Comunicação organizacional
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COMUNICAO INTERNA
E
CULTURA ORGANIZACIONAL
Edio Revista e Atualizada
Joo Jos Azevedo Curvello
Braslia, 2012
-
Esta obra est licenciada sob a licena Creative Commons
Atribuio-No Comercial-Sem Derivados 3.0 No Adaptada.
Para ver uma cpia desta licena, visite
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua
Portuguesa de 1990
Ficha elaborada pelo bibliotecrio Massayuki Franco Okawachi CRB1/1821
C981c Curvello, Joo Jos Azevedo.
Comunicao interna e cultura organizacional / Joo Jos Azevedo
Curvello. 2. ed. rev. e atual. Braslia : Casa das Musas, 2012.
162 p.
ISBN 978-85-98205-83-0
1. Comunicao nas organizaes. 2. Cultura organizacional.
3. Comunicao interna. 4. Desenvolvimento organizacional.
I. Ttulo.
CDU 65.012.61
-
Para
Ana Cristina, companheira
Ana Carolina e Ana Beatriz, minhas filhas
Diogar e Iolanda, meus pais
-
Sumrio
Introduo ........................................................ 9
Captulo 1 ........................................................ 13
A relao entre cultura e comunicao
................................................................................ 13
Por que pesquisar .......................................... 15
Percursos tericos ......................................... 21
Comunicao Interna ........................................... 22
Cultura Organizacional ......................................... 28
Estratgias metodolgicas ........................ 45
Captulo 2 ........................................................ 52
A Organizao B ............................................. 52
A estrutura da Organizao B ................. 53
Captulo 3 ........................................................ 62
O inventrio dos valores internos ......... 62
A instncia da admisso ............................. 83
O jogo interno do poder ............................. 87
Das razes do vnculo ................................... 88
A transio cultural ...................................... 99
Captulo 4 ...................................................... 101
-
A comunicao interna na Organizao
B ............................................................................ 101
O discurso que pasteuriza ....................... 111
Fluxos e refluxos .......................................... 117
O informal imita o formal ......................... 119
Captulo 5 ...................................................... 124
Consideraes Finais .................................. 124
Posfcio ......................................................... 130
A renncia do verbo .................................... 130
Um olhar sobre a comunicao no oficial em
um grande banco brasileiro .............................. 130
Um novo olhar sobre o passado ...................... 130
A mudana que permanece .............................. 132
O no oficial imita o oficial ............................... 143
Proliferao e qualidade .................................... 144
A renncia .............................................................. 148
Bibliografia ................................................... 152
-
9
Introduo
Este livro, que agora apresentamos em sua
segunda edio revista, atualizada e ampliada,
nasceu da convico de que a comunicao
organizacional constitui elemento vital para a
construo de um universo simblico que, aliado
s polticas de administrao de recursos
humanos, contribui para aproximar e integrar os
pblicos aos princpios e objetivos centrais da
organizao.
Tambm partiu da hiptese de que pela
tica da comunicao que podemos conhecer e
compreender a cultura organizacional, alm de
captar a lgica das relaes internas, suas
contradies, suas mediaes, para melhor
compreender os estgios administrativos, os
sucessos e fracassos organizacionais e as
facilidades ou dificuldades impostas s mudanas
institucionais.
Buscou-se, portanto, fazer essa ligao
entre comunicao e cultura, a partir de uma
abordagem qualitativa realizada no contexto de
uma grande instituio do sistema financeiro
brasileiro. Essa pesquisa resultou em dissertao
elaborada sob a orientao do Prof. Dr. Wilson da
Costa Bueno e apresentada ao Programa de
Mestrado em Comunicao Social da Universidade
Metodista de So Paulo, em 1993.
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10
A verso aqui apresentada traz dados e
conceitos atualizados, como resultado da
continuidade dos estudos acerca do fenmeno da
comunicao e da cultura nas organizaes, que
levou a um aprofundamento das questes tericas
inicialmente concebidas.
O novo texto (novo, por que quase todo
reestruturado) procura realizar com maior clareza
a ponte entre a cultura organizacional e a
comunicao praticada no interior das
organizaes.
Com sua publicao, pretendemos
contribuir para o debate acerca do problema e
apoiar professores e estudantes que se dedicam
ao tema, sem termos, contudo, a pretenso de
esgotar o assunto, reconhecidamente complexo.
O trabalho original resultou de mais de trs
anos de pesquisa e reflexo sobre o processo de
comunicao organizacional no interior de uma
das maiores instituies financeiras na Amrica
Latina, no qual analisamos a comunicao interna
praticada por essa organizao, incorporando o
estudo de sua cultura organizacional, a partir de
uma abordagem multidisciplinar, que buscou
incluir as dimenses poltica, ideolgica e
simblica.
Procuramos interpretar a cultura e a
ideologia da organizao, a partir de seus
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11
funcionrios, suas vivncias, suas relaes, seu
universo simblico, relacionando cultura e
ideologia aos canais formais e informais de
comunicao interna existentes na empresa e
procurando observar as influncias mtuas, num
contexto marcado por mudanas administrativas e
estruturais.
Para atingir o objetivo proposto, utilizamo-
nos de metodologias qualitativas (entrevistas e
observao participante), de pesquisa a dados
secundrios e de anlise qualitativa de contedo
dos veculos de comunicao interna.
Para a publicao, porm, tivemos o
cuidado de omitir o nome da organizao
pesquisada. Adotamos, em substituio, o
pseudnimo de Organizao B. Como
complemento descrio da pesquisa, tambm
apresentamos dados mais atualizados sobre o
processo de mudana por que continua passando
a organizao pesquisada. Esses dados foram
levantados junto a documentos produzidos ou
patrocinados pela prpria organizao, alm da
observao direta do autor.
Braslia, outubro de 2012.
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12
-
13
Cultura comunicao e comunicao cultura.
(HALL, 1994, p. 215)
Captulo 1
A relao entre cultura e comunicao
A comunicao empresarial interna exerce
papel estratgico na construo de um universo
simblico, que, aliado s polticas de
administrao de recursos humanos, visa
aproximar e integrar os pblicos aos princpios e
objetivos centrais da empresa. Para tanto,
apropria-se dos elementos constitutivos desse
universo simblico (histrias, mitos, heris,
rituais) na construo e veiculao das mensagens
pelos canais formais (jornais, boletins, circulares,
reunies), numa permanente relao de troca com
o ambiente.
Essa caracterstica do processo
comunicativo, entretanto, tem sido pouco
pesquisada, uma vez que as pesquisas em
comunicao organizacional tm privilegiado a
anlise da estrutura ou do contedo manifesto das
mensagens, sem incorporar os valores e ideais
que norteiam a produo e sem se preocuparem,
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14
na maioria dos casos, em analisar o contexto em
que est inserida, englobando a os aspectos
ideolgicos, sociais e culturais.
Por outro lado, a cultura organizacional
vem ganhando corpo como objeto de anlise dos
estudiosos de organizaes, justamente por seu
carter de definidora das aes internas. Atravs
da instncia da cultura organizacional possvel
captar a lgica das relaes internas, suas
contradies, suas mediaes, para melhor
compreender os estgios administrativos, os
sucessos e fracassos organizacionais e as
facilidades ou dificuldades impostas s mudanas
institucionais.
Embora o processo comunicativo seja
considerado pelos tericos da rea como uma das
instncias analisveis na abordagem da cultura
organizacional, o que vemos a predominncia de
estudos que se referem apenas de passagem
comunicao, limitando-se a descrev-la, como
forma de melhor ilustrar suas concluses.
Assim, poucas vezes a pesquisa em
comunicao empresarial tem abordado a cultura
organizacional e so poucos os casos em que a
pesquisa da cultura de empresa tem abordado a
comunicao como instncia importante para a
difuso e consolidao dessa cultura.
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15
Por que pesquisar
A organizao em que realizamos nossa
pesquisa e que passaremos a denominar
Organizao B uma das maiores instituies
financeiras do Brasil (com mais de 114 mil
funcionrios, 36 milhes de clientes, e quase sete
mil agncias e unidades de atendimento1). Nos
mais de 200 anos de sua histria exerceu, por
longo tempo, o papel de principal instrumento de
execuo das polticas econmica, creditcia e
financeira do governo federal e de agente indutor
e moderador do mercado.
Entretanto, desde o reordenamento das
finanas do governo iniciado ainda no Plano
Cruzado, em 1986, na qual a empresa perdeu
muitas de suas caractersticas de autoridade
monetria, vem ocorrendo um verdadeiro
processo de mudana de comportamentos e
estruturas. Essas mudanas ocorreram,
principalmente, em trs momentos: 1979 (com a
reforma na Direo Geral e a primeira tentativa de
introduo dos conceitos de administrao
estratgica), 1986 (com a perda da chamada
"Conta Movimento"), em 1990 (com o projeto de
reforma administrativa denominado "Novo Rosto
da Organizao B") e, principalmente, em 1995,
1 Dados de setembro de 2012, sem levar em conta os terminais
eletrnicos de autoatendimento.
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16
com a implantao do Programa de Desligamento
Voluntrio de funcionrios, que impactou
decisivamente alguns pilares de sua cultura
organizacional. Os empregados, adaptados que
estavam a um papel com forte apelo social e
desenvolvimentista, foram deslocados para uma
misso de forte competio, no campo minado
que caracteriza o mercado financeiro comercial.
Se considerarmos a evoluo do
pensamento administrativo e os estgios de
mudana ambiental, podemos dizer que a
Organizao B passou de um estgio marcado pela
preocupao com a estrutura organizacional, em
que o paradigma era o das empresas grandes e
slidas, com estruturas gigantescas e estveis,
marcadas por uma centralizao do poder
administrativo, para outra fase marcada pela
estratgia empresarial, na qual a empresa vista
como um todo articulado, que pode ser mudado
continuamente, sempre que o ambiente o exija
(vide OLIVEIRA, 1988: p. 18 e 23).
A Organizao B, na poca em que
realizamos a primeira parte da pesquisa
(1990/1993), visava modernizar-se, com ampla
reorientao estrutural e tentando satisfazer s
necessidades de adaptao a uma nova realidade
em constante mutao. Para isso, buscava superar
o estgio de atraso tecnolgico, com grandes
investimentos na informatizao via on-line e
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ampliao e reorientao de sua rede de centros
de processamento, alm de implantar um novo
modelo organizacional para as agncias, onde a
tnica passava a ser a melhoria no atendimento
ao cliente.
A empresa comeava a deixar, portanto, de
se preocupar estritamente com o processo
produtivo, com os servios internos, para voltar-se
para o ambiente externo. Isso implicou, tambm,
que os funcionrios alterassem comportamentos,
passassem a nortear suas aes por novas
normas, valores e aspiraes. O modelo do
funcionrio ideal deixava de ser o que cumpria
fielmente as normas e passos administrativos, e
passava a ser aquele capaz de mltiplas aes, de
tomar decises e captar clientes em potencial.
Por meio de um folheto condensado, o
ento denominado Departamento de Organizao
e Mtodos, apontava as diretrizes do que deveria
ser valorizado em matria de comportamento, no
novo modelo organizacional: "descentralizao do
poder decisrio; valorizao funcional;
democratizao, engajamento e participao;
preocupao centrada no cliente; flexibilidade;
desenvolvimento intra e interequipes;
autodesenvolvimento organizacional" (DEORG,
1989, p. 33).
Com essa proposta, a Empresa buscava
melhorar a comunicao formal e informal entre
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os diversos nveis hierrquicos; elevar o grau de
motivao do corpo funcional; e estimular a
interao interpessoal, intergrupal e com o
ambiente externo" (DEORG, 1989, p. 14), atravs
da "busca do consenso", da "homogeneizao dos
conhecimentos", do " comprometimento com os
objetivos" e da " confiana mtua" (DEORG, 1989,
p.18).
A Organizao B "precisa mudar a cara, o
corpo, a roupa, a mente. Precisa ser eficaz, gil,
enxuto. Precisa ser til sociedade, pois sabe que
s a utilidade preserva a existncia", dizia um
comunicado interno (PRESI, 1990, p. 4).
Isso implicou, certamente, interferncia na
cultura da organizao, na busca de administr-la
e muda-la, como se fosse possvel atingir tais
objetivos em curto prazo. Da, perguntamos: a
organizao conhecia a cultura que a move? Tinha
ideia da amplitude com que esta se reveste?
Compreendia a lgica e os mecanismos que a
construram atravs dos tempos?
Para a Organizao B, conforme relatado
em documento interno, a cultura organizacional se
traduzia, na poca, como os "sistemas gerenciais,
mtodos de trabalho, atitudes e comportamentos
do funcionalismo" (DEORG, 1989, p. 29). Em
outro documento, a poltica de recursos humanos,
pregava uma cultura organizacional que
proporcionasse uma atitude de "compromisso da
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19
Organizao B com a sociedade e para a
integrao dos funcionrios nas comunidades"
(DIREC, 1987, p. 25).
Como vimos, a organizao conhecia
apenas uma faceta das mltiplas que constituem a
sua cultura. Ao privilegiar uma nica corrente
conceitual, encobria toda uma rede de smbolos e
significados capazes de trazer tona o ethos
multifacetado da organizao. Percebemos, nessa
postura, uma preocupao de mascarar a
existncia de conflitos. Evit-los parecia ser a
maneira mais econmica de super-los. Dava-se a
entender que o simples incremento motivacional,
a busca incessante do consenso, do engajamento,
da cooperao, na melhor tradio da Escola de
Relaes Humanas, seria capaz de limpar a
organizao de conflitos que poriam em risco sua
existncia.
Para isso, a Empresa criou, por intermdio
dos meios de comunicao interna, o que Etizioni
chamou de "quadro irreal de felicidade", ao
conceber a organizao como uma famlia ideal,
onde no havia a luta de poder entre grupos com
valores e interesses conflitantes (ETIZIONI, 1980,
p. 70).
Nesse contexto, a comunicao da empresa
procurou passar essas novas posturas, via apelos
mais ou menos diretos, como "a responsabilidade
histrica e social do funcionalismo da Organizao
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B"; "o trabalho, dedicao e conscincia sempre
marcaram nosso funcionalismo"; "o funcionrio
deve vencer o seu desafio pessoal de dedicao e
de eficincia em seu posto de trabalho"; "a
Organizao B somos ns"; "o caminho a trilhar
passa necessariamente pelo comprometimento de
todo corpo funcional com as decises que vierem a
ser tomadas"; "ns, funcionrios da Organizao
B, segmento altamente conscientizado da
realidade nacional, certamente no vamos nos
dissociar deste processo"; entre outros.
O Boletim de Informao ao Pessoal (BIP),
o Vdeo-BIP, o veculos eletrnicos, os encartes, as
edies extras e os folhetos especiais editados
poca procuravam mostrar, com maior ou menor
eficcia, a preocupao da Organizao B em
forjar novas conscincias, novos comportamentos,
nova cultura, em suma.
Marcados por esse contexto, e
influenciados pelas adaptaes ou reaes
mudana, procuramos ento nos inserir no interior
da Organizao B, com o objetivo de interpretar a
cultura e a ideologia da organizao, relacionando-
as com a produo e a significao das mensagens
comunicativas direcionadas aos funcionrios,
atentando, tambm, para a apropriao desse
universo simblico pela rede informal.
Procuramos trazer tona, com este livro,
aspectos at agora pouco pesquisados, como o
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universo simblico, o campo das relaes
informais e o embate dos fluxos comunicativos,
tudo isso luz da cultura organizacional que baliza
a vida da organizao.
Percursos tericos
A pesquisa no mbito das organizaes tem
ampliado seu campo de anlise, com a inteno de
incluir elementos formais e informais e sua
articulao; os grupos informais e suas relaes
internas e externas organizao; as mediaes
sociais e materiais; a ideologia e o universo
simblico; e, tambm, a compreenso de que os
conflitos e contradies so inerentes vida
organizacional. Nesse contexto, ganha fora a
pesquisa da comunicao praticada na
organizao, pois se constitui num dos elementos
essenciais no processo de criao, transmisso e
cristalizao do universo simblico (ETIZIONI,
1980, p.70 e FLEURY, 1989, p. 24).
Para compreender a dinmica relao entre
a comunicao interna de uma organizao e sua
cultura organizacional, necessrio definir e
trabalhar os conceitos mais utilizados por outros
estudiosos das reas.
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Comunicao Interna
A comunicao interna, durante muitos
anos, foi definida como aquela voltada para o
pblico interno das organizaes (diretoria,
gerncias e funcionrios), buscando informar e
integrar os diversos segmentos desse pblico aos
objetivos e interesses organizacionais.
Hoje, podemos definir a comunicao
interna como o conjunto de aes que a
organizao coordena com o objetivo de ouvir,
informar, mobilizar, educar e manter coeso
interna em torno de valores que precisam ser
reconhecidos e compartilhados por todos e que
podem contribuir para a construo de boa
imagem pblica.
Geralmente, engloba a comunicao
administrativa (por meio de memorandos, cartas-
circulares, instrues), a comunicao social (que
se utiliza de boletins, jornais internos, vdeo-
jornais, revistas, intranet) e a comunicao
interpessoal (comunicao face-a-face,
funcionrios/funcionrios, chefias/subordinados).
A nossa pesquisa procura compreender esse
processo interno, centrando sua anlise, contudo,
na comunicao de carter social, tambm
chamada motivacional por alguns autores, por
entendermos que encerra a difuso ideolgica e
simblica da organizao.
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A comunicao no interior das organizaes
se opera por meio de fluxos, geralmente quatro,
aqui identificados: fluxo ascendente, fluxo
descendente, fluxo horizontal e, com o advento
de tecnologias como o e-mail e as intranet, o fluxo
transversal.
Na comunicao empresarial, de forma
geral, prevalece o fluxo descendente, com as
informaes se originando nos altos escales e
sendo transmitidas ao quadro de funcionrios, por
meio de inmeros canais, entre eles os clssicos
boletins ou jornais de empresa.
O fluxo ascendente se caracteriza pelas
informaes, geralmente sugestes, crticas e
apelos, oriundas dos funcionrios e dirigidas
direo. As sees de cartas, as colaboraes,
existentes em quase todos os jornais de empresa
e particularmente naquele por ns analisado,
caracterizam esse fluxo.
O terceiro fluxo aquele que move a
organizao no seu dia-a-dia, atravs da
comunicao entre pares, entre setores, situando-
se quase sempre no campo informal, e por isso,
sendo chamado de horizontal ou lateral.
O fluxo transversal teria o poder de
subverter as hierarquias, ao permitir a
transmisso de mensagens entre funcionrios de
diferentes setores e/ou departamentos e mesmo
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24
entre nveis hierrquicos diferentes, sobretudo no
contexto de projetos e programas
interdepartamentais.
A partir dessas definies e da observao
de situaes concretas, Bueno (1989, p.74)
estabelece uma tipologia em virtude da
prevalncia de um determinado tipo de fluxo.
Dessa forma, os sistemas de comunicao de
classificariam em burocrtico (prevalncia do fluxo
descendente, atravs de canais burocrticos ou
formais); retroalimentador (predomnio do fluxo
ascendente, possibilitando permanente feedback);
espontneo ou informal (onde so constantes e
regulares os mecanismos de comunicao
horizontal e de comunicao transversal); e
democrtico (aquele em que os distintos fluxos
coexistem sem se sobreporem).
Nesse contexto, importante distinguir,
tambm, as redes de comunicao, aqui
entendidas como formal e informal. A rede formal
refere-se quela que "deriva ou est autorizada
pela estrutura burocrtica da empresa" (BUENO,
1989, p.75), e depende da existncia de canais
formais de comunicao, como o jornal de
empresa, por exemplo. J a rede informal origina-
se nas manifestaes comunicativas naturais ao
relacionamento dos grupos que constituem a
organizao.
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25
Torquato (1986, p. 51) ao oferecer uma
abordagem disciplinar comunicao
organizacional aponta trs dimenses: a
comportamental, a social e a ciberntica. A
dimenso comportamental estaria ainda dividida
nos nveis intrapessoal, interpessoal (ver THAYER,
1979) e grupal, estando relacionada ao
comportamento dentro das organizaes,
incorporando aspectos culturais e psicolgicos. A
dimenso social se caracteriza pela transmisso de
mensagens, via canais indiretos, para uma
recepo no definida, seguindo os modelos
clssicos de comunicao. J a dimenso
ciberntica estaria relacionada ao controle e
armazenamento de dados e difuso de
informaes, ancorada na moderna tecnologia de
informtica.
Esses conceitos, contudo, nos deixam a
impresso de que a comunicao organizacional
interna se d de forma fragmentada e setorizada.
Certamente, essa viso vem das origens dos
estudos que levaram construo desse
arcabouo terico, todos de inspirao
funcionalista, quase sempre com a preocupao
de sistematizar e orientar aes de comunicao
nas organizaes, a partir de modelos ideais.
A comunicao organizacional, entretanto,
est inserida num macro ambiente que exerce
forte influncia, agindo por meio de fatores
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26
psicolgicos, sociais e culturais e que muitas vezes
interfere decisivamente no processo comunicativo.
Por isso, achamos importante, alm de estudar a
produo e o cdigo das mensagens do sistema de
comunicao interna da Organizao B, pesquisar
a cultura organizacional da organizao como
instncia definidora. Como afirma Bueno (1989,
p.77):
"cada vez mais, fica evidente que as
manifestaes no campo da comunicao
empresarial esto atreladas cultura da
organizao e que cada indivduo, cada fluxo ou
rede, cada veculo ou canal de comunicao
molda-se a esta cultura".
Antes, Torquato (1986, p. 87-89), ao
desenvolver proposta de atuao de uma rea que
chamou de "comunicao cultural", que se
encarregaria de "abrigar as relaes que ocorrem
nos nveis: intrapessoal, interpessoal e grupal", j
propunha em vincular a esta o estudo da cultura
organizacional. Para ele, a cultura organizacional
seria:
"o amlgama das polticas, estratgias,
posicionamentos, normas e atitudes da
organizao utilitria, e passada para seus
participantes, via rede formal de comunicao,
constituda por um leque variado de canais,
entre eles, os formulrios, as cartas, os
memorandos, os relatrios de desempenho, os
folders, folhetos, jornais, e revistas, cartazes,
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27
impressos, de um modo geral, e tambm pela
farta pauta de reunies formais entre chefes e
subordinados, ou entre elementos do mesmo
nvel funcional".
Torquato pretendia, com sua proposta, o
uso adequado do modelo de comunicao para o
estudo da cultura organizacional, que, segundo
ele, no vinha sendo devidamente analisada.
De l para c, contudo, a cultura
organizacional ganhou corpo como objeto de
anlise dos estudiosos das organizaes, algumas
pesquisas de flego foram realizadas, o referencial
terico e metodolgico ganhou contornos de
disciplina e j possvel encontrar teses,
dissertaes e livros que tratam especificamente
do tema. Porm, raros so os trabalhos
conhecidos que relacionam a cultura
organizacional com o processo de comunicao
existente na organizao. Quando muito, fazem
meno comunicao de carter administrativo
ou s caractersticas da comunicao interpessoal,
limitando-se a descrev-las como ilustrao.
Entendemos, contudo, que a anlise do
universo cultural de uma organizao complexa,
como a Organizao B, objeto de nosso estudo,
deve ser multidisciplinar. A antropologia (cultura e
ideologia), a sociologia (legitimidade), a teoria das
organizaes (conceitos e tipologia), a psicologia
(recalcamento e represso) e a cincia poltica
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28
(poder), devem ser constantemente confrontadas
e discutidas. No nos podemos limitar a um
enfoque que mascare determinadas situaes e
dimenses, porque no nos parecem
interessantes. preciso captar essa complexidade
sob uma tica interpretativa. Antes, porm, vale a
pena rever a construo do conceito de cultura
organizacional.
Cultura Organizacional
As razes dos estudos sobre cultura
organizacional encontram-se na antropologia.
Vrias so as correntes que tratam da cultura:
desde Crozier, que considera a cultura como
capacidade; passando por Talcott Parsons que a
define como sistema de valores; por Malinowski e
outros funcionalistas que veem a cultura como
instrumento a servio das necessidades biolgicas
e psicolgicas dos seres humanos; por Radcliffe-
Brown, que a entende como mecanismo
adaptativo-regulatrio; por Goodenough e sua
ethnocincia, que a v como cognies
compartilhadas; e ainda por Levi-Strauss e Cliford
Geertz e sua antropologia contempornea,
segundo o qual os homens vivem em um universo
de significados que decodificam sem cessar.
-
29
O conceito de cultura tambm pode ser
captado a partir de duas linhas tericas bsicas.
Na primeira, concebido como sistema de ideias
no qual os campos social e cultural so distintos,
mas inter-relacionados. Na segunda, tido como
sistema sociocultural, e a cultura percebida
como componente de um sistema social,
manifestada em comportamentos e produtos de
comportamentos.
Allaire e Firsirotu (1984) preocuparam-se,
ainda, em construir um esquema que
possibilitasse uma compreenso genrica das
diversas teorias para abordagem da cultura
organizacional, que foram sendo concebidas a
partir do final da dcada de 70 e, com maior
nfase, a partir de 1983, quando as revistas
Administrative Science Quarterly e Organizational
Dynamics dedicaram edies especiais ao assunto
(citado por FREITAS, 1991:74).
Tambm Janice Beyer e Harrison Trice
(1986), ao conceberem cultura como "rede de
concepes, normas, valores, que so to
tomadas por certas que permanecem submersas
vida organizacional" e afirmarem que "para criar e
manter a cultura, estas concepes, normas e
valores devem ser afirmados e comunicados aos
membros da organizao de uma forma tangvel",
em formas culturais como ritos, rituais, mitos,
estrias, gestos e artefatos, colocam-se como
-
30
fonte obrigatria de consulta na rea. Entretanto,
para os autores, outras dimenses da cultura,
como a estrutura e legitimao do poder, o campo
ideolgico e o processo comunicativo formal e
informal, no parecem significativos.
Outro autor imprescindvel na rea, e o
primeiro a dar contornos disciplinares cultura
organizacional, Edgar Schein (1986) atribui aos
lderes primais, os fundadores das organizaes, a
criao e moldagem do que poder vir a ser a
cultura de uma organizao, passando a ser
elementos-chaves para desvendar a cultura.
Nessa linha de raciocnio, constri o seu conceito
de cultura organizacional como o:
"conjunto de pressupostos bsicos que um
grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao
aprender a lidar com os problemas de adaptao
externa e integrao interna e que funcionaram
bem o suficiente para serem considerados
vlidos e ensinados a novos membros como a
forma correta de perceber, pensar e sentir, em
relao a esses problemas"(SCHEIN, 1986, por
FLEURY, 1989-20).
Autor com fortes razes na antropologia e
na psicologia, Schein afirma que a cultura de uma
organizao pode ser captada em trs nveis: o
nvel dos artefatos visveis (ambiente, arquitetura,
leiaute, padres de comportamento, vesturio,
documentos); o nvel dos valores que governam o
comportamento das pessoas (valores manifestos
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31
em entrevistas, relatos); e o nvel dos
pressupostos inconscientes (como os membros
percebem, pensam, sentem, a partir de valores
conscientemente construdos e que gradualmente
so absorvidos pelo inconsciente).
Schein alerta, constantemente, para as
dificuldades e as armadilhas que o pesquisador
encontra na anlise desses nveis. No nvel dos
artefatos visveis fcil perceber e descrever os
padres analisveis, porm fica difcil interpret-
los sob uma lgica que permanece submersa. Por
outro lado, o pesquisador ao se deparar com o
nvel dos valores deve permanecer atento para
no tomar por definitivos valores manifestos,
oriundos de idealizaes ou racionalizaes que
muitas vezes ocultam os valores reais. Tambm
na percepo dos pressupostos inconscientes, o
pesquisador deve atentar-se, permanentemente,
ao rigor da observao.
Para Schein, contudo, alguns aspectos no
parecem relevantes por no expressarem
consenso e, portanto, no serem compreendidos
sob uma mesma tica cultural: a dimenso do
poder, como agente de legitimao e ocultao; e
a ideologia vivenciada pelos membros da
organizao.
Essas dimenses, vamos encontrar em
outro estudo, verdadeiro marco na moderna
anlise das organizaes, O poder das
-
32
organizaes, de Max Pags e outros
colaboradores (1987). Os autores pesquisaram a
filial europeia de uma grande empresa norte-
americana, caracterizada pela alta tecnologia de
seus produtos e a sofisticao de suas polticas
administrativas, alm de um quadro altamente
qualificado de funcionrios, e penetram no
universo imponente e duvidoso da
homogeneizao, da unificao do sistema.
Interessante observar que nos deparamos com a
mesma situao ao pesquisarmos a Organizao
B, conforme detalharemos em captulo especfico,
onde as contradies, embora aflorassem nas
manifestaes racionalizadas das entrevistas,
permaneciam ocultas no dia-a-dia da organizao.
Pags e seus colaboradores centraram sua anlise
para a compreenso da lgica do sistema, a
articulao de suas partes, suas relaes com as
contradies subjacentes. Ao final, conceberam o
poder no mais como o poder de grupos sociais,
mas como "um sistema econmico-poltico-
ideolgico-psicolgico de mediao e ocultao de
contradies sociais e psicolgicas".
A homogeneizao cultural atesta que a
ideologia da organizao partilhada pela maioria
dos funcionrios, o que refora a nossa percepo
de que a ideologia no seria, como nos fizeram
crer, apenas um arcabouo de dominao de uma
classe sobre outra, aplicado de maneira imposta.
Nem apenas o outro extremo, que a compreendia
-
33
como o conjunto de ideais que fatalmente
levariam a uma transformao radical da
realidade. A ideologia tende a se aproximar do
conceito de hegemonia de Gramsci (1978) e se
constitui, em suma, nas prticas cotidianas de
dada sociedade, "numa viso de mundo que
comporta elementos culturais, estticos,
comportamentais, existenciais, morais e ticos"
(MARCONDES, 1986, p. 42 a 55). Tende a
incorporar os dois conceitos, podendo servir para
neutralizar a dimenso histrica e ocultar as
contradies reais, mas tambm podendo revel-
las como realmente so. Na organizao, a
ideologia no consiste apenas do discurso oficial
dos dirigentes, mas elaborada e aperfeioada
pelo conjunto dos funcionrios, no que Pags e
seus companheiros chamam de autopersuaso.
Para Brunel (1990, p. 67), contudo, a
ideologia pode at ser associada cultura
organizacional, mas no pode ser substituda por
ela.
Voltando obra de Pags, verificamos que
a maior contribuio de seu grupo de
pesquisadores seria a incorporao do conceito de
mediao, como o conjunto e aliana das
restries (coeres) da empresa com os
privilgios oferecidos ao indivduo empregado da
organizao, para tentar compreender o porqu
das contradies e ambivalncias que afloravam
-
34
na pesquisa por eles realizada, e que, no por
coincidncia, afloram nesta pesquisa sobre a
cultura organizacional na Organizao B. O
conceito de mediao, como veremos adiante,
ser til, tambm, para compreendermos a lgica
da produo da comunicao interna da empresa e
nos possibilitar desmistificar a viso de que a
comunicao empresarial est to somente
comprometida com a cpula diretiva das
organizaes.
No campo das organizaes, uma das
definies mais abrangentes e instrumentais de
cultura a desenvolvida por Fleury (1989, p. 22),
que, a partir das diversas correntes tericas
desenvolvidas pelos norte-americanos, de
Schein(1986) a Berger & Luckmann (1967),
incorporando os estudos de Pags (1987),
concebe cultura organizacional:
"como um conjunto de valores e pressupostos
bsicos expresso em elementos simblicos, que
em sua capacidade de ordenar, atribuir
significaes, construir a identidade
organizacional, tanto agem como elemento de
comunicao e consenso, como ocultam e
instrumentalizam as relaes de dominao".
A abrangncia desse conceito est, sem
dvida, na incorporao do componente poder aos
estudos culturais.
-
35
Mais recentemente, Maria Ester de Freitas
(1997), influenciada pelas teorias da cultura
organizacional desenvolvidas na Frana e no
Canad, descreve-a como:
"um conjunto de representaes imaginrias
sociais (Castoriadis, 1995), construdas e
reconstrudas nas relaes cotidianas dentro da
organizao, que so expressas em termos de
valores, normas, significados e interpretaes,
visando a um sentido de direo e unidade, e
colocando a organizao como a fonte de
identidade e de reconhecimento para seus
membros. Essa conceituao considera que a
cultura organizacional exerce o papel de
agenciadora de sentidos e significados, atuando
diretamente no imaginrio (Enriquez, 1974),
corao do psiquismo dos indivduos, e
desenvolvendo com ele uma relao de
cumplicidade entre a organizao e os desejos e
medos inconscientes dos indivduos que nela
trabalham".
Em ambos os conceitos, uma forte nfase
nos invariantes da cultura, como fatores de
integrao, identificao e unicidade. Mas as
culturas esto sendo, cada vez mais, expostas
diferena e s contradies. Aqui, o tema da
mudana ganha destaque.
Com certeza um dos temas mais polmicos
no campo de estudos das organizaes, as
mudanas culturais so capazes de alimentar
-
36
infindveis discusses acadmicas e empricas.
Freitas (1991, p. 115) expe que, apesar da
polmica sobre a possibilidade de se mudar ou
no a cultura, h os que acreditam que no s as
culturas mudam como isso pode ser feito de forma
planejada. Para esses adeptos da mudana
cultural, no entanto:
consenso... que o processo no simples,
no barato e no se faz sem provocar alguns
traumas como consequncia. Existe ainda uma
concordncia implcita a respeito de que a
cultura conectada com outros elementos que
sofrero alteraes, tais como estratgia,
estrutura, sistemas de recompensas,
habilidades, procedimentos etc. Tambm
reconhecido que no qualquer mudana de
comportamento que implica mudana cultural
(FREITAS, 1991, p. 115).
Thvenet (1989:153) tambm se pergunta
se seria possvel mudar a cultura; de que natureza
sero as mudanas possveis; e em que condies
podero ocorrer, e apresenta algumas
observaes, das quais destacamos:
- Se possvel mudar de cultura ou mudar a
cultura, necessrio avaliar a dimenso da
mudana. H revolues na cultura ou simples
evolues? Ser necessrio esperar pela
ameaa da sobrevivncia para mudar ou
possvel gerir a evoluo cultural da empresa?
Se existe mudana de cultura preciso saber o
que muda, porque, como vimos, h diversas
-
37
noes e metodologias de cultura. Para alguns,
a mudana de cultura modificao de sinais e,
para outros, passar a uma fase posterior do
processo de evoluo da empresa, mudar
normas de funcionamento, alterar lgicas
fundamentais, e at mudar o patro...
ainda Thvenet quem nos diz:
A cultura um conjunto de hipteses
fundamentais que estruturam a generalidade
dos comportamentos da gesto da empresa;
fruto de uma longa experincia, resulta de um
longo processo de aprendizagem. Seria, por
conseguinte, presuno tentar mud-la ou
imprimir-lhe qualquer outra direo. No se
pode dizer que, para l dos sinais, dos smbolos,
dos comportamentos individuais, h lgicas de
ao profundamente enraizadas no
subconsciente da empresa e, ao mesmo
tempo, promover mtodos mais ou menos
fiveis de transformao dessa realidade
(THEVENET, 1989, p. 154).
J Pettigrew (1989, p. 145 e 146) afirma
categoricamente que possvel, sim, gerenciar a
cultura e, em consequncia, mud-la, mas atribui
uma grande dificuldade tarefa. Para ele, mais
fcil ajustar as manifestaes da cultura do que
mudar o ncleo de crenas e pressupostos bsicos
da organizao.
-
38
Em outro extremo, Omar Aktouf, ao criticar
o que denomina corrente cultura de empresa da
teoria da gesto, nos diz que, para os expoentes
dessa corrente, as empresas podem ter ou ser
uma cultura, que essa cultura pode ser, ou no,
eficiente e bem-sucedida, que ela
diagnosticvel, reconhecvel e, desde que se
tomem certas precaues metodolgicas, pode ser
transformada, manipulada e mudada e at ser
inteiramente criada por lderes, campees, heris
e modelos, que lhe imprimem valores e smbolos
(1994, p. 71-85). A crtica de Aktouf aponta o
cenrio de desagregao econmica como um
campo frtil para o surgimento e proliferao
dessas utopias administrativas.
Aktouf (1994, p. 71-85) nos diz, ainda, que
acreditar na fora exclusiva dos gerentes para
mudar comportamentos crer que a cultura possa
ser alguma coisa diferente da realidade vivida,
espontnea, subjetiva dos indivduos; que ela
possa ser alguma coisa diferente da relao dos
indivduos com suas condies de existncia, para
ser alguma coisa que possa ser decretada e
mudada vontade.
Joanne Martin (1992, p. 168-188), que
defende a ideia de que no existiria uma cultura
organizacional, mas sim mltiplas culturas, trata a
questo da mudana cultural de forma mais
analtica. Em seu livro sobre as trs perspectivas
-
39
de anlise das culturas nas organizaes, ela
demonstra que cada uma das perspectivas v a
mudana de uma forma muito particular. Para os
adeptos da perspectiva da Integrao (em que a
organizao vista como consenso, harmonia e
transparncia de discursos e aes, e na qual a
ambiguidade excluda), a mudana estaria
centrada nos lderes, que teriam a
responsabilidade de responder s presses do
ambiente, mudando o sistema normativo e
controlando o processo. Para a perspectiva da
Diferenciao (marcada pela nfase nas
subculturas, que abrigariam alguma espcie de
consenso interno, e pelo reconhecimento da
existncia do conflito e da ambiguidade nas
relaes entre subculturas), a mudana
resultado da ao coletiva provocada por
influncias organizacionais e do meio ambiente. J
para os pesquisadores que trabalham com o ponto
de vista da Fragmentao (que centram o foco na
ambiguidade, na multiplicidade de vises, na
ausncia de consenso, nas relaes complexas em
que conflito ou harmonia no aparecem com
clareza, e que veem a organizao como teia ou
rede), h um fluxo contnuo de mudanas
provocadas por um ambiente turbulento e pelo
poder difusamente distribudo pela organizao.
Tavares (1991, p. 43-44), ao explicar o
sucesso das empresas japonesas, aponta como
um dos fundamentos da gesto oriental uma
-
40
cultura na qual a definio de mudana : o
estado prprio de ser das coisas, pessoas,
processos, lugares, etc. Segundo a autora, isso
acaba por estabelecer um binmio indissolvel de
permanncia/mutao, que gera uma situao de
relativa segurana no constante mudar. Para ela,
essa a caracterstica de uma cultura da
mudana, alicerada certamente nas filosofias do I
Ching, do Zen Budismo e do Taoismo, que se
opem viso ocidental de mudana de cultura,
geralmente marcada por estados emocionais de
medo, insegurana, frustrao e raiva que
naturalmente provocam resistncias conscientes e
inconscientes.
A viso oriental de mudana constante
entre estados de ordem e de crise nasce tambm
da constatao de que os homens so
naturalmente resistentes mudana. Essa
explicao da alternncia e da indissolubilidade
entre a permanncia e a mutao uma forma de
filosoficamente atenuar a instabilidade gerada pela
crise que geralmente antecede ou acompanha os
processos de transformao. Por isso, os orientais
desenvolvem uma viso a que denominam de
Kaizen (que no tardou em se transformar numa
das modas gerenciais do ocidente), na qual a
mudana vista como processo constante de
aprendizagem e de crescimento.
-
41
Essa cultura da mudana no valoriza
apenas aquilo que se altera, mas tem um
fundamento no que permanece. Assim, h uma
grande flexibilidade nas coisas acessrias (por
exemplo, o produto, o processo de produo, a
localizao das pessoas, etc.), mas no no que
considerado essencial (por exemplo, o substrato
emocional marcado pelas relaes de pertinncia,
de autorrespeito, de comunho de valores e
objetivos, etc.) (TAVARES, 1991, p. 43-44).
No ocidente, a viso marcante a de que a
mudana um fenmeno, um acontecimento, um
rito por que temos de passar em algum momento
de nossas vidas. Por isso, marcamos to bem
essas passagens como rompimentos com o
passado (GENNEP, 1977). Essa viso de que a
mudana representa rompimento gera
sentimentos de perda, de dor, de frustrao, de
impotncia, que geralmente se associam a estados
depressivos e levam, no caso de indivduos ligados
a organizaes, a posturas negativistas. H uma
tendncia fuga da realidade, que produz estados
de ausncia e niilismo. Outra sada se d pela
negao da mudana, muitas vezes marcada por
atos de sabotagem ao processo.
Esses estados tendem a levar as pessoas
ou a se voltarem para o passado (aprisionvel e
seguro) ou a se envolverem apenas
superficialmente com o presente. Esse aparente
-
42
envolvimento com o presente funciona como uma
defesa enquanto se digere o novo.
Freitas (1991, p. 116) nos diz que a
resistncia um trao de vitalidade da cultura
existente, e que funciona como uma espcie de
freio protetor. Deal & Kennedy (apud FREITAS,
1991) reconhecem que as pessoas so resistentes
mudana porque essa gera rupturas nos rituais e
na ordem de suas vidas.
Um exemplo bem marcante de como os
adeptos da corrente cultura de empresa, nos
moldes descritos por Aktouf, veem as resistncias
e tentam min-las nos processos de mudana
pode ser encontrado na meno s ideias de Vijay
Sathe realizada por Freitas (1991, p. 116). O
autor sugere que as pessoas sejam induzidas a
perceber o valor daquilo que est sendo solicitado
a elas, porque se percebem que seus pressupostos
no mais esto sendo confirmados, ou melhor,
esto sendo negados pela realidade, isso
provocar dor, culpa, ansiedade e falta de
confiana, gerando a motivao necessria para
que o novo comportamento possa ser aprendido.
Uma alternativa, citada por Sathe, seria permitir
que as pessoas partissem, o que no s poderia
limpar a organizao de elementos (resistentes)
indesejveis, como sinalizar aos que ficam que a
sada uma ameaa concreta, o que acaba por
-
43
reduzir as racionalizaes prprias da resistncia
cultural.
A corrente dos interacionistas-simblicos,
que engloba antroplogos de vrios matizes, como
Cliford Geertz, Levi-Strauss e Leach, entende a
cultura como linguagem, como conjunto de signos
e cdigos comunicativos. Para esses autores, a
comunicao surge como elemento vital nos
processos de construo, fortalecimento,
transmisso e mudanas culturais.
Tambm Lotman (1989), ao definir cultura
como rede de signos e significados que expressam
e ocultam as intrincadas relaes corporativas, e
como sistemas semiticos ordenados de
comunicao, atribui um papel relevante
memria como instncia ordenadora.
Da deduz-se que, a depender do ponto de
vista e at mesmo das motivaes ideolgicas do
pesquisador, as mudanas culturais ora podem ser
provocadas pelos gerentes e lderes, ora podem
resultar de um processo natural de acomodao e
de adaptao s mudanas ambientais. O fato
que mudana, seja estrutural, gerencial ou
cultural, algo extremamente complexo, e que s
se desencadeia quando os indivduos envolvidos
no processo realmente a percebem como
necessria e a querem. fato, tambm, que um
processo muitas vezes lento, quase imperceptvel,
em razo mesmo das resistncias muitas vezes
-
44
impostas pelos envolvidos e, at mesmo, pela
necessidade que as pessoas tm de digerir
lentamente o desconhecido.
Assim, as relaes das culturas com a
inovao e com as mudanas passam
necessariamente por um processo de comunicao
e se operam nos tensos e ricos embates entre a
memria e o novo, entre o individual e o coletivo,
a lgica e a emoo, o organismo e o ambiente.
Com esta preocupao, objetivamos
interpretar a cultura da Organizao B, a partir de
seus funcionrios, suas vivncias, suas relaes,
seu universo simblico, relacionando cultura e
ideologia aos canais formais e informais de
comunicao interna existentes na empresa.
Para tanto, embora a impossibilidade de
escaparmos da complexidade na abordagem do
tema, onde o levantamento de dados se
transforma num verdadeiro processo de bricolage,
estabelecemos alguns limites para evitarmos que
a pesquisa fugisse ao nosso controle. Exclumos de
nossa anlise, por extrapolar o escopo inicial,
todas as formas de comunicao empresarial de
carter externo (revistas, publicidade,
merchandising, relatrios de diretoria, releases,
matrias na imprensa), embora compreendamos
que esse tipo de comunicao tambm expressa
os elementos simblicos da cultura organizacional.
Uma pesquisa especfica, contudo, ainda se faz
-
45
necessria, uma vez que seria interessante
analisar esse processo de comunicao,
relacionando-o imagem institucional da
organizao junto clientela e sociedade, como
forma de aferir as suas caractersticas, o seu
alcance e a sua eficcia.
Quanto anlise macro poltica, de
importncia definidora na formao da cultura
organizacional, optamos por faz-la a partir de
dados secundrios, identificando e relacionando os
agentes internos e externos envolvidos na relao
Empresa-Governo-Sociedade.
Definidos o referencial terico e os limites
impostos atuao do pesquisador, partimos para
a definio dos procedimentos metodolgicos, a
seguir explicitados.
Estratgias metodolgicas
Na tentativa de captarmos a cultura
organizacional da Organizao B, interpretando
seus elementos simblicos manifestos e/ou ocultos
e relacionando-os aos canais de comunicao
interna, procurando observar as influncias
mtuas, num contexto marcado pelas mudanas
administrativas e estruturais, necessitvamos de
-
46
mtodos de anlise que nos possibilitassem captar
essa realidade complexa na sua totalidade.
Desde o comeo, a necessidade de uma
pesquisa emprica se desenhava como primordial
para a compreenso da lgica que rege o dia-a-dia
da empresa. Paralelamente, uma pesquisa
documental, com consultas a outros trabalhos em
reas conexas, seria til para complemento de
informaes, assim como referncia para
comparaes de resultados.
Optamos, dada natureza do objeto
pesquisado, por metodologias qualitativas, como a
observao participante e a entrevista.
Cientes das limitaes do mtodo (que no
nos permite tratamento estatstico e
classificatrio, alm de oferecer riscos de um vis
informativo, devido influncia do contexto),
afastamo-nos dos famigerados check-lists e suas
formas de enquadramento da realidade, de forma
a descrever o espao analisado e sua apropriao
como significao, como algo que cada cultura
convenciona e inventa, a partir de uma postura
etnolgica.
A observao participante se deu em cinco
localidades: as agncias de Estrela D'Oeste (SP),
Paranaba (MS) e Curitiba (PR); o Centro de
Processamento em So Jos do Rio Preto (SP); e o
Departamento de Treinamento na sede da
-
47
Organizao B. O perodo de anlise compreendeu
os meses de abril, maio e junho de l990. Nesses
locais, investigamos as relaes dos funcionrios
no trabalho e, quando foi possvel, como em
Paranaba, Curitiba e So Jos do Rio Preto, fora
do ambiente da Organizao B. Procuramos,
tambm, captar o vocabulrio e o contedo das
conversas, os gestos, as posturas com relao aos
colegas e aos clientes; compreender o processo de
socializao interna dos novos funcionrios e
estagirios2; conhecer o nvel de participao
poltica e sindical; os sonhos, as aspiraes de
crescimento pessoal e profissional; entender,
enfim, os smbolos que movem os funcionrios e a
organizao no dia-a-dia de sua histria.
Nesses locais, realizamos entrevistas que
seguiram modelos semiestruturados (a partir de
um pequeno nmero de perguntas abertas - vide
anexo l) e no diretivos (onde a conversao era
iniciada a partir de um tema geral, sem
estruturao por parte do investigador). As
entrevistas no diretivas ocorreram principalmente
no Departamento de Treinamento, onde, a partir
de conversas aparentemente informais, foi
possvel captar muito da lgica da produo da
comunicao interna. As entrevistas
2 Havia, na organizao, em razo da proibio de realizar concursos e contratar novos funcionrios, uma poltica de alocao de mo-de-obra nas escolas e universidades, atravs dos CIEE (Centros de Integrao Empresa Escola), remunerando-os com bolsas de manuteno.
-
48
semiestruturadas foram feitas nas dependncias
pesquisadas, por sorteio entre os funcionrios
previamente divididos em estratos, de acordo com
sua funo na organizao (ex. caixas, gerentes).
Os sorteios foram feitos, sempre, com a presena
de um funcionrio, como forma de garantir a
lisura do processo. No total, foram realizadas 39
entrevistas, assim divididas: 03 administradores
(gerentes, chefes); 13 funcionrios de gerncia
mdia (supervisores, gerentes de expediente,
assistentes); 15 funcionrios do posto efetivo
(sem comisso); 04 caixas-executivos; 03
funcionrios da carreira de servios auxiliares
(contnuos e menores); e 01 funcionrio da
carreira tcnico-cientfica, que abrange
advogados, mdicos, engenheiros, etc.
O tempo mdio de cada entrevista foi de 50
minutos, havendo uma, que durou 17 minutos, e
outra que ultrapassou trs horas.
Aps testes iniciais no satisfatrios, em
que a influncia do equipamento causou distores
visveis3 abolimos o uso do gravador, preferindo
conduzir as entrevistas da maneira a mais
informal possvel, porm com redobrada ateno
s manifestaes verbais e no verbais (gestos,
3 O uso do gravador trouxe inibies, posturas defensivas, excesso de racionalizao nas respostas, constante preocupao com o objeto (as pessoas falavam olhando permanentemente para o aparelho, o que afetou sensivelmente os resultados).
-
49
expresses, posturas). Entretanto, sempre que
considervamos relevante e havendo anuncia do
entrevistado, fazamos pequenas anotaes, como
guia para o relato completo, que elaborvamos
imediatamente depois de encerrado o contato.
Vale salientar, ainda, que as entrevistas
eram realizadas a parte, em local prprio, e em
todos os casos era enfatizada a garantia do sigilo
e da discrio, como forma de atenuar os receios e
os medos comuns a quem se submete a esse tipo
de investigao e garantir os pressupostos da
tica em pesquisa.
A anlise procurou interpretar os smbolos
e as bases da cultura organizacional da
Organizao B, luz das hipteses levantadas
anteriormente e reelaboradas durante a
consecuo do projeto, a saber:
a cultura organizacional da Organizao B tende homogeneidade, devido interligao cultural, via treinamento, e desterritorializao, que esfacela as
diferenas regionais; a comunicao informal e a formal se
confundem, em estrutura, linguagem e significao, devido a essa possvel homogeneidade cultural;
apesar dos inevitveis conflitos, contraditoriamente, h uma relao de cumplicidade entre funcionrios e organizao, como manifestao das
-
50
peculiaridades das relaes
empregatcias, caracterizadas pela estabilidade funcional e pela possibilidade de ascenso profissional em um sistema de carreira fechada;
o corporativismo uma das
caractersticas culturais, porque incentivado pelas relaes informais e pela comunicao da empresa, em constantes apelos ao "esprito de corpo";
embora no aparente, o individualismo
marca as relaes internas, apesar dos apelos em contrrio feitos pelos veculos formais de comunicao, devido estrutura hierarquizada e s lutas pela ascenso nessa estrutura.
Quanto ao contedo dos veculos de
comunicao analisados, procuramos identificar a
terminologia, os apelos, os smbolos utilizados,
buscando compar-los com a cultura
organizacional, levando sempre em conta o
carter histrico e o contexto de mudanas por
que passa a organizao.
Entendendo a anlise de contedo como
um conjunto de tcnicas de anlise das
comunicaes, que utiliza procedimentos
sistemticos e objetivos de descrio do contedo
das mensagens (BARDIN, l979), ao definirmos as
categorias analisveis e inferirmos sobre os
resultados, buscamos especificamente a
interpretao, a significao, luz da ideologia e
-
51
da cultura organizacional. Em captulo especfico
sobre a anlise da comunicao interna, essas
categorias sero descritas e definidas.
Nossa anlise centrou-se sobre o Boletim
de Informao ao Pessoal (BIP), abrangendo toda
a sua existncia, incluindo todas as edies extras
(Palavras do Diretor, Boletins da Negociao) que
circularam em momentos crticos da vida
organizacional.
Tambm analisamos o Vdeo BIP, os
folhetos, as instrues normativas, a poltica de
recursos humanos e os veculos criados pelos
funcionrios das diversas dependncias da
Organizao B, na tentativa de compreender o
universo simblico e os campos ideolgicos
implcitos e/ou explcitos nos diversos contedos.
-
52
Captulo 2
A Organizao B
A Organizao B se caracteriza como uma
sociedade annima aberta, de economia mista,
tendo o Governo Federal brasileiro como acionista
majoritrio. O seu novo estatuto, em vigor desde
agosto de 1990, prev como objeto social, no
captulo III, art.5., que: "...tem por objeto
fomentar a produo nacional, promover a
circulao dos bens produzidos, executar a
comercializao de produtos agropecurios de
interesse do Governo Federal, concorrer para o
fortalecimento do mercado financeiro e incentivar
o intercmbio comercial do Pas com o exterior,
mediante: I - a prtica de todas as operaes
bancrias ativas, passivas e acessrias; II - a
prestao de servios bancrios, de intermediao
e suprimento financeiro, sob suas mltiplas
formas; e III - o exerccio de quaisquer atividades
negociais facultadas s instituies integrantes do
Sistema Financeiro Nacional."(DEATE, 1990, p. 03
e 04)
Compete Organizao B, ainda, exercer
as atribuies constantes do art.19 da Lei n.
4.595, de 31 de dezembro de 1964, que o
-
53
caracterizam como instrumento de execuo das
polticas creditcia e financeira do Governo Federal.
Na atualizao da estratgia da empresa,
realizada em 1992, elegeu-se como negcio da
empresa "intermediao financeira, participaes
e servios". No mesmo documento, define-se
como sua misso organizacional "apoiar o
desenvolvimento econmico e social do Pas".
Essas definies vo se mostrar de grande
valia quando estudarmos algumas das
manifestaes da cultura organizacional. Embora
ainda no se tivesse iniciado processo de ampla
difuso interna desses valores eleitos para a
administrao da empresa, eles j eram
conhecidos e processados pela cultura. No
prximo capitulo, veremos que na quase
totalidade das entrevistas a aluso a um papel
social a ser desempenhado pela Organizao B e
seus funcionrios ainda permeava o discurso e
suas racionalizaes.
A Organizao B, hoje, possui
aproximadamente sete mil dependncias no Pas e
quase 40 no exterior, com um total de
funcionrios beirando os 114 mil.
A estrutura da Organizao B
-
54
Antes de analisarmos a estrutura "formal"
da Organizao B, convm esclarecer que
adotamos o termo organizaes a partir da
definio de Parsons (1960, citado por Etizioni,
1980, p. 9) como sendo "unidades sociais (ou
agrupamentos humanos) intencionalmente
construdas e reconstrudas, a fim de atingir
objetivos especficos". Para atingir esses objetivos
as organizaes acabam se caracterizando pelas
"divises de trabalho, poder e responsabilidades
de comunicao, que no so casuais ou
estabelecidas pela tradio, mas planejadas
intencionalmente a fim de intensificar a realizao
de objetivos especficos; (...) a presena de um
mais centros de poder que controlam os esforos
combinados da organizao (...) e substituio do
pessoal" (idem, p. 10). E mais: estabelecem
normas e necessitam imp-las, possuem regras e
regulamentos, do ordens que precisam ser
cumpridas.
Max Weber (in Etizioni: op.cit., p. 85 a 92)
sugere que uma estrutura moderna de
organizao s ser eficiente se possuir autoridade
burocrtica. Para tanto, descreve os aspectos da
estrutura burocrtica e que determinam toda a
racionalidade do sistema:
-
55
"Uma organizao contnua de funes oficiais, ligadas por regras" (o que permite a padronizao de atitudes e aes);
"Uma esfera especfica de competncia..." (com a diviso sistemtica de trabalho, direitos e poder);
"A organizao dos cargos segue o princpio da hierarquia; isto , cada cargo inferior est sob controle e superviso de um posto superior".(a submisso necessita ser permanentemente verificada e reforada);
"As regras que regulam a conduta de um cargo podem ser regras ou normas tcnicas.(...)torna-se necessria uma preparao especializada." (Weber considerava o conhecimento e o preparo como raiz da autoridade burocrtica);
" uma questo de princpio que os membros do corpo administrativo devem estar completamente separados da propriedade dos meios de produo e administrao..." (essa segregao explica o advento da organizao como nova instncia mtica: ela est separada e acima das demais instncias sociais);
" necessria uma completa ausncia de apropriao de suas posies oficiais pelo titular" (as posies no podem ser monopolizadas por qualquer titular e precisam estar livres para serem distribudas e redistribudas de acordo com as necessidades da organizao);
"As regras, decises e atos administrativos so formulados e registrados por escrito..." (Weber aqui salienta a necessidade de a organizao manter uma interpretao sistemtica de normas e imposio de regras).
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Seguindo essa linha, uma anlise
simplificada do organograma da empresa permitia
descrever a Organizao B como uma organizao
burocrtica, caracterizada pela racionalizao e
departamentalizao de funes e pela
hierarquizao do poder administrativo.
interessante verificarmos que, embora
essa hierarquizao fosse legitimamente aceita na
organizao, o poder no se expressava apenas de
cima para baixo, mas podia, em funo da posio
estratgica de alguns cargos, caminhar em
diversas direes.
Assim, muitas vezes um chefe de gabinete
de diretoria, por exemplo, podia deter mais poder
que o prprio diretor, pois a ele era dada a
faculdade de facilitar ou dificultar o fluxo de
projetos e pareceres. Da mesma forma,
superintendentes e gerentes, pela proximidade
que podiam vir a ter de diretores ou presidentes
representam focos de poder e controle internos.
Alm disso, o sistema de remunerao por
salrios, com vistas a compensar os esforos e a
dedicao dos empregados, alm da promoo
sistemtica, que proporcionava o horizonte de
uma carreira, acabava por canalizar as ambies
pessoais aos objetivos da organizao.
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Na poca da pesquisa, a Organizao B
estruturava seu quadro de pessoal em trs
carreiras:
administrativa (com as referncias Escriturrio E.1 a E.12);
tcnico-cientfica (para os cargos de advogado, agrnomo, arquiteto, engenheiro, mdico, veterinrio e zootecnista, com os nveis Inicial, A at H); e
servios auxiliares (em extino, com seis nveis principais, englobava contnuos, serventes, telefonistas, etc.).
Alm dessas carreiras, existiam os
chamados cargos especiais: os isolados (menor
auxiliar de servios de apoio, menor auxiliar de
servios gerais, mecnico de aeronaves, piloto de
aeronaves) e os de provimento no efetivo
(assessor especial do presidente, auxiliar
particular do presidente e secretrio particular do
presidente).
A poltica que norteava a estrutura de
carreiras era a de "retribuir, direta ou
indiretamente, de forma justa e adequada, o
mrito individual, a produtividade e a contribuio
para os objetivos da Empresa" (DIREC, 1989).
Enfatizava-se aqui o bom comportamento e
a boa conduta, avaliados sistematicamente
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atravs do instrumento chamado Avaliao do
Desempenho Funcional.
Mas a forma mais marcante de exercer seu
poder disciplinar estava expressa nas Instrues
Circulares, no livro dedicado ao funcionalismo.
Nele, entre outros assuntos, estavam descritas as
"normas de conduta" que deviam ser seguidas por
todos os funcionrios, desde o momento em que
eram acolhidos pela organizao.
Notava-se uma preocupao de
homogeneizar o trabalhador coletivo, reduzir as
possveis diferenas de ideias e de conduta quilo
que a organizao avaliava como aceitvel.
A Organizao B estabelecia que, alm de
cumprir com as demais instrues regulamentares
e com os dispositivos legais, o funcionrio devia:
"ser assduo e pontual (...); ser diligente, procurando executar seus
servios com tempestividade, presteza, correo, zelo, dedicao e espontaneidade;
ser urbano com colegas e clientes, tratando todos com cortesia e discrio, preservando, por atos e palavras, a boa convivncia interna e prestando atendimento seguro e atencioso ao pblico;
ser respeitoso com os superiores hierrquicos e obediente s suas ordens;
responder no prazo estipulado s interpelaes que lhe forem dirigidas;
zelar pela economia e conservao dos recursos materiais da Organizao B;
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manter conduta inatacvel - respeitando os costumes das comunidades e evitando, dentro e fora do local de trabalho, situaes e procedimentos, tais como improbidade, embriaguez habitual, uso de txico, prtica constante de jogos de azar e outros atos que possam comprometer o conceito da Organizao B ou de seus funcionrios;
guardar sigilo sobre documentos, assuntos e informaes da Organizao B ou de terceiros, a que tenha ou teve acesso em servio ou no local de trabalho;
submeter-se a exame peridico de sade."
Da mesma forma, coibiam-se outros atos
"tambm passveis de exame sob o aspecto
disciplinar", como afixar cartazes ou outros papis
em rea da Organizao B, sem autorizao; fazer
reunio ou propaganda poltica no local de
trabalho, nos clubes de funcionrios e em outras
entidades ligadas aa Organizao B; usar
indevidamente o nome e as marcas da
Organizao B com objetivos particulares ou
polticos; sofrer protesto pelo no pagamento de
dvida; apresentar saldo devedor ou excesso em
conta de cheque-ouro ou utilizar-se de cheque
sem fundos; exercer sem autorizao funes de
caixa; recorrer a terceiros em favor de pretenses
na Organizao B; ocupar-se habitualmente no
local de trabalho de assuntos particulares; exercer
atividade extra organizao quando houver
incompatibilidade de horrios, prejuzo para os
servios internos, risco segurana ou ao sigilo
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bancrio, concorrncia Organizao B ou
acumulao de cargos e funes pblicas;
prejudicar a prestao de servios da Organizao
B; praticar agiotagem; obter emprstimo junto a
cliente da Organizao B; usar a condio de
funcionrio em proveito prprio; criticar
publicamente a Organizao B, superiores ou
colegas; deixar de comunicar ao superior ou aos
rgos de auditoria internos qualquer
irregularidade ou infrao que presencie ou tenha
conhecimento; e no comprovar a aplicao de
adiantamento concedido para tratamentos de
sade.
O mesmo captulo das Instrues atribua
aos administradores das dependncias da
Organizao B o zelo pelo cumprimento das
instrues e o controle das atitudes dos
funcionrios, inclusive nos aspectos ligados sua
apresentao pessoal.
Alm disso, a empresa normatizava
praticamente todas as funes internas, na busca
da racionalidade.
Para Weber, contudo, o problema central
da organizao est na prpria fragilidade da sua
racionalidade, constantemente pressionada por
fatores externos que comprometem a autonomia
exigida para a consecuo de seus objetivos.
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A Organizao B, nesse caso, atestava essa
fragilidade. Se voltarmos histria da empresa,
veremos a permanente ao de agentes externos
a influenciar seus passos. Ora o Governo, ora os
sindicatos, ora a sociedade formulavam e exigiam
mecanismos de atuao para a Organizao B.
Seus prprios objetivos eram concebidos de fora,
constavam de estatutos e documentos legais que
no tiveram sua origem na empresa. Entretanto,
se hoje esses objetivos j esto internalizados a
ponto de alicerarem sua cultura, com certeza isso
se deve a uma espcie de refgio na
racionalizao. Embora frgil, a racionalizao
vista assim como instrumento de defesa contra as
ingerncias externas.
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Captulo 3
O inventrio dos valores internos
A primeira impresso que surgiu no
desvendar da cultura organizacional da
Organizao B foi a de que o diagnstico dos
valores se aproximava ao de outros trabalhos
realizados pela organizao e por outros
pesquisadores, dada a semelhana dos resultados.
Todavia, uma anlise interpretativa do por que da
prevalncia de determinados valores possibilitou
compreender as contradies (que eram muitas) e
os sistemas de mediao desenvolvidos na
empresa para ameniz-las.
Outro ponto que chamou a ateno foi uma
tendncia homogeneidade das respostas e
observaes. Funcionrios com pouco ou muito
tempo de organizao, da pequena ou da grande
agncia, manifestavam opinies e vises
semelhantes sobre um mesmo problema. As
diferenas, que eram muitas, permaneciam
ocultas s racionalizaes.
Isso, com certeza, devia-se ao fato de a
Organizao B se caracterizar como uma empresa
antiga e tradicional, onde os modos de pensar e
fazer foram sendo cristalizados com o tempo.
Tambm porque na empresa as diretrizes e
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normas eram estabelecidas e comunicadas
administrativamente.
O primeiro valor que logo se manifestou foi
o da superioridade. Ele estava presente na
fachada dos prdios da empresa, no leiaute, no
discurso oficial, no discurso comunicativo, na
impresso que os funcionrios tinham da empresa
e de si prprios, e estava intimamente ligado
tradio da Organizao B como agente do
Governo, fomentador do desenvolvimento e
moderador do sistema financeiro. Hoje, essas
funes se diluem numa proposta de banco
mltiplo, mas o sentimento permanece acrescido
de apelos mercadolgicos para a modernidade.
Quando cheguei na cidade onde deveria tomar
posse, no foi difcil localizar a agncia da
Organizao B. Depois da igreja num extremo
da praa, o prdio do outro lado, amplo, com
estruturas em mrmore, fachada envidraada, e
as letras em dourado no deixava dvidas: era
a Organizao B."
Funcionrio da agncia Curitiba, 13 anos de
organizao.
"Confesso que o que me atraiu para a
Organizao B foi o status que o emprego
oferecia. Afinal, trabalharia no maior banco do
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pas e faria parte do melhor grupo de
funcionrios..."
Funcionria do Centro de Processamento, 11
anos de organizao.
"No tenho medo de afirmar: ns somos os
melhores, os mais capacitados, e a concorrncia
sabe disso."
Funcionrio da Direo, 18 anos de organizao.
Paralelamente, a imagem de instituio
slida surgiu e se fortaleceu como marca da
Organizao B. Gerava confiana nos funcionrios
e na clientela. Emprestava aos funcionrios um
sentimento de segurana:
"A Organizao B forte, maior que ns. A
gente passa, mas a empresa fica".
Funcionria da agncia de Paranaba, 14 anos
de organizao.
Prdios grandes e slidos simbolizaram, por
muito tempo, a confiana que um banco deveria
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inspirar. Afinal, a guarda de dinheiro4 ou da
informao do dinheiro5 requer segurana. As
pessoas, portanto, depositam no s o dinheiro,
mas a confiana em ter o que ele representa
seguro, guardado e disponvel para eventuais
necessidades.
Hoje, com a consolidao do processo de
automao bancria iniciado na dcada de 60, o
modelo de banco com grandes prdios comea a
dar lugar a outro que prima pela funcionalidade.
Segundo Accorsi (1992, p. 41), "com a
racionalizao e a automatizao dos servios
bancrios a agncia transformou-se em uma loja
de todas as empresas do conglomerado,
aumentando em muito o seu nmero de
transaes. Passou a ter um modelo de agncia de
atendimento, contando com muitos caixas, maior
nmero de gerentes, agora expostos, e maior rea
de atendimento. A retaguarda, encarregada dos
servios contbeis, foi deslocada para ncleos que
centralizam vrias agncias". Havia uma
tendncia, que j comeava a se firmar, de
transformao das agncias e prdios bancrios
em pontos de venda, verdadeiros supermercados
4 Mercadoria que para os bancos um fetiche, um fim em si mesmo;
mas para o cliente bancrio incorpora outros significados como a realizao material dos sonhos, por exemplo. 5 A informao se materializa nas aplicaes financeiras, nas transferncias automticas, em que o dinheiro no aparece mais como mercadoria tangvel, mas como simples dado informativo.
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de produtos financeiros, estruturadas sob as
modernas tcnicas de merchandising.
No perodo em que realizamos a pesquisa,
a empresa se movia, buscava se adaptar a novos
e difceis tempos, e isso inquietava os
funcionrios. Havia o risco de a empresa perder a
sua identidade e esfarelar-se em mltiplas
atividades. Essa postura era vista com
desconfiana, como ameaa solidez. Sem
solidez, a segurana deixaria de existir. Outros
fatores tambm influenciavam essa insegurana
que detectamos na pequena e na grande agncia,
no Centro de Processamento e nos departamentos
da Direo, como veremos mais adiante.
Mesmo assim, o conceito de grandeza e
superioridade permeava o discurso dos
funcionrios em todas as entrevistas realizadas,
ora nas manifestaes racionais, ora nas
expresses no verbais, como entonao, um
encolher de ombros, um sorriso irnico ao se
referir concorrncia, etc. Essa crena vinha
certamente dos rgidos critrios de seleo, dos
esforos de treinamento e dos incentivos
ascenso na carreira.
O ingresso por concurso pblico,
reconhecido interna e externamente como
transparente e democrtico, diferenciava o
funcionrio da Organizao B dos de outras
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empresas pblicas e privadas, reforando a noo
de superioridade.
Entretanto, a seleo por concurso em
perodos crticos e recessivos, como o que
vivamos h mais de uma dcada, gerava uma
procura muitas vezes superior existncia de
vagas. Isso acabou por forar uma seleo mais
rgida, que trouxe para o interior da organizao
muitos novos funcionrios, dotados de qualificao
superior exigida para sua funo.
Essa inadequao entre formao e funo
teria sido, entre outras causas que veremos
adiante, responsvel por posturas de insatisfao
profissional, acomodao e niilismo. Essa ltima
postura, vale ressaltar, no se apresentava com
intensidade nos novos funcionrios, mas
principalmente naqueles com 15 anos ou mais de
empresa e que nunca se sentiram valorizados.
Mas o concurso, ressaltemos, era mito
inatacvel. Como ilustrao, podemos citar o
episdio ocorrido no certame realizado em
1991/1992: aps a divulgao do resultado da
etapa realizada no Distrito Federal, alguns
funcionrios localizados em algum ponto da
estrutura se deram ao trabalho de identificar os
primeiros classificados, em uma relao ordenada
de forma alfabtica. Com a constatao de que
havia coincidncia de sobrenomes entre os
primeiros 20 classificados, logo acabaram por
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identificar, como donos desses sobrenomes, o
chefe de gabinete da Diretoria de Recursos
Humanos, o chefe da diviso responsvel pela
elaborao das provas e mais o gerente de uma
agncia do DF.
A divulgao da "pesquisa" foi automtica e
se utilizou de todos os recursos disponveis: telex,
fotocpias, fax e a rede de correio eletrnico.
Da surpresa da acusao, os funcionrios
evoluram para um estgio de profunda indignao
e revolta. Afinal, um dos alicerces da cultura da
Organizao B estava sendo implodido.
De repente, at parentes prximos comearam
a questionar minha aprovao no concurso que
fiz h mais de 10 anos. Todos pareciam duvidar
de minha capacidade. Faziam piadinhas sobre
quem teria sido meu padrinho. No deu para
aguentar...".
Funcionrio de Agncia em Braslia, 11 anos de
organizao.
Com a acusao de fraude, a diferenciao
que caracterizava o sentimento de superioridade
perdia seu nexo.
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"Agora estamos no mesmo saco, no mesmo
lugar comum de todos os que entraram nos
seus empregos pela porta dos fundos. Quem vai
acreditar que o concurso da Organizao B
srio, honesto?"
Funcionrio de Agncia em Braslia, 10 anos de
organizao.
Nem mesmo as punies exemplares
(demisso por justa causa para o chefe de
gabinete; demisso sem justa causa para o chefe
de diviso; destituio do cargo, por omisso,
para o chefe do departamento responsvel pela
seleo) e a anulao das etapas at ali realizadas
conseguiram apagar a mancha que se fixou
imagem do concurso da Organizao B.
Outro valor compartilhado por toda
organizao era o da honestidade, de princpios e
de propsitos. A empresa era honesta, porque
cumpria irrestritamente a lei, porque atuava com
seriedade e com tica num mercado muito
acirrado. Porque espelhava honradez nos seus
compromissos e era transparente na sua relao
com a sociedade. Seus funcionrios eram,
portanto, honestos e carregavam essa boa fama:
eram bons pagadores, bons planejadores das suas
prprias vidas, corretos e ticos no
relacionamento organizacional e social.
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A grande maioria das entrevistas revelou
esse valor como um dos caractersticos da
empresa. Porm, como um funcionrio
entrevistado revelou:
"As pessoas tentam ser honestas, porque so
obrigadas. Quem sai da linha punido... a
instruo bem clara".
Essa declarao atiou antigas indagaes
do pesquisador: o concurso seria to perfeito que,
alm de selecionar os funcionrios pelo ndice de
conhecimento, selecionaria tambm os melhores
cidados? Certamente que no. Ento, como o
valor da honestidade e da boa tica se espalhou
por praticamente toda malha organizacional? Essa
primeira contradio nos levou a aplicar um
conceito ainda pouco utilizado nas anlises
organizacionais, sempre to marcadas pelas
abordagens positivistas que j se contentariam
com a constatao. Como pretendamos ir um
pouco alm do bvio, do facilmente observvel,
encontramos no conceito de mediao, entendida
como a aliana entre as restries (coeres) e os
privilgios oferecidos ao indivduo, uma forma de
explicar o porqu de determinadas posturas
organizacionais.
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Desde que era aprovado no concurso, o
funcionrio passava a ser visto como patrimnio
da empresa - o seu maior patrimnio, como
pregava o discurso institucional -, suas atitudes
eram extenses das atitudes organizacionais. A
empresa emprestava ao funcionrio a sua
grandeza, o seu status, mas exigia atitudes
compatveis. Impunha uma linha de conduta que
devia ser cumprida. O no cumprimento, mesmo
que parcial, podia ser "passvel de exame sob o
aspecto disciplinar" (vide captulo 2).
A formalidade revelou-se outro trao
significativo numa empresa burocrtica,
hierrquica, onde havia normas para tudo. Na
Organizao B, a velha mxima de que "vale o
que est escrito" ainda imperava, apesar dos
esforos recentes que visavam desemperrar a
mquina administrativa e operacional e torn-la
suficientemente gil para os desafios da mudana.
A observao participante, em todas as
dependncias pesquisadas, detectou o carter
formal que envolvia os relacionamentos entre
funcionrios e entre estes e a clientela. Embora,
s vezes, o relacionamento pudesse parecer
informal, descontrado, via-se por trs toda uma
estrutura formal a reger as atitudes e as tomadas
de deciso. O prprio pesquisador, ao iniciar suas
observaes nas dependncias da Organizao B,
deparou-se com a fora desse valor.
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Aps ligar para o departamento de
formao do pessoal, pedindo informaes sobre
como proceder para realizar pesquisas no interior
da empresa, fomos informados por um funcionrio
de que bastaria nos dirigirmos s dependncias
selecionadas, identificarmo-nos como funcionrio
e expor as razes de nossa pesquisa. Assim
procedemos na agncia de Estrela D'Oeste (SP). O
gerente nos recebeu incrdulo e defensivo; exigiu,
alm da carteira funcional, nomes e telefones no
departamento e na agncia que controlava a folha
de pagamento. Fez-nos esperar mais um dia.
Nesse dia, relutou, ainda, em nos proporcionar
acesso aos funcionrios. S aps muita
insistncia, acabou permitindo as entrevistas e a
observao, porm com o acompanhamento do
auxiliar da gerncia.
Depois de novo contato com o
departamento de formao, foram-me fornecidas
cartas de apresentao. As facilidades que se
seguiram, com livre acesso a outras dependncias,
quando fomos muito bem-recebidos, atestaram
que a formalidade abre portas na empresa.
Outro valor, j mencionado em outras
pesquisas, tambm surgiu nas entrevistas por ns
realizadas, embora detectemos falhas na sua
anlise e observao: a sociabilidade interna,
sempre glorificada como um fenmeno da cultura
da empresa.
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A sociabilidade, para ns, deve ser vista
luz das contradies que encerra e oculta, como o
carter individual da carreira, as disputas internas
por cargos, o jogo de interesses, as idiossincrasias
do poder. Ela tambm aparecia como uma das
exigncias mediadas, visando o bom andamento
da organizao. Por isso, tendia a ocorrer apenas
no mbito da empresa. Raramente extrapolava as
barreiras fsicas da Organizao B. L fora, o
individualismo, sempre to negado, mas quase
sempre seguido, imperava. Apenas nas chamadas
agncias de grande rotatividade de funcionrios,
como era a agncia de Paranaba (MS), e
certamente por uma questo de sobrevivncia, a
sociabilidade se manifestava na forma como
queriam nos fazer acreditar que existia. O que
quase sempre presenciamos foi uma socializao
corporativa, voltada para o interior do grupo, nas
agncias e nas associaes de funcionrios.
Em sua pesquisa de mestrado, Eboli (1990,
p. 208 e 209) considerou esse trao como
"sustentculo das relaes de trabalho", como
fonte integradora que superava focos de
insatisfao pessoal e profissional. No podemos
negar sua importncia, mas temos que levar em
conta a ao mediadora e coercitiva da empresa
que, vale frisar, sempre exigiu tal postura. As
correspondn