente utilizada por organizações não-governamentais, tais como

1 Disponível em <http://www.pronaf.gov.br/dater/arquivos/0811710317.pdf> . Acesso em: 06 dez. 2006.

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WWF2 (2006) e Greenpeace3 (s.d.); e organismos governamentais em todo o mundo, tais

como a própria ONU4 e organismos associados, como o PNUMA5.

No Brasil, o conceito foi discutido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –

IBGE6 (2004). Apesar de extenso, retrata bem como a questão é (ou pelo menos deveria ser)

vista no país:

Desenvolvimento sustentável: paradigma de desenvolvimento surgido a partir das discussões das décadas de 70 e 80 do século XX sobre os limites ao crescimento da população humana, da economia e da utilização dos recursos naturais. O desenvolvimento sustentável procura integrar e harmonizar as idéias e conceitos relacionados ao crescimento econômico, a justiça e ao bem estar social, a conservação ambiental e a utilização racional dos recursos naturais. Para tanto considera as dimensões social, ambiental, econômica e institucional do desenvolvimento. [...] Ainda não foi alcançado um consenso sobre seu conceito, que tem se modificado muito rapidamente, estando em construção. Em termos sociais o desenvolvimento sustentável propõe a repartição mais justa das riquezas produzidas (justiça social), a universalização do acesso à educação e à saúde, e a eqüidade entre sexos, grupos étnicos, sociais e religiosos, entre outros aspectos. Para ser sustentável o desenvolvimento tem de significar melhoria na qualidade de vida de toda a população, assegurando condições de vida dignas a todos e justiça social. Do ponto de vista ambiental, o desenvolvimento sustentável propõe a utilização parcimoniosa dos recursos naturais, de forma a garantir o seu uso pelas gerações futuras. Para tal, propõe que os recursos naturais renováveis sejam usados aquém de sua capacidade de renovação, e os não renováveis de forma parcimoniosa, permitindo o seu uso pelo máximo de tempo e de gerações. Propõe, ainda, a preservação de amostras significativas do ambiente natural, de forma a garantir a manutenção dos serviços ambientais que estas áreas propiciam e a qualidade de vida da população do entorno. Uma das características deste novo paradigma de desenvolvimento é o compromisso e a preocupação com as condições de vida das próximas gerações. Quanto a economia, o desenvolvimento sustentável postula o crescimento baseado no aumento da eficiência de uso da energia e dos recursos naturais. O desenvolvimento sustentável postula também mudanças nos padrões de consumo da sociedade e nos padrões de produção, com a redução do desperdício e maior consciência dos impactos causados pelo uso

2 World Wide Fund for Nature. Disponível em <http://www.wwf.org.br/informacoes/questoes_ambientais/desenvolvimento_sustentavel/index.cfm> . Acesso em 24 fev. 2007. 3 Disponível em <http://www.greenpeace.org.br/duvidas/amazonia.php?PHPSESSID=#1>. Acesso em 24 fev. 2007. 4 As Organizações das Nações Unidas – ONU, têm, em seu projeto “Objetivos do Milênio” a sustentabilidade do meio ambiente como um de seus focos. Tal objetivo é descrito como “Incorporar los principios de desarrollo sostenible en las políticas y los programas nacionales”. Os Objetivos do Milênio são um conjunto de metas em esforço mundial para seu cumprimento. Disponível em <http://www.un.org/spanish/millenniumgoals/index.html#> Acesso em 25 fev. 2007. 5 O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, tem a seguinte missão: “Dirigir y alentar la participación en el cuidado del medio ambiente, inspirando, informando y dando a las naciones y a los pueblos los medios para mejorar la calidad de vida sin poner en peligro las de las futuras generaciones”. Disponível em <http://www.pnuma.org> . Acesso em 25 fev. 2007. 6 Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/vocabulario.shtm> . Acesso em: 11 fev. 2005.

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dos recursos naturais. Em termos institucionais, o desenvolvimento sustentável avalia o grau de participação e controle da sociedade sobre as instituições públicas e privadas, o aparelhamento do estado para lidar com as questões ambientais, o envolvimento em acordos internacionais, o montante de investimento em proteção ao meio ambiente, ciência e tecnologia e o acesso a novas tecnologias. A dimensão institucional trata da orientação política, da capacidade e do esforço despendido pela sociedade para que sejam realizadas as mudanças necessárias a efetiva implementação deste novo paradigma de desenvolvimento. Neste novo paradigma, a palavra desenvolvimento leva em conta não apenas o crescimento da atividade econômica, mas também as melhorias sociais, institucionais e a sustentabilidade ambiental, buscando, em última análise, garantir o bem estar da população a longo prazo, assegurando um meio ambiente saudável para as futuras gerações.

Mas, apesar de toda profundidade do conceito, o desenvolvimento econômico é

colocado à frente de muitas discussões, o que desmonta a complexidade e necessidade de se

olhar a questão do desenvolvimento como um todo. E isso tem raízes históricas. Pádua

(2004), quando analisou o período de 1786 a 1888, encontrou quatro grandes visões, em

diferentes perspectivas, sobre o comportamento cultural dominante na época em relação à

natureza: 1) desvalorização do meio natural, sem se preocupar com sua destruição; 2)

reconhecimento da grandeza da natureza, mas a percepção de que sua exuberância atrapalhava

o desenvolvimento; 3) louvor à pujança do meio natural, mas acatava a idéia de que sua

destruição era um preço a pagar pelo desenvolvimento; 4) louvor intenso ao meio natural de

forma abstrata e ignorância em relação ao seu desaparecimento concreto (PÁDUA, 2004,

p.27). Uma minoria da elite social brasileira, considerados os primeiros críticos ambientais

brasileiros, trabalhava com uma quinta perspectiva: não elogiava a magnitude da natureza

brasileira, mas também não ignorava nem aceitava sua destruição. Pádua (2004, p.28) analisa:

o meio natural foi elogiado por sua riqueza e potencial econômico, sendo sua destruição interpretada como um signo de atraso, ignorância e falta de cuidado. O verdadeiro progresso supunha a conservação e uso correto do mundo natural que, por sua vez, só fazia sentido no contexto desse progresso. A natureza era vista como um objeto político, um recurso essencial para o avanço social e econômico do país.

Já, então, começava esta visão “econômica”, que perpetua até hoje. Tanto é que no

Dicionário Houaiss7, o termo “desenvolvimento sustentável” aparece na rubrica “Economia”,

com a seguinte definição: “desenvolvimento econômico planejado com base na utilização de

recursos e na implantação de atividades industriais, de forma a não esgotar ou degradar os

7 Versão eletrônica consultada em <http://biblioteca.uol.com.br> . Acesso em 28 fev. 2006. Verbete: desenvolvimento.

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recursos naturais; ecodesenvolvimento”. Ou seja, mesmo que em sua definição apareça a

questão dos recursos naturais, só o fato de ser colocado na rubrica “Economia” denota que

esta é a preocupação principal. Este tipo de pensamento é inclusive preocupação da ONU:

o primeiro e mais sério erro na teoria e prática do desenvolvimento já começa neste ponto: a confusão de significados e conclusões, levando, por exemplo, a identificar acúmulo econômico de transformações estruturais com desenvolvimento, sem checar se isto [...] muda realmente a condução do desenvolvimento dos seres humanos8 (UNITED NATIONS, 1979, p. 3).

Esse discurso que atrela o desenvolvimento fundamentalmente e quase que

exclusivamente à economia tem raízes históricas, como explica Brandenburg (1999, p.54):

Os séculos XIX e XX viriam expressar o que seria a sociedade sob a hegemonia da racionalidade científica e do progresso técnico. A economia, através da sua racionalidade, seria a área do conhecimento que arbitraria o papel da ciência e da técnica, e o desenvolvimento passaria a ser sinônimo de crescimento econômico e capacidade de investimento em inovações que aceleram a produção de riquezas materiais de forma ilimitada. Produtividade, eficiência, rentabilidade e lucro, entre outras, seriam as categorias chave para a economia. Assim, como a ciência está para o progresso técnico, esse está para o desenvolvimento ou para o crescimento econômico.

Mas a definição do IBGE anteriormente citada abre um leque de reflexões e áreas do

conhecimento que estão atreladas à questão do desenvolvimento sustentável, que podem ser

resumidos conforme definição de Rabelo (2003, p.24):

hoje, entende-se desenvolvimento sustentável como o progresso simultâneo das dimensões econômica (variável de acordo com o grau de desenvolvimento do país), humana, ambiental e tecnológica. Ou seja, houve uma relativização dos aspectos econômicos e reforçam-se os sociais e políticos.

Então, o desenvolvimento sustentável entendido como um conceito mais amplo,

começa a ganhar espaço, configurando uma crise do paradigma econômico, como explica

Guimarães (2001, p.51), para quem

a compreensão adequada da crise pressupõe, portanto, que esta diz respeito ao esgotamento de um estilo de desenvolvimento ecologicamente depredador, socialmente perverso, politicamente injusto, culturalmente alienado e eticamente repulsivo9. O que está em jogo é a superação dos paradigmas de modernidade que defendem a orientação do processo de desenvolvimento. Talvez a modernidade emergente no terceiro milênio seja a modernidade da sustentabilidade, na qual o ser humano volte a ser parte, antes de estar à parte, da natureza.

8 Texto original em inglês. Tradução feita pela autora. 9 Grifo original do autor.

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Uma estratégia para tentar quebrar este paradigma econômico é justamente usar de

seus instrumentos para convencer sobre a importância do desenvolvimento sustentável. Para

isso, Almeida (1999, p.62) desenvolve a seguinte reflexão:

muitos ecologistas têm, hoje, a convicção de que nossas sociedades já ultrapassaram os limites acima dos quais os instrumentos de trabalho ou de intervenção sobre a natureza se tornam antiprodutivos e começam a produzir efeitos mais negativos que positivos. Segundo eles, frente à produção ‘cega’, que exclui de seus custos a preocupação com os bens ‘gratuitos’ que são o ar, a água, o espaço etc, torna-se urgente desenvolver técnicas econômicas que permitam medir esses custos.

Muitos estudiosos têm se preocupado em realmente mensurar “o valor da natureza”

para, a partir disso, conseguir convencer que o desenvolvimento sustentável tem uma alta

agregação de valor. Costanza et al. (1997, p.253) realizaram um estudo que estimou em U$ 33

trilhões o valor de 17 serviços proporcionados pelo meio ambiente:

Os serviços ambientais e o estoque de capital natural que os produzem são críticos para o funcionamento do sistema de suporte da vida na Terra. Eles contribuem para o bem-estar da humanidade, tanto direta quanto indiretamente, então representam parte do valor econômico total do planeta. Nós estimamos o atual valor econômico de 17 serviços ambientais em 16 biomas, baseado em estudos publicados e em alguns cálculos originais. Para toda a biosfera, o valor (a maioria deles fora do mercado[ou seja, não contabilizados pelo mercado]) é estimado na ordem de US$ 16 a 54 trilhões (1012) por ano, com uma média de US$ 33 trilhões por ano. Por causa do caráter das incertezas, isto pode ser considerado uma mínima estimativa. O produto interno bruto global está em torno de US$ 18 trilhões por ano10.

Ou seja, uma mínima estimativa econômica dos serviços ambientais, com todas as

suas incertezas e variáveis, já demonstrou que tais serviços equivalem a praticamente o dobro

do que se produz economicamente no mundo.

A importância do desenvolvimento sustentável passa sobre a percepção de cada um

sobre essa relação com a natureza. Rabelo (2003, p.20) afirma que “a forma como

compreendemos o ‘meio ambiente’ determina também a nossa atitude em relação a ele”. Alier

(1992, p. 49) concorda, quando afirma que “as sociedades e os grupos sociais atuam sobre o

meio ambiente segundo as representações que fazem de suas relações com ele”. E completa:

“a história da natureza, nossa percepção sobre ela, é uma construção social, e por isso pode-se

dizer que a história natural é também história social” (ALIER, 1992, p. 49). Esta

“modernidade da sustentabilidade” encontra ecos diferentes nos meios urbano e rural.

10 Texto original em inglês. Tradução feita pela autora.

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Enquanto considero que nas cidades o paradigma é o da consciência ambiental voltada para o

consumo, no meio rural o paradigma é o da produção sustentável.

O mundo urbano e a consciência ambiental

Apesar de, neste trabalho, abordar o meio rural, vou também analisar de forma breve

o que considero o atual paradigma das cidades – a consciência ambiental, pois têm relação

direta e influencia o modo de atuação do rural. Rosa11 (1999) mostra como estes dois

paradigmas se tangenciam:

Recentemente, por influência de organismos internacionais e organizações não-governamentais, passou-se a se difundir experiências que se concentravam na busca de soluções a partir da comunidade, significando, inclusive, menor custo social e maior envolvimento dos produtores. A tomada de consciência ambiental passou a se impor, principalmente pela preocupação da população com o risco de se consumir produtos agrícolas com alta concentração de agrotóxicos, a crescente conscientização dos riscos desses produtos à saúde humana e a exigência de qualidade dos alimentos. Destaca-se, também, a importância da preservação e manutenção das reservas e áreas naturais, estando esta última ligada à questão da biodiversidade e do equilíbrio global. O paradigma da participação e da parceria passou a ser incorporado e sugerido às políticas públicas dos países em desenvolvimento, e como alternativa de solução para os problemas sociais.

Essa chamada “consciência ambiental”, citada por Rosa, merece uma atenção especial.

Será que existe mesmo? Suzina, Pichelli (2005, p.2) relatam que

em outubro de 2004, os norte-americanos Michael Schellemberger e Ted Nordhaus apresentaram um polêmico artigo que declarava a morte do ambientalismo. O documento apresenta um retrato da opinião dos norte-americanos a respeito das questões ambientais e sugere que o conservadorismo crescente tem levado cada vez mais pessoas a se declararem ambientalistas, porém sem demonstrar nenhuma ação efetiva de proteção à natureza.

John (2001) e Rabelo (2003) lembram pesquisas recentes em que os brasileiros

indicaram serem simpáticos às causas ambientais, entenderem a importância da conservação,

mas, por outro lado, demonstraram não ter clareza sobre o que podem fazer individualmente

ou preferir que governos e organizações especializadas cumpram as responsabilidades pela

proteção da natureza. As consultas populares referidas também mostraram uma população

que, mesmo declarando amor à floresta, não consegue relacioná-la nem mesmo com a árvore

11 Disponível em: <gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/sober/sober.html> Acesso em: 28 jul. 2003.

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que está na calçada em frente à sua casa e que também preserva a idéia de viver em um país

de recursos naturais inesgotáveis.

E quais as conseqüências disso? Se o atual ritmo de desenvolvimento e,

principalmente, de consumo se mantiver, em pouco tempo o mundo será insustentável. Os

recursos naturais são finitos e estão caminhando de maneira alarmante para o esgotamento.

Trigueiro12 (2004) analisa da seguinte forma:

Apenas 1,7 bilhão dos atuais 6,3 bilhões de pessoas que habitam o planeta tem hoje condições de consumir além das necessidades básicas. Ainda assim, a demanda por matéria-prima e energia cresce, precipitando o mundo na direção de um impasse civilizatório: ou a sociedade de consumo enfrenta o desafio da sustentabilidade, ou teremos cada vez menos água doce e limpa, menos florestas, menos solos férteis, menos espaço para a monumental produção de lixo e outros efeitos colaterais desse modelo suicida de desenvolvimento.

Young13 (2004) mostra como a questão econômica interfere na ambiental (e por isso o

termo sustentabilidade envolve conceitos como economia e meio ambiente, entre outras, de

uma forma sistemática):

[...] numa perspectiva de Terceiro Mundo não se pode dissociar a questão ambiental da questão do desenvolvimento. [...] Na agenda do hemisfério norte o nível de renda está dado, estão satisfeitos com o nível de renda atual e o problema é alocar. Precisam que o rico consuma menos e o pobre consuma mais. Que o cara consuma menos super-pickups e vá para o transporte coletivo. A questão de padrões de consumo é da agenda do norte. A nossa questão é outra: a gente precisa aumentar o nível de renda, aumentar o nível de emprego e conservar. Numa perspectiva de Terceiro Mundo, temos que pensar em crescimento com preservação ambiental. [...] A questão ambiental não restringe o crescimento. Ela envolve gastos, e numa perspectiva keynesiana se eu tenho gasto eu tenho meio de renda desde que haja mão-de-obra sobressalente. E o que mais temos aqui é mão-de-obra sobrando. Se aumentar o gasto com meio ambiente vai aumentar o emprego e a qualidade ambiental. O principal motivo do desmatamento é o peão, porque se cai o custo da mão-de-obra o sujeito sem emprego está disposto a se meter no meio do nada para tentar conseguir alguma coisa. Está disposto a ganhar qualquer 10 reais para entrar no desmatamento.

Se, por um lado, o “peão” citado por Young aceita qualquer tipo de trabalho, mesmo o

de desmatamento, não podemos esquecer que o faz em nome da subsistência. Mas, existe algo

muito maior por trás desta situação: as reais intenções de quem paga a este peão, pois o

mesmo só vai fazer este tipo de serviço porque existe uma demanda, porque existe alguém

12 Disponível em <www.ecopop.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=137&tpl=printerview&sid=10>. Acesso em 01 mai. 2006. 13 Entrevista concedida por Carlos Eduardo Frickmann Young ao site O Eco, publicada em 14/11/2004. Disponível em <www.oeco.org.br> Acesso em 01 mai. 2006.

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disposto a pagar por este tipo de trabalho. Então o problema é muito maior e está na estrutura

de desenvolvimento do País.

Por isso mesmo, a consciência ambiental citada por Rosa ainda é muito superficial e,

de certa forma, até egoísta, pois se trata somente do que está intimamente ligado ao ser

humano, como a alimentação, por exemplo. Nas estruturas produtivas, principalmente nos

setores industriais, a questão ainda é vista com reservas (em que pese as demandas atuais de

responsabilidade social, ainda pouco colocadas em prática).

Mas, não é por isso que o mundo rural não vai enfrentar este desafio de manter o

mundo em condições sustentáveis, ao menos no que cabe a ele.

O mundo rural e a produção sustentável

O meio rural é influenciado por diversas condicionantes físicas, econômicas, sociais,

legais, entre outras. É tudo muito complexo e interligado, o que faz com que não existam

receitas prontas para a atuação neste meio.

Para este trabalho, interessa saber sobre a divisão no meio rural entre agricultura

familiar e agricultura patronal, pois as práticas adotadas por cada uma interferem na questão

ambiental. A agricultura patronal (também chamada de convencional)

refere-se aos estabelecimentos onde a direção dos trabalhos não é exercida pelo produtor e/ou o trabalho contratado é superior ao familiar. Além disso, ainda que estes dois critérios não sejam verificados, o estabelecimento é de agricultura patronal se a área for superior a que a família pode explorar com base em seu próprio trabalho associado à tecnologia de que dispõe (ESTATÍSTICAS DO MEIO RURAL, 2006, p.257).

Já a agricultura familiar é reconhecida, inclusive por Lei Federal (11.326/2006), como

aquela que não detém, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais14;

utiliza predominantemente a mão-de-obra familiar nas atividades econômicas de seu

empreendimento; tem renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas

vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; e dirige o estabelecimento ou

empreendimento com auxílio de pessoas da família (BRASIL15, 2004).

14 O tamanho de um módulo fiscal varia em cada Município e leva em conta qualidade do solo, relevo, acesso etc. Para mais informações, ver Anexo 2 – Dimensões dos Módulos Fiscais 15 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11326.htm> . Acesso em 02 mar 2007.

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Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário,

a agricultura familiar no Brasil é responsável por mais de 40% do valor bruto da produção agropecuária e suas cadeias produtivas correspondem a 10% de todo o PIB do País. Reúne 4,2 milhões de estabelecimentos familiares, representa 84% dos estabelecimentos rurais e emprega 70% da mão-de-obra do campo. Além disso, é responsável pela maioria dos alimentos na mesa dos brasileiros: 84% da mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura do leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos, 32% da soja, entre outros (BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO16, 2006).

Sua importância no PIB agrícola também é de destaque, conforme Figura 01:

Figura 01 - Distribuição do PIB das cadeias produtivas segundo o tipo de produtor – Brasil 2004 (em %)

Fonte: NEAD/MDA. Estudo sobre o nível de atividade do agronegócio da agricultura familiar no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul. Elaboração: DIEESE Obs.: O cálculo do PIB das cadeias produtivas é feito pela soma do PIB de quatro agregados (insumos para a agricultura e pecuária, agricultura e pecuária, indústrias de base agrícola; distribuição final).

A agricultura patronal, ou convencional, também é comumente chamada de

“agronegócio” e representa uma produção voltada exclusivamente para o comércio,

principalmente a exportação. Embora o termo agronegócio devesse ser entendido como

“produção para geração de renda” (negócio), e ser utilizado por toda e qualquer atividade

rural que gerasse renda, este termo não é aceito pela agricultura familiar, que vê o

agronegócio como excludente. Isso está muito presente nas entrevistas, conforme análises no

Capítulo VI.

Para Menezes (1998, p.251), a agricultura brasileira apresenta dois problemas que

comprometem a sustentabilidade. Um deles é a intensificação da atividade agrícola com

práticas como monocultura, uso exagerado de insumos químicos e forte mecanização. Isso é

muito claro na agricultura patronal. O outro problema é o abuso de recursos naturais e

16 Disponível em <http://www.mda.gov.br/index.php?ctuid=9735&sccid=134> . Acesso em 02 mar 2007.

PIB da cadeia produtiva pecuária

patronal18,0

PIB da cadeia produtiva agrícola

patronal50,0

PIB da cadeia produtiva pecuária

familiar12,0

PIB da cadeia produtiva agrícola

familiar20,0

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ecossistemas frágeis, que acomete tanto a agricultura patronal quanto a familiar. Ou seja, o

agricultor profundamente ligado à natureza é uma imagem bucólica, romântica. Na prática, a

própria atividade agrícola e pecuária tem sido a responsável pela destruição do meio ambiente

nas áreas rurais.

Política e conceitualmente, a diferença entre agricultura familiar e patronal está no

nome: patronal refere-se a patrão, aquele que contrata. Na prática é subentendido como aquele

que tem recursos para pagar funcionários, grandes áreas de cultivo e, conseqüentemente,

maior lucro. Diz-se que não é sustentável pela utilização de insumos químicos, maquinário

pesado, entre outros. A agricultura familiar é aquele que tem a família (pequenos núcleos)

como seu alicerce e fundamento. Subentende-se então área pequena, o que não possibilita

grandes lucros. Por outro lado, se é em pequenas áreas, cuidada diretamente pelos seus

proprietários, diz-se que pode ser mais sustentável, com o controle orgânico de pragas e

doenças, respeito ao meio ambiente etc.

Carmo (1998, p.226) sintetiza estas diferenças, conforme a Tabela 06, a seguir:

Tabela 06 – Principais diferenças entre agricultura sustentável e convencional Agricultura sustentável Agricultura convencional

Aspectos tecnológicos 1. Adapta-se às diferentes condições regionais,

aproveitando ao máximo os recursos locais; 2. Atua considerando o agroecossistema

como um todo, procurando antever as possíveis conseqüências da adoção das técnicas. O manejo do solo visa sua movimentação mínima, conservando a fauna e a flora;

3. As práticas adotadas visam estimular a atividade biológica do solo

1. Desconsidera as condições locais, impondo pacotes tecnológicos;

2. Atua diretamente sobre os indivíduos produtivos, visando somente o aumento de produção;

3. O manejo do solo, com intensa movimentação, desconsidera sua atividade orgânica e biológica.

Aspectos ecológicos 1. Grande diversificação. Policultura e/ou

culturas de rotação; 2. Integra, sustenta e intensifica as interações

biológicas; 3. Associação da produção animal à vegetal 4. Agrossistemas formados por indivíduos de

potencial produtivo alto ou médio, e com relativa resistência às variações das condições ambientais.

1. Pouca diversificação. Predominância das monoculturas;

2. Reduz e simplifica as interações biológicas; 3. Sistemas pouco estáveis, com grande

possibilidade de desequilíbrios; 4. Formado por indivíduos com alto potencial

produtivo, que necessitam de condições especiais para produzir e são altamente suscetíveis às variações ambientais.

Aspectos socioeconômicos 1. Retorno econômico a médio e longo prazo,

com elevado objetivo social; 2. Relação capital/homem baixa; 3. Alta eficiência energética. Grande parte da

energia introduzida e produzida é reciclada; 4. Alimentos de alto valor biológico e sem

resíduos químicos.

1. Rápido retorno econômico, com objetivo social de classe;

2. Maior relação capital/homem; 3. Baixa eficiência energética. A maior parte da

energia gasta no processo produtivo é introduzida e, em grande parte, dissipada;

4. Alimentos de menor valor biológico e com resíduos químicos.

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Ao serem comparadas as duas colunas, percebe-se que o ideal econômico é o objetivo

da agricultura convencional. No entanto, como fica a questão do uso dos recursos naturais?

Este custo também teria que “entrar na conta”.

Por isso, já se fala, no âmbito da agricultura familiar, em uma outra agricultura,

calcada em princípios de sustentabilidade e agroecologia, que significa ir muito além da

produção rural, como afirma Menezes (1998, p.250): “falar em sustentabilidade na agricultura

tanto pode querer dizer uma agricultura que produza em quantidade e qualidade sem

prejudicar o meio ambiente quanto ir além, pensar em uma agricultura inserida em processos

sociais, econômicos e políticos”. O caminho encontrado para isso é o da agroecologia,

movimento que tem sido a bandeira dos agricultores familiares inseridos nos movimentos

sociais, em especial os assentados. Altieri (2001, p.18) explica que a agroecologia é “uma

nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à

compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade

como um todo”.

Apesar de existirem trabalhos abordando o tema datados de 1928 (MOREIRA,

CARMO, 2004, p.44), as discussões sobre agroecologia tomaram força há cerca de 30 anos,

como um contraponto à Revolução Verde17. Um dos pontos principais da agroecologia é a

valorização da participação do agricultor e a valorização do local. Enquanto a Revolução

Verde trazia pacotes tecnológicos prontos, com intensa utilização de insumos químicos e o

extensionista atuava como repassador da tecnologia, na agroecologia o conhecimento do

agricultor e a valorização das características locais ganham força, como explica Altieri (2001,

p.21), para quem “a agroecologia fornece as ferramentas metodológicas necessárias para que

a participação da comunidade venha a se tornar a força geradora dos objetivos e atividades

dos projetos de desenvolvimento. O objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos e

atores de seu próprio desenvolvimento”. Ou seja, é uma forma de trabalhar a agricultura

respeitando o conhecimento empírico e tradicional do agricultor.

17 A Revolução Verde é uma promessa não cumprida: aumento da oferta de alimentos, com conseqüente erradicação da fome, redução de custos de produção, combate efetivo de pragas na agricultura. Segundo Ricci (2004, p.46), “a base social e política deste modelo é a monocultura, tendo como objetivo a utilização intensiva de fertilizantes químicos combinados com sementes selecionadas de alta capacidade produtiva e rápida resposta aos estímulos químicos, uso de processos mecânicos de produção e controle químico de pragas”. A Associação de Agricultura Orgânica do Paraná (2004, p. 10) afirma que “poucos estudos têm medido o impacto ambiental e social da intensificação agroquímica, mas suspeita-se que superam 10 bilhões de dólares por ano quantificando-se os custos ambientais da contaminação de águas e solos, danos à vida silvestre e o envenenamento de pessoas; não incluindo ainda os impactos ambientais associados (contaminação de águas por nitrato, eutrofização dos rios e lagos, etc) com o incremento do uso de fertilizantes nitrogenados nem os problemas de salinização ligados à irrigação em zonas não apropriadas”.

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A agroecologia, então, por esse caráter multidimensional é mais do que uma

agricultura sem agrotóxicos, por exemplo. Ser agroecológico pressupõe atender a todas as

dimensões envolvidas, o que torna esta prática, hoje, como um tempo de transição, uma vez

que é humanamente impossível abandonar práticas tradicionalmente consolidadas por uma

idéia totalmente nova. Enquanto os pacotes tecnológicos da Revolução Verde tratavam as

práticas de forma generalizada, a agroecologia tem foco no “local”, em que tipo de produção e

relações sociais existem. Por isso, muito além da etimologia, que define a agroecologia como

“a ecologia dos sistemas agrícolas”, existe um significado de caráter humano: a agroecologia

como área de conhecimento social e culturalmente construída (EMBRAPA, 2006, p.22).

Seu caráter é multidimensional, conforme completa Embrapa (2006, p. 23):

Num sentido mais amplo, ela se concretiza quando, simultaneamente, cumpre com os ditames da sustentabilidade econômica (potencial de renda e trabalho, acesso ao mercado), ecológica (manutenção ou melhoria da qualidade dos recursos naturais e das relações ecológicas de cada ecossistema), social (inclusão das populações mais pobres e segurança alimentar), cultural (respeito às culturas tradicionais), política (organização para a mudança e participação nas decisões) e ética (valores morais transcendentes).

As práticas agroecológicas, então, são a nova referência para o desenvolvimento

sustentável no meio rural e, neste sentido, a questão florestal ganha força.

As florestas e o desenvolvimento sustentável no meio rural

A existência de florestas em nosso planeta remonta a milhões de anos e acompanhou a

evolução da humanidade. As primeiras comunidades agrícolas surgiram por volta de 10.000

a.C. e, já naquela época, a derrubada de árvores foi o carro-chefe do progresso. “O processo

acelerou-se na Idade Neolítica, quando os machados de pedra possibilitaram explorar a

floresta para extrair lenha ou formar pastagens” (LEÃO, 2000, p.44).

A escassez de madeira é um problema cíclico, sempre atrelada às necessidades e usos

da humanidade. Informações de antes de Cristo já mostram que “durante os períodos de

crescimento populacional acelerado, a madeira sofria uma demanda tão grande que seu valor

podia ser comparado ao dos metais e pedras preciosas” (LEÃO, 2000, p.46). Existem relatos

interessantes, tais como pilhagens em busca de madeira (como se fosse ouro), pessoas que

levavam as portas de suas casas quando se mudavam e até mesmo a mudança de domínio

marítimo e comercial entre civilizações baseada no domínio de reservas florestais (que eram

utilizadas para construção e reforma de navios). Talvez um dos únicos a se preocupar com a

questão foi Hamurabi, rei da Babilônia: “se eu constatar dano feito a um galho sequer [...],

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não tolerarei que o culpado por esse crime continue vivo” (HAMURABI apud LEÃO, 2000,

p.46).

O Brasil, por sua vez, é considerado o País com uma das maiores biodiversidades18 do

mundo. Isso significa uma riqueza sem precedentes. Dentre estas riquezas, encontram-se as

florestas. Segundo Leão (2000, p.36), “as florestas estão intimamente ligadas aos processos

vitais, como os ciclos da água, do carbono, do oxigênio e do nitrogênio, essenciais à vida

humana”. Sua utilidade é das mais variadas:

Das florestas, o homem retira uma infinidade de produtos úteis: alimentos, remédios, gomas, resinas, corantes, óleos, fibras. Mas é a madeira, com certeza, seu produto mais valioso: ela é, ao mesmo tempo, combustível, material de construção e matéria-prima para fabricação de inúmeros artigos indispensáveis à vida humana. Graças ao desenvolvimento de processos químicos, sua utilização tornou-se ainda mais ampla, a ponto de ficar conhecida na Alemanha como Universalrohstoff, ou seja, a matéria da qual se pode retirar qualquer coisa (LEÃO, 2000, p.85).

Mas não são somente os produtos das florestas que têm importância. Atualmente, são

cada vez mais reconhecidos seus bens intangíveis, como regulação de temperatura,

conservação dos solos, controle dos ventos, redução dos riscos de enchentes, redução da

poluição do ar e da água, polinização de pomares, controle biológico de pragas, entre outros.

A questão florestal também tem profunda relação com a qualidade de vida do homem nas

cidades, tais como lazer, educação ambiental, entre outros:

Na era primitiva, a floresta foi considerada uma inimiga poderosa. Vencê-la significava dominar a natureza e, muitas vezes, garantir a sobrevivência da espécie humana. Afinal, apesar de seus inúmeros perigos, ela fornecia os frutos mais doces e abrigava animais de carne saborosa. Com o tempo, porém, a floresta deixou de ser uma adversária para ser produtora, protetora e espaço de lazer (LEÃO, 2000, p.19).

Todos estes benefícios são de difícil valoração monetária, principalmente os que se

referem ao bem-estar do homem. Além de não se traduzirem em dinheiro, são benefícios

geralmente pouco percebidos pelas pessoas, que só passam a dar importância quando se

tornam raros e as conseqüências indesejáveis aparecem.

18 A definição de biodiversidade encontrada tanto em dicionários lingüísticos quanto em leituras técnicas é sempre a mesma: “biodiversidade é o conjunto de toda vida em nosso planeta”. Para mais informações sobre o assunto e análises sobre a biodiversidade brasileira, ler: BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 e biodiversidade. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, [s.d.]. (Caderno de Debate. Agenda 21 e Sustentabilidade). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=4989> .

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A partir do século XX, por causa do aumento de consumo de madeira, foi sentida a

necessidade de se plantar árvores em escala industrial. Isso significa a introdução de espécies

de rápido crescimento aliada à quantidade e qualidade de madeira. E, hoje, esse é o grande

debate acerca do uso das florestas: a dicotomia entre produção/desenvolvimento e

conservação19 ambiental.

Entre os tantos tipos de estudos que podem ser feitos a respeito desta dicotomia, um

merece atenção especial para o presente trabalho: a distinção entre florestas nativas e exóticas.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2004), espécie nativa é a

“espécie vegetal ou animal que, suposta ou comprovadamente, é originária da área geográfica

em que atualmente ocorre”. Já espécie exótica é a “espécie presente em uma determinada área

geográfica da qual não é originária”. De certa forma, o assunto parece simples, mas influencia

diretamente o meio rural, e implica em questões tais como produtividade, rentabilidade e

influencia diretamente na questão da sustentabilidade. Normalmente as espécies exóticas são

utilizadas para os chamados plantios florestais para abastecimento de indústrias de base

florestal, como veremos adiante.

Segundo a Sociedade Brasileira de Silvicultura – SBS (2006), o “Brasil Florestal” está

assim configurado:

• Florestas Naturais: 477,7 milhões ha

• Florestas Protegidas: 240 milhões ha

• Florestas Plantadas: 5,6 milhões ha

As florestas nativas ainda guardam o conceito romântico de algo intocável, vítima de

exploração predatória. Certamente parte desta visão está correta. Considerado o país com

maior quantidade de florestas nativas do mundo, o Brasil ainda é vítima do desmatamento.

Isso acontece tanto pelo avanço da fronteira agrícola, em áreas principalmente da Floresta

Amazônica e, atualmente, do Cerrado, como também pelo corte de árvores nobres para

movelaria, além de áreas praticamente tomadas pelas cidades e pela agricultura.

19 É importante aqui abrir um parêntesis e explicar a diferença entre conservação e preservação. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004): “Conservação da natureza: utilização racional dos recursos naturais renováveis (ar, água, solo, flora e fauna) e obtenção de rendimento máximo dos não renováveis (jazidas minerais), de modo a produzir o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mantendo suas potencialidades para satisfazer as necessidades das gerações futuras. Não é sinônimo de preservação porque está voltada para o uso humano da natureza, em bases sustentáveis, enquanto a preservação visa à proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas”. Em outras palavras, enquanto a conservação prevê uso e manejo, a preservação preconiza a intocabilidade da natureza.

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Para este estudo, é interessante conhecer um pouco mais sobre a Mata Atlântica,

bioma onde estão inseridos os assentamentos estudados neste trabalho. Segundo o Ministério

do Meio Ambiente (2004),

a Mata Atlântica é considerado o mais ameaçado dos biomas. Nela se concentram 70% da população brasileira, distribuída em 15 estados. Apesar da devastação, a Mata Atlântica ainda conserva uma parcela significativa da diversidade biológica do país, com altíssimos níveis de endemismo. Abriga inúmeras populações tradicionais e garante o abastecimento de água para mais de 120 milhões de pessoas20.

Por ser o bioma onde se concentra a maior parte da população brasileira, a Mata

Atlântica sofre intensa pressão de desmatamento e isso influencia sobremaneira as atividades

nos assentamento rurais, pois a legislação tem se tornado cada vez mais rígida para proteger o

meio ambiente.

Esta visão protecionista em relação às florestas nativas acaba por gerar visões

deturpadas em relação ao seu uso. O desmatamento indiscriminado deve, realmente, ser

coibido, mas o manejo sustentável deve ser incentivado e ensinado, em uma nova forma de

enxergar a relação homem/natureza.

Já em relação às espécies exóticas, no Brasil são reconhecidamente importantes o

Pínus (oriundo dos Estados Unidos) e o Eucalipto (vindo da Austrália). Tais espécies são as

mais utilizadas atualmente para a produção de papel e celulose e madeira para serraria.

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Silvicultura – SBS (2006, p.11), o Brasil possui

5,56 milhões de hectares plantados com estas espécies, sendo 3,4 milhões com eucalipto, 1,8

milhão com Pínus e 326 mil hectares com outras espécies.

O setor florestal brasileiro contribui com 3,5% do PIB nacional, 8,4% das exportações

e representa, no cenário mundial, 4,6% das exportações mundiais de produtos florestais.

Ainda no cenário mundial, ocupa posição de destaque como produtor de celulose de fibra

curta (1º lugar), exportador de compensado de pínus (1º lugar), produção de resina (2º lugar),

produção de papel (11º lugar) (SOCIEDADE BRASILEIRA DE SILVICULTURA - SBS,

2006, p.10).

20 Para mais informações sobre a cobertura vegetal brasileira, consultar: BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Mapa de cobertura vegetal dos biomas brasileiros. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, [s.p.]. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=72&idMenu=2338&idConteudo=4472> . Acesso em 05 mar 2007.

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Porém, apesar desta posição de destaque, existe toda uma discussão política

envolvendo essa dicotomia entre nativas e exóticas. Se na parte técnica o problema está na

forma de plantio das exóticas em monocultivo, alcançando extensas áreas de plantio e a

conseqüente perda da diversidade biológica local, na parte política a discussão se dá

principalmente nas relações de poder entre os grandes empresários da silvicultura e os

agricultores familiares. Os pequenos produtores alegam que as grandes empresas, detentoras

de indústrias de papel e celulose e madeireiras, forçam preços e metodologias de plantio, em

especial o monocultivo, o que contraria a forma de trabalhar dos agricultores familiares e

também o desenvolvimento sustentável, conforme exposto anteriormente. Trata-se,

novamente, da questão econômica sobrepujando a sustentabilidade. Segundo Gonçalves

(2004, s.p.),

no Brasil, o desenvolvimento do novo modelo agrário/agrícola também mostra o mesmo sentido ao apontar para um modelo onde o monocultivo acentua a dependência do agricultor diante do complexo industrial-financeiro altamente oligopolizado e, com isso, aumenta a insegurança alimentar, tanto dos agricultores e suas famílias como do país como um todo.

A situação ideal seria a mudança de valores nessa relação, tendo o desenvolvimento

sustentável como foco. Os problemas causados por opções que não levam em conta o

desenvolvimento sustentável são muitos:

Como se observa ao longo da história da humanidade, a exploração excessiva dos recursos naturais, com a substituição gradativa da vegetação original por áreas de cultivo ou pastagens, acabou por criar enormes desertos, tornando o solo mais pobre e incapaz de suprir as necessidades dos seus habitantes [...]. Entre as principais conseqüências do desmatamento, pode-se citar o esgotamento dos estoques de madeira, a destruição acelerada do solo e a desertificação gradativa, com conseqüente diminuição da produtividade, ocorrência de inundações e o aumento do ‘efeito estufa’ (LEÃO, 2000, p.119).

Existe um outro fator que influencia tanto em florestas nativas quanto exóticas, e

atinge profundamente as propriedades rurais: a legislação florestal. Tanto o Código Florestal

Brasileiro quanto a Legislação Ambiental afetam profundamente a relação do homem do

campo com as florestas e o meio ambiente em geral. Duas figuras jurídicas têm importância

para o presente estudo: a Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL).

A Área de Preservação Permanente “é a área que deve ser mantida intacta ou

recuperada (com a vegetação nativa) em torno dos lagos, rios e nascentes, conhecida como

mata ciliar e também os topos de morro e encostas com declive superior a 45º”. Foi instituída

pela Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal Brasileiro) e oficialmente regulamentada pela

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Resolução 30321 de 20 de março de 2002 pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente –

Conama. Já a Reserva Legal “é a área equivalente a 20% da área total da propriedade que

deve ser preservada ou recuperada com vegetação nativa, e pode ser usada sob regime de

manejo sustentado [ou seja, pode ser explorada mediante planejamento e aprovação de órgão

estadual]” (FAEP22). Foi instituída pela Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal Brasileiro), com

redação determinada pela Medida Provisória 2.166-67/2001.

Tais figuras jurídicas têm alterado, na prática, a forma de condução das propriedades

rurais, uma vez que órgãos governamentais de fiscalização têm sido rígidos no controle de sua

aplicação. Certamente esta fiscalização tem possibilitado que os recursos naturais sejam mais

preservados, uma vez que a forma de fazer agricultura, até então, subentendia cortar tudo o

que existia de floresta para a atividade agropecuária, embora se acredite que esta pressão

continue:

as pressões sobre as florestas não desaparecerão tão cedo. Terras cultiváveis, pastos e plantações estão em expansão nas florestas naturais e é provável que continuem a se expandir nos próximos 30-50 anos. A expansão é impulsionada tanto pela riqueza quanto pela pobreza. Uma enorme população rural depende da agricultura de baixa produtividade para subsistência. Uma crescente população urbana cada vez mais rica necessita de mercadorias produzidas na margem da floresta: carne bovina, óleo de palma, café, soja e chocolate (CHOMITZ, 2006, p.1).

O que é importante o agricultor saber é que a floresta não é um empecilho ao seu

desenvolvimento. Bem pelo contrário, pode ser alternativa de renda e agregação de valor à

sua produção, e isso respeitando a questão ambiental.

Sistemas agroflorestais - SAFs: prática de desenvolvimento sustentável no meio rural

Ao se pensar no encadeamento “economia, conservação, legislação e desenvolvimento

sustentável” tem-se, então, uma série de fatores, com suas variantes, influenciando o meio

rural. Neste ponto surge, então, uma prática bastante utilizada pelos assentamentos rurais: a

agrofloresta, também chamada de Sistemas Agroflorestais - SAFs.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), SAFs são

“povoamentos permanentes, de aspecto florestal, biodiversificados, manejados pelo homem

de forma sustentada e intensiva, constituídas de espécies perenes (madeiráveis, frutíferas,

condimentares, medicinais etc.), para gerar um conjunto de produtos úteis para fins de

subsistência e/ou comercialização”. A agrofloresta pode ser composta das seguintes

21 Disponível em <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30302.html >. 22 Disponível em <http://www.faep.com.br/casaemordem/faqma.asp#3> . Acesso em 06 mar 2007.

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combinações: floresta/agricultura, floresta/pecuária, floresta/agricultura/pecuária,

constituindo, assim, o “multiuso” da floresta.

Seus benefícios ambientais e econômicos são imensos e, para melhor entendimento, é

necessária a leitura do Anexo 3 – Sistemas agroflorestais: aspectos ambientais e sócio-

econômicos.

Altieri (2001, p.24) afirma que

nos agroecossistemas tradicionais, a predominância de sistemas de cultivo complexos e diversificados é de suma importância para os camponeses, na medida em que as interações entre plantas cultivadas, animais e árvores resultam em sinergismos benéficos que permitem aos agroecossistemas promover sua própria fertilidade de solo, controle de pestes e produtividade.

A forma de condução dos SAFs torna-o uma prática agroecológica, pois reúne não só

características econômicas e ambientais mas também sociais. Para Peneireiro (2006)

a questão agroflorestal deve ser tratada de forma sistêmica: pensar na qualidade de vida da família, na questão ambiental, no mercado, na agregação do valor ao produto, em políticas públicas. A adoção da agrofloresta como uso da terra deve partir de uma demanda concreta da família, da comunidade. A agrofloresta não deve ser difundida como mais um modelo de uso da terra, de forma impositiva. Por isso é importante envolver, de preferência toda a família, na construção do conhecimento, de forma que os conceitos sejam compreendidos. Assim a co-responsabilidade é estimulada, transfere-se poder ao agricultor, tornando mais provável a auto- gestão.

Bolfe, Siquera, Bolfe (2004, p.16) complementam:

a implantação de SAFs sucessionais tem modificado a intervenção dos agricultores no solo quando se pratica a agricultura familiar, já que há séculos seus familiares vêm trabalhando de uma maneira geralmente degradante ao meio ambiente, ou seja, às plantas, ao solo e aos próprios homens [...] é uma passagem de uma prática de extrema exploração, de um utilitarismo exacerbado, para uma relação mais harmoniosa com a terra, relação de respeito e complementaridade, num processo coletivo não só entre homens, mas da natureza e sociedade.

Não é, portanto, um mero retorno a uma visão romântica, mas sim um princípio de

coexistência, onde todos ganham.

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Cap. 3

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Pelos capítulos anteriores percebe-se que existe uma realidade latente nos

assentamentos rurais, que é a busca pelo desenvolvimento sustentável, e isso fica claro

também na pesquisa de campo (Capítulo VI), embora não seja o termo utilizado pelos

assentados. Mas, também, esse desenvolvimento sustentável não acontece de uma hora para

outra e existe todo um saber científico gerado para auxiliar neste processo. Neste capítulo,

então, serão tratados tanto o saber científico quanto as formas de apropriação do

conhecimento e a relação entre “quem gera” o conhecimento, “quem repassa” e “quem

recebe”.

Ao falar em comunicação como ferramenta de mobilização em assentamentos rurais

para o desenvolvimento sustentável, tendo a temática florestal como pano de fundo,

estabelece-se uma estreita relação entre comunicação, educação, ciência e tecnologia (C&T) e

meio rural. Muito se tem estudado a relação comunicação/educação, mas sempre com os

veículos de mídia como protagonistas (leitura crítica da comunicação, uso dos veículos de

mídia em sala de aula, educomunicação entre outros). Nas Ciências Agrárias também se tem

estudado a relação extensão/assentado, mas sob o ponto de vista desta ciência. A divulgação

científica também é outra área bastante estudada, mas somente como forma de divulgação. Já

a perspectiva de encontrar o ponto de tangência entre estas áreas sob a perspectiva da

comunicação ainda foi pouco explorada.

O papel da comunicação na educação e capacitação do cidadão brasileiro

Para isso são importantes, neste momento, algumas reflexões sobre Educação, para as

quais vou utilizar algumas idéias de Freire (1977, 1996) e Demo (1993, 2000, 2002), que são

as que mais se aproximam da prática de extensão realizada pelos movimentos sociais em

assentamentos rurais, como ficará claro no Capítulo VI. Apesar de muitas destas idéias se

referirem à educação formal (escolas de ensino fundamental, médio, graduação...), certamente

elas podem ser adaptadas à educação que não freqüenta os bancos escolares, mas é

extremamente necessária e acontece em cursos, palestras, dias de campo, entre outros.

Tais autores sempre deixam muito clara a necessidade da mudança de protagonismo

na educação do professor/educador para aquele que aprende. Para Freire (1971, p.93),

não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular do que uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação. Vale dizer, uma educação que longe de se identificar com o novo clima para ajudar o esforço da democratização, intensifique a nossa inexperiência democrática, alimentando-a.

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Vale ressaltar que esta reflexão data do final da década de 1960 e permanece muito

atual, uma vez que ainda nos encontramos nesta busca do processo democrático, com muitas

vitórias por um lado mas também muito a desejar em outros aspectos. E a educação é um

destes aspectos que ainda podem ser melhorados. Não pretendo aqui me aprofundar nas

reflexões sobre educação, mas alguns pontos abordados por Freire e Demo precisam ser

pontuados para que, posteriormente, a reflexão sobre a importância da comunicação para a

mobilização dos assentados possa fazer sentido, numa perspectiva educativa:

1) Educação: a atuação do Sujeito no processo do conhecimento

O conhecimento (...) exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o ‘como’ de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato. (FREIRE, 1977, p. 27)

É fundamental em uma reflexão sobre o mundo rural perceber essa importância do

sujeito. Sem ele não há construção de conhecimento, não há mudança. São necessárias, então,

estratégias para fazer esse Sujeito perceber-se protagonista do seu próprio processo de

transformação.

2) Educação: aprendizagem x apreensão do conhecimento

Freire (1977, p.27) continua sua reflexão: “no processo de aprendizagem, só aprende

verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o

que pode, por isto mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido

a situações existenciais concretas”. Como veremos posteriormente, esse processo que exige

apreensão do conhecimento está fortemente presente na mobilização social. Ao reinventar, re-

elaborar o conceito a partir de sua própria vivência, o conhecimento é muito mais efetivo.

3) Educação: ser sujeito da própria história

“aprender é a maior prova da maleabilidade do ser humano, porque, mais que adaptar-se à realidade, passa a nela intervir. Sendo atividade tipicamente reconstrutiva de tessitura política, é também a maior prova do sujeito capaz de história própria. (...) Deixa-se de lado a condição de massa de manobra, objeto de manipulação, para emergir como ator participativo, emancipado” (DEMO, 2002, p.47).

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Esse é um ponto muito importante percebido na pesquisa de campo: ser sujeito de sua

história. Esta percepção muitas vezes não fica evidenciada na fala dos entrevistados, mas está

embutido no sonho de cada um melhorar seu lote, deixar algo bom para seus filhos, e eles

sabem que isso só acontece com esforço e vontade próprios. Sabem que precisam aprender, se

aprimorar, para que isso aconteça. Por isso a capacitação deste público, entendida como uma

constante troca de saberes entre extensionista e assentado, precisa ser realizada dentro de uma

prática libertadora, como afirma Freire (1977, p. 33):

estamos convencidos de que, qualquer esforço de educação popular, esteja ou não associado a uma capacitação profissional, seja no campo agrícola ou no industrial urbano, deve ter (...) um objetivo fundamental: através da problematização do homem-mundo e com os homens, possibilitar que estes aprofundem sua tomada de consciência da realidade na qual e com a qual estão.

Guareschi e Biz (2005, p.22) analisam o pensamento de Paulo Freire da seguinte

forma:

somente a educação que parte da reflexão, do crescimento em consciência, pode ser uma educação verdadeiramente libertadora e que leve a uma autêntica responsabilidade, tornando o ser humano digno, isto é, merecedor, e não apenas receptor passivo de um paternalismo que domina o mais profundo da consciência.

E completam:

a constatação sobre a necessidade de transformar a educação num processo de libertação, de visão crítica da realidade, está associada à questão da cidadania, entendida não como um estado natural, mas uma conquista e compromisso histórico, com destaque para a participação no processo de decisões que são tomadas na construção de uma nação (GUARESCHI e BIZ, 2005, p.33).

Demo (1993, p.33) amplia a discussão do indivíduo para o coletivo quando afirma que

do ponto de vista do eixo político da política social, o primeiro desafio será como motivar a organização comunitária, entendida tanto como aglutinação de interesses, como de espaços. A meta parece clara: é preciso chegarmos a um tipo de sociedade, marcada pela constituição democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que a própria democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às intervenções centralistas e autoritárias. Passar de objeto de manipulação para sujeito de seu próprio destino.

Explica que essa forma de educar trata de “gestar sujeitos capazes de história própria,

individual e coletiva (...). A aprendizagem reconstrutiva significa, então, saber desconstruir a

inconsciência, para saber ler a realidade e nela intervir com autonomia” (DEMO, 2000, p.54).

E aqui entram as reflexões sobre mobilização social. Ou seja, como realmente gerar

transformação, que será melhor abordada no Capítulo IV.

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A apropriação de conhecimentos científicos e tecnológicos

Se a educação já tem, por si só, um longo caminho a percorrer, quando se trata de

educação para ciência e tecnologia, temos um recorte mais emblemático. A cultura brasileira

geralmente coloca a ciência em um patamar inacessível à população em geral, quem dera

então dos pequenos produtores rurais. Pretendo aqui discutir um pouco a questão de Ciência,

Tecnologia e Inovação.

Muito se fala que o grau de desenvolvimento de uma nação pode ser medido, entre

outros, pela qualidade e quantidade de inovação tecnológica produzida por ele. Se,

antigamente, um país ser industrializado era indicativo de desenvolvimento, hoje a gestão do

conhecimento, em todas as áreas, é o carro-chefe do sucesso de uma nação. Com isso, as

discussões sobre o tripé ciência, tecnologia e inovação (CT&I) ganham cada vez mais espaço

como vetores de desenvolvimento. O que antes era dado como algo fechado ao círculo de

cientistas, hoje faz parte do cotidiano da sociedade, embora ainda em uma escala aquém do

desejável.

Fourez (1995, p.211) destaca alguns modelos no processo decisório de CT&I,

de acordo com o modelo tecnocrático, seriam os conhecimentos científicos (e portanto os ‘especialistas’) que determinariam as políticas a serem seguidas (objetivos e meios). O modelo decisionista, pelo contrário, distingue entre os fins e os meios; segundo esse modelo, os fins ou objetivos devem ser determinados por decisões livres, de maneira independente da ciência, enquanto que os meios seriam determinados pelos especialistas. O modelo pragmático-político, enfim, pressupõe uma negociação e uma discussão na qual os conhecimentos e negociações sócio-políticas entram em consideração.

Apesar de, à primeira vista, o modelo pragmático-político parecer o melhor, ressalta-se

que todos os modelos têm sua validade e aplicabilidade. Mas, sem dúvida alguma, quando se

trata de definir estratégias para o País, o modelo pragmático-político parece ser o mais

democrático e capaz de atender melhor a sociedade, pois trata de negociação entre saberes

técnicos e sociais; pressupõe uma constante negociação. Isso tem tudo a ver com o que se

espera em uma relação entre técnicos extensionistas e os assentados e está muito relacionada à

Teoria da Mobilização Social, como será mostrado no próximo capítulo.

Além disso, envolver a sociedade organizada nas discussões sobre CT&I lança novas

luzes para o desenvolvimento nacional. Trata-se de transformar conhecimento em ação, como

explica Fourez (1995, p.207): “o conhecimento é sempre uma representação daquilo que é

possível fazer e, por conseguinte, representação daquilo que poderia ser objeto de uma

decisão na sociedade”.

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A participação da sociedade nas questões de ciência e tecnologia são fundamentais e

um passo importante para o desenvolvimento do País. E como aumentar esta participação?

Ações de divulgação e popularização da ciência poderiam ser um primeiro passo, como

afirma Albuquerque (2005, p.10):

é impossível não analisar, nas formulações de políticas de C&T, a necessidade de alargar as ações de difusão e popularização da ciência para as comunidades que permaneceram relegadas por anos, de forma a incorporar enormes camadas da população brasileira que produzem, geram riqueza, renda e emprego, mas que sofrem com a falta de capacitação para agregar valor em seus produtos. Nesse contexto, o conceito de inclusão social adquire um espaço concreto na agenda das políticas públicas de ciência e tecnologia.

Neste cenário devem ser previstas ações de inclusão social e transferência de

tecnologia. De nada adianta existir a integração, existir a tecnologia, se a maior parte da

população está excluída de todas as partes do processo, principalmente do uso da tecnologia.

É visível atualmente, por exemplo, o vácuo que separa os grandes produtores rurais

(modernos, mecanizados, com acesso a tecnologia de ponta) dos pequenos agricultores

familiares, muitas vezes praticando uma agricultura de subsistência, sendo que a tecnologia,

muitas vezes, poderia ser a mesma ou então adaptada para as diferentes realidades. E este é

apenas um exemplo. É necessário, então, um grande esforço para fazer com que a tecnologia e

a inovação também cheguem às camadas mais desfavorecidas da população. Segundo Fourez

(1995, p.218), “uma tecnologia [...] não é somente um conjunto de elementos materiais, mas

também um sistema social”. E por ser um sistema social, deve estar acessível a toda

sociedade.

Além da inclusão social, um outro aspecto bastante relevante é o próprio

conhecimento que a sociedade tem de CT&I:

em uma sociedade fortemente baseada na ciência e na tecnologia, a vulgarização científica tem implicações sociopolíticas bem importantes. Se o conjunto da população não compreende nada de ciência, ou se permanece muda de admiração diante das maravilhas que podem realizar os cientistas, ela será pouco capaz de participar dos debates relativos às decisões que lhes dizem respeito (FOUREZ, 1995, p.221).

Neste ponto entra a importância das estratégias de divulgação científica. Soulé faz

uma provocação: “Digamos que você queira convencer seu sogro a se envolver na

conservação – no resgate da biodiversidade. Como você faria?”. Discorrer tecnicamente seria

a solução? Segundo Mayor (1998, p.131),

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é claramente impossível dar a cada pessoa uma compreensão profunda de todas as áreas importantes e controversas da ciência e da tecnologia; [...] quando as idéias científicas tratam dos interesses e das preocupações das pessoas, elas mostram uma impressionante capacidade de localizar informações e de traduzí-las de forma a que sejam úteis.

É necessária, então, uma discussão sobre “como a divulgação científica está formando

a opinião pública, construindo o imaginário popular sobre o papel dos cientistas na sociedade

e sobre os avanços e os limites técnicos e éticos da C&T” (CALDAS, 2004, p.70). Suzina e

Pichelli (2005) afirmam que

a ciência é um produto social, como outro qualquer; mas exige um esforço adicional de comunicação. Linguagem especializada, procedimentos rigorosos e alto nível de abstração só aumentam o abismo entre o conhecimento e a sociedade. A integração entre a cultura científica e a convivência social é importante tanto para a divulgação da própria ciência como para o esclarecimento da população.

Se esta reflexão é válida para a sociedade em geral, torna-se mais emblemática ainda

quando trata-se de levar a informação científica a públicos específicos, como é o caso da

relação entre pesquisadores, técnicos extensionistas e assentados, foco deste trabalho.

A Embrapa como instituição pública de pesquisa

Torna-se importante, então, neste momento, conhecer um pouco a principal instituição

pública que realiza a pesquisa agropecuária brasileira. Ou seja, aquela que gera grande parte

das tecnologias, serviços e produtos disponíveis ao meio rural do País.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, foi fundada em 1973 e

está vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Presente em

praticamente todos os estados do Brasil por meio de Unidades de pesquisa, sua atuação

principal é a pesquisa agropecuária e florestal. Para isso, conta com 8.619 funcionários, sendo

mais de 2.200 pesquisadores, de diversas áreas ligadas à agropecuária e florestas. Sua missão

é “viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável1 do espaço rural2, com foco no

1 Desenvolvimento sustentável – Entende-se por desenvolvimento sustentável o arranjo político, socioeconômico, cultural, ambiental e tecnológico que permite satisfazer as aspirações e necessidades das gerações atuais e futuras. (EMBRAPA, 2004, p.20) 2 Espaço rural – O espaço rural caracteriza-se por baixa densidade populacional, relação intensa com os recursos naturais e a biodiversidade, e dinâmica socioeconômica subsidiária à dos espaços urbanos. O conceito de ruralidade refere-se a uma abordagem de caráter territorial, não se limitando à produção agropecuária, nem ao local de habitação dos produtores. Inclui o desenvolvimento de atividades tipicamente urbanas no espaço rural e a prática de atividades não típicas e não agrícolas, destacando-se as relacionadas com as agroindústrias, com o turismo e com o lazer. (EMBRAPA, 2004, p.20)

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agronegócio3, por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e

tecnologias, em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira” (EMBRAPA,

2004, p.20).

As 40 Unidades de pesquisa são distribuídas da seguinte forma: unidades de serviço

(ex: Embrapa Informação Tecnológica), pesquisa de produtos (ex: Embrapa Florestas,

Embrapa Soja, Embrapa Algodão), pesquisa de temas básicos (ex: Embrapa Agroindústria

Tropical, Embrapa Meio Ambiente) e pesquisa agroflorestal ou agropecuária nas ecorregiões

brasileiras (ex: Embrapa Amazônia Ocidental, Embrapa Cerrados, Embrapa Clima

Temperado). Além disso, a sede da empresa (localizada em Brasília, DF) está subdividida em

12 Unidades Centrais, que integram a administração superior da empresa. Também existem

14 escritórios de negócios espalhados pelo país. A Embrapa também está presente no exterior,

com os laboratórios Labex Europa (França e Holanda) e Labex Estados Unidos e, em 2006,

foi instalada a Embrapa África, em Gana.

No país, além das Unidades de pesquisa, a Embrapa coordena o Sistema Nacional de

Pesquisa Agropecuária – SNPA, que é “constituído por instituições públicas federais,

estaduais, universidades, empresas privadas e fundações, que, de forma cooperada, executam

pesquisas nas diferentes áreas geográficas e campos do conhecimento científico”

(EMBRAPA, 2007).

A Embrapa é constantemente citada nos grandes veículos de comunicação social como

a grande responsável pelo salto qualitativo e quantitativo da agropecuária nacional (GAZETA

MERCANTIL, 2007; DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2007; CORREIO DO POVO, 2007;

JORNAL DE BRASÍLIA, 2007, somente para mencionar alguns), o que a tem tornado

referência mundial em pesquisa neste segmento (considerada, inclusive, a maior empresa de

pesquisa em agricultura tropical). Dados do último Balanço Social da empresa informam que

“em 2005, para cada R$ 1,00 aplicado na Embrapa, R$ 14,00 retornaram para a sociedade

brasileira” (EMBRAPA4, 2006).

A empresa possui alguns documentos que norteiam seus procedimentos: Plano Diretor

da Embrapa (documento quadrienal que especifica as principais linhas de atuação da empresa,

3 Agronegócio – O conceito de agronegócio engloba os fornecedores de bens e serviços ao setor agrícola, os produtores agrícolas, os processadores, os transformadores e os distribuidores envolvidos na geração e no fluxo dos produtos da agricultura, pecuária e floresta até o consumidor final. Entre os produtores agrícolas incluem-se a agricultura familiar em suas diferentes modalidades, os assentados da reforma agrária e as comunidades tradicionais. Participam também do agronegócio os agentes que coordenam o fluxo dos produtos e serviços, tais como o governo, os mercados, as entidades comerciais, financeiras e de serviços. (EMBRAPA, 2004, p.20) 4 Disponível em <http://www.sct.embrapa.br/balanco2005/site.html> . Acesso em 15 dez 2006.

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missão, foco, estratégias e diretrizes); Política de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D);

Política de Comunicação; e Política de Negócios Tecnológicos. As diretrizes contidas nestes

documentos influenciam decisivamente a maneira de atuar da empresa em seu relacionamento

com técnicos extensionistas e produtores rurais. A evolução da transferência de tecnologia na

empresa pode ser conhecida no Anexo 4 – A visão sobre transferência de tecnologia na

Embrapa. Nos últimos anos, a empresa tem feito um esforço de ampliação e fortalecimento

das equipes de apoio da comunicação e transferência de tecnologia.

Embrapa Florestas

De forma específica para este estudo, tem relevância a Unidade Embrapa Florestas,

pois o foco da pesquisa de campo (florestas) é de sua alçada. A pesquisa florestal na Embrapa

teve início em maio de 1977, por meio de um convênio entre o Ministério da Agricultura e o

Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Em 1984, a coordenação das

pesquisas com florestas foi repassada à então Unidade Regional de Pesquisa Florestal Centro-

Sul, que passou a se chamar Centro Nacional de Pesquisa de Florestas e, posteriormente,

Embrapa Florestas.

Desde então, a Embrapa Florestas tem colocado uma série de tecnologias, serviços e

produtos à disposição da sociedade brasileira, conforme preconiza sua missão: “viabilizar

soluções para o desenvolvimento sustentável do espaço rural com foco no negócio florestal5

por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício

dos diversos segmentos da sociedade brasileira” (EMBRAPA FLORESTAS, 2005, p.7).

Assim como a Embrapa como um todo possui um Plano Diretor, suas unidades possuem o

Plano Diretor da Unidade – PDU, que define especificamente missão, valores, objetivos e

diretrizes focadas especificamente no campo de atuação da Unidade.

5 Negócio florestal – o conceito de negócio florestal engloba os fornecedores de bens e serviços ao setor florestal, os produtores florestais e agroflorestais, os processadores, os transformadores e os distribuidores envolvidos na geração e no fluxo dos produtos da agricultura, pecuária e floresta até o consumidor final. Produtores agroflorestais ou agrossilviculturais são aqueles vinculados a sistemas de produção consorciada, envolvendo um componente arbóreo e um outro, que pode ser animal ou cultivo agrícola, de forma a maximizar a ação compensatória e minimizar a competição entre as espécies, com o objetivo de conciliar o aumento de produtividade e rentabilidade econômica com a proteção ambiental e a melhoria da qualidade de vida das populações rurais, promovendo, assim, o desenvolvimento sustentável. Entre os produtores florestais e agroflorestais, incluem-se os agricultores familiares em suas diferentes modalidades, os assentados da reforma agrária e as comunidades tradicionais. Participam também do negócio florestal e agroflorestal os agentes que coordenam o fluxo dos produtos e serviços, tais como o governo, os mercados, as entidades comerciais, financeiras e fornecedores de serviços.

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Localizada em Colombo, Região Metropolitana de Curitiba, Paraná, a Embrapa

Florestas conta com 167 empregados, sendo 60 pesquisadores6 que atuam em diferentes áreas

do conhecimento relacionadas à questão florestal.

O trabalho dos pesquisadores é comumente vinculado a projetos de pesquisa que

procuram atender a missão da Unidade e as diretrizes estabelecidas no PDU. A situação ideal

seria aquela em que a sociedade tem uma demanda, é feito um projeto de pesquisa para

atendê-la, a solução é encontrada e validada, com posterior transferência da tecnologia para

uso.

Transferência de tecnologia

Neste ponto entra o papel da comunicação como ferramenta de popularização da

ciência nos grandes meios e como grande responsável pela transferência de tecnologia junto

aos diferentes públicos. Para Novo e Camargo (2004, p.261), o termo transferência de

tecnologia deve ser interpretado como “um processo de compartilhamento de COMO

UTILIZAR a tecnologia. Este compartilhamento deve ser feito de forma pessoal e o resultado

é o aumento de conhecimento de ambas as partes”. Infelizmente mesmo as instituições de

ensino ainda preconizam a extensão da época da Revolução Verde, como um mero repasse de

informações. Caporal e Ramos (2006) reafirmam a idéia quando analisam que a pergunta

“como fazer extensão” deve se sobrepor à “o que fazer na extensão”.

Este deveria ser, então, o tom de relacionamento entre instituições de pesquisa,

assistência técnica rural e agricultores. Mas não funciona bem assim, como veremos adiante.

Segundo Duarte (2004, p.2),

a apropriação dos resultados da pesquisa pública é fator decisivo para o sucesso na agricultura. A definição de estratégias que permitam ao agricultor ter conhecimento de tecnologias para reduzir custos de produção, produzir mais e melhor e, portanto, obter maior rentabilidade financeira e permanecer no negócio, é fator decisivo para a competitividade.

Não esquecendo, no entanto, que esta competitividade deve estar inserida em práticas

sustentáveis, em que haja um equilíbrio nesta busca pela competitividade com as questões

sociais e ambientais.

Sanchez de Puerta7 (2004, p.1) faz uma ampla introdução sobre as formas de se fazer

extensão rural e as classifica da seguinte forma (sempre do ponto de vista do agricultor):

6 Números fornecidos pelo Setor de Recursos Humanos da Embrapa Florestas em 13 mar 2007. 7 tradução da autora

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a) Informação: repasse de conselhos práticos e informações úteis ao agricultor, sem que

este retroalimente o processo. Trata-se de mera divulgação;

b) Assessoria: auxílio a problemas e dúvidas do agricultor, cujo papel se restringe a

demandante;

c) Educação: o agricultor recebe uma gama de conhecimentos para que possa utilizá-los,

posteriormente, por si mesmo;

d) Comunicação: educação em um sentido “freiriano”, com reflexão conjunta sobre a

realidade e redução da distância entre educador e educando (no caso, agricultor e

extensionista);

e) Animação: o extensionista apóia o processo de desenvolvimento do agricultor (com seus

conhecimentos e influência) e desaparece quando as coisas caminham por si só;

f) Ação política: “quando o agente de extensão de envolve nas demandas, conflitos etc do

ator social rural, que já não é mais um mero receptor de informações ou habilidades, de

educando ou de ‘conscientizando’, mas que passa à ação dentro de um movimento social

ou de forma individual”.

Duarte (2004), em tese de doutorado, fez uma ampla análise sobre os sistemas de

informação tecnológica da cadeia produtiva da soja. Apesar de ser uma commodity8 com

ampla expressão no mercado e praticamente toda ela voltada ao agronegócio empresarial,

algumas de suas reflexões sobre extensão e transferência de tecnologia são bastante

pertinentes, por isso são base para minhas reflexões aqui. Tal autor discute os modelos de

transferência de informação para o agricultor no Brasil a partir de quatro fases históricas,

assim subdivididas: disseminação, difusionismo, estruturalismo e pluralismo.

A fase de disseminação acontecia pela imprensa, por meio da divulgação de técnicas

agrícolas tanto pela imprensa de grande circulação quanto em publicações próprias de

instituições de pesquisa. Particularmente após a Segunda Guerra Mundial “os meios de

comunicação assumem função instrumental de disseminar informações e orientar o agricultor,

muitas vezes com apoio de escola agrícolas. Jornais, rádio e cinema rompem a distância

geográfica entre as fontes de informação nos núcleos urbanos e agricultores isolados em

propriedades rurais” (DUARTE, 2004, p.19).

8 Segundo o Dicionário Houaiss, commodity é “qualquer bem em estado bruto, ger. de origem agropecuária ou de extração mineral ou vegetal, produzido em larga escala mundial e com características físicas homogêneas, seja qual for a sua origem, geralmente destinado ao comércio externo” / “cada um dos produtos primários (p.ex., café, açúcar, soja, trigo, petróleo, ouro, diversos minérios etc.), cujo preço é determinado pela oferta e procura internacional”.

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Para explicar a próxima fase, o difusionismo, Duarte (2004, p.20) cita o conceito de

Rogers (1995) como o mais utilizado: “processo pelo qual uma inovação é comunicada

através de certos canais ao longo do tempo entre os membros de um sistema social. É um tipo

especial de comunicação, em que as mensagens são relacionadas a novas idéias”. Na prática,

o difusionismo no meio rural se caracterizava pela indução do agricultor à adoção de

tecnologias geradas nos institutos de pesquisa, com a utilização de diversas estratégias de

comunicação: “reuniões, dias-de-campo, programas de rádio, jornais, revistas e cadernos

agrícolas, ações dirigidas a filhos e esposas, estímulo à ação de líderes de opinião e vizinhos,

treinamento, visitas, grupos de mutirão, de parentesco, grupos e líderes informais”

(DUARTE, 2004, p.21). A intenção era o simples repasse de informações.

Como veremos mais para frente, tais estratégias de comunicação ainda são utilizadas,

mas hoje seu sentido é diferente: ao invés de induzir à adoção de tecnologias, são utilizadas na

intenção de produzir sentido entre os assentados, de discutir sua situação e decidir que ações

realizar, em lugar de uma recepção passiva das informações, que eram utilizadas sem

qualquer reflexão. Segundo Montoya (2004, p.266)

esta difusão de caráter vertical (de cima para baixo) teve êxito relativo, porém foi impossível sua extensão para todos os produtores. As tecnologias e os anseios dos produtores não eram discutidos quando se tratava das questões relacionadas à modernização da agricultura e à intervenção do estado. O ambiente produtivo era visto, tratado e anunciado como uniforme.

A estratégia difusionista é amplamente rebatida por Freire (1977) e Bordenave (1985),

entre outros autores, o que gera novas discussões e uma nova fase: o estruturalismo,

caracterizado pelo questionamento à Revolução Verde e a inserção de questões sociais no

debate público. Segundo Duarte (2004, p.26),

desenvolvimento, nessa visão, passa por uma estratégia global de enfrentamento do sistema de modo a se obter alterações nas estruturas social, econômica, política e cultural, tornando o agricultor sujeito de sua própria ação, como propunha Paulo Freire. O aumento da produção agrícola não era suficiente para o desenvolvimento rural, assim como a própria noção de desenvolvimento teria que ser revista.

Mas, possivelmente o grande empecilho para esta fase foi a sua ampla teorização, sem

a conseqüente aplicação prática: “pródiga em observações teóricas, craim [criaram] impasses

ao não apresentarem soluções explícitas que rompam com a própria estrutura denunciada e

permitam ação eficiente junto ao homem do campo” (DUARTE, 2004, p.28). As discussões

para sair da teoria e efetivamente alcançar uma prática comunicativa junto aos agricultores

dão origem à fase pluralista.

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É quando surgem novos movimentos sociais, como o MST, por exemplo e a chamada

comunicação alternativa começa a ganhar força, com ênfase em pesquisa-participativa e

pesquisa-ação. A extensão rural, por exemplo, era feita quase que exclusivamente pelo poder

público, mas agora passa a contar com movimentos sociais também atuando na sua execução.

Hoje, além dos serviços oficiais de assistência técnica e extensão rural (também conhecidos

como Aters e geralmente realizados pelos governos federal e estaduais), prefeituras,

cooperativas, sindicatos, ongs, empresas e até mesmo instituições de pesquisa e universidades

têm realizado este serviço de capacitação e informação do agricultor, embora de forma

desarticulada. Até 1992 a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural –

Embrater, funcionava como aglutinadora das instituições públicas estaduais que realizavam a

extensão rural. No entanto, em 1990, o presidente Fernando Collor de Melo extinguiu a

estatal, deixando, então, as instituições estaduais órfãs da coordenação de seus trabalhos.

Mesmo assim, a participação passou a ser a palavra-chave e houve, enfim, um

encontro entre teoria e prática da comunicação.

A noção de desenvolvimento como etapa a ser alcançada é superada pela de que é um processo permanente, com ênfase na dimensão humana e relacionado à capacidade do sistema social de suprir suas próprias necessidade de bem-estar cultural e material. A ênfase é no empoderamento das populações, que passariam de uma perspectiva de desenvolvimento exógeno para endógeno por meio do estímulo às suas capacidades comunicativa, participativa e associativa. (DUARTE, 2004, p.30)

Estas reflexões são profundamente pertinentes com o momento analisado na pesquisa

de campo (Capítulo VI). No entanto, será que esse empoderamento tem mesmo chegado aos

assentamentos rurais? E qual o papel da comunicação? Duarte (2004, p.30) cita Tehranian

(1997), para quem “a comunicação para o desenvolvimento passa a ser relacionada a redes

interpessoais/grupais, relativização do poder da mídia de massa, ação integrada de mídias

modernas/tradicionais para mobilização, uso de canais de comunicação horizontais e redução

dos verticais”. A ampliação dos canais de comunicação horizontais fica bem claro no Capítulo

IV, quando a comunicação é apresentada como ferramenta de mobilização social.

O papel da Comunicação

Pode-se observar que a produção rural seria algo privado, que só interessa a quem está

envolvido com ela, mas a necessidade de acesso à tecnologia torna-a uma necessidade

pública. As tecnologias precisam ser publicizadas para que essa população tenha acesso e

possa adotá-las (com adaptações às diferentes realidades), propiciando, assim, seu

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desenvolvimento. É uma nova relação de poder e as diferentes formas de mídia são o espaço

para esta transição entre a necessidade privada e o espaço público.

Se, por um lado, grandes produtores têm acesso às modernas tecnologias e estão mais

perto da informação, o mesmo não pode ser dito dos pequenos, que carecem de tecnologia e

maneiras de serem informados. O resultado é a ineficácia aliada à baixa produtividade.

Na área florestal não poderia ser diferente. A transferência de tecnologia nesta área é

preocupação de diversos grupos temáticos da Iufro (International Union of Forestry Research

Organizations)9 que, já em 1993, publicou um boletim com este tema, onde são encontrados

diversos papers sobre o assunto. No prefácio deste boletim, a Iufro demonstra a necessidade

de apropriação de conhecimentos científicos pelos usuários destas tecnologias e faz um

questionamento se a quantidade de informação gerada será efetivamente aplicada. Uma busca

pela Internet também mostra a diversidade e variedade de instituições, principalmente

acadêmicos que refletem sobre esta temática e desenvolvem projetos em comunidades rurais.

Isto nos faz discutir não somente a quantidade de informação, mas, principalmente, a

maneira como ela é transferida aos diferentes públicos.

Caldas (2000, p.8) complementa, afirmando que

assuntos científicos e tecnológicos exigem cuidados adicionais na re/construção da informação. Face aos impasses e desafios provocados pela ciência moderna, essa discussão deve ser ampliada e contextualizada numa perspectiva histórica, política, econômica e social...

Na questão específica de florestas e meio ambiente, a Eco 92, considerada uma das

mais importantes conferências mundiais sobre meio ambiente, também demonstrou a

importância e a urgência de adoção de medidas visando o desenvolvimento sustentável. A

Agenda 21, principal documento resultante da Eco 92, reforça a necessidade de promover o

acesso a tecnologias ambientalmente saudáveis e de sua transferência em condições

favoráveis. Para tanto, criou uma série de ferramentas, estratégias e atividades para facilitar

este processo. O documento “Agenda 21 Brasileira - Ações Prioritárias” (2002, p.5) explicita:

na prática, o maior desafio da Agenda 21 é internalizar, nas políticas públicas do país e em suas prioridades regionais e locais, os valores e princípios do desenvolvimento sustentável, como meta a ser atingida no mais breve tempo possível. Para tanto, é necessário um compromisso coletivo, envolvendo os mais diferentes atores, inclusive os meios de comunicação, para a produção de grandes impactos que, a todos, contagiem. A chave de seu sucesso depende da capacidade coletiva de mobilizar, integrar e dar

9 União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal, com sede na Áustria. A Iufro é uma organização que reúne mais de 700 instituições de pesquisa florestal públicas e privadas de todo o mundo (170 países). Funciona como uma rede de articulação de pesquisa florestal.

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prioridade a algumas ações seletivas de caráter estratégico, que concentrem esforços e desencadeiem grandes mudanças.

Na primeira versão de sua Política de Comunicação, a Embrapa (2000, p.31) afirma

que a comunicação para transferência de tecnologia tem como propósito repassar aos usuários

potenciais a capacidade de usar conhecimentos e tecnologias de maneira satisfatória. Esta

também é uma forma de utilizar o efeito multiplicador, formando redes, pois a capacitação

através da comunicação torna possível a disseminação do conhecimento. A comunicação,

então passa a exercer não somente uma função informativa mas também formativa, educativa,

carregada de signos e possibilidades.

Rádio, jornal, jornal mural, televisão, manuais, panfletos, folderes, teatro, cinema,

contato pessoal, entre outras formas de comunicação, podem e devem ser trabalhados tendo

como objetivo este caráter formador. Neste aspecto, não se pode deixar de levar em

consideração a linguagem utilizada e também os meios.

Peruzzo (1998, p.149) ressalta que

é comum a utilização de algum tipo de veículo de comunicação sem maiores preocupações com sua apropriação ao público-alvo. Chega-se, às vezes, ao absurdo de se produzir um jornal impresso destinado a uma população de maioria analfabeta [...] quanto ao áudio, às vezes se faz a opção pelo alto-falante, sem um estudo sobre a aceitação desse veículo e os melhores dias e horários para ser levado ao ar. O som invade os lares sem pedir licença e sem poder ser interceptado pelos ouvintes, ...

Este estudo de meios, mensagens e públicos é fundamental para a eficácia da

comunicação na transferência de tecnologia. E não se pode pensar a comunicação como

somente uma estratégia, mas também como impulsionadora da mobilização social, com

significações que só cumprem seu papel se a linguagem for entendida e os sentidos

apropriados pelo seu público.

No caso dos assentamentos rurais, pessoas humildes, em sua maioria com pouco

estudo, além da questão técnica da produção, do dia-a-dia, não se pode esquecer que estas

pessoas têm uma história de vida, um longo e, na maioria das vezes, penoso caminho até

chegar onde estão. Isso leva à conclusão de que a comunicação deve ser muito bem trabalhada

para este público e a transferência de tecnologia é de vital importância. Histórias de vida que

merecem ser contadas para todas as gerações. Freire (1988, p.55) completa esta idéia,

analisando o que chama de “agrônomo educador”:10

10 O termo “agrônomo educador” é utilizado nesta obra de Freire – “Comunicação ou extensão?”, mas as reflexões também servem para o profissional que trabalha com assentamentos rurais.

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o trabalho do agrônomo educador não pode limitar-se, apenas, à espera da substituição dos procedimentos empíricos dos camponeses por suas técnicas. Duas razões básicas nos levam a esta afirmação. Uma, porque é impossível a mudança do procedimento técnico sem repercussão em outras dimensões da existência dos homens; outra, pela inviabilidade de uma educação neutra, qualquer que seja o seu campo.

É o que também afirma Koch (1984, p. 20), para quem “a simples seleção das opiniões

a serem reproduzidas já implica, por si mesma, uma opção”. Ou seja, a simples seleção dos

conteúdos e assuntos a serem trabalhados com os assentados já implica em uma escolha. Será

que esta seleção tem sido dialógica?

Freire (1988, p.81) analisa ainda a relação entre educador, no caso o extensionista ou

pessoa que realiza a transferência de tecnologia, e o educando, no caso o assentado rural, que

deve ser um aprender contínuo em ambos os lados: “a tarefa do educador, então, é a de

problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de

dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado e

terminado”.

E neste ponto também entra a questão da ideologia, conforme problematiza Koch

(1984, p.19) : “o discurso é uma ação verbal dotada de intencionalidade, que tenta influenciar

o outro ou fazer com que o outro compartilhe suas idéias. Desta forma, por trás de todo

discurso há uma ideologia e, neste sentido, não existe discurso neutro” (KOCH, 1984, p. 19).

Santaella (1996) lembra que “toda linguagem é ideológica porque, ao refletir a realidade, ela

necessariamente a refrata”. Bordenave (1983, p.11) explica bem a necessidade de adaptar a

linguagem ao público rural:

Uma característica das áreas rurais é a in-comunicação. Não se trata somente do isolamento geográfico, associado às grandes distâncias que às vezes separam fazendas e vilas umas das outras e à precariedade dos transportes ocasionalmente paralisados semanas inteiras pelo mau estado das estradas em tempo de chuva. Trata-se da in-comunicação socialmente determinada pelo analfabetismo e o baixo nível de instrução; [...] Se é verdade que existe uma in-comunicação básica no próprio seio da população rural, a in-comunicação é ainda mais freqüente entre esta e os que se formaram na cultura urbana. Seus efeitos tornam-se particularmente manifestos no contato entre os técnicos das ciências agrárias e seus supostos beneficiários, os agricultores.

Por outro lado, o analfabetismo não pode servir de desculpa para a ausência de

transferência de tecnologia e aquisição de conhecimento no campo, face às múltiplas formas e

processos de comunicação. Isso está muito evidente na pesquisa de campo, onde mesmo

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assentados que mal sabem ler participam dos eventos e adaptam o que aprendem em seus

lotes.

Freire é pioneiro nesta análise da relação entre o “extensionista” e os agricultores. Na

realidade, o termo extensionista é rejeitado por ele, que acredita que

a ação extensionista envolve, qualquer que seja o setor em que se realize, a necessidade que sentem aqueles que a fazem, de ir até a ‘outra parte do mundo’, considerada inferior, para, à sua maneira, ‘normalizá-la’. Para fazê-la mais ou menos semelhante a seu mundo (FREIRE, 1977, p. 22).

Freire acredita, conforme já explicitamos anteriormente, em um contato dialógico,

libertador, onde não basta somente repassar as informações. Isso seria caracterizado como

uma invasão cultural que acabaria por não produzir os efeitos desejados de aplicação de

tecnologias com o conseqüente desenvolvimento. É necessária uma troca, um constante

aprender-ensinar de ambas as partes, pois todos fazem parte do processo.

Por isso Berdegué (2002) afirma que os desafios de uma nova forma de fazer extensão

são: políticas e sistemas que conduzam à inovação; partir do desenvolvimento de serviços

para o desenvolvimento do mercado de serviços de assessoria; facilitar aos produtores a

participação (para que eles mesmos construam seu desenvolvimento); serviços específicos

direcionados para os agricultores mais pobres, e um novo perfil de assessores e extensionistas:

“33% gestor/gerente, 33% comunicador e 33% técnico [...] deve ser capaz de realizar cada

uma desta funções com um padrão muito mais alto de qualidade do que vem sendo feito até

agora” (BERDEGUÉ, 2002, p.19).

Por fim, Görgen (2004, p.59) é enfático:

não basta acesso ao crédito. Não bastam políticas públicas. Não basta sequer o acesso à terra. É preciso também mudar a cabeça, o modo de pensar. É preciso formação, aprender de novo a não depender dos grandes para tocar a produção. É preciso, antes de mais nada, mudar a forma de produzir. Para isso tem que voltar a ser plenamente agricultor, pesquisador da natureza, cientista da roça e não ser mais consumidor de receitas químicas e pacotes tecnológicos. Tem que pesquisar com os antigos muitas sabedorias que quase se perderam e aprender coisas novas com o comportamento do solo, das plantas, das matas, do sol, do tempo, do vento, das águas e com quem já andou na nossa frente e tem mais experiência acumulada.

Neste sentido, a transferência de tecnologia na área florestal deve partir, inicialmente,

do reconhecimento do saber do assentado, para então re/construir, quando for o caso, novos

conhecimentos para aplicação em seu dia-a-dia. Tal reconhecimento não é favor, pelo

contrário, é crescimento, aprendizado, novas descobertas, tanto para o assentado quanto para

o técnico. Este protagonismo no mundo rural precisa ser compartilhado.

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Cap. 4

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Já foram mostrados aqui diversos conceitos que fazem parte do objeto de estudo desta

dissertação. Mas o que vai alavancar todo o processo e possibilitar o sucesso da comunicação

como ferramenta de capacitação em assentamentos rurais para as questões florestais e

ambientais é a mobilização social. São os instrumentos de mobilização que vão fazer a ligação

necessária entre educação, transferência de tecnologia, questões florestais e ambientais, entre

outros. Tais conceitos, isoladamente, são de difícil compreensão se não estiverem inseridos

em um processo concreto de mobilização social para a transformação de atitudes e ações do

grupo estudado.

Falar em assentamentos rurais pressupõe resgatar conceitos como comunidade,

movimentos sociais, identidade, sentido de pertença. São conceitos importantes para entender

um desejo latente, o de transformação social.

Identidade

Neste ponto, outro conceito se revela como uma questão de suma importância: : o de

identidade. É como se o ser humano estivesse em crise sobre seu lugar na sociedade. Se

simplesmente cumpre um papel (mãe, trabalhador, chefe de família) ou se constrói uma

identidade com base em sua própria escolha. É simplesmente aceitar os papéis impostos pela

sociedade ou então por optar pelo tão usado mas sempre atual “ser sujeito de sua própria

história”.

Para Castells (1999, p.23), “identidades constituem fontes de significado para os

próprios atores, por eles originadas e construídas por meio de um processo de individuação”.

Essa individuação remete ao processo histórico de cada um que, ao fazer parte de um grupo,

busca um destino coletivo. Conforme analisa Thompson (2004, p.165): “a identidade coletiva

é o sentido que cada um tem de si mesmo como membro de um grupo social ou coletividade;

é um sentido de pertença, de ser parte de um grupo social que tem uma história própria e um

destino coletivo”.

Hall (2000, p. 106), por sua vez, aponta uma visão “naturalista” de identidade, que

poderia ser tomada como uma base inicial para o entendimento do termo: “na linguagem do

senso comum, a identificação é construída a partir do reconhecimento de alguma origem

comum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a

partir de um mesmo ideal”. Mas, atualmente, em contraponto, Hall também mostra que a

abordagem discursiva traz a questão da identidade como um processo nunca completado,

sempre “em processo”. Ou seja, as identidades estão em constante mutação, “são, na

modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas [...] não são, nunca, singulares,

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mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se

cruzar ou ser antagônicas” (HALL, 2000, p. 108). Hall retoma aqui a discussão de Santos

(1999), abordada anteriormente, sobre as conseqüências dos excessos e déficits da

modernidade. O próprio Santos (1999, p. 135) analisa que “sabemos hoje que as identidades

culturais não são rígidas nem, muito menos, imutáveis. São resultados sempre transitórios e

fugazes de processos de identificação”.

Essa fragmentação da identidade também se deve ao fato de o ser humano não ter uma

posição definida sobre onde está, para onde vai, o que esperar. A multiplicidade de opções,

ideologias, correntes de pensamento, hoje, faz com que o ser humano seja uma junção de

fragmentos de pensamentos; uma intersecção de idéias. Não existe mais identidade em seu

sentido tradicional, que une tudo sob os mesmos conceitos e ideologias, sem diferenciação.

Hoje, a identidade é construída por meio da diferença e não fora dela (HALL, 2000, p.110).

Ou seja, a identidade de constrói também em relação ao “outro”, às similaridades e diferenças

em relação ao que se quer para si e o que se encontra na sociedade.

Comunidade

O excesso e o déficit (abordados no Capítulo I), resultando em um momento de

transição, aliados à identidade “em processo”, promovem a crise de um outro conceito: o de

comunidade, antes tida como um espaço local, territorial, como um pilar de regulação da

modernidade. Uma reflexão feita por Buber (1987) é que não é possível voltar atrás, no

sentido das comunidades de antigamente, mas é possível criar novas comunidades na

sociedade. Essa “nova comunidade” é formada a partir de afinidades específicas, o que tem a

ver com identidade, que permeia o conceito de comunidade hoje. São laços de escolha. Mais

uma vez isso reforça Toro, quando afirma que participar de um projeto de mobilização é um

ato de liberdade, onde a pessoa aceita, quer participar.

Com o advento da globalização, acreditava-se que tudo o que era comunitário teria

fim. Pelo contrário, a sociedade cada vez mais reflete sobre sua finalidade, seus papéis, suas

identidades. É como afirma Paiva (2003, p.66): “no instante em que se consubstancia a

certeza de que a sociedade se encontra imersa em reflexões sobre o seu papel, sobre a

validade dos dispositivos que produziu, aparece como suposição de solução, e envolta nos

mais variados programas, mas sempre como mistério a ser descortinado, a vida comunitária”.

Para Peruzzo (2002), “falar em comunidade significa falar de fortes laços, de reciprocidades,

de sentido coletivo dos relacionamentos”.

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Santos (1999) apresenta o conceito comunidade na pós-modernidade como um pilar

regulador, ao lado do Estado e do mercado, que passa pelas seguintes fases:

- 1° período (século XIX) – entra em colapso pelo desenvolvimento gigantesco do mercado

e reduz-se a dois elementos abstratos: a sociedade civil (suporte da esfera pública) e o

indivíduo (suporte da esfera privada);

- 2° período (final do século XIX até metade do século XX): emergência das práticas de

classe e rematerialização social e política;

- 3° período (a partir dos anos 1960 até hoje): enfraquecimento das práticas de classe;

atenuação do conteúdo ideológico; práticas de mobilização social; surgimento dos

movimentos sociais.

Vivemos, então, hoje, a terceira fase, com o surgimento de diversos tipos de

movimentos sociais, onde a mobilização social, da qual trataremos mais à frente, ganha

espaço para o fortalecimento desses grupos.

Cidadania e democracia

Essas reflexões sobre identidade e comunidade remetem a dois outros conceitos:

cidadania e democracia. Longe de querer reforçar um único conceito para estes termos, eles se

tornam muito latentes quando falamos em transformação social. Para Toro (2005), a

democracia é fruto do consenso construído e não da ausência de conflito. Um consenso fruto

de discussões, justamente o contrário do que diz Chomsky (1995), de que a mídia,

principalmente, segue “cartilhas” de poder e noticia somente aquilo que serve a esse poder.

Um “consenso fabricado”. Infelizmente, é esse consenso que se vê no dia-a-dia, confirmando

Chomsky.

É na diversidade de pensamentos que se deve chegar ao que é melhor para toda a

sociedade. Não é algo que pode ser imposto, mas sim vivenciado, apreendido. Essa mesma

perspectiva é reforçada por Chauí em um texto de Vieira (2000, p.40):

um Estado democrático é aquele que considera o conflito legítimo. Não só trabalha politicamente os diversos interesses e necessidades particulares existentes na sociedade, como procura instituí-los em direitos universais1 reconhecidos formalmente. Os indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais, sindicatos e partidos, constituindo um contra-poder social que limita o poder do Estado. Uma sociedade democrática não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, e está sempre aberta à ampliação dos direitos existentes e à criação de novos direitos.

1 grifo original

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E isso remete ao conceito de cidadão de Toro (2005, p.20), para quem “um cidadão é

uma pessoa capaz de, em cooperação com outras, transformar a ordem social na qual ela

mesma quer viver e a qual se compromete a cumprir e proteger, para a dignidade de todos”.

Para Janoski apud Gohn (2003, p.177), uma das metas principais de uma teoria da cidadania é

dar margem à compreensão do nexo de solidariedade que mantém o conjunto social. A cidadania presume a existência de uma sociedade civil inserida em redes e conexões entre pessoas e grupos, e ainda normas e valores que exerçam papel significativo na vida social., afinal, a cidadania desenvolve-se em comunidades de cidadãos responsáveis através das estrutura da sociedade civil.

Para que exista essa “evolução” de pessoa/indivíduo para cidadão, é necessário o

envolvimento nas diversas instâncias da sociedade. Castells (1999, p.84) cita Robert Bellah et

al., para quem “a transformação pessoal em múltiplos níveis é essencial, e não deve ocorrer

apenas em termos de consciência, mas implicar ação individual. Contudo, os indivíduos

necessitam do apoio de grupos que carreguem consigo uma tradição moral capaz de reforçar

suas próprias aspirações”. E isso acontece com o envolvimento, com o engajamento e

participação nas lutas sociais. Com cidadania ativa e não passiva. Para os sem-terra, isso vem

com a sua articulação em conjunto, participando de movimentos de luta pela terra, ou seja,

pela mobilização.

Mobilização social

No Dicionário Houaiss2 encontra-se a seguinte definição para o termo mobilização:

“convocação e estimulação da população ou de determinados grupos sociais para que

participem de alguma atividade cívica e/ou política”. No Dicionário Aurélio3 consta “ato ou

efeito de mobilizar” e, em “mobilizar”: “arregimentação para uma ação política ou

reivindicatória”. No Dicionário Michaelis4: “ato ou efeito de mobilizar” e, em “mobilizar”:

“dar movimento a; pôr em movimento, em atuação: ‘Que mobilize energias e valores, ...de

todos os povos indo-americanos’ (Gilberto Freire)”. Para além do que está definido nos

dicionários, a mobilização social tem que ser algo bastante palpável para que se torne

realidade.

2 Versão eletrônica consultada em <http://biblioteca.uol.com.br> . Acesso em 08 dez 2006. Rubrica: política. 3 CD Rom. 4 Versão eletrônica consultada em <http://biblioteca.uol.com.br> . Acesso em 08 dez 2006.

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Para este estudo, adoto a Teoria da Mobilização Social de Bernardo Toro e Nísia

Werneck, por se adequar à realidade dos assentamentos rurais, a qual repito: “mobilizar é

convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um

sentido também compartilhados”. Trata-se de unir a vontade ao desejo da pessoa,

compartilhado com outros, em mudar algo à sua volta, onde encontra sentido em sua ação.

A mobilização social não pode ser confundida simplesmente com manifestações e/ou

atos públicos e ações correlatas, como uma passeata, um comício ou um jantar para captação

de recursos, por exemplo. Esse tipo de ação até pode fazer parte do processo, mas “a

mobilização ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide

e age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e desejados

por todos” (TORO; WERNECK, 2004, p.13). É esta continuidade do processo, essa busca

quotidiana, que diferencia a mobilização de um ato em si. A mobilização, na realidade, passa

a ser um conjunto de ações na busca de um objetivo comum.

São desafios a serem superados coletivamente, cada um consciente de seu papel.

Quanto mais organização, mais forte será o tecido social. Ao se organizar, aos poucos as lutas

vão tomando forma e conseguindo seus resultados. Toro (2005, p.22) afirma que “um dos

indicadores de pobreza mais graves é não estar organizado”, com o que concordo.

Toro & Werneck (2004) ressaltam que participar é um ato de liberdade, uma decisão

de cada um. Participar é um ato que somente um “ser político” pode colocar em prática ao

assumir a sua identidade como sujeito de sua própria história. Arendt (1997, p.31) discute

este “ser político” e explicita que “só a ação é prerrogativa exclusiva do homem; nem um

animal nem um deus é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente da constante presença

de outros”. Esta afirmativa é emblemática para compreensão do processo de mobilização: só o

homem é capaz de ação e a ação depende da presença do outro. Isso deixa muito claro que

mobilizar requer um coletivo, requer participação, e isto deve estar fortemente amarrado em

um objetivo comum.

Participação

Demo (1993) trabalha com a definição de que participação é conquista e traz três

apontamentos importantes para esta reflexão que se entrelaçam com a questão da

mobilização:

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a) Participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual;

b) Participação não é dádiva, concessão nem algo pré-existente. É algo a ser conquistado;

c) Talvez não esteja em nossos hábitos participar. É mais prático receber as coisas dos

outros, mesmo porque é um projeto milenar viver às custas dos outros.

Acredito que estes três itens são pontos cruciais da questão da participação atualmente,

mesmo que as reflexões datem de 1993. No entanto, mais de dez anos já transcorreram e

percebe-se que, no meio rural, ainda não se avançou muito, como pode ser observado nos

próximos capítulos. Ainda persiste o imediatismo frente à conquista processual; o esperar

acontecer frente ao fazer acontecer; a falta de mudança de hábitos. As pessoas sabem da

necessidade da participação e têm consciência que a sua decisão pode gerar transformação.

porém poucos o fazem. Mas, como, então, transformar a decisão de cada um em ação? Como

transformar essa interpretação e sentido compartilhados em algo que mude efetivamente a

realidade? Como fazer com que um assentado rural, já calejado pelas lutas da vida, seja

motivado a melhorar a sua vida e a dos que estão à sua volta? Novamente recorremos a Toro e

Werneck (2004, p.14):

Como falamos de interpretações e sentidos compartilhados, reconhecemos a mobilização social como um ato de comunicação. A mobilização não se confunde com propaganda ou divulgação, mas exige ações de comunicação no seu sentido amplo, enquanto processo de compartilhamento de discurso, visões e informações. O que dá estabilidade a um processo de mobilização social é saber que o que eu faço e decido, em meu campo de atuação cotidiana, está sendo feito e decidido por outros, em seus próprios campos de atuação, com os mesmos propósitos e sentidos.

Como, então, traduzir a Teoria da Mobilização Social e a prática da comunicação em

ações de transformação social? Na perspectiva de Toro (2005), em um processo de

mobilização social, a comunicação deve se preocupar com três questões: a) formular um

“imaginário”; b) deixar claro o campo de atuação do reeditor; c) coletivizar a ação.

A formulação do imaginário

Como todo processo de mobilização precisa, obrigatoriamente, de um propósito claro,

explícito, um dos primeiros passos para se atingir este objetivo é a construção do imaginário.

Como afirma Paiva (2003, p.67), “é necessário assumir que a idéia de comunidade sempre

esteve relacionada ao propósito de construção do mundo real, embora como lugar que

atendesse ao imaginário do grupo”. Seria como se “buscássemos uma espécie de ‘pessoa

coletiva’, da qual cada indivíduo é um elemento ínfimo mas indispensável” (FAXINA, 2001,

p.116). No caso dos assentamentos rurais, a questão do imaginário é de suma importância e

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dois aspectos influenciam: como eles se vêem (fruto de um objetivo comum, uma meta, um

sentido) e como a sociedade os vê.

Além de toda problemática social, os assentados enfrentam, na sociedade, opiniões

contraditórias sobre a sua condição. Sua imagem é sempre, e inevitavelmente, atrelada aos

sem terra, principalmente àqueles vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra – MST, conforme relatado no Capítulo I. Em uma visita ao sítio do MST5 em 2006, foi

simbólico encontrar uma página com o título “Quem somos”:

Muita gente quanto ouve falar em Sem Terra imagina que são os trabalhadores rurais, os meeiros ou os parceleiros que não tem terra. Sem Terra tornou-se nome próprio. Nome de trabalhadores organizados lutando pela Reforma Agrária e para transformar a sociedade. Sem Terra tornou-se sinal do resgate da dignidade de trabalhadores e trabalhadoras chamados vagabundos, chutados de um canto para outro. Conquistou, pela sua opção de entrar na luta, uma identidade: sou Sem Terra.Tornou-se, por causa do MST, um cidadão respeitado. E o MST nada mais é do que centenas de milhares de Sem Terra. A sociedade atual, chamada de neoliberal, exclui os mais pobres, deixando-os sem trabalho, sem direitos e sem dignidade. O MST, aos poucos, consegue resgatar esta dignidade: consegue fazer seus documentos e registrar os filhos; aprende a ler e escrever a realidade e vê os seus filhos participando da Escola; consegue um teto para a família; Mas isto é pouco. Só conseguiremos nossos objetivos quando a Reforma Agrária for uma luta de todos.

Este texto esteve disponível até começo de junho/2006 no sítio do MST. Atualmente,

está disponibilizado um outro texto sobre a história do MST, que finaliza da seguinte forma:

Hoje, completando 22 anos de existência, o MST entende que seu papel como movimento social é continuar organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanças. Nos 23 estados em que o Movimento atua, luta não só pela Reforma Agrária, mas pela construção de um projeto popular para o Brasil, baseado na justiça social e na dignidade humana.

As estratégias do MST são várias, desde passeatas, marchas de luta pela terra, a

ocupações de propriedades ditas “improdutivas” e mesmo estabelecimentos do governo.

Como, então, a sociedade brasileira vê esse movimento? Qual é o imaginário social sobre o

trabalhador sem-terra e a realidade da terra?

Pesquisa realizada pela empresa Sensus Pesquisa e Consultoria6 em abril de 2006

aponta que 75,4% dos entrevistados são contra o que a pesquisa chama de invasão de terras.

No entanto, somente 18,7% são contra a Reforma Agrária. Então, se por um lado a causa é

5 Disponível em <www.mst.org.br> . Acesso em 30 abr. 2006. 6 Disponível em <www.sensus.com.br> . Acesso em 03 mai. 2006. Não foi encontrada pesquisa de opinião mais atual.

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simpática à maioria da população, a principal estratégia de atuação é refutada. Percebe-se,

cada vez mais, o questionamento, principalmente da sociedade urbana, em relação aos

métodos utilizados pelo MST. Percebe-se cada vez mais a rejeição por tais métodos em e-

mails e textos que circulam pela Internet, como por exemplo Jabor (2003). Em época de

eleições, principalmente presidenciais, também é comum a circulação de e-mails que

condenam a forma de atuação do MST e vinculam esta atuação a algum candidato em

especial. Para estes públicos, as estratégias do MST não passam de “baderna”, “arruaça” e

“depredação” do bem particular. E aí existe um contraponto carregado de ideologia: enquanto

o MST chama de “ocupação”, essas pessoas e parte da mídia chamam de “invasão”.

Então, não basta somente a criação de um imaginário do grupo, mas também analisar

qual o imaginário a sociedade tem sobre este grupo. Como este imaginário interfere na

formação da identidade do assentado? Certamente bastante e isso pode fazer a diferença

quanto à questão sobre como esse assentado vai se mobilizar. Afinal, faz parte do ser humano

se preocupar com a sua identidade e o que pensam sobre ele.

Já na questão da formulação de um imaginário para o processo de mobilização em si,

as pessoas são envolvidas pelo desejo que as move. Esse imaginário deve ser algo palpável e

alguns exemplos, no Brasil, são clássicos, como o imaginário proposto pela Pastoral da

Criança (“para que todas as crianças tenham vida”); ou pela campanha Natal sem Fome (“que

nenhuma família passe fome no Natal”). Ou seja, a pessoa, ao realizar a sua ação, ao se dar

conta do seu papel, sabe que o que faz está colaborando para que esse imaginário se

concretize.

É como problematiza Freire (1977, p.31):

a posição normal do homem no mundo, como um ser da ação e da reflexão, é a de ‘ad-mirador’ do mundo. Como um ser da atividade que é capaz de refletir sobre si e sobre a própria atividade que dele se desliga, o homem é capaz de ‘afastar-se’ do mundo para ficar nele e com ele. Somente o homem é capaz de realizar esta operação, de que resulta sua inserção crítica na realidade. ‘Ad-mirar’ a realidade significa objetivá-la, apreendê-la como campo de sua ação e reflexão. Significa penetrá-la, cada vez mais lucidamente, para descobrir as inter-relações verdadeiras dos fatos percebidos.

Apesar de ser uma reflexão de 1977, os apontamentos de Freire continuam bastante

atuais. Ao ad-mirar o mundo, ao inserir-se criticamente na realidade, estará mais preparado

para agir. O princípio do Método Paulo Freire de Ensino, as palavras geradoras, é todo

baseado no conhecimento da pessoa e de sua inserção social (o que faz, onde vive, em que

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trabalha...). Desta forma, milhares de camponeses e pessoas humildes foram alfabetizados até

hoje. É desta forma que a mobilização social pode melhor ocorrer.

Então, qual seria o imaginário dos assentados? De acordo com as entrevistas

realizadas, que serão melhor explicitadas e analisadas nos próximo capítulos, percebe-se que

o imaginário ideal é o proposto pelo MST, conforme já citado anteriormente: “[atuamos na]

luta não só pela Reforma Agrária, mas pela construção de um projeto popular para o Brasil,

baseado na justiça social e na dignidade humana”. Tanto da parte dos técnicos quanto dos

assentados ainda engajados na luta do MST, este é o ideal a ser atingido. A própria atuação do

Movimento ultrapassa somente a questão da conquista da terra e abraça outras causas

consideradas complementares tais como educação, saúde e meio ambiente, promovendo uma

discussão política mais abrangente. Mas, como mostrarei e discutirei posteriormente, em

muitos casos este imaginário é deixado de lado logo que se conquista a terra. O que fica de

comum, entre “mobilizados e desmobilizados” é ter a sua terra, conseguir tirar dela seu

sustento e garantir o futuro dos filhos (muito parecido, aliás, com o conceito de

desenvolvimento sustentável). Mas destrinchemos, por enquanto, as “tarefas” da comunicação

em um processo de mobilização social.

O campo de atuação

A segunda preocupação da comunicação é deixar claro o campo de atuação do

reeditor. Parte-se do pressuposto que é no saber qual o seu papel e o que fazer é que reside um

dos pontos-chave do processo de mobilização: a pessoa poder usar o que sabe, o que faz em

seu dia-a-dia, a favor do projeto.

Percebe-se, então, que não adianta tirar a pessoa do seu campo de atuação para que,

solidariamente, faça algo que não tem compreensão. O resultado disso será alguém

insatisfeito realizando um trabalho mecânico. Abrimos um parêntesis aqui para explicar,

dentro da Teoria da Mobilização Social de Bernardo Toro (2004, p.41), sua visão sobre o

papel dos atores sociais:

a) Produtor social: a pessoa ou instituição que tem a capacidade de criar

condições econômicas, institucionais, técnicas e profissionais para que um

processo de mobilização ocorra;

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b) Reeditor7: pessoa que, por seu papel social, ocupação ou trabalho tem a

capacidade de readequar mensagens, segundo circunstância e propósitos,

com credibilidade e legitimidade;

c) Editor: é quem estrutura as mensagens e sabe que códigos são necessários

para que a mensagem seja compreendida e absorvida pelo reeditor para que

ele possa convertê-la em uma forma de sentir, de atuar e de decidir em

função do imaginário.

Então, o reeditor precisa ter ferramentas, precisa receber orientações sobre o que deve

fazer em seu campo de atuação. E esse é papel da comunicação, que se encarrega da

elaboração e produção de materiais condizentes a esta tarefa, para que o reeditor cumpra seu

papel a contento. Ninguém ocupa um lugar fixo em um processo de mobilização e o papel de

reeditor cabe a diferentes atores, dependendo da situação: um extensionista, as lideranças do

assentamento, o próprio assentado, entre outros.

A coletivização da ação

A terceira questão, a coletivização da ação, é muitas vezes tomada como a principal.

Para Rabelo (2003, p.66),

todos os que participam de uma campanha precisam saber exatamente qual é a sua tarefa e ter certeza de que o mesmo trabalho está sendo realizado de forma organizada por outras pessoas, pelas mesmas razões e sentidos. Devem, ainda, acreditar que a sua ação individual, aparentemente pequena, é importante para alcançar o objetivo comum a todos.

Por isso as ações para coletivização são realizadas principalmente com as ferramentas

da comunicação de massa, que atingem o coletivo dos participantes de um processo de

mobilização. Faxina (2001) analisou, entre outras questões, como os veículos de massa

colaboravam para o trabalho da Pastoral da Criança junto a cerca de 200 mil líderes

comunitários em todo o País. A pesquisa concluiu que a coletivização da ação proporcionada

pelos veículos de comunicação de massa contribuía de forma decisiva para a mobilização

destas lideranças e resultado de seu trabalho (ressalte-se que está se falando em lideranças

espalhadas por todo o país e que moram em bolsões de pobreza e miséria): “pode-se perceber

o papel legitimador que os meios de comunicação de massa têm junto à população e, ao

mesmo tempo, de motivador individual desses atores sociais” (FAXINA, 2001, p.234).

7 Termo cunhado por Juan Camilo Jaramillo, comunicador colombiano.

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Infelizmente, atualmente grande parte dos envolvidos em processos de mobilização

social têm visto a comunicação somente como uma “divulgadora” de eventos e ações. Ou

seja, preocupam-se em divulgar o que está sendo realizado, mas sem dar sentido a esta ação.

Acabam esquecendo do sentido de coletivização. Deixam de perceber que a comunicação é

transversal a tudo que ocorre e pode ser utilizada como um valioso instrumento em todas as

fases e para todos os públicos participantes.

Segundo Henriques et al. (2004, p.20), “o desafio imposto pelos projetos de

mobilização impõe que se procure evidenciar o diferencial da comunicação, por meio de uma

reflexão sobre as funções e características que deve assumir para que não seja um fim em si

mesma e esteja condizente com uma proposta ética”. A comunicação pode e deve ser mais do

que um fim.

Jambeiro (2003, p.228) por sua vez afirma que

a formação do homem jamais esteve tão condicionada e determinada pelos processos, sistemas e estruturas industriais de informação, cultura e comunicação de massa. Mas a cada dia se pergunta com mais ênfase se esse complexo tecnológico, dominado por interesses comerciais e financeiros tem contribuído para a emancipação cultural e política dos povos. A resposta mais comum é não.

E essa resposta é “não” porque os envolvidos com movimentos sociais não

descobriram ainda o potencial da comunicação. Restringem seu uso às ações de comunicação

de massa de forma meramente instrumental e deixam de aproveitar um enorme potencial de

outras formas de comunicação até mais eficazes em seu benefício, como teatro, rádio popular,

uso de dinâmicas de grupo, intensificação da comunicação pessoal entre outros.

Comunicação como estratégia

Ou seja, não basta somente estar/aparecer nos grandes meios; não basta criar um jornal

simplesmente para mostrar “temos um jornal”; não basta ter um slogan somente para ser algo

bonito e achar que criou o “imaginário”. Percebe-se um erro muito grande quando a

comunicação é vista como um fim em si mesma, conforme explica Faxina (2001, p.102):

Ainda hoje grande parte dos movimentos sociais trata a comunicação como instrumento, talvez por não entendê-la a partir do amplo leque da cultura, a fim de compreendê-la como processo, como construção e, ao mesmo tempo, resultado de múltiplas relações que se dão no interior dessas instituições, como em qualquer outro agrupamento social.

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Ou seja, faz-se um jornal, um mural ou um programa de rádio “porque é bonito,

porque é legal”. Esquece-se que é necessário analisar se aquele efetivamente é o melhor

veículo para tal finalidade, se colabora na construção do sentido. É claro que o veículo deve

ser levado em consideração, pois o suporte de um discurso não é acessório, ele faz parte do

discurso.

Para Maingueneau (2001, p.72), “uma mudança importante do midium modifica o

conjunto de um gênero de discurso [...] O modo de transporte e de recepção do enunciado

condiciona a própria constituição do texto, modela o gênero do discurso”. Por isso é

necessária uma visão de conjunto quando elementos de comunicação passam a ser

incorporados na capacitação dos assentados.

Tudo o que se faz em comunicação deve estar vinculado ao projeto de mobilização,

deve ter um sentido. Rabelo (2003, p.62) afirma que “responder adequadamente às demandas

produzidas pelas novas realidades [...] pressupõe práticas mais centradas nos processos que

nos instrumentos, nos sentidos que nos conteúdos”. Este é o caminho da comunicação

comunitária que, segundo Peruzzo (2003, p.250) “quando desenvolvida em base democrática,

simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um processo em que

todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de se tornar sujeito da

comunicação, um emissor”.

Para isso, Toro e Werneck (2004) indicam que as estratégias de comunicação devem

ser pensadas em níveis micro (pessoal), macro (público segmentado) e massa, conforme

apresentarei na seqüência. Todos os envolvidos no processo devem participar, pois

nesse início de século, a questão de liberdade de acesso8 aos meios de comunicação não se refere apenas ao alcance dos meios a que o cidadão tem direito – o que quer dizer poder receber as mensagens transmitidas pela mídia , mas também à sua participação ativa como sujeito em todas as fases do processo de comunicação (PERUZZO, 2003, p.251).

Não se quer aqui ignorar a importância da comunicação de massa, afinal

fazer-se ver e ouvir encontra-se no centro das turbulências políticas do mundo moderno. A busca pela visibilidade vem em função da necessidade de que as reivindicações e preocupações dos indivíduos tenham um reconhecimento público, servindo de apelo à mobilização dos que não compartilham o mesmo espaço/temporal (HENRIQUES et al., 2004, p.18).

8 Grifo original

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Com certeza isto está vinculado à questão do imaginário e da coletivização das ações.

Mas, e o reeditor? Ele precisa de ferramentas para melhor atuar, para efetivamente mobilizar.

Nesse sentido, a comunicação tem a importante e essencial tarefa de contribuir para a geração

e manutenção de vínculos, além de ser dialógica, libertadora e educativa.

Dialógica no sentido de ser algo “construído junto”, de aprendizado e não um mero

repasse de informações. É como explica Freire (1977, p.25):

educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.

Libertadora no sentido de tirar as amarras que condicionam a in-comunicação, de

proporcionar condições para que o reeditor saiba de sua importância e de seu papel para a

transformação social. Porque “o que torna um sujeito cidadão não é ter carteira de identidade

ou título de leitor, mas a sua capacidade de gerar ou modificar a ordem social, ou seja, a sua

capacidade de criar liberdade”(TORO, 2005, p. 20). É uma forma de colocar em prática a

razão comunicativa proposta por Habermas, conforme afirma Zitkoski (2000, p. 318):

a razão comunicativa é uma proposta que depende, para efetivar-se na vida concreta das sociedades atuais, de amplos processos cultivadores da comunicação aberta e livre, construindo, dessa forma, uma atmosfera sócio-cultural propícia para a reprodução e a ampliação da nova racionalidade desencadeadora dos impulsos de libertação intrínsecos à comunicação originária do mundo vivido.

E educativa no sentido de ter conteúdo, de proporcionar verdadeiras transformações

para o reeditor, de transformar informação em conhecimento e este em ação. Mais uma vez

Freire (1977, p.27) contribui:

O conhecimento [...] exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o ‘como’ de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato.

O reeditor, baseado então no tripé diálogo, liberdade e educação/aprendizagem, estará

preparado para trabalhar com seu público e efetivamente mobilizar as pessoas, pois as

mesmas “precisam sentir-se como parte do movimento e abraçar verdadeiramente a sua

causa” (HENRIQUES et al., 2004, p.20). E somente com materiais específicos os reeditores

se sentirão motivados. Não é apenas um apelo em uma reportagem ou campanha publicitária

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93

que vai mobilizar as pessoas. Apesar de necessários, eles são direcionados a um público

anônimo, diversificado. Para despertar o sentido de identidade, são necessárias estratégias

“mais próximas” ao interlocutor. Por isso as estratégias macro e micro se fazem mais

importantes e necessárias.

Níveis de comunicação

Falar em comunicação micro, macro e de massa supõe entender melhor o processo de

comunicação. Para estas reflexões vou me valer principalmente das análises de Rabelo

(2003), que planificou e aprofundou, de forma prática, as idéias de Toro. Se Toro traz uma

carga teórica, Rabelo (2003) transporta esta teoria para a prática quando analisa a mobilização

social no processo de discussão da Agenda 21 Local do Município de Vitória, Espírito Santo.

Para Rabelo (2003, p. 70), “um projeto de comunicação para a mobilização deve

prever, além do uso de diferentes níveis, a diferenciação entre o conteúdo9 das mensagens e o

sentido10 desse conteúdo (que nem sempre está explícito)”. Mais do que informar

corretamente, deve-se estar atento ao sentido que esta informação está denotando. Já que o

processo de mobilização implica em sentido compartilhado, a comunicação deve estar

realmente atenta para, na ansiedade de transmitir a informação, não perder o sentido da

mesma dentro do processo. “Mais importante que as informações ou os conteúdos veiculados

são os sentidos que eles carregam. Pois são os sentidos que movem” (RABELO, 2003, p.71).

Segundo Berlo (2003, p.194), “os sentidos que damos às coisas consistem nos modos

como respondemos a tais coisas internamente, e nas predisposições com que a elas

respondemos externamente”. Percebe-se, então, o sentido como um processo individual, que

pode ter resultados similares, mas nunca iguais porque, por se tratar de algo individualizado,

traz consigo toda uma gama de experiências únicas pelas quais todo ser humano passa. Rabelo

(2003, p.71) complementa: “o desafio, portanto, não é apenas informar bem – mas gerar

processos de comunicação e transformar meros espectadores ou leitores em atores, sujeitos,

cidadãos”.

De forma resumida, os níveis de comunicação podem ser entendidos conforme a

Tabela 07 – Níveis de Comunicação:

9 Grifo do autor 10 Grifo do autor

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Tabela 07 – Níveis de Comunicação Nível Veículos Características

do público alvoConteúdo Sentido do conteúdo

Micro Comunicação direta e pessoal

Características individualizadas

Códigos singulares, depende da situação, dos interlocutores e suas reações

Comunicação voltada à própria ação. É o momento mais importante de todo o processo de mobilização

Macro Veículos de curto ou médio alcance, dirigidos a públicos determinados

Identidade comum e características próprias

Códigos adequados ao perfil de cada grupo

Estabelecer alianças, motivar para a importância da ação e provocar compromissos

Massa De grande alcance (rádio, TV, jornal e Internet)

Anônimo, diversificado

Informações gerais da mobilização e seus resultados

Veicular o imaginário, colocar o tema na agenda pública e criar sentimentos de pertencimento e identidade dos participantes. Legitimidade social do projeto

Pichelli (2007), adaptado de Rabelo (2003)

Este quadro apresenta de uma forma bem generalizada os níveis de comunicação. No

Capítulo VI, quando será feito o Estudo de Caso, novas informações sobre estes níveis serão

agregadas quando aplicados à realidade da pesquisa de campo.

A partir destes níveis, percebe-se que a comunicação é quem realmente vai garantir o

fluxo de informação do processo de mobilização. E aqui entra outra reflexão importante: a

quantidade de informação que circula atualmente e a dependência que se cria ao tentar

depreender toda informação. A chamada dependência da informação, atinge toda a sociedade,

tanto no meio urbano quanto rural. Cezar (1999) analisa o lado dos produtores rurais:

os produtores rurais estão cada vez mais dependentes de informação e tecnologia para tomarem decisões que atendam às suas necessidades de produção e satisfaçam novas demandas da sociedade. Questões ambientais e mudanças políticas, econômicas, sociais e exigências do consumidor surgem como forças no desenvolvimento rural, contrastando com a dominância de abastecimento de mercado que estimulou a produção agrícola e a ‘revolução verde’ no passado. Nesse novo contexto, as tomadas de decisão do produtor rural se tornaram muito mais difíceis. Na verdade, o produtor está sendo obrigado a lidar com outros fatores que, tradicionalmente, não faziam parte do seu ambiente de trabalho.

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E não é de se estranhar essa dificuldade na tomada de decisões. Segundo Wurman

(2003, p.36), “atualmente, a quantidade de informação disponível dobra a cada cinco anos: em

breve, estará duplicando a cada quatro...”. Mas esta reflexão foi feita pelo autor já na primeira

edição de seu livro, em 1991. Conclui-se, então, que atualmente esta velocidade está muito

maior por causa do avanço da Internet, tecnologias da informação, entre outros fatores. O que

temos hoje é uma explosão de informação e implosão de significados. Wurman (2003, p.47)

analisa ainda que a informação atua em diversos níveis de urgência na vida das pessoas, de

acordo com o esquema:

- Informação interna: mensagens que possibilitam o funcionamento do nosso corpo;

mensagens cerebrais;

- Informação conversacional: trocas formais e informais; conversas;

- Informação de referência: informações que servem de referência para nossa vida e

operam nosso mundo, como ciência e tecnologia;

- Informação noticiosa: eventos da atualidade; geralmente transmitida pela mídia;

- Informação cultural: qualquer expressão de entendimento da nossa civilização;

informações de outros anéis ajudam a formar este.

Segundo Duarte (2004, p.2)

informação é requisito básico para a tomada de decisões no meio rural, ambiente onde o agricultor deve decidir com antecedência sobre o que plantar, como plantar, que variedade escolher. Isso ocorre na agricultura familiar e naquela do tipo empresarial, em que o investimento é bastante alto e riscos equivalentes. Por isso, empresas públicas e privadas que efetuam pesquisa agropecuária precisam ser eficientes no sentido de disponibilizar de maneira adequada (no tempo, no local e nas condições de compreensão) as informações tecnológicas que geram em seus laboratórios, de modo a permitir o conhecimento e a avaliação sobre seu potencial por parte dos usuários, os agricultores.

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A capacitação dos assentados, então, pode ser analisada dentro de duas esferas: a

conversacional, que pressupõe o nível micro, e a de referência, que pressupõe o nível macro,

que serão melhor entendidas no Capítulo VI. A comunicação rural passa a ser, então,

espaço para construir mudanças e melhorar as condições de vida das populações locais por meio de sua própria mobilização, mas também disciplina aberta a várias perspectivas e enunciados, seja em sua forma descritiva, no sentido de compreensão dos fenômenos, como nas possibilidades de análise crítica e de formulação de estratégias de ação (DUARTE, 2004, p.31).

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cap 5

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Para realizar este trabalho e analisar, na prática, como se dá um processo de

mobilização social e, principalmente, qual o papel da comunicação, foi feita uma pesquisa de

campo no Município de Bituruna, Paraná, durante o ano de 2006, para contextualizar o objeto

de estudo: os assentamentos do Município.

1) O município de Bituruna

O município de Bituruna está localizado no extremo sul do Estado do Paraná (latitude

-26º03’08” e longitude -51º09’21”), a 320 km de Curitiba (capital do Estado) e pertence à

bacia hidrográfica do Rio Iguaçu1. O povoado que deu origem ao município data de 1924,

com colonizadores em busca de erva-mate e madeiras nativas. Mas Bituruna só foi

emancipada em 26 de dezembro de 19542. Hoje, a cidade se estende por 1.215 km2 (121.500

hectares) .

O município tem uma população estimada, em 2005, de 17.538 habitantes. Os dados

oficiais mais recentes são do ano 2000, onde fica evidente a predominância da população rural

sobre a população urbana, com a seguinte distribuição:

Tabela 08 – População de Bituruna

Urbana Rural Total

1991 5575 (43,3%) 7277 (56,62%) 12852

2000 7506 (47,7%) 8227 (52,3%) 15733 Fonte3: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil

As temperaturas médias anuais giram em torno de 16 e 17º C, com geadas freqüentes.

Isso influencia de modo decisivo na economia municipal e também no tipo de trabalho que

pode ser realizado, principalmente no meio rural.

Sua economia é fortemente calcada no setor de base florestal, conforme pode-se

observar nas Tabela 09 e 10:

1 Vide mapa no Anexo 5 – Localização de Bituruna/PR 2 Informações obtidas em <http://www.bituruna.pr.gov.br> . Acesso em 01 dez. 2006. 3 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas> . Acesso em 15 dez. 2006.

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Tabela 09 – Demonstrativo Distribuição da Economia Biturunense

Fonte4: Divisão Tributária – 2005.

A participação dos principais setores da economia no Produto Interno Bruto (PIB) é a

seguinte5: agropecuária: 21,81 %; indústria: 29,55 %; e serviços: 48,64 %

Tabela 10 - Principais ramos de atividade do Setor Industrial

ATIVIDADE Nº. DE EMPRESAS

Indústria de Laminação de Madeiras 18 Fabricação de Madeiras Serradas e Beneficiadas - Serraria 14

Fabricação de Artefatos e Artesanato de Madeiras 9 Indústria de Beneficiamento de Erva-mate 9 Fabricação de Compensados de Madeira 8

Fabricação de Móveis com Predominância em Madeira 8 Confecção de Peças do Vestuário 8

Fabricação de Esquadrias de Metal 4 Indústria, Comércio e Engarrafamento de Vinhos de Uva 4

Fabricação de Artefatos de Concreto e Cimento 2 Fabricação de Fubá e Farinha de Milho 2

Atividades do Setor Industrial em Bituruna - PR. Fonte: Divisão Tributária – 2005.

Por causa do tipo de clima, solo (considerado muito ácido) e relevo (acidentado), o

Município possui pouca aptidão para as culturas agrícolas, sobressaindo as culturas de milho e

feijão. Essa realidade faz com que o setor florestal tenha extrema importância, uma vez que

esses fatores não concorrem de forma negativa para seu cultivo. Destaca-se o cultivo de

bracatinga para lenha e carvão; erva-mate e espécies madeireiras (PROJETO COLMÉIA,

2005).

4 Informações obtidas em <http:://www.bituruna.pr.gov.br> . Acesso em 01 dez. 2006. 5 Informações disponíveis em <http://www.paranacidade.org.br/municipios/a_economicos.php?id_municipio=35> . Acesso em 01 dez. 2006.

ATIVIDADE Nº. EMPRESAS % Indústria 101 16,5 Comércio 203 33,1 Serviços 298 48,6

Agropecuária/Agroindústrias 11 1,8 Total 613

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A seleção deste município também deve-se aos seguintes fatores:

- o município é localizado em uma das regiões mais pobres do Estado do Paraná e, por

isso, os assentados carecem de mais capacitação para driblar mais esta adversidade;

- o município também está localizado em uma região de remanescente da Floresta com

Araucária, importante ecossistema brasileiro, integrante do Bioma Mata Atlântica,

que sofre grandes pressões econômicas e ambientais;

- a vocação da região para plantios florestais;

- o passivo ambiental dos assentamentos, o que torna emergente a questão da

capacitação para a questão ambiental.

2) Os Assentamentos em Bituruna/PR

Cerca de 18% da área territorial de Bituruna é formada por assentamentos rurais.

Conforme pode ser observado na Tabela 11 abaixo, possuem tempos, tamanhos e

características diferentes.

Tabela 11 - Projetos de assentamento Bituruna/PR

Assentamento Área

(hectares)

Nº famílias Assistência

técnica

Área por

Lote*

Ano de criação

do PA**

Etiene 1.052,61 24 Cotrara 26,00 1990

Rondom III 4.240,39 80 Cotrara 35,00 1988

Santa Barbara 1.669,34 47 Cotrara 28,00 1998

Criciuminha 829,28 25 Cotrara 26,00 1998

Sonho de Rose 851,71 31 Cotrara 22,00 2001

12 de Abril 5.822,00 209 Cotrara 22,00 1998

27 de Outubro 7.260 166 Emater 30,00 1998 Fonte: Incra – Escritório de Francisco Beltrão * Área média, em hectares, sem os 20% destinado às Reservas Legais ** Projeto de Assentamento

O que define como vai ser o assentamento, suas características físicas, benefícios etc é

o Projeto de Assentamento – PA associado ao Plano de Desenvolvimento do Assentamento –

PDA. O assentamento, em si, só é oficializado após aprovação do PA e do PDA. Para isso,

são feitas desde análise de relevo, medições topométricas, análise de qualidade de solo,

disponibilidade de água, estado de área de Reserva Legal (RL) e Área de Preservação

Permanente (APP), vocação agrícola entre outros fatores. Segundo Sparovek (2003, p.119),

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o PDA é um instrumento de gestão do projeto que visa definir os sistemas de produção agrícola prioritários e as necessidades de investimentos para essa finalidade. O PDA deve ser elaborado por técnicos experientes, de forma participativa, em conjunto com a associação do PA e com todos os seus moradores. O PDA, além de ser necessário para a liberação de créditos, é o primeiro instrumento formal de planejamento detalhado e participativo adotado nos assentamentos [...].

Por causa destas análises é que alguns lotes que, teoricamente, teriam 53 hectares, por

exemplo, acabam tendo somente 35 hectares de área para o assentado. Vê-se nitidamente que

muitos assentamentos de relevo acidentado e solo pouco fértil acabam com lotes maiores em

tamanho, mas nem sempre com uma área aproveitável muito boa.

Uma ação implantada pelo atual Governo Federal, que tomou posse em 2004, é uma

atenção especial à assistência técnica por meio dos chamados Programas de Assessoria

Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária - Ates. Esta atividade está prevista no II Plano

Nacional de Reforma Agrária – II PNRA, que

orienta-se para a promoção da viabilidade econômica, da segurança alimentar e nutricional, da sustentabilidade ambiental para garantir o acesso a direitos e a promoção da igualdade – objetivos integrados a uma perspectiva de desenvolvimento territorial sustentável. Isso requer colocar à disposição das famílias assentadas e das demais beneficiárias do Plano os meios indispensáveis à exploração econômica da terra e para que obtenham renda suficiente para viver com dignidade, tais como: crédito; assistência técnica; apoio à comercialização e à agregação de valor; construção de infra-estrutura produtiva, econômica e social, como água, saneamento básico, energia, via de escoamento da produção; além de outras políticas públicas que garantam a universalização do acesso a direitos fundamentais (II PNRA, 2003, p.15).

E não consta somente como discurso. É uma de suas metas: “garantir assistência

técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias

das áreas reformadas” (II PNRA, 2003, p.38).

O Programa de Ates foi implantado pelo Incra em 2004 e uma de suas ações consiste

na alocação de recursos para contratação de técnicos que prestem assistência técnica aos

assentamentos:

os grupos trabalham nos assentamentos executando atividades como: elaboração de planos de desenvolvimento ou recuperação de projetos de assentamento, extensão rural, capacitação continuada, visando à formação de competências e à mudança de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de melhoria da qualidade de vida e promoção do desenvolvimento rural sustentável, adotando metodologias participativas (INCRA, s.d.) 6

6 Disponível em <http://www.incra.gov.br> . Acesso em 03 dez.2006

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A idéia é possibilitar um trabalho mais próximo às famílias assentadas e aliar o

conhecimento científico e tecnológico ao saber tradicional das famílias. Com isso, pretende-se

garantir o desenvolvimento sustentável dos assentamentos:

Os serviços de Ates são um conjunto de técnicas e métodos constitutivos de um processo educativo, de natureza solidária, permanente, pública e gratuita, com ênfase nos enfoques da agroecologia, cooperação e economia popular e solidária. Coordenados pelo Incra, têm como parceiros instituições públicas, privadas, entidades de representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, bem como as organizações não-governamentais ligadas à reforma agrária (INCRA, s.d.) 7

No Estado do Paraná foram feitos convênios com o Instituto Paranaense de

Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater/PR, Cooperativa dos Trabalhadores em

Reforma Agrária do Paraná - Cotrara e prefeituras para implantação do programa, o que

possibilitou a contratação de 144 técnicos8. Nos locais em que Emater-PR e Cotrara atuavam,

os assentamentos tiveram liberdade de escolher de qual instituição gostariam de receber

assistência técnica. Dos sete assentamentos de Bituruna, seis optaram pelo convênio com a

Cotrara e um optou pela Emater-PR.

Outras instituições também realizam o trabalho de assistência técnica nos

assentamentos. São fundações e organizações não-governamentais que tomaram para si a

função da extensão rural, conforme já discutido no Capítulo III.

Para este estudo, então, realizei uma análise do trabalho dos técnicos extensionistas da

Cotrara, que abrange a quase totalidade dos assentamentos. Além do convênio de Ates9,

outros projetos estavam em andamento coordenados por estas instituições durante a realização

desta pesquisa:

- Projeto Iguatu, específico sobre capacitação em florestas e meio ambiente, que reúne

diversas instituições governamentais (inclusive instituições de pesquisa na área

florestal) e não-governamentais (ONGs);

- Projeto Colméia, específico sobre geração de renda e meio ambiente (especialmente

apicultura, plantas medicinais e fruticultura), que também congrega diversas

instituições e prevê várias formas de transferência de tecnologia.

7 Disponível em <http://www.incra.gov.br> . Acesso em 03 dez.2006 8 Informação obtida em <http://www.mda.gov.br/index.php?ctuid=7227&sccid=134> . Acesso em 16 dez. 2006. 9 Em julho de 2006, o convênio de Ates com a Cotrara foi suspenso por imposição do Tribunal de Contas da União - TCU, que supostamente encontrou irregularidades nas prestações de contas da Cotrara, além de alegar falta de competência técnica. A suspensão atingiu cerca de 13 mil assentados atendidos pela cooperativa no Estado do Paraná. A cooperativa está discutindo isso na justiça, tendo comprovado o contrário do que alegava o TCU, e agora aguarda decisão para retomada do convênio.

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3) A instituição de assistência técnica Cotrara

Nos anos 1980 e 1990, o MST promoveu diversos debates sobre cooperação agrícola.

A idéia seria fomentar a organização e a cooperação agrícola entre os assentados, além de

possibilitar um arcabouço legal para a produção e comercialização dos produtos da Reforma

Agrária. Por causa destes debates foi criado um amplo sistema de cooperação, a Confederação

das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – Concrab. Em nível estadual, foram criadas

as CCAs – Cooperativa Central de Reforma Agrária, às quais se vinculam as cooperativas

locais de produção e comercialização, que por sua vez têm os assentados como cooperados.

De forma esquemática, funciona desta maneira:

Concrab CCA estadual Cooperativas locais Assentados

No Paraná, a CCA-PR foi fundada em 1992 e possui uma particularidade: tem como

associada, desde 1997, a Cooperativa dos Trabalhadores em Reforma Agrária – Cotrara.

Trata-se de uma iniciativa inédita que congrega técnicos extensionistas para prestar serviços

de assistência técnica aos assentados. Neste caso específico, o esquema é o seguinte:

Concrab CCA-PR Cotrara Técnicos

Ou seja, as cooperativas locais têm como cooperados os assentados e são responsáveis

pela comercialização do que é produzido nos assentamentos. Já a Cotrara tem como

cooperados os técnicos extensionistas, que se organizam e captam recursos para manter uma

estrutura de assistência técnica e extensão rural aos assentamentos.

Segundo Diorlei dos Santos10, diretor da Cotrara,

havia uma necessidade de assistência técnica nos assentamentos (...). Então a idéia foi construir uma cooperativa que tivesse esses objetivos e pudesse se vincular de uma forma mais orgânica com o próprio Movimento. Que os técnicos tivessem um vínculo maior e um trabalho de campo mais direcionado, com um controle político e técnico do MST a partir das necessidades reais dos assentamentos.

Uma das preocupações da Cotrara é o constante aperfeiçoamento de seus cooperados

por meio de reuniões, cursos e seminários. Atualmente, a cooperativa mantêm um convênio

para formação de técnicos e tecnólogos em agroecologia com a Universidade Federal do

Paraná.

10 Em entrevista concedida à autora em 28 fev. 2007.

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Os extensionistas são incentivados a morar o mais próximo possível dos

assentamentos que atendem e muitos deles vivem no próprio assentamento, possibilitando,

assim, um conhecimento mais aprofundado da realidade e necessidades locais.

Um dos objetivos da Cotrara é formar técnicos dentro do próprio universo dos

assentamentos, com a capacitação técnica de filhos de assentados, por exemplo. Segundo

Diorlei, “os filhos dos assentados entendem de agricultura, viveram na roça, sabem das

dificuldades e passaram pelo processo [de assentamento]. É muito mais aproveitável. Esse é o

nosso desafio: formar as pessoas do nosso meio, filho de assentado com habilidade técnica”.

Isso não quer dizer que outros técnicos serão deixados de lado, mas a Cotrara quer incentivar

os filhos dos assentados a contribuírem no processo.

4) Perfis

Para melhor entender as relações existentes e poder analisar o processo de

comunicação, primeiramente é necessário conhecer o perfil dos técnicos e assentados

envolvidos na pesquisa. No próximo capítulo estabeleço a correlação de comunicação com a

mobilização social dos assentados e técnicos em Bituruna, procurando entender como se dá

esse processo.

4.1) Os técnicos

O trabalho de assistência técnica envolve diversas atividades: visita aos lotes para

assistência técnica local, assessoria em cursos, coordenação de reuniões, auxílio aos

assentados para elaboração de projetos de crédito, elaboração de projetos técnicos solicitados,

que vão desde estrutura para os assentamentos, como estrada, luz, escolas, até recuperação

ambiental, levantamento de informações de campo, entre outros

Na época da pesquisa de campo, a Cotrara contava com oito técnicos que atendiam os

assentamentos em Bituruna. Destes, três estavam mais envolvidos com cursos, capacitações e

reuniões com os assentados e foi com os quais desenvolvi os acompanhamentos e entrevistas.

Um quarto técnico também foi incluído na pesquisa pela atuação na articulação do trabalho e

por estar há mais tempo em Bituruna.

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Jucélio de Oliveira11: uma relação de carinho

Jucélio de Oliveira tem 25 anos. Nasceu em uma família de pequenos agricultores, na

região de Bituruna mesmo. Na juventude, resolveu fazer o curso de técnico agrícola e sempre

trabalhou ligado à agricultura.

Suas primeiras atividades dentro do MST foram em 2002, como voluntário,

participando e auxiliando em cursos e reuniões com os assentados. Sempre se considerou

uma pessoa crítica, mas no começo era mais por indignação e foi no Movimento que passou a

refletir e entender mais a realidade da agricultura no país. Aprimorou a parte técnica e

trabalhou mais as questões políticas. Mesmo sem garantia de salário, deixou de ir trabalhar na

Souza Cruz para continuar no Movimento. E não se arrepende da opção que fez.

Atualmente, por problemas familiares, está afastado do trabalho de assistência técnica,

mas, sempre que pode, dá um apoio aos colegas de trabalho.

Dentre os assentamentos acompanhados pela Cotrara, Jucélio de identifica mais com o

Sonho de Rose, porque acompanhou de perto as famílias desde a época de acampamento e,

quando virou assentamento, auxiliou na elaboração dos projetos de investimento. Conforme

será observado no Capítulo VI, esta identificação gerou uma certa dependência dos assentados

em relação ao Jucélio. Foi desenvolvida uma relação de muito carinho e de sintonia entre

técnico e assentados.

Para se manter atualizado e prestar uma boa assistência técnica, Jucélio participa de

encontros técnicos do próprio Movimento e eventos, como a Jornada de Agroecologia, por

exemplo. Internet e livros também são uma boa referência (mais a Internet), mas é na “grande

família”, como se refere aos companheiros de trabalho, que encontra lugar para trocar idéias e

aprender. Mas considera isso ainda insuficiente: “a gente sempre teve um problema aqui que a

gente nunca teve esse espaço pra estar se preparando, estudando, um monte de coisa. Porque é

muito corrido, um monte de atividade, e aí o espaço que sobra a gente fica até meio que de

‘varde’, meio parado pra dar uma descansada”. Outra crítica que faz é que, mesmo nos

materiais mais conhecidos, o Movimento privilegia mais a questão política do que técnica, no

entanto a passagem da agricultura convencional para a agroecologia, apregoada pelo MST,

requer estudo e conhecimento.

Jucélio aponta como um dos principais problemas junto aos assentamentos a falta de

continuidade dos trabalhos. Os técnicos são contratados por projeto e, quando o projeto acaba

ou há suspensão de recursos, não há como dar continuidade ao que estava sendo feito.

11 Entrevista concedida à autora em 23 out. 2006.

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Segundo ele, isso afeta tanto a credibilidade quanto o sucesso do trabalho. E continuidade, no

caso do meio rural, não é questão de meses, mas de anos.

Um fato muito importante para Jucélio é agora estar responsável pela pequena

propriedade de sua própria família. Isso faz com que esteja “do outro lado”, sinta como é o

dia-a-dia dos produtores rurais e reveja alguns conceitos: “querendo ou não, tem-se a

necessidade de você trabalhar o dia-a-dia, né, trabalhar hoje pra comer amanhã. Muitas vezes

a necessidade é tanta e tem que ser imediata que não te dá tempo pra você pensar no depois de

amanhã”.

É por isso que, apesar de ser contra o cultivo de pínus, respeita a opinião dos

assentados que trabalham com a espécie. Um de seus primeiros trabalhos como técnico

agrícola foi junto a uma empresa madeireira no combate à vespa-da-madeira, principal praga

do pínus. Com isso, teve contato com todas as fases do cultivo da espécie, o que reforçou sua

contrariedade com esta cultura. No entanto, na relação com os assentados, chegaram ao

consenso de que o plantio do pínus, desde que tomadas algumas precauções técnicas12,

ajudaria os assentados a pagarem suas dívidas a longo prazo.

Olcimar da Rosa13: por dentro do Movimento

Olcimar da Rosa tem 26 anos e é filho de assentado. Nasceu em Bituruna mesmo e

acompanhou, desde criança, todo o percurso de sua família até conseguir um lote. Foi da casa

dos avós para acampamento e até debaixo da lona já morou. “As primeiras lembranças que eu

tenho dele [pai] como agricultor é ele trabalhando na terra dos outros, tinha que dar metade

pro dono ou pagava pra alugar um pedaço. Então as primeiras lembranças mais fortes que eu

tenho é esse início do pessoal se organizando, fazendo as primeiras reuniões pra fazer a

primeira ocupação em Bituruna, fundar sindicato e tal”.

Quando já estava no lote, Olcimar foi incentivado a fazer o curso de técnico agrícola.

Embora tenha resistido no começo, acabou aceitando a proposta e hoje está integrado à equipe

que presta assistência técnica nos assentamento de Bituruna. “É uma situação nova, porque

assim tu era um menino que jogava bola na comunidade e tomava cerveja com o assentado.

De repente tu é o menino que vai fazer uma reunião, então é difícil pras pessoas, é difícil pra

você”. Apesar disso, Olcimar se acha capacitado para dar conta de seu trabalho, mas afirma

que a experiência anterior, como agricultor no lote do eu pai, foi fundamental.

12 Tais como plantio somente em áreas inaptas para agricultura, pequenos talhões para evitar o monocultivo, entre outros. 13 Entrevista concedida à autora em 31 ago. 2006.

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Ele analisa se está conseguindo ou não atingir seus objetivos como técnico pelo

sucesso, com o passar do tempo, dos assentados em seus lotes. Tem a consciência que não é

uma avaliação depois de um curso que vai afirmar se o trabalho dele foi bom ou não. Para se

atualizar ou tirar dúvidas, Olcimar recorre a livros e também a agricultores mais velhos.

Embora o projeto que dá sustentação orçamentária ao seu trabalho esteja acabando,

Olcimar não pretende parar de realizar ações com os assentados, pois acredita que é um

trabalho que não pode morrer, mesmo que volte a morar e trabalhar no lote do seu pai: “essa

relação com o povo mesmo é mística, é mágica, você estar convivendo e tal, é interessante!”.

E completa: “o contato com o camponês é a coisa mais gostosa que tem”. Interessante estas

reflexões, pois Olcimar é bastante calmo, ponderado, de falar pouco. Mas demonstra um olhar

amadurecido sobre a situação dos pequenos agricultores: “eu acho que não tem como separar

agricultura de política, porque estão relacionadas. Se eu disser pro agricultor que o preço do

milho não tem nada a ver com política eu tô mentindo. Então é impossível trabalhar uma coisa

separada da outra”.

Sandra Cristina Lins dos Santos14: contra a exclusão social

Sandra Cristina Lins dos Santos tem 28 anos e é engenheira agrônoma formada pela

Universidade Federal do Paraná. Nascida em Ivaiporã, interior do Paraná, viveu “na roça” até

seus 12 anos, quando veio morar em Curitiba, em uma área de ocupação. Estudou sempre em

escola pública e fez cursinho para prestar vestibular.

Com jeito de menina e sempre falante, Sandra comenta que foi na faculdade que foi

entender realmente o que era exclusão social e decidiu que era contra isso que queria lutar.

Envolveu-se com o movimento estudantil, rodou boa parte do país e acabou conhecendo o

MST. Seu primeiro estágio de vivência, ainda no primeiro ano da faculdade, foi em um

assentamento do MST.

Em suas reflexões, cursos, participações junto aos assentados, Sandra sempre vincula a

questão política. Ela acredita que não se dedicou tanto quanto devia em sua formação técnica

durante a universidade, “tanto é que quando eu vim pra cá, eu era convicta da luta do

movimento, da agroecologia, mas eu me sentia insegura pra trabalhar. Só que o Movimento,

já na entrevista deixava bem claro que sabem a importância de você ter sensibilidade política,

combinar com a dinâmica, com a metodologia do Movimento. É mais fácil você então

14 Entrevista concedida à autora em 31 ago. 2006.

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conseguir os conhecimentos da técnica. Então foi assim: eu cheguei aqui e tive que começar a

estudar”, reflete Sandra.

Em Bituruna desde janeiro de 2005, Sandra sempre teve como desafio pessoal colocar

a teoria de Paulo Freire sobre a extensão rural em prática. Tem consciência de que a relação

entre técnico e assentado confere certo poder ao técnico e, por isso, sempre procurou entender

melhor o assentado: “eu tenho que cada vez mais adequar a minha linguagem à linguagem

deles e cada vez mais tentar construir junto. (...) Não adianta nas informações que você

simplesmente joga sem dar explicações e sem fazer sentido pra eles. É desperdício de energia,

então as informações têm que fazer sentido pra eles entende? Só que pra que eu consiga fazer

isso eu tenho que cada vez mais conviver, entender o que é que faz sentido pra eles”.

Para se atualizar, Sandra busca informações na Internet, livros, materiais da faculdade

e cursos, mas confessa que tem dificuldade em organizar seu tempo para estudar por causa da

correria do dia-a-dia.

Pela pesquisa de campo, foi fácil perceber que Sandra é quem mais fala, dá respostas

complexas, referenciadas, refletidas. Sua posição é clara contra as receitas prontas na

agricultura e isso reflete na sua atuação.

Em outubro de 2006, no decorrer desta pesquisa, Sandra teve que se desligar do

trabalho em Bituruna por causa da falta de pagamento (ela era contratada pelo convênio de

Ates). Ficou ainda trabalhando durante cinco meses sem receber, mas não teve mais como

continuar, apesar da imensa vontade de ficar.

Talles Adriano dos Reis15: reconhecer o conhecimento popular

Talles Adriano dos Reis nasceu em Carmo do Rio Claro, Minas Gerais, tem 29 anos e

é formado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Lavras.

Sua vivência política começou na faculdade, onde militou no movimento estudantil.

Sua opção sempre foi trabalhar com movimentos sociais e agricultura familiar.

Em 2001 surgiu a chance de vir para Bituruna trabalhar na assistência técnica dos

assentamentos. Chegou e criou raízes. Embora tenha saído algumas vezes para desempenhar

funções dentro do próprio MST, fez de Bituruna seu lar.

Atualmente desempenha uma função mais burocrática de atendimento aos projetos,

coordenação e política. Acredita que a multidisciplinaridade da equipe de técnicos em

Bituruna facilita o trabalho de articulação, bem como o compromisso, a dedicação e o esforço

15 Entrevista concedida à autora em 31 ago. 2006.

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pessoal dos técnicos. “Quando a gente vai no assentamento, eles não querem saber só de

assistência técnica. Eles querem saber como tá a regularização, como tá o recurso das casas...

ou seja, resolução de problemas. Acaba que a gente faz além do trabalho técnico no

assentamento”.

Ele analisa os desafios da assistência técnica em assentamentos em quatro pontos: o

primeiro é que a assistência técnica não pode ser convencional (assistencialista, individual).

Ela tem que ser popular e ir até o produtor: “uma assistência técnica baseada em Paulo Freire,

que dialogue na realidade onde está inserida”. Ele acrescenta que saber reconhecer o

conhecimento popular das famílias é primordial para o sucesso do trabalho.

O segundo ponto, é que tem que ser uma assistência que vise o fortalecimento

comunitário das famílias nos assentamentos para que, no caso de uma saída dos técnicos, os

assentados caminhem com as próprias pernas e haja continuidade. “Tem que ser um trabalho

que fortaleça essa organicidade própria das famílias”, afirma Talles.

O terceiro ponto é que a assistência técnica seja focada na agroecologia, na superação

do modelo convencional de agricultura, que usa insumos químicos, agrotóxicos etc.

E o último ponto é que a assistência técnica ajude a trazer melhoria na qualidade de

vida das famílias. Segundo Talles, “juntar isso tudo não é fácil. A gente tem uma equipe

comprometida, ciente disso, mas a gente tem muitas dificuldades para trabalhar isso”.

Talles atualiza seus conhecimentos nos cursos e reuniões promovidos pelo Movimento

e tem consciência de que precisa avançar muito ainda: “seria uma prepotência nossa a gente

dizer que está 100% preparado para qualquer situação que a gente encontra nos

assentamentos. E de fato não estamos.”

Mesmo exercendo funções mais burocráticas, afirma que sempre quando trabalhou

diretamente com os assentados fazia um esforço na questão da linguagem. Que esse era o

grande desafio no trabalho.

Talles nunca abandona o viés político e tem uma meta muito clara: “essa vivência

nossa da equipe técnica e na verdade todo esforço do MST é pra gente construir uma

sociedade diferente, pra gente superar esse capitalismo atrasado que ta aí hoje, superar o

capitalismo como forma mesmo, como modelo predominante. A gente construir algo novo,

algo que realmente esteja preocupado com o ser humano, com a vida das famílias e não

somente com o lucro. Porque o objetivo único do capitalismo é o lucro, tanto que gera a

desgraça. E que aí a gente possa chegar brevemente numa sociedade onde a gente não tenha

que organizar acampamento, onde a gente não tenha que fazer ocupação, onde todas as

famílias que queiram terra tenham acesso a terra, todas famílias que queiram emprego tenham

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acesso a emprego. Onde não seja necessário os sem-teto ocuparem edifícios abandonados.

Que a gente chegue logo nessa sociedade, porque no ritmo que a gente ta, o nível de explosão

social aumentando, a marginalização econômica muito grande, um grupinho com bastante e a

grande maioria da população sem nada”. Talles faz, destas palavras, o dia-a-dia de sua vida.

4.2) Os assentados

Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram realizadas entrevistas individuais e o

acompanhamento de eventos (cursos e dia de campo), além de ser utilizada a metodologia de

grupo focal com alguns assentados, com algumas adaptações às condições encontradas na

pesquisa. Nas Tabelas 12 e 13 consta a identificação dos assentados que participaram de

entrevistas e grupo focal.

Tabela 12 – Assentados entrevistados individualmente

Nome Idade Assentamento Tempo de assentamento*

Tamanho do lote

Anísio Francisco da Rosa 52 Rondom III 14 anos 37 hectares

Celestino Bordim 51 Sonho de Rose 04 anos 24 hectares

Luiz Neves dos Santos16 37

Ílzia Ribeira dos Santos 35

Rondom III 17 anos 56 hectares

Felix Vergopolo 50 12 de Abril 02 anos 18 hectares

Getúlio Padilha 52 Sonho de Rose 04 anos 20 hectares

Domingos de Araújo17 47

Fátima Machado 40

Sonho de Rose 04 anos 22 hectares

* não está contabilizado o tempo de acampamento

16 Casado com Ílzia Ribeira dos Santos, por isso os dados ao lado estão compartilhados. 17 Casado com Fátima Machado, por isso os dados ao lado estão compartilhados.

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Tabela 13 – Assentados que participaram do grupo focal

Nome Idade Assentamento Tempo de assentamento*

Tamanho do lote

Francisco José dos Santos 58 Rondom III 17 51,40 hectares

Assis Maisman 44 Etienne 17 37 hectares

Rafael Alves 17 Rondom III 17 (nasceu no

lote)

37 hectares

Leonilda Fátima Ferreira de Castro

38 Rondom III 17 36 hectares

Bromilde Vergopolo 42 12 de Abril 02 anos 18 hectares

José Soares dos Santos 57 Etienne 17 anos 36 hectares + Anísio, Luiz e Ílzia, Domingos e Fátima – da tabela anterior

* não está contabilizado o tempo de acampamento

Para a pesquisa não foram realizadas entrevistas com produtores rurais dos

assentamentos Santa Bárbara e Criciuminha por não coincidir com sua presença em eventos

acompanhados para a pesquisa e do 27 de Outubro por terem optado pela assistência técnica

da Emater-PR.

4.2.2) Perfil dos assentados

Anísio Francisco da Rosa18: líder do assentamento

Anísio Francisco da Rosa tem 54 anos, nasceu em Bituruna e estudou até a quinta série

do Ensino Fundamental. Tem três filhos, sendo que um deles é técnico em agroecologia e

trabalha na assistência técnica aos assentados (técnico Olcimar, participante desta pesquisa).

Sua família sempre trabalhou com agricultura, na maior parte do tempo como

arrendatários19 de terras. Seu pai conseguiu comprar um pequeno lote onde viveu até o fim da

vida. Mas, como era um lote muito pequeno, que não possibilitava condições de sustento para

mais de uma família, Anísio deixou para sua irmã e entrou na luta pela terra. Isso foi em 1985,

quando ajudou a fundar o Sindicato Rural: “a gente sentiu a necessidade de fundar um

sindicato pra defender os direitos da gente como trabalhador rural e também pra ajudar nesta

luta da Reforma Agrária, né? E aí que a gente começou. Fundamos o Sindicato, depois já se

aliamos com a CPT, com o Movimento dos Sem Terra”.

18 Entrevista concedida à autora em 20 out. 2006. 19 É como uma espécie de aluguel: a terra não é sua e você paga uma porcentagem sobre o que produzir e vender.

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Em 1988 aconteceu a primeira ocupação no município de Bituruna/PR. Um grupo de

300 famílias ocupou a área, mas logo sofreu um despejo. Hoje, aquela área também é

assentamento, o 12 de Abril. Após o despejo, as famílias acamparam durante oito meses em

um terreno que o Sindicato alugou. Das 300 famílias, somente 80 ficaram. O restante

dispersou, pois não acreditavam que iriam conseguir alguma coisa. E das 80, hoje, somente 29

permaneceram e conseguiram ser assentadas. Anísio lembra que esta fase “foi muito difícil.

Porque o espaço era muito pequeno e as famílias tinham que dividir a parede de dormir com a

lona. Pra lá dormia uma família, pra cá dormia outra. E era assim, tudo emendadinho os

barracos”. Nessa época sua esposa e os filhos pequenos ficaram na casa dos pais de Anísio,

que já estavam idosos e com problemas de saúde. Por sua atuação no Sindicato e viagens

constantes, foi aberto este precedente para a família dele.

Para se manter, as famílias trabalhavam como diaristas para outros proprietários e dali

tiravam seu sustento. Os que estavam acampados no Sindicato destinavam à organização 90%

do que recebiam. Os 10% restantes ficavam para consumo próprio. Anísio recorda que “lá foi

assim uma organização muito bacana, porque foi tudo comunitário, sabe. O pessoal trabalhava

e passavam tudo pra um caixa. Tirava só 10% pra manter os vícios deles que era

cigarro...quem fumava, né, e quem não fumava também recebia aqueles 10%. E o resto ia pra

um caixa e a comissão que fazia a compra comunitária e daí distribuía pras famílias. E o

trabalho era todo comunitário. Se pegava um trabalho fora ia todo mundo que podia ir (...).

Mas o dinheiro ia todo pra aquele caixa. Então era uma organização muito bonita naquele

tempo”.

Em 1989 houve uma nova ocupação, desta vez na Fazenda Rondom III, que hoje dá

nome ao assentamento. Da ocupação à desapropriação, foram três anos (1992). Durante algum

tempo, as famílias ficaram acampadas perto umas das outras, até que resolveram fazer uma

divisão informal dos lotes que, por sinal, depois foi praticamente acatada pelo Incra quando

da demarcação oficial dos lotes, conforme conta Anísio: “dividimos nós mesmos um lote pra

cada um, um respeitava o outro e até que veio a medida e mudou muita pouca coisa”. E

completa: “o pessoal estava muito bem organizado, então não teve essa coisa de briga, de

disputa no grupo”. Mas teve pressão externa, mesmo com o decreto de desapropriação: “teve

bastante perseguição. Mesmo já com a área, quando nós entramos aqui, já tinha um decreto,

né. Não era desapropriado, mas já tinha um decreto de desapropriação. Mas, mesmo assim os

madeireiros e os fazendeiro pressionaram bastante. Autoridade, mandavam a polícia vim

pressionar. Mas o pessoal estava bem organizado e eles já sabiam que não tinha muito

resultado”.

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De debaixo da lona, Anísio construiu uma pequena casa de madeira, 4x6 m, com tábua

bruta, cozinha e dois quartos, cheia de frestas, “mas pelo menos não tava debaixo da lona, né”

afirma. Sua família já estava com ele nesta época.

Uma das lutas travadas logo no começo do assentamento foi conseguir energia

elétrica. “Não tem como você desenvolver uma propriedade sem energia elétrica” era o

pensamento. Em 1995 as famílias se organizaram e pagaram pela ligação no assentamento.

Foi um investimento que saiu do bolso de cada um e contou com negociações com o Incra e a

Companhia Paranaense de Energia Elétrica – Copel.

Em seu lote, Anísio cultiva de tudo um pouco, tanto para garantir a subsistência da

família quanto para se manter na propriedade. Feijão, milho, batata doce, mandioca, batata,

melancia, verduras, criação de porco, vaca, carneiro: “tudo aquilo que a gente puder produzir

pra não ir no mercado buscar a gente produz”. Além disso, trabalha também com erva-mate,

bracatinga20, frutíferas e começou também o cultivo de plantas medicinais. Também possui

duas pequenas áreas plantadas com pínus: “mas são áreas que a gente não tinha outra

alternativa pra fazer, porque eram áreas que estavam degradadas né. Não tinha mata, não tinha

capoeira”.

Sobre essa discussão sobre o pínus, Anísio tem uma opinião bem clara: “eu acho

assim, que hoje seria besteira a gente derrubar uma área de bracatinga, uma mata nativa pra

plantar o pínus e o eucalipto, porque ela já ta dando uma renda. A bracatinga hoje tem mais

valor que o pínus”. E completa: “agora, outra coisa é você fazer um pequeno pedaço de pínus

onde não tem água21, nada que atrapalhe, pra você ter uma renda aí, garantir um pouco de

renda pro futuro. É uma economia da família”. Mas, ressalta, sem cair no perigo do

monocultivo em larga escala.

Uma prática comum nos assentamentos é a queima de bracatinga para fazer carvão.

Anísio não trabalha com isso, mas afirma que é um ‘mal necessário’: “nunca trabalhei com

carvão, e tem também pessoas que trabalham porque talvez é a única saída deles, agora, de

momento. Eles não estando preparados pra fazer outra coisa, então tem que fazer o carvão.

Não tem outra maneira”.

20 A bracatinga (Mimosa scabrella) é uma espécie nativa bastante utilizada na região para a produção de carvão. É a base da economia de muitas famílias assentadas em Bituruna. Além do carvão, a bracatinga também pode ser utilizada na construção civil e na fabricação de móveis. Pesquisas realizadas pela Embrapa Florestas indicam que, dependendo do manejo adotado, a bracatinga pode produzir toras mais largas e ter seu valor aumentado com seu uso para movelaria. 21 Pela legislação, você não pode plantar espécies exóticas perto de cursos d’água por causa da manutenção da mata ciliar, que deve obrigatoriamente ser composta por espécies nativas para garantir a biodiversidade local.

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Talvez por estar engajado na luta, no Sindicato, participar de diversos cursos e

reuniões, Anísio se diferencia da maioria dos assentados pela consciência política e ambiental

e a vontade de repassar seus conhecimentos para os companheiros. Calmo, ponderado e dono

de uma consciência bastante crítica, ele é um líder em seu assentamento.

Em relação à posse da terra, tem consciência que muitas vezes o assentado “vende”

seu lote: “nós defendemos como título com concessão de uso da terra. Só pode passar para

herdeiro. Porque senão, não adianta fazer a reforma agrária. O Incra, o governo pega, dá um

título onde a pessoa pode vender. Aí a pessoa já não pode pagar a terra dali a cinco, seis ano.

O que é que ele faz? Tá registrado no banco, ele vai lá e vende a terra pro outro e quando vê,

o fazendeiro tá com área de volta na mão dele”. Por isso sua luta pelo título: “se meus filhos

não quiserem, volta pro Incra. Mas isso não vai acontecer, porque a família vai passando de

pai pra filho, e se é uma propriedade bem organizada, quem é que não vai querer?”. E

completa: “a gente sofreu tanto pra conquista né, então pra que é que vai vender?”.

Sempre estimula a organização da comunidade. Agora, por exemplo, com a falta de

pagamento dos técnicos e o esvaziamento da assistência técnica, tem a idéia de propor que os

próprios assentados se organizem em agroindústrias e possam, com o lucro, eles mesmos

pagarem os técnicos.

Celestino Bordim22: “pro resto da vida!”

Celestino Bordim tem 51 anos e é natural de Porto Lucena, Rio Grande do Sul. É

casado com Maria Bordim, 49. Eles têm cinco filhos, todos homens, sendo o mais novo com

apenas 4 anos (28, 24, 21, 12 e 4). Ele só sabe escrever o nome e ela fez até a terceira série.

Celestino está há 12 anos na região e há quatro como assentado. Sempre trabalhou em

roça arrendada e só conseguiu ter um pedaço de terra quando comprou o lote de um assentado

que não queria ficar mais na região. Sua família morou um ano e meio embaixo da lona até

conseguir o recurso para construir a casa. Quando perguntado até quando quer ficar ali, ele

responde: “pro resto da vida!”.

Em seu lote o casal planta milho, feijão, abóbora, batata doce, pínus e erva-mate.

Também cultiva bracatinga e faz carvão, além de trabalhar como diarista em outros lotes.

Percebi que não é muito engajado em participar de cursos e reuniões.

22 Entrevista concedida à autora em 23 out. 2006.

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Domingos de Oliveira e Fátima Machado23: respeito pela natureza

Domingos de Araújo tem 48 anos e é natural de Chopinzinho, Paraná. É casado com

Fátima Machado, 41 anos, natural de Dois Vizinhos, também Paraná. Eles têm seis filhos, de

4 a 18 anos.

Domingos vem de uma família de nove irmãos, todos espalhados pelo Paraná e Mato

Grosso. Os irmãos seguiram a agricultura, as irmãs seguiram seus maridos. Já Fátima vem de

uma família de seis irmãos, todos trabalhando na agricultura. Segundo Domingos, “a minha

herança é ter o prazer de ser agricultor desde criança”.

Como não conseguiam trabalho aqui no Brasil, resolveram tentar a vida no Paraguai.

Foram um dos famosos brasiguaios de tantas reportagens já feitas.

De prosa fácil, bem caipira, chimarrão na mão, Domingos vai encadeando idéias com

causos. O bom entrosamento entre o casal é visível. Faz seis anos que estão em Bituruna e

resolveram participar do MST porque “o emprego da roça se acabou por causa do sistema de

máquina. O sistema agrícola, hoje ele destruiu a fonte de renda do pequeno, porque nóis

pequeno, no passado, você trabalhava carpindo, capinando, você plantava por dia, você colhia

a roça por dia, você trabalhava com maquininha manual. Tudo isso era fonte de renda que a

gente requisitava o alimento do dia-a-dia. Mas como as máquinas entraram e tomaram conta

desse setor, ao ponto que nóis pobre pequeno tivemo que entrar pra luta, porque não tinha

mais saída. Porque ia lá no granjeiro pedir um dia de serviço ele ‘não, aqui não tem porque

aqui eu lavro com o trator, eu passo veneno com o trator, eu colho com a seifa, eu carrego

com a própria máquina’ e daonde que nóis pequeno acabamo ficando arrasado né e daí

partimo pra luta”, pondera Domingos.

Do acampamento em Chopinzinho vieram para Bituruna. O dono da área já tinha

interesse em vender a fazenda para o Incra, então não se opôs à ocupação. Domingos lembra

que “não tinha estrada, só carreiro, era um sufoco. Mas como a gente precisava de um pedaço

de chão pra criar os filho, o pão de cada dia, lutemo pra hoje nóis ta aqui”.

A família ficou cerca de três anos morando embaixo de uma lona, em uma barraquinha

feita de folha de taquara. Depois levantaram uma casinha de madeira que hoje é o paiol da

família. Naquela época, as próprias famílias se organizaram e dividiram a fazenda em lotes.

Fátima recorda, com nem um pouco de saudades: “era difícil, ‘Deus o livre’! Tempo de verão

era difícil em baixo da lona, tempo de chuva era pior ainda porque daí corria enxurrada assim

de baixo do barraco, as crianças tinha que vive em cima das tarimba. Nem cama nóis não

23 Entrevista concedida à autora em 19 out. 2006.

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tivemo, era tarimba”. Muitas vezes tiveram vontade de desistir: quando não era ela, era ele. E

cada um segurava a barra do outro. E hoje não se arrependem.

Percebe-se que o casal tem profundo respeito pela natureza. Para se ter uma idéia,

Domingos plantou mais de duas mil mudas araucária em todo o lote, mesmo sabendo que

talvez não possa cortar depois24. Em suas colocações sempre fala que quer mostrar aos

governos que os assentados não destroem a natureza. Pelo contrário, é quem mais cuida.

Não tem estudo, mas está sempre antenado nas notícias (onde trabalha assiste TV na

hora do almoço) e é muito observador.

No lote, a família planta feijão, milho (ano passado a seca acabou com tudo), arroz,

mandioca, batata doce, batata, tem criação de galinha, vaca, boi, além de ter bastante

bracatinga. Plantaram também pínus para ser uma espécie de poupança verde para os filhos,

“pra que não venha acontecer deles andar pela estrada com a família que nem a gente andou,

né?!”. Além disso, Domingos trabalha de diarista em um vizinho, fazendo carvão e Fátima

revende produtos que um “caixeiro viajante” deixa para ela oferecer às vizinhas em troca de

prêmios conforme a quantidade de coisas que vende.

Nas conversas, percebi uma certa dependência do técnico que atendia o assentamento

(Jucélio), talvez por causa do seu jeito de ser e trabalhar com os assentados, pois Jucélio de

faz como se fosse ele próprio um assentado, ou seja, se faz como eles.

Félix Vergopolo25: “natureza é vida”

Félix Vergopolo, natural de Bituruna, tem 50 anos, é casado e tem três filhos, sendo

que um deles também é técnico que atende os assentamentos (no momento, está afastado por

causa da falta de pagamento do convênio). Está há dois anos assentado e é “irregular”, ou

seja, comprou o lote de um ex-assentado. Enquanto aguarda sua regularização, Felix participa

das atividades e, atualmente, é dirigente do sindicato rural.

Ele e a esposa trabalharam durante oito anos em São Paulo, como caseiros, e o

objetivo era juntar economias e voltar para Bituruna. Eles chegaram a possuir uma área, mas

era muito pequena e também os filhos estavam crescendo e precisavam trabalhar. Foi quando

surgiu a oportunidade de adquirir o lote onde está em Bituruna.

Félix participou da primeira diretoria do Sindicato, em 1986. Só se afastou desta

atividade quando morou em São Paulo e, ao retornar a Bituruna, voltou a participar. Um dos

24 A legislação paranaense é rigorosa em relação ao corte da araucária, por ser uma espécie ameaçada de extinção. 25 Entrevista concedida à autora em 23 out. 2006.

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principais trabalhos do sindicato, além de encaminhanto de benefício junto ao INSS, é auxiliar

os pequenos agricultores do município a fazerem projetos para captação de recursos para

melhoria de habitações. Este projeto não abrange ainda os assentamentos, uma vez que os

mesmos já recebem uma ajuda neste sentido quando os lotes são demarcados: “o assentado

tem o recurso, mas é muito pequeno. Geralmente não dá prá ele terminar a casa”. Então, estão

tentando um convênio para os assentados também.

Uma de suas maiores preocupações é sobre como dividir seu tempo entre família,

sindicato e cuidar do lote. Apesar de ir e voltar todos os dias, Félix passa pelo menos três dias

por semana na cidade por causa das atividades sindicais: “a gente fica muitos dias fora e a

mulher não gosta porque ela tem que ficar sozinha”.

Defensor da natureza, está implantando uma área com agrofloresta em seu lote e está

sempre envolvido em cursos de agroecologia: “a natureza é vida, se não tiver natureza não

tem vida também, né?!”. Em seu lote cultiva feijão, milho, girassol, arroz e erva-mate.

Também faz carvão de bracatinga.

No sindicato, tem a possibilidade de trabalhar não só com assentados, mas como todos

os agricultores familiares de Bituruna. E observa que existe diferença entre os que participam

e os que não participam das atividades sindicais, cursos, reuniões: “tem, porque o pessoal que

participa ele tá sempre ligado aos outros, vendo a coisa diferente, aprendendo. Então o pouco

que ele aprende ele consegue levar pra propriedade dele”.

Getúlio Padilha26: o campo como opção de sobrevivência digna

Getúlio Padilha tem 52 anos e é natural de General Carneiro, município vizinho a

Bituruna. Estudou até a quarta série e depois foi trabalhar com seu pai na agricultura. É

casado e tem três filhas que moram com ele.

Mais novo, trabalhou durante seis anos em uma empresa de construção de asfalto.

Quando seus pais resolveram se separar, Getúlio e um cunhado fizeram um empréstimo no

banco para comprar a parte de seu pai no terreno que tinha: “fiz um empréstimo no banco e

daí passou a época de pagar e aquele tempo aquele juro corria muito alto e o juro corria todo

dia e daí tive que vendê o terreno de volta pra poder pagar tudo o banco”. Vendeu o terreno,

pagou o banco e foi trabalhar em empresas da região.

Passou a viver em uma casa alugada quando resolveu ir para Bituruna e tomou

conhecimento dos acampamentos. Resolveu que iria tentar algo. Ele e sua família viveram

26 Entrevista concedida à autora em 19 out. 2006.

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acampados cerca de dois anos e meio embaixo da lona: “mas a gente vai levando, né. Porque

lá, por exemplo, eu até ganhava um salarinho mais ou menos, mas tinha que pagar aluguel,

luz, água, compra lenha, o gás, tudo. Então o salário que a gente ganha na firma já não dá pra

sobreviver mesmo que ganhe mais ou menos. Procura pagá o aluguel, daí não sobra pra comer

e daí quando surgiu a oportunidade de vir pra cá eu peguei e me mudei praqui”.

Para participar do acampamento trocou uma casinha simples que tinha na cidade por

uma “vaga” no acampamento. “No começo a muié não gostou muito porque a gente sai duma

casa pra um barraco é meio complicado, mas a gente pensando num futuro a gente vê que os

emprego hoje em dia nas cidade é muito difícil. Ainda mais pras pessoas que não tem estudo,

uma formação, uma profissão mesmo”. Naquela época, o acampamento não era vinculado ao

MST.

No acampamento, as famílias estavam dispersas pela fazenda. Na verdade, segundo

Getúlio essa era uma estratégia para que o antigo líder conseguisse cortar espécies nativas e

vender a madeira. Com isso, boa parte da fazenda foi devastada. Para manter a família, na

época do acampamento trabalhava de diarista em assentamentos ao redor.

Uma das coisas que mais lembra da época de acampamento era do antigo líder do

grupo, que se revelou um cortador de madeira da fazenda. Além disso, o planejamento que

aquele antigo líder tinha feito para o assentamento reduzia o número de famílias na área e

muitas delas teriam que ir embora. Por outro lado, havia a notícia de que aquela área não era

boa para agricultura e não haveria assentamento: “daí que me preocupou, porque a única

coisa que eu tinha era uma casinha véia lá em General e eu tinha dado a troco do direito do

homem [de ficar no acampamento], daí eu ia perdê minha casa e voltá de novo no zero!!!”.

Getúlio, então, resolveu mobilizar as famílias para trocar a liderança do acampamento. Foi aí

que conheceu melhor o MST e ele próprio tornou-se líder do grupo, junto com outros

assentados que o ajudaram.

Resolveram colocar o nome de Sonho de Rose no assentamento em homenagem a

Roseli Nunes, companheira de luta pela terra que foi morta do Rio Grande do Sul. O nome foi

inspirado em um filme homônimo. Getúlio conta como foi o proeccso de escolha do nome:

“daí nós falemo: bom, vamo ponha um nome Sonho de Rose porque era o sonho que ela tinha

de ter um pedaço de terra e um sonho nosso, de tudo nóis ter uma área de terra, então vamo

ponha esse nome Sonho de Rose’ e o pessoal achou que dava, que era bom e coloquemo o

nome de Sonho de Rose, por causa do nome do filme que conta a história da Roseli Nunes”.

Logo que o assentamento foi regularizado já chegou o recurso para fomento e

habitação. Hoje planta milho, feijão, mandioca, batata doce, tem erva-mate e bracatinga, com

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a qual faz carvão, além de pomar e horta para consumo próprio. Lida também com apicultura,

de onde tira um pouco de renda. Não pensa em plantar pínus, porque a bracatinga está com

preço melhor. Getúlio tem uma grande consciência política e é bastante crítico em relação ao

poder municipal e sua relação com os assentados.

Luiz Neves dos Santos e Ílzia Ribeira dos Santos27: ligação com a natureza

Luiz e Ílzia estão casados há 17 anos. Tem duas filhas do casal, mais dois filhos do

primeiro casamento de Luiz.

Luiz Neves dos Santos tem 37 anos e nasceu em Renascença, interior do Paraná. Com

a separação de seus pais, foi criado por seus avós. Sempre trabalhou na roça e casou cedo.

Teve dois filhos mas este primeiro casamento não deu certo. Conseguiu a guarda dos filhos e

este sempre foi o motivo para lutar por algo melhor: os filhos, que sua mãe ajudou a criar e

depois a atual esposa. Conseguia emprego, mas sempre era longe dos filhos e isso não queria.

Queria ser pai, em tempo integral.

Veio com um cunhado para Bituruna para ver se conseguia ser assentado. O cunhado

foi embora e ele ficou. Juntou-se com um amigo para tentar conseguir alguma coisa. Ao redor

de seu barraco, jagunços tiravam madeira e o intimidavam com tiros para o alto. Chegava a

não dormir de noite para guardar seu barraco.

Enquanto estava acampado, trabalhou com erva-mate e construiu um barraco, que

acabou repassando para outra pessoa.

Não queria casar mais, pois a experiência do primeiro casamento não tinha sido boa.

Por outro lado, sua mãe sempre perguntava se ele não queria dar seus filhos para ela, ao que

respondia: “mas eu não dô. Não dô pra ninguém. Se fosse pra dá, já nem tinha desistido dos

meus empregos que eu tava trabalhando. Já desisti de tudo pra poder ficar com eles”. E o

Incra também, na época, priorizava famílias. Com os filhos longe, sem ter como comprovar

que tinha família (nem registro de nascimento as crianças tinham), os amigos sugeriram que

ele formasse realmente uma família: “os amigo falava: ‘Luizinho, homem, casa [case], arruma

uma mulher, home. Você não vai ficar o tempo inteiro sozinho, home. Porque você já tem seu

cadastro. Foi o primeiro que entrou, ninguém há de te tirar a vaga. Você não tem medo de que

se der excedente e de você perder tua vaga pra uma família?’ E eu também pensava: sabe que

ele tá certo mesmo! Fui analisando, reunindo as conta. Eu digo: ‘mas olha, vô perdê. Vai pra

uma seleção pra uma coisa ali que de repente eu vou perde ponto pra quem tem uma família.

27 Entrevista concedida à autora em 22 out. 2006.

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Jamais vão tirar uma família já com os cinco ou seis filhos e deixar eu que na verdade não tem

ninguém comigo aqui’. Daí comecemo o namorico com a mulher ali [aponta Ílzia]”.

Segundo Luiz, ele foi bem sincero com ela desde o começo sobre os objetivos de estar

com ela. E Ílzia aceitou. Eles se conheceram no acampamento e Luiz lembra como foi: “daí

ela não tava acreditando, mas eu digo: tenho dois filho. Digo, a proposta é esta, agora chegou

a verdade, não adianta menti, porque menti tem a perna curta. É assim, assim, assim. Ela

disse, ‘mas vamo tenta então’. Tamo tentando até hoje aí com 17 anos. E daí, magine

[imagine], digo: ó, a minha cama é quatro estaca de forquilha com as vara atravessada e

cortada de taquara assim e a cama é ali. Botamo uns forro de cama em cima e dormia ali.

Minha cama é assim, e o fogão é feito de pedra, cortado uma lata com umas pedras. Só que

comemos bem, bastante, este eu nunca deixo faltar pra nós. Por enquanto é improviso assim.

Até assusta, né, porque ela tava na casa do pai dela que tinha quase tudo as coisa assim... pra

daí ir pra lá, barbariade! Foi de coragem, né. Mas dentro de pouquinho tempo também fomo

comprando mais, o mais básico também e tamo aí, até hoje, graças a Deus”. Os filhos vieram

morar com eles já nessa época.

Quando perguntado porque resolveu participar de ocupação, Luiz responde: “eu

cheguei ao ponto de vir pra um acampamento pensando na família da mãe, que era grande, e a

terra era pouco, não ia ter o terreno suficiente pra nós sobreviver dali. Se eu pegasse um

terreno que é o meu no caso hoje, eu abria mais chance pros outros viver um pouco mais

melhor, ter uma condição melhor”.

Ílzia sempre trabalhou na roça, junto com a família. Por causa de um problema na

visão de seu pai, a família usou as economias que tinha para tentar curá-lo. Sem recursos, a

família tentou viver arrendando terra, mas “nós só tirava pra comer, nós nunca fazia nada na

vida. Trabalhava, trabalhava e tinha ano que não sobrava pra compra muda de roupa né, era

só comida”. A alternativa para sobreviver foi lutar por um lote em ocupações. Ficaram oito

anos em um assentamento no município de Marmeleiro, mas a terra não produzia quase nada.

Outra questão é que o pai de Ílzia sempre quis “todos os filhos debaixo das asas”, então a área

era muito pequena. Foi quando vieram para Bituruna e Ílzia conheceu Luiz. A família foi

embora e, apesar das reclamações do pai de Ílzia, ela resolveu ficar, com o que brinca: “de

certo era destino casar com pobre” mas depois completa, séria: “eu vou casar pra eu ter

garantido de que o que eu vou fazer é meu, né”.

No começo do assentamento eles chegaram a trocar de lote, pois Ílzia dava aula na

escola rural e seria bom morar perto. Hoje moram em uma casa de madeira, mas seu sonho é

construir uma casa de alvenaria na entrada do lote. Luiz tem até a segunda série, mas se

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considera analfabeto: só lê, mas escreve muito pouco. E Ílzia fez até a quarta série, o que a

credenciou para dar aula na escola durante um tempo.

Hoje, lembram do começo difícil, em que nem acesso à assistência à saúde tinham.

Em seu lote, além de plantar as culturas de subsistência (batata, mandioca, milho,

feijão), também trabalham com erva-mate e bracatinga (para carvão). São um casal bastante

antenado, crítico, participam de diversas atividades e gostam de uma boa prosa. Tem uma

profunda ligação com a natureza e sequer admitem plantar pínus em seu lote, nem que desse

muito lucro.

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Cap 6

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1) Mobilizar para quê? Na pesquisa1 de campo2, a pergunta que mais me incomodou foi: “mobilizar para

quê?”. Ou seja, qual o sentido de mobilizar estes assentados? Qual o objetivo perseguido? O

que existe de comum entre eles, fora a questão de serem assentados rurais? Isso sempre

norteou todas as minhas observações durante praticamente um ano de pesquisa de campo.

Ao seguir a definição clássica de mobilização proposta por Toro e Werneck, a

primeira percepção que tive é que, após o processo de assentamento, as pessoas se

desmobilizam. Antes, a luta por um pedaço de terra era a grande busca comum. Quando esse

objetivo é atingido, a desmobilização acontece. Não deixa de ser emblemática essa passagem

da condição de sem-terra para a de assentado:

• Aí é a parte da consciência da pessoa. E é à parte do que ela aprendeu quando estava acampada. Porque a reforma agrária ela não é só a terra. E quem cria esta consciência de que a reforma agrária um dos objetivos é a terra, mas além dá terra tem outros objetivos pra gente conquistar, que é o direito de liberdade. É você estar bem organizado pra conseguir outras coisas, né. Então você também entende que um dos objetivos é a terra, e tem outros objetivos que você tem que estar organizado pra você conquistar [...] E tem um que não consegue avançar neste processo de reforma agrária. O objetivo dele era a terra. Ganhou a terra, o objetivo deles é projetos e aí quando que se mobiliza? Se mobiliza quando ganhou a terra, se mobilizou, ficou organizado até ali. E quando tem uma reunião de pegar recurso, pegar créditos ele vem, fora disso ele não vem. Este cara não é um operário, não é uma família da reforma agrária, porque nós que temos consciência, nós sabemos que ainda somos assentados. Conseguimos a terra, conseguimos crédito, mas pra nós conseguir mais crédito nos temos que permanecer organizado. Nós vamos ter que pagar um título um dia desta terra (Anísio).

• Daria mais certo [o trabalho nos lotes, o sucesso da produção] se trabalhasse em grupo, mas como o povo não tem esse costume é duro da gente trabalhar com eles. O povo gosta mais de trabalhar individual, uns querem um lotinho só pra morar ali em cima porque ali é sossegado, não tem ninguém pra encher “as paciência”, ou o pessoal tem outro costume e quer ficar ali acomodado, muita gente às vezes não vem pro assentamento nem pra plantar, querem pra ter um cantinho pra viver o resto da vida deles ali (Getúlio).

1 As entrevistas citadas neste capítulo foram concedidas à autora nas seguintes datas: a) Entrevistas individuais com assentados: Anísio – 20 out. 2006; Celestino – 23 out. 2006; Domingos e Fátima – 19 out. 2006; Félix – 23 out. 2006; Getúlio – 19 out. 2006; Luiz e Ílzia – 22 out. 2006. b) Entrevistas individuais com técnicos: Jucélio – 23 out. 2006; Olcimar – 31 ago. 2006; Sandra – 31 ago. 2006; Talles – 31 ago. 2006. 3) outros assentados e técnicos que aparecem neste capítulo participaram de grupo focal em 11 mai. 2006 e 21 out. 2006 conforme será explicado posteriormente. 2 Na transcrição e citação dos depoimentos, procurou-se ao máximo ser fiel à forma com que os assentados e técnicos falavam e se expressavam, mesmo com erros de português. A intenção foi reproduzir o contexto da conversa e tentar passar um pouco seus “jeitos de falar”. Em alguns momentos, são reproduzidos momentos de diálogo, com o nome de quem fala no começo da citação.

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Um dos problemas da falta de mobilização é a própria manutenção do lote pelo

assentado. Após algum tempo, por estarem sozinhos, sem organização, acabam não

conseguindo prosperar e terminam vendendo o lote ou mesmo abandonando, apesar de ser

uma atitude ilegal, como explica Anísio:

• Acontece, e quando acontece isso é triste, porque a família sai do assentamento e vai pra onde? Aí vai pra cidade, vai viver de empregado de novo, vai ficar desempregado. Um monte de gente que vendeu os lotes no assentamento [...] hoje já tá sem casa, tá sem terra e, às vezes, até indo pro acampamento né, mesmo sabendo que não vai pegar terra.

Os próprios técnicos que trabalham nos assentamentos estudados também já

perceberam esta diferença de condição entre acampado e assentado:

• [...] as pessoas se mobilizam pelos interesses delas sabe? Tipo uma reunião do Pronaf3: vem 40 a 50 pessoas. Já uma reunião de agrofloresta4 é 25, 26 pessoas entendeu? [...] elas [as pessoas assentadas] acham que pegando o Pronaf, comprando semente selecionada, colocando adubo químico, pagando hora-máquina de trator, elas vão fazer agricultura bem feita e vão colher melhores resultados e vão ser felizes entendeu? Então pro Pronaf ela [a pessoa] vem e pro curso de agrofloresta ela não vem (Sandra).

• [...] depende muito de como que acontece o andar, a luta, principalmente as dificuldades que têm nessa luta. Porque se ele [o sem terra] tá acampado, ele tá lutando: ele mais um grupo tão lutando por um objetivo que é a terra. Aí, a partir desse momento, ele só tem aquele objetivo, que é ganhar a terra, tá na cabeça dele que é só ganhar a terra. Aí ganhou a terra acabou-se. Aí ele não se mobiliza mais pra trabalhar. [...] aquele que é mais consciente, que conseguiu levar uma formação melhor do tempo de acampamento, consegue visualizar alguma coisa pra trabalhar o assentamento [o lote]. E muita gente talvez não consiga ter essa visão [...]. Se ele tá sentindo dificuldade em se cooperar para fazer uma coisa, ele vai tentar se cooperar pra fazer por exemplo a venda de insumo, a venda de matéria-prima que ele tenha no lote. Aí, se a necessidade é de vários, esses vários se reúnem pra fazer, mas em cima da necessidade, não por uma consciência (Jucélio).

Se, quando acampados, estavam engajados, participavam de reuniões, manifestações,

discutiam sua condição, agora, já assentados, essa força participativa perde força. E isso vai se

refletir muito na busca de melhores condições de vida, pois o lote não é entregue como um

sonho acabado. Por se tratar de terra dita “improdutiva” (condição básica para o processo de

desapropriação5), é nela que se tem que trabalhar muito mais! Então, a construção de sentidos

deve passar por uma transformação. E para isso um novo propósito comum poderia ser o

3 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – entre uma de suas linhas de atuação está a concessão de crédito rural para agricultores familiares. 4 Reunião de agrofloresta refere-se a cursos sobre implantação e manejo de agrofloresta que, como visto anteriormente, é uma prática relativamente nova e com resultados a longo prazo. 5 Conforme processo demonstrado no Anexo 1 – Processo de Criação de Assentamento

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sentido da mobilização: o desenvolvimento sustentável. Nota-se, então, nos depoimentos,

pontos convergentes em respostas às questões: “qual o sonho que você tem aqui para seu

lote?” e “qual a importância da natureza?”. Percebe-se nas entrelinhas que, embora cada um

enxergue seu sonho e sua relação com a natureza sob uma perspectiva, os mesmos se

complementam, e todos caminham para a definição clássica de desenvolvimento sustentável

que está no Capítulo II (“uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz as suas necessidades

sem diminuir as possibilidades das gerações futuras de satisfazer as delas"). Os sonhos dos

assentados são muito parecidos e demonstram a crença e o respeito que têm pela terra.

1.1 Sonho comum • O meu sonho, aqui pro meu lote, não é ser rico [...]. É a gente poder fazer as

coisas programadas. Hoje eu aprendi que tem que ser tudo dentro do planejamento, muito bem planejado e o meu sonho é deixar este lote pros meus filhos. O que eu vou deixar em cima depende deles, depende de mim. Da nossa capacidade de administrar. Mas tudo aquilo que eu puder fazer de bom pra deixar pra eles, e pra mim sobreviver, quero fazer. Esse é meu sonho... (Anísio)

• Uma parte do sonho tá meio realizado, só tem que ampliar este sonho que a

gente tem, porque a gente sempre dizia assim: “a hora que eu tiver meu terreno, quero plantar bastante, quero ter de tudo crioulo6” (Luiz).

• Ah eu sonho de ter uma pastagem boa, criação, [...]. Uma hortinha ali pra

tirar umas verduras a gente já tem e também [quero] fazer um pomar de fruta e ter assim o que a gente precisa prá família da gente né (Getúlio).

E a perspectiva de continuidade e sucesso alimenta este sonho. Celestino, quando

perguntado até quando pretende ficar no seu lote, responde na hora: “o resto da minha vida”.

Domingos também segue a mesma linha de reflexão: “Não, não dá mais, não pra ir embora

daqui. ‘Deus o livre!’ A terrinha que a gente ganhou aqui a gente tem que ficá. [...] Como a

gente percisava de um pedaço de chão pra cria os filho, ter o pão de cada dia, lutemo pra hoje

nóis tá aqui” (Domingos).

A crença e certeza das instituições ligadas a pequenos produtores é que “de um

pequeno pedaço de terra podemos ter quase tudo o que precisamos para viver, como a água,

os alimentos, os remédios, lenha, madeira, enfim, o sustento familiar” (JORNADA DE

AGROECOLOGIA, 2006, p.29). Isso é confirmado pelos depoimentos dos assentados, para

6 Neste caso, a expressão “crioulo” quer dizer o tipo de semente a ser utilizada nas plantações. A semente crioula é aquela considerada nativa, pura, original, que não sofreu nenhum tipo de processo de melhoramento genético nem adaptação à região e por isso é uma semente considerada agroecológica.

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quem o sonho, a esperança de poder viver da terra e sustentar sua família é parte da crença, do

respeito à terra, à natureza e opção de vida.

1.2 Relação com a natureza

São bastante pertinentes as reflexões feitas pelos entrevistados sobre sua relação com a

natureza. Tais idéias saíram tanto da pergunta direta “qual a importância da natureza?” quanto

de trechos quando falavam sobre o uso que fazem de seu lote. Embora se possa imaginar que

o homem do campo tem uma relação de respeito com o meio ambiente, por estar em uma

atividade diretamente ligada a ele, na prática não é isso que acontece. A consciência sobre

uma relação de “dar e receber” da natureza é recente. Segundo Brandenburg (1999, p.63),

a crise sócio-ambiental do sistema de livre-mercado, hoje, globalizado, coloca-nos diante de uma posição sui generis na história da humanidade: optar pelo expansionismo tecnológico unilateral, levando a expansão da racionalidade instrumental ao seu extremo, ou reconsiderar razões de natureza ética e cultural capazes de proporcionar um convívio com múltiplas dimensões e levar a uma reorganização da ordem social e da relação com a natureza.

Parece que os assentados de Bituruna já fizeram a sua opção:

• O que é que nós somos sem a natureza, né? Nada. Sem a água; sem as árvores; sem os passarinhos; sem os bichos. O que que a gente é? Um ser humano sem serventia nenhuma. Eu avalio assim. Então eu acho que o homem tem que parar de se preocupar só com destruir a natureza, achar que ele tem que ter avião, tem que ter caminhão, tem que ter um monte de coisa e não se preocupar com a natureza. Não entendo até hoje na minha cabeça porque que uma família tem que destocar7 mil hectares de terra pra sobreviver né, e fazer um acúmulo de dinheiro né, um acúmulo de capital né, e de repente fecha os olhos e deixa tudo. Não tem sentido, então, a pessoa pensar só em riqueza, pensar só em ter bem, em acumular riqueza. (Anísio).

• A respeito da floresta, a coisa que mais amo é a natureza. Porque se a gente for somar bem, a natureza é o sangue que corre nas veias de cada um daqui. Porque enquanto a natureza for pura, o nosso sangue vai ser puro, não vai ser contaminado com tanto agrotóxico, por tanta contaminação que tem hoje. Também sou contra a queimada, a coisa que eu mais fico agoniada é ver o mato queimando. Parece que tá queimando em mim. [...] (Ílzia8)

7 Destocar: arrancar toco(s) de árvore(s), arbustos etc. (de terra, terreno etc.) – Dicionário Houaiss. Disponível em <http://biblioteca.uol.com.br> . Acesso em 20 abr 2007. Aqui, empregado no sentido de cortar todas as árvores de um terreno. 8 Depoimento dado durante Curso sobre agrofloresta no assentamento Rondom III – atividade que será analisada posteriormente.

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• Só agora que a gente descobriu o valor de uma agrofloresta, porque antigamente nós não tinha essa noção [...] Se bem que, ainda assim mesmo a gente foi planejando o lote né, que a gente faz essa exploração de carvão, mas a gente planejou ainda até os corte da bracatinga pra nunca ficar o lote sem nada [...]. Nóis temo área de mata assim preservada que nóis nunca mexemo, que a gente deixou ali. Isso aí é um futuro. Mais tarde, o dia que você depender de você tirar uma tora de lá pra fazer uma tábua, você vai ter dentro da tua propriedade. [...] Eu gosto daquilo que Deus deixou mesmo pra nóis, então vamo preservá. (Ílzia).

• A gente já traz meio de herança isso aqui, porque [...] desde o começo da minha vida que eu nasci já trago de herança isso aqui, uma ligação com a mata. [...] A importância da natureza é o seguinte, isso sem sombra de duvida: eu e minha casa já convive direto no meio da natureza, pode ver que é arrodiada de natureza em roda, mato, ó o ar como ta vindo um ar puro, não é contaminado né. Pra te contar uma história, não falo com orgulho, isso é por Deus: faz 17 anos que eu moro aqui e a peste em galinha e coisarada só vem na beira do meu mato do outro lado, não vara o mato, o próprio oxigênio do mato parece que não deixa vim peste pro terreno da gente [...] Os outros se queixam às vez que morre pato, morre galinha, vizinho meu aí, e daí eu percebo alguma coisa, eu olho em volta da casa deles não tem um mato ali. Digo “tá aqui ó”: o ar já vem de longe contaminado e se apossa onde? Aonde não tem proteção, o oxigênio puro. [...] Eu acho que é uma verdade isso que eu to falando né que então sem sombra de dúvida: eu em vez de tirar um pé de mato lá da casa, vô plantá mais (Luiz).

• [...] essa imagem que nóis vê aqui né, dessa arvinha [arvorezinha], ela traz um símbolo de sabedoria ensinando como é que a gente vai trabalhar com esse tipo de planta. Porque eu luto com a lavoura, mas sou bastante ligado também à planta de muda de árvore. [...] Porque quem luta [no sentido de “trabalha”] com o verde, nunca se sai mal nem na parte de renda nem na parte de saúde [...] Uma árvore pode demorar um pouco e gera renda mas também ajuda a preservar durante o crescimento a parte do meio ambiente né. [...] Mas a araucária9 eu sempre falo pros meu piá10 que jamais eles pensem de um dia tomba por terra, de destruí. E se tira que plante de novo. Porque vai chegar um tempo que se nóis não prantá a araucária, os nossos neto, nossas criança que tão pra vir, não vão conhecer o pinhão né. [...] Então preservar uma parte aqui pra gente ter uma água boa, mais saúde (Domingos).

• A gente tem que preservar. A gente tem muita fonte de água, as cabeceirinha11. Que nem por exemplo, esse mato aqui. Eu sei que se a gente derrubar vai dar bastante lenha, mas eu não quero derrubar porque tem as cabeceira d’água e as fonte que não dá pra descobrir. [...] O pessoal que tem [alguma área de floresta] tem a consciência que tem que preservá. Não tão deixando limpo, tão deixando mato. [...] [deixar a floresta] não traz muito lucro, mas traz mais saúde pras pessoa. (Getúlio).

9 Também conhecida como pinheiro-do-paraná, a araucária é uma espécie nativa do Sul do País e está na lista das espécies em risco de extinção. 10 Filhos 11 Nascentes

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• Eu ajudei a destruir muita floresta, muita mesmo.Mas destruí muita floresta, então agente viveu cortando o mato, peroba. Aquelas perobas... meu Deus do céu, peroba a gente cortava em três homem com machado. A gente usava machado, não existia moto serra. E apodrecia tudo, porque não se aproveitava nada naquela época. Destruí muito! [e ri, como quem sabe que fez coisa errada] (José Soares dos Santos).

• Eu gosto de floresta porque é bem importante a gente preservar a floresta. Porque imaginem nos próximos anos como é que ia ser se nós não fossemos trabalhar que nem agora. Imagine se nós sofremos por água, e depois então se nós começasse a matar tudo. Então tem que preservar plantando vários tipos de árvore, preservando a água (Rafael).

• Já chamaram de loco [por querer trabalhar com agrofloresta]. Só que não é. Você se sente em harmonia com a natureza. É uma coisa inexplicáver: sente o cheiro das árvores, e da terra quando pisa lá, e às vezes escorrega e sente o cheiro gostoso da terra (Leonilda).

Para Brandenburg (1999, p.75), “a noção de sustentabilidade constitui muito mais uma

orientação política de propósitos a serem atingidos do que expressão de uma realidade. Surge

como agenda, com o objetivo ou ideal de restaurar o equilíbrio na relação homem-natureza”.

Fica clara nos depoimentos acima a forte relação dos assentados com a natureza.

Mesmo o assentado que conta que já destruiu muita mata, hoje participa dos cursos e respeita

a natureza porque sabe que sua atitude no passado foi errada e hoje quer se redimir. Nas falas

dos assentados, transparece a consciência do valor da terra, a crítica ao consumo, o

reconhecimento da importância da natureza e tudo o que está relacionado a ela.

A questão “mobilização para quê”, então, ganha significado quando se percebe que

tanto a sobrevivência sua e dos filhos (gerações futuras) quanto o respeito ao meio ambiente

fazem parte do cotidiano dos assentados. Talvez falte, então, mostrar a eles que estes desejos

são comuns e que fazem parte de algo muito maior, que é o desenvolvimento sustentável. E

isso faz falta, como veremos adiante, na formulação do imaginário.

2) Os papéis da comunicação Sem mobilização e organização dificilmente se consegue alguma coisa

individualmente, ainda mais quando se trata de pequenos produtores rurais. Percebe-se, então,

que a comunicação, em seu sentido amplo, realmente tem um papel fundamental no processo

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de mobilização destes assentados. Em palestra no dia 26/05/200612, Bernardo Toro

exemplifica melhor essa importância da comunicação para a mobilização social:

- convocação: ato de liberdade

- de vontades: ato de paixão e interesses

- propósito coletivo: ato público

- para a dignidade humana: ato ético

E cita que, infelizmente, nem toda comunicação tem tido como foco estas premissas.

Para Toro “a comunicação serve para circular sentidos, não importa a forma. Qualquer

comunicação que exclui sentidos, exclui parte da sociedade”.

As observações realizadas na pesquisa de campo e as declarações dos assentados

confirmam os papéis desempenhados pela comunicação em um processo de mobilização

social (formulação do imaginário, campo de atuação e coletivização da ação):

2.1) Formulação do imaginário

A formulação do imaginário passa por um processo de construção da condição das

pessoas na sociedade. Isso interfere sobre como o assentado vai se colocar diante das

dificuldades e sobre como vai se mobilizar. Percebe-se que o imaginário dos assentados se

constrói tanto nas relações sociais locais quanto na percepção sobre a luta pela terra.

- Relações sociais locais

Uma das perguntas feitas foi sobre a relação do assentado com os moradores do

município de Bituruna, como são tratados, como vêem a relação entre o urbano e o rural. Os

assentados enxergam a Reforma Agrária como fator de desenvolvimento do município e

creditam aos recursos colocados nos assentamentos a expansão do comércio local. Esta visão

é bastante forte e presente em praticamente todos os depoimentos, que mostram as mudanças

na percepção da imagem dos assentados.

• [Os assentamentos] geraram muito recurso, viu. Se você for pegar dez anos atrás o que era o nosso município e o que é agora, eu acho que é conseqüência da reforma agrária. [...] Os madeireiros infelizmente destruíram o município, construíram só pra eles mas pra sociedade muito pouco. Então a evolução que teve na parte de comércio, um monte de coisa dentro da cidade, foi depois que aconteceu a reforma agrária. Porque se você pegar, só no comercio, eu duvido a família que não gaste pelo mínimo um salário por mês no comércio (Anísio).

12 Realizada durante o 4º Congresso Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) sobre Investimento Social Privado, em Curitiba/PR. Estas reflexões foram anotadas pela autora da pesquisa, que assistiu à palestra.

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• [...] antigamente se perguntassem daonde cê é? “Sou lá do assentamento”. Daí eles te encaravam “dos pé a cabeça” e viravam as costas pra você e não te diziam nada, hoje não (Ílzia).

• Eu não sei se ia viajar ou o quê. Eu tava posando no hotel e o homem se deu

de prosear comigo e tal, beleza, e coisa e eu prosa e coisarada e tal, quando ele perguntou daonde que eu era. Quando eu falei que era do Rondom, do assentamento, o homem correu de perto d’eu. Eles [moradores do município] tinham nóis no começo que se fosse uma tropa de jagunço. [...] Dispois que eles começaram a ver o que era o sem terra, o que que o sem terra fazia, como o sem terra se organiza, até junto com nóis eles tão agora [e cita uma manifestação feita em conjunto entre assentados e pequenos produtores do município]. [...] Os outros agricultor, hoje até nóis temos um respeito por parte deles. O que nóis fala eles te dão muita atenção, porque eles não tinham aquele costume de ter uma organização, o costume do agricultor hoje fora de assentamento são individual né?! Então eles não sabem assim formar, onde buscar informação, o que fazer né. [...] [em relação aos moradores do município] É, então nóis criscimo [crescemos] a cidade. Os próprio comerciante hoje eles acham assim “hoje tá melhor”. Acho que eles se sentem até melhor em negociar com nóis agricultor dos assentamento do que talvez um outro (Luiz).

• Chegou um ponto da gente mostrá pro governo municipal o que a gente queria da terra. Não só destruí a mata. Que chegou um ponto de certas pessoas pensarem que os sem terra só destruía as mata. Mas não é assim. Quando eu ganhei esse terreno, tinha três pezinho de pinheiro araucária e hoje eu tenho 2 mil pé plantado, que ta ali, já ta começando a aparecer. [...] O município de Bituruna hoje ele pára mais em pé por causa da presença dos assentado. Nóis compra tudo em Bituruna, gasta tudo ali. Dinheiro que veio do Incra tá tudo dentro de Bituruna (Domingos).

• Eles acham que a gente é muito ruim, porque fomo ocupar uma fazenda de um fazendeiro, que a gente é agitador, briguento. Prá gente eles não falam, mas pras crianças lá na escola eles falam. Mas agora tá melhorando e o povo tá aprendendo a conviver com a gente. Tão aprendendo que a gente não é baderneiro, criminoso, ladrão. [...] O prefeito disse que assentamento não dá lucro nenhum pro município, só dá prejuízo. Mas veja, o assentamento é a solução pro município. O assentamento gera renda, gera tudo pro município, resolve o problema do município. Por exemplo, aqui tinha um fazendeiro e ele tinha suas 15, 16 cabeça de vaca, umas 30 ovelha e um capataz. E o fazendeiro tinha a fazenda só pra tirar madeira, erva. Quando veio o assentamento aqui, nós temo 31 família. Cada família tem lá umas seis, sete cabeça de gado cada um. E isso foi gastado os recurso tudo dentro do município que fica gerando renda. Foi construída 31 casas com material... isso gera emprego nas lojas, gera renda pras lojas, cresce o município. Quando sai o Pronaf, a gente vai ali e compra nos armazém, na cooperativa, paga as contas. Então tamo gerando riqueza aí (Getúlio).

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- Reforma agrária

Já em relação ao próprio processo de Reforma Agrária, a entrevista caminhou no

sentido de analisar as percepções dos assentados sobre sua importância. Percebe-se que

quanto maior o envolvimento político do assentado, mais crítico é o posicionamento em

relação à questão fundiária e ao processo de assentamento. Isso influi decisivamente no papel

desempenhado pelo assentado na mobilização. Nota-se que aqueles que têm um pensamento

mais articulado com a questão política geralmente exercem papel de liderança, mesmo nas

capacitações técnicas.

• Ah, eu acho [que a reforma agrária] representa mais emprego pro povo.

Porque você veja: um lote de terra que você dê pra uma família, quantos você emprega ali dentro? Às vezes você emprega cinco, seis famílias. Então se assenta cem famílias, você emprega quanto? Quase mil! Quase mil então é bastante emprego. E falam tanto em dar emprego pro povo: é só dividir as terras ociosas que têm no país e tá solucionado o emprego. [...] E quanta gente que tá na cidade hoje e sabe trabalhar na agricultura e que tá la desempregado, e se tivesse oportunidade quem sabe ele voltava pra roça e desincharias as favelas e as cidades, né? (Anísio)

• Oia, como a gente que trabaia, [o processo de reforma agrária] é justo. O emprego hoje em dia a senhora sabe como é que é: não é fácil. [...] Na roça, o cara luta: se vira, pranta [planta], [...] e assim vai lutando né. Na cidade tem que comprar tudo (Celestino).

• [perguntado sobre se não tinha outro jeito de conseguir ou comprar um sítio, se tinha que ir para acampamento mesmo, o assentado responde:] Não, não tinha condição. Porque o pobre bem pobre, se ele sofre num acampamento é porque ele já não tem condição. Quem tem um pouco condição já nem pensa em acampamento. Ou ele pensa de comprar um terreno escriturado, ou ele pensa mesmo de tirar um de sem terra que tá dentro de um [referindo-se a alguns assentados que vendem seus lotes]. [...] Porque se ele tem um pouco de recurso, ele não vai querer se acostumar no acampamento, porque é sofrimento. Então esta é uma história complicada. Só vai mesmo pra um acampamento quem güenta (agüenta) acampamento. Até possuísse um pedaço de terra, é aquele que não tem pra onde ir (Luiz).

• [...] algumas pessoas que às vezes não conhecem a luta do campo [...] por intermédio daquele que começou lutando ele começa a entender que a luta do campo não é só ganhar uma terra e ficar sossegado. Daí é que nóis temo que fazê mais, pra que nóis gere renda pra família e traga melhoramento até pro próprio município (Domigos).

• Então eu ia junto cortar mato, cortar empreitada e até a gente pensava em comprar um pedacinho de terra. A gente nunca conseguiu. Porque não sobra. Trabalha, trabalha, mas vivemos também (José Soares dos Santos).

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Interessante notar que o imaginário é sempre em relação ao outro, sejam os habitantes

do município, as pessoas que não entendem o processo de reforma agrária etc, numa clara

demonstração de embate ideológico, como demonstra Van Dijk13 (2003, p.41):

No plano da descrição teórica, as ideologias são parte da mente dos indivíduos (porque somente os indivíduos têm mente) mas, em outro plano, são uma representação conjunta, distribuída entre as mentes dos membros de um grupo (aquilo que têm em comum). Portanto, ainda que os grupos não tenham, evidentemente, uma mente baseada em um cérebro comum, podemos afirmar que têm um certo componente ‘mental’ comum desde o momento em que compartilham uma ideologia.

Tal reflexão é complementada por Koch (1984, p.19), para quem o discurso é uma

ação verbal dotada de intencionalidade, que tenta influenciar o outro ou fazer com que o outro

compartilhe suas idéias. Desta forma, por trás de todo discurso há uma ideologia e, neste

sentido, não existe discurso neutro (conforme já abordado no Capítulo III).

Então se o discurso, ao contrário, partisse de uma realidade mais prática, comum a

todos os seres humanos, como neste caso o desenvolvimento sustentável, as chances de maior

envolvimento e aceitação por parte da sociedade seriam maiores. Mas, mais importante: se o

imaginário do desenvolvimento sustentável fosse reforçado, os assentados estariam focando o

seu dia-a-dia mais adaptado à realidade do conceito.

O que se percebe, no entanto, é que o discurso do desenvolvimento sustentável está

muito mais no cotidiano dos técnicos, mas nos assentados está muito fragmentado, sem

coesão. Como se percebe nos depoimentos acima, falta dar sentido coletivo aos sonhos de

cada um, à forma como se vêem na sociedade. Durante a pesquisa de campo, por meio de

observações, percebi que o senso de comunidade existe, mas para orações e festas. Já para o

dia-a-dia de trabalho, em esforço coletivo, os assentados ainda estão muito longe de

conseguirem resultados. Em alguns depoimentos, quando perguntados se o trabalho em

mutirão nos lotes seria válido, transparece que eles entendem que esta ação conjunta é

necessária, mas ainda não conseguiram colocar em prática:

• “Deus o livre”. Óia, se todo mundo viesse, melhorava as coisa! (Celestino).

• É, ajuda. Mas olha só, eu vejo assim, até fiz a minha proposta ontem lá, de nós fazer por comunidade14 e daí cada comunidade trabalha na sua. Porque devido a transporte, despesa e coisa que dá... Daí, quando chegar uma hora, a gente se reunir tudo os grupo e fazer as avaliação (Luiz).

13 Original em espanhol. Tradução feita pela autora. 14 Cada assentamento é subdividido em comunidades, estabelecidas por proximidade dos lotes.

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• A gente pensa assim de trabalhar em grupo, trabalhar mais organizado. Mas hoje tá difícil porque quando forma um assentamento, o pessoal não tem aquele hábito, aquela tradição, aquela cultura de trabalhar em grupo, de fazer as coisa em conjunto. Então é duro a gente organizar e trabalhar e fazer as coisa certo. Daria mais certo se trabalhasse em grupo, mas como o povo não tem esse costume é duro da gente trabalhar com eles, o povo gosta mais de trabalhar individual (Getúlio).

Sem dúvida, um grande desafio de mobilização para a coletivização das ações.

2.2) Campo de atuação

Segundo Toro, a comunicação deve deixar bem claro o campo de atuação do reeditor,

ou seja, a pessoa poder usar o que sabe, o que faz em seu dia-a-dia, a favor do projeto. E para

isso o reeditor precisa ter ferramentas, precisa receber orientações sobre o que deve fazer em

seu campo de atuação.

Na prática, essa definição de campo de atuação acontece da seguinte forma:

a) Produtor social: no caso em estudo, é o próprio MST e as instituições que propõem e

coordenam projetos;

b) Reeditor15: técnicos e lideranças formais e informais dos assentamentos;

c) Editor16: pesquisador/cientista traz as inovações científicas para o campo; técnicos,

quando produzem os materiais para os cursos/eventos; profissionais de comunicação

das instituições.

Para este estudo, o interesse principal recai sobre dois papéis: o reeditor, pois é ele

quem faz chegar as informações nos assentamentos e exerce uma espécie de liderança junto

aos assentados; e o editor, que é quem vai trabalhar as informações para o reeditor. Vale,

neste ponto, relembrar algumas idéias de Freire (1977), que deixam clara a atuação

principalmente do reeditor (mas vale também para os editores), aqui demonstrado como a

relação entre extensionista e agricultor. Essa clareza de papéis é extremamente importante,

pois vai definir a forma e o sucesso da relação entre pesquisadores, extensionistas e

produtores rurais e a conseqüente aplicação de saberes úteis ao desenvolvimento sustentável.

15 Relembrando: Reeditor: pessoa que, por seu papel social, ocupação ou trabalho tem a capacidade de readequar mensagens, segundo circunstância e propósitos, com credibilidade e legitimidade; 16 Relembrando: Editor: é quem estrutura as mensagens e sabe que códigos são necessários para que a mensagem seja compreendida e absorvida pelo reeditor para que ele possa convertê-la em uma forma de sentir, de atuar e de decidir em função do imaginário.

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Freire (1977, p.24) é enfático ao explanar que é uma posição errada aquela que

simplesmente almeja o repasse de informações aos agricultores ou então a obrigação da

adoção de uma tecnologia: “não lhe cabe [ao extensionista] portanto, de uma perspectiva

realmente humanista, estender suas técnicas, entregá-las, prescrevê-las, não lhe cabe persuadir

nem fazer dos camponeses o papel em branco para sua propaganda”. Afirma que essa é uma

posição deveras ingênua do extensionista, “ingenuidade que se reflete nas situações

educativas em que o conhecimento do mundo é tomado como algo que deve ser transferido e

depositado nos educandos” (Freire, 1977, p. 27). Um passo crucial, para o autor, é estar

inserido na realidade do agricultor, para então poder realizar seu trabalho, de acordo com as

necessidades locais, porque “o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até

aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo,

relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações” (Freire,

1977, p. 36). E finaliza:

Por tudo isto, o trabalho do agrônomo não pode ser o de adestramento nem sequer o de treinamento dos camponeses nas técnicas de arar, de semear, de colher, de reflorestar etc. Se se satisfazer com um mero adestrar pode, inclusive, em certas circunstâncias, conseguir uma maior rentabilidade do trabalho. Entretanto, não terá contribuído em nada ou quase nada para a afirmação deles como homens mesmos (FREIRE, 1977, p. 36).

Neves (1998, p.166) contribui com esta visão de troca de conhecimentos quando

afirma que

esse tipo de relação faz aparecer emancipado o que é subordinado ou, no melhor dos casos e desta perspectiva, integrado às regras do jogo que definem os modos de participação. Portanto, uma contradição que não podendo ser superada, deve ser constantemente gerida. Ele pressupõe uma prática que não pode apenas se pautar na suposta inocência das boas intenções e dos compromissos, mas que deve ser constantemente questionada ou colocada sob avaliação e reordenação se, de fato, os objetivos a ela atribuídos são desejados e se, de fato, o horizonte vislumbrado é a construção de novas formas de cidadania e de participação social e política.

Partindo destas idéias, então, como os assentados entrevistados enxergam esta relação

com os técnicos extensionistas que assumem a função de reeditor? E quando são eles as

lideranças responsáveis pelo contato com outros assentados, como se portam? Importa aqui

ter muito claro que tais reeditores precisam ter consciência desse seu papel mobilizador e ver

como atuam. Já o editor precisa ter claro como trabalhar com este público reeditor e fazer as

informações chegarem de forma correta. As estratégias de comunicação no nível micro e

macro explicam melhor como isso acontece, como será demonstrado adiante.

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2.3) Coletivização da ação

A coletivização da ação, que deveria ser um item importante na mobilização dos

assentados, praticamente não tem espaço. Ao menos não localmente. As entrevistas e

observações demonstraram que muitas vezes o assentado não sabe o que acontece na

comunidade vizinha, dentro do próprio assentamento. É um gargalo grande da comunicação,

como será visto adiante na análise da comunicação de massa.

3) Níveis de comunicação A partir da pesquisa de campo com entrevistas e realização de grupo focal adaptado às

condições de pesquisa foi possível verificar como funcionam os níveis de comunicação e

como se inter-relacionam no processo de mobilização.

De forma complementar ao quadro dos níveis de comunicação apresentado no capítulo

anterior, está o quadro de Thompson (2004, p.80):

Tabela 14 – Tipos de Interação Características interativas

Interação face a face Interação mediada Quase-interação mediada

Espaço-tempo Contexto de co-presença; sistema referencial espaço-temporal comum

Separação dos contextos; disponibilidade estendida no tempo e no espaço

Separação dos contextos; disponibilidade estendida no tempo e no espaço

Possibilidade de deixas simbólicas

Multiplicidade de deixas simbólicas

Limitação das possibilidades de deixas simbólicas

Limitação das possibilidades de deixas simbólicas

Orientação da atividade

Orientada para outros específicos17

Orientada para outros específicos

Orientada para um número indefinido de receptores potenciais

Dialógica/monológica Dialógica Dialógica Monológica Thompson (2004, p.80)

É clara a semelhança de reflexão, onde a interação face a face trata da micro

comunicação, a interação mediada da macro e a quase-interação mediada da comunicação de

massa. Essa fusão de idéias entre Toro (conforme Tabela 7 no Capítulo IV) e Thompson vai

nortear as reflexões seguintes, que também serão realizadas a partir de dois pontos de vista:

dos assentados e dos técnicos.

17 A expressão “outros específicos” pode ser traduzida como uma pessoa ou grupo com características similares. No caso da interação face a face, o outro específico é o interlocutor. No caso da interação mediada, é um público maior, com características que o tornam singular, como por exemplo um grupo de assentados que participa de um curso.

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3.1) Micro comunicação

Como já abordado no Capítulo IV, a micro comunicação trata das relações pessoais,

por meio da comunicação direta e pessoal. É considerada o momento mais forte da

mobilização, pois é quando o discurso pessoal faz a pessoa refletir e partir para a ação.

Engana-se aquele que pensa que não faz parte da comunicação estudar os processos pessoais

pois, como afirma Wurman (2003, p.101), “a conversa é um modelo viável e adequado, mas

muito pouco explorado, para a indústria da comunicação. É um princípio simples, imbuído de

extraordinárias complexidades, suaves nuances e efêmera magia”. Thompson (2004, p.78)

completa: “os participantes de uma interação face a face são constantemente e rotineiramente

instados a comparar as várias deixas simbólicas e a usá-las para reduzir a ambigüidade e

clarificar a compreensão da mensagem”.

É claro que os outros níveis de comunicação também contribuem, pois as “muitas

interações que se desenvolvem no fluxo da vida diária podem envolver uma mistura de

diferentes formas de interação – elas têm, em outras palavras, um caráter híbrido”.

(THOMPSON, 2004, p. 80). Mas o sucesso da micro comunicação é fator preponderante para

a mobilização. Segundo Wurman (2003, p.48),

a conversa – talvez por sua natureza informal – constitui uma importante fonte de informação, embora nossa tendência seja desprezar ou ignorar seu papel. E, no entanto, esta é a fonte de informação sobre a qual mais exercemos controle, tanto como emissores quanto como receptores de informação.

E completa: “as conversas conseguem regular-se. Fazemos ajustes, simplificamos,

repetimos e movimentamo-nos em diversos níveis de complexidade, baseados na

realimentação contínua” (WURMAN, 2003, p. 95).

Os momentos de micro comunicação acontecem cotidianamente. Entretanto, o

trabalho está focado principalmente nas visitas que os técnicos fazem às famílias com o

objetivo de conversar sobre informações técnicas, informes. Estes momentos contaram tanto

com observação direta quanto com os relatos dos assentados durante as entrevistas, face à

impossibilidade de acompanhar todos os instantes deste processo.

Micro comunicação entre assentados: cativando o pessoal

Um primeiro ponto interessante é que os próprios assentados exercem liderança entre

seus pares, constituindo-se, assim, em reeditores. Cada assentamento, subdividido em

comunidades, tem seus líderes, escolhidos entre eles mesmos. São estes líderes os

responsáveis, entre outras tarefas, por mobilizar os assentados para reuniões, cursos e

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reivindicações. E esta posição exige estratégias de comunicação, embora não saibam que o

que fazem está imbuído de processos de comunicação.

Getúlio, líder no assentamento Sonho de Rose, explica como faz para avisar as pessoas

sobre cursos e reuniões: “a gente chega nas casa, dá uma passadinha ali, dá uma visitadinha

no companheiro que tá lá, dá uma conversadinha e já deixa o convitinho”. Ele explica que

esta é uma forma de saber como estão os companheiros e que, sem conversa, não tem como

cativar o pessoal. A influência desse tipo de liderança é importante para a mobilização dos

assentados, como explica Getúlio ao comentar a reação dos companheiros quando recebem

um convite seu: “é o Getúlio mesmo, o que ele disse tá certo e vamo lá e vamo participá!”.

E essa importância não é só no discurso. O exemplo também conta muito. Na casa de

Luiz e Ílzia eles acreditam que o exemplo no trabalho com a agrofloresta e na participação em

cursos vai fazer com que outros vizinhos também adotem este tipo de manejo do seu lote e

participem mais da comunidade, como mostra o diálogo abaixo:

• Luiz: [...] às veiz o louco pode demorar a se interessar. Mas ele vai se interessar. De repente tem argum que vem lá: “ah mas eu vou lá porque eu considero o Luiz”. [...] às veiz a pessoa não vem com um interesse, mas ele vem por causa da amizade. Eu tenho uma amizade boa aí com a turma e até que tem uns interessado [em agrofloresta], mas se eu falar pra eles, pra eles entender e vê o que é a agrofloresta[...] - Ílzia: é isso aí, porque a maioria fica assim “vou ver o que ela vai fazer, se vai dar, se aprovar o dela nós vamo também” [...] Daí aquele grupo ficou influenciado, né. Eu acho que a partir de que tenha argúem que deu um toque, que faça o começo de uma agrofloresta, vai chamar os outros.

Já Anísio é um assentado que participou de diversos cursos, ajudou na organização das

famílias desde a fase de acampamento, trabalhou no Sindicato Rural, tem uma consciência

política diferenciada em relação aos outros assentados. Exerce fortemente uma liderança na

região e tem clara a sua importância no processo de mobilização:

• Eu acho que, já que tive a oportunidade de aprender bastante, tive oportunidade de fazer muito curso, participar muito, então aquilo que eu falar, que eu ajudar o técnico ou que eu falar em uma reunião [vai ajudar]. [...] Mas muitas coisas o pessoal também se espelha no que você sabe, né? Então a minha intenção é falar pra ajudar, sabe. Falar pra orientar as pessoas pra elas perceber onde que nós tamo indo, né. As coisas estão mudando e que nós tem que se organizar, e é nesse sentido, né. Não é nem pra atrapalhar o técnico. É mais pra ajudar mesmo a comunidade. O sonho da gente é que todo mundo tivesse bem organizado, pensando bem na propriedade, porque isso aqui é o futuro da família. Então é isso que eu queria de cada assentado, que cada um pudesse progredir no lote, ter um lote bem organizado, sem pensar que ele tem que ser rico, sem pensar que ele tem que ter caminhão... Eu acho que um assentado tem que pensar, porque tem que pensar em viver bem, né?!

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Micro comunicação entre assentados e técnicos: troca de saberes

Já a relação entre assentados e técnicos, fundamental para o processo de adoção de

tecnologias para o desenvolvimento sustentável, é crucial para o processo de mobilização.

Nesta questão, as entrevistas focaram os seguintes pontos: importância, confiança e qualidade

do trabalho dos técnicos; formas de comunicação; e dependência.

Todas as respostas caminham no sentido da extrema importância desta relação e do

quanto ela influencia o dia-a-dia dos assentados e sua própria relação com a agricultura. Fica

claro que o reeditor “técnico” tem papel fundamental no desenvolvimento sustentável e

precisa ser capacitado para tal.

Alguns assentados têm clara a relação de troca de saberes e reclamam quando isso não

acontece. Ílzia, completada por seu marido, o assentado Luiz, do assentamento Rondom III,

tem um exemplo interessante do começo do assentamento, quando chegaram recursos e os

técnicos que até então os atendiam queriam impor o uso do recurso18:

• [...] nos investimentos dos recurso, se você dizia “não, eu quero comprar uma vaca de leite”, eles diziam “não, você vai ter que comprar uma junta de boi”. Então nessa parte eu achei que eles erraram porque o recurso era nosso, quem que ia pagar esse recurso? Era nóis. Se nóis achava que uma vaca de leite era perciso na propriedade, nóis tinha que ter uma vaca de leite. Não agora eu chegá pra você: “não, o recurso é teu mas você vai ter que compra isso e isso e aquilo. Você não vai poder comprar outra coisa” então uma parte eles judiaram... Luiz: - A coisa já começou errada. Oh, eu acho que no começo em vez de ajudar até atrapalhou bastante num sentido que não tinha cabimento coisa dessa.

Getúlio, do Sonho de Rose, tem outra experiência:

• Os técnicos deixaram as pessoas livres assim pra faze o sonho das pessoa. Porque cada um tem um sonho de fazê no seu lote: o que ele qué implantá, o que ele qué faze. Eles vieram aqui e deram um tempo, sentaram com as família, para o casal planeja e até os filho dá as opinião deles.

No caso de Ílzia e Luiz, que já tem 17 anos de assentamento, a Cotrara ainda não

prestava assistência quando receberam os lotes. Já o Sonho de Rose, assentamento com quatro

anos, teve assistência direta dos técnicos da Cotrara, que promoveu maior diálogo para definir

o uso dos recursos. Já outros assentados mantêm uma relação de dependência. É como se os

técnicos detivessem exclusivamente o conhecimento e fossem responsáveis por trazer as

soluções para todos os problemas. A conversa com Domingos e sua esposa, Fátima, mostra

muito claramente isso:

18 Não eram técnicos vinculados à Cotrara.

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• Domingos: - Pra nós é importante a sabedoria de ocê saber quantas toneladas de quilo de calcário vai numa terra pra você não esperdiçar [desperdiçar] dinheiro e coiê [colher] mais. Porque daí é o técnico que diz se vai 15 kg, se vai 30, se vai 20. Porque eles têm estudo pra isso, eles sabem. Mas a gente não sabe. Então [...] nessa parte é que nem a abelha sem a rainha. Katia: - O senhor acha então que o técnico é a abelha mestra? Domingos: - É verdade, eles estudaram bastante e eles tem sabedoria e eles podem trabaiá.

Em outro momento, continua:

• [os técnicos] vêm pra explicar pra gente alguma coisa que eles sabem que tem que fazer. Daí a gente também acaba perguntado e mostrando alguma coisa que a gente tem vontade de fazer [...] Às vezes eu quero plantar um pé de uva, vamos supor, mas eu não sei o que é que tem que ponhá na terra praquele pé de uva desenvolver, pra produzir. Então daí o técnico chega aqui e a gente leva ele lá prá perguntar, contar pra ele o objetivo que a gente pensou e ele vai explicar pra gente como é que tem fazer tentar pra produzir. Porque quando nóis comecemo a lutar na terra, a gente já chamou o técnico [...].

E a conversa continua, desta vez enveredando sobre a necessidade de mais visitas dos

técnicos ao lote. Não existe um número padrão de visitas aos lotes, mas são oito técnicos para

atender mais de 400 famílias. Se o atendimento fosse linear, seriam cerca de 50 famílias por

técnico. Considerando as distâncias e a necessidade de locomoção (os técnicos contam com

dois carros e um caminhão pequeno), percebe-se que é praticamente impossível realizar uma

visita por mês em cada lote. Quando perguntado sobre como os técnicos deveriam ser, Getúlio

e sua esposa Fátima respondem:

• É, ele [Jucélio] é positivo, não viu o jeito dele né? Cara bão, cara disposto.

Porque isso é o que faz a gente gostar de uma pessoa né? É a disposição da pessoa e a sabedoria que ele traz pra lutar com o povo né. Então eu tô achando farta do Jucélio...

• Ah [o Jucélio] entende. Ele é bastante inteligente nessa parte. Quando ele vem pra fazer um trabalho, ele vem pensando naquele trabalho e com toda a sabedoria que ele aprendeu pra trazer pra gente a inteligência que ele também aprendeu, né. Então daí a gente acaba aí agarrando mais um sistema de aprendizagem, de aprender mais né. Agora quando o técnico chega, vira as costas e vai embora, não dá atenção quase pra gente, fica difícil.

• Domingos: - Mas a gente quase não vê eles [os outros técnicos]. Katia: - Então vamos fazer de conta que eles todos tão num carro só, tão chegando numa kombi aqui todos eles, eles vão sentar aqui e vão falar “seu Domingos, o que o senhor que da gente?” o senhor ia falar pra eles virem mais vezes aqui? Domingos: - É, eles tarem mais em contato com a gente, pra gente garrar mais conhecimento pelas coisas... Katia: - O senhor ia pedir mais cursos com eles? Domingos: - Não, mas ansim: pra ter mais presença... Katia: - Virem mais no seu lote?

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Domingos: - É, falar mais com a gente né... Fátima: - É visita que nem o Jucélio fazia né. Domingos: - É, mostra alguma coisa que a gente não sabe, que a gente tem vontade de fazê e a gente não sabe . Eles ganham pra isso né. [...] Fátima: - o Jucélio tava passando aí ele dava uma chegadinha pra ver como que tava. Esses [outros técnicos, a gente] não vê a brisa...

Dentro deste raciocínio de necessidade da presença constante dos técnicos para

auxiliarem na condução dos trabalhos no lote, também está o depoimento de Celestino.

Quando perguntado se a idade dos técnicos, o fato deles serem bastante novos atrapalhava, ele

afirma:

• Eu graças a Deus nunca falei isso.[...] Mas o que eles ensinam, como o canteiro, digo pra muié: “vamo faze como eles querem, como eles tão ensinando, que a gente vai pra frente né”. E por isso que eu digo: eu não tenho queixa deles, até que eles são novo mas ensinam.

Outros assentados preferem o “meio termo”. Sabem que precisam aprender, mas

também valorizam o seu próprio conhecimento, como na conversa com Luiz e Ílzia:

• Katia: - O que vocês preferem: o curso ou que o técnico venha visitar vocês e dar as orientações na propriedade? O que que é melhor? Ílzia: - Eu acho que os dois, né?! Luiz: - Os dois é bão [...]. Óia, eu quero dizer o seguinte: que pra melhorar mesmo até eles tinham que visitar mais as propriedade, além dos cursos, além das reunião [...]. Eu acho que tinha que visitar as propriedade, vê qual é a dificuldade que se encontra. Não em reunião. [Ver] na prática, vê o que ta acontecendo. Nem tudo está os 100% e vai ter alguma coisa que você ta meio atrasadão. Então ocê tem que saber o porquê. Eles [os técnicos] formado como tecno [técnico], eles podem até dar uma orientação, falar o que que ta acontecendo. Então eu acho que ainda tem muita coisa pra ser melhorado, muita coisa. Porque a gente nunca tá os 100% na propriedade da gente, a gente nunca sabe tudo e é com os outros que a gente aprende. Tem coisa que a gente não sabe [...]. Não vou dizer que ele [o técnico] sabe os 100%, mas uma grande parte ele já ta sabendo o que fazê e o que não fazê, né?!

Além de saber o que falar, e ter consciência de seu papel no processo de mobilização,

os técnicos precisam saber como falar. Ou seja, seu discurso precisa estar adaptado à

realidade de trabalho, ao seu público, e é muito mais do que a velha fórmula de Shannon-

Weaver (1949) (citados por DALLA COSTA, MACHADO, SIQUEIRA, 2006, p.33) sobre o

processo da comunicação emissor/receptor/meio/mensagem/ruído.

Bakhtin (1997, p. 290) faz uma crítica aos estudiosos que “comprazem-se em

representar os dois parceiros da comunicação verbal, o locutor e o ouvinte (quem recebe a

fala), por meio de um esquema dos processos ativos da fala no locutor e dos processos

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passivos de percepção e compreensão da fala no ouvinte”. Em sua crítica, Bakhtin (1997, p.

290) comenta que estes processos precisam sim ser estudados mas não representam o “todo

real” da comunicação. Para ele, o “ouvinte” sempre vai apresentar uma reação ao discurso, ou

seja, o ouvinte vai ter uma atitude “responsiva ativa”: concorda, discorda, adapta, executa

(isso tem a ver com Toro, quando o reeditor adapta o que recebe para sua realidade).

Para Bakhtin (1997, p. 290), a ação de “ouvir” um discurso é apenas parte do que ele

chama de “compreensão responsiva ativa”, que é a resposta subseqüente a um ato de fala. Esta

resposta nem sempre é imediata (ação retardada: mais cedo ou mais tarde o que foi ouvido

terá um eco por meio de uma ação, mudança de comportamento etc) nem sempre se dá de

maneira fônica (pode ser o cumprimento de uma ordem, por exemplo, ou seja, uma ação).

Essas observações servem tanto para discurso verbal quanto escrito.

E o locutor espera por essa “resposta”: é nesse sentido que prepara seu discurso. Mas

esse discurso não é algo “inédito”: “cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de

outros enunciados” (BAKHTIN, 1997, p. 291). Ou seja, os discursos podem ser re-

elaborações, complementações, contraposições a discursos anteriores. “A fala só existe, na

realidade, na forma concreta dos enunciados de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala.

O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não

pode existir fora dessa forma” (BAKHTIN, 1997, p. 293).

Bakhtin é muito enfático ao ressaltar que, além desta reflexão sobre os papéis, o

discurso também faz parte de um encadeamento histórico. Ou seja, o discurso não se refere

somente àquele momento, mas ao processo histórico das partes envolvidas e também ao

contexto: “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas

significações possíveis quantos contextos possíveis” (BAKHTIN, 1986, p.106). Tal afirmação

é referendada por Orlandi (1996, p.471) quando afirma que “as palavras não têm sentido em

si, mas nas construções que integram a relação entre diferentes formações discursivas”.

Para Van Dijk (2001, p.161), “estes contextos delimitam as propriedades do texto e da

conversação. Quer dizer, o que dizemos e como o dizemos depende de quem fala a quem, de

quando e onde o faz e qual é o seu propósito”. Ao analisar formas de significação implícita,

Vogt (1977, p. 30) afirma que tal significação necessita de um raciocínio do interlocutor para

sua compreensão, pois a situação do discurso a influencia: “enquanto o sentido, a significação

explícita de um enunciado, é dado por uma espécie de razão lógica, a sua significação

implícita se produz a partir de uma espécie de razão histórica”.

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A importância da linguagem

Os depoimentos a seguir fazem uma análise, do ponto de vista dos assentados, da

atuação dos técnicos, sobre como eles se comunicam. Percebe-se que, além da técnica, os

assentados prezam a relação pessoal, de identificação com o técnico. Isto parece conferir

sentido às ações de capacitação, tanto de cunho pessoal, como nas visitas aos lotes, quanto em

cursos e reuniões.

• Eu acho que a pessoa, pelo menos os tecno [técnicos] ele tem que falar mais

simplesmente e mais bem declarado, mais bem detalhado pra chegar no ponto da pessoa entender mesmo (Luiz).

• Bom, cê veja: tem muita gente que vai num curso e se você falar assim “vamo fazer uma pesquisa de agrofloresta”, tem muita gente que não sabe nem o que que é uma pesquisa, né. Às veiz perguntam: - O que você vai fazer lá na comunidade? - Vô fazê um curso. - Um curso do quê? - De agrofloresta. - Mas o que quer dizer isso? (Ílzia)

• Ílzia: - Então muitas palavras que ela [a técnica] diz ali eu entendo. Luiz: - É, a gente tá mais acostumado. Ílzia: - Mas tem muita gente que a gente sabe que não entende.

• Olha o Jucélio: é um cara que é como nóis mesmo, disposto, positivo, “caboco” do campo, “caboco” que não tem preguiça de caminhar no mato, caminhar na taquara pra ver as coisas e “amostrar” pra gente, né. A gente tem muito a agradecer e tamo achando farta no Jucélio aqui [...]. Ah, o Jucélio não demora[va] muito e ele ta[va] aí conversando com a gente, perguntando as coisa e mostrando pra gente, ensinando fazer. Esses outro vem uma vez por mês [...] (Domingos).

• O Jucélio tudo [todo mundo] adoram ele aí. Acharam uma falta quando ele saiu. Ele vem, dá o tempo e conversa, e exprica. Calmo que ele é. Ih, sentiram muito a falta do Jucélio aí. [...] Fala do jeito de todo mundo e já tava conhecido de todo mundo, conhecia as pessoa pelo nome, sabia onde morava tudo (Getúlio).

• A maioria deles são bem preparados. São filhos de agricultores, tudo eles quase são filhos de agricultores. Então eles têm bastante conhecimento (Félix).

Percebe-se que, do ponto de vista dos assentados, faz muita diferença o atendimento

do técnico que está mais próximo da realidades deles, que dá atenção, que transforma o

momento de visita em um “dedo de prosa”. Para Bolfe, Siqueira e Bolfe (2004, p.16),

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é preciso ter-se claro que todas as pessoas desenvolvem sua maneira de pensar e visualizar o mundo de forma intrinsecamente vinculada à cultura [...] nesse processo a realidade, [...] é o que mediatiza a aprendizagem de seus sujeitos e se entrega para admiração, constituindo-se um objeto de admiração de ambos (agricultores e técnicos). Essa aprendizagem é um processo que pode deflagrar no outro e em si próprio uma curiosidade crescente a fim de tornar a todos mais e mais criadores e criativos.

Neste caso, percebe-se que o estilo de trabalho do técnico Jucélio, a linguagem

utilizada, o conhecimento dos assentados, é o que mais agrada. A constância das visitas

também é um fator apontado como importante mas, como afirma Anísio:

• Infelizmente os técnicos não tê tempo pra visitar as pessoas muito individual. Os técnicos tem o trabalho deles mais em grupo, porque são pouco técnicos né. E não tem como, são bastante família. Não tem como passar de lote em lote a não ser quando a pessoa vem e pede a presença de um técnico. Ai a obrigação do técnico é passa lá e visitá, mas senão mais o sistema de trabalho dos técnicos é atendê em grupo, discutir na comunidade, fazer os dias de campo e por a prática.

Como os técnicos vêem este momento

Essa relação entre técnicos e assentados parece ainda muito calcada na questão da

dependência rebatida por Freire, como já visto anteriormente. Mas qual o ponto de vista dos

técnicos sobre esta dependência e essa relação de micro comunicação?

Jucélio: identidade e formação

• [hoje] eu sou agricultor na verdade [...] e a visão geralmente que o agricultor tem do técnico, infelizmente, aqui na nossa região, é de que o técnico é aquela pessoa que vai lá e orienta e que o negócio dá certo. [...] Então a visão é de que o técnico tá lá um degrau mais acima. Nunca que o técnico tá no nível deles. E a gente pensa muito em trabalhar essa questão junto com eles, para verem que o técnico é mais uma pessoa que tá ali pra poder auxiliar eles na produção, pra poder dar uma idéia. [...] Katia: - A gente sabe que a função de vocês [técnicos] não é chegar nos lotes e somente ensinar. Mas percebo que os assentados sentem muita angústia: “eu quero que alguém venha aqui ensinar”. Você acredita que você consegue cumprir isso que você quer, que é o assentado aprender por ele mesmo, mas consegue também atender o que ele precisa? Jucélio: - Às vezes a gente chega à conclusão que tem que ser uma assistência técnica assistencialista pra dar algum resultado. Katia: - Convencional. Jucélio: - Isso, convencional mesmo pra dar um resultado. Então muitas vezes a gente pára e faz essa reflexão “será que ta dando certo, será que to conseguindo fazer isso, será que to conseguindo fazer aquilo”. Aí a gente conhecendo mais a realidade da família consegue avaliar se ta dando certo ou não. Lógico, não é aquilo que a gente sonha, aquilo que a gente gostaria que acontecesse, mas alguma coisa ele [o assentado] sempre tira proveito. Uma coisa que me deixa bastante feliz é o fato deles me conhecer não

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simplesmente como um técnico, mas deles me vê como uma pessoa lá dentro né, me conhecem. Eu tenho uma relação de técnico, uma relação pessoal que é mais ou menos o mesmo nível. Então eu não sou o Jucélio ou simplesmente o companheiro deles, né. Então eu sou aquela pessoa que consegue mesclar bem essa situação, né.

• [a respeito da continuidade do trabalho, uma vez que dificuldades financeiras muitas vezes causam rotatividade dos técnicos. Ou seja, não conseguem ficar muito tempo no município] Eu acho que talvez seja um dos pontos que mais dificulta o trabalho nos assentamentos, porque o assentado vê muito isso. Tanto é que é normal você ir conversar com um assentado e o cara fala “não, do movimento um cara vem ali trabalha um tempo depois vai embora e a gente fica se lascando aqui”. Então essa inconstância talvez seja uma das coisas que mais atrapalha principalmente pelo fato que você não consegue fazer um trabalho, começar um trabalho e encerrar.

• [sobre a importância das visitas aos lotes] Eu acredito que o curso é importante, mas a visita dá uma ênfase maior, mesmo sendo algo individual. Porque aí você vai tá falando de uma realidade. Você vai lá, tá dentro do contexto [do assentado], onde ele e você vai tá conseguindo visualizar isso e repassar melhor o que tá fazendo, o que tá falando. E acho que isso também é um problema muito grande porque a gente tem que mesclar muito essa questão do curso com a visita. Porque a visita também só é valida quando você vai lá por um motivo específico e que você consegue, além desse motivo, dar outros toques, outra sugestão em outras coisas que tá acontecendo na prosa mesmo. Você conseguir repassar alguma coisa além daquilo que você foi fazer. Se não seria muito tempo investido perto da demanda grande que nós temo né.

Olcimar: realidades distintas

• Eu tento me imaginar no lugar deles [assentados]. Por exemplo: a gente pensa num dia de campo, então eu tento me reportar lá na minha época de assentado [...]. A assistência técnica falava em dia de campo e o que eu pensava? Então tinha espaços [eventos] que eu não ia e tinha espaços que eu ia. O por quê, então, né? Então eu tento resgatar isso pra fazer um planejamento.

• [perguntado sobre o que falta para ser mais feliz em seu trabalho] Nossa, são varias coisas, cara. Porque assim: por mais que a gente tente se pôr no lugar deles [assentados], quando você tá numa outra realidade, numa outra dinâmica, é bem difícil. Você imagina um monte de coisas e eles tão esperando uma outra cosia, que talvez nem sempre é aquilo que a gente tá propondo né.

• Então, se você não sabe, você também não pode tê vergonha de dizer que não sabe. Melhor do que inventar uma explicação. Você diz: “olha, realmente eu não sei”. Eu acho que o técnico não tem o dever de saber tudo, mas ele tem o dever de estudar pra tentar saber o que que é.

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• O que me angustia, cara, é o tempo pro camponês. A relação de tempo dele não é a mesma relação de tempo que a gente tem, né. Então você fala em agrofloresta, é um processo longo e tal, e a gente [técnicos] tem uma ânsia que seja rápido, né. Nosso tempo é muito mais rápido: é minuto, horas. Já o tempo do camponês são estações, são anos, são culturas, colheitas. Então você conseguir se adequar a isso é uma dificuldade enorme né. O que me motiva mesmo é perceber que a gente tá avançando, perceber que as pessoas conseguem avançar, conseguem perceber a importância do trabalho coletivo, conseguem se organizar, ter iniciativa própria e não depender do técnico pra fazer um mutirão, pra fazer um trabalho comunitário. Às vezes você começa um trabalho e o pessoal consegue tocar sozinho. Isso motiva muito. É vê que as pessoas conseguem discutir coisas e vendo que você [técnico], a partir de uma coisa, de um curso por exemplo, você gerou uma demanda. E isso gera cobrança. Então talvez isso seja uma forma fazer uma avaliação [do seu trabalho. Para Olcimar, a demanda gerada é uma avaliação positiva do trabalho realizado]. E talvez a avaliação não seja nem no final do curso, mas seja pós-curso, no dia-a-dia, meses depois, talvez anos depois. Por exemplo: eu faço um curso de agrofloresta mas como que eu meço isso, como que a pessoa gostou ou não? É se ela vai aplicar alguma coisa daquilo que foi discutido, e talvez isso demore um ano, dois ano, três ano, mas se aquilo mexeu com ela, ela vai aplicar, né. Então tem tudo isso que motiva a gente né.

• [sobre se prefere dar cursos ou fazer visitas] Os dois tipo de contato são gostoso, né. Então assim, desde quando você vai no lote, que a pessoa te recebe, que você tem esse contato, que você tem uma troca. Eu diria uma troca. Não é assim que você que passa e tal, mas você consegue trocar conhecimentos, partir da realidade ali. E mesmo um momento maior, momento onde o pessoal tá reunido pra uma reunião, né, então esse momentos são interessantes.

Sandra: construção coletiva do conhecimento

• Olha, eu não me sinto preparada pra dar uma receita pra eles [assentados] entendeu? Mas eu acho que eu consigo discutir com eles assim os problemas da realidade deles. Eu acho que eu consigo ter sensibilidade de perceber os potenciais deles e estimular isso, né? E daí receita eu não dou e discordo de quem dá. Eu procuro uma construção meio que coletiva. Por exemplo nessa questão das plantas medicinais: eu sou bem sincera em dizer que nunca plantei, nunca colhi planta medicinal. “Nós vamos fazer isso junto. A universidade me deu alguns conhecimentos lá, de cálculos econômicos, comercialização, marketing, ‘não sei o que das quantas’, fisiologia da planta, me deu algumas ferramentas, mas vocês têm outras. Vocês conhecem essas terras melhor do que ninguém, vocês conhecem essas plantas aí da horta, vocês conhecem esse lugar onde vocês estão. Então nós vamos junto, trocando conhecimento e construindo conhecimento novo, porque nós não sabemos né. Vocês também plantaram lá na horta, mas nunca plantaram comercialmente, então nós tamos no mesmo nível, nós tamo no mesmo pé, nós vamo aqui no coletivo encaminhar uma ação e que pode ter êxito como pode ter fracasso também, mas fundamentalmente nós vamos tá junto nisso”.

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• Katia: - Como é que eles reagem quando você fala isso? Sandra: - É estranho, porque na verdade a assistência técnica da Emater historicamente foi no sentido de ridicularizar inclusive o que eles [assentados] sabem. O técnico é que dá as receitas. Então, às vezes, a gente começa a falar sobre isso e eles “não Sandra, mas você que é a técnica, você é que sabe, você que tem dizer pra nós como é que tem que fazer, nós não sabemos nada, nós somos aqui do interior, não sabemo nada”. Daí você tem que pegá e tentar desconstruir isso. Mas não é fácil. Não é em um dia que você faz isso. Então, por exemplo, a gente faz esse debate, mas um belo dia: - “e daí, Dona Mariana, como é que foi lá a questão da camomila, como é

que a senhora plantou?” - “Ah você mandou eu faze de um jeito e eu fiz” - daí eu falei “A Sandra mandou? Como é essa história da Sandra mandar? - “Não, você falou na reunião e eu achei que tava certo, daí eu fiz” - Daí eu falei “Ah tá, então quer dizer que a senhora achou que tava

coerente, então a senhora fez, então não foi a Sandra que mandou” É muito difícil pra desconstruir isso, muito difícil mesmo. Às vezes eles te fazem pergunta assim “você que estudou, como que é isso?”. Então às vezes eles te desafiam, às vezes eles se subjugam.

• Katia: - Então esse construir coletivamente é difícil pra eles entenderem? Sandra: - É, e é difícil pra gente também porque, por exemplo, a gente estuda muito Paulo Freire desde a universidade. Então, teoricamente, os princípios a gente sabe e domina. Mas, e aplicar isso? É muito difícil. Daí a gente chega à conclusão que é a arte de fazer as perguntas certas, [...] de você ir trilhando o caminho até você fazê a pessoa falar, a pessoa começar a contribuir. Aí você começar a dialogar com a pessoa, porque às vezes você tenta dialogar mas só você fala.

• Katia: - Então você morou até os 12 anos numa área que pode ser considerada rural, mas você foi para a cidade, fez faculdade e, de repente, você está aqui em contato com os assentados. Você tem dificuldade em se comunicar com eles? Sandra: - Sim, muito. Como eu falei, teoricamente a gente domina. O Paulo Freire diz que a gente tem que se comunicar com um palavreado que seja entendível, adequado, que tenha significado pra eles. Só que é praticamente idiomas diferentes entendeu? Daí nesse um ano e meio que eu tô aqui você vai pescando o jeitão de falar, e eu não sei se eu to equivocada. Mas às vezes eu falo bem coloquial mesmo: “ah porque o ‘barde’ [balde] não sei o que”. Não sei se eu tô correta, mas vez ou outra você dá um deslize. [...] Então é um permanente auto policiamento, mas acontece falha de comunicação.

• Pois é o seguinte: a gente não tem condições de dar uma assistência técnica individualizada por família então o queé que a gente faz, a gente faz isso que nem o Projeto Colméia: uma reunião de divulgação do projeto, aí quais são as pessoas interessadas em apicultura? Aí reúne as pessoas da apicultura aí vai explicar como é que vai funcionar, aí marca um curso de capacitação praquele grupo coletivo, daí marca um dia de campo pra falar sobre captura de enxame, transferência de enxame, o local do apiário etc e tal , aí faz um dia de campo no coletivão né e daí mesma coisa pras plantas medicinais, então a gente ta fazendo as visitas não seriam visitas individuais, mas seriam visitas aos locais de produção de mudas do coletivo, foi no caso ali do Clóvis, então no Clóvis então cada assentamento, cada comunidade tem uma família como a do Clóvis que vai ta cuidando do viveiro mas o trabalho do viveiro das plantas medicinais vai ser no coletivo.

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• [quando perguntada sobre a realização de visitas individuais, aos lotes] Olha, [eu vou] muito raramente. Porque se você for numa casa, você tem que ir na outra entendeu? E daí se eu for na casa de uma pessoa e daí como que eu vou na outra [no sentido de não ter tempo de ir em todas as casas]? Eu não posso ir na outra, então pra que a outra não fique brava eu não vou nessa. [...] Porque eu tive que fazer isso, porque eu e o Olcimar a gente tá responsável pelo 12 de abril que é 209 famílias, entendeu? [...] E o Sonho de Rose são trinta e poucas famílias, é um assentamento menor né. Então lá [Sonho de Rose] é super complicado. Eles querem uma assistência técnica individualizada e nós não conseguimo dá assistência técnica individualizada [...]

Ao confrontar os depoimentos dos assentados com os técnicos, parece existir um

vácuo entre as expectativas dos assentados e a prática dos técnicos. Certamente isso tem a ver

com a diferença de “tempo” abordada pelo técnico Olcimar mas também parece que falta

colocar-se mais no lugar do assentado e realizar o trabalho mais a partir do seu ponto de vista.

Isso não quer dizer aumentar o número de visitas, como os assentados do Sonho de Rose, por

exemplo, tanto solicitam, mas colocar-se no lugar do outro para que enxergue a melhor

maneira de ver esse outro e aí estabelecer as estratégias de trabalho.

Ao se colocar no lugar do outro poderiam verificar, por exemplo, que “perder” uma

tarde só passando em algumas casas para dar um “oi” ajudaria a fortalecer o elo com os

assentados, como fazia Jucélio. Isso aumentaria a credibilidade de seu trabalho e tiraria o

caráter extremamente funcionalista da atividade do técnico. Embora, no falar dos próprios

técnicos, seja necessária uma imersão, uma troca de idéias com os assentados, a mesma não

acontece. Os técnicos parecem estar presos às metas dos projetos e à imensidão dos próprios

assentamentos e seu discurso de “troca”, “aprender junto com os assentados” não encontra

reflexos práticos.

Ao estabelecer mais atividades individuais junto aos assentados, conseguiriam mostrar

a eles, no dia-a-dia, que eles mesmos têm conhecimentos e não precisariam ficar tão

dependentes dos técnicos. Os assentados descobririam seus potenciais. E isso tornaria-se uma

“bola de neve”: certamente o agricultor sentiria mais confiança e passaria a querer trocar mais

experiências com seus pares. Isso ajudaria a mobiliza-los para participar mais das atividades

comunitárias, como cursos, reuniões, dias de campo etc.

Ou seja, falta mostrar, aos assentados, o potencial que eles têm. E isso não se faz só

com palavras. A prática dos técnicos deve estar calcada nesta estratégia. Talvez seja

trabalhoso, árduo, no começo. Realmente, o número de assentados é grande para poucos

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técnicos19. Mas a vontade de abraçar o mundo está fazendo com que os resultados não sejam

efetivos, não gerem transformação. A preocupação tem sido muito mais com a técnica do que

com a transformação da realidade que, segundo Freire (1977, p.24), “este sim, é o trabalhão

autêntico do agrônomo como educador, do agrônomo como um especialista, que atua com

outros homens sobre a realidade que os mediatiza”.

3.2) Macro comunicação

Se a micro comunicação exige um esforço de comunicação pessoal e de trabalhar na

perspectiva de troca de conhecimentos, a macro comunicação toma tais características para

si, mas muda a forma de atuação. Trata-se agora daquela comunicação utilizada para um

público maior, mas de forma segmentada, como por exemplo em cursos, reuniões, dias de

campo e também por meio de diversos materiais de comunicação, como folder, cartilha,

manual, jornal segmentado entre outros. A macro também pode ser considerada uma interação

mediada, apesar de a análise de Thompson (2004, p.78) afirmar que “as interações mediadas

implicam o uso de um meio técnico (papel, fios elétricos, ondas eletromagnéticas, etc.) que

possibilitam a transmissão de informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados

remotamente no espaço, no tempo, ou em ambos”, a macro comunicação também limita as

possibilidades de deixas simbólicas e é orientada para outros específicos. A questão de espaço

e tempo fica comprometida, mas acredito que para esta análise é possível utilizar tais

reflexões.

Enquanto na interação face a face quase não há espaço para deixas simbólicas, o que

faz com que a interação seja grande, e exista espaço para tirar dúvidas, trocar informações, e o

contato pessoal possibilite uma leitura do que o corpo está falando ou mesmo outras deixas

simbólicas, na interação mediada este espaço para deixas simbólicas é reduzido, como explica

Thompson (2004, p.79): “ao estreitar o leque de deixas simbólicas, as interações mediadas

fornecem aos participantes poucos dispositivos simbólicos para a redução da ambigüidade na

comunicação”. Ou seja, por menor que seja o grupo com o qual se esteja trabalhando, não é

possível estar atento a todas as deixas simbólicas. A preparação do evento é feita para um

público maior do que a visita ao lote, embora ainda segmentado.

A importância destes eventos é capital para a mobilização. Enquanto na micro

comunicação os assentados são pessoalmente convocados para participar, é na macro

comunicação que encontrarão sentido na mobilização, ao partilharem seus objetivos entre si.

19 Não existem recursos financeiros suficientes para contratação de mais técnicos.

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O tipo de informação aqui trabalhado, dentro da classificação de Wurman (2001,

p.48), é a informação de referência “que opera os sistemas do nosso mundo – ciência e

tecnologia – e, mais imediatamente, os materiais de referência que usamos em nossa vida. A

informação de referência pode ser qualquer coisa, desde um manual de física quântica até a

lista telefônica ou o dicionário”. No caso desta análise, informação de referência é toda aquela

capaz de formar o assentado nas áreas do conhecimento afeitas ao desenvolvimento

sustentável e deve estar atenta para ao fato de que “para compreender qualquer tipo de

informação nova (...) deve ter algum interesse em receber a informação; descobrir a estrutura

ou o arcabouço em que ela está ou deveria estar organizada; relacioná-la a idéias que já

compreenda e examiná-la sob diferentes perspectivas para poder ‘possui-la’ ou entendê-la”.

(WURMAN, 2003, p. 59)

Para a análise de como se dá a macro comunicação, foram acompanhados os seguintes

eventos:

- reunião para tratar de assuntos práticos do assentamento 12 de Abril (observação);

- curso sobre agrofloresta (realizado no município de São Mateus do Sul/PR e que

contou com a participação de assentados de Bituruna) (observação e adaptação de

grupo focal com assentados e técnicos);

- dia de campo para “raleamento de bracatingal” no assentamento Sonho de Rose

(observação);

- curso sobre agrofloresta no assentamento Rondom III, que contou com a participação

também de assentados do Sonho de Rose, Etienne e 12 de Abril (observação e

adaptação de grupo focal com participantes).

Além destas atividades, nas entrevistas individuais com os assentados também foram

realizadas perguntas referentes à macro comunicação. Neste item, também são inseridas

reflexões de um pesquisador da Embrapa Florestas, pois a atividade “raleamento de

bracatingal” teve papel importante desta instituição.

Estas análises serão apresentadas a seguir da seguinte forma:

a) percepções gerais dos assentados sobre a importância de cursos, reuniões e

palestras e a forma como são realizados;

b) descrições e análises dos eventos específicos observados, com as percepções dos

assentados e técnicos.

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a) Percepções gerais dos assentados De uma forma geral, durante as entrevistas, os assentados demonstraram entender a

importância em relação à participação em cursos e reuniões, mas encaram tais atividades do

ponto de vista prático, do aprendizado em si.

Luiz: aprendendo a manejar uma agrofloresta

• [perguntado sobre por que participa de cursos, Luiz fala especificamente sobre o curso de agrofloresta, que acontecia na ocasião da entrevista] Porque a gente tá incentivado e participando destas reuniões da agrofloresta pra manter esta matéria-prima que nóis temo pra nunca terminar. Porque é uma fonte de renda e pra mantê a família, né. Remédio, farmácia. [...] Então eu acho que a gente tá nesta linha de participar da agrofloresta e formando floresta é muito bom porque é a saída nossa aqui: manter pro carvão vegetal, sem dependê de fazer dano a natureza. Porque não é a tendência terminar com a natureza, tem que manter ela pra nunca termina.

• O curso nunca é perdido. Feliz daquele que consegue: quanto mais curso mais ele aprende, mais ele tá informado das coisa. E é um jeito melhor da vida da pessoa, de melhora de vida da pessoa esses cursos.

• [sobre como fica sabendo dos cursos] [...] algum curso que surge da gente participar é por meio de comunicação dos técnico.

• Mesmo querendo ou não, eu já tenho agrofloresta, por que? Eu preservei a natureza, já tenho, ó ali [aponta uma área em seu lote]: não tá assim uma agrofloresta formada, ajeitada no tipo. Mas já tenho. Ali eu tenho o pinheiro, eu tenho o pinhão, tem a erva-mate, a medicinal plantei ali. Mas não é assim como pensei de formar agrofloresta, mas através desses cursos que a gente foi, participou. Já considero uma agrofloresta, é só ampliar ela.

• É o seguinte: às veiz um tempinho que sobra eu não tinha aquele tempo assim pensado em trabalhar com a agrofloresta. Porque eu não tenho essa floresta manejada. Que nem eu falei pra vocês: eu não tenho a agrofloresta, como diz, trabalhada e tal. Mas bem que agora [com o curso] eu entendi que eu to com agrofloresta ali e é só manejar, ajeitar e cuidar.

Ílzia: a vida na mãe terra

• [sobre o que aprende nos cursos práticos] Meu Deus do céu, naqueles mato muita coisa! Tá aprendendo com a natureza mesmo, né?! Vai lá visitar e você vê quanta coisa que você tá fazendo de errado e ainda dentro da propriedade.

• [sobre como fica sabendo dos cursos] Os técnicos vêm e também põe aviso em radio né.

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• [comentando sobre um curso de empreendedor rural que fez. O curso aconteceu basicamente em sala de aula, pois se tratava de gestão financeira da propriedade] Ajudou muito, porque assim meio ocê levava no grito, não levava somado, onde cê vai ter lucro? Onde cê vai ter prejuízo? Então ali você vai aprender que você vai fazer qualquer coisa, mas antes de você fazer você vai ter que somar. Será que vou somar lucro lá? Ou será que vou só quebra a cara?

• De tudo os curso que eu participei, tudo os curso que eu participei o que mais eu achava vantagem era aquilo que via na prática, que você vai ver a realidade lá na mata, lá na terra procê vê como é que é a vida da mãe terra.

Félix: preparando para o futuro • A gente tá sempre se preparando aí pro futuro. Porque as coisas vão

mudando, as lei vão mudando, então a gente tem que tá sempre atualizado, né?!

• [comenta sobre o curso que mais gostou – apicultura] Pela maneira que eles explicaram na teoria e também na prática daí a gente fez na prática também.

Domingos: gerar renda sem destruir • Eu no meu ponto de vista ele [curso com prática] vale a pena porque nóis

que não temo estudo, e que nem eu que já tenho a vista curta, nesse ponto a gente desenvolve uma sabedoria de vê os outros trabalhar.

• Já tamo convidado pra um curso de agrofloresta e a gente vai participar. Porque eu tenho intenção de implantar esse tipo de agricultura dentro do assentamento. Não vou dizer grandes coisas né, Mas porque ele além do que traz uma renda pra família e não agride a natureza. A agrofloresta não agride a natureza. Vamo supor um mato que nem aquele ali [e aponta uma área em seu lote]: eu posso gerar renda dele sem destruir, porque eu posso prantar uma erva, uns pé de fruta, eu posso prantar muita coisa ali pra mim poder viver sem agredir a natureza [...].

Getúlio: oficinas práticas

• Eles fizeram aqui uma oficina sobre preservação ambiental, o [técnico] Olcimar. Daí ele fez um sistema assim: ele deu a cartolina e aí cada um ia desenhá, por exemplo, hoje um terreno do jeito que ta - só capim; daqui 10 anos faze um desenho quando é 10 anos né - o que que tem de mato, se não soltar mais criação naquela área; e daqui 50 anos e daí começaram a a fazer o capim. Katia: - E vocês gostaram de fazer essa experiência? A criançada tudo desenharam lá, depois ia fazer a apresentação depois, eu achei um sistema bão.

• Esse sistema de oficina eu achei muito importante, fazer a turma desenhar, fazer o pessoal fazer, planejar, isso é muito importante.

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• [Getúlio considera que, mesmo que não dê para aplicar tudo que aprende nos cursos, pelo menos fica sabendo do que existe e, se algum dia precisar, já sabe como fazer ou onde procurar] A gente nunca aprende tudo, né. A gente tem que tá sempre aprendendo, sempre vendo a natureza e daí tem esses projeto também que capacita os técnicos, dão capacitação pras pessoas.

• [Analisando a técnica Sandra quando tenta fazer com que os produtores participem dos cursos] É tipo as palestras da Sandrinha: ela fica assim insistindo pra gente dize as coisas. Daí ela quer dizer uma sugestão e fica [muda, esperando que as pessoas falem]. Daí ela fala “então, e aquele costume que você tinha pra planta...”, e daí ameaça de dizer e não diz... [porque fica esperando que as pessoas completem seu pensamento] [...]. E fica assim ameaçando pra fazer as pessoas pensa. Ela qué fazê as pessoas pensa. Daí, às vezes as pessoas não lembram de dizer. Aí amarra muito aquele curso e fica aquele curso meio prolongado, meio chato ansim.

Anísio: troca de experiências • Eu gosto de curso que o técnico fale e deixe a pessoa falar. Que dê o

conhecimento dele, mas que também busque conhecimento com as pessoas. Tem curso que você vai lá só pra escutar e que te enche a cabeça e não deixa você aprender nada.

• Dentro dos vinte anos que a gente tá na luta eu fiz muitos cursos. E estes cursos me deram oportunidade de aprender muito. Embora eu não melhorasse talvez minha leitura, vamos dizê pra ler, o conhecimento eu tenho muito em termos de visita de grupo, discussões corporativas, discussões de sindicato. E se a pessoa tiver interesse ele não vai só participar, ele vai aprender. Porque uma coisa é participar outra coisa é você querer ir pra aprender, né?! Eu sempre que eu vou em algum curso, algumas coisas eu sempre consigo trazer de bão. Então dentro desses vinte anos a gente aprendeu muita coisa. Eu sempre fiz parte de diretoria de cooperativa, diretoria de sindicato. Por isso que sempre que eu digo: um ou dois dias que a pessoa pensa que tá perdendo, não tá perdendo, tá aprendendo, né? Se eu não tivesse me aprofundado, com certeza eu não saberia assim administrar o lote da maneira que hoje a gente consegue enxergar um pouco pra administrar. Com certeza, teria mais dificuldade.

• A gente aprende muito com as visitas. Principalmente as visitas que a gente faz nos outros grupos. Dá uma troca de experiência muito grande.

• (perguntado sobre o que é melhor: visitas ou cursos] Olha, eu acho que os dois juntos, né? Tem que ter a teoria, tem que ter os técnicos, tem que ter o pessoal que conhece mesmo pra fazê as discussão. Mas sempre é muito mais da visita. Você tá discutindo lá erva-mate, mas se não for lá conhecer o que o outro tá fazendo, algumas experiências diferente da gente, eu acho que não seria mesma coisa [...]. O grupo de medicina [plantas medicinais], por exemplo, é uma coisa que a gente tá entrando agora. Então pra chegar ao conhecimento de como colhe, como é que você faz bem certinho pra plantar, tudo aprende assim com visita, com experiência com grupos que já conhecem da área, né. Isso aqui é como uma escola. Você vai visitar um grupo você vai lá aprender. Então alguma coisa

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você sempre aprende, né. Acho que a visita, a troca de experiência é o mais importante no dia-a-dia da gente.

• Acho que nenhum técnico depois de vinte anos, trinta anos, sabe tudo. Sempre surge coisas novas. Eu conheço agrônomos de vinte anos de formatura que chega ali numa agrofloresta e de repente ele pergunta: “que planta é essa?”. Então dá pra ver que a pessoa, por mais que saiba, não consegue dominar tudo. Alguma coisa ele sempre tem pra aprender.

Percebe-se, então, que os assentados, valorizam a participação em cursos, dias de

campo, visitas e procuram aplicar o que aprendem. No entanto, fica muito claro que nem

todos participam e, mesmo entre os entrevistados, vê-se que nem sempre colocam em prática

o que aprendem.

Celestino, por exemplo, estava avisado sobre um curso, mas não apareceu. Perguntado

sobre o motivo, respondeu que precisou trabalhar no dia (encher o forno para fazer carvão):

• Único ganho, né. Daí fomo enchê os forno. Daí após aquele dia se esquecemo, né. E não fez nóis se lembrar, daí não deu né.

Já Luiz afirma que o dia-a-dia de trabalho impede uma dedicação maior:

• Na verdade é o seguinte: eu fiquei esses dois dias lá e tá meio complicado, porque sou só eu pra trabalhar. A mulher tá com problema que se machucou faz uns dois anos nos braços e não consegue mais quase trabalhar. E só eu. Daí ocê sabe que a gente sempre tem uma criação pra atender, tem uma lavoura pra atender, daqui dali, corre pra cá corre pra.

Getúlio completa a linha de raciocínio:

• Eu avaleio [avalio] ansim: tem muito projeto, mas projeto mais técnico, mais pra formação, pra pagar os técnicos pra trazer informação pra gente. Não tem nenhum projeto especifico pra gente investir. [...] Por exemplo, eles vêm e me encentivam, por exemplo, vamo fazer o manejo da bracatinga. Esse aí é um projeto que vai dá certo e já tem experiência que vai dar certo. Mas pra mim fazer esse manejo da bracatinga tem um custo, porque eu tenho que tirar um tempo pra mim fazer o manejo do bracatingal e daí não tem aquele recurso pra gente se mantê pra trabalhar nesse manejo. [...] Veio os recurso pra compra de arame, compra de criação, de estoque, calcário, mas pra pagar o tempo que a gente ta trabaiando, o serviço da gente, pra gente se mantê aquele tempo, não existe esse projeto [...]. Acaba complicando porque depois a gente chega aqui no lote e não tem como desenvolver tanto, porque não tem gente e não tem dinheiro pra gente se manter, daí a gente tem que largar daquela atividade pra cortar uma lenha, encher um forno de carvão porque ele dá um dinheiro mais rápido e vende aquele carvão pra pagar uma conta, comprar uma comida, comprar remédio [...]. Então a gente fica meio amarradão até nesse carvão que prejudica ainda mais a saúde da gente e destrói a natureza e tudo, mas a gente fica amarrado nele.

Fica, então, mais este desafio de mobilização: ao mesmo tempo em que consideram

importante os cursos, o dia-a-dia não permite maior participação aos assentados.

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Possivelmente, uma luz apontada por Anísio possa ser significativa nesse processo de

mobilização:

• Eu acho que as famílias que mais participam, elas tem capacidade pra avançar mesmo sem estudo. [...] Então eu acho que estudo é importante, mas também a participação da pessoa, e buscar. Mesmo que ela não tenha estudo, mas for buscar conhecimento ele vai com certeza dar a volta por cima, né. Não vai saber ler, não vai saber escrever, mas vai ter o conhecimento. Então eu avalio que, dentro dos assentados, quem participa dos grupos, participa de todas as reuniões, é uma pessoa participativa, sai na frente depois.

b) Descrições e análises dos eventos específicos observados b1) Reunião para tratar de assuntos práticos do assentamento 12 de Abril

data: 23/03/2006

local: assentamento 12 de Abril

participantes: 12 assentados (líderes de comunidades) e três técnicos

objetivo da reunião: informes sobre projetos em andamento e discussão de formas de

mobilização dos assentados para participar

Participei da reunião como observadora e as percepções que tive, do ponto de vista da

comunicação, seguem abaixo (vou mesclar relatos do que aconteceu e percepções):

Na chegada, todos os participantes estavam fora do local (barracão da comunidade),

conversando sobre produção, qualidade da terra, questões envolvendo a cobrança de energia

elétrica. Percebi uma certa ansiedade dos técnicos: “será que vem todo mundo?”. Neste

começo, houve pouca interação entre técnicos e assentados, até que com a “prosa” avançando,

o gelo começou a quebrar.

Para a reunião, as cadeiras foram dispostas em círculo. Isso é interessante pois

propicia uma comunicação mais horizontal, onde todos têm espaço para falar (ao contrário de

cadeiras expostas como em uma sala de aula, onde quem fala ocupa uma posição de destaque

e quem escuta quase não vê os demais participantes, como se fosse uma comunicação vertical

– de cima para baixo). Embora isso possa representar um avanço, por outro o tom da reunião

foi burocrático. Não foram realizadas dinâmicas de grupo para aquecimento, apresentação dos

participantes, discussão dos temas e nem mesmo para um intervalo (a reunião durou cerca de

duas horas). Por mais que a reunião tenha sido praticamente informativa, considero que as

dinâmicas de grupo ajudam a melhorar o clima, descontrair e até mesmo suscitar reflexões.

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Os técnicos demonstraram bastante conhecimento do que estavam falando. No

entanto, tiveram problemas de linguagem ao utilizarem alguns termos fora da realidade dos

assentados, como por exemplo “organicidade” (palavra bastante utilizada pelo MST para

demonstrar que os assentados precisam estar organizados de forma dinâmica, envolvendo

todos). O termo “organicidade” foi bastante citado porque o 12 de Abril é o maior

assentamento do município, com mais de 200 famílias. Um grande desafio de mobilização.

Uma das questões mais comentadas pelos assentados foi a falta de circulação de

informações ou mesmo informações desencontradas, tais como: em reunião é falado uma

coisa, acontece outra, as pessoas comentam outra... é o tal ruído na comunicação, comum em

muitas empresas mas também presente no campo. Neste ponto, até mesmo o programa “A

Voz do Brasil” interfere, pois anúncios de liberação de verbas são noticiados no programa,

que tem grande audiência nos assentamentos. Ao ouvir que foi liberada verba, e não

entendendo todo o processo de uso do recurso, os assentados cobram já no dia seguinte onde

está o dinheiro, o que será feito etc etc.

As cobranças, então, recaem em cima dos líderes das comunidades. Se o que foi

prometido em reuniões não é cumprido, o líder fica mal visto na comunidade, como se

compactuasse com coisas erradas.

Percebe-se aí uma grande falha de comunicação. Ficou claro que os assentados são

pouco informados a respeito dos processos onde estão inseridos, o que dá margem a

interpretações erradas e mesmo a criação de animosidade em relação aos líderes e técnicos.

Um curso sobre liderança poderia ser uma alternativa além, é claro, de estratégias para fazer

circularem mais as informações. Senão, como, então, mobilizar as pessoas se elas mal sabem

o que acontece à sua volta?

Por outro lado, percebi que os assentados têm plena noção do poder da mídia e

também do seu próprio poder de organização, pois chegaram a falar, no caso de uma verba

que não havia chegado, “vamos denunciar para a mídia!!”. E um dos participantes comentou:

“se necessário fazer manifestação que nem antigamente, a gente faz. Põe a bandeira nas costas

e vai embora”. Isso é muito emblemático: fazer uma manifestação como antigamente. Isso

mostra que eles também têm noção de que perderam a mobilização que existia quando eram

acampados/sem-terra. A noção de trabalho em conjunto está bastante fragmentada e isso fica

claro na fala de um assentado: “ah, produzo em casa e, quem sabe, a gente vende junto...”. É

necessário, então, reforçar o sentimento de comunidade, pois muitas pessoas estão habituadas

ao assistencialismo: “vou fazer o curso porque vai ter recurso para quem trabalha com isso”.

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Não interessa se tem jeito para mexer com o tema do curso, mas sim que vai conseguir

recurso (que acaba sendo aplicado em outra coisa20).

Uma grande pergunta que fica: os técnicos estão preparados para as relações humanas

que acontecem nesta troca com os assentados? Antes das informações técnicas, eles estão

lidando com expectativas, anseios. Durante a reunião, muitos temas eram tratados

superficialmente, talvez por não terem respostas a serem dadas... Percebi que os assentados

queriam continuar determinado assunto, a partir de suas necessidades e expectativas, mas os

técnicos cortavam e passavam para outro. Lógico que no espaço de uma reunião não é

possível esgotar tantos assuntos quantos os que foram tratados, mas deveria ser aberta a

perspectiva concreta de continuidade, o que não foi feito, gerando frustrações nos assentados.

Isso certamente acarreta em perda de credibilidade e a conseqüente ausência em outros

eventos. Além disso, foram tratados cerca de 10 assuntos diferentes, que os líderes deveriam

repassar a suas comunidades, mas não vi ninguém anotando nada e os técnicos nem mesmo

entregaram um bilhete para que recordassem dos tópicos da reunião. Uma grande falha na

comunicação.

O comportamento dos três técnicos presentes na reunião foi bastante diverso. O único

ponto em comum foi a timidez inicial em não encarar seus interlocutores. Interessante notar

que os técnicos estavam ali também como representantes de uma força política, o MST, e

deixavam bem clara sua posição em relação às forças políticas do município. Em alguns

momentos o próprio embate era reforçado pelos técnicos.

Um dos técnicos era novo no trabalho naquele assentamento. Sua participação se

resumiu em falar seu nome e cumprimentar os presentes. Os outros dois técnicos tiveram

participação mais ativa na reunião: um falava bastante e meio que “puxava a reunião”. Mas,

por ter pouca experiência de campo, deslizava para termos muito técnicos, prejudicando a

compreensão dos assentados. Outras vezes tentava fazer com que houvesse maior participação

dos assentados nas discussões da reunião, mas parece-me que, naquele momento, tinha pouca

experiência em fomentar as discussões e dar espaços para que os demais participantes

falassem sem serem forçados. O terceiro técnico, embora um pouco tímido, era mais

assertivo e, possivelmente por seu filho de assentado, conseguia falar de forma mais próxima

aos participantes.

20 É comum projetos serem aprovados e preverem recursos para comprar equipamentos ou benefícios nos lotes. A contrapartida do assentado em participar do projeto é participar de cursos e reuniões. Muitos participam dos cursos, não importa o tema, para conseguirem tais recursos. Isso acaba por fragilizar os resultados do projeto.

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No final da reunião, os participantes comentavam: “o debate foi bom, né?”; “nóis se

reunindo sai mais coisas”; “bastante gente junto é mais idéia”. Então, conclui-se que existe a

vontade, por parte dos assentados, em discutir sua situação e melhorias para seu dia-a-dia;

que, quando a informação chega de forma clara e completa, eles se sentem mais fortalecidos

para realizarem seu trabalho; e que existe potencial para mobilização, pois apenas uma

reunião de duas horas de duração serviu para animar o grupo.

b2) curso sobre agrofloresta em São Mateus do Sul/PR

data: 09, 10, 11 e 12/05/2006

local: município de São Mateus do Sul/PR

participantes: 25 pessoas, entre técnicos de ONGs (sendo 5 ligados a assentamentos)

e agricultores familiares (sendo 3 assentados de Bituruna)

O curso foi promovido com recursos do projeto Iguatu e teve como instrutora a

agrônoma Fabiana Peneireiro, que desenvolve trabalhos educativos sobre agrofloresta em

todo o país.

Possivelmente por trabalhar com o tema na perspectiva educativa já há 12 anos,

principalmente junto a pequenos produtores e assentados, Fabiana conseguiu imprimir um

ritmo participativo ao evento. Todos os conteúdos eram repassados por meio de dinâmicas de

grupo e vivências. A teoria, então, era calcada em reflexões dos próprios participantes a partir

de uma situação real.

Na primeira parte do curso, usou-se uma manhã inteira para os participantes contarem

suas histórias de vida e sua relação com a floresta. Interessante observar que, embora pudesse

parecer inicialmente uma perda de tempo, a dinâmica começou a “quebrar o gelo” entre os

participantes, valorizou a história de vida de cada um e, ali mesmo, já começou a troca de

experiências. Ou seja, o protagonismo não estava no palestrante, e sim nos participantes.

Sempre que necessário e possível, a instrutora contava “causos” e histórias de vida

relacionados ao tema tratado e isso suscitava com que os participantes também quisessem

contar histórias parecidas, e isso aumentava a participação. Embora ainda houvesse momentos

de silêncio durante o curso, esse seria muito maior caso não estivessem “aquecidos” para a

participação.

Em dois outros momentos, os participantes foram a campo, em propriedades da região,

para atividades de reconhecimento de espécies nativas e como ocorrem na natureza. Anotaram

informações e isso foi usado para debate posterior. À noite, foram passados vídeos com

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reportagens e experiências de agrofloresta em outros locais do país. Em resumo, o sentido que

foi passado no curso foi: “nós somos parte da natureza, mas nunca pensamos como se

fôssemos parte dela”.

Percebi que, apesar de ter uma seqüência estabelecida de informações a serem

passadas, respeitou-se muito o anseio dos participantes em falar, perguntar, trocar. Ficou

latente que a implantação de uma agrofloresta nas propriedades não é somente uma questão

de técnica, mas também uma opção política. Na perspectiva agroflorestal abordada por

Fabiana, a agrofloresta leva bem mais tempo para começar a dar retorno financeiro e prevê o

trabalho exclusivo com espécies nativas e a diversificação da propriedade, o que vai na

contramão do agronegócio exportador. Interessante observar que a Embrapa não foi citada

uma vez sequer como instituição que trabalha com SAFs, nem mesmo pelos técnicos, que

teoricamente têm mais acesso às informações de pesquisa.

Uma fala de um dos participantes foi emblemática e, embora não seja assentado,

reproduzo aqui porque contou com o aceite dos demais participantes. Ele refletiu sobre a

necessidade de adaptar o saber, a idéia, com o local: “não adianta querer fazer aqui o mesmo

que dá certo em outro município distante. Não adianta levar a coisa pronta. As pessoas não

são um saco vazio, elas também têm suas idéias, seu conhecimento” (Luiz Carlos Schmidt

Bueno). E qual seria, então, o trabalho do técnico? A de parteiro, que é a pessoa que ajuda,

incentiva e estimula.

Após o curso, conversei com os assentados que participaram. A percepção geral foi de

um curso muito bom, que trouxe uma nova forma de ver a natureza e o que pode ser feito em

seu lote. Eis algumas reflexões:

Anísio: metodologia participativa

• Muito bom o método que ela trabalha, porque ela não tá impondo uma questão técnica, o conhecimento que ela tem, e assim a maneira dela trabalhar. Ela fala mas deixa também o agricultor falar as experiência dele, a troca, o conhecimento que ele também tem, né?! Aceita sugestões... Então, pra nóis, a metodologia que ela tá usando é muito boa.

• Quando o encontro é bão não fica cansativo. Fica cansativo quando não condiz com a realidade da gente, mas quando ele é assim você nem vê passar o dia. Quando percebeu já deu o horário e se fosse preciso ficar mais tempo ficaria ainda, né.

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• Eu acho que tudo que a gente aprende não pode fica só pra gente, ainda mais quando a gente convive numa área de assentamento. A gente já conquistou a terra junto, cada um dando a mão pro outro, e eu acho que agora a gente não pode ficar fechado né. Tem que chamar a vizinhança pra conhecer as experiências que a gente vai fazê, tem que abri pra comunidade aprender junto com a gente. Aquele que se interessar, que quiser, tiver boa vontade vai aprender. Talvez demore um pouco pra entrar nessa metodologia de trabalho, mas eu acho que a gente tem que fazê nossa parte, chamá eles pra tentar passar um pouco do conhecimento da gente e eles junto, fazendo as experiência deles, também vão aprender com certeza.

• [perguntado sobre se houve alguma parte mais importante do curso] Não, eu acho que assim, na minha visão, todos foram importante. Os outros agricultores passando a experiência deles, as visita foi importante, o que ela colocou do conhecimento dela foi importante, então pra mim todo o curso foi importante. [...] Acho que foi melhor o vídeo e as visitas, os dois juntos. Porque só o vídeo talvez a gente não acreditasse tanto, né. Você não consegue guardar tanta informação, mas quando se vai pra experiência mesmo aí fica mais fácil.

Sidney21: a importância de ir a campo

• Essa visita a campo acho que ensina muito mais do que qualquer palestra em sala de aula, desde as fotos que incentiva bastante, mostra bem o trabalho mais ou menos né. Mas as visita no campo mesmo é o que dá a visão pra gente.

• Pra mim tem a parte que foi esse intercâmbio, tanto de agricultores como o próprio conhecimento dela e de outras pessoas que tavam aqui também, outros técnicos e tal. A gente teve aquele debate, aquela brincadeira de jogar palavra de idéias. Acho que isso é muito interessante. Isso é tudo intercâmbio, então pra mim é o que mais mostra conhecimento é isso, né?!

Ílzia: tirando dúvidas

• Bom, eu acho que ele não ficou cansativo por causa dessas visita. Se for pra ficar o dia inteiro só sentada, escutando, aí se torna cansativo. Mas tu sai, você caminha, você troca experiência, ocê vê a agrofloresta do outro que tá dando certo, você vê o erro também. Então não se torna cansativo. Você coleta tudo aquelas dúvida, aqueles problema lá e trás aqui e aqui todo mundo ajuda a achar uma opção pra isso.

• Eu achei que ela [a instrutora Fabiana] é uma ótima pessoa. No causo desse curso: ela deixa a vontade, a gente vai aprendendo com ela, mas também vai com a natureza e ela vai passando aquilo que ela sabe. Como se diz? Aquilo que ela aprendeu no outro estado que na verdade não é na nossa região, mas ela deixa a vontade que aqui já é outro clima já é outro...então nós temo que aprender a lutar com que nóis possuímos aqui também, né?!

21 O assentado Sidney é do Município de Guarapuava/PR. Embora não seja de Bituruna, resolvi manter suas reflexões aqui para enriquecer as opiniões, uma vez que participou do curso.

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Após a conversa com os assentados, fiz também um grupo focal com os técnicos que

participaram do curso. Nem todos trabalham em Bituruna, mas todos trabalham com

assentamentos no Estado do Paraná, então acredito que sejam reflexões válidas. Tive alguns

problemas na gravação e transcrição das fitas, então não foi possível identificar exatamente

qual técnico falou em específico, por isso não identifico quem falou o quê.

• [...] mas em termos de metodologia que ela usa pra conversar com os agricultores e pra levar a discussão pra fazer é alguma coisa que eu vou tentar copiar dela. Foi muito bom o negócio!

• Vi que [a metodologia utilizada pela Fabiana] tem mais potencial do que eu imaginava. Boa parte das atividades eu procuro fazer discussão com os assentados, mas algumas vezes você percebe que ta só você falando. Agora eu gostei da metodologia dela.

• Técnico 5: - O que eu avalio que é uma coisa que a gente tem muita dificuldade de trabalhar isso com o produtor, de você construir algo junto. Porque assim, na verdade, eles esperam que você seja um detentor do conhecimento que vai levar soluções pra eles né. Técnico 4: - Que você chegue com a resposta. Técnico 5: - Isso... Técnico 4: - E aí muitas vezes a gente acaba aprendendo com eles, mas eles acham que a gente que sabe.

• Pra mim com relação a conteúdo foi importante porque aprofundou conceitos que eu tinha só superficialmente. Mas o mais importante pra mim foi a metodologia que ela utilizou. Prá mim foi maravilhosa, que é tudo isso que já foi falado né: quamdo os agricultores se sentem parte eles ajudam a construir conhecimento. A gente tá vivendo essa angustia assim: não dá mais pra fazer palestras expositivas, reuniões cansativas. A gente tem que dar um salto de qualidade nesse sentido. Então a gente já ta naquela fase de criticar a nossa metodologia, mas a gente ainda tava meio perdidão. Vamos fazer metodologia participativa mas como estimular os caras a falar, né?! Já existe neles [agricultores] isso assim: a revolução verde deixou isso pra eles que os técnicos sabem e que eles não sabem nada. Então primeiro que é muito pesado esse fardo nas nossas costas de ter que dar as respostas e segundo que não é assim. Se você der as respostas, eles vão se apropriar de muito pouco, vão aplicar muito pouco. Então se você não construir junto não se avança, né?!.

• Eu anotei meio que a seqüência metodológica. Mas eu acho que a grande lição que fica da metodologia dela é que é muito do momento, muito da realidade, é muito do público que tá ali. Pelo que eu entendi, ela ia tendo sacadas, percebendo algumas frases e daí explorando aquela frase. Então eu acho que nem existe uma receita que possa ser escrita e levada pra casa. Os princípios é o que tá no Paulo Freire, é o que tá em vários livros. Então eu acho que a gente tem que sair daqui com esse desafio de não ter preguiça de pensar, mas tem que pensar e criar pra nossa realidade.

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• Do material daqui eu to interessado em alguns dos materiais dela, mas é não pra trabalho com os assentados. Os gráficos, por exemplo, não vô ficar trabalhando com os assentados botando gráfico em datashow. Isso é completamente fora da realidade. [...] Pros assentados mesmo acho que a gente tem que levar de escrito é outra coisa, é cartilha mais didática, coisa mais simples assim...

• Essa questão da metodologia, de tá trabalhando, de tá envolvendo produtor, de repente ta aproveitando a coisa que eles soltam ali meio em tom de brincadeira, como a Fabiana fez aqui, tá provocando que eles falassem, provocando situações que desse debate. Apesar de ter claro que a gente precisa desenvolver isso, às vezes ta um pouco falho.

• Todo mundo conversando, todo mundo falando alguma coisinha já vira debate rapidinho, é bom daí todo mundo fica ligado.

• Na verdade a gente tem preconceito de fazer dinâmica com agricultor né. A gente acha que acha que agricultor não faz dinâmica. É mais um tabu que esse curso quebra né...

Fica claro, então, que a teoria de Paulo Freire é entendida pelos técnicos, mas eles têm

dificuldade em aplica-la na prática. Partindo, então, de uma vivência, eles puderam perceber

como podem utilizar esse processo construtivo em seus trabalhos. Precisaram vivenciar este

momento para sentir o “como” fazer. Assim como é importante para o produtor vivenciar na

prática o que se aprende, isso se revelou válido também para os técnicos. Com certeza os que

participaram deste curso despertaram para novas formas de trabalho junto aos assentados.

b3) dia de campo para “raleamento de bracatingal”

data: 30/08/2006

local: assentamento Sonho de Rose

participantes: 5 assentados e 2 técnicos

O dia de campo para “raleamento do bracatingal” foi objeto de análise por constituir o

tripé “pesquisa/extensão/produtor”. A área onde foi realizada a atividade foi escolhida como

uma unidade de observação e demonstração de pesquisas da Embrapa Florestas com

bracatinga, dentro do projeto Iguatu.

O objetivo seria que esta área servisse como modelo para os assentados da região

verem as vantagens de realizar o manejo da bracatinga. Normalmente, o produtor deixa a

bracatinga crescer sem nenhum tipo de manejo e o resultado é que sua madeira é utilizada

somente para fazer carvão. Pesquisas da Embrapa Florestas demonstram que há um

incremento de produtividade quando é feito o manejo no bracatingal, que consiste, em épocas

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específicas, em cortar/tirar algumas árvores para permitir o desenvolvimento das outras. Com

isso, as árvores que ficam estão livres da competição e podem crescer melhor, principalmente

fornecendo toras mais largas. É uma forma de agregação de valor, pois a renda com a venda

da madeira em tora, ao invés de fazer carvão, é muito maior. Como a região de Bituruna é rica

em bracatinga, principalmente nos assentamentos, esta foi uma forma encontrada de mostrar

novas opções de renda aos assentados22.

A atividade acompanhada foi a quarta etapa do manejo da bracatinga. As etapas

anteriores aconteceram fora do tempo de coleta de dados para a presente pesquisa, mas têm

grande importância para a análise. São elas:

1) escolha do local para realização da pesquisa: os técnicos, junto com os assentados,

indicaram três possíveis áreas para realização da pesquisa. O pesquisador optou por

uma delas e fez a marcação de árvores-testemunha (que não poderiam ser cortadas e

seriam medidas periodicamente para acompanhar a evolução do bracatingal);

2) primeiro raleio: o pesquisador, junto com os técnicos e assentados, realizou o

primeiro raleio na área;

3) medição: um membro da equipe de pesquisa foi ao bracatingal realizar medição das

árvores-testemunha;

4) segundo raleio: os técnicos, junto com assentados, realizaram mais um corte de

árvores na área.

Pelas entrevistas realizadas, percebe-se que faltou um pouco de sensibilidade por parte

dos pesquisadores envolvidos. Na primeira etapa, foi feita uma reunião com o assentado da

área escolhida e demais assentados, para explicar o que seria feito. Só que no primeiro raleio e

na medição, pouco foi o contato da equipe de pesquisa com os assentados, a não ser quando

demandados, conforme conta Getúlio23:

• A gente achou que era uma boa idéia [participar da pesquisa e trabalhar com a bracatinga]. [...]Eu mesmo tava com idéia de fazer uma lavoura de pínus, mas quando eu vi que as experiência tavam dando certo [...] aqui é só a gente fazer o manejo que a bracatinga vem por conta, porque ela nasce da semente e a região é uma área de bastante bracatingal, que já tem muita semente. Então pra nós é muito mais vantagem nóis fazer o manejo da bracatinga que já é da natureza, da terra, do clima...

22 Além disso, a questão do carvão é bastante problemática tanto pelo corte das árvores e poluição ambiental quanto pela saúde de quem trabalha nos fornos. 23 Depoimentos mesclados, obtidos tanto no dia do evento quanto em entrevista individual.

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• É, por enquanto é só aqui [que é feita essa esta experiência como pesquisa], mas já dispertou interesse. Já tem mais gente fazendo [...].

• Eu tinha avisado o pessoal pra se reunir lá pra fazer esse manejo. Daí quando cheguemo lá, o pessoal tava tudo esperando com as ferramenta, que ia ser lá o manejo. Daí ele [o pesquisador] deu uma olhada e foi embora: “vai ser aqui”. E marcou uma outra data pra vim fazer o manejo, o raleio. Daí pediu pra convidar mais gente pra fazer o manejo e eu convidei. Daí ele chegou lá no dia e disser: “ah pode roçar aqui, vamo fazer o raleio, deixá um metro”. E ele também foi ajudar: pegou o facão e foi fazendo e não explicou mais nada pra ninguém.

• [no primeiro raleio da bracatinga] Eu pensei que eles iam fazer uma palestra. Mas não, eles não fizeram palestra nenhuma. Eles falaram: “vocês vão raleando e vão deixando em torno de um metro e meio cada bracatinga” e eles já também foram ajudando. [...]Mas eles não fizeram uma palestra, a importância, o porquê do manejo. Mandaram fazer o manejo.

• [como as orientações foram passadas] Foi aí no meio do bracatingal. A gente vinha no caminho conversando com eles [pesquisadores]. Eles vinham explicando, a gente também ia perguntando pra eles.

• [...] Achemo que ele ia sentar lá com nóis, fazer uma reuniãozinha como a gente costuma pra depois fazer o trabalho. [...] Dizê “ó vai ter esses objetivo, isso e aquilo”.

• Nem o Celestino [dono da área] ficou sabendo [da medição feita]. Eles vieram por conta deles, chegaram e mediram, daí trouxeram o Olcimar e vieram ali só eles e mediram lá e mediram as altura, as grossura e colocaram essas plaquinha e foram embora.

Já para Celestino, dono da área, a forma como foi feita estava boa. Para ele, a chance

de ter algo novo já basta e repassa a responsabilidade do acompanhamento para os técnicos:

• Não, o que que eu vou dize? Acho que tem o técnico aqui que vem atender. Tá bom, né?!

Fica claro que, quanto mais envolvido na comunidade, como no caso de Getúlio,

maior é a cobrança em relação aos atores sociais envolvidos com o assentamento. No segundo

raleio, atividade que foi acompanhada para esta pesquisa, os técnicos conversaram antes com

os assentados e explicaram o que foi e o que seria feito.

Em relação a esta atividade, o ponto de vista do técnico Olcimar, que acompanhou

todos os passos da atividade, é o seguinte:

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• A gente tem uma angústia que a pesquisa seja algo que realmente some, que a partir dali você produza conhecimento, e daí tem todo uma forma de você conduzir. [...] Então assim na nossa experiência acho que foi uma falha que aconteceu [...] pois foi uma prática na verdade, mas se deteve somente à prática. [...] Então o pessoal não cobrou de quem tava fazendo a prática na hora, mas cobrou da gente depois: “a gente tava esperando que o pessoal ia vim e pelo menos fazer uma introdução do que ia ser feito aqui né qual o objetivo porque que a gente ta fazendo isso aqui né”. [...] Então no final o pessoal falou “ta vai ser só isso? Nós não sabemos porque que ta sendo feito isso, quem que é que ta fazendo isso ou o que, né?!”. [...] [em outro momento] a gente chegou, não foi na casa do agricultor, fomo direto na área. Então imagino que a gente pulou uma etapa importante do processo [...] Eu imagino que pro agricultor é meio que uma invasão: você chega, você não pede permissão pra entrar na área dele [...] então o agricultor não ta fazendo parte daquele processo.

Já o ponto de vista do pesquisador Amilton Baggio, responsável pela unidade

demonstrativa é o seguinte:

• A pesquisa participativa que eu entendo mais é que a gente faz um planejamento junto com o produtor ou com representantes deles. Em verdade a gente trabalha mais com representantes que são os técnicos e eles têm essa socialização com os produtores. Então é um canal direto de comunicação.

• No Iguatu nós trabalhamos mais com difusão do que com pesquisa. Eu mesmo com pesquisa tô fazendo muito pouco. Agora tô trabalhando mais com essa parte de desenvolvimento, com transferência, implantação de unidade de referência que a gente chama. [...] O projeto Iguatu basicamente o que foi feito foi isso, e outros projetos que a gente tem previsto é mais nessa linha de tentar que os agricultores adotem o que a gente já produziu [de conhecimento].

• Ali [no assentamento Sonho de Rose] foi desenvolvido dentro do limite de orçamento que a gente tinha disponível pra Embrapa. Eu não fiquei satisfeito porque eu gostaria de ter feito muito mais com eles ali.

• No campo [durante o primeiro raleio] a gente reuniu o pessoal, explicou o que que ia ser feito, pra quê que tava sendo feito. Na verdade isso foi feito antes [na primeira reunião], aí eles concordaram que o sistema ia ser bom pra eles e aceitaram a intervenção na floresta.

• Na medição o produtor não participou, participou apenas o técnico da CCA. Queria uma avaliação técnica pra daí a gente ter uma avaliação pro relatório. [...] Isso nem foi publicado ainda mas os próprios agricultores num dia de campo que eles fizeram [...] ficaram impressionados com o resultado porque da pra ver a olho nu a vantagem de crescimento que as bracatingas tiveram. Aí outros produtores começaram a adotar o sistema também, a fazer intervenção. Nesse caso a intenção da unidade de referência teve resultado imediato.

É clara a falta de comunicação entre a equipe de pesquisa e a equipe técnica. Não

houve uma “ponte” que deixasse claro o papel de cada um no processo ou mesmo espaço para

avaliação de demanda e perspectiva. Ao que parece, cada um achou que estava certo e ficou

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por isso mesmo. O sucesso por si só da unidade de referência não basta para que haja uma

efetiva adoção da tecnologia. Deve ser feito um esforço para que os demais assentados

conheçam a experiência e passem a adota-la se assim lhes convier. O exemplo, o modelo, o

fato de saber que dá certo, é bastante significativo junto a esse público. então estratégias de

comunicação devem ser adotadas neste sentido.

b4) curso sobre agrofloresta no assentamento Rondom III

data: 20 e 21 de outubro de 2007

local: assentamento Rondom III

participantes: 11 assentados e 2 técnicos no primeiro dia / 10 assentados e 7 técnicos

no segundo dia (alguns técnicos vieram de outra região do Estado conhecer a

experiência)

Baseados na metodologia de trabalho que aprenderam no curso em São Mateus do Sul,

os técnicos agendaram cursos sobre agrofloresta para os assentamentos de Bituruna. Para esta

pesquisa foi acompanhado o curso que aconteceu no assentamento Rondom III. Acompanhei

o curso inteiro (observação) e realizei um grupo focal antes do começo do curso, com todos os

assentados presentes, para saber das expectativas; e após o encerramento do curso, para

avaliar a percepção deles sobre o evento. Na prática, após o encerramento do curso, foi

realizada uma “adaptação de grupo focal”: optei por subdividir os assentados em diversos

pequenos grupos porque identifiquei, durante o evento, micro células que poderiam interferir

ou mesmo inibir alguns participantes. O grupo, então, foi subdividido da seguinte forma: os

que falam muito, os que falam pouco, as mulheres, o casal e um, que fiz a entrevista

individualmente, que estava antes do curso indeciso a respeito da importância da agrofloresta.

Além disso,os técnicos responsáveis pela atividade também foram ouvidos.

O curso realmente seguiu o formato de São Mateus do Sul, mesclando dinâmicas,

palestra, ida a campo, troca de idéias. Um dos trabalhos finais do curso foi comparar a renda

entre espécies nativas e manejo da agrofloresta com o plantio de pínus. A intenção dos

técnicos era mostrar que o manejo da agrofloresta seria mais vantajoso tanto na parte

econômica quanto na questão de manutenção da biodiversidade.

Aqui, então, vou apresentar as percepções da seguinte forma:

- assentados (antes e depois do curso)

- técnicos (depois do curso)

- minhas observações

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Assentados antes do curso

Como foi feito um grupo grande, a identificação dos participantes ficou

comprometida24, mas valem as reflexões (colocadas aqui na ordem em que foram faladas).

Neste primeiro momento perguntei a eles o que os motivava a participar e o que esperavam do

curso:

• Por razões de necessidade, hoje nóis tamo aqui não é porque nois “ah, porque é bonito”. Porque não é isso aí. O pobrema é o seguinte: se nóis discutimo alguma coisa que melhore a nossa vida, não importa se é segunda ou terça ou quarta, que dia que seja Nóis temo que sentar e discutir isso, porque é trocando idéia que nós vamo achar o que nós fazer, o que nós vamo trabalhar, muda de idéia, fazê uma coisa melhor...

• Eu acho que a nossa maior preocupação de hoje é correr atrás mesmo de melhoras pra nossa propriedade. Porque a terra nós já temo, agora temo que aprender a “fazê o quê?” com ela, “usá como ela”, fazê melhor proveito. E já por ser uma sexta-feira eu nem podia tá aqui hoje então...tem que levá muita coisa boa daqui hoje.

• A gente tem que tirar um tempo pra gente também. Não é só ficar na propriedade trabalhando sem ter o conhecimento. Então é importante a gente saí sim.

• Mas acontece que o povo, bastante gente não se entende. Porque vamo supor: eu venho aqui “ô Anísio, vamo fazê um grupo pra nóis pode adquirir um maquina pra nóis trabalhaiar”.Mas aí eu já saio dizendo que “ah mas eu não vou me interplear com o Anísio, o Anísio vai só me lograr”. E daí já tiro da cabeça do Luiz que também podia formar um grupo “ah largue mão, o cara só vai se beneficiar ele”. Mas não é, e daí nem eu, nem o Luiz nem o Anísio vai consegui chegar onde nóis pensemo. Por causa que nóis não se entedemo. Mas nóis temo que trabaiar se entendendo pras coisa andar. [...] - Eu acho que o curso, trabalho em grupo é bem mais participativo, porque cada um vai expor aquilo que sabe né. Aí se você sabe uma coisa você vai aprender mais com os outro.

• É que em grupo um fala mais que o outro. Eu sou que nem papagaio: fala pra diabo. E às vezes um quer falar também, daí a gente já pára. Então acho que em grupo cada um faz a sua parte. Nem que tem gente assim “ai eu não sei nada”: não é que não sabe, às vezes não quer ponha aquela idéia, acha que é errada, “ah eu vou fica mudo”. Mas às vezes é uma idéia, até uma palavra que ele vai dizer serve pra alguma coisa.

• As duas coisas são importantes: ouvir o conhecimento deles [técnicos] que tiveram a oportunidade de estudar técnico: eles tem a teoria, né?! Então faz parte o que eles forem passar pra nóis. Nóis pega o que nóis pudé pega. Mas o agricultor também tem o conhecimento e a experiência dele. Eu acho que as duas coisas tem que andar junta: a teoria mais a prática né?!

24 Os assentados que participaram deste evento foram: Anísio, Luiz, Ílzia, Domingos e Fátima (já citados por causa das entrevistas individuais) e Francisco José dos Santos, Assis Maisman, Rafael Alves, Leonilda Fátima Ferreira de Castro, Bromilde Vergopolo e José Soares dos Santos, conforme dados da Tabela 13 do Capítulo V.

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Assentados depois do curso

Após o curso realizei, então, pequenos grupos focais para analisar como foi a

receptividade em relação ao curso e à metodologia utilizada.

Grupo 1 – Homens que “falaram pouco”

O primeiro grupo foi formado por três assentados que falaram pouco durante o curso.

E esse foi um ponto importante de minhas perguntas a eles. Percebi que se sentiram um pouco

melindrados pelo fato de existirem outros assentados que falavam mais. Aliás, em minhas

observações, anotei que uma das técnicas que dava o curso muitas vezes focava sua atenção

nas discussões com um dos assentados que parecia dominar o assunto. Isso foi percebido

pelos demais. Outro ponto é que notei que o assentado mais novo (Rafael, 17 anos) mostrou

desenvoltura para analisar o curso e poderá, depois, ser uma boa referência entre os

assentados.

Mas, de uma forma geral, os técnicos conseguiram passar seu recado. Precisam, no

entanto, aproveitar melhor as deixas e conseguir atender as expectativas mesmo daqueles que

são mais tímidos. Abaixo, trechos do grupo focal.

• [sobre o conteúdo do curso e o repasse a suas famílias] A minha família, por exemplo, tem orgulho [que eu participe dos cursos]. Até ontem, que foi no primeiro dia, cheguei em casa e repassei pra eles mais ou menos o que nóis tinha estudado hoje (Rafael).

• [sobre a linguagem utilizada pelos técnicos] Eles falam de uma maneira mais gramática. Tudo é um pouco complicado pra nóis entender, mais dispois a gente entende o que eles querem dizer (Assis).

• [sobre as atividade: foi bom ter ido a campo ou ficar com palestra seria

melhor?] Melhor nóis ir pra lá (Rafael). Aprender na prática é mior (Assis).

• [comparando livro e curso] No livro ali tem tanta coisa que a gente não vai entender. Enquanto as pessoas conversando cara-a-cara assim é mais melhor (Assis).

• [sobre oportunidades de falar durante curso] A gente não teve tanta oportunidade de falar porque tinha bastante pessoas que conversaram bastante. Então até eu mesmo não tive tanto essa oportunidade de falar como tinha umas idéias para explicar (Assis).

• [...] igual essas pessoas falavam tanto que não davam oportunidade pra outras pessoas. Assim, tinha muita gente que falavam tudo ao mesmo tempo (Rafael).

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• [se é possível aplicar o que aprenderam] A gente vai se lembrar mas com o exemplo prático. Se você for começá a trabalhá fazendo agrofloresta, daí você trabalhando lá você vai mostrando essas idéias que aprendeu aqui hoje (Rafael).

• [sobre as dinâmicas de grupo utilizadas] Foi bem legal, até porque a gente descontraiu um pouco né. Só fica naquele estudo na cabeça então tem que ter uma distração pra relaxar (Assis).

• [sobre a validade do curso] Antes não pensava nisso, tirava da natureza. Ia tirando tirando e nunca pensava o que estava agredindo a natureza ou tava fazendo bem pra natureza ou não (Rafael).

• [se aceitariam plantar pínus, ao invés de cultivar agrofloresta, caso o pínus rendesse 4 vezes mais] Nóis ia pensar mais no futuro, daí (Rafael).

• Teria que pensar, né. [...] Se ocê trabalhá mais na agrofloresta, você vai tê diversas outras coisa que ocê tem uma renda (Assis).

Grupo 2 - Mulheres

O segundo grupo foi formado pelas mulheres que participaram do curso, embora duas

tenham participado somente do segundo dia. A conclusão a que chego com este grupo, que

reforça o grupo anterior, é que os técnicos conseguiram passar o recado também para este

público, embora para elas não tenha existido a reclamação de que alguns falam mais que os

outros. Mas, por outro lado, é claro para elas que falta mobilizar outros assentados, pois

geralmente são os mesmos que participam de tudo.

• Eu achei que foi muito proveitoso. Que vale a pena a gente participá. Logo mais, daqui uns 5 ou 6 ano, a gente vai vê que vai tê as propriedades ricas e as propriedades pobre na diversidade. As pessoa vão podê analisá que a gente não tá fazendo uma loucura, que a gente está procurando o melhor pra gente e pro lote E pra preservá a natureza e mostrá pros filho que vale a pena viver (Leonilda).

• Achei muito bom [o curso]. E pros meus filho também, pra quando nóis tivé mais velho eles possam ter esse projeto da agrofloresta (Fátima).

• [sobre as pessoas que falam demais durante o curso] Eu acho que se a pessoa sente vontade de falá, pede a palavra e fala, né. Só que às veiz ficando quieta aumenta o aprendizado né. A concentração vai captando muito mais coisa... (Fátima).

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• [sobre se é melhor curso ou ir a campo] Melhor ir pro campo né. Porque lá a gente aprendeu muita coisa, que eu não sabia. Lá a gente aprendeu das florestas e coisas que eu não sabia lá eu aprendi. [se ficasse só escutando palestra] não tinha aprendido como nós aprendemo lá (Fátima).

• [sobre os técnicos] [eles] têm se empenhado muito né. Em todos os momento eles se empenha muito tanto na agro floresta, como nas medicinais. Assim a gente sente que eles têm entusiasmo de levar isso pra frente né [...] Eles como nóis tão aprendendo também. Eles estudaram, mas na prática... na verdade é como nóis nas primeira experiência. [...] É como uma troca com nóis (Leonilda).

• [sobre materiais de apoio, como livros ou cartilhas] O curso seria muito importante. A gente vai lê muita coisa que a gente não vai entende. E no curso ocê vai tirá a informação na hora daí (Bromilde).

• [sobre participação das famílias] O que falta mais é famía [família] participante. Os técnico tão fazendo a parte deles. Só que o pessoal ainda não participa. [...] Falta de interesse. Eu vejo lá na minha comunidade, há dois ano até tivemo dificuldade pra pastorar o trabalho. É uma dificuldade por falta de interesse total das pessoa. (Fátima).

• Assim como você tá aqui hoje e tivesse convidado outras pessoa e anunciado que você taria aqui, tenho certeza que eles viriam. Porque é aquilo: eles não acredita que nóis podemo mudá, que nóis podemos ampliá. E precisa de pessoas de fora que chegue aqui e fale (Bromilde).

• [se aceitariam plantar pínus, ao invés de cultivar agrofloresta, caso o pínus rendesse 4 vezes mais] Isso a mim não convence (Leonilda).

• Não. Poderia até plantar um pouco, mas da agrofloresta não abriria mão não (Bromilde).

• Tenho vontade de fazer agrofloresta (Fátima).

A penúltima fala de Bromilde é dirigida a mim, entrevistadora. Ela acredita na velha

história de que “santo de casa não faz milagre” e que a presença de pessoas de fora poderia

atrair mais o interesse das famílias em participar dos eventos. Fica aqui, então, uma deixa para

a participação dos próprios pesquisadores de instituições de pesquisa, por exemplo. Em um

dos intervalos, observando as conversas e prosas, os assentados entraram no assunto de uma

palestra que pesquisadores da Embrapa teriam feito há alguns anos e o quanto tinha sido

interessante, mas nunca mais voltaram.

É certo que, se uma instituição de pesquisa tiver que dar conta também da extensão,

acaba não fazendo pesquisa, que é realmente seu objetivo maior. Mas os resultados de suas

pesquisas precisam ser disponibilizados, publicizados, precisam chegar aos usuários. Então, é

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necessário buscar um meio termo e até mesmo uma maior aproximação com os técnicos, com

cursos e capacitações para que estejam sempre atualizados. Sobre isto, discutirei melhor no

tópico “Técnicos após o curso”, adiante.

Grupo 3 – “Homens falantes”

Este terceiro pequeno grupo foi formado por dois assentados que falaram bastante

durante o curso. Optei por esta alternativa para que os outros não se sentissem inibidos em

falar na entrevista. Notei que estes mais falantes são também os que há mais tempo estão

envolvidos com a luta pela terra, são engajados em sindicato e ajudam a mobilizar as demais

pessoas. Talvez por isso mesmo sejam os que mais participam dos cursos, falam, explicam.

Percebi neles uma imensa vontade de partilhar o conhecimento com os demais assentados,

tanto é que a entrevista com eles rendeu bastante.

• Eu acho que eles [os técnicos] trabalharam bem. Eles trabalharam junto com nóis. Às veiz as coisa que eles não sabem nóis sabemo. Então eu acho que os técnico não é mais sabido que o agricultor. [...] Eu acho a diferença do técnico, ele tem a formação e nóis não temo a formação da teoria, nóis temo na prática e eles na teoria (José).

• O nosso técnico já sabe a maneira que a gente vem trabalhando. Claro, às vezes o técnico fala uma palavra mais difícil, mas o agricultor também, por mais dificuldade que tem, [...] a pessoa mesmo com pouco estudo, se ela for pra prática ela aprende. [...] Porque o técnico falá é uma coisa, e outra coisa é mostrá junto com o agricultor lá na prática. Aí fica muito mais fácil pro agricultor entender. Então os técnicos tem essa prática de ir pro campo mostrá, fazê as experiência no campo. Isso facilita pro agricultor que tem pouco estudo, né (Anísio).

• [sobre a necessidade de receber material escrito, como um livro ou cartilha] Eu acho que a cartilha é mais importante no sentido de a gente estudá ou antes ou depois.[...] Durante o curso, é mais a conversa, mais a prática, mais a teoria pra juntá as duas coisa: prática e teoria e chegar num resultado final (Anísio).

• Não adianta nóis estudá e eles [os demais assentados] não querê trabalha. Podemos estudá e tudo e não fazê nada. Eu acho que vai ter as duas coisas: fazê, estudá e fazê. Porque se nóis não fizé, outro não vai faze. Então nóis tem que fazer (José).

• [comparando o que é mais importante: a visita ou o curso]

Visitar as propriedades é importante mas o trabalho mais importante é em grupo. Unir as famílias em grupo interesados né, cada pessoa tem interesse de certo trabalho né, e trabalhar nos grupos. [...] Eu acho que esse trabalho em grupo é muito mais rico, pela própria experiência, pela troca de idéias né. No individual a pessoa soma muito mas só na propriedade, e o conhecimento dele é muito pequeno no individual, eu acho que é muito mais rico quando se vai pro grupo né. O grupo troca experiência, mutirão soma muito mais (Anísio).

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• E soma, soma porque a troca de idéia, o diálogo com as pessoa se não sabe ele aprende com outro. Porque ele chega e tem vontade de aprendê e ele aprende (José)

• [se aceitariam plantar pínus, ao invés de cultivar agrofloresta, caso o pínus rendesse 4 vezes mais] Não interessa. Dinheiro não levo quando morrer. Então pra que tanto dinheiro. [...] O objetivo nosso é fazê com que as pessoas criem consciência da importância de preservar a natureza e que a natureza lhe oferece coisas mais rendáveis pra nós (Anísio).

• Eu quero dizê o seguinte: [plantar pínus] é ponhá remendo em vestido velho: o remendo não arranca o pedaço e o buraco fica maior, porque? Porque se nóis vamo fazê isso, pra quem que nóis tamo dando lucro? Nóis não tiramo lucro pra nóis, tamo dando pra outro. Porque eu acho que a agrofloresta vai ser boa alternativa, de vida de muita coisa. Agora vamo plantar pínus, vão enchê de pínus pra nóis tê que ser escravo da firma pra nós podê ter dinheiro. Ter que sacrificar às veiz a família, pra poder ter esse dinheiro. Eu acho que a natureza sai muito mais fácil pra nós do que nóis fazer pra ela. Porque nós não vamo agredi a natureza, e a natureza não agride nóis (José).

Grupo 4 – Casal

O casal Ílzia e Luiz não pôde ficar para participar do grupo focal. Aproveitei, então,

que iria entrevistá-los e perguntei a respeito do curso. Em resumo, a opinião do casal é a

seguinte:

• O que foi de bão é que a gente viu várias espécies, uma deferente da outra. [...] Pra quem não nunca foi, não sabe, vai dizer assim: “isso aí é um bando de louco,” vão olhar árvore, mato. Mas o poblema é que o cara não tá entendendo a espécie que tem ali dentro: uma árvore frutífera, uma árvore medicina né. A gente viu que tem várias espécies que a gente não conhece e através de um curso e em grupo a gente termina descobrindo que tem muita coisa importante que a gente não sabe tirá proveito. Se a gente não participa dum curso desse, termina até esperdiçando [desperdiçando] muitas coisa que poderia servir prum aproveito, um remédio ou mesmo até próprio um alimento, uma coisa assim. [...] Eu acho que tem que partir pra prática mesmo, fazê que nem nóis fomo lá olhar mesmo, ir pra prática mesmo.

Assentado Domingos

Este não é propriamente um grupo. Resolvi entrevistá-lo em particular porque, quando

o entrevistei individualmente antes do curso, ele tinha demonstrado dúvidas em relação à sua

participação no evento e mesmo sobre a viabilidade econômica da agrofloresta. Ele acreditava

que a agrofloresta servia somente para preservação da natureza. Além disso, ele vem de um

assentamento onde os agricultores estão extremamente vinculados ao fato do técnico visitar

sempre o lote, em atividades individuais (Sonho de Rose).

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O que percebi é que Domingos saiu plenamente convencido da viabilidade econômica

da agrofloresta e, como os outros assentados, animado com a prática e a troca de experiências.

• Pois olha, o curso aí eu to achando um curso muito especial, devido que ele

vai trazê uma renda sem agredi a natureza.

• É, curso foi a primeira vez que eu tô fazendo, que to acompanhando as pessoa de técnico, que tô avaliando a natureza.

• Ó, eu faria um plano assim: tem pontos que o pinos, algum pouquinho, ele gera renda, uma rendinha. Mas se envolvê só com o pinos não tem como, porque destrói mesmo a propriedade.

• É, eu acho que agora vai dá pra gente começá a mexê com o trabalho porque a gente chegou no conhecimento que os técnicos, as pessoa que tão lutando com esse trabalho abriram os olhos da gente, né. Que o agricultor, a gente que entrou no campo, assim, eu nunca tive uma propriedade. Fui agricultor mas nunca tive uma propriedade pra fazê aquilo que a gente sonha, né. Mas agora a gente chegou num ponto de ter a propriedade da gente e chegou a hora da gente acompanhar os conselho dos amigos que tão também organizando propriedade.

• Olha, eu grandes parte eu pude colhê [entender] né. Porque na parte do solo, na parte da árvore, no conhecimento das árvores - o que ela está fazendo ali, o que ela vai fazê – então este é um ponto pra gente descobri que ela [a técnica instrutora do curso] falou, ensinou a verdade. Porque a gente não ia tirá tempo de pesquisá que este capim, que esta árvore que ia fazer isso, aquilo e aquele outro. Mas eles tão estudando este ponto e trazem pra gente ir e verificar o caso, né. Daí a gente vai verificar e acaba descobrindo aquilo que a gente sonha de chegar lá, né.

• Olha, a gente é bom participá a discussão com as pessoas. É bom porque um porque tem uma idéia, outro tem outra idéia. Uns sabe de uma coisa, mas o outro não sabe, então vai trocando idéia, né. E daí quando eles vão lá na nossa área eles vão mostrá pra nós ali o que nós temos que deixá pra natureza pra conseguir preservar [...]. E a gente daí vai vivendo e aprendendo mais, né.

• [se saberia aplicar o que aprendeu em seu lote] Eu acho que já é um ponto de vista que a gente ganhou sabe. Acho que se eles [técnicos] não pudesse, se acontecesse de eles não podê ir a gente já ia tentar de chegar no ponto que a gente aprendeu, né? É fazê o que a gente viu, o que nos ensinaram, plantar aquilo que vai beneficiá, que vai trazer o alimento...

• [sobre as pessoas que falaram muito] Porque cada um tem um ritmo de segui e um ramo no jeito de trabalhar na propriedade. Então um jeito que um falou bastante outro falou menos, mas sabe que cada um tem um ritmo, então veio trazer o conhecimento da área dele.

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• Tem algumas coisas que às vezes engasga, né. A gente às veiz vai fazê uma pergunta, o companheiro outro ta falando, a gente vira pra falar e não falou e daí as coisa que fica engasgada, mas que com o tempo a gente vai conversando com os companheiros, vai discutindo com pessoas assim, com mais inteligência.

Mas, e os técnicos? Como avaliaram o trabalho realizado?

Técnicos após o curso

A proposta de trabalho era utilizar a metodologia aprendida em São Mateus do Sul

(evento b2) e construir o conhecimento junto com os assentados. O grupo deste curso foi

formado por assentados que já tinham uma certa experiência com agrofloresta e/ou estavam

interessados em implantar a experiência e seus lotes. Vou transcrever aqui alguns trechos da

entrevista, na seqüência em que foram falados:

• Em relação ao conteúdo, não foi o que a gente imaginou a princípio, o que a gente tinha imaginado para o público que tava lá, né. Porque a coisa foi acontecendo e foi tomando uma outra direção. Não que não aconteceu, que não foi bom né. O pessoal ajudou a conduzir. A gente foi sentindo. Por exemplo, as discussões: será que é interessante podar esta discussão em função de uma pauta ou será que é melhor deixar rolar que vai ser mais produtivo do que seguir a pauta. Então teve vários, vários momentos desses: deu uma fugidinha daquilo que tava planejado, mas acho que não fugiu aquilo que a gente queria, né (Olcimar).

• Eu também ficava angustiada: será que eu devo mudar as conversas? Mas acho que se o povo estava conversando sobre aquilo, não estava avançando, é porque de repente eles tinham mesmo a necessidade de conversar sobre aquilo, né. Aí eu fiquei até meio angustiada [porque a conversa não avançava conforme o previsto]. [...] Mas não sei, talvez também foi uma impressão só minha. Porque eu fiquei olhando pra fisionomia das pessoas e parecia que elas estavam prestando atenção, interessadas, participativas. E com relação à metodologia, a gente buscou uma metodologia mais participativa. E daí eu fiquei pensando se eu não tinha que ter feito assim uma metodologia que garantisse que as pessoas que falassem menos pudessem falar. Sei lá: divisão de grupos ou alguma coisa assim. Acho que a gente poderia estar melhor preparado (Sandra).

• Eu acredito também que a gente poderia se preparar melhor. Mas é o tipo de curso que você tem que saber lidar mais com o público do que com o conteúdo. Por que em grande parte do curso você teria que construir com eles, então [o maior desafio] seria como conseguir extrair isso deles. Acho que essa foi a grande dificuldade mesmo. [...] Eu acho que tecnicamente a gente não tava bem e também não tava bem com a dinâmica do grupo. Não vou dizer que a gente tava ruim, mas poderia ter sido melhor. [...] Tipo assim, a questão subjetiva, acho que a gente trabalhou pouco e isso é um fator importante quando você trabalha com um camponês. [...] Por exemplo, a apresentação deles, se você prestar atenção, fica muita coisa que você pode resgatar depois, como por exemplo a relação com a floresta, né. Porque é

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isso que vai fazer que mexa com a pessoa, que vai fazê com que ela lembre do passado e tal, e que se sensibilize com isso né. E a gente explorou pouco isso. Porque assim, você nota que quando você trabalha com o subjetivo junto com a técnica, você nota que as pessoas se rodeiam em uma certa mística, se empolgam em fazer e quando elas falam que vão fazer elas fazem porque estão acreditando mesmo, não é penas porque é bom, porque é lucrativo, né. [...]Acho que falta sensibilidade pra gente também, né. (Olcimar)

• Eu também concordo. Por exemplo: até a questão da ornamentação a gente pecou. Poderia ter havido um violão, poderia ter havido mas dinâmicas, né. Esta questão subjetiva eu concordo inteiramente. Eu acho que é importante ter o conhecimento do conteúdo técnico pra você fazer as perguntas certas, pra você ser um facilitador, né, mas não no sentido de você saber tudo e chegar lá e vomitar, entendeu? Então você tem que ter um certo domínio da questão técnica pra você fazer as perguntas certas e da melhor forma explorar que o conhecimento apareça ali do grupo. Claro que a gente também tem que aguçar cada vez mais nossa sensibilidade, conseguir fazer uma metodologia assim, meio ... “mais fazendo” (Sandra).

• Tipo o Seu Miguel25 que tava no meu grupo [de trabalho de campo na floresta], e é um senhor de bastante idade. É interessante a forma como ele entedeu aquilo e se sentia valorizado de tá repassado aquilo que ele sabia. Ele meio que sentia um orgulho de dizer: “ah eu conheço esse aqui, esse aqui serve pra tal”. E os outros agricultor também. Toda uma história, toda uma troca de experiências. Não era uma tarefa que eles estavam cumprindo por cumprir. Então, assim, eles estavam gostando daquilo que eles estavam fazendo, né (Olcimar).

• [sobre que outros materiais eles acreditam que seria interessante ter utilizado no curso] A imagem, vídeo... Materiais mais didáticos mesmo, que você pudesse envolver, fazer trabalho de grupo. Coisas simples que às vezes a gente não conseguiu. [...] Às vezes a coisa está nas pequenas coisas, talvez não data show, mas fotos, até desenho às vezes, né (Olcimar).

• Por exemplo, sucessão vegetal. Eu sou péssima de desenho, e o que eu poderia ter sido feito? Com antecedência, com tempo, ter preparado certinho um desenho de sucessão, entendeu? Claro que meu desenho ia ser esquemático, não ia estar todas as espécies, mas assim poderia ser um desenho esquemático que ia ajudar um monte, né. E não tinha. [...] Um exemplo que me ocorreu agora de material impresso que poderia ajudar: imagine um painel de fotos com os trabalhos históricos ali da floresta do Seu Anísio. Ia empolgar um monte. Imagine fotos de quando o Seu Anísio começou. E acho que isso ia estimular, ia dar pra visualizar... (Sandra).

Interessante notar que os técnicos tiveram uma boa noção a respeito das deixas

simbólicas ocorridas durante o curso: o assentado que falava demais, como fazer os mais

quietos participarem, aproveitar a conhecimento prático, utilizar algumas ferramentas de

comunicação, entre outras.

25 Seu Miguel saiu antes do fim do curso e não participou do grupo focal.

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Outras observações feitas durante o curso

Embora os técnicos tenham feito um grande esforço para que o grupo “construísse

junto” o conhecimento, não foi bem isso o que aconteceu. Apesar de os assentados deixarem

claro que entenderam o recado e gostaram do curso, ele ainda foi mais monológico do que

dialógico. Monológico tanto por parte dos técnicos quanto de dois assentados, que detinham

mais conhecimento e monopolizavam a fala. Naturalmente isso ainda não afetou o trabalho

dos técnicos, já que o grupo ainda está se formando e muitos assentados não estão

acostumados com a construção coletiva do conhecimento. A dinâmica inicial, por exemplo,

onde cada um falava sua história de vida e relação com a floresta, teve a participação de

todos, mas a abertura e a reflexão de fechamento ficou por conta da técnica, quando poderia

ter tido mais o protagonismo dos assentados. A dinâmica ficou meio que imposta.

O uso de dinâmicas é extremamente válido como aquecimento, apresentação e

reflexão de conteúdos etc, mas deve ser bem pensado e conduzido, para não cair no vazio. Em

outra dinâmica, por exemplo, a orientação dada foi errada e a atividade não teve êxito. Desta

forma, mais atrapalha do que ajuda. A dinâmica consistia no seguinte: cada assentado recebeu

uma marca de tinta guache na testa - alguns azul, outros vermelho e outros verde. Cada um

não sabia qual era a sua cor e o objetivo era formar grupos com as pessoas que tivessem a

marca da mesma cor. O detalhe que foi esquecido por quem conduziu a dinâmica é que as

pessoas não poderiam falar durante a atividade. Desta forma, teriam que arrumar uma forma

de cumprir a tarefa e isso se daria com um ajudando o outro, apontando a qual grupo ele

deveria fazer parte. O fato de ter esquecido “o detalhe” de que não era possível falar durante a

dinâmica fez com que todos falassem e rapidamente encontrassem seu grupo, não podendo

depois refletir sobre “como um pode ajudar o outro em situações difíceis”.

Yozo (1996, p.17), define ‘jogos dramáticos’ como uma “atividade que permite avaliar

e desenvolver o grau de espontaneidade e criatividade do indivíduo, através de suas

características, estados de ânimo e/ou emoções na obtenção e resolução de conflitos ligados

aos objetivos propostos”. Trago esta definição por ser totalmente aplicável a dinâmicas de

grupo, mas ampliando para situações de aprendizagem, conhecimento, que é o caso analisado.

As dinâmicas ajudam a “quebrar o clima” de frieza e silêncio no início de um evento, a fazer

as pessoas se conhecerem e até mesmo fornecer elementos de trabalho para quem está

assessorando o evento. No decorrer, as dinâmicas também podem ser aplicadas para auxiliar

na fixação de conteúdos, na descoberta de saberes próprios e na resolução de problemas. O

lúdico, principal artifício das dinâmicas, permite uma abertura das pessoas para a

participação. Tida por muitos como “brincadeirinhas”, as dinâmicas se revelam excelentes

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instrumentos de participação, que poderiam muito bem ser melhor utilizadas junto aos

assentados. Mas, para isso, os técnicos precisam estar preparados, escolher as que melhor se

adaptam ao seu público e saber conduzir, para não criar uma expectativa que não será

cumprida.

Outros fatores importantes são a clareza no que se fala e a seqüência das informações e

do próprio evento. Para este público, a linearidade no raciocínio é fundamental e algumas

vezes, principalmente no começo do evento, a técnica ia e voltava, sem demonstrar clareza no

que seria feito naquele momento. Por exemplo: ela começava a falar como seria a atividade a

seguir e não terminava o raciocínio, então entrava em uma explicação teórica e voltava a

tentar explicar a atividade. Isso voltou a se repetir quando seriam dadas as orientações para o

trabalho de campo. Não houve clareza na linguagem sobre o que deveria ser feito, anotado e

levado para a discussão em grupo. Então cada grupo fez de uma forma e isso, de certa

maneira, atrapalhou a conclusão da atividade.

Embora a idéia de construir coletivamente seja fundamental, os assessores dos cursos

devem ter claro o que é realmente este construir junto. Nada impede que o que for menor, ou

mesmo facilitador do processo, seja já trazido pronto para o evento. Segundo Thompson

(2004, p.101),

'apropriar' é 'tornar próprio' algo que é alheio ou estranho; é encontrar um meio de se relacionar com ele e de incorporá-lo na própria vida. Assim fazendo, os indivíduos se valem dos próprios conhecimentos, de suas habilidades adquiridas e dos recursos que lhe são disponíveis. Estes atributos sociais são elementos substantivos no processo de apropriação que começa com uma recepção inicial das mensagens da mídia, mas se estende muito além dela, envolvendo outros contextos, outros indivíduos, outras mensagens entrelaçadas com aquelas inicialmente recebidas.

Para isso, as ações de comunicação devem estar calcadas em um planejamento prévio

e consciente de todas as possibilidades. Para os técnicos que conduziram este curso, um tabu

foi quebrado: o de que dinâmicas de grupo não funcionavam com os assentados. Diversas

dinâmicas foram utilizadas e com boa aceitação. Outros instrumentos poderiam ter sido

utilizados, como a dramatização/teatro, desenhos/pinturas, cartazes, fotografias e até mesmo

papéis já previamente preparados com instruções para as atividades. Nunca perdendo o foco

no público com o qual se está trabalhando, pois “SAFs são um conhecimento que se constrói

em conjunto, e portanto a participação é fundamental no processo de implantação e

receptividade desta corrente agroecológica” (BOLFE, SIQUEIRA, BOLFE, 2004, p.17)

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Os materiais de comunicação

Dentre desta categoria de macro comunicação encontram-se também os materiais de

comunicação produzidos como apoio às ações. Folder, vídeo, cartilha, folheto, manual... ou

seja, instrumentos que podem tanto ajudar a fixar conteúdos quanto sensibilizar, mobilizar. E

também outras práticas que não são tão usuais, como as dinâmicas de grupo (já citadas

anteriormente), cartazes, teatro, flanelógrafo, entre outros.

Segundo Berlo (2003, p.1), “os cenógrafos e os redatores publicitários usam a cor, o

tamanho e a distância como sinais de comunicação. Enfim, tudo aquilo a que as pessoas

possam atribuir significações pode ser e é usado em comunicação”. Se isso acontece na

publicidade, porque não também na comunicação popular? Peruzzo (1998, p. 149) aponta

algumas limitações da comunicação popular: a) abrangência reduzida; b) inadequação dos

meios; c) uso restrito dos veículos; d) pouca variedade; e) falta de competência técnica; f)

conteúdo mal explorado; g) instrumentalização; h) carência de recursos financeiros; i) uso

emergencial; j) ingerência políticas e k) participação desigual. Isso é confirmado pelo que

acompanhei na pesquisa de campo, especialmente nos itens b, c, d, f, h, k, que analiso a

seguir.

Em relação à inadequação dos meios, retomo aqui a citação de Peruzzo (1998, p.149)

já abordada no Capítulo III: “é comum a utilização de algum tipo de veículo sem maiores

preocupação com seu público-alvo”. Nesse sentido, a forma que se escolhe para repassar a

informação pode ser um fator determinante para seu sucesso. Durante a pesquisa de campo

pude comprovar isso na prática: foi criado um folder para divulgação das atividades do

projeto Colméia. O folder era direcionado aos próprios assentados e o objetivo era que

conhecessem melhor o projeto e o que seria feito. Na diagramação, optou-se por uma forma

diferente de dobra no folder (Anexo 6a – Folderes Projeto Colméia). Quem preparou o

material e os próprios técnicos acharam bastante inovador, diferente, bonito. Resolveram,

então, mostrar a um assentado. O mesmo pegou o material, tentou abrir de diversas formas e

não conseguiu encontrar a linha condutora das informações. Ou seja, para a sua realidade, o

folder não apresentava as informações de forma direta, que facilitasse o entendimento. E,

realmente, bastou olhar o folder com os olhos do assentado para perceber que o material não

poderia sair daquela forma: com uma dobra diferente, que não possibilitava uma leitura linear

da informação. Para pessoas com pouca instrução, a informação tem que ser a mais clara e

direta possível. A nova diagramação trouxe a dobra tradicional de folder: uma única dobra no

meio da folha (Anexo 6b – Folderes Projeto Colméia).

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A escolha da ferramenta de comunicação para transmitir uma informação também é

determinante para seu sucesso. Novamente, colocar-se no lugar do público é a chave. Um

comunicado é melhor ser feito por contato pessoal, entrega de folheto ou uma reunião? E o

repasse de uma informação técnica? Deve ser analisado se necessita de um contato pessoal,

como um curso, por exemplo, ou se um folder, manual ou cartilha suprem esta necessidade.

Isso tem a ver com a pouca variedade apontada por Peruzzo (1998, p.150), quando os

movimentos sociais acabam se fechando em somente um tipo de veículo de comunicação e

esquecem-se que podem ser complementares.

Muitas vezes, na pressa de redigir um projeto para captação de recursos, os técnicos

não refletem sobre que tipos de materiais de comunicação serão necessários para a realização

e cumprimento dos objetivos do projeto. Eles têm um conteúdo a repassar, mas muitas vezes

se equivocam na forma. Isso demonstra a instrumentalização da comunicação: a comunicação

como um fim em si mesma e não como processo. Ou seja, que sentido de mobilização posso

passar com que veículo? Que formatos diferentes posso ter para privilegiar a capacitação e a

efetiva troca de informações? Como “construo a comunicação” a partir dos anseios dos

assentados? Além disso, percebe-se que, nos projetos, os recursos para ações de comunicação

são fruto desta falta de reflexão sobre o uso dos meios e acabam sub-mensurados.

Nesta questão do uso restrito dos veículos, existe uma questão política muito forte. Por

se tratar de um pequeno município no interior do estado, Bituruna não conta com grandes

veículos de comunicação. Os veículos existentes no próprio município são ligados, na prática,

a políticos da região. As rádios também entram nesse esquema e não existem rádios

comunitárias que pudessem quebrar este monopólio. O rádio, que poderia ser um veículo

bastante utilizado, impõe barreiras à divulgação de informações aos assentados, até mesmo

cobrando pela divulgação de informes de reuniões, cursos e demais atividades. Ainda em

relação ao uso restrito dos veículos, percebi que, para os assentados, o visual conta bastante, a

ponto de preferirem assistir a um vídeo do que ler um livro. Eles têm consciência de que estes

materiais são importantes, mas que precisam estar de acordo com a sua realidade, onde muitos

são analfabetos ou semi-analfabetos, não possuem energia elétrica em casa entre outros.

Merece atenção especial também o item “k) participação desigual”. Conforme Peruzzo

(1998, p.154) “na maioria das práticas brasileiras de comunicação popular, a produção de

mensagens, o planejamento e a gestão dos meios se centralizam em poucas mãos. (...) Nesse

caso, a comunicação passa a ser tratada como atividade-fim [mais uma vez], perdendo sua

potencialidade de atividade-meio com função político-educativa para o conjunto das pessoas”.

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O item “f) conteúdo mal explorado” merece uma atenção a parte. Peruzzo (1998, p.

151) ressalta que os veículos de comunicação popular têm sido sérios demais e tem muito

mais a função de “conscientizar” a qualquer custo, doutrinar. Como em Bituruna quase não

existem veículos próprios e sim aqueles repassados por outras instâncias do MST (que estão

citados em “Comunicação de massa”, adiante), constato que, realmente, a seriedade e a

conscientização são muito explorados em detrimento de algo que produza sentido para os

assentados de Bituruna. Os poucos instrumentos próprios (folderes, folhetos, cartilha) trazem

uma carga pesada de ideologia em seus textos.

Certamente a ideologia faz parte, como afirma Bakhtin (1986, p.95): “a palavra está

sempre carregada de um conteúdo ou se um sentido ideológico ou vivencial”. Mas percebo

que, como comentado diversas vezes, a desmobilização pós-assentamento mostra que só a

política não vai mobilizar os agora assentados. Qual é o novo horizonte que buscam? Qual o

seu sentido compartilhado agora? A produção de materiais de comunicação agora deve estar

centrada nisso, senão corre o risco de “falar para o vazio”. Que novo imaginário pode a

comunicação ajudar a reforçar? Para mim está claro que é o imaginário do desenvolvimento

sustentável, como já demonstrado com outras palavras pelos assentados nos depoimentos no

início deste capítulo. Qual ação deve coletivizar? Os exemplos de sucesso de práticas de

desenvolvimento sustentável, que podem ser adotadas por aqueles que entendem ser esta idéia

válida. Para Thompson (2004, p.103),

a ação responsiva dos receptores pode ser guiada pela mensagem, mas não pode ser controlada ou determinada por ela, precisamente porque ela não faz parte de uma interação recíproca com produtores, mas pertence a um novo conjunto de ações em que há uma grande variedade de possibilidades, expectativas e prioridades articuladas para apoiar as mensagens recebidas.

Isso quer dizer: quem pode garantir que o assentado vai fazer o que a cartilha, o

manual, o vídeo orientam? Existem realmente muitas variáveis que vão determinar esta

adoção, mas um material bem elaborado, com a linguagem correta, uma diagramação atraente

ao seu nível de percepção certamente terá mais sucesso. É um pouco do que afirma Barthes

(1988, p.17) ao analisar o discurso científico e afirmar que a ciência necessita, com urgência,

retomar uma característica muito importante: o prazer, no sentido de gosto pelas formas de

repassar seus conteúdos.

Ao trabalhar com materiais escritos, por exemplo, onde existe muito espaço para

incerteza nas deixas simbólicas, é necessária uma atenção maior, pois

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nem a entonação, nem o gesto, nem a pausa aparecem na linguagem escrita e a separação de parágrafos, os espaços, os sinais de pontuação não garantem completamente a possibilidade de compreensão do sentido interno do texto. Por isso, naturalmente, o processo de compreensão do subtexto ou do sentido, que se oculta atrás do texto escrito, tem aqui um caráter mais complexo e exige um trabalho autônomo ativo por parte do sujeito (LURIA, 2001, p.198).

A linguagem, então, deve ser trabalhada ativamente e em sintonia com o público alvo

para reduzir estas incertezas, pois “o sujeito que não possui uma grande experiência de leitura

apóia-se no início nos grifos, parágrafos, espaços, etc., para compreender o texto” (LURIA,

2001, p.191).

E isso não somente em veículos impressos. Segundo Maingueneau (2001), existem os

enunciados dependentes e os independentes do ambiente. Os dependentes são aqueles onde o

co-enunciador pode, a qualquer momento, intervir na enunciação em curso: pode agir,

participar, pode expressar apoio ou desacordo ao enunciador. Os independentes do ambiente

não partilham o ambiente com o co-enunciador. Por isso, os materiais devem ser muito bem

preparados para que tenham clareza em seus enunciados, pois “estreitando as possibilidades

de deixas simbólicas, os indivíduos têm que se valer de seus próprios recursos para interpretar

as mensagens transmitidas” (THOMPSON, 2004, p. 79).

Observei que os assentados têm uma certa resistência a materiais impressos. Aqueles

que gostavam, me mostraram cartilhas e manuais recebidos em cursos. Deste materiais,

percebi que os que eles mais ressaltavam eram aqueles que aliavam conteúdo de interesse

com uma diagramação clara, limpa, com figuras ilustrativas. Os materiais com uma

diagramação mais densa (letras pequenas, poucos espaços em branco, pouca ilustração) eram

deixados de lado, mesmo que tivessem assunto de interesse. Já a materiais audiovisuais

conferem uma certa credibilidade, embora admitam que só ele não fornece uma capacitação

completa.

Em suma, as ferramentas de comunicação, sejam quais forem, devem estar a serviço

de algo muito maior: criar sentido, mobilizar, mas substancialmente em sintonia com o

público ao qual se dirigem. Como, então, os assentados analisam estes instrumentos? Aqui,

apresento algumas sugestões sobre livros, cartilhas e vídeos, que são os materiais com os

quais estão mais habituados, a partir de seus próprios depoimentos.

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Material impresso • Quanto mais material didático tiver mais a gente tem oportunidade de

conhecimento, né. Não sei assim fazer uma avaliação se é pouco ou muito, mas eu acho que é uma coisa boa, material didático precisa, tem que ter (Anísio).

• Eu acho que vale a pena esse material, porque muitas coisas que você fez lá no curso você pode até ter esquecido algum detalhe, mas ali no livro você vai achar (Ílzia).

• O livro ajuda. Tem, de repente, a hora que você vai fazer qualquer coisa dum curso que você fez e vai fazer na prática: você pode tê esquecido alguma coisa, mas se você conferir uma cartilha, um livro, você liga [lembra] (Luiz).

• Melhor lê né. Aqui no livro ensina melhor do que o rádio e a televisão. [se comparar livro e visita de técnico:] um técnico, né. Porque o técnico mostra e explica como que é e daí no livro a gente só lê, né?! (Fátima).

• Se entrega muito papel, nós não vamo lê mesmo. Eu mesmo tenho dificuldade pra ler. Porque o maior tempo é pra gente trabalhar nas lavoura e de noite não tem luz. A gente não consegue ler então. [...] O pessoal aqui não tem muito o costume de ler, pouca gente tem o costume de ler então. [Mas, quando precisa:] Tem uma caixa ali cheia de livro, então quando eu to com dificuldade eu corro ali e pego um livro daquele (Getúlio).

• Essa letra aqui eu consigo ler, mesmo com dificuldade. Mas essa aqui eu não consigo lê essas letrinha muito miudinha. Essa aqui já me atrapalha, mas essa letra aqui daí eu enxergo. [...] Acho que com desenho também ajuda, ajuda a mostra (Getúlio).

Vídeo

• O vídeo ele serve pra quem entende um pouco: ele termina vendo onde que pode melhora. Agora praquele que é meio duvidoso, não aprende nada só assistindo o vídeo (Luiz).

• [quando perguntado sobre a eficácia de um vídeo contando experiências de sucesso com agrofloresta] Magine! Eu acho assim que se aqui na nossa comunidade fosse passá um vídeo da agrofloresta, e a gente já tem o conhecimento na prática, a gente consegue convencê essas pessoa. O vídeo mostra, tem a pergunta, a gente complementa com aquilo que sabe que viu na prática (Luiz).

• Katia: E se numa dessas reuniões da comunidade a gente levasse um vídeo mostrando a agrofloresta, e eles vissem o caso de sucesso do seu Anísio, o senhor acha que ajudava a convencer? Domigos: Acho que ajuda porque daí eles verem né... Katia: São que nem São Tomé, então? Domingos: É verdade...

• Katia: Mas um vídeo ensinando como é que faz ou um vídeo das pessoas falando o que acontece nas propriedades delas? Bromilde: Eu acho que é o que acontece lá, tanto ensinando como pondo os exemplos.

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• Acho que o técnico no meio do mato é mais importante, porque ele incentiva

[explica] até a distância de planta, mostra é assim que tem que fazer, a fundura da cova e tal. E pela televisão eles amostra mais ou menos mas eles não vão lá vê o tipo do chão e o técnico vai ver, né (Domingos).

• Eu gosto muito do vídeo, porque você fica ai concentrado e você aprende muito, e fica ai pra observar mesmo, né (Anísio).

A visão dos técnicos

Embora não consigam sempre aplicá-la na prática, a visão dos técnicos sobre as

ferramentas de comunicação vai muito ao encontro tanto dos anseios dos assentados quanto o

que apregoa a teoria. Parece-me que isso confirma Wurman (2003, p.88), para quem “o

mundo todo está funcionando à base de informação, percepção e síntese de informação.

Freqüentemente, a estrutura é inadequada à forma. Contudo, aceitamos as formas como

imutáveis; somos intimidados por elas e nos culpamos por não compreendê-las”. Existe a

vontade de fazer diferente, mas não se consegue colocar em prática.

Jucélio: preocupação com a didática • [sobre materiais impressos para os assentados]

Eu acho que isso é importante, porém tem muitas vezes não surte muito efeito, sabe?! Não surte muito resultado porque o agricultor infelizmente não tem aquela cultura de ler, ou pelo próprio trabalho dele que é um trabalho forçado, cansativo, pesado Chega numa hora que ele se preocupa em descansar ou coisa assim e ele não tem muito esse hábito de leitura. Então eu acho que isso é importante numa forma didática e que desperte o interesse dele.

• [sobre o tipo de material] Eu acho que um livrão seria o melhor. Porque dentro da propriedade geralmente as coisas não são bem organizadas. Aí ficha, folder, cartilha ou coisa assim que seja muito pequena talvez ela venha a ser consultada uma vez só e acaba se perdendo porque às vezes ficou lá em cima da mesa aí vai varrer o chão e joga fora. Isso acontece muito. Eu vejo porque inclusive eu levei material daqui pra estudar lá na casa e a mãe tava fazendo faxina e acabou indo pro lixo e eu tive que buscar no lixo.

Olcimar: “material pro agricultor é fundamental” • [sobre materiais impressos para os assentados]

E diria que são ferramentas que contribuem muito, principalmente a imagem. Num curso, por exemplo, o pessoal gosta muito de imagem, porque ele consegue se identificar muito com aquilo que ele tá vendo. [...] O folder e alguns outros materiais ele tem alguns limites, porque nosso público tem às vezes dificuldade de leitura. Se não é um texto apropriado, ele tem dificuldade de compreensão, né?! Então se você fala em termos muito técnicos num material desse ele vai acabar não compreendendo, que pra gente às vezes parece uma linguagem simples mas pra ele não.

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• [sobre a validade de material impresso para os assentados]

Vale a pena, desde que seja uma linguagem acessível a eles. [...] Material pro agricultor é fundamental.

Sandra: “se não há comunicação, não há nada”

• [fala sobre a validade de material impresso mas critica o formato de um dos livros] Porque ele é muito grande, é cento e poucas folhas da cartilha. Só que se você pegar os capítulos daí é legal, tem uma linguagem bem legal, bem adaptada mesmo pra realidade do agricultor, tem desenho, ta bem legal. Só que desanima ele pegar a cartilha inteira porque ali tem sobre solos, adubo verde pó de rocha, fruticultura, as causas, tem sobre tudo. Daí a gente na hora de divulgar, a gente fala que não é pra devorar, mas quando você tá precisando de uma certa coisa você consulta aquele capitulo né.

• Vídeo vai bem dependendo do conteúdo. [...] Eu acho que conteúdos práticos, conteúdos que tem agricultores expondo, de experiências.

• [validade de vídeos que ensinam a fazer] Eu acho que até vale, mas se tiver a possibilidade de fazer ao vivo é melhor ainda do que o vídeo. [...]Mas eu acho que o vídeo válido é principalmente aquele de mostra experiência, é vídeo de estimular [...] de mostrar um pouco de como é que faz mas mostra os agricultores dando depoimento de que tão felizes, de que mudou a sua vida, de que tão estimulados nas atividade.

• [importância da comunicação] Eu acho que se não há comunicação não há nada na verdade. É fundamental porque senão todo mundo se engana. Porque se o técnico, por mais que ele trabalhe todos os dias, levante de manhã cedo e vá dormir bem dormir tarde e cansado, trabalhou, trabalhou, trabalhou, mas se ele não se comunicou, ele perdeu tudo, né?! E não adianta o assentado ir em todas as reuniões e participar de tudo, se ele não compreendeu, se não faz sentido pra ele tudo que ele ouviu. Ele não vai aplicar e se perdeu.

• [sobre se entregar material impresso nas visitas ajudaria] Ajudaria. Às vezes você convida pra uma atividade e a pessoa não vai. Só que às vezes você distribui um folder, a pessoa pega e daí às vezes em um momento mais dela, lá na casa dela, ela folheia aquele folder, talvez dá o clique assim.

Talles: informação visual

• Depende do material, da maneira que ele foi elaborado, depende pra que ele é usado. Às vezes pode ser uma cartilha super bem feita, de fácil compreensão, um visual bom. Mas se for só distribuído no finalzinho [do evento] eles vão pegar, vão levar pra casa e talvez nem abram. Então tem que ter esse exercício: “ó pessoal, essa aqui é uma cartilha disso, vamo abri, quem pode lê um pedacinho...”. Um material que pode ser usado ali no próprio espaço de formação.

• Vídeo vai muito bem com eles. (...) A questão da informação visual é muito forte.

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3.3) Comunicação de massa

Seguindo a lógica dos anéis da informação de Wurman (2003, p.48), temos que “o

quarto anel é o da informação noticiosa. Ela abrange os eventos da atualidade – a informação

transmitida pela mídia sobre pessoas, lugares e acontecimentos que talvez não afetem

diretamente a nossa vida, mas podem influenciar nossa visão de mundo”. Para Thompson

(2004), a comunicação de massa é chamada de quase-interação mediada:

Em primeiro lugar, os participantes de uma interação face a face ou de uma interação mediada são orientados para outros específicos, para quem eles produzem ações, afirmações, etc.; mas no caso da quase-interação mediada, as formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de receptores potenciais. Em segundo lugar, enquanto a interação face a face e a interação mediada são dialógicas, a quase-interação mediada é monológica, isto é, o fluxo da comunicação é predominantemente de sentido único (THOMPSON, 2004, p. 79).

Durante a pesquisa, percebi que os meios de comunicação de massa são muito pouco

utilizados para a mobilização dos assentados em Bituruna. Na verdade, por fazerem parte de

grandes estruturas que exigem recursos financeiros (mesmo as rádios comunitárias), torna-se

inviável seu uso de forma direta. Os veículos, então, não têm sido utilizados para legitimar as

ações. Os veículos de massa do próprio MST, como o “Jornal do MST” e o programa de rádio

“Vozes da Terra” são praticamente ignorados pelos assentados entrevistados. E os poucos que

conhecem sabem que no Jornal do MST são encontradas mais informações a respeito de

questões políticas. Não que isso não seja válido. Mas como já observado anteriormente, a

tendência do assentado é se desmobilizar, perder o interesse pela questão política: já

conquistaram a terra. A saída, acredito eu, seria partir de um ponto diferente para novamente

conseguir mobilizar este público, que seria o desenvolvimento sustentável. Os veículos de

comunicação poderiam, então, ter esse papel legitimador e mobilizador.

Ao acompanhar a experiência da Pastoral da Criança26, por exemplo, tive a

oportunidade de comprovar que o “Jornal da Pastoral da Criança” era um veículo de

mobilização não só porque trazia notícias, mas também porque era uma oportunidade de troca

de informações e de conhecer o que comunidades no Brasil inteiro faziam. A sessão

“Comunidades” traz relatos, feitos pelas próprias líderes, sobre as atividades que acontecem

onde atuam. Além de legitimar as ações, as líderes podem se espelhar no que acontece em

outras regiões e realizá-las em seu local de atuação. Ou seja, sentem-se mobilizadas pela troca

de informações. Imagino que algo parecido e adaptado à realidade cultural dos assentados

26 Trabalhei na coordenação nacional da instituição de 1997 a 1999.

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poderia ser feito, com uma ampla troca de informações em todo o País sobre práticas de

sucesso nos assentamentos. Isso auxiliaria no resgate da positividade cultural: ou seja,

começar a pautar informações positivas, de sucesso, em contraposição à negatividade presente

nos grandes meios de comunicação.

Nas entrevistas, ficou claro também que os grandes meios não pautam nem legitimam

a atuação dos assentados. Se formos considerar os tradicionais: TV, rádio e jornal, temos a

seguinte situação:

Televisão

Cerca de 50% dos assentados de Bituruna não possuíam energia elétrica até meados de

2006. Parte das famílias do assentamento Rondom III, por exemplo, há cerca de 12 anos

bancaram a instalação de energia elétrica (postes, fios etc etc). Segundo Anísio, “a gente

decidiu que a luz era uma coisa boa pra comunidade e que pra gente desenvolver a

comunidade precisava da energia e tacamos a cara e fizemos as contas. [...] Não tem como

você desenvolver uma propriedade sem energia elétrica, fica muito difícil, né”.

Já no Sonho de Rose somente os fios chegaram na época das entrevistas

(outubro/2006). O programa “Luz para Todos”, do governo federal, está sendo implantado e

tem gerado muita expectativa no assentamento27. Segundo Getúlio, “a luz é tudo na casa da

gente, né!”. Domingos vislumbra a diferença que a energia elétrica vai fazer no seu lote:

• Ah mais aí muda muita coisa: a tê [ter] saúde, a parte de alimento. Porque ocê vê: pode guardar uma fruta, pode guardar ovos. Não estraga né. Uma parte de alimento que sobre pode guardar ali, não vai joga. Uma água já vai mudar o sistema, em tempo de calor já vai tomar uma água mais fresca, uma água mais boa ne. E daí a parte do banheiro muda a saúde da população, da turma, que por enquanto a gente é criado no mato tipo índio, por enquanto ta meio complicado mas vai mudar muito.

Mas se engana quem pensa que a televisão será a protagonista deste “acender as

luzes”. Ela ainda não faz parte das necessidades básicas dos assentados e eles não estão

dispostos a investir inicialmente na compra de uma TV. Quando perguntei aos “sem luz” o

que eles fariam quando chegasse a energia elétrica, as primeiras respostas eram geladeira e

bomba para fazer a água chegar até suas casas (alguns deles precisam buscar água em fontes

com baldes).

27 Na época da pesquisa, a luz ainda não havia sido ligada. Informações de maio/2007 dão conta que já foi ligada na maioria dos assentamentos, faltando alguns poucos lotes.

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De qualquer modo, os assentados (mesmo os “sem luz”) acabam tendo contato com a

televisão na casa de vizinhos de outros assentamentos. Nestes locais, onde há televisão, ela é

utilizada como fonte de informação e lazer. Perguntados de assistiam a programas com

notícias do campo, como Globo Rural e Canal Rural, por exemplo, responderam:

• Só sigo mais assim por televisão o Globo Rural e alguns outros programas bons que tem na televisão. Nem tudo que tá no Globo Rural serve pra nós das pequenas propriedades. Às vezes passam matérias de fazendeiros mas às vezes pegam alguns programas que são de pequenas famílias (Anísio).

• Ontem eu assisti um programa [Globo Rural] importante sobre criação de ovelha, como que eles fazem a tosquilha, como que eles fazem o preparo da lã. Então achei importante porque mais tarde eu pretendo ter uma criação de ovelha na minha propriedade. [...] [no domingo] Faço questão [de assistir ao Globo Rural]. [sobre se o Globo Rural atende ao pequeno produtor] Olha, de vez em quando. Na maioria é pro grande produtor então tem coisas lá que é ilusão que o pequeno agricultor assista lá e acha que ele consegue, mas na verdade não é pra ele (Félix).

• Eles [Globo Rural] passam muita coisa pros grandes, precisava passar mais coisas pra pequeno também (Bromilde).

Percebi que a vida segue normalmente, sem a presença da televisão, o que é

impensável nos centros urbanos. Mas, o mais importante: os programas que existem dão

pouca atenção aos pequenos produtores, constatação feita por eles mesmos. Não é objetivo

desta pesquisa analisar os programas voltados aos pequenos produtores mas, como mostrado

na macro comunicação, o reforço da teoria por meio da imagem é importante para este

público.

Rádio

O rádio é considerado por excelência o veículo do meio rural, tanto por sua

portabilidade quanto por sua popularidade e até mesmo a facilidade de compra. Poderia,

então, ser bastante utilizado no contato entre técnicos e assentados, uma vez que as longas

distâncias a serem percorridas, a falta de recursos para combustível e a ausência de telefones

nos lotes muitas vezes impedem a ida dos técnicos aos assentamentos.

No entanto, não é isso o que ocorre em Bituruna. Quando utilizado, o espaço nas

rádios da região é pago (R$ 12,00 por aviso – um valor muito alto tendo em conta a realidade

local). Ou seja, um grande veículo de massa que poderia estar cumprindo sua função de

coletivização da ação, por exemplo, está relegado. Não por falta de vontade, mas porque no

interior a política fala mais alto.

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De qualquer forma, mesmo com alguns fatos alheios a esta situação, os assentados

atribuem ao rádio um papel importante em suas vidas. Não são todos os que o carregam

consigo diariamente, mas a hora de escutar notícias é sagrada. A Voz do Brasil, por exemplo,

já citada anteriormente, é apontada pelo técnico Talles como uma influência em seu trabalho:

“sabe o que influencia muito nosso trabalho? A Voz do Brasil. Porque aparece o Lula falando

do Pronaf Mulher, do Pronaf Jovem, que tem tantos milhões... aí chove assentado: ‘ah, eu

quero saber, deu na Voz do Brasil ontem’”. Ou seja, “A Voz do Brasil” tão criticada no meio

urbano, tem sim influência e importância no meio rural. E o que os assentados pensam sobre o

rádio? Algumas de suas observações:

• Depende do programa, porque a nossa rádio aqui tem alguns que é um

vexame, né, só politiquera!! [...] Eu acho que a rádio tendo um programa educativo, no sentido de educar a pessoa no lado social, no lado organizativo, eu acho tranqüilo. Acho que todo mundo nem tudo consegue por na prática, mas pelo menos a gente escuta alguma coisa. Então a gente vê algumas rádios tocando programa educativo e o pessoal gosta de escutar, porque é um programa sadio, um programa que o pessoal sempre tira de bom alguma coisa. Mesmo que ele não faça isso na hora, mas ficou gravado na idéia dele e daqui a dois, três anos às vezes ele vai lembrar aquilo que o cara do rádio falou (Anísio).

• Félix: A gente sempre escuta o programa ali do Aires que ele é dali de Porto União. [...] Ele sempre orienta os dias pra plantação. Até agora a gente conseguiu uma revista lá com ele que tem o calendário agrícola. Katia: O senhor acha que ajuda? Os agricultores escutam esse tipo de programa? O Senhor acha que ajuda no dia-a-dia da lavoura? Félix: Eu acho que ajuda, só que o pessoal não põe muito em prática, né, não leva muito a sério a maioria.

• Eu acho que vale. Tem aí uns programa na Rádio Colméia que tem todos os domingo de manhã e sempre o pessoal escuta. Eu mesmo gosto de escutar aquele programa. [...] Eu gosto de escutar os de informação boa naquele programa na Rádio Colméia e se eles tivessem um programa assim do MST, por exemplo, e divulgá num horário lá na radio que é um programa de divulgação do MST, seria bão. Só que por enquanto a gente não tem uma radio aí, as rádio aí são tudo dos político que são contra a gente ainda. [...] É um bom jeito. Todo mundo gosta de rádio, todo mundo tem o seu radinho. Chega hora de um horário de aviso e o pessoal tão tudo ligado (Getúlio).

• [se escutaria um programa com dicas de trabalho na terra] Escutaríamos com certeza, porque tem um programa ali que é a hora paroquial de segunda-feira que eu não perco (Bromilde).

• Tem inclusive um programa na rádio Colméia que eu gosto muito de escutar, um programa no horário paroquial. É um padre que faz e daí ele passa desde um adubo que você queira fazer, ecológico, que é pra você plantar tal verdura, que tipo de adubo, que que cê vai usar pra combater aquela praga que vai lá. A gente escuta e anota até as receita tudo (Ílzia).

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• Katia: E o rádio: fica só em casa ou o senhor leva pra roça junto? Celestino: Ah, na roça só o que canta é a foice e a enxada, né (Celestino).

Jornal

Já o jornal impresso é pouco comentado pelos assentados. Como já observado

anteriormente, os dois jornais existentes no município são utilizados pelas forças políticas

locais e abrem quase nenhum espaço para cobertura dos assentamentos, que só aparecem,

quando muito, quando são motivo de alguma disputa política.

Os comentários mais expressivos feitos pelos assentados foram:

• [sobre o papel educativo do jornal] Se você pega um jornal bom sim, tem matérias boas, agora você pega um jornal da mídia, o que que vai educar no quê? (Anísio)

• Na nossa cidade não tem nenhum [jornal], só fofoca de político (Bromilde).

Finalizando, hoje vê-se uma evolução tecnológica sem limites... sistemas digitais,

internet, grandes avanços. Mas, e quem não tem acesso a isso? É necessário lembrar que em

muitos assentamentos, por exemplo, não há sequer energia elétrica, quem dera linha

telefônica. Grande parte dos assentados é ainda analfabeto ou semi-analfabeto. Serão eles

alijados do desenvolvimento? Ou a comunicação pessoal será cada vez mais fundamental? O

vácuo ocasionado pela tecnologia só vai aumentar a diferença? Como conjugar esta realidade

com o uso das ferramentas de comunicação? A resposta pode estar na razão comunicativa de

Habermas citado por ZITKOSKI (2000, p.318),

que depende, para efetivar-se na vida concreta das sociedades atuais, de amplos processos cultivadores da comunicação aberta e livre, construindo, dessa forma, uma atmosfera sócio-cultural propícia para a reprodução e a ampliação da nova racionalidade desencadeadora dos impulsos de libertação intrínsecos à comunicação originária do mundo vivido.

Como, então, tornar isso real nos assentamentos rurais?

4) Relação entre técnicos e pesquisadores da Embrapa

Um dos objetivos deste trabalho era analisar a relação entre técnicos extensionistas e

pesquisadores. Tanto é que a escolha de Bituruna também aconteceu pela existência de um

projeto que envolvia a Embrapa Florestas com os técnicos e os assentados. Esta passagem é

um tanto emblemática: durante o ano da pesquisa (2006) aconteceu somente uma atividade no

Município (manejo da bracatinga), que não contou com a presença do pesquisador. Quando

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em contato com a instituição, fui informada que não estavam previstos mais trabalhos formais

junto a assentamentos rurais no estado do Paraná por não existirem projetos atrelados.

De qualquer forma, como um trabalho havia sido iniciado, inseri perguntas para os

técnicos sobre a relação com as instituições de pesquisa, em especial a Embrapa Florestas, e

também entrevistei o Chefe-geral da Embrapa Florestas, Dr. Moacir José Sales Medrado

(além do pesquisador responsável pelo trabalho com a bracatinga em Bituruna, Dr. Amilton

João Baggio, cujas observações encontram-se acima, quando analiso a atividade “manejo do

bracatingal”).

Pontuarei, abaixo, primeiramente, as reflexões dos técnicos e depois as do Chefe-

geral:

Jucélio: “é uma troca muito boa” • A gente tem um trabalho, um intercâmbio de relações com eles muito boa.

Tanto é que eles fazem um trabalho nos assentamentos também e a gente, na medida do possível, pede informações pra eles, eles repassam. Então, é uma troca muito boa.

• A gente conversou com o pessoal lá pra essa questão de comercialização de sementes, pra eles virem aqui fazê um espaço de debate, um espaço de divulgação de métodos de conservação de sementes [e eles] não vieram na verdade porque a gente não abriu o espaço, a gente não conseguiu priorizar uma ação desse tipo.

• Na verdade, pra mim, que sou técnico em agropecuária, é uma linguagem um pouco difícil. Porque geralmente o trabalho que a gente pega da Embrapa geralmente a gente pega do pessoal que tá fazendo mestrado, então já é uma linguagem pra gente que não tem esse nível de conhecimento.

• Eu acho que ajuda muito [ter material dirigido para técnicos]. Porque a gente, por ser técnico do Movimento, não tem uma estrutura muito boa, a gente não tem uma questão financeira muito boa, então isso impossibilita a gente de acessar esses material né.

• Eu tô trabalhando essa questão de viveiro na propriedade do meu pai. Então é uma coisa assim de profissional, muito profissional, muito certinha, sabe? Assim coisa que o agricultor nunca vai ter acesso pra poder fazer. Então o que é que a gente faz? A gente estuda esse material pra tentar adaptar à realidade do agricultor pra gente poder repassar de uma forma mais acessível pra ele.

Olcimar: necessidade de estreitar a relação

• A gente tem uma angústia que a pesquisa seja algo que realmente some, que você a partir dali você produza conhecimento [...] Eu acho que há um grande vácuo de objetivos da pesquisa. Pode ser uma crítica infundada que eu faço, mas o pesquisador faz a pesquisa pensando na publicação [...] que é uma coisa importante de ter também, mas assim: como que essa informação vai chegar de volta ali onde foi feita a pesquisa? Às vezes nem chega. Então é publicado num congresso e isso nunca mais volta, não tem retorno. Então o

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agricultor cede a área, faz todo o trabalho, o pesquisador se apropria da pesquisa, publica, [...] e o agricultor continua ali, aquele material não voltou pra ele, não sabe o que é que aquilo produziu.

• [sobre se é necessário contato maior entre pesquisador e técnico] Sim, eu acredito que sim, principalmente porque se é coisa mais técnica mesmo. Porque a tarefa de estar mais em contato com a realidade é mais do extensionista: “eu pego esses elementos que o pesquisador me deu e como que eu aplico isso a minha realidade?”.

Sandra: em busca do cotidiano

• Parece que a pesquisa é importante pra que você publique o artigo, mas parece que não existe muito uma preocupação se aquela informação é valida, se aquela informação é a informação mais importante pro agricultor, parece que o que motiva a pesquisa não é isso entende? Não é responder realmente às demandas do agricultor, não é responder questões que estão preocupando.

• [perguntada se a pesquisa está longe da realidade] Tá longe. Imagina você tem pesquisa de adubação, mas daí o único fator estudado é a adubação? Muito cartesiano assim. [Sandra coment que tudo é dinâmico e os fatores se inter-relacionam]

Talles: visões diferentes

• Do ponto de vista da pesquisa oficial, é raro e esporádico algum envolvimento maior.

• Como às vezes as estruturas são tão diferentes, com visões e métodos diferentes, que você construir uma relação destas vai muito esforço, tempo.

• [é necessário um contato maior?] é necessário sim, agora não só nesse aspecto consultivo, mas dos órgãos de pesquisa públicos realmente estarem voltados numa outra linha assim de pesquisa. o ideal seria é que essas instituições de pesquisa, universidades, fiquem voltadas pros problemas concretos da classe trabalhadora, seja urbana ou rural. [...] Porque muitas vezes as pontes que o MST constrói nesse meio às vezes é muito em cima de contatos pessoais, tipo lá dentro do órgão tem uma pessoa que apóia, que reconhece a luta. Então às vezes fica muito naquela pessoa que ajuda a negociar, ajuda a conseguir coisas.

Com exceção do técnico Jucélio, que parece o mais à vontade na relação com as

instituições de pesquisa, os demais técnicos parecem bastante receosos desta relação entre as

instituições de pesquisa e os assentamentos rurais. Parece que falta, realmente, uma ponte

maior, ao menos no caso do estado do Paraná. Quando foram responder às perguntas,

sentiram-se bastante receosos em respondê-las, talvez pelo empoderamento de uma instituição

de pesquisa face a técnicos de extensão rural. Talvez a realidade não seja esta, mas é o que

sentem no seu dia-a-dia. Fica claro então, aqui, que existe pouco conhecimento a respeito da

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dinâmica de trabalho em uma instituição de pesquisa e não há diálogo que mostre, para ambas

as partes, as suas buscas e necessidades.

Já nas entrevistas com o Chefe-geral da Embrapa Florestas, notei que a instituição

ainda está caminhando no sentido de conseguir se relacionar melhor com a extensão rural

como um todo. Que isso passa não somente por uma vontade política, mas também por

questões financeiras, de estrutura e perfil de funcionários. Nas Conclusões faço minhas

análises a respeito desta questão.

Chefe-geral e pesquisador Moacir Medrado • Na realidade é uma idéia meio pueril de que todo pesquisador tem que

transferir a sua tecnologia. Tem gente que é bom pesquisador mas não tem a mínima condição, não tem o mínimo cacoete, não tem formação, não tem interesse, não tem jeito pra fazer transferência. [...] Então o que tem que ter é um grupo de pessoas na empresa que possa pensar transferência, discutir transferência com as instituições que tão lá na ponta, com as cooperativas, com a extensão rural, com as empresas de assistência técnica, com as organizações não governamentais e estruturar um programa pra que esse pessoal faça transferência daquilo que a Embrapa gera.

• Junto a assentamentos rurais, em termos de Embrapa Florestas, nós tivemos alguns “espasmos”. Alguns colegas que têm chegado e trabalhado um pouquinho, mas muito mais assim em oficinas de trabalho. Nós fizemos uma proposta em Brasília pro INCRA, uma proposta bem interessante onde poderia pegar alguns projetos pilotos e começar inclusive desde o assentamento na hora em que o assentamento tivesse sendo organizado, [...] até pra mostrar que se a gente tiver organização um pouco melhor em termos de solo, em termos de estudo das culturas, estudo de mercado, tudo pra depois colocar [o assentamento em andamento]. Mas a gente sabe da dificuldade que tem e muitas vezes a coisa não é bem assim como a gente pensa. Quando se chega já pega pessoal lá dentro da área, então é mais complicado. Mas eu acho que a gente tem um espaço muito grande pra trabalhar. Falta do lado da gente, do lado do INCRA, do lado do pessoal que trabalha com Reforma Agrária ajustar um pouco melhor as coisas. Porque nós vemos o seguinte: primeiro que há uma certa restrição me parece, de quem trabalha com Reforma Agrária, com a Embrapa em si trabalhado dentro do assentamento. Normalmente é mais bem-vindo no processo de Reforma Agrária organizações não-governamentais. Então a gente teria que fazer o modelo meio junto com as não-governamentais e os assentamentos pra trabalhar então transferindo pra eles. [...] Agora espaços têm muitos. Por exemplo, na área florestal nós temos muitos assentamentos com problemas graves, inclusive com multas enormes. [...] A gente tem tecnologia, podia ajudar, mas não temos feito isso. [...] Falta exatamente essa maior integração que tem entre a Embrapa e os movimentos sociais, o INCRA e tal.

• A Embrapa tem que estar envolvida com desenvolvimento territorial, com pesquisa participativa, mas dificilmente ela vai dar conta. Ela teria que ter um exército de pesquisadores. Primeiro que pra fazer protagonismo tem que ser o povo que ta ali mesmo [...] Nós já tentamos pela Embrapa Florestas fazer isso, não em assentamentos mas em regiões de agricultores familiares.

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Você vai lá uma vez por mês, duas vezes por mês e não funciona. Você não cria nem ligação com a comunidade, com o município, com a região. Então eu acho que realmente a gente teria é que discutir o modelo junto com as organizações não-governamentais [...] Eu acho o seguinte: se eu pegar seis, sete, dez ONGs que fazem pressão de demanda aqui e que são de conhecidos nossos, eu já não dou conta. E cada um tem uma coisa diferente que tá precisando. Então isso é uma tremenda loucura a gente imaginar que a gente pode estar trabalhando dessa forma. As ONGs têm que se organizar, no meu entender, cada uma com a sua problemática local e ver quais são as coisas que a Embrapa pode fazer e que repassando para a rede possa facilitar a vida não de uma ONG, três ONGs, mas de centenas de ONGs. Então eu acho que nós temos que trabalhar junto com as ONGs através de redes e dentro de tecnologias que possam ser utilizadas pela maior parte delas e não coisas muito individuais. Têm muitas coisas locais que devem ser feitas por pesquisadores, inclusive pelas próprias ONGs.

• A Embrapa Florestas, pelo histórico dela - porque a gente trabalhou com grandes empresas, com eucalipto e com pínus - ela tem uma dificuldade muito grande de chegar junto com os movimentos sociais. Quando a gente chega é mais por uma questão pessoal. [...] Na própria formação do Conselho Assessor Externo da Embrapa Florestas, as instituições ligadas à agricultura familiar e aos movimentos sociais não participaram daqui: elas simplesmente faltaram a todas a reuniões e nós fomos obrigados a tirá-las e colocar outras pessoas no lugar. Porque eu acho que elas não acreditam, elas acham que a Embrapa Florestas não tem mais jeito: trabalha com os grandes e pronto. Isso eu acho que é uma coisa errada porque se eles não fazem pressão, se eles não vem pra dentro da Embrapa Florestas, a pressão vai continuar sendo das grandes empresas e a gente trabalha sob pressão de demanda. [...]Eles deveriam chegar mais, conhecer, discutir, exigir.

• Eu acho que a gente trabalha muitas vezes fazendo o papel da extensão rural sem ter competência pra isso. Você trabalha com folder e isso aí é coisa pra extensão rural fazer, pra ONG fazer, pra assistência técnica fazer. O que a gente tenha que talvez melhorar são os veículos para extensão rural e para assistência técnica, porque a gente ainda não se encontrou. A gente tem Circular Técnica28, mas escreve como se tivesse escrevendo pra quem vai fazer ciência. Tem Comunicado Técnico e continua escrevendo como estivesse fazendo ciência. Tem Série Documentos: a mesma coisa. [...] Eu acho que a gente não precisava ter esses veículos todos não. A gente precisava ter comunicado técnico e isso aí era um veiculo só e a gente mudar um pouco a forma[...]. Aí entra mais gente da gestão da informação, da gestão do conhecimento e da transferência da tecnologia. entra o pessoal da comunicação. Nós temos que ter alguém formado em comunicação que possa ajudar a gente a fazer essa tradução para o público adequado.

• Eu acho que vídeo é uma coisa que a gente podia investir um pouco mas também ter um pouco de cuidado porque os vídeos da gente se tornam palestras cientificas também. Então teria que ter, talvez a gente pudesse investir em vídeo um pouco mais no local mesmo, junto com as pessoas, como se fosse uma conversa mesmo entre agricultores ou entre grupos de agricultores e a gente mesmo. Evitar aquele ar mais professoral da gente evitar ficar falando sozinho no vídeo.

28 Veículos de difusão de tecnologias da Embrapa Florestas.

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Os desafios desta relação entre a Embrapa Florestas e a extensão rural são grandes,

mas exigem soluções a curto prazo. Senão, corre-se o risco, e isso já acontece, de que

tecnologias geradas pela instituição de pesquisa não cheguem aos usuários finais. Existe uma

clareza do que precisa ser criado e melhorado nesta relação. Resta, então, colocar em prática.

Fica cada vez mais claro o papel da comunicação nesse processo todo, como será analisado

nas considerações finais a seguir.

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Considerações finais

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Meu objetivo geral, o qual persegui insistente e constantemente durante a pesquisa,

sempre foi analisar o papel da comunicação no processo de mobilização e transferência de

tecnologias florestais e ambientais em assentamentos rurais para o desenvolvimento

sustentável.

Muitos foram os caminhos percorridos e muitas foram as vezes que este caminho me

levou a outros lugares, nem sempre os originalmente escolhidos. Entretanto, toda pesquisa

envolve uma construção e reconstrução, a partir das informações coletadas no percurso,

quando o conhecimento é elaborado, passo a passo.

Durante o percurso, deparei-me com um mundo desconhecido, com conceitos

múltiplos e atitudes diversas, mesmo dentro de um grupo social e até da mesma família. Um

universo muito rico, que não cabe dentro de rótulos nem de fórmulas matemáticas ou

metodologias pré-concebidas. Onde nem sempre as teorias se encaixam. Mas, como toda

pesquisa é, ou deveria ser, a descoberta de um mundo novo, o inesperado trilhado ao longo do

trabalho é, quase sempre, uma fascinante aventura na busca do conhecimento.

A riqueza dos dados encontrados, a cada momento, representava um novo desafio, ao

mesmo tempo em que imprimia uma dinâmica própria à pesquisa, com reflexões sobre os

temas e as questões originalmente elaboradas. Os temas abordados, embora de amplitude

inevitável (questão agrária, desenvolvimento sustentável, extensão, comunicação e

mobilização social), eram essenciais para a abordagem escolhida. Em certos momentos, via-

me perdida em meio a tantas informações novas. Aos poucos, porém, o conteúdo perseguido

ao longo desta dissertação mostrava sua própria lógica e apresentava resultados reveladores,

como a consciência do assentado sobre o valor de preservação da natureza como forma de

sobrevida, a despeito de conhecimentos teóricos levados pelo homem da cidade. A vivência

no campo e a percepção clara da troca de saberes imprimem aos assentados, na relação com

os técnicos e a natureza, uma nova forma de diálogo em que a comunicação humanizada, face

a face, se impõe ao lado de outros instrumentos, como caminho para o aprendizado individual

e coletivo.

O trabalho foi se tornando emblemático conforme se desenvolvia: no dia 8 de agosto

de 2006 uma reportagem no Jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão, denunciava trabalho

infantil nos assentamentos em Bituruna1. O encantamento inicial com o objeto de estudo e

1 Fato que se comprovou inverídico posteriormente. As crianças mostradas na reportagem foram incitadas a ajudar a mãe no forno de carvão no momento da gravação. Além disso, a família mostrada não era de assentados. Outro fato mostrado na reportagem, adolescentes ajudando pais na lavoura, configura-se como uma prática habitual no meio rural quando, ao voltar da escola, adolescentes ajudam seus pais no dia-a-dia. Ainda por conta desta reportagem, a prefeitura de Bituruna está sendo investigada pelo Ministério Público da União e (cont.)

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seus personagens poderia ter sido abalado com as notícias que se revelaram posteriormente

equivocadas. Em dezembro de 2006, nova preocupação com a divulgação da situação da Mata

Atlântica no País, que apontava o município de Bituruna como o campeão do desmatamento e

indicava que parte da culpa era devida aos assentamentos rurais2. Foi necessária muita

serenidade nestes momentos para não deixar escapar meu objeto de estudo.

De qualquer forma, fiz minhas escolhas. E toda escolha revela uma tendência, não há

como ser imparcial. Durante a pesquisa isto ficou cada vez mais claro. Minha história de vida

influenciou meu olhar, e não poderia ser diferente. Isso desde a seleção bibliográfica, autores,

reflexões...

Um cuidado que sempre precisei tomar foi com o meu olhar urbano em cima do rural,

pois, geralmente, a tendência é de urbanizar o rural, tanto em termos de recursos quanto de

atitudes. E foi com este olhar de quem está desvendando o novo e misturando o que sabe com

o que aprende, que cheguei às conclusões aqui apresentadas, que não são definitivas, mas

fruto do momento e realidade investigados, e que podem contribuir para melhorar o processo

de comunicação entre os técnicos e os assentados e, conseqüentemente, a incorporação de

tecnologias sustentáveis. Cabe ressaltar que as conclusões são fruto do que foi observado

exclusivamente nos assentamentos em Bituruna e uma generalização para realidades de outros

assentamentos seria um equívoco. Certamente algumas das reflexões aqui apresentadas

podem sim ser extrapoladas para outros locais, mas sempre com o cuidado de se adaptar à

realidade.

As principais conclusões são:

• Falta sentido: está faltando sentido, imaginário comum, aos assentados de Bituruna.

Realmente, após o assentamento, parece que os “ex-sem-terra” perdem sua força

mobilizadora. Acampamento, reuniões, manifestações coletivas são coisas que passam a

pertencer a um passado que não se quer mais lembrar. O imaginário da busca da terra, que

não atende mais a seus desejos, expectativas, não foram substituídos por novos sonhos, novas

metas a serem conquistadas. Aparentemente, não há mais razão nem motivo para lutarem

juntos, buscarem algo em comum. Com exceção dos mais politizados (que parecem ser muito

poucos), os demais assentados perdem o sentido de luta coletiva. Se não há sentido, não há

mobilização. Mobilização para quê, então?

(cont.) Incra pela falta de escolas na área rural de Bituruna. De qualquer forma, a reportagem gerou grande comoção pública e também bastante indignação junto a técnicos e mesmo entre os assentados que possuem televisão em casa. 2 Realmente, um incêndio – não se sabe se criminoso ou não - em área de Reserva Legal em um dos assentamentos contribuiu para esta situação.

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Percebi, então, a partir do amor e respeito pela natureza, que o desenvolvimento

sustentável com a introdução da agrofloresta em seus lotes pode ser um novo objetivo a ser

perseguido. Um novo imaginário a ser construído. Em todos os momentos, vi nos assentados

uma vontade muito grande de trabalhar com a natureza, respeitando o meio ambiente, mas

também tirando seu sustento, sem agressões à floresta.. A diferença entre a agricultura

convencional e a sustentável parece clara para eles, embora muitas vezes ainda não sintam

firmeza na aplicação prática, no “como fazer acontecer” a agricultura sustentável em seu dia-

a-dia. As necessidades financeiras e de subsistência são mais prementes. Além disso, esta

visão de relação com o desenvolvimento sustentável ainda se apresenta de forma

“desconcertada”, cada um com o seu pensamento. Sem sentido coletivo. Existem vontades,

mas estas não são convocadas para serem partilhadas.

• Não há coletivização da ação: um segundo ponto percebido é que não há coletivização da

ação. Ou seja, por mais que nas conversas os assentados saibam o que um e outro fazem, isso

fica restrito a pequenos grupos. Ou seja, a informação não circula entre os assentamentos de

Bituruna; as ações são pouco divulgadas; os sentidos não são compartilhados.

• Relações frágeis: o terceiro ponto é que as lideranças (tanto os próprios assentados quanto

os técnicos) não têm atuado de forma conjunta, sistematizada. Geralmente são vozes que

ecoam somente em suas comunidades. Não formam um coletivo, com um discurso uníssono,

capaz de mobilizar. Os papéis até podem estar claros, mas não a forma de atuar. Soma-se a

isso a inexistência de uma ponte sólida entre as instituições de pesquisa, que geram o saber, e

os técnicos e assentamentos estudados.

• Comunicação: Os níveis de comunicação estão sub-estimados e a prática ainda está muito

longe da situação ideal proposta pela teoria. Na verdade, há muito pouca comunicação

sistematizada, pensada, planejada. As ferramentas de comunicação são usadas para “apagar

incêndio” ou cumprir metas de projetos.

Dentre as hipóteses apresentadas na introdução deste trabalho, acredito que todas

tenham sido confirmadas:

- a comunicação pode ser utilizada como ferramenta de mobilização social em assentamentos

rurais: pela análise dos três níveis de comunicação (micro, macro e massa), fica claro que a

comunicação, quando bem planejada e utilizada, cria imaginários e dá sentido à ação. Quando

a informação circula, de forma correta, com utilização adequada de materiais de comunicação

(forma, conteúdo e linguagem), é capaz de mobilizar os assentados. Um exemplo claro é

quando os assentados comentam que se fosse passado um vídeo com experiências de sucesso

em agrofloresta, ajudaria a convencer aqueles que ainda não adotam tal prática. Outro é

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quando se percebe a importância que os assentados dão às visitas aos lotes e à forma dos

técnicos se comunicarem;

- a comunicação é uma ferramenta eficaz para capacitar assentados rurais no processo de

transferência de tecnologias florestais e ambientais: o uso de recursos como cursos, palestras e

reuniões (que por si só já são estratégias de comunicação) e ferramentas de comunicação

(vídeos, manuais, cartilhas, fotos, folder...) pode ser o caminho para a capacitação dos

assentados, como eles mesmos acreditam;

- os atores sociais (técnicos e pesquisadores) envolvidos no processo de transferência de

tecnologia precisam ser capacitados para utilizar a comunicação: ao que parece,

principalmente no caso dos técnicos, são bastante preparados para a questão política em

primeiro lugar, em segundo lugar para conteúdos técnicos e muito pouco para utilização das

ferramentas de comunicação. Carecem, portanto, de orientações a respeito de como “fazer e

usar” a comunicação em seu trabalho. Por outro lado, a prática de avaliar seu trabalho junto

aos assentados é muito frágil. É praticamente inexistente o feedback sobre sua atuação;

- existem formas apropriadas de produção de materiais de comunicação para melhor atingir

os assentados (linguagem, formato, conteúdo): foi analisado que a comunicação deve ser

dialógica. Que o público a que se destina uma mensagem interfere sobre a mesma, de diversas

formas. Isso, então, não pode ser relegado na produção de materiais para os assentados.

Em relação ao objetivo específico “Examinar como funcionam os processos de

comunicação para transferência de tecnologias rurais no Brasil, em específico para questões

florestais e ambientais, observando como tais processos podem ser utilizados como estratégia

de desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais”, a análise que pode ser feita é que a

comunicação, se planejada e utilizada na perspectiva da Teoria da Mobilização Social,

poderia ter um papel mais efetivo. Se utilizada somente como instrumento, e não processo,

acaba sendo sub utilizada e ineficaz;

Já a análise da comunicação para transferência de tecnologia para os assentamentos

rurais no âmbito da extensão rural e da Embrapa Florestas, em assentamentos rurais no

Município de Bituruna, Paraná, mostra que a evolução histórica da assistência técnica e

extensão rural no Brasil tem recebido pouca atenção do poder público, uma vez que a

estrutura federal que existia foi fechada e os Estados não conseguem suprir esta lacuna, ainda

que muitos ainda tentem manter suas estruturas de extensão rural, como é o caso do Paraná

com a Emater/PR. Esta realidade começa a ser mudada com a atuação de cooperativas e

ONGs, que têm ocupado este espaço, como no caso dos assentamentos de Bituruna. Neste

caso, percebe-se que a comunicação é utilizada em duas vertentes: em atividades de apoio

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(visitas aos lotes) e capacitação (cursos e reuniões). Poderia, no entanto, ser melhor explorada

com a inclusão de materiais de comunicação, em lugar de ser vista como algo

instrumentalizado, com um fim em si mesma e não como estratégia. No âmbito da Embrapa

Florestas, a pequena estrutura de comunicação para transferência de tecnologia (TT) não

possibilita uma atuação mais efetiva e acaba tendo ações muito pontuais.

Os objetivos “Identificar como acontece o processo de apropriação do conhecimento

científico e tecnológico pelos assentados rurais, nos níveis de comunicação micro (pessoal),

macro (cursos, reuniões) e massa (jornal, rádio, vídeo)”, “Traçar um perfil dos assentados,

técnicos e pesquisadores envolvidos na pesquisa”, “Traçar um perfil das instituições que

realizam diretamente ações de TT nos assentamentos estudados (Cooperativa dos

Trabalhadores em Reforma Agrária do Paraná – COTRARA; Cooperativa Central de Reforma

Agrária do Paraná – CCA-PR; e Embrapa Florestas;)” foram atingidos nos Capítulos V e VI,

onde constam descrições e análises. É possível perceber que a relação dos assentados com a

natureza é de troca, de respeito, embora ainda não saibam muito como possam fazer o

desenvolvimento sustentável acontecer no dia-a-dia. Este poderia ser um grande gancho de

trabalho para os técnicos. Os assentados entrevistados demonstram valorizar a realização de

cursos, mas querem objetividade e praticidade, para que possam voltar aos seus lotes e

aproveitar o que foi visto. Do contrário, sentem-se desmotivados (e talvez isso explique

porque a participação neste tipo de atividade ainda seja pequena).

Em relação ao objetivo “Analisar o envolvimento e o trabalho realizado pela Embrapa

Florestas em TT nos assentamentos estudados”, além do que foi citado anteriormente, a

análise mostrou que o trabalho de transferência das tecnologias geradas por tal instituição

poderia ser potencializado com um trabalho de formação de multiplicadores. Realmente não é

possível uma instituição nacional, como a Embrapa Florestas, atender a todos os produtores

de forma direta. Na verdade isso se tornaria impossível. Mas também não existe um plano de

difusão de suas tecnologias para técnicos extensionistas, mais especificamente aqueles que

trabalham em assentamentos rurais. Como faz parte da missão desta Unidade “viabilizar

soluções para o desenvolvimento sustentável do espaço rural com foco no negócio florestal

por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício

dos diversos segmentos da sociedade brasileira”, constata-se que os segmentos técnicos

extensionistas e assentamentos rurais não têm sido atendidos.

Por fim, o objetivo “Analisar como os veículos de comunicação podem ser utilizados

para a transferência de tecnologia” perpassa toda análise feita no “Capítulo VI – Estudo de

caso: onde a comunicação gera mobilização”.

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Algumas sugestões

Para não ficar somente nas análises, existem caminhos que podem ser propostos,

sempre lembrando que a comunicação não é estanque, e sim muito dinâmica. Não existem

fórmulas prontas, de sucesso garantido, mas existem nortes que podem ser buscados.

Na micro comunicação, ou comunicação pessoal, é necessário aos técnicos realmente

terem consciência desta passagem entre aquele que antigamente despejava conhecimento para

os agricultores para aquele que constrói conhecimento junto com os assentados. Além de uma

opção pessoal, esta deve ser uma opção da equipe de técnicos. Algo a ser trabalhado em

reuniões, fortalecido, com troca de experiências entre si. Conversar com os assentados para

constantemente avaliar seu trabalho é fundamental, mas isso não tem acontecido. Essa troca

com os assentados vai possibilitar, inclusive, que ele próprios descubram seu potencial e

entendam melhor esse novo papel do técnico. Desta forma, não vão ficar somente na postura

de receptor de conhecimentos, mas de atores ativos do processo. Enquanto os técnicos

estiverem preocupados demais com cumprimento de metas de projetos, em detrimento de uma

melhor estruturação de seu trabalho, tal proposta não será alcançada.

A preparação dos técnicos também exige mais atenção. Foi verificado que são feitas

muitas discussões políticas e sobre questões sociais, mas tanto a parte técnica quanto o

preparo para a relação com os assentados está muito aquém do desejado. A troca de

experiências entre pares e a constante avaliação precisam ser ampliadas. Saindo do âmbito do

que se pode fazer localmente, as faculdades e cursos técnicos também precisam estar atentos a

esta nova forma de extensão.

Um outra estratégia é a intensificação da formação de lideranças locais para a

transferência de tecnologia para que atuem como agentes multiplicadores, prática esta que já

acontece, mas de forma incipiente.

Um outro lado da micro comunicação é a relação entre assentados, quando os líderes

formais e informais influenciam seus pares, situação esta que recebe pouca atenção. Tais

lideranças poderiam ser mais ouvidas e melhor preparadas para este papel. Curso de liderança

e maior comunicação e esclarecimento sobre questões pertinentes seriam atividades

interessantes. Na reunião acompanhada no 12 de Abril, por exemplo, ficou claro que os

líderes de comunidades estão um pouco perdidos em relação ao seu papel. Uma vez que eles

mesmos não se mobilizam para tanto, poderiam partir dos técnicos idéias para quebrar esta

imobilidade. Certamente, a questão financeira pesa bastante em instituições que trabalham

com poucos recursos, mas poderiam ser usados lembretes de informações, por exemplo, feitos

em computador, de forma simples mesmo. Na reunião acompanhada, por exemplo, nenhum

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assentado anotou os informes e decisões. Como iriam repassar o que foi discutido em suas

comunidades? Esse “papelzinho” ajudaria, e muito. Mesmo nestas reuniões de lideranças,

poderiam ser aproveitados momentos para conversar com eles sobre este papel que

desempenham. Certamente ficarão mais seguros nesta função.

Um ponto muito importante nas relações pessoais é a dependência ou necessidade que

se cria de um técnico, como acontece por exemplo no assentamento Sonho de Rose, onde

ficou clara a estima e preferência em relação ao técnico ao Jucélio. Por que isso acontece?

Primeiro, pela continuidade do trabalho. Quando os técnicos trabalhavam subdivididos por

assentamento, isso facilitou a identificação entre técnico e assentado e a continuidade do

trabalho, o que não acontece mais em virtude da redução do número de técnicos, e sua

subdivisão por assuntos. Há uma fragmentação do saber. Segundo, pelo jeito de ser do técnico

Jucélio: história de vida na roça, expansivo, que sabe aliar o conhecimento com a prática e

sempre procura atender às expectativas dos assentados. Os outros técnicos possuem

características um pouco diferentes: Sandra é expansiva e tem conhecimento técnico, mas

domina pouco a prática e não tem história de vida na roça. Olcimar tem conhecimento técnico

e história de vida na roça mas é mais tímido. Tais características pessoais precisam ser melhor

trabalhadas para que os assentados possam se identificar mais com eles.

Mas, percebe-se que a falta de continuidade é o que mais atrapalha esta relação entre

técnicos e assentados. E este é um problema mais estrutural, que envolve recursos,

contratações, projetos etc. O que acontece em Bituruna é que a contratação dos técnicos se dá

por projetos e quando o mesmo acaba, finda o recurso para pagamento dos profissionais. Os

assentados se ressentem disso, e com razão. Uma das lutas, então, que os técnicos deveriam

ter seria por recursos para a continuidade de seus trabalhos.

Outro ponto já abordado no Capítulo VI e que é importante ressaltar aqui é o fato de

“se colocar no lugar do outro”. Ou seja, o técnico precisa tentar sentir mais qual é a

expectativa do assentado e conjugar isso com seu objetivo de trabalho. O assentado precisa

enxergar no técnico um aliado de seu trabalho e não alguém que faz incursões esporádicas em

seu dia-a-dia. É necessário, então criar formas de aumentar o vínculo, criar laços. Se as visitas

são esporádicas, em virtude de serem poucos técnicos, que estas visitas tenham qualidade,

tempo, que possibilitem troca. Mesmo nas visitas, materiais de comunicação poderiam ser

entregues para reforçar este laço, como panfletos, avisos, dicas etc.

Na macro comunicação, onde as ferramentas de comunicação começam a aparecer

mais, existem diversos caminhos que podem ser melhorados e até mesmo criados (sempre

levando em conta a realidade de pouca estrutura e recursos).

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A primeira é a melhoria das situações de co-presença, como cursos e reuniões. Como

quebrar a barreira que existe neste tipo de atividade, onde os assentados vão à espero de algo

a ser dado, repassado, e não na perspectiva de troca? Um primeiro passo seria um bom

planejamento das atividades. Não só planejamento do evento em si, mas planejamento já na

concepção dos projetos de captação de recursos: o que vamos fazer? Com que sentido? Qual

nosso objetivo com esta atividade? Esta é a melhor forma para este objetivo? Qual o

imaginário comum a ser perseguido? O “Sonho de Rose” acaba com a conquista da terra?

Os projetos sempre permitem a previsão de recursos, então a própria forma das

atividades já poderia ser pensada, com destinação de recursos para materiais de apoio, entre

outros. Sempre lembrando que o público a ser trabalhado tem suas especificidades em termos

de linguagem e materiais a serem utilizados. Em um segundo momento, o planejamento deve

enfocar o evento em si: de nada adianta ter o conteúdo e não saber a forma de trabalha-lo. A

utilização de dinâmicas de grupo, por exemplo, quando bem pensada e planejada, traz ótimos

retornos de participação, ajuda a “quebrar o gelo” e as possíveis animosidades normais no

início de cursos e atividades em grupo e incentiva a participação. O lúdico, despertado pelas

dinâmicas, facilita não só o entrosamento, mas estimula a fala e a troca entre os participantes.

E engana-se quem pensa que este tipo de atividade não dá certo com os assentados. Nas

atividades acompanhadas, percebe-se que as dinâmicas cumprem sim, e muito bem, sua

função no evento.

Ainda no planejamento e execução das atividades, uma parte que já é muito bem feita

pelo técnicos é a inserção de atividades práticas. O “aprender-fazendo-trocando” estimula a

vontade dos assentados em participar dos eventos, pois têm a certeza de que não ficarão

somente escutando o tempo todo. Quando descobrem que podem aprender coisas novas com o

vizinho e que também podem ensinar, passam a dar mais valor à vivência comunitária. Os

técnicos só precisam estar um pouco mais atentos no planejamento da atividade, para que na

hora estejam com todos os materiais necessários em mãos e com as orientações certas.

É claro que o uso de dinâmicas e atividades práticas não pode “engessar” o evento. Ou

seja, os técnicos têm que estar preparados para acompanhar o ritmo e as reflexões dos

assentados, que nem sempre seguem o que havia sido programado. E é justamente isso o que

torna a atividade da extensão rural hoje dinâmica e desafiadora: ter que conhecer o conteúdo,

mas estar pronto para a troca e para seguir rumos não planejados. Quando se “engessa” um

evento, a tendência é o desinteresse dos participantes, que não têm seus anseios atendidos ou

se vêem alijados do processo de construção de conhecimento porque suas reflexões não foram

levadas em conta ou simplesmente cortadas.

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Um problema claro é “como mobilizar os assentados para participarem dos eventos?”.

Acontece, muitas vezes, de atividades estarem marcadas e não aparecer ninguém e, quando

verificado, foi a falta de comunicação a responsável. A criação e fortalecimento de redes de

comunicação entre os assentados pode ser uma solução. Os problemas enfrentados, tais como

distância, falta de veículos de comunicação ágeis entre outros, poderiam ser enfrentados com

o agendamento prévio das atividades e tempo hábil para que, entre vizinhos, um avisasse o

outro (seja no encontro durante a missa na comunidade, no “carreiro” da estrada, entre as

crianças que vão à escola).

Pode parecer preciosismo, mas até o nome que se dá ao evento importa. Quando os

títulos são rebuscados ou longe da realidade dos assentados, parece que “afugenta”. Isso mais

uma vez demonstra que o planejamento é fundamental para o sucesso do evento.

As pessoas, para se sentiram motivadas a participar precisam ter algumas necessidades

atendidas: 1) conhecer pessoas, fazer amizades, “trocar”; 2) aprender algo novo; 3) ter sentido

de pertença, sentirem-se incluídas no grupo, serem percebidas como “fazendo parte”

(FAXINA, 2001). E são estes itens que devem ser perseguidos quando do planejamento de

atividades.

Em relação às ferramentas de comunicação para um público segmentado (folder,

folheto, fotos, vídeos, manuais, cartilhas) percebe-se que são muito pouco utilizadas.

Possivelmente a questão de falta de estrutura e recursos impeça uma produção local voltada

aos assentamentos mais ativa. Novamente é mostrado que o planejamento dos projetos deve

começar a contemplar também estas questões: pensar qual o melhor veículo, com qual

conteúdo e qual seu objetivo. Produzir um veículo somente como um fim e não como um

meio de se fazer mobilização de pouco adianta: é recurso e esforço jogado fora, pois estará

desrespeitando seu público-alvo. Forma, linguagem e conteúdo devem ser os itens mais

levados em consideração. De nada adianta a produção de um veículo sem levar em conta

características visuais importantes, tais como tamanho de letra, diagramação “limpa”, uso de

imagens, ilustrações e cores; ou então com uma linguagem científica, técnica, rebuscada.

Já a comunicação de massa, muito pouco utilizada, poderia ser mais e melhor

utilizada. Se os grandes meios não abrem espaço, que sejam então utilizados os próprios

meios do MST, como jornal impresso e programa de rádio. Tais veículos poderiam abrir

espaço para troca de experiências e não somente politização. Pelo menos esta seria uma

solução inicial, já que grandes veículos demandam estruturas e recursos maiores ainda que os

veículos segmentados.

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Um último ponto é a relação entre instituições de pesquisa (pesquisadores), técnicos e

assentados. No caso estudado, parece uma realidade ainda muito longe de se tornar uma

prática cotidiana. Embora a demanda seja latente, tanto de tecnologia para ser aplicada no

campo quanto de capacitação dos técnicos, esta ponte ainda não foi pavimentada. É mais que

necessário construí-la, pois todos perdem enquanto essa relação não for solidificada. A

instituição de pesquisa, que não cumpre de forma satisfatória sua missão; os técnicos, que

ficam sem opções de aprendizagem e conhecimento; e os assentados, que ficam alijados do

processo de conhecimento e adoção de novas tecnologias. Certamente é muito difícil para

uma instituição como a Embrapa Florestas, por exemplo, atender diretamente os assentados.

Mas é preciso dialogar com os técnicos, orientá-los e dar as condições para o exercício pleno

da transferência de tecnologia a partir de um objetivo comum: o desenvolvimento sustentável.

Não existem materiais de comunicação dirigidos aos técnicos, como publicações, manuais,

vídeos, folhetos, que acabam não sabendo o que há de novo que possa ser aplicado em sua

realidade. Não cabe a somente uma das partes iniciar/retomar este diálogo. Tem que haver

vontade e mesmo pressão de todos. A demanda está latente.

Da parte dos técnicos, existe um enorme entusiasmo e compromisso (alguns, inclusive,

trabalhando de graça por causa da suspensão do recurso; sem contar, muitas vezes, com

estrutura e recursos financeiros). Esse ardor e juventude não podem ser deixados de lado, nem

amornados. Mas é preciso organizar melhor seu trabalho: planejamento é a palavra de ordem

a ser seguida. E não ter medo de ser criativo, de inovar, sempre tendo consciência de qual é o

seu público. Interessante notar que o MST avançou muito em relação a não somente a busca

pela terra, mas também se preocupa com o “pós-assentamento”. No entanto, parece que ainda

falta articular melhor esta parte, com capacitação e investimento maior nos técnicos, não

somente nas questões políticas e técnicas, mas também nas formas de se comunicar.

Porque a comunicação, esta sim pode e deve permear todo esse processo. Pode, se

bem planejada e realizada, criar sentido, formular imaginário, coletivizar ações. Mobilizar e

fazer com que os assentados caminhem em direção ao tão sonhado desenvolvimento

sustentável.

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Referências

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YOZO, Ronaldo Yudi K. 100 jogos para grupos: uma abordagem psicodramática para empresas, escolas e clínicas. São Paulo, Agora, 1996.

ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da refundamentação em educação popular: um diálogo entre Freire e Habermas. Frederico Westphalen: URI, 2000.

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Anexos

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Anexo 1 – Processo de Criação de Assentamento Fonte: Assessoria de Comunicação Social do Incra - Paraná A criação de um projeto de assentamento compreende três processos: 1. Obtenção da terra onde será instalado o assentamento; 2. Seleção do grupo de trabalhadores beneficiados; 3. Implantação do assentamento.

1. Obtenção da terra para o Projeto de Assentamento: A obtenção de terras para fins de implantação de assentamentos de reforma agrária é

de responsabilidade do INCRA, e envolve os seguintes procedimentos técnicos, jurídicos e administrativos:

Vistoria preliminar: tem por finalidade verificar a possibilidade de aproveitamento de

determinada propriedade para fins de reforma agrária, a partir do levantamento de dados que definem se a mesma cumpre a sua função social. O levantamento de dados inclui de forma geral: a aferição da área, a verificação do uso da terra, a apuração da produção agrícola e pecuária (efetivo pecuário lotado no imóvel), o estudo do potencial agrossilvipastoril das terras, a análise da conservação dos recursos naturais, o levantamento de benfeitorias, apuração dos índices do grau de utilização da terra (GUT) e grau de eficiência da exploração da terra (GEE), bases para a definição do índice de produtividade da propriedade. Tudo em relação ao período de referência da fiscalização que corresponde aos doze meses anteriores à data da comunicação de vistoria, encaminhada pelo INCRA aos proprietários;

Publicação do Decreto em diário oficial da união: a partir dos pareceres técnicos e jurídicos de que a terra em questão não cumpre sua função social basicamente, não obtém os índices mínimos de produtividade agropecuária, necessários para seu enquadramento como terra produtiva, passando a ser passível de utilização para fins de reforma agrária;

Vistoria de Avaliação do Imóvel: levantamento de dados e informações do imóvel rural e pesquisa de preços de imóveis na região, caracterização de recursos e benfeitorias. Determinação dos valores da terra nua e das benfeitorias com vistas a subsidiar a ação judicial de desapropriação do imóvel;

Avaliação da Comissão Técnica: Mesa formada por três técnicos do INCRA elabora uma avaliação final de toda a documentação elaborada em vistorias a respeito da propriedade avaliada para fins de desapropriação;

Envio de Documentação para emissão de Títulos da Dívida Agrária - TDA: após avaliação da Comissão Técnica, em caso de parecer positivo, a divisão de obtenção de terras encaminha para Brasília um Kit de documentos, contendo o conjunto de documentos referentes à propriedade em questão para a desapropriação;

Emissão e empenho de TDA: após avaliação do Kit de documentos, em caso de parecer positivo, procede-se a emissão e empenho de títulos da dívida agrária, visando a garantia de recursos do orçamento para a aquisição da propriedade em questão;

A procuradoria Federal especializada do Incra ajuíza da ação de desapropriação do imóvel;

Audiência de Conciliação – AUDICON: Após uma área ser considerada como de interesse para fins de reforma agrária, o juiz convocará para esta audiência os representantes da propriedade em questão, INCRA e o ministério público federal para início de negociação entre as partes, tendo como base para as negociações as informações levantadas durante a vistoria prévia;

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Mandato de Imissão de Posse para o INCRA: decisão judicial, quando o imóvel arrecadado passa a ser de propriedade do Incra;

Portaria de Criação do Assentamento: Emissão da portaria, quando o INCRA emite a Portaria de Criação, autorizando as famílias selecionadas a se instalarem no assentamento e a receberem os recursos do Programa Nacional de Reforma Agrária.

1.2 Sobre a seleção das áreas: Escolha do imóvel a ser objeto de vistoria Buscas cartoriais para maiores informações sobre área e proprietário Notificação ao proprietário Vistoria preliminar para classificação de produtividade ou improdutividade Se a área é classificada como improdutiva: Notificação de improdutividade ao proprietário Análise do recurso administrativo (contestação do proprietário quanto à classificação) Solicitação de licença prévia ambiental, consulta à Funai e ao DNPM Edição do decreto de desapropriação Avaliação do imóvel para indenização Depósito em juízo dos recursos referentes à indenização do imóvel Procuradoria federal especializada do Incra entra com ação de desapropriação do

imóvel O Incra é imitido na posse da área e há a liberação do pagamento da indenização Criação do Projeto de Assentamento Se a área é classificada como produtiva Proposta de oferta formulada pelo proprietário Análise da documentação apresentada com elaboração da cadeia dominial Vistoria e avaliação do imóvel Elaboração de relatório de viabilidade ambiental Parecer da divisão técnica abordando os aspectos técnicos, econômicos e ambientais

bem como informando a viabilidade de assentamento de trabalhadores rurais neste imóvel Realização de audiência pública com elaboração de ata Procedimento de escrituração do imóvel Liberação dos valores referentes à compra Criação do Projeto de Assentamento

2. Seleção do grupo de trabalhadores beneficiados O processo de seleção é feito com base em critérios definidos em Lei. Todas as

famílias interessadas são cadastradas pelo Incra que, a partir desses dados, irá realizar a seleção das famílias.

Cadastramento: Preenchimento de cadastro elaborado pelo INCRA contemplando

questões de interesse a respeito dos interessados em participar do processo de reforma agrária; Legitimação: Processo que define, entre as famílias selecionadas, aquelas que vão

compor o assentamento. É nesta fase que as listas dos(as) candidatos(as) selecionados(as), eliminados(as) e desistentes são tornadas públicas. A legitimação é feita no município onde será criado o projeto de assentamento, em assembléia, com a participação dos interessados(as), de entidades estaduais, municipais e representantes dos trabalhadores. Com base nos critérios eliminatórios e classificatórios a equipe do INCRA elabora a lista dos potenciais beneficiários, respeitando o número de famílias indicado nos laudos de avaliação do imóvel;

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Homologação: Confirmação final dos candidatos selecionados para a formação do assentamento.

2.1 Critérios eliminatórios do processo de seleção: São desclassificados os candidatos que se enquadrarem em uma das seguintes

situações: Ser funcionário(a) de empresa pública, autarquia e paraestatal, civil ou militar, da

administração federal, estadual ou municipal, enquadrando-se também o cônjuge ou companheiro(a);

Ter renda mensal proveniente de atividade não agrícola superior a 3 salários mínimos; Ser proprietário(a), cotista, acionista ou participante de estabelecimento comercial ou

industrial; Ser proprietário(a) de imóvel rural com área igual ou superior a 1 módulo rural; Ser ex-beneficiário(a) de projetos de regularização fundiária, projetos de assentamento

oficial ou outros de responsabilidade de órgãos públicos, salvo por motivo de separação do casal ou motivo justificado, a critério do Incra;

Apresentar deficiência física ou mental que impeça o exercício de atividade agrícola; Possuir antecedentes criminais, com sentença transitada em julgado e pena pendente

de cumprimento ou não; Ser aposentado(a) por invalidez; Ser estrangeiro(a) não naturalizado(a). 2.2 Critérios classificatórios Os critérios de classificação estão divididos em três grupos, cada um destes critérios

recebe uma pontuação e a soma total é que define a ordem de classificação. Critérios preliminares: atribuição de pontos em acordo com o tamanho da família, a

força de trabalho da família, a idade do(a) candidato(a) e a renda anual familiar. Critérios básicos: nesta fase é dada a seguinte ordem de preferência para

assentamento: o(a) desapropriado(a) que queira explorar diretamente um lote; os que trabalham no imóvel onde será implantado o projeto; trabalhadores(as) assalariados(as), posseiros(as), arrendatários(as), parceiros(as) ou foreiros(as) que trabalham em outros imóveis; agricultores(as) cujo imóvel seja comprovadamente insuficiente para sustento da família; trabalhadores em atividades não-rurais.

Critérios suplementares: moradia no imóvel; moradia no município; tempo de moradia; associativismo e tempo na atividade agrícola.

3. Implantação de um projeto de assentamento:

Após a criação de um projeto de assentamento caberá ao INCRA o acompanhamento na implantação do projeto de assentamento, compreendendo ações voltadas para a instalação das famílias e dos processos produtivos viáveis ao seu desenvolvimento e sustentabilidade.

Celebração do Contrato de Concessão de Uso CCU: este documento formal assinado por cada assentado oficializa o seu direito ao uso de parcela do PA e também deveres e compromissos que rezam: participação de tarefas, residir no local de trabalho, não desmatar indiscriminadamente, não ser elemento de perturbação para o bem;

Empenho para solicitação de recursos: ação que garante os recursos do orçamento para a liberação dos créditos que serão utilizados na implantação do assentamento (PEA, crédito habitação, e demais);

Contratação de assistência técnica: o INCRA celebra a assinatura de contrato com a entidade que for escolhida e definida pelos membros do assentamento, equipe esta que prestará os serviços de elaboração de PEA, PDA e assistência técnica no assentamento;

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Elaboração do Projeto de Exploração Anual PEA: Descrição das atividades e dos gastos necessários para a implantação do assentamento. Esse plano é elaborado pela Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES) e aprovado pelos articuladores do serviço de ATES;

Analise do PEA: o projeto elaborado passa por avaliação de equipe técnica do INCRA;

Aplicação de crédito: os créditos podem ser aplicados em acordo com os gastos s apresentados no PEA, os recursos são depositados em conta corrente aberta para a associação dos assentados e, os recursos disponíveis serão repassados desta conta diretamente á conta bancária dos fornecedores pré-definidos no projeto;

Prestação de contas: cabe à associação do assentamento a prestação de contas em acordo com as aquisições pre-definidas no PEA;

Elaboração do Plano de Desenvolvimento – PDA: Projeto elaborado por equipe técnica contratada pelo INCRA e indicada por grupo de assentados que deve apresentar toda a proposta de utilização da área do assentamento, contemplando estradas, instalações elétricas, abastecimento de água e esgoto, divisão de lotes e áreas de produção assim como as áreas de reserva legal e permanentes. O projeto é pré requisito para as ações de medição e locação dos lotes no assentamento de reforma agrária. Deve ser elaborado de forma participativa e somente após a sua avaliação e aceitação por parte dos técnicos do INCRA o assentamento poderá ser implantado na prática;

Execução dos Serviços de medição e demarcação topográfica: cabe ao INCRA a contratação de equipe técnica especializada para a medição e demarcação topográfica do assentamento, que acontece após um parecer positivo dos técnicos sobre o PDA;

Aplicação do crédito de auxílio à construção de moradia e Execução da infra- estrutura básica: a aplicação deste recurso deverá corresponder aos gastos previstos nos projetos apresentados pelo grupo de assentados, sendo que as transferências aconteceram da mesma forma apresentada no item “f”. O Crédito Aquisição de Materiais de Construção é destinado e deve ser usado na compra de materiais para a construção ou reforma da casa da família. Os(as) assentados(as) devem identificar na comunidade quem tem habilidade para os trabalhos de construção, e para organizar mutirões. Somente em último caso deve-se contratar mão-de-obra especializada.O Crédito Aquisição de Materiais de Construção é liberado mediante a elaboração, por um profissional habilitado, de planta com especificações técnicas e plano de aplicação, que devem ser aprovados pelos beneficiários.

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Anexo 2 – Dimensões dos Módulos Fiscais

Dimensões de módulos fiscais - 2006

Estados da Federação

Módulo Máximo Módulo Mínimo Mais Freqüente

NORTE Acre 100 70 Amapá (1) 70 50 70/50 Amazonas 100 80 100 Pará 75 5 70 Rondônia (2) 60 60 60 Roraima 100 80 80 Tocantins 80 70 80 NORDESTE Alagoas 70 7 16 Bahia 70 5 65 Ceará 90 5 55 Maranhão 75 15 75 Paraíba 60 7 55 Pernambuco 70 5 14 Piauí 75 15 70 Rio Grande do Norte 70 7 35 Sergipe 70 5 70 SUDESTE Espírito Santo 60 7 20 Minas Gerais 70 5 30 Rio de Janeiro 35 5 10 São Paulo 40 5 16 SUL Paraná 30 5 18 Rio Grande do Sul 40 5 20 Santa Catarina 24 7 20 CENTRO OESTE Distrito Federal (2) 5 5 5 Goiás 80 7 30 Mato Grosso 100 30 80 Mato Grosso do Sul 110 15 45 Fonte: Incra Elaboração: DIEESE Notas: (1) As dimensões 50 ha e de 70 ha são, ambas, as mais freqüentes no estado. (2) Módulo único

Obs.: a) As variações resultam do fato de que o Incra determina o módulo fiscal para cada município levando em conta a qualidade do solo, relevo, acesso, etc. b) Dados de circulação interna disponibilizados pelo Incra.

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Anexo 3 – Sistemas agroflorestais: aspectos ambientais e sócio-econômicos.

RIBASKI, Jorge.; MONTOYA VILCAHUAMAN, Luciano Javier; RODIGHERI, Honorino Roque. Sistemas agroflorestais: aspectos ambientais e sócio-econômicos. FOREST 2004: conheça o cerrado, patrimônio natural classificado como reserva da biosfera. Rio de Janeiro: Instituto Ambiental Biosfera, 2004. p. 58-59. (Caderno especial do 7º Congresso e Exposição Internacional sobre Florestas)

Com o recente reconhecimento e a conscientização da importância dos valores ambientais, econômicos e sociais das florestas, pode-se perceber, no cenário mundial, fortes tendências para mudanças significativas na forma de uso da terra, com a utilização de sistemas produtivos sustentáveis que considerem, além da produtividade biológica, os aspectos sócio-econômicos e ambientais. Diante desse fato, e dado ao caráter de múltiplo propósito das árvores, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) constituem-se em alternativas sustentáveis para aumentar os níveis de produção agrícola, animal e florestal.

Os SAFs referem-se a uma ampla variedade de formas de uso da terra, onde árvores e arbustos são cultivados de forma interativa com cultivos agrícolas, pastagens e/ou animais, visando a múltiplos propósitos, constituindo-se numa opção viável de manejo sustentado da terra.

O objetivo desses sistemas é a criação de diferentes estratos vegetais, procurando imitar um bosque natural, onde as árvores e/ou os arbustos, pela influência que exercem no processo de ciclagem de nutrientes e no aproveitamento da energia solar, são considerados os elementos estruturais básicos e a chave para a estabilidade do sistema.

Por meio dos SAFs é realizado um melhor aproveitamento dos diferentes estratos da vegetação obtendo-se, com isso, melhor diversificação da produção, do uso da terra, da mão-de-obra, da renda e da produção de serviços ambientais. Os SAFs também se apresentam como eficientes reservatórios de gás carbônico e constituem-se em fonte renovável de energia, além de prestarem-se à recuperação de solos marginais e/ou degradados.

Entre os benefícios ambientais dos SAFs destacam-se o melhor controle de temperatura, da umidade relativa do ar e da umidade do solo. Esses elementos climáticos alteram-se bastante em condições de áreas abertas, sem árvores. Nos SAFs, a presença do componente arbóreo contribui para regular a temperatura do ar, reduzindo sua variação ao longo do dia e, conseqüentemente, tornando o ambiente mais estável, o que traz benefícios às plantas e aos animais componentes desses sistemas.

As espécies arbóreas melhoram os solos por numerosos processos, principalmente quando são usadas em SAFs. As árvores influenciam na quantidade e na disponibilidade de nutrientes dentro da zona de atuação do sistema radicular das culturas associadas, através da recuperação de nutrientes abaixo do sistema radicular das culturas agrícolas e/ou pastagens, da redução das perdas de nutrientes por processos como lixiviação e erosão e do aumento da disponibilidade de nutrientes pela sua maior liberação na matéria orgânica do solo.

Os “inputs” orgânicos também têm importante vantagem sobre os fertilizantes inorgânicos, com relação ao efeito residual e à sustentabilidade. Grande parte do nitrogênio que existe na cobertura morta, e que não é aproveitado pelas culturas, fica incorporado de forma ativa, ou pouco ativa, dentro da matéria orgânica do solo, enquanto que parte considerável do nitrogênio proveniente dos fertilizantes químicos, não aproveitados pelas culturas, fica sujeito a perdas por lixiviação e desnitrificação.

A tolerância ao sombreamento, condição essencial em associações entre culturas agrícolas e pastagens com árvores, pode variar sensivelmente entre espécies. Por exemplo, muitas gramíneas crescem melhor debaixo da sombra da copa das árvores e produzem maior quantidade de forragem, além de possuírem melhor qualidade nutritiva (menor conteúdo de fibra e maior conteúdo de proteína bruta) quando comparadas às que crescem a pleno sol.

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A introdução de árvores nas propriedades rurais, através das diferentes modalidades agroflorestais, representa importante papel na sustentabilidade dos diferentes ecossistemas brasileiros.

Práticas florestais convencionais ainda não são atrativas para médios e pequenos produtores por problemas de fluxo de caixa e longos períodos para retorno do investimento. Contudo, esse comportamento vem mudando pela utilização de SAFs, que permite a diversificação de produtos florestais e agrícolas na mesma unidade de área, e geração de renda e de empregos. Os benefícios de produção, sócio-econômicos e ambientais manifestam-se a médio e longo prazo.

Quando cultivos agrícolas são introduzidos simultaneamente e/ou seqüencialmente nas entrelinhas de espécies florestais, além do aproveitamento da aplicação de fertilizantes nas espécies, tais cultivos contribuem para a amortização do custo de implantação florestal, logo nos primeiros anos.

Quando se introduz o componente arbóreo em áreas de pecuária, o custo de implantação das árvores inicialmente pode reduzir a renda da propriedade. Entretanto, essa redução pode ser, em parte, compensada pela receita obtida pelo ganho de peso do gado, ou pelo aumento da produção de leite beneficiado pelo sombreamento.

Percebe-se, também, que as propriedades rurais não estão aproveitando seu potencial de transformação da matéria-prima florestal e agroflorestal em bens mais elaborados, deixando de agregar valor dentro da cadeia produtiva florestal e agroflorestal. Como exemplo de matéria-prima florestal, o produtor vende uma árvore em pé (toras de pínus) ao preço reduzido de 2,4 dólares o metro cúbico. Se o produtor ao invés de vender as toras em pé beneficiar a madeira, serrando-a e secando-a, aumentará seu valor agregado, pois a madeira serrada de pínus vale U$ 87 o metro cúbico, ou seja um valor 36 vezes mais alto.

Da mesma forma, os produtos agroflorestais têm valor agregado, a partir do processamento da produção. Contudo, essa agregação de valor só vai acontecer na medida em que o produtor se especializar numa boa condução, com desbastes e podas planejadas, no processo do beneficiamento da madeira e de outros produtos agroflorestais. Isso pode ser feito através da organização de pequenas e médias serrarias, marcenarias, ou pela participação em um empreendimento de maior porte, através de associações de produtores. Assim, além de ser uma alternativa para o aproveitamento de áreas marginalizadas ou de menor valor da propriedade, a atividade agroflorestal torna-se uma forma de diversificação da renda e uma nova alternativa para o uso da mão-de-obra, pela flexibilidade do calendário das operações culturais. No contexto regional, a importância econômica e social é inquestionável na medida em que a cadeia agroflorestal pode vir a ser uma forma de dinamizar a região em um novo eixo de desenvolvimento com maior participação de produtores rurais, de empresários do setor urbano e da população economicamente ativa, que não encontra ocupação dentro da própria região.

A utilização de SAFs é uma opção viável que concorre para melhor utilização do solo, para reverter os processos de degradação dos recursos produtivos, para aumentar a disponibilidade de madeira, de alimentos e de “serviços ambientais” (conservação dos solos, controle dos ventos, redução na contaminação da água e do ar, recuperação de áreas degradadas, entre outros). Adicionalmente a esses aspectos, a introdução do componente florestal no sistema, constitui-se em alternativa de aumento de emprego e da renda rural.

Apesar do reconhecimento dos benefícios dos SAFs, o seu conhecimento e uso ainda são limitados. Isto representa uma oportunidade para o desenvolvimento de maiores ações de pesquisa, para a valoração dos benefícios ambientais e de maiores incentivos econômicos que venham a estimular sua implantação. Estes mecanismos são necessários para assegurar a sustentabilidade dos sistemas agroflorestais, a equidade social e a proteção ambiental.

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Anexo 4 – A visão sobre transferência de tecnologia na Embrapa1 Maria Cristina Bastos Oliveira2 e Divania de Lima3

A trajetória da transferência de tecnologia (TT) no âmbito da Embrapa pode ser descrita em três fases que acompanharam de perto as mudanças no contexto político e do agronegócio brasileiro e, evidentemente, a evolução das discussões em torno da pesquisa e desenvolvimento (P&D). Na primeira fase, compreendida entre 1974 e 1988, ficou evidente que a atuação da TT, na ocasião ainda tratada como difusão de tecnologia, estava focada dentro da porteira, onde a filosofia de ação em vigor era a de que "a pesquisa começa e termina no produtor". Nesta fase os produtores rurais eram os principais beneficiários da pesquisa agropecuária.

Numa segunda fase, compreendida entre 1989 e 1997, acompanhando os avanços observados no modelo de P&D adotado na empresa, o processo de transferência de tecnologia passou a ser abordado de maneira sistêmica, oportunidade em que a TT considerava os aspectos ligados a "antes, dentro e fora da porteira", tendo em vista a ampliação do enfoque de atuação da Embrapa junto aos diversos segmentos das cadeias produtivas. Nesta fase também tornou-se patente a necessidade de mudança do modelo de oferta do conhecimento e tecnologias gerados pela empresa para um modelo centrado na demanda tecnológica, que emerge da sociedade em geral e do mercado, em particular.

A partir de 1998, já na terceira fase, a transferência de tecnologia passa a adotar uma visão de negócios como forma de buscar maior agilidade a esse processo na Embrapa, buscando maior proximidade com a iniciativa privada. Nesta fase foi criada a Política de Negócios Tecnológicos, compondo assim o conjunto de políticas institucionais da Embrapa: a Política de P&D (1999), a Política de Negócios Tecnológicos (1998), a Política de Propriedade Intelectual (1996) e a Política de Comunicação (1996), tendo sido esta última revisada em 2002.

A complexidade do processo de TT na Embrapa é reflexo dos constantes avanços ocorridos na própria missão da empresa. Se antes estava centrada no produtor rural, hoje a missão da empresa é: "Viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável do espaço rural, com foco no agronegócio, por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira" (Embrapa, 2004).

Vale ressaltar que na missão da Embrapa o termo agronegócio é utilizado numa concepção bastante ampla:

O conceito de agronegócio engloba os fornecedores de bens e serviços ao setor agrícola, os produtores agrícolas, os processadores, os transformadores e os distribuidores envolvidos na geração e no fluxo dos produtos da agricultura, pecuária e floresta até o consumidor final. Entre os produtores agrícolas incluem-se a agricultura familiar em suas diferentes modalidades, os assentados da reforma agrária e as comunidades tradicionais. Participam

1 Este texto é parte da publicação DOMIT, L.A.; LIMA, D. de; ADEGAS, F.S.; DALBOSCO, M.; GOMES, C.; OLIVEIRA, A.B. de; CAMPANINI, S.M.S. Manual de implantação do Treino & Visita. Londrina: Embrapa Soja, 2007. (Embrapa Soja. Documentos, 282). No prelo 2 Jornalista, Mestre (M.Sc.) em Comunicação e Extensão Rural - Maryland University, EUA (1992) e Doutora em Desenvolvimento Sustentável - Universidade de Brasília, Brasília/DF (2003). Atua na área de transferência de tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa em Brasília/DF. 3 Engenheira Agrônoma e Zootecnista, Mestrado em Ciência e Tecnologia de Sementes - Universidade Federal de Pelotas/UFPEL (1993) e Doutora em Ciência e Tecnologia de Sementes - UFPEL (1997). Atua na área de transferência de tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa em Londrina/PR.

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também do agronegócio os agentes que coordenam o fluxo dos produtos e serviços, tais como o governo, os mercados, as entidades comerciais, financeiras e de serviços (Embrapa, 2004, p. 20).

O avanço da missão da empresa também repercutiu no aumento da complexidade das

ações de transferência de tecnologia, principalmente em decorrência dos processos de mudanças observados no cenário rural. Conseqüentemente, a pesquisa agropecuária passou a se relacionar com diferentes segmentos da cadeia produtiva e com a sociedade de uma maneira geral, que se encontra cada vez mais exigente, refletindo diretamente nas ações de transferência de tecnologia.

Dentre as diretrizes estratégicas para transferência de tecnologia estabelecidas pela empresa em seu IV Plano Diretor (Embrapa, 2004) para o período de 2004-2007, vale destacar as que seguem: - Adotar estratégias inovadoras para transferência de conhecimentos e tecnologias; - Participar da construção de redes de transferência de conhecimento e tecnologia, envolvendo Unidades da Embrapa, Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária - Oepas, Universidades, Cooperativas, ONGs e outras organizações governamentais e privadas de P&D; - Incentivar a estruturação de equipes multidisciplinares, núcleos temáticos, redes sociais e outros arranjos institucionais focados na diversidade das demandas da agricultura familiar; - Contribuir para a formação e reciclagem de profissionais relacionados à pesquisa agropecuária e ao agronegócio. Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER

A extinção, em 1990, da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), até então coordenadora do SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural), e as crescentes dificuldades dos estados em manter as estruturas e os recursos destinados à assistência técnica e extensão rural (ATER) reduziram significativamente a eficiência das instituições de ATER no cumprimento de sua missão. Entretanto, vale ressaltar que os problemas enfrentados não fizeram com que a ATER perdesse a capacidade de ser um dos principais agentes indutores do desenvolvimento no setor rural e, principalmente, no segmento da agricultura familiar.

Apesar das drásticas conseqüências decorrentes do afastamento do Estado e da diminuição da oferta de serviços públicos de ATER ao meio rural e à agricultura, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, em maio de 2004, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) resgatou o compromisso de atender às necessidades da agricultura familiar, a partir do estabelecimento da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (MDA, 2004).

As dificuldades não se restringem às empresas públicas. Os profissionais da assistência técnica privada das cooperativas, empresas de insumos, de organizações não governamentais (ONGs) e autônomos também têm enfrentado dificuldades de assistir, de forma eficiente, a todos os pequenos e médios produtores rurais. Dentre os fatores críticos comumente apontados pelos profissionais e que dificultam a prestação efetiva de serviços de assistência técnica aos produtores, vale destacar: - Falta de um relacionamento que possibilite a capacitação técnico-gerencial contínua e organizada entre os agentes de pesquisa com a ATER e com os produtores; - Inexistência de um fórum permanente de discussão sobre conhecimentos e tecnologias transferidas para os produtores; - Ausência de acompanhamento dos resultados alcançados ao nível de propriedades rurais.

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Rede de TT

Com base no breve histórico traçado da transferência de tecnologia na Embrapa e da atual situação da ATER no Brasil, torna-se evidente a necessidade inadiável do estabelecimento de parcerias, formalizadas por meio de diferentes arranjos institucionais, inclusive a partir da formação de redes de cooperação institucional. Esses arranjos passam a representar um importante componente no processo de TT, principalmente ao considerarmos a capilaridade das instituições parceiras. Essa capilaridade é imprescindível para a potencialização do processo de transferência de tecnologia junto aos agentes produtivos atuantes no meio rural ou junto às empresas que atuam junto ao agronegócio.

Tomando por base o conceito de Rede de Pesquisa estabelecido pela Embrapa (2002), entende-se por Rede de Transferência de Tecnologia um conjunto de instituições, núcleos ou grupos de profissionais, de caráter transdisciplinar, que se reúnem com objetivos comuns. Qualquer que seja o arranjo adotado no estabelecimento da rede, o mesmo será gerido através de um modelo consensual de coordenação, possibilitando o compartilhamento de capital intelectual, infra-estrutura técnica e recursos financeiros, em graus previamente acordados, não sendo necessariamente iguais, mas aceitos pelos demais membros. Tal arranjo possibilitará o desenvolvimento de estratégias de TT, norteadas pelos objetivos comuns entre as partes.

A formação de uma Rede de TT permite o estabelecimento de parcerias intra e interinstitucionais com organizações que possuam redes próprias já estruturadas, valorizando as competências locais/regionais e otimizando os recursos existentes nas instituições envolvidas. Através destes mecanismos, busca-se a melhoria da eficiência do processo de TT, visando o desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro.

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Anexo 5 – Localização de Bituruna/PR Figura 02 – Localização do estado do Paraná no Brasil

Figura 03 – Localização do município de Bituruna no Paraná

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Anexo 6 – Folder Projeto Colméia

a) A primeira versão

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Anexo 6 – Folder Projeto Colméia

b) A versão final

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Anexo 7 – Roteiros de Conversas

(*são apenas referências para as conversas, pois muitas perguntas eram feitas na hora, pelo momento) Roteiro de conversa com assentados – entrevistas individuais

- Nome completo - Data de nascimento - Local de nascimento - Bens (tv, carro, rádio, luz, água encanada, fone, tamanho do lote, o que planta, o que gostaria de plantar) - Sonho - Sabe ler? - Casado? Filhos? Quantos? - História de vida - Como vê a questão da terra? - Como conquistou sua terra? - Qual seu papel no acampamento? - A sociedade o vê bem? - Como aprendeu a mexer com a terra? - Gosta de participar dos projetos? - Projeto do quê está faltando? - Participa de cursos e reuniões? - Como fica sabendo? - O que o motiva a participar? - Qual curso mais gostou? Por que? - Como são os técnicos que o atendem? - Entende tudo o que falam? - Eles entendem do assunto? - Gostaria de ter materiais em mãos? Quais? - Que material que já recebeu até hoje que mais gostou? - E o que menos gostou? - Qual técnico mais gosta? - No que precisam melhorar? - São muito novos? - Como deveriam ser? - No que melhoraram seu trabalho no lote? - Assiste TV? Ouve rádio? Lê jornal? - Aprende com eles? - Ajudam no dia-a-dia?

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Roteiro de conversa com assentados após curso sobre agrofloresta em São Mateus do Sul/PR - como fora avisados/motivados a participar do curso? - O que está achando do curso? - Cumpriu a expectativa? Aprendeu algo novo? - O que achou dos instrutores? Falou a sua linguagem? atendeu ao grupo? - Gostaria de ter recebido material por escrito? Como vai lembrar o que aprendeu? - Como foi a dinâmica do curso? Cansativo? Mais dinâmicas? Muito ou pouco tempo? - Você sai daqui com mais perguntas ou mais respostas? - Sugestões de melhoria - Nota de 0 a 10 - O que aprendeu, é algo que pode ser feito em seu lote? - O que mais valeu? Palestra, vivência, troca de idéias? - Os vídeos ajudam em alguma coisa? Roteiro de conversa com técnicos após curso sobre agrofloresta em São Mateus do Sul/PR - como repassar o que aprenderam? - Que instrumentos podem ser utilizados? - É uma idéia que pode ser bem aceita? - É fácil de colocar em prática? - Vocês se sentem capacitados para tanto? Roteiro de conversa com assentados após curso sobre agrofloresta no assentamento Rondom III (grupo focal adaptado) - o que aprendeu? - Do que mais gostou no curso? - Do que não gostou? - Entendeu tudo? E as palavras difíceis? - O que não sabia antes que sabe agora? - Você ficou atento o tempo todo? O local do curso era bom? - Você conseguiu perguntar e falar tudo o que queria? Os técnicos deixaram? Os companheiros deixaram? Gostaria de ter participado mais? - O tempo para as conversas, as trocas de experiências, foi bom? - Entendeu as funções das plantas? Já tinha pensado nisso? - O que não sabia antes que sabe agora? - O que acham dos técnicos? - O que precisa melhorar? - Gosta mais das práticas de campo ou de escutar? - Gostaria de ter anotado? - Gostaria de ter visto vídeo? - Os meios de comunicação ajudam? - Dá para aplicar o que aprendeu ou está longe da sua realidade? - Pínus ou agrofloresta? Roteiro de conversa com pesquisador Amilton Baggio - para você, o que é Transferência de Tecnologia (TT)? - Qual o papel do pesquisador em TT? - O que é pesquisa participativa?

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- Descreva o trabalho realizado no Projeto Iguatu - Por que á área do Sr. Celestino foi escolhida? - Pontos positivos e negativos do trabalho lá realizado:

O que deu certo? Por que? O que não deu certo? Por que?

- Será dada continuidade? - Como avalia seu papel no Iguatu? - Como deveria ser o papel da Embrapa? Roteiro de conversa com pesquisador e Chefe-geral Moacir Medrado

- para a Embrapa, o que é transferência de tecnologia? - Como é a TT na Embrapa Florestas? - O que poderia ser melhorado? - Tem como ser colocado em prática? - Qual o papel da comunicação na TT?