Comunicação organizacional

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Transcript of Comunicação organizacional

  • COMUNICAO INTERNA

    E

    CULTURA ORGANIZACIONAL

    Edio Revista e Atualizada

    Joo Jos Azevedo Curvello

    Braslia, 2012

  • Esta obra est licenciada sob a licena Creative Commons

    Atribuio-No Comercial-Sem Derivados 3.0 No Adaptada.

    Para ver uma cpia desta licena, visite

    http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/.

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua

    Portuguesa de 1990

    Ficha elaborada pelo bibliotecrio Massayuki Franco Okawachi CRB1/1821

    C981c Curvello, Joo Jos Azevedo.

    Comunicao interna e cultura organizacional / Joo Jos Azevedo

    Curvello. 2. ed. rev. e atual. Braslia : Casa das Musas, 2012.

    162 p.

    ISBN 978-85-98205-83-0

    1. Comunicao nas organizaes. 2. Cultura organizacional.

    3. Comunicao interna. 4. Desenvolvimento organizacional.

    I. Ttulo.

    CDU 65.012.61

  • Para

    Ana Cristina, companheira

    Ana Carolina e Ana Beatriz, minhas filhas

    Diogar e Iolanda, meus pais

  • Sumrio

    Introduo ........................................................ 9

    Captulo 1 ........................................................ 13

    A relao entre cultura e comunicao

    ................................................................................ 13

    Por que pesquisar .......................................... 15

    Percursos tericos ......................................... 21

    Comunicao Interna ........................................... 22

    Cultura Organizacional ......................................... 28

    Estratgias metodolgicas ........................ 45

    Captulo 2 ........................................................ 52

    A Organizao B ............................................. 52

    A estrutura da Organizao B ................. 53

    Captulo 3 ........................................................ 62

    O inventrio dos valores internos ......... 62

    A instncia da admisso ............................. 83

    O jogo interno do poder ............................. 87

    Das razes do vnculo ................................... 88

    A transio cultural ...................................... 99

    Captulo 4 ...................................................... 101

  • A comunicao interna na Organizao

    B ............................................................................ 101

    O discurso que pasteuriza ....................... 111

    Fluxos e refluxos .......................................... 117

    O informal imita o formal ......................... 119

    Captulo 5 ...................................................... 124

    Consideraes Finais .................................. 124

    Posfcio ......................................................... 130

    A renncia do verbo .................................... 130

    Um olhar sobre a comunicao no oficial em

    um grande banco brasileiro .............................. 130

    Um novo olhar sobre o passado ...................... 130

    A mudana que permanece .............................. 132

    O no oficial imita o oficial ............................... 143

    Proliferao e qualidade .................................... 144

    A renncia .............................................................. 148

    Bibliografia ................................................... 152

  • 9

    Introduo

    Este livro, que agora apresentamos em sua

    segunda edio revista, atualizada e ampliada,

    nasceu da convico de que a comunicao

    organizacional constitui elemento vital para a

    construo de um universo simblico que, aliado

    s polticas de administrao de recursos

    humanos, contribui para aproximar e integrar os

    pblicos aos princpios e objetivos centrais da

    organizao.

    Tambm partiu da hiptese de que pela

    tica da comunicao que podemos conhecer e

    compreender a cultura organizacional, alm de

    captar a lgica das relaes internas, suas

    contradies, suas mediaes, para melhor

    compreender os estgios administrativos, os

    sucessos e fracassos organizacionais e as

    facilidades ou dificuldades impostas s mudanas

    institucionais.

    Buscou-se, portanto, fazer essa ligao

    entre comunicao e cultura, a partir de uma

    abordagem qualitativa realizada no contexto de

    uma grande instituio do sistema financeiro

    brasileiro. Essa pesquisa resultou em dissertao

    elaborada sob a orientao do Prof. Dr. Wilson da

    Costa Bueno e apresentada ao Programa de

    Mestrado em Comunicao Social da Universidade

    Metodista de So Paulo, em 1993.

  • 10

    A verso aqui apresentada traz dados e

    conceitos atualizados, como resultado da

    continuidade dos estudos acerca do fenmeno da

    comunicao e da cultura nas organizaes, que

    levou a um aprofundamento das questes tericas

    inicialmente concebidas.

    O novo texto (novo, por que quase todo

    reestruturado) procura realizar com maior clareza

    a ponte entre a cultura organizacional e a

    comunicao praticada no interior das

    organizaes.

    Com sua publicao, pretendemos

    contribuir para o debate acerca do problema e

    apoiar professores e estudantes que se dedicam

    ao tema, sem termos, contudo, a pretenso de

    esgotar o assunto, reconhecidamente complexo.

    O trabalho original resultou de mais de trs

    anos de pesquisa e reflexo sobre o processo de

    comunicao organizacional no interior de uma

    das maiores instituies financeiras na Amrica

    Latina, no qual analisamos a comunicao interna

    praticada por essa organizao, incorporando o

    estudo de sua cultura organizacional, a partir de

    uma abordagem multidisciplinar, que buscou

    incluir as dimenses poltica, ideolgica e

    simblica.

    Procuramos interpretar a cultura e a

    ideologia da organizao, a partir de seus

  • 11

    funcionrios, suas vivncias, suas relaes, seu

    universo simblico, relacionando cultura e

    ideologia aos canais formais e informais de

    comunicao interna existentes na empresa e

    procurando observar as influncias mtuas, num

    contexto marcado por mudanas administrativas e

    estruturais.

    Para atingir o objetivo proposto, utilizamo-

    nos de metodologias qualitativas (entrevistas e

    observao participante), de pesquisa a dados

    secundrios e de anlise qualitativa de contedo

    dos veculos de comunicao interna.

    Para a publicao, porm, tivemos o

    cuidado de omitir o nome da organizao

    pesquisada. Adotamos, em substituio, o

    pseudnimo de Organizao B. Como

    complemento descrio da pesquisa, tambm

    apresentamos dados mais atualizados sobre o

    processo de mudana por que continua passando

    a organizao pesquisada. Esses dados foram

    levantados junto a documentos produzidos ou

    patrocinados pela prpria organizao, alm da

    observao direta do autor.

    Braslia, outubro de 2012.

  • 12

  • 13

    Cultura comunicao e comunicao cultura.

    (HALL, 1994, p. 215)

    Captulo 1

    A relao entre cultura e comunicao

    A comunicao empresarial interna exerce

    papel estratgico na construo de um universo

    simblico, que, aliado s polticas de

    administrao de recursos humanos, visa

    aproximar e integrar os pblicos aos princpios e

    objetivos centrais da empresa. Para tanto,

    apropria-se dos elementos constitutivos desse

    universo simblico (histrias, mitos, heris,

    rituais) na construo e veiculao das mensagens

    pelos canais formais (jornais, boletins, circulares,

    reunies), numa permanente relao de troca com

    o ambiente.

    Essa caracterstica do processo

    comunicativo, entretanto, tem sido pouco

    pesquisada, uma vez que as pesquisas em

    comunicao organizacional tm privilegiado a

    anlise da estrutura ou do contedo manifesto das

    mensagens, sem incorporar os valores e ideais

    que norteiam a produo e sem se preocuparem,

  • 14

    na maioria dos casos, em analisar o contexto em

    que est inserida, englobando a os aspectos

    ideolgicos, sociais e culturais.

    Por outro lado, a cultura organizacional

    vem ganhando corpo como objeto de anlise dos

    estudiosos de organizaes, justamente por seu

    carter de definidora das aes internas. Atravs

    da instncia da cultura organizacional possvel

    captar a lgica das relaes internas, suas

    contradies, suas mediaes, para melhor

    compreender os estgios administrativos, os

    sucessos e fracassos organizacionais e as

    facilidades ou dificuldades impostas s mudanas

    institucionais.

    Embora o processo comunicativo seja

    considerado pelos tericos da rea como uma das

    instncias analisveis na abordagem da cultura

    organizacional, o que vemos a predominncia de

    estudos que se referem apenas de passagem

    comunicao, limitando-se a descrev-la, como

    forma de melhor ilustrar suas concluses.

    Assim, poucas vezes a pesquisa em

    comunicao empresarial tem abordado a cultura

    organizacional e so poucos os casos em que a

    pesquisa da cultura de empresa tem abordado a

    comunicao como instncia importante para a

    difuso e consolidao dessa cultura.

  • 15

    Por que pesquisar

    A organizao em que realizamos nossa

    pesquisa e que passaremos a denominar

    Organizao B uma das maiores instituies

    financeiras do Brasil (com mais de 114 mil

    funcionrios, 36 milhes de clientes, e quase sete

    mil agncias e unidades de atendimento1). Nos

    mais de 200 anos de sua histria exerceu, por

    longo tempo, o papel de principal instrumento de

    execuo das polticas econmica, creditcia e

    financeira do governo federal e de agente indutor

    e moderador do mercado.

    Entretanto, desde o reordenamento das

    finanas do governo iniciado ainda no Plano

    Cruzado, em 1986, na qual a empresa perdeu

    muitas de suas caractersticas de autoridade

    monetria, vem ocorrendo um verdadeiro

    processo de mudana de comportamentos e

    estruturas. Essas mudanas ocorreram,

    principalmente, em trs momentos: 1979 (com a

    reforma na Direo Geral e a primeira tentativa de

    introduo dos conceitos de administrao

    estratgica), 1986 (com a perda da chamada

    "Conta Movimento"), em 1990 (com o projeto de

    reforma administrativa denominado "Novo Rosto

    da Organizao B") e, principalmente, em 1995,

    1 Dados de setembro de 2012, sem levar em conta os terminais

    eletrnicos de autoatendimento.

  • 16

    com a implantao do Programa de Desligamento

    Voluntrio de funcionrios, que impactou

    decisivamente alguns pilares de sua cultura

    organizacional. Os empregados, adaptados que

    estavam a um papel com forte apelo social e

    desenvolvimentista, foram deslocados para uma

    misso de forte competio, no campo minado

    que caracteriza o mercado financeiro comercial.

    Se considerarmos a evoluo do

    pensamento administrativo e os estgios de

    mudana ambiental, podemos dizer que a

    Organizao B passou de um estgio marcado pela

    preocupao com a estrutura organizacional, em

    que o paradigma era o das empresas grandes e

    slidas, com estruturas gigantescas e estveis,

    marcadas por uma centralizao do poder

    administrativo, para outra fase marcada pela

    estratgia empresarial, na qual a empresa vista

    como um todo articulado, que pode ser mudado

    continuamente, sempre que o ambiente o exija

    (vide OLIVEIRA, 1988: p. 18 e 23).

    A Organizao B, na poca em que

    realizamos a primeira parte da pesquisa

    (1990/1993), visava modernizar-se, com ampla

    reorientao estrutural e tentando satisfazer s

    necessidades de adaptao a uma nova realidade

    em constante mutao. Para isso, buscava superar

    o estgio de atraso tecnolgico, com grandes

    investimentos na informatizao via on-line e

  • 17

    ampliao e reorientao de sua rede de centros

    de processamento, alm de implantar um novo

    modelo organizacional para as agncias, onde a

    tnica passava a ser a melhoria no atendimento

    ao cliente.

    A empresa comeava a deixar, portanto, de

    se preocupar estritamente com o processo

    produtivo, com os servios internos, para voltar-se

    para o ambiente externo. Isso implicou, tambm,

    que os funcionrios alterassem comportamentos,

    passassem a nortear suas aes por novas

    normas, valores e aspiraes. O modelo do

    funcionrio ideal deixava de ser o que cumpria

    fielmente as normas e passos administrativos, e

    passava a ser aquele capaz de mltiplas aes, de

    tomar decises e captar clientes em potencial.

    Por meio de um folheto condensado, o

    ento denominado Departamento de Organizao

    e Mtodos, apontava as diretrizes do que deveria

    ser valorizado em matria de comportamento, no

    novo modelo organizacional: "descentralizao do

    poder decisrio; valorizao funcional;

    democratizao, engajamento e participao;

    preocupao centrada no cliente; flexibilidade;

    desenvolvimento intra e interequipes;

    autodesenvolvimento organizacional" (DEORG,

    1989, p. 33).

    Com essa proposta, a Empresa buscava

    melhorar a comunicao formal e informal entre

  • 18

    os diversos nveis hierrquicos; elevar o grau de

    motivao do corpo funcional; e estimular a

    interao interpessoal, intergrupal e com o

    ambiente externo" (DEORG, 1989, p. 14), atravs

    da "busca do consenso", da "homogeneizao dos

    conhecimentos", do " comprometimento com os

    objetivos" e da " confiana mtua" (DEORG, 1989,

    p.18).

    A Organizao B "precisa mudar a cara, o

    corpo, a roupa, a mente. Precisa ser eficaz, gil,

    enxuto. Precisa ser til sociedade, pois sabe que

    s a utilidade preserva a existncia", dizia um

    comunicado interno (PRESI, 1990, p. 4).

    Isso implicou, certamente, interferncia na

    cultura da organizao, na busca de administr-la

    e muda-la, como se fosse possvel atingir tais

    objetivos em curto prazo. Da, perguntamos: a

    organizao conhecia a cultura que a move? Tinha

    ideia da amplitude com que esta se reveste?

    Compreendia a lgica e os mecanismos que a

    construram atravs dos tempos?

    Para a Organizao B, conforme relatado

    em documento interno, a cultura organizacional se

    traduzia, na poca, como os "sistemas gerenciais,

    mtodos de trabalho, atitudes e comportamentos

    do funcionalismo" (DEORG, 1989, p. 29). Em

    outro documento, a poltica de recursos humanos,

    pregava uma cultura organizacional que

    proporcionasse uma atitude de "compromisso da

  • 19

    Organizao B com a sociedade e para a

    integrao dos funcionrios nas comunidades"

    (DIREC, 1987, p. 25).

    Como vimos, a organizao conhecia

    apenas uma faceta das mltiplas que constituem a

    sua cultura. Ao privilegiar uma nica corrente

    conceitual, encobria toda uma rede de smbolos e

    significados capazes de trazer tona o ethos

    multifacetado da organizao. Percebemos, nessa

    postura, uma preocupao de mascarar a

    existncia de conflitos. Evit-los parecia ser a

    maneira mais econmica de super-los. Dava-se a

    entender que o simples incremento motivacional,

    a busca incessante do consenso, do engajamento,

    da cooperao, na melhor tradio da Escola de

    Relaes Humanas, seria capaz de limpar a

    organizao de conflitos que poriam em risco sua

    existncia.

    Para isso, a Empresa criou, por intermdio

    dos meios de comunicao interna, o que Etizioni

    chamou de "quadro irreal de felicidade", ao

    conceber a organizao como uma famlia ideal,

    onde no havia a luta de poder entre grupos com

    valores e interesses conflitantes (ETIZIONI, 1980,

    p. 70).

    Nesse contexto, a comunicao da empresa

    procurou passar essas novas posturas, via apelos

    mais ou menos diretos, como "a responsabilidade

    histrica e social do funcionalismo da Organizao

  • 20

    B"; "o trabalho, dedicao e conscincia sempre

    marcaram nosso funcionalismo"; "o funcionrio

    deve vencer o seu desafio pessoal de dedicao e

    de eficincia em seu posto de trabalho"; "a

    Organizao B somos ns"; "o caminho a trilhar

    passa necessariamente pelo comprometimento de

    todo corpo funcional com as decises que vierem a

    ser tomadas"; "ns, funcionrios da Organizao

    B, segmento altamente conscientizado da

    realidade nacional, certamente no vamos nos

    dissociar deste processo"; entre outros.

    O Boletim de Informao ao Pessoal (BIP),

    o Vdeo-BIP, o veculos eletrnicos, os encartes, as

    edies extras e os folhetos especiais editados

    poca procuravam mostrar, com maior ou menor

    eficcia, a preocupao da Organizao B em

    forjar novas conscincias, novos comportamentos,

    nova cultura, em suma.

    Marcados por esse contexto, e

    influenciados pelas adaptaes ou reaes

    mudana, procuramos ento nos inserir no interior

    da Organizao B, com o objetivo de interpretar a

    cultura e a ideologia da organizao, relacionando-

    as com a produo e a significao das mensagens

    comunicativas direcionadas aos funcionrios,

    atentando, tambm, para a apropriao desse

    universo simblico pela rede informal.

    Procuramos trazer tona, com este livro,

    aspectos at agora pouco pesquisados, como o

  • 21

    universo simblico, o campo das relaes

    informais e o embate dos fluxos comunicativos,

    tudo isso luz da cultura organizacional que baliza

    a vida da organizao.

    Percursos tericos

    A pesquisa no mbito das organizaes tem

    ampliado seu campo de anlise, com a inteno de

    incluir elementos formais e informais e sua

    articulao; os grupos informais e suas relaes

    internas e externas organizao; as mediaes

    sociais e materiais; a ideologia e o universo

    simblico; e, tambm, a compreenso de que os

    conflitos e contradies so inerentes vida

    organizacional. Nesse contexto, ganha fora a

    pesquisa da comunicao praticada na

    organizao, pois se constitui num dos elementos

    essenciais no processo de criao, transmisso e

    cristalizao do universo simblico (ETIZIONI,

    1980, p.70 e FLEURY, 1989, p. 24).

    Para compreender a dinmica relao entre

    a comunicao interna de uma organizao e sua

    cultura organizacional, necessrio definir e

    trabalhar os conceitos mais utilizados por outros

    estudiosos das reas.

  • 22

    Comunicao Interna

    A comunicao interna, durante muitos

    anos, foi definida como aquela voltada para o

    pblico interno das organizaes (diretoria,

    gerncias e funcionrios), buscando informar e

    integrar os diversos segmentos desse pblico aos

    objetivos e interesses organizacionais.

    Hoje, podemos definir a comunicao

    interna como o conjunto de aes que a

    organizao coordena com o objetivo de ouvir,

    informar, mobilizar, educar e manter coeso

    interna em torno de valores que precisam ser

    reconhecidos e compartilhados por todos e que

    podem contribuir para a construo de boa

    imagem pblica.

    Geralmente, engloba a comunicao

    administrativa (por meio de memorandos, cartas-

    circulares, instrues), a comunicao social (que

    se utiliza de boletins, jornais internos, vdeo-

    jornais, revistas, intranet) e a comunicao

    interpessoal (comunicao face-a-face,

    funcionrios/funcionrios, chefias/subordinados).

    A nossa pesquisa procura compreender esse

    processo interno, centrando sua anlise, contudo,

    na comunicao de carter social, tambm

    chamada motivacional por alguns autores, por

    entendermos que encerra a difuso ideolgica e

    simblica da organizao.

  • 23

    A comunicao no interior das organizaes

    se opera por meio de fluxos, geralmente quatro,

    aqui identificados: fluxo ascendente, fluxo

    descendente, fluxo horizontal e, com o advento

    de tecnologias como o e-mail e as intranet, o fluxo

    transversal.

    Na comunicao empresarial, de forma

    geral, prevalece o fluxo descendente, com as

    informaes se originando nos altos escales e

    sendo transmitidas ao quadro de funcionrios, por

    meio de inmeros canais, entre eles os clssicos

    boletins ou jornais de empresa.

    O fluxo ascendente se caracteriza pelas

    informaes, geralmente sugestes, crticas e

    apelos, oriundas dos funcionrios e dirigidas

    direo. As sees de cartas, as colaboraes,

    existentes em quase todos os jornais de empresa

    e particularmente naquele por ns analisado,

    caracterizam esse fluxo.

    O terceiro fluxo aquele que move a

    organizao no seu dia-a-dia, atravs da

    comunicao entre pares, entre setores, situando-

    se quase sempre no campo informal, e por isso,

    sendo chamado de horizontal ou lateral.

    O fluxo transversal teria o poder de

    subverter as hierarquias, ao permitir a

    transmisso de mensagens entre funcionrios de

    diferentes setores e/ou departamentos e mesmo

  • 24

    entre nveis hierrquicos diferentes, sobretudo no

    contexto de projetos e programas

    interdepartamentais.

    A partir dessas definies e da observao

    de situaes concretas, Bueno (1989, p.74)

    estabelece uma tipologia em virtude da

    prevalncia de um determinado tipo de fluxo.

    Dessa forma, os sistemas de comunicao de

    classificariam em burocrtico (prevalncia do fluxo

    descendente, atravs de canais burocrticos ou

    formais); retroalimentador (predomnio do fluxo

    ascendente, possibilitando permanente feedback);

    espontneo ou informal (onde so constantes e

    regulares os mecanismos de comunicao

    horizontal e de comunicao transversal); e

    democrtico (aquele em que os distintos fluxos

    coexistem sem se sobreporem).

    Nesse contexto, importante distinguir,

    tambm, as redes de comunicao, aqui

    entendidas como formal e informal. A rede formal

    refere-se quela que "deriva ou est autorizada

    pela estrutura burocrtica da empresa" (BUENO,

    1989, p.75), e depende da existncia de canais

    formais de comunicao, como o jornal de

    empresa, por exemplo. J a rede informal origina-

    se nas manifestaes comunicativas naturais ao

    relacionamento dos grupos que constituem a

    organizao.

  • 25

    Torquato (1986, p. 51) ao oferecer uma

    abordagem disciplinar comunicao

    organizacional aponta trs dimenses: a

    comportamental, a social e a ciberntica. A

    dimenso comportamental estaria ainda dividida

    nos nveis intrapessoal, interpessoal (ver THAYER,

    1979) e grupal, estando relacionada ao

    comportamento dentro das organizaes,

    incorporando aspectos culturais e psicolgicos. A

    dimenso social se caracteriza pela transmisso de

    mensagens, via canais indiretos, para uma

    recepo no definida, seguindo os modelos

    clssicos de comunicao. J a dimenso

    ciberntica estaria relacionada ao controle e

    armazenamento de dados e difuso de

    informaes, ancorada na moderna tecnologia de

    informtica.

    Esses conceitos, contudo, nos deixam a

    impresso de que a comunicao organizacional

    interna se d de forma fragmentada e setorizada.

    Certamente, essa viso vem das origens dos

    estudos que levaram construo desse

    arcabouo terico, todos de inspirao

    funcionalista, quase sempre com a preocupao

    de sistematizar e orientar aes de comunicao

    nas organizaes, a partir de modelos ideais.

    A comunicao organizacional, entretanto,

    est inserida num macro ambiente que exerce

    forte influncia, agindo por meio de fatores

  • 26

    psicolgicos, sociais e culturais e que muitas vezes

    interfere decisivamente no processo comunicativo.

    Por isso, achamos importante, alm de estudar a

    produo e o cdigo das mensagens do sistema de

    comunicao interna da Organizao B, pesquisar

    a cultura organizacional da organizao como

    instncia definidora. Como afirma Bueno (1989,

    p.77):

    "cada vez mais, fica evidente que as

    manifestaes no campo da comunicao

    empresarial esto atreladas cultura da

    organizao e que cada indivduo, cada fluxo ou

    rede, cada veculo ou canal de comunicao

    molda-se a esta cultura".

    Antes, Torquato (1986, p. 87-89), ao

    desenvolver proposta de atuao de uma rea que

    chamou de "comunicao cultural", que se

    encarregaria de "abrigar as relaes que ocorrem

    nos nveis: intrapessoal, interpessoal e grupal", j

    propunha em vincular a esta o estudo da cultura

    organizacional. Para ele, a cultura organizacional

    seria:

    "o amlgama das polticas, estratgias,

    posicionamentos, normas e atitudes da

    organizao utilitria, e passada para seus

    participantes, via rede formal de comunicao,

    constituda por um leque variado de canais,

    entre eles, os formulrios, as cartas, os

    memorandos, os relatrios de desempenho, os

    folders, folhetos, jornais, e revistas, cartazes,

  • 27

    impressos, de um modo geral, e tambm pela

    farta pauta de reunies formais entre chefes e

    subordinados, ou entre elementos do mesmo

    nvel funcional".

    Torquato pretendia, com sua proposta, o

    uso adequado do modelo de comunicao para o

    estudo da cultura organizacional, que, segundo

    ele, no vinha sendo devidamente analisada.

    De l para c, contudo, a cultura

    organizacional ganhou corpo como objeto de

    anlise dos estudiosos das organizaes, algumas

    pesquisas de flego foram realizadas, o referencial

    terico e metodolgico ganhou contornos de

    disciplina e j possvel encontrar teses,

    dissertaes e livros que tratam especificamente

    do tema. Porm, raros so os trabalhos

    conhecidos que relacionam a cultura

    organizacional com o processo de comunicao

    existente na organizao. Quando muito, fazem

    meno comunicao de carter administrativo

    ou s caractersticas da comunicao interpessoal,

    limitando-se a descrev-las como ilustrao.

    Entendemos, contudo, que a anlise do

    universo cultural de uma organizao complexa,

    como a Organizao B, objeto de nosso estudo,

    deve ser multidisciplinar. A antropologia (cultura e

    ideologia), a sociologia (legitimidade), a teoria das

    organizaes (conceitos e tipologia), a psicologia

    (recalcamento e represso) e a cincia poltica

  • 28

    (poder), devem ser constantemente confrontadas

    e discutidas. No nos podemos limitar a um

    enfoque que mascare determinadas situaes e

    dimenses, porque no nos parecem

    interessantes. preciso captar essa complexidade

    sob uma tica interpretativa. Antes, porm, vale a

    pena rever a construo do conceito de cultura

    organizacional.

    Cultura Organizacional

    As razes dos estudos sobre cultura

    organizacional encontram-se na antropologia.

    Vrias so as correntes que tratam da cultura:

    desde Crozier, que considera a cultura como

    capacidade; passando por Talcott Parsons que a

    define como sistema de valores; por Malinowski e

    outros funcionalistas que veem a cultura como

    instrumento a servio das necessidades biolgicas

    e psicolgicas dos seres humanos; por Radcliffe-

    Brown, que a entende como mecanismo

    adaptativo-regulatrio; por Goodenough e sua

    ethnocincia, que a v como cognies

    compartilhadas; e ainda por Levi-Strauss e Cliford

    Geertz e sua antropologia contempornea,

    segundo o qual os homens vivem em um universo

    de significados que decodificam sem cessar.

  • 29

    O conceito de cultura tambm pode ser

    captado a partir de duas linhas tericas bsicas.

    Na primeira, concebido como sistema de ideias

    no qual os campos social e cultural so distintos,

    mas inter-relacionados. Na segunda, tido como

    sistema sociocultural, e a cultura percebida

    como componente de um sistema social,

    manifestada em comportamentos e produtos de

    comportamentos.

    Allaire e Firsirotu (1984) preocuparam-se,

    ainda, em construir um esquema que

    possibilitasse uma compreenso genrica das

    diversas teorias para abordagem da cultura

    organizacional, que foram sendo concebidas a

    partir do final da dcada de 70 e, com maior

    nfase, a partir de 1983, quando as revistas

    Administrative Science Quarterly e Organizational

    Dynamics dedicaram edies especiais ao assunto

    (citado por FREITAS, 1991:74).

    Tambm Janice Beyer e Harrison Trice

    (1986), ao conceberem cultura como "rede de

    concepes, normas, valores, que so to

    tomadas por certas que permanecem submersas

    vida organizacional" e afirmarem que "para criar e

    manter a cultura, estas concepes, normas e

    valores devem ser afirmados e comunicados aos

    membros da organizao de uma forma tangvel",

    em formas culturais como ritos, rituais, mitos,

    estrias, gestos e artefatos, colocam-se como

  • 30

    fonte obrigatria de consulta na rea. Entretanto,

    para os autores, outras dimenses da cultura,

    como a estrutura e legitimao do poder, o campo

    ideolgico e o processo comunicativo formal e

    informal, no parecem significativos.

    Outro autor imprescindvel na rea, e o

    primeiro a dar contornos disciplinares cultura

    organizacional, Edgar Schein (1986) atribui aos

    lderes primais, os fundadores das organizaes, a

    criao e moldagem do que poder vir a ser a

    cultura de uma organizao, passando a ser

    elementos-chaves para desvendar a cultura.

    Nessa linha de raciocnio, constri o seu conceito

    de cultura organizacional como o:

    "conjunto de pressupostos bsicos que um

    grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao

    aprender a lidar com os problemas de adaptao

    externa e integrao interna e que funcionaram

    bem o suficiente para serem considerados

    vlidos e ensinados a novos membros como a

    forma correta de perceber, pensar e sentir, em

    relao a esses problemas"(SCHEIN, 1986, por

    FLEURY, 1989-20).

    Autor com fortes razes na antropologia e

    na psicologia, Schein afirma que a cultura de uma

    organizao pode ser captada em trs nveis: o

    nvel dos artefatos visveis (ambiente, arquitetura,

    leiaute, padres de comportamento, vesturio,

    documentos); o nvel dos valores que governam o

    comportamento das pessoas (valores manifestos

  • 31

    em entrevistas, relatos); e o nvel dos

    pressupostos inconscientes (como os membros

    percebem, pensam, sentem, a partir de valores

    conscientemente construdos e que gradualmente

    so absorvidos pelo inconsciente).

    Schein alerta, constantemente, para as

    dificuldades e as armadilhas que o pesquisador

    encontra na anlise desses nveis. No nvel dos

    artefatos visveis fcil perceber e descrever os

    padres analisveis, porm fica difcil interpret-

    los sob uma lgica que permanece submersa. Por

    outro lado, o pesquisador ao se deparar com o

    nvel dos valores deve permanecer atento para

    no tomar por definitivos valores manifestos,

    oriundos de idealizaes ou racionalizaes que

    muitas vezes ocultam os valores reais. Tambm

    na percepo dos pressupostos inconscientes, o

    pesquisador deve atentar-se, permanentemente,

    ao rigor da observao.

    Para Schein, contudo, alguns aspectos no

    parecem relevantes por no expressarem

    consenso e, portanto, no serem compreendidos

    sob uma mesma tica cultural: a dimenso do

    poder, como agente de legitimao e ocultao; e

    a ideologia vivenciada pelos membros da

    organizao.

    Essas dimenses, vamos encontrar em

    outro estudo, verdadeiro marco na moderna

    anlise das organizaes, O poder das

  • 32

    organizaes, de Max Pags e outros

    colaboradores (1987). Os autores pesquisaram a

    filial europeia de uma grande empresa norte-

    americana, caracterizada pela alta tecnologia de

    seus produtos e a sofisticao de suas polticas

    administrativas, alm de um quadro altamente

    qualificado de funcionrios, e penetram no

    universo imponente e duvidoso da

    homogeneizao, da unificao do sistema.

    Interessante observar que nos deparamos com a

    mesma situao ao pesquisarmos a Organizao

    B, conforme detalharemos em captulo especfico,

    onde as contradies, embora aflorassem nas

    manifestaes racionalizadas das entrevistas,

    permaneciam ocultas no dia-a-dia da organizao.

    Pags e seus colaboradores centraram sua anlise

    para a compreenso da lgica do sistema, a

    articulao de suas partes, suas relaes com as

    contradies subjacentes. Ao final, conceberam o

    poder no mais como o poder de grupos sociais,

    mas como "um sistema econmico-poltico-

    ideolgico-psicolgico de mediao e ocultao de

    contradies sociais e psicolgicas".

    A homogeneizao cultural atesta que a

    ideologia da organizao partilhada pela maioria

    dos funcionrios, o que refora a nossa percepo

    de que a ideologia no seria, como nos fizeram

    crer, apenas um arcabouo de dominao de uma

    classe sobre outra, aplicado de maneira imposta.

    Nem apenas o outro extremo, que a compreendia

  • 33

    como o conjunto de ideais que fatalmente

    levariam a uma transformao radical da

    realidade. A ideologia tende a se aproximar do

    conceito de hegemonia de Gramsci (1978) e se

    constitui, em suma, nas prticas cotidianas de

    dada sociedade, "numa viso de mundo que

    comporta elementos culturais, estticos,

    comportamentais, existenciais, morais e ticos"

    (MARCONDES, 1986, p. 42 a 55). Tende a

    incorporar os dois conceitos, podendo servir para

    neutralizar a dimenso histrica e ocultar as

    contradies reais, mas tambm podendo revel-

    las como realmente so. Na organizao, a

    ideologia no consiste apenas do discurso oficial

    dos dirigentes, mas elaborada e aperfeioada

    pelo conjunto dos funcionrios, no que Pags e

    seus companheiros chamam de autopersuaso.

    Para Brunel (1990, p. 67), contudo, a

    ideologia pode at ser associada cultura

    organizacional, mas no pode ser substituda por

    ela.

    Voltando obra de Pags, verificamos que

    a maior contribuio de seu grupo de

    pesquisadores seria a incorporao do conceito de

    mediao, como o conjunto e aliana das

    restries (coeres) da empresa com os

    privilgios oferecidos ao indivduo empregado da

    organizao, para tentar compreender o porqu

    das contradies e ambivalncias que afloravam

  • 34

    na pesquisa por eles realizada, e que, no por

    coincidncia, afloram nesta pesquisa sobre a

    cultura organizacional na Organizao B. O

    conceito de mediao, como veremos adiante,

    ser til, tambm, para compreendermos a lgica

    da produo da comunicao interna da empresa e

    nos possibilitar desmistificar a viso de que a

    comunicao empresarial est to somente

    comprometida com a cpula diretiva das

    organizaes.

    No campo das organizaes, uma das

    definies mais abrangentes e instrumentais de

    cultura a desenvolvida por Fleury (1989, p. 22),

    que, a partir das diversas correntes tericas

    desenvolvidas pelos norte-americanos, de

    Schein(1986) a Berger & Luckmann (1967),

    incorporando os estudos de Pags (1987),

    concebe cultura organizacional:

    "como um conjunto de valores e pressupostos

    bsicos expresso em elementos simblicos, que

    em sua capacidade de ordenar, atribuir

    significaes, construir a identidade

    organizacional, tanto agem como elemento de

    comunicao e consenso, como ocultam e

    instrumentalizam as relaes de dominao".

    A abrangncia desse conceito est, sem

    dvida, na incorporao do componente poder aos

    estudos culturais.

  • 35

    Mais recentemente, Maria Ester de Freitas

    (1997), influenciada pelas teorias da cultura

    organizacional desenvolvidas na Frana e no

    Canad, descreve-a como:

    "um conjunto de representaes imaginrias

    sociais (Castoriadis, 1995), construdas e

    reconstrudas nas relaes cotidianas dentro da

    organizao, que so expressas em termos de

    valores, normas, significados e interpretaes,

    visando a um sentido de direo e unidade, e

    colocando a organizao como a fonte de

    identidade e de reconhecimento para seus

    membros. Essa conceituao considera que a

    cultura organizacional exerce o papel de

    agenciadora de sentidos e significados, atuando

    diretamente no imaginrio (Enriquez, 1974),

    corao do psiquismo dos indivduos, e

    desenvolvendo com ele uma relao de

    cumplicidade entre a organizao e os desejos e

    medos inconscientes dos indivduos que nela

    trabalham".

    Em ambos os conceitos, uma forte nfase

    nos invariantes da cultura, como fatores de

    integrao, identificao e unicidade. Mas as

    culturas esto sendo, cada vez mais, expostas

    diferena e s contradies. Aqui, o tema da

    mudana ganha destaque.

    Com certeza um dos temas mais polmicos

    no campo de estudos das organizaes, as

    mudanas culturais so capazes de alimentar

  • 36

    infindveis discusses acadmicas e empricas.

    Freitas (1991, p. 115) expe que, apesar da

    polmica sobre a possibilidade de se mudar ou

    no a cultura, h os que acreditam que no s as

    culturas mudam como isso pode ser feito de forma

    planejada. Para esses adeptos da mudana

    cultural, no entanto:

    consenso... que o processo no simples,

    no barato e no se faz sem provocar alguns

    traumas como consequncia. Existe ainda uma

    concordncia implcita a respeito de que a

    cultura conectada com outros elementos que

    sofrero alteraes, tais como estratgia,

    estrutura, sistemas de recompensas,

    habilidades, procedimentos etc. Tambm

    reconhecido que no qualquer mudana de

    comportamento que implica mudana cultural

    (FREITAS, 1991, p. 115).

    Thvenet (1989:153) tambm se pergunta

    se seria possvel mudar a cultura; de que natureza

    sero as mudanas possveis; e em que condies

    podero ocorrer, e apresenta algumas

    observaes, das quais destacamos:

    - Se possvel mudar de cultura ou mudar a

    cultura, necessrio avaliar a dimenso da

    mudana. H revolues na cultura ou simples

    evolues? Ser necessrio esperar pela

    ameaa da sobrevivncia para mudar ou

    possvel gerir a evoluo cultural da empresa?

    Se existe mudana de cultura preciso saber o

    que muda, porque, como vimos, h diversas

  • 37

    noes e metodologias de cultura. Para alguns,

    a mudana de cultura modificao de sinais e,

    para outros, passar a uma fase posterior do

    processo de evoluo da empresa, mudar

    normas de funcionamento, alterar lgicas

    fundamentais, e at mudar o patro...

    ainda Thvenet quem nos diz:

    A cultura um conjunto de hipteses

    fundamentais que estruturam a generalidade

    dos comportamentos da gesto da empresa;

    fruto de uma longa experincia, resulta de um

    longo processo de aprendizagem. Seria, por

    conseguinte, presuno tentar mud-la ou

    imprimir-lhe qualquer outra direo. No se

    pode dizer que, para l dos sinais, dos smbolos,

    dos comportamentos individuais, h lgicas de

    ao profundamente enraizadas no

    subconsciente da empresa e, ao mesmo

    tempo, promover mtodos mais ou menos

    fiveis de transformao dessa realidade

    (THEVENET, 1989, p. 154).

    J Pettigrew (1989, p. 145 e 146) afirma

    categoricamente que possvel, sim, gerenciar a

    cultura e, em consequncia, mud-la, mas atribui

    uma grande dificuldade tarefa. Para ele, mais

    fcil ajustar as manifestaes da cultura do que

    mudar o ncleo de crenas e pressupostos bsicos

    da organizao.

  • 38

    Em outro extremo, Omar Aktouf, ao criticar

    o que denomina corrente cultura de empresa da

    teoria da gesto, nos diz que, para os expoentes

    dessa corrente, as empresas podem ter ou ser

    uma cultura, que essa cultura pode ser, ou no,

    eficiente e bem-sucedida, que ela

    diagnosticvel, reconhecvel e, desde que se

    tomem certas precaues metodolgicas, pode ser

    transformada, manipulada e mudada e at ser

    inteiramente criada por lderes, campees, heris

    e modelos, que lhe imprimem valores e smbolos

    (1994, p. 71-85). A crtica de Aktouf aponta o

    cenrio de desagregao econmica como um

    campo frtil para o surgimento e proliferao

    dessas utopias administrativas.

    Aktouf (1994, p. 71-85) nos diz, ainda, que

    acreditar na fora exclusiva dos gerentes para

    mudar comportamentos crer que a cultura possa

    ser alguma coisa diferente da realidade vivida,

    espontnea, subjetiva dos indivduos; que ela

    possa ser alguma coisa diferente da relao dos

    indivduos com suas condies de existncia, para

    ser alguma coisa que possa ser decretada e

    mudada vontade.

    Joanne Martin (1992, p. 168-188), que

    defende a ideia de que no existiria uma cultura

    organizacional, mas sim mltiplas culturas, trata a

    questo da mudana cultural de forma mais

    analtica. Em seu livro sobre as trs perspectivas

  • 39

    de anlise das culturas nas organizaes, ela

    demonstra que cada uma das perspectivas v a

    mudana de uma forma muito particular. Para os

    adeptos da perspectiva da Integrao (em que a

    organizao vista como consenso, harmonia e

    transparncia de discursos e aes, e na qual a

    ambiguidade excluda), a mudana estaria

    centrada nos lderes, que teriam a

    responsabilidade de responder s presses do

    ambiente, mudando o sistema normativo e

    controlando o processo. Para a perspectiva da

    Diferenciao (marcada pela nfase nas

    subculturas, que abrigariam alguma espcie de

    consenso interno, e pelo reconhecimento da

    existncia do conflito e da ambiguidade nas

    relaes entre subculturas), a mudana

    resultado da ao coletiva provocada por

    influncias organizacionais e do meio ambiente. J

    para os pesquisadores que trabalham com o ponto

    de vista da Fragmentao (que centram o foco na

    ambiguidade, na multiplicidade de vises, na

    ausncia de consenso, nas relaes complexas em

    que conflito ou harmonia no aparecem com

    clareza, e que veem a organizao como teia ou

    rede), h um fluxo contnuo de mudanas

    provocadas por um ambiente turbulento e pelo

    poder difusamente distribudo pela organizao.

    Tavares (1991, p. 43-44), ao explicar o

    sucesso das empresas japonesas, aponta como

    um dos fundamentos da gesto oriental uma

  • 40

    cultura na qual a definio de mudana : o

    estado prprio de ser das coisas, pessoas,

    processos, lugares, etc. Segundo a autora, isso

    acaba por estabelecer um binmio indissolvel de

    permanncia/mutao, que gera uma situao de

    relativa segurana no constante mudar. Para ela,

    essa a caracterstica de uma cultura da

    mudana, alicerada certamente nas filosofias do I

    Ching, do Zen Budismo e do Taoismo, que se

    opem viso ocidental de mudana de cultura,

    geralmente marcada por estados emocionais de

    medo, insegurana, frustrao e raiva que

    naturalmente provocam resistncias conscientes e

    inconscientes.

    A viso oriental de mudana constante

    entre estados de ordem e de crise nasce tambm

    da constatao de que os homens so

    naturalmente resistentes mudana. Essa

    explicao da alternncia e da indissolubilidade

    entre a permanncia e a mutao uma forma de

    filosoficamente atenuar a instabilidade gerada pela

    crise que geralmente antecede ou acompanha os

    processos de transformao. Por isso, os orientais

    desenvolvem uma viso a que denominam de

    Kaizen (que no tardou em se transformar numa

    das modas gerenciais do ocidente), na qual a

    mudana vista como processo constante de

    aprendizagem e de crescimento.

  • 41

    Essa cultura da mudana no valoriza

    apenas aquilo que se altera, mas tem um

    fundamento no que permanece. Assim, h uma

    grande flexibilidade nas coisas acessrias (por

    exemplo, o produto, o processo de produo, a

    localizao das pessoas, etc.), mas no no que

    considerado essencial (por exemplo, o substrato

    emocional marcado pelas relaes de pertinncia,

    de autorrespeito, de comunho de valores e

    objetivos, etc.) (TAVARES, 1991, p. 43-44).

    No ocidente, a viso marcante a de que a

    mudana um fenmeno, um acontecimento, um

    rito por que temos de passar em algum momento

    de nossas vidas. Por isso, marcamos to bem

    essas passagens como rompimentos com o

    passado (GENNEP, 1977). Essa viso de que a

    mudana representa rompimento gera

    sentimentos de perda, de dor, de frustrao, de

    impotncia, que geralmente se associam a estados

    depressivos e levam, no caso de indivduos ligados

    a organizaes, a posturas negativistas. H uma

    tendncia fuga da realidade, que produz estados

    de ausncia e niilismo. Outra sada se d pela

    negao da mudana, muitas vezes marcada por

    atos de sabotagem ao processo.

    Esses estados tendem a levar as pessoas

    ou a se voltarem para o passado (aprisionvel e

    seguro) ou a se envolverem apenas

    superficialmente com o presente. Esse aparente

  • 42

    envolvimento com o presente funciona como uma

    defesa enquanto se digere o novo.

    Freitas (1991, p. 116) nos diz que a

    resistncia um trao de vitalidade da cultura

    existente, e que funciona como uma espcie de

    freio protetor. Deal & Kennedy (apud FREITAS,

    1991) reconhecem que as pessoas so resistentes

    mudana porque essa gera rupturas nos rituais e

    na ordem de suas vidas.

    Um exemplo bem marcante de como os

    adeptos da corrente cultura de empresa, nos

    moldes descritos por Aktouf, veem as resistncias

    e tentam min-las nos processos de mudana

    pode ser encontrado na meno s ideias de Vijay

    Sathe realizada por Freitas (1991, p. 116). O

    autor sugere que as pessoas sejam induzidas a

    perceber o valor daquilo que est sendo solicitado

    a elas, porque se percebem que seus pressupostos

    no mais esto sendo confirmados, ou melhor,

    esto sendo negados pela realidade, isso

    provocar dor, culpa, ansiedade e falta de

    confiana, gerando a motivao necessria para

    que o novo comportamento possa ser aprendido.

    Uma alternativa, citada por Sathe, seria permitir

    que as pessoas partissem, o que no s poderia

    limpar a organizao de elementos (resistentes)

    indesejveis, como sinalizar aos que ficam que a

    sada uma ameaa concreta, o que acaba por

  • 43

    reduzir as racionalizaes prprias da resistncia

    cultural.

    A corrente dos interacionistas-simblicos,

    que engloba antroplogos de vrios matizes, como

    Cliford Geertz, Levi-Strauss e Leach, entende a

    cultura como linguagem, como conjunto de signos

    e cdigos comunicativos. Para esses autores, a

    comunicao surge como elemento vital nos

    processos de construo, fortalecimento,

    transmisso e mudanas culturais.

    Tambm Lotman (1989), ao definir cultura

    como rede de signos e significados que expressam

    e ocultam as intrincadas relaes corporativas, e

    como sistemas semiticos ordenados de

    comunicao, atribui um papel relevante

    memria como instncia ordenadora.

    Da deduz-se que, a depender do ponto de

    vista e at mesmo das motivaes ideolgicas do

    pesquisador, as mudanas culturais ora podem ser

    provocadas pelos gerentes e lderes, ora podem

    resultar de um processo natural de acomodao e

    de adaptao s mudanas ambientais. O fato

    que mudana, seja estrutural, gerencial ou

    cultural, algo extremamente complexo, e que s

    se desencadeia quando os indivduos envolvidos

    no processo realmente a percebem como

    necessria e a querem. fato, tambm, que um

    processo muitas vezes lento, quase imperceptvel,

    em razo mesmo das resistncias muitas vezes

  • 44

    impostas pelos envolvidos e, at mesmo, pela

    necessidade que as pessoas tm de digerir

    lentamente o desconhecido.

    Assim, as relaes das culturas com a

    inovao e com as mudanas passam

    necessariamente por um processo de comunicao

    e se operam nos tensos e ricos embates entre a

    memria e o novo, entre o individual e o coletivo,

    a lgica e a emoo, o organismo e o ambiente.

    Com esta preocupao, objetivamos

    interpretar a cultura da Organizao B, a partir de

    seus funcionrios, suas vivncias, suas relaes,

    seu universo simblico, relacionando cultura e

    ideologia aos canais formais e informais de

    comunicao interna existentes na empresa.

    Para tanto, embora a impossibilidade de

    escaparmos da complexidade na abordagem do

    tema, onde o levantamento de dados se

    transforma num verdadeiro processo de bricolage,

    estabelecemos alguns limites para evitarmos que

    a pesquisa fugisse ao nosso controle. Exclumos de

    nossa anlise, por extrapolar o escopo inicial,

    todas as formas de comunicao empresarial de

    carter externo (revistas, publicidade,

    merchandising, relatrios de diretoria, releases,

    matrias na imprensa), embora compreendamos

    que esse tipo de comunicao tambm expressa

    os elementos simblicos da cultura organizacional.

    Uma pesquisa especfica, contudo, ainda se faz

  • 45

    necessria, uma vez que seria interessante

    analisar esse processo de comunicao,

    relacionando-o imagem institucional da

    organizao junto clientela e sociedade, como

    forma de aferir as suas caractersticas, o seu

    alcance e a sua eficcia.

    Quanto anlise macro poltica, de

    importncia definidora na formao da cultura

    organizacional, optamos por faz-la a partir de

    dados secundrios, identificando e relacionando os

    agentes internos e externos envolvidos na relao

    Empresa-Governo-Sociedade.

    Definidos o referencial terico e os limites

    impostos atuao do pesquisador, partimos para

    a definio dos procedimentos metodolgicos, a

    seguir explicitados.

    Estratgias metodolgicas

    Na tentativa de captarmos a cultura

    organizacional da Organizao B, interpretando

    seus elementos simblicos manifestos e/ou ocultos

    e relacionando-os aos canais de comunicao

    interna, procurando observar as influncias

    mtuas, num contexto marcado pelas mudanas

    administrativas e estruturais, necessitvamos de

  • 46

    mtodos de anlise que nos possibilitassem captar

    essa realidade complexa na sua totalidade.

    Desde o comeo, a necessidade de uma

    pesquisa emprica se desenhava como primordial

    para a compreenso da lgica que rege o dia-a-dia

    da empresa. Paralelamente, uma pesquisa

    documental, com consultas a outros trabalhos em

    reas conexas, seria til para complemento de

    informaes, assim como referncia para

    comparaes de resultados.

    Optamos, dada natureza do objeto

    pesquisado, por metodologias qualitativas, como a

    observao participante e a entrevista.

    Cientes das limitaes do mtodo (que no

    nos permite tratamento estatstico e

    classificatrio, alm de oferecer riscos de um vis

    informativo, devido influncia do contexto),

    afastamo-nos dos famigerados check-lists e suas

    formas de enquadramento da realidade, de forma

    a descrever o espao analisado e sua apropriao

    como significao, como algo que cada cultura

    convenciona e inventa, a partir de uma postura

    etnolgica.

    A observao participante se deu em cinco

    localidades: as agncias de Estrela D'Oeste (SP),

    Paranaba (MS) e Curitiba (PR); o Centro de

    Processamento em So Jos do Rio Preto (SP); e o

    Departamento de Treinamento na sede da

  • 47

    Organizao B. O perodo de anlise compreendeu

    os meses de abril, maio e junho de l990. Nesses

    locais, investigamos as relaes dos funcionrios

    no trabalho e, quando foi possvel, como em

    Paranaba, Curitiba e So Jos do Rio Preto, fora

    do ambiente da Organizao B. Procuramos,

    tambm, captar o vocabulrio e o contedo das

    conversas, os gestos, as posturas com relao aos

    colegas e aos clientes; compreender o processo de

    socializao interna dos novos funcionrios e

    estagirios2; conhecer o nvel de participao

    poltica e sindical; os sonhos, as aspiraes de

    crescimento pessoal e profissional; entender,

    enfim, os smbolos que movem os funcionrios e a

    organizao no dia-a-dia de sua histria.

    Nesses locais, realizamos entrevistas que

    seguiram modelos semiestruturados (a partir de

    um pequeno nmero de perguntas abertas - vide

    anexo l) e no diretivos (onde a conversao era

    iniciada a partir de um tema geral, sem

    estruturao por parte do investigador). As

    entrevistas no diretivas ocorreram principalmente

    no Departamento de Treinamento, onde, a partir

    de conversas aparentemente informais, foi

    possvel captar muito da lgica da produo da

    comunicao interna. As entrevistas

    2 Havia, na organizao, em razo da proibio de realizar concursos e contratar novos funcionrios, uma poltica de alocao de mo-de-obra nas escolas e universidades, atravs dos CIEE (Centros de Integrao Empresa Escola), remunerando-os com bolsas de manuteno.

  • 48

    semiestruturadas foram feitas nas dependncias

    pesquisadas, por sorteio entre os funcionrios

    previamente divididos em estratos, de acordo com

    sua funo na organizao (ex. caixas, gerentes).

    Os sorteios foram feitos, sempre, com a presena

    de um funcionrio, como forma de garantir a

    lisura do processo. No total, foram realizadas 39

    entrevistas, assim divididas: 03 administradores

    (gerentes, chefes); 13 funcionrios de gerncia

    mdia (supervisores, gerentes de expediente,

    assistentes); 15 funcionrios do posto efetivo

    (sem comisso); 04 caixas-executivos; 03

    funcionrios da carreira de servios auxiliares

    (contnuos e menores); e 01 funcionrio da

    carreira tcnico-cientfica, que abrange

    advogados, mdicos, engenheiros, etc.

    O tempo mdio de cada entrevista foi de 50

    minutos, havendo uma, que durou 17 minutos, e

    outra que ultrapassou trs horas.

    Aps testes iniciais no satisfatrios, em

    que a influncia do equipamento causou distores

    visveis3 abolimos o uso do gravador, preferindo

    conduzir as entrevistas da maneira a mais

    informal possvel, porm com redobrada ateno

    s manifestaes verbais e no verbais (gestos,

    3 O uso do gravador trouxe inibies, posturas defensivas, excesso de racionalizao nas respostas, constante preocupao com o objeto (as pessoas falavam olhando permanentemente para o aparelho, o que afetou sensivelmente os resultados).

  • 49

    expresses, posturas). Entretanto, sempre que

    considervamos relevante e havendo anuncia do

    entrevistado, fazamos pequenas anotaes, como

    guia para o relato completo, que elaborvamos

    imediatamente depois de encerrado o contato.

    Vale salientar, ainda, que as entrevistas

    eram realizadas a parte, em local prprio, e em

    todos os casos era enfatizada a garantia do sigilo

    e da discrio, como forma de atenuar os receios e

    os medos comuns a quem se submete a esse tipo

    de investigao e garantir os pressupostos da

    tica em pesquisa.

    A anlise procurou interpretar os smbolos

    e as bases da cultura organizacional da

    Organizao B, luz das hipteses levantadas

    anteriormente e reelaboradas durante a

    consecuo do projeto, a saber:

    a cultura organizacional da Organizao B tende homogeneidade, devido interligao cultural, via treinamento, e desterritorializao, que esfacela as

    diferenas regionais; a comunicao informal e a formal se

    confundem, em estrutura, linguagem e significao, devido a essa possvel homogeneidade cultural;

    apesar dos inevitveis conflitos, contraditoriamente, h uma relao de cumplicidade entre funcionrios e organizao, como manifestao das

  • 50

    peculiaridades das relaes

    empregatcias, caracterizadas pela estabilidade funcional e pela possibilidade de ascenso profissional em um sistema de carreira fechada;

    o corporativismo uma das

    caractersticas culturais, porque incentivado pelas relaes informais e pela comunicao da empresa, em constantes apelos ao "esprito de corpo";

    embora no aparente, o individualismo

    marca as relaes internas, apesar dos apelos em contrrio feitos pelos veculos formais de comunicao, devido estrutura hierarquizada e s lutas pela ascenso nessa estrutura.

    Quanto ao contedo dos veculos de

    comunicao analisados, procuramos identificar a

    terminologia, os apelos, os smbolos utilizados,

    buscando compar-los com a cultura

    organizacional, levando sempre em conta o

    carter histrico e o contexto de mudanas por

    que passa a organizao.

    Entendendo a anlise de contedo como

    um conjunto de tcnicas de anlise das

    comunicaes, que utiliza procedimentos

    sistemticos e objetivos de descrio do contedo

    das mensagens (BARDIN, l979), ao definirmos as

    categorias analisveis e inferirmos sobre os

    resultados, buscamos especificamente a

    interpretao, a significao, luz da ideologia e

  • 51

    da cultura organizacional. Em captulo especfico

    sobre a anlise da comunicao interna, essas

    categorias sero descritas e definidas.

    Nossa anlise centrou-se sobre o Boletim

    de Informao ao Pessoal (BIP), abrangendo toda

    a sua existncia, incluindo todas as edies extras

    (Palavras do Diretor, Boletins da Negociao) que

    circularam em momentos crticos da vida

    organizacional.

    Tambm analisamos o Vdeo BIP, os

    folhetos, as instrues normativas, a poltica de

    recursos humanos e os veculos criados pelos

    funcionrios das diversas dependncias da

    Organizao B, na tentativa de compreender o

    universo simblico e os campos ideolgicos

    implcitos e/ou explcitos nos diversos contedos.

  • 52

    Captulo 2

    A Organizao B

    A Organizao B se caracteriza como uma

    sociedade annima aberta, de economia mista,

    tendo o Governo Federal brasileiro como acionista

    majoritrio. O seu novo estatuto, em vigor desde

    agosto de 1990, prev como objeto social, no

    captulo III, art.5., que: "...tem por objeto

    fomentar a produo nacional, promover a

    circulao dos bens produzidos, executar a

    comercializao de produtos agropecurios de

    interesse do Governo Federal, concorrer para o

    fortalecimento do mercado financeiro e incentivar

    o intercmbio comercial do Pas com o exterior,

    mediante: I - a prtica de todas as operaes

    bancrias ativas, passivas e acessrias; II - a

    prestao de servios bancrios, de intermediao

    e suprimento financeiro, sob suas mltiplas

    formas; e III - o exerccio de quaisquer atividades

    negociais facultadas s instituies integrantes do

    Sistema Financeiro Nacional."(DEATE, 1990, p. 03

    e 04)

    Compete Organizao B, ainda, exercer

    as atribuies constantes do art.19 da Lei n.

    4.595, de 31 de dezembro de 1964, que o

  • 53

    caracterizam como instrumento de execuo das

    polticas creditcia e financeira do Governo Federal.

    Na atualizao da estratgia da empresa,

    realizada em 1992, elegeu-se como negcio da

    empresa "intermediao financeira, participaes

    e servios". No mesmo documento, define-se

    como sua misso organizacional "apoiar o

    desenvolvimento econmico e social do Pas".

    Essas definies vo se mostrar de grande

    valia quando estudarmos algumas das

    manifestaes da cultura organizacional. Embora

    ainda no se tivesse iniciado processo de ampla

    difuso interna desses valores eleitos para a

    administrao da empresa, eles j eram

    conhecidos e processados pela cultura. No

    prximo capitulo, veremos que na quase

    totalidade das entrevistas a aluso a um papel

    social a ser desempenhado pela Organizao B e

    seus funcionrios ainda permeava o discurso e

    suas racionalizaes.

    A Organizao B, hoje, possui

    aproximadamente sete mil dependncias no Pas e

    quase 40 no exterior, com um total de

    funcionrios beirando os 114 mil.

    A estrutura da Organizao B

  • 54

    Antes de analisarmos a estrutura "formal"

    da Organizao B, convm esclarecer que

    adotamos o termo organizaes a partir da

    definio de Parsons (1960, citado por Etizioni,

    1980, p. 9) como sendo "unidades sociais (ou

    agrupamentos humanos) intencionalmente

    construdas e reconstrudas, a fim de atingir

    objetivos especficos". Para atingir esses objetivos

    as organizaes acabam se caracterizando pelas

    "divises de trabalho, poder e responsabilidades

    de comunicao, que no so casuais ou

    estabelecidas pela tradio, mas planejadas

    intencionalmente a fim de intensificar a realizao

    de objetivos especficos; (...) a presena de um

    mais centros de poder que controlam os esforos

    combinados da organizao (...) e substituio do

    pessoal" (idem, p. 10). E mais: estabelecem

    normas e necessitam imp-las, possuem regras e

    regulamentos, do ordens que precisam ser

    cumpridas.

    Max Weber (in Etizioni: op.cit., p. 85 a 92)

    sugere que uma estrutura moderna de

    organizao s ser eficiente se possuir autoridade

    burocrtica. Para tanto, descreve os aspectos da

    estrutura burocrtica e que determinam toda a

    racionalidade do sistema:

  • 55

    "Uma organizao contnua de funes oficiais, ligadas por regras" (o que permite a padronizao de atitudes e aes);

    "Uma esfera especfica de competncia..." (com a diviso sistemtica de trabalho, direitos e poder);

    "A organizao dos cargos segue o princpio da hierarquia; isto , cada cargo inferior est sob controle e superviso de um posto superior".(a submisso necessita ser permanentemente verificada e reforada);

    "As regras que regulam a conduta de um cargo podem ser regras ou normas tcnicas.(...)torna-se necessria uma preparao especializada." (Weber considerava o conhecimento e o preparo como raiz da autoridade burocrtica);

    " uma questo de princpio que os membros do corpo administrativo devem estar completamente separados da propriedade dos meios de produo e administrao..." (essa segregao explica o advento da organizao como nova instncia mtica: ela est separada e acima das demais instncias sociais);

    " necessria uma completa ausncia de apropriao de suas posies oficiais pelo titular" (as posies no podem ser monopolizadas por qualquer titular e precisam estar livres para serem distribudas e redistribudas de acordo com as necessidades da organizao);

    "As regras, decises e atos administrativos so formulados e registrados por escrito..." (Weber aqui salienta a necessidade de a organizao manter uma interpretao sistemtica de normas e imposio de regras).

  • 56

    Seguindo essa linha, uma anlise

    simplificada do organograma da empresa permitia

    descrever a Organizao B como uma organizao

    burocrtica, caracterizada pela racionalizao e

    departamentalizao de funes e pela

    hierarquizao do poder administrativo.

    interessante verificarmos que, embora

    essa hierarquizao fosse legitimamente aceita na

    organizao, o poder no se expressava apenas de

    cima para baixo, mas podia, em funo da posio

    estratgica de alguns cargos, caminhar em

    diversas direes.

    Assim, muitas vezes um chefe de gabinete

    de diretoria, por exemplo, podia deter mais poder

    que o prprio diretor, pois a ele era dada a

    faculdade de facilitar ou dificultar o fluxo de

    projetos e pareceres. Da mesma forma,

    superintendentes e gerentes, pela proximidade

    que podiam vir a ter de diretores ou presidentes

    representam focos de poder e controle internos.

    Alm disso, o sistema de remunerao por

    salrios, com vistas a compensar os esforos e a

    dedicao dos empregados, alm da promoo

    sistemtica, que proporcionava o horizonte de

    uma carreira, acabava por canalizar as ambies

    pessoais aos objetivos da organizao.

  • 57

    Na poca da pesquisa, a Organizao B

    estruturava seu quadro de pessoal em trs

    carreiras:

    administrativa (com as referncias Escriturrio E.1 a E.12);

    tcnico-cientfica (para os cargos de advogado, agrnomo, arquiteto, engenheiro, mdico, veterinrio e zootecnista, com os nveis Inicial, A at H); e

    servios auxiliares (em extino, com seis nveis principais, englobava contnuos, serventes, telefonistas, etc.).

    Alm dessas carreiras, existiam os

    chamados cargos especiais: os isolados (menor

    auxiliar de servios de apoio, menor auxiliar de

    servios gerais, mecnico de aeronaves, piloto de

    aeronaves) e os de provimento no efetivo

    (assessor especial do presidente, auxiliar

    particular do presidente e secretrio particular do

    presidente).

    A poltica que norteava a estrutura de

    carreiras era a de "retribuir, direta ou

    indiretamente, de forma justa e adequada, o

    mrito individual, a produtividade e a contribuio

    para os objetivos da Empresa" (DIREC, 1989).

    Enfatizava-se aqui o bom comportamento e

    a boa conduta, avaliados sistematicamente

  • 58

    atravs do instrumento chamado Avaliao do

    Desempenho Funcional.

    Mas a forma mais marcante de exercer seu

    poder disciplinar estava expressa nas Instrues

    Circulares, no livro dedicado ao funcionalismo.

    Nele, entre outros assuntos, estavam descritas as

    "normas de conduta" que deviam ser seguidas por

    todos os funcionrios, desde o momento em que

    eram acolhidos pela organizao.

    Notava-se uma preocupao de

    homogeneizar o trabalhador coletivo, reduzir as

    possveis diferenas de ideias e de conduta quilo

    que a organizao avaliava como aceitvel.

    A Organizao B estabelecia que, alm de

    cumprir com as demais instrues regulamentares

    e com os dispositivos legais, o funcionrio devia:

    "ser assduo e pontual (...); ser diligente, procurando executar seus

    servios com tempestividade, presteza, correo, zelo, dedicao e espontaneidade;

    ser urbano com colegas e clientes, tratando todos com cortesia e discrio, preservando, por atos e palavras, a boa convivncia interna e prestando atendimento seguro e atencioso ao pblico;

    ser respeitoso com os superiores hierrquicos e obediente s suas ordens;

    responder no prazo estipulado s interpelaes que lhe forem dirigidas;

    zelar pela economia e conservao dos recursos materiais da Organizao B;

  • 59

    manter conduta inatacvel - respeitando os costumes das comunidades e evitando, dentro e fora do local de trabalho, situaes e procedimentos, tais como improbidade, embriaguez habitual, uso de txico, prtica constante de jogos de azar e outros atos que possam comprometer o conceito da Organizao B ou de seus funcionrios;

    guardar sigilo sobre documentos, assuntos e informaes da Organizao B ou de terceiros, a que tenha ou teve acesso em servio ou no local de trabalho;

    submeter-se a exame peridico de sade."

    Da mesma forma, coibiam-se outros atos

    "tambm passveis de exame sob o aspecto

    disciplinar", como afixar cartazes ou outros papis

    em rea da Organizao B, sem autorizao; fazer

    reunio ou propaganda poltica no local de

    trabalho, nos clubes de funcionrios e em outras

    entidades ligadas aa Organizao B; usar

    indevidamente o nome e as marcas da

    Organizao B com objetivos particulares ou

    polticos; sofrer protesto pelo no pagamento de

    dvida; apresentar saldo devedor ou excesso em

    conta de cheque-ouro ou utilizar-se de cheque

    sem fundos; exercer sem autorizao funes de

    caixa; recorrer a terceiros em favor de pretenses

    na Organizao B; ocupar-se habitualmente no

    local de trabalho de assuntos particulares; exercer

    atividade extra organizao quando houver

    incompatibilidade de horrios, prejuzo para os

    servios internos, risco segurana ou ao sigilo

  • 60

    bancrio, concorrncia Organizao B ou

    acumulao de cargos e funes pblicas;

    prejudicar a prestao de servios da Organizao

    B; praticar agiotagem; obter emprstimo junto a

    cliente da Organizao B; usar a condio de

    funcionrio em proveito prprio; criticar

    publicamente a Organizao B, superiores ou

    colegas; deixar de comunicar ao superior ou aos

    rgos de auditoria internos qualquer

    irregularidade ou infrao que presencie ou tenha

    conhecimento; e no comprovar a aplicao de

    adiantamento concedido para tratamentos de

    sade.

    O mesmo captulo das Instrues atribua

    aos administradores das dependncias da

    Organizao B o zelo pelo cumprimento das

    instrues e o controle das atitudes dos

    funcionrios, inclusive nos aspectos ligados sua

    apresentao pessoal.

    Alm disso, a empresa normatizava

    praticamente todas as funes internas, na busca

    da racionalidade.

    Para Weber, contudo, o problema central

    da organizao est na prpria fragilidade da sua

    racionalidade, constantemente pressionada por

    fatores externos que comprometem a autonomia

    exigida para a consecuo de seus objetivos.

  • 61

    A Organizao B, nesse caso, atestava essa

    fragilidade. Se voltarmos histria da empresa,

    veremos a permanente ao de agentes externos

    a influenciar seus passos. Ora o Governo, ora os

    sindicatos, ora a sociedade formulavam e exigiam

    mecanismos de atuao para a Organizao B.

    Seus prprios objetivos eram concebidos de fora,

    constavam de estatutos e documentos legais que

    no tiveram sua origem na empresa. Entretanto,

    se hoje esses objetivos j esto internalizados a

    ponto de alicerarem sua cultura, com certeza isso

    se deve a uma espcie de refgio na

    racionalizao. Embora frgil, a racionalizao

    vista assim como instrumento de defesa contra as

    ingerncias externas.

  • 62

    Captulo 3

    O inventrio dos valores internos

    A primeira impresso que surgiu no

    desvendar da cultura organizacional da

    Organizao B foi a de que o diagnstico dos

    valores se aproximava ao de outros trabalhos

    realizados pela organizao e por outros

    pesquisadores, dada a semelhana dos resultados.

    Todavia, uma anlise interpretativa do por que da

    prevalncia de determinados valores possibilitou

    compreender as contradies (que eram muitas) e

    os sistemas de mediao desenvolvidos na

    empresa para ameniz-las.

    Outro ponto que chamou a ateno foi uma

    tendncia homogeneidade das respostas e

    observaes. Funcionrios com pouco ou muito

    tempo de organizao, da pequena ou da grande

    agncia, manifestavam opinies e vises

    semelhantes sobre um mesmo problema. As

    diferenas, que eram muitas, permaneciam

    ocultas s racionalizaes.

    Isso, com certeza, devia-se ao fato de a

    Organizao B se caracterizar como uma empresa

    antiga e tradicional, onde os modos de pensar e

    fazer foram sendo cristalizados com o tempo.

    Tambm porque na empresa as diretrizes e

  • 63

    normas eram estabelecidas e comunicadas

    administrativamente.

    O primeiro valor que logo se manifestou foi

    o da superioridade. Ele estava presente na

    fachada dos prdios da empresa, no leiaute, no

    discurso oficial, no discurso comunicativo, na

    impresso que os funcionrios tinham da empresa

    e de si prprios, e estava intimamente ligado

    tradio da Organizao B como agente do

    Governo, fomentador do desenvolvimento e

    moderador do sistema financeiro. Hoje, essas

    funes se diluem numa proposta de banco

    mltiplo, mas o sentimento permanece acrescido

    de apelos mercadolgicos para a modernidade.

    Quando cheguei na cidade onde deveria tomar

    posse, no foi difcil localizar a agncia da

    Organizao B. Depois da igreja num extremo

    da praa, o prdio do outro lado, amplo, com

    estruturas em mrmore, fachada envidraada, e

    as letras em dourado no deixava dvidas: era

    a Organizao B."

    Funcionrio da agncia Curitiba, 13 anos de

    organizao.

    "Confesso que o que me atraiu para a

    Organizao B foi o status que o emprego

    oferecia. Afinal, trabalharia no maior banco do

  • 64

    pas e faria parte do melhor grupo de

    funcionrios..."

    Funcionria do Centro de Processamento, 11

    anos de organizao.

    "No tenho medo de afirmar: ns somos os

    melhores, os mais capacitados, e a concorrncia

    sabe disso."

    Funcionrio da Direo, 18 anos de organizao.

    Paralelamente, a imagem de instituio

    slida surgiu e se fortaleceu como marca da

    Organizao B. Gerava confiana nos funcionrios

    e na clientela. Emprestava aos funcionrios um

    sentimento de segurana:

    "A Organizao B forte, maior que ns. A

    gente passa, mas a empresa fica".

    Funcionria da agncia de Paranaba, 14 anos

    de organizao.

    Prdios grandes e slidos simbolizaram, por

    muito tempo, a confiana que um banco deveria

  • 65

    inspirar. Afinal, a guarda de dinheiro4 ou da

    informao do dinheiro5 requer segurana. As

    pessoas, portanto, depositam no s o dinheiro,

    mas a confiana em ter o que ele representa

    seguro, guardado e disponvel para eventuais

    necessidades.

    Hoje, com a consolidao do processo de

    automao bancria iniciado na dcada de 60, o

    modelo de banco com grandes prdios comea a

    dar lugar a outro que prima pela funcionalidade.

    Segundo Accorsi (1992, p. 41), "com a

    racionalizao e a automatizao dos servios

    bancrios a agncia transformou-se em uma loja

    de todas as empresas do conglomerado,

    aumentando em muito o seu nmero de

    transaes. Passou a ter um modelo de agncia de

    atendimento, contando com muitos caixas, maior

    nmero de gerentes, agora expostos, e maior rea

    de atendimento. A retaguarda, encarregada dos

    servios contbeis, foi deslocada para ncleos que

    centralizam vrias agncias". Havia uma

    tendncia, que j comeava a se firmar, de

    transformao das agncias e prdios bancrios

    em pontos de venda, verdadeiros supermercados

    4 Mercadoria que para os bancos um fetiche, um fim em si mesmo;

    mas para o cliente bancrio incorpora outros significados como a realizao material dos sonhos, por exemplo. 5 A informao se materializa nas aplicaes financeiras, nas transferncias automticas, em que o dinheiro no aparece mais como mercadoria tangvel, mas como simples dado informativo.

  • 66

    de produtos financeiros, estruturadas sob as

    modernas tcnicas de merchandising.

    No perodo em que realizamos a pesquisa,

    a empresa se movia, buscava se adaptar a novos

    e difceis tempos, e isso inquietava os

    funcionrios. Havia o risco de a empresa perder a

    sua identidade e esfarelar-se em mltiplas

    atividades. Essa postura era vista com

    desconfiana, como ameaa solidez. Sem

    solidez, a segurana deixaria de existir. Outros

    fatores tambm influenciavam essa insegurana

    que detectamos na pequena e na grande agncia,

    no Centro de Processamento e nos departamentos

    da Direo, como veremos mais adiante.

    Mesmo assim, o conceito de grandeza e

    superioridade permeava o discurso dos

    funcionrios em todas as entrevistas realizadas,

    ora nas manifestaes racionais, ora nas

    expresses no verbais, como entonao, um

    encolher de ombros, um sorriso irnico ao se

    referir concorrncia, etc. Essa crena vinha

    certamente dos rgidos critrios de seleo, dos

    esforos de treinamento e dos incentivos

    ascenso na carreira.

    O ingresso por concurso pblico,

    reconhecido interna e externamente como

    transparente e democrtico, diferenciava o

    funcionrio da Organizao B dos de outras

  • 67

    empresas pblicas e privadas, reforando a noo

    de superioridade.

    Entretanto, a seleo por concurso em

    perodos crticos e recessivos, como o que

    vivamos h mais de uma dcada, gerava uma

    procura muitas vezes superior existncia de

    vagas. Isso acabou por forar uma seleo mais

    rgida, que trouxe para o interior da organizao

    muitos novos funcionrios, dotados de qualificao

    superior exigida para sua funo.

    Essa inadequao entre formao e funo

    teria sido, entre outras causas que veremos

    adiante, responsvel por posturas de insatisfao

    profissional, acomodao e niilismo. Essa ltima

    postura, vale ressaltar, no se apresentava com

    intensidade nos novos funcionrios, mas

    principalmente naqueles com 15 anos ou mais de

    empresa e que nunca se sentiram valorizados.

    Mas o concurso, ressaltemos, era mito

    inatacvel. Como ilustrao, podemos citar o

    episdio ocorrido no certame realizado em

    1991/1992: aps a divulgao do resultado da

    etapa realizada no Distrito Federal, alguns

    funcionrios localizados em algum ponto da

    estrutura se deram ao trabalho de identificar os

    primeiros classificados, em uma relao ordenada

    de forma alfabtica. Com a constatao de que

    havia coincidncia de sobrenomes entre os

    primeiros 20 classificados, logo acabaram por

  • 68

    identificar, como donos desses sobrenomes, o

    chefe de gabinete da Diretoria de Recursos

    Humanos, o chefe da diviso responsvel pela

    elaborao das provas e mais o gerente de uma

    agncia do DF.

    A divulgao da "pesquisa" foi automtica e

    se utilizou de todos os recursos disponveis: telex,

    fotocpias, fax e a rede de correio eletrnico.

    Da surpresa da acusao, os funcionrios

    evoluram para um estgio de profunda indignao

    e revolta. Afinal, um dos alicerces da cultura da

    Organizao B estava sendo implodido.

    De repente, at parentes prximos comearam

    a questionar minha aprovao no concurso que

    fiz h mais de 10 anos. Todos pareciam duvidar

    de minha capacidade. Faziam piadinhas sobre

    quem teria sido meu padrinho. No deu para

    aguentar...".

    Funcionrio de Agncia em Braslia, 11 anos de

    organizao.

    Com a acusao de fraude, a diferenciao

    que caracterizava o sentimento de superioridade

    perdia seu nexo.

  • 69

    "Agora estamos no mesmo saco, no mesmo

    lugar comum de todos os que entraram nos

    seus empregos pela porta dos fundos. Quem vai

    acreditar que o concurso da Organizao B

    srio, honesto?"

    Funcionrio de Agncia em Braslia, 10 anos de

    organizao.

    Nem mesmo as punies exemplares

    (demisso por justa causa para o chefe de

    gabinete; demisso sem justa causa para o chefe

    de diviso; destituio do cargo, por omisso,

    para o chefe do departamento responsvel pela

    seleo) e a anulao das etapas at ali realizadas

    conseguiram apagar a mancha que se fixou

    imagem do concurso da Organizao B.

    Outro valor compartilhado por toda

    organizao era o da honestidade, de princpios e

    de propsitos. A empresa era honesta, porque

    cumpria irrestritamente a lei, porque atuava com

    seriedade e com tica num mercado muito

    acirrado. Porque espelhava honradez nos seus

    compromissos e era transparente na sua relao

    com a sociedade. Seus funcionrios eram,

    portanto, honestos e carregavam essa boa fama:

    eram bons pagadores, bons planejadores das suas

    prprias vidas, corretos e ticos no

    relacionamento organizacional e social.

  • 70

    A grande maioria das entrevistas revelou

    esse valor como um dos caractersticos da

    empresa. Porm, como um funcionrio

    entrevistado revelou:

    "As pessoas tentam ser honestas, porque so

    obrigadas. Quem sai da linha punido... a

    instruo bem clara".

    Essa declarao atiou antigas indagaes

    do pesquisador: o concurso seria to perfeito que,

    alm de selecionar os funcionrios pelo ndice de

    conhecimento, selecionaria tambm os melhores

    cidados? Certamente que no. Ento, como o

    valor da honestidade e da boa tica se espalhou

    por praticamente toda malha organizacional? Essa

    primeira contradio nos levou a aplicar um

    conceito ainda pouco utilizado nas anlises

    organizacionais, sempre to marcadas pelas

    abordagens positivistas que j se contentariam

    com a constatao. Como pretendamos ir um

    pouco alm do bvio, do facilmente observvel,

    encontramos no conceito de mediao, entendida

    como a aliana entre as restries (coeres) e os

    privilgios oferecidos ao indivduo, uma forma de

    explicar o porqu de determinadas posturas

    organizacionais.

  • 71

    Desde que era aprovado no concurso, o

    funcionrio passava a ser visto como patrimnio

    da empresa - o seu maior patrimnio, como

    pregava o discurso institucional -, suas atitudes

    eram extenses das atitudes organizacionais. A

    empresa emprestava ao funcionrio a sua

    grandeza, o seu status, mas exigia atitudes

    compatveis. Impunha uma linha de conduta que

    devia ser cumprida. O no cumprimento, mesmo

    que parcial, podia ser "passvel de exame sob o

    aspecto disciplinar" (vide captulo 2).

    A formalidade revelou-se outro trao

    significativo numa empresa burocrtica,

    hierrquica, onde havia normas para tudo. Na

    Organizao B, a velha mxima de que "vale o

    que est escrito" ainda imperava, apesar dos

    esforos recentes que visavam desemperrar a

    mquina administrativa e operacional e torn-la

    suficientemente gil para os desafios da mudana.

    A observao participante, em todas as

    dependncias pesquisadas, detectou o carter

    formal que envolvia os relacionamentos entre

    funcionrios e entre estes e a clientela. Embora,

    s vezes, o relacionamento pudesse parecer

    informal, descontrado, via-se por trs toda uma

    estrutura formal a reger as atitudes e as tomadas

    de deciso. O prprio pesquisador, ao iniciar suas

    observaes nas dependncias da Organizao B,

    deparou-se com a fora desse valor.

  • 72

    Aps ligar para o departamento de

    formao do pessoal, pedindo informaes sobre

    como proceder para realizar pesquisas no interior

    da empresa, fomos informados por um funcionrio

    de que bastaria nos dirigirmos s dependncias

    selecionadas, identificarmo-nos como funcionrio

    e expor as razes de nossa pesquisa. Assim

    procedemos na agncia de Estrela D'Oeste (SP). O

    gerente nos recebeu incrdulo e defensivo; exigiu,

    alm da carteira funcional, nomes e telefones no

    departamento e na agncia que controlava a folha

    de pagamento. Fez-nos esperar mais um dia.

    Nesse dia, relutou, ainda, em nos proporcionar

    acesso aos funcionrios. S aps muita

    insistncia, acabou permitindo as entrevistas e a

    observao, porm com o acompanhamento do

    auxiliar da gerncia.

    Depois de novo contato com o

    departamento de formao, foram-me fornecidas

    cartas de apresentao. As facilidades que se

    seguiram, com livre acesso a outras dependncias,

    quando fomos muito bem-recebidos, atestaram

    que a formalidade abre portas na empresa.

    Outro valor, j mencionado em outras

    pesquisas, tambm surgiu nas entrevistas por ns

    realizadas, embora detectemos falhas na sua

    anlise e observao: a sociabilidade interna,

    sempre glorificada como um fenmeno da cultura

    da empresa.

  • 73

    A sociabilidade, para ns, deve ser vista

    luz das contradies que encerra e oculta, como o

    carter individual da carreira, as disputas internas

    por cargos, o jogo de interesses, as idiossincrasias

    do poder. Ela tambm aparecia como uma das

    exigncias mediadas, visando o bom andamento

    da organizao. Por isso, tendia a ocorrer apenas

    no mbito da empresa. Raramente extrapolava as

    barreiras fsicas da Organizao B. L fora, o

    individualismo, sempre to negado, mas quase

    sempre seguido, imperava. Apenas nas chamadas

    agncias de grande rotatividade de funcionrios,

    como era a agncia de Paranaba (MS), e

    certamente por uma questo de sobrevivncia, a

    sociabilidade se manifestava na forma como

    queriam nos fazer acreditar que existia. O que

    quase sempre presenciamos foi uma socializao

    corporativa, voltada para o interior do grupo, nas

    agncias e nas associaes de funcionrios.

    Em sua pesquisa de mestrado, Eboli (1990,

    p. 208 e 209) considerou esse trao como

    "sustentculo das relaes de trabalho", como

    fonte integradora que superava focos de

    insatisfao pessoal e profissional. No podemos

    negar sua importncia, mas temos que levar em

    conta a ao mediadora e coercitiva da empresa

    que, vale frisar, sempre exigiu tal postura. As

    correspondn