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ADRIANA MACHADO CASALI COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM FUSÕES E AQUISIÇÕES INTERNACIONAIS FLORIANÓPOLIS 2006

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ADRIANA MACHADO CASALI

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM

FUSÕES E AQUISIÇÕES INTERNACIONAIS

FLORIANÓPOLIS

2006

ADRIANA MACHADO CASALI

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM

FUSÕES E AQUISIÇÕES INTERNACIONAIS

FLORIANÓPOLIS

2006

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor no Programa de Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina Orientador: Álvaro Guillermo Rojas Lezana, Dr.

ADRIANA MACHADO CASALI

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM FUSÕES E

AQUISIÇÕES INTERNACIONAIS

Esta tese foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Doutor em Engenharia de Produção no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade

Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 23 de junho de 2006.

________________________ Edson Pacheco Paladini, Dr.

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção

Banca Examinadora _________________________________ Álvaro Guillermo Rojas Lezana, Dr. (Universidade Federal de Santa Catarina) Orientador _________________________________ Maria Ester Menegasso, Dra. (Universidade do Estado de Santa Catarina) Moderador _________________________________ Valdir Machado Valadão Júnior, Dr. (Universidade Federal de Uberlândia)

_________________________________ Cleusa Maria Andrade Scroferneker, Dra. (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) _________________________________ Alcina Maria de Lara Cardoso, Dra. (Universidade do Vale do Itajaí)

Àqueles que utilizem esta pesquisa na

contínua busca pelo saber...

Agradecimentos Ao meu orientador Prof. Álvaro Guillermo Rojas Lezana, Dr., por seu apoio, sua assistência indispensável e sobretudo pela serenidade ao conduzir este processo. Aos professores, funcionários, ex-funcionários, alunos e ex-alunos do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que possibilitaram o afastamento das atividades docentes e apoiaram à realização do Doutorado, em particular ao Prof. Carlos Alberto Martins da Rocha. Agradeço especialmente a Profa. Celsi Brönstrup Silvestrin, Dr., pelo incentivo desde a graduação. Aos professores e colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade de Montreal (UdeM) e de outras instituições que mesmo de forma anônima realizaram sugestões ou inspiraram idéias em grupos de estudos, colóquios, congressos, seminários e outros ambientes de troca de conhecimento, dos quais participei ao longo desses anos e que certamente fazem parte do processo de formação de um Doutor. À Embaixada do Canadá no Brasil, pela concessão da bolsa de estudos do programa “Governor General Award / Bourses de Gouverneur Géneral”, que possibilitou meu estágio doutoral na Universidade de Montreal e realização de pesquisa de campo na Molson. Ao Prof. James R. Taylor, PhD pelos inúmeros insights e pelo exemplo de incessante curiosidade e atividade acadêmica. Aos colaboradores da Molson e da Kaiser, em particular aos entrevistados e suas competentes assistentes que contribuíram para a realização da pesquisa empírica. À Olinda Maria Machado, Antonia Schwinden e Márcia Cristina Zappa, pelas revisões. Ao “Companheiro”, pelo apoio e “puxões de orelha” que só um “irmão mais velho” sabe como dar. A Ricardo Roberto Berh, pela amizade, contatos, referências e principalmente por apresentar-me à grounded theory. Às amigas Luciana, Márcia, Olga, Marie e Ana Paula. A toda a minha família, sempre apoiando e incentivando minhas iniciativas. Em particular, aos meus pais, Adriano e Valda, à minha irmã Juliana sempre solícita e que tanto me ajuda, aos meus irmãos Rafael e Guilherme. À minha afilhada Isadora, que me subtrai do mundo adulto e representa minha esperança no futuro, assim como seu irmão que em breve estará conosco. Ao Alex, a quem jamais terei palavras suficientes para agradecer.

À suprema inteligência divina, sem a qual nada existiria.

RESUMO

No mercado globalizado, fusões e aquisições são práticas recorrentes para que as empresas ampliem suas ações internacionais. Acadêmicos e gestores têm enfatizado a importância da comunicação nesses processos, no entanto pesquisas sobre este tema ainda são escassas. O propósito desta tese é elaborar um marco teórico que possibilite a análise da comunicação nos processos internos às organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais. A metodologia utilizada, a grounded theory, congrega elementos teóricos e empíricos no processo de teorização. Dados empíricos são provenientes do estudo de caso da Molson Canada, na aquisição e subseqüente fusão das Cervejarias Kaiser e Bavaria no Brasil. A perspectiva de análise desta pesquisa é qualitativa, longitudinal e descritiva. O marco teórico elaborado compõe-se das construções conceituais realizadas nesta pesquisa. Verificou-se que o ambiente internacional é uma categoria de análise que influencia tanto os processos de comunicação organizacional como o desenvolvimento de fusões e aquisições. Cada aspecto do ambiente internacional, simultaneamente, converge quanto à tendências globais e diverge nas especificidades locais. Contudo, uma das contribuições desta pesquisa é a observação que convergência e divergência não constituem pólos opostos, mas dimensões de análise ortogonais, logo, distintas. Fusões e aquisições internacionais foram analisadas conforme sua evolução estrutural, distinguindo suas etapas e momentos segundo sua natureza, duração, objetivo, resultado, eventos significativos, atividades, clima organizacional característico, dificuldades e elementos facilitadores. Considerou-se que as etapas de negociação, integração e consolidação são fases nas quais fusões e aquisições internacionais influenciam os processos internos das organizações envolvidas nessa mudança organizacional. Os momentos do anúncio oficial e da aprovação do negócio apresentam maiores repercussões no ambiente externo dessas organizações. Além disso, a negociação possui características globais, portanto, convergentes; enquanto na integração predominam as divergências locais. Na consolidação verificam-se diversos arranjos de convergência/divergência, estabelecidos de acordo com os processos de comunicação realizados na constituição da nova organização. Nesta pesquisa, a comunicação organizacional é compreendida como um processo social que aciona universos objetivos e subjetivos na criação de um ambiente ao mesmo tempo estável e mutante. Definiu-se que os processos de comunicação organizacional são uma série de interações entre agentes em relação a um objeto, as quais constroem a realidade social. Esta construção ocorre à medida que as interações definem e redefinem as relações entre sujeitos, bem como as relações sujeito/objeto, quer por meio da dinâmica texto/conversações, quer pela contínua alternância entre instâncias de constituição e transmissão de significados. Essa definição permitiu averiguar que o desafio da comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais é a construção de um objeto comum, sendo esta uma conclusão central desta pesquisa. O marco teórico, além de incorparar construções conceituais, permite a identificação dos agentes, e dos objetos construídos por estes durante as interações que constituem as fusões e aquisições internacionais. Por fim, a principal contribuição desta tese é a seção do marco teórico que ilustra e descreve os momentos e processos em que a comunicação organizacional apresenta-se como predominantemente constitutiva ou informativa em fusões e aquisições internacionais.

Palavras-chave: comunicação organizacional, fusões e aquisições internacionais, marco teórico.

ABSTRACT

In global markets, mergers and acquisitions are frequent operations allowing businesses to extend their international activities. Both scholars and managers emphasize the role of communication in such processes, however research on this subject is scarce. The objective of this doctoral dissertation is to construct a theoretical framework enabling the analysis of communication as it relates to the internal processes of organizations involved in international mergers and acquisitions. Grounded theory, the methodological approach used in this study, draws upon both theoretical and empirical elements throughout the theorization process. The empirical data was obtained by conducting a case study of Molson Canada in its acquisition of – and subsequent merger with – Brazilian breweries Kaiser and Bavaria. Our analytical approach is qualitative, descriptive and longitudinal. The resulting theoretical framework assembles all of the significant conceptual constructs of this research. It was found that the ‘international context’, as a conceptual category, influences both organizational communication processes and merger and acquisition developments. Each particular aspect of the international context presents indications of convergence with regard to global trends and, at the same time, evidence of divergence with respect to local specificities. However, one of the contributions of this research is that such convergence and divergence are not polar opposites but are instead orthogonal, and therefore distinct, conceptual dimensions. International mergers and acquisitions were examined from the standpoint of their structural evolution, distinguishing their stages and events by their nature, duration, objective, activities, milestones, organizational climate, difficulties and facilitating elements. The negotiation, integration and consolidation stages were regarded as phases during which international mergers and acquisitions influence the internal processes of organizations involved in the organizational change. In contrast, the official announcement and regulatory approval events have more important repercussions for the external environment of such organizations. Moreover, whereas the negotiation stage has rather global, and therefore convergent characteristics, local divergences are predominant in the integration stage. During consolidation, various convergence/divergence combinations can occur, in accordance with the communication processes that have transpired throughout the constitution of the new organization. In this study, organizational communication is understood as a social process that articulates objective and subjective universes to create an environment, which is all at once stable and mutating. As defined in the current work, organizational communication processes consist in a series of interactions between agents in relation to an object– such interactions thus constructing social reality. This construction of reality takes place as interactions define and redefine the relationships between subjects, as well as those between subject and object, whether it be through the text/conversation dynamic, or through the constant alternation of sensemaking and sensegiving. This definition led to one of the key conclusions of this thesis, which is that the challenge for organizational communication, within the context of international mergers and acquisitions, is the construction of a common object. In addition to pulling together the conceptual constructs of this research, our theoretical framework enables the identification of agents and of objects constructed by these agents in the course of the interactions that define international mergers and acquisitions. Finally, the main contribution of this thesis is a section of the theoretical framework that describes and illustrates organizational communication as either predominantly constitutive or predominantly informative during the various processes and events of international mergers and acquisitions. Keywords: organizational communication, international mergers and acquisitions, theoretical framework.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Fusões e aquisições no Brasil de 1996 a 2005...................................................... 19

Figura 2 – Participação de mercado dos produtores mundiais de cerveja em 1994 e 2004..... 22

Figura 3 – Esquema de análise das concepções sobre a natureza das ciências sociais............ 27

Quadro 1 – Distinções da sociologia quanto à natureza da sociedade.................................... 27

Figura 4 – Quatro paradigmas de análise social .................................................................... 28

Quadro 2 – Características e semelhanças dos paradigmas funcionalista e interpretativo ...... 30

Quadro 3 – Síntese das noções sobre comunicação organizacional ....................................... 43

Figura 5 – Dinâmica texto/conversações .............................................................................. 50

Figura 6 – Modelo de co-orientação ..................................................................................... 51

Figura 7 – Comunicação organizacional: intersecção entre comunicação e organização ....... 53

Quadro 4 – Características de fusões e aquisições ................................................................ 57

Figura 8 – Representação básica da mudança ....................................................................... 58

Figura 9 – “Pathfinder Model” de aquisição e integração ..................................................... 59

Figura 10 – Exemplo hipotético de análise da dinâmica global/local .................................... 72

Figura 11 – O processo de “reorganização” de fusões e aquisições ....................................... 76

Figura 12 – Etapas de análise dos dados na grounded theory ................................................ 86

Figura 13 – Fluxograma das atividades de pesquisa.............................................................. 99

Quadro 5 – Diferenças culturais entre Brasil e Canadá ....................................................... 103

Figura 14 – Inter-relações dos aspectos ambientais............................................................. 106

Quadro 6 – Exemplos de convergência e divergência entre Brasil e Canadá ....................... 108

Figura 15 – Evolução estrutural do processo de fusão e aquisição ...................................... 111

Figura 16 – Desenvolvimento do processo de fusão e aquisição ......................................... 115

Quadro 7 – Características das etapas de fusões e aquisições internacionais ....................... 139

Figura 17 – A análise da dinâmica global/local na hierarquia organizacional...................... 141

Figura 18 – A análise da dinâmica global/local em fusões e aquisições internacionais ........ 143

Figura 19 – O processo de comunicação organizacional ..................................................... 144

Figura 20 – Interações em fusões e aquisições internacionais ............................................. 153

Quadro 8 – Modelo de análise dos agentes e objetos de comunicação em fusões e aquisições

internacionais ............................................................................................................. 156

Figura 21 – Comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais ................ 159

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AmBev – Companhia de Bebidas das Américas

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

F&A ou F/A – Fusões e Aquisições

ONU – Organização das Nações Unidas

SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

SDE – Secretaria de Direito Econômico

SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11

1.1 Tema e Problema de Pesquisa.................................................................................. 11

1.2 Objetivos da Pesquisa.............................................................................................. 15

1.2.1 Objetivo Geral .................................................................................................. 15

1.2.2 Objetivos Específicos........................................................................................ 16

1.3 Justificativa ............................................................................................................. 16

1.4 Estrutura da Tese..................................................................................................... 24

2 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................................... 26

2.1 Paradigmas em Ciências Sociais .............................................................................. 26

2.1.1 Os Paradigmas Funcionalista e Interpretativo: A Grande Oposição ................... 28

2.1.2 Humanismo-radical e Estruturalismo-radical: Teoria Crítica ............................. 31

2.2 Comunicação Organizacional .................................................................................. 32

2.2.1 Comunicação Organizacional nos Paradigmas .................................................. 34

2.2.1.1 Comunicação nas organizações .................................................................. 35

2.2.1.2 Comunicação como organização ................................................................ 39

2.2.2 Redefinição da Comunicação Organizacional ................................................... 44

2.3 Fusões e Aquisições Internacionais.......................................................................... 56

2.3.1 Fundamentos sobre Fusões e Aquisições........................................................... 56

2.3.2 Contexto Internacional...................................................................................... 63

2.3.2.1 Convergência ............................................................................................. 65

2.3.2.2 Divergência................................................................................................ 67

2.3.3 Redefinição de Fusões e Aquisições Internacionais........................................... 70

2.4 Comunicação em Fusões e Aquisições Internacionais .............................................. 72

3 METODOLOGIA ........................................................................................................ 82

3.1 Delineamento e Perspectiva da Pesquisa.................................................................. 82

3.2 Estratégia de Pesquisa ............................................................................................. 90

3.3 Especificação do Problema...................................................................................... 91

3.4 Dados: Fontes, Coleta e Análise .............................................................................. 92

3.4.1 Fontes de Coleta dos Dados .............................................................................. 92

3.4.1.1 Fontes secundárias ..................................................................................... 93

3.4.1.2 Fontes primárias......................................................................................... 94

3.4.2 Análise dos Dados ............................................................................................ 97

3.5 O Desenvolvimento da Pesquisa .............................................................................. 99

4 MARCO TEÓRICO DA COMUNICAÇÃO EM FUSÕES E AQUISIÇÕES

INTERNACIONAIS ........................................................................................................ 100

4.1 Categorias de Análise ............................................................................................ 101

4.1.1 O Ambiente Internacional ............................................................................... 101

4.1.2 Fusões e Aquisições Internacionais ................................................................. 110

4.1.2.1 Negociação .............................................................................................. 117

4.1.2.2 Anúncio e Aprovação............................................................................... 124

4.1.2.3 Integração ................................................................................................ 127

4.1.2.4 Consolidação ........................................................................................... 137

4.1.3 Análise da Comunicação Organizacional ........................................................ 143

4.2 Modelo de Análise da Comunicação em Fusões e Aquisições Internacionais ......... 149

4.3 O Marco Teórico ................................................................................................... 158

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 171

5.1 Contribuições da Pesquisa ..................................................................................... 171

5.2 Limitações da Pesquisa.......................................................................................... 177

5.3 Recomendações para Pesquisas Futuras................................................................. 179

6 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 181

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada............................................. 197

APÊNDICE B – Categorias de Análise ........................................................................... 200

APÊNDICE C – Ambiente Organizacional..................................................................... 201

APÊNDICE D – Fusões e Aquisições Internacionais...................................................... 202

APÊNDICE E – Comunicação Organizacional .............................................................. 203

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1 INTRODUÇÃO

A globalização ultrapassa fronteiras, reduz distâncias e acelera a internacionalização

das atividades organizacionais. O componente do fenômeno global que afeta as atividades

empresariais, a internacionalização, representa a ação organizacional dentro da intrincada

dinâmica mundial. Dentre as diversas estratégias de internacionalização possíveis, fusões e

aquisições destacam-se por gerarem crescimento rápido e por causarem significativas

mudanças no mercado e no ambiente interno das organizações envolvidas.

Seja em operações bem-sucedidas ou em empreendimentos fracassados, acadêmicos e

gestores ressaltam a importância da comunicação para realizar a fusão de organizações ou a

inserção de uma organização na estrutura de outra. A comunicação é compreendida,

sobretudo, como elemento essencial à integração das organizações. Também ressalta-se a

influência dos processos de comunicação no desenvolvimento dessas estratégias. Apesar do

reconhecido valor da comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais,

ainda são poucas as pesquisas que se dedicam a este tema.

A comunicação organizacional nos processos internos às organizações em fusões e

aquisições internacionais constitui um objeto de estudo pertinente à Engenharia de Produção,

na medida em que estas operações implicam transformações na gestão de sistemas e

processos produtivos. A escassez de estudos sobre o tema e a possível contribuição que sua

investigação pode oferecer para os conhecimentos da Engenharia de Produção foram os

principais fatores motivadores desta tese.

Para delinear o trabalho realizado, são apresentados a seguir o tema e o problema de

pesquisa, bem como seus objetivos. Na seqüência, são expostos os fatores que justificam este

estudo em termos teóricos e empíricos. Por fim, descreve-se a estrutura da tese.

1.1 Tema e Problema de Pesquisa

A pesquisa posiciona-se no amplo contexto da globalização, uma realidade

multifacetada, que caracteriza tanto o presente quanto o futuro das sociedades

contemporâneas. Foco de debate na Engenharia de Produção, bem como em outras áreas do

conhecimento, a globalização tem sido descrita, dentre outras formas, como processo,

12

movimento, prática, efeito, fenômeno e realidade. Entretanto, não há consenso em relação a

sua definição exata, a globalização não incorpora um conceito definitivo nem um significado

compartilhado.

Embora aparente ser uma tendência natural da sociedade contemporânea, a

globalização se produz a partir de uma série de decisões políticas e econômicas tomadas por

seres humanos (HRYNYSHYN, 2002). Como afirma Bertero (1999, p. 434), “a globalização

é apresentada como uma realidade que está diante de nós num processo irreversível que não

pode ser detido, mas certamente pode ser modelado pela vontade humana”.

A complexidade global é apreendida por Appadurai (1996), que sugere que a

globalização se compõe de disjunções e diferenças entre espaços etnográficos, midiáticos,

ideográficos, financeiros e tecnológicos. Esta análise captura suas dimensões sociais,

culturais, políticas, econômicas e tecnológicas, chamando atenção para suas divergências e

interconexões. Embora a globalização seja um fenômeno plural, em geral, as análises a ele

dedicadas concentram-se em uma faceta particular da sua existência: os aspectos geopolíticos

e econômicos. Isto ocorre porque a influência das tendências globalizantes destaca-se na

economia e no mundo dos negócios (BERTERO, 1999). Como afirma Stohl (2001, p. 325,

tradução livre), “globalização refere-se à natureza interconectada da economia global, à

interpenetração de organizações globais e domésticas, e às tecnologias de comunicação que

dissolvem fronteiras temporais e espaciais”.

Esta tese estuda reflexos deste fenômeno no contexto organizacional, mas o

compreende como plural e dinâmico por natureza (IANNI, 1995). Como afirma Parker (1999,

p. 400), “organizações não são simplesmente afetadas pela globalização: as atividades

combinadas de todos os tipos de organização estimulam, facilitam, sustentam e expandem a

globalização”.

Sendo as organizações protagonistas da globalização, o presente estudo refere-se à

dinâmica organizacional no cenário global, ou seja, à internacionalização. Define-se

internacionalização como um processo crescente e continuado de envolvimento de uma

organização nas operações com outros países fora de sua base de origem, durante o qual a

empresa muda em resposta à competição internacional, à saturação do mercado doméstico, ao

desejo de expansão, à exposição a novos mercados e à diversificação (BRASIL; GOULART;

ARRUDA, 1994; DERESKY, 1997). Dentre as diversas estratégias de internacionalização,

13

fusões e aquisições são práticas recorrentes que estimulam a concentração do mercado

mundial no processo de globalização.

Em específico, fusões e aquisições são situações privilegiadas para estudos

organizacionais porque são exemplos de mudança planejada, que envolvem múltiplas

mudanças simultâneas em diversos níveis organizacionais – na gestão e na organização do

trabalho, de natureza demográfica, estrutural, cultural e tecnológica (GIROUX, 1999-2000).

Tais mudanças constituem processos a serem compreendidos pela Engenharia de Produção,

particularmente nos estudos sobre ciclo de vida das organizações, visto que as empresas

engajam-se em processos de fusão e aquisição como estratégia de crescimento para evitar o

declínio organizacional.

Embora esses processos sejam uma resposta das organizações às pressões do ambiente

global, seus resultados são observados nos processos internos às organizações envolvidas.

Fusões e aquisições referem-se à integração técnica, administrativa e cultural de duas ou mais

organizações em uma entidade maior (KRAMER; DOUGHERTY; PIERCE, 2004). O

objetivo de uma fusão é criar uma nova organização e gerar sinergias, de forma que,

conforme as características das organizações anteriores, sejam criados produtos, serviços ou

processos superiores àqueles que essas desenvolviam quando estavam separadas (CAREY;

OGDEN, 2004).

Dessa forma, fusões e aquisições geram mudanças no ambiente interno1 das

organizações, sendo este o foco da presente pesquisa. Segundo Yunker (1983), os problemas

de desempenho de empresas resultantes de fusões são oriundos de fatores internos e da

dinâmica criada para a nova organização. A comunicação define a forma como os indivíduos

interagem uns com os outros e determina a probabilidade de sucesso pós-fusão (DOOLEY;

ZIMMERMAN, 2003). Em uma pesquisa exploratória analisando 54 casos de fusões e

aquisições no Brasil, dos quais 34 eram operações internacionais, Wood Jr., Vasconcelos, e

Caldas (2003-2004) destacam a influência da comunicação no resultado destas operações.

No entanto, a comunicação ganha contornos distintos conforme a maneira pela qual é

conceituada. A primeira significação a ela atribuída refere-se ao “ato ou efeito de emitir,

transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados através 1 Compreende-se que o ambiente interno inclui variáveis passíveis de controle por gestores e membros de uma organização, dentre elas: estratégias, políticas, estruturas e processos de trabalho. O ambiente externo é composto por variáveis incontroláveis, tais como: condições físico-naturais, econômicas, políticas, sociais, legais, demográficas, tecnológicas e culturais. Aspectos do ambiente internos e externos exercem influência recíproca, pois as fronteiras organizacionais definem-se de forma fluida e são permeáveis.

14

da linguagem falada ou escrita” (FERREIRA; ANJOS; FERREIRA, 1999, veja

comunicação). A comunicação como transmissão de informação adquire um novo status no

contexto da globalização, pois constitui um dos eixos da “nova ordem mundial”. Castells

(2001) qualifica a sociedade contemporânea como “sociedade da informação”. De fato, os

intercâmbios sociais, geopolíticos, econômicos e tecnológicos que constituem a globalização

são em parte fruto das novas tecnologias de informação e comunicação que contribuem para o

aumento das trocas globais. Os avanços da comunicação parecem estimular a globalização e a

expansão das organizações em mercados internacionais. Exemplo disso são as atividades via

Internet, que facilitam operações financeiras globais ou intercâmbios entre unidades de

empresas multinacionais.

Contudo, a comunicação não se restringe à troca de informações. Quando se

comunicam, os indivíduos também as produzem e estabelecem relações sociais. A segunda

definição de comunicação refere-se à “capacidade de trocar ou discutir idéias, de dialogar, de

conversar, com vistas ao bom entendimento entre pessoas” (FERREIRA; ANJOS;

FERREIRA, 1999, veja comunicação). O “bom entendimento” é o resultado do processo

comunicacional, ou seja, informação gerada na interação ou conhecimento produzido

coletivamente.

Segundo Manning (1992), além de seu caráter instrumental, a comunicação possui um

caráter simbólico. Conceituada em seus aspectos funcionais e voltada à realização dos

objetivos organizacionais, ela distingue-se como processo direcionado a públicos internos ou

externos à organização. Como atividade simbólica, constitui um processo interativo de

produção de significados que transcende fronteiras organizacionais. Para Conrad e Poole

(2002), a comunicação é um processo pelo qual os indivíduos, atuando em conjunto, criam,

mantêm e geram significados por meio de signos e símbolos, verbais e não-verbais em um

contexto particular. Neste sentido, a dinâmica entre globalização e comunicação é complexa e

intricada.

Esta tese observa a comunicação organizacional como um processo único, que integra

aspectos funcionais e simbólicos. Assim sendo, embora este estudo esteja centrado em

processos organizacionais internos, pois fusões e aquisições exigem mudanças internas às

organizações envolvidas, não se utiliza a expressão corrente “comunicação interna”, uma vez

que esta designação restringe o conceito de comunicação organizacional, como será discutido

no Capítulo 2.

15

Considerando a importância da comunicação no desenvolvimento de fusões e

aquisições internacionais e considerando que fusões e aquisições geram mudanças internas, a

pesquisa será orientada pelo seguinte problema:

Como analisar a comunicação nos processos internos às organizações envolvidas

em fusões e aquisições internacionais?

Ao enunciar este problema, conforme apresentado anteriormente, esta pesquisa admite

que fusões e aquisições são estratégias de internacionalização representativas da ação

organizacional em um contexto de globalização e que a comunicação é essencial ao

desenvolvimento destas operações. A partir do problema de pesquisa formulado foi realizada

uma investigação teórico-empírica segundo os princípios da grounded theory2 (GLASER;

STRAUSS, 1967). Como fonte de evidências empíricas, esta pesquisa realizou o estudo do

processo de inserção da Molson Canadá no mercado global por meio da aquisição e fusão das

cervejarias brasileiras Bavaria e Kaiser. Diante do problema de pesquisa, fez-se necessário

definir parâmetros de referência para análise do objeto de estudo e seu contexto de

investigação. O conjunto destes referenciais constitui um marco teórico e sua construção é o

objetivo geral desta pesquisa. Este e outros objetivos são detalhados na seção seguinte.

1.2 Objetivos da Pesquisa

Para responder à pergunta de pesquisa formulada, este estudo pretende atingir os

objetivos enumerados a seguir.

1.2.1 Objetivo Geral

Elaborar um marco teórico que possibilite a análise da comunicação nos processos

internos às organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais.

2 Uma tradução possível do termo grounded theory poderia ser “teoria enraizada”. No entanto, o adjetivo grounded também remete à idéia de “base” ou “aterramento elétrico”. Não encontrando expressões correspondentes na língua portuguesa, nesta tese optou-se por manter a denominação original, tal como o fazem outros autores brasileiros (BANDEIRA-DE-MELLO; CUNHA, 2004).

16

1.2.2 Objetivos Específicos

• Identificar as principais correntes de pensamento em comunicação organizacional;

• Caracterizar fusões e aquisições;

• Especificar os diferenciais de fusões e aquisições em contextos internacionais;

• Observar como se desenvolvem os processos internos de reorganização das

organizações em fusões e aquisições internacionais;

• Identificar as especificidades dos processos de comunicação organizacional em fusões

e aquisições internacionais;

• Analisar teórica e empiricamente os processos de comunicação organizacional em

fusões e aquisições internacionais, para elaboração de um marco teórico de análise da

comunicação nos processos internos às organizações envolvidas em fusões e

aquisições internacionais.

Apresentados os objetivos desta investigação, a seção seguinte justifica a realização

desta pesquisa.

1.3 Justificativa

Uma característica marcante da sociedade é a vida organizacional, o que Etzioni

(1962, 1964) identificou como “sociedade organizacional”. Do nascimento à morte, o

indivíduo tem sua vida mediada por organizações: hospitais, escolas, cartórios, universidades,

indústrias, centros comunitários, entre outras. Até a identidade individual chega a ser definida

por organizações; é comum que os indivíduos se apresentem por meio de referências

organizacionais, citando, por exemplo, a organização para a qual trabalham, a universidade

que freqüentaram, a equipe esportiva que preferem, entre outras. Como afirma Deetz (1992),

as organizações tornaram-se uma instituição central da sociedade moderna. Isto é, as

organizações formam a matriz da sociedade (BODEN, 1994).

De acordo com Wenger (1998), organizações são designs sociais dirigidos por

práticas. Esta definição comporta duas visões de organização. Uma idéia estrutural das

organizações como design de uma instituição (primeira visão), a qual é distinta da

organização vivida na prática (segunda visão). Conforme essa abordagem, a prática (ou

constelações de práticas) dá vida a uma organização e é uma resposta ao design

17

organizacional. O termo prática costuma ser associado à noção de atividade. Para Wenger

(1998), “práticas” são atividades que definem identidades, significados e participação

comunitária, possibilitando tanto conhecimento como aprendizado. Wenger (1998) utiliza

prática na conotação de performance – realizações em um contexto social que dão estrutura e

sentido aos atos realizados. Para este autor, toda e qualquer prática é uma prática social.

Assim sendo, a sociedade contemporânea é formada por organizações constituídas por

práticas sociais (WENGER, 1998). Essas práticas realizam-se em interações viabilizadas por

processos de comunicação. Indivíduos e organizações julgam compreender a comunicação

porque esta faz parte de suas práticas cotidianas (PASOLD, 1987). Apesar de sua aparente

naturalidade, a comunicação é um processo complexo. Talvez por esta razão sejam atribuídas

a ela a origem e a solução de diversos problemas organizacionais. Como afirmam Davis e

Scott (1969, p.255), “sem comunicação não pode haver organização e daí, nenhuma atividade

de grupo, porque a comunicação é o único processo pelo qual as pessoas se vinculam em

conjunto em um grupo de trabalho. Se não houver comunicação não haverá grupo”. Bueno

(2005, p.93) complementa, “na verdade, não se pode imaginar um processo que efetivamente

funcione em uma organização sem que a vertente comunicacional esteja presente”.

A importância das organizações na sociedade e a centralidade da comunicação nas

práticas sociais, e nas organizações em particular, justificam a escolha da comunicação

organizacional como objeto de estudo desta pesquisa. Como nenhuma análise pode ser

descontextualizada, tal objeto foi analisado no contexto da globalização, em específico nas

operações de fusões e aquisições internacionais.

Para Stohl (2001), a comunicação organizacional oferece uma perspectiva privilegiada

para o estudo da globalização, assim como a globalização é um universo de pesquisa especial

para a comunicação organizacional. Abordagens tradicionais compreendem a expansão

internacional como a evolução gradual das exportações à implantação de unidades de

distribuição e produção. No entanto, o envolvimento com o mercado externo também é

contingencial (ARRUDA; GOULART; BRASIL, 1994). A internacionalização das atividades

organizacionais pode variar de acordo com a forma e o nível de investimento no exterior.

Estratégias de internacionalização, que demandam investimento direto no exterior,

caracterizam-se pela criação de subsidiárias comerciais, industriais ou mistas, bem como pela

realização de joint ventures ou projetos especiais (RHINESMITH, 1993; BARTLETT;

GHOSHAL, 1998).

18

Define-se investimento direto no exterior como os investimentos feitos por

organizações em países estrangeiros para controlar ativos e gerenciar unidades produtivas

naqueles países. O investimento direto para entrada em mercados estrangeiros pode ser

realizado de duas formas: greenfield3 e aquisições (HARZING, 2002). Investimentos do tipo

greenfield ocorrem quando as empresas constroem unidades no exterior. Aquisições

correspondem aos investimentos feitos na compra de organizações locais preexistentes. A

opção por aquisições para realizar investimentos externos é uma estratégia que diminui os

riscos da expansão internacional e apresenta-se como uma alternativa rápida para alcançar

objetivos de crescimento (RASMUSSEN, 1989).

De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development –

(UNCTAD, 2005), em 2004 fusões e aquisições internacionais geraram um fluxo financeiro

de US$ 380 bilhões de dólares, o que representa mais de 50% dos investimentos diretos no

exterior realizados no mesmo ano. No entanto, fusões e aquisições internacionais não são um

fenômeno recente, suas origens reportam-se ao início das atividades comerciais.

A freqüência de fusões e aquisições tem aumentado de forma cíclica a partir do final

do século XIX. Em função de sua popularidade, o fenômeno de fusões e aquisições

internacionais tem sido descrito como “mania” (CORNETT-DEVITO; FRIEDMAN,1995) ou

frenesi. Auster e Sirower (2002) constataram que estas operações realizam-se em ondas, as

quais antecedem recessões econômicas (JANSEN, 2002), e estão relacionadas à dinâmica da

economia global. A partir da década de 1990, o aumento do número de operações de fusões e

aquisições internacionais tem sido fundamental para o fluxo financeiro mundial (PICOT,

2002).

Também a partir de 1990, fusões e aquisições começaram a ganhar destaque no Brasil.

Barros, Souza e Steuer (2003, p. 17) explicam que “o número de operações começa a

aumentar em decorrência da redução das barreiras de entrada ao capital estrangeiro e da

inserção do país no mercado global”. Nos últimos dez anos, foram realizadas 3.172 fusões e

aquisições no Brasil, das quais 1.834 foram internacionais (KPMG, 2006). A freqüência de

fusões e aquisições envolvendo empresas brasileiras é apresentada na figura 1, em que é

possível observar uma tendência cíclica. Isto demonstra que a relevância dos estudos a

respeito de fusões e aquisições não é efêmera.

3 Greenfield significa “campo verde” em tradução literal ou, conforme a nomenclatura de negócios, é uma forma de crescimento orgânico, um investimento de iniciativa estratégica interna à organização (RASMUSSEN, 1989).

19

Figura 1 – Fusões e aquisições no Brasil de 1996 a 2005 Fonte: Adaptado de KPMG (2006)

Fusões e aquisições entre fronteiras criam organizações multiculturais e

multinacionais. Estas organizações, segundo Banks e Riley (1993), representam

oportunidades de pesquisa para a comunicação porque são estruturadas pelo encontro de

práticas e instituições de agentes originários de diferentes culturas em um processo de

transformação social influenciado por tensões dialéticas, tais como as geradas pela

confrontação de aspectos globais e locais. Tal complexidade é uma justificativa para a

necessidade de investigar a comunicação organizacional em fusões e aquisições

internacionais.

Diante do crescente índice de fusões e aquisições entre fronteiras e da complexidade

da comunicação nestas operações, esta pesquisa é relevante para a Engenharia de Produção na

medida em que: investiga as múltiplas mudanças ocorridas na estruturas e nos processos

organizacionais; estuda interações entre diferentes culturas; e permite uma melhor

compreensão do fenômeno da globalização.

Do ponto de vista teórico, o estudo justifica-se na contribuição que pode oferecer para

o avanço do conhecimento na área de Engenharia da Produção nos domínios da comunicação

e da análise organizacional. Em geral, as teorias organizacionais tratam a comunicação de

maneira implícita ou tangencial (EUSKE; ROBERTS, 1987). Do mesmo modo, a maioria dos

20

estudos em comunicação no Brasil segue uma perspectiva funcionalista (BLINKSTEIN;

ALVES; GOMES, 2004). Esta pesquisa propõe a ampliação das perspectivas de análise

organizacional a respeito da comunicação organizacional. Como objeto de estudo desta tese, a

comunicação é analisada não apenas sob seu aspecto funcional, mas também sob seu caráter

constitutivo, na produção da realidade e na realização de ações organizacionais. Esta

abordagem interpretativa, fundamentada nos princípios teóricos da “Escola de Montreal”

(TAYLOR, 2000; ANDERSON; BAXTER; CISSNA, 2004; HEATON et al., 2004; MAY;

MUMBY, 2005), é pouco explorada no país (BLINKSTEIN; ALVES; GOMES, 2004).

Ao considerar a comunicação como elemento constitutivo dos processos

organizacionais, ao invés de apenas descrevê-la como função gerencial assessória e

ferramenta para transmissão de informações, esta pesquisa parte de um ponto de vista

comunicativo para análise organizacional nos estudos em Engenharia da Produção. A inclusão

da perspectiva da comunicação e o reposicionamento desta nos processos organizacionais são

possíveis contribuições desta pesquisa para o progresso do conhecimento na área.

Para os estudos em comunicação organizacional, além de adotar a perspectiva da

“Escola de Montreal”, esta pesquisa pode inovar quanto ao contexto de análise proposto.

Embora existam pesquisas que investigam a comunicação em processos de fusões e

aquisições, poucas se referem ao contexto internacional (MARCOUX, 2002). Além disso, a

maioria das pesquisas nesta área é de natureza prescritiva e até mesmo folclórica

(CORNETT-DEVITO; FRIEDMAN, 1995). Uma vez que esta pesquisa analisa o contexto

internacional e observa a comunicação além de sua dimensão instrumental, esta proposta de

tese apresenta-se também como uma contribuição para o avanço dos estudos em comunicação

organizacional.

Buscando uma compreensão distinta da comunicação organizacional nos processos

internos de organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais, esta tese

apresenta-se como uma proposta original e inédita. Tendo em vista que a comunicação é um

processo social complexo e que fusões e aquisições internacionais são estratégias

representativas da intrincada realidade da globalização para as organizações, esta proposta de

pesquisa atende ao requisito de não trivialidade para uma tese de doutoramento. Ademais, o

marco teórico a ser elaborado contribuirá para o avanço do conhecimento em comunicação e

análise organizacional, nos estudos da Engenharia de Produção.

21

Esta pesquisa considera que comunicação e análise organizacional são domínios

próprios à Engenharia de Produção. Em sua acepção tradicional esta disciplina estuda

sistemas produtivos; estes sistemas incluem a produção de bens e serviços, bem como os

processos administrativos que integram elementos humanos, materiais, tecnológicos e de

informação. Desta forma, além da pesquisa e do estudo das organizações, é pertinente e

necessário à Engenharia de Produção o desenvolvimento de análises comunicacionais, pois a

comunicação é um processo intrínseco aos sistemas produtivos. A análise da comunicação

organizacional constitui uma contribuição desta pesquisa para o enriquecimento dos estudos

em Engenharia de Produção. Outra colaboração à área consiste na investigação de fusões e

aquisições, pois estas operações envolvem a integração e reorganização dos sistemas

produtivos das unidades fusionadas ou adquiridas.

Além do mais, a Engenharia de Produção tem como objeto de estudo o fluxo dos

processos de trabalho; para que estes se realizem, a comunicação é essencial para traduzir

macroestratégias (tais como fusões e aquisições) em micropráticas das operações diárias de

uma organização. O administrador (ou engenheiro) de produção é então um comunicador, ou

tradutor nos termos colocados por Cooren e Fairhurst (2003).

De um ponto de vista prático, Zilber e Piekny (2005, p. 171) enfatizam a “necessidade

de se aprofundar o conhecimento a respeito da reestruturação da indústria brasileira,

decorrente do intenso movimento de F&A na última década”. Assim sendo, esta reflexão

pode ser útil para investidores que busquem a expansão internacional por meio de fusões e

aquisições. Num momento em que investimentos estrangeiros têm estimulado o crescimento

econômico mundial, é importante reconhecer e compreender o papel da comunicação no

desenvolvimento e implantação de estratégias de internacionalização tais como fusões e

aquisições. Compreender a comunicação organizacional em um contexto de globalização

poderá contribuir para incrementar a eficiência e eficácia das empresas que pretendem

expandir suas atividades internacionalmente, bem como orientar a ação de gestores

envolvidos em processos de fusões e aquisições.

O marco teórico formulado poderá ser replicado em outras pesquisas referentes a

outros países, outras organizações ou outros setores industriais. Pesquisadores e gestores

poderão utilizar estes referenciais de análise para compreender os limites e as possibilidades

da comunicação em processos de fusão e aquisição internacionais.

22

Justificados o objeto de estudo e seu contexto de análise, é preciso explicar a escolha

do mercado de cerveja, em particular do estudo de caso da Molson Canadá para o

desenvolvimento desta pesquisa.

A indústria cervejeira está entre os setores industriais com maiores taxas de

longevidade de produtos e marcas na história dos negócios. A maioria das grandes cervejarias

internacionais figura entre as empresas mais antigas do mundo (LOPES, 2001). Embora o

consumo de cerveja seja uma prática local, impregnada na identidade e na cultura nacional, o

impacto da globalização sobre esta indústria é peculiar.

Observa-se um movimento de concentração no mercado mundial de cerveja, a

princípio local e artesanal. Nas últimas décadas, ocorreram diversas fusões e aquisições na

indústria cervejeira, as quais criam multinacionais de atuação global e instauram um período

de rápida consolidação. Em um intervalo de cinco anos, o controle do mercado global pelas

dez maiores empresas do setor passou de 42% para 62% (REGULY, 2004). Estas mudanças

na configuração do mercado mundial de cerveja podem ser observadas quando comparados os

dados de produção em 1994 e 2004, apresentados na figura 2.

Produção Mundial de Cerveja em 1994 Participação de Mercado das 10 Maiores Cervejarias

Produção Mundial de Cerveja em 2004 Participação de Mercado das 10 Maiores Cervejarias

Outros

67.7%

Miller

5.2%

Anheuser-Busch

8,5%

Heineken

3.9%

Kirin

3.0% South African

Breweries

2.6%Brahma

2.5%

Carlsberg

2.1%

Scottish &

Newcastle

0.3%

Interbrew

1.5%

Foster

2.5%

Grupo Modelo

2.8%

Asahi

2.4%

Tsingtao

2.2%

Outros

39.2%

Scottish &

Newcastle

3.4%

Carlsberg

3.6%

MolsonCoors

4.0%

Heineken

7.3%

SAB-Miller

7.8%

InBev

16.9%

Anheuser-Busch

10.2%

Figura 2 – Participação de mercado dos produtores mundiais de cerveja em 1994 e 2004 Fonte: Dados secundários da pesquisa

Analisando os gráficos acima, é possível verificar a concentração do mercado

mundial, a criação de empresas fusionadas e o crescimento da participação das maiores

cervejarias. Esta reconfiguração do mercado é decorrência de estratégias de

internacionalização, sobretudo de fusões e aquisições. A indústria cervejeira é controlada por

companhias tais como: Anheuser-Busch (EUA), Asahi (Japão), InBev (Bélgica/Brasil),

23

Heineken (Holanda), SABMiller (África do Sul/EUA), Kirin (Japão), Scottish & Newcastle

(Reino Unido), Carlsberg (Dinamarca), MolsonCoors (Canadá/EUA), Foster (Austrália) e

Grupo Modelo (México) (LUZ; SORIMA NETO, 2006).

As maiores cervejarias do mundo dividem-se em dois grupos distintos. O primeiro é

caracterizado por empresas como a Heineken, que possui uma marca reconhecidamente

global e realiza fusões e aquisições desde suas origens mais remotas4. O segundo grupo é

representado pela Anheuser-Busch, que possui uma forte presença no mercado interno e os

investimentos diretos no exterior são ativos minoritários e recentes5. A busca de uma presença

global e a intensa atividade de fusões e aquisições internacionais é um ponto comum na

estratégia das grandes cervejarias, mesmo daquelas que ainda não figuram entre as maiores do

mundo.

Analisando a reestruturação ocorrida do mercado internacional de cerveja, a trajetória

da Molson Canadá destaca-se pela rápida e recente inserção no mercado mundial e pelo fato

de seus investimentos internacionais serem dirigidos ao mercado brasileiro. Num período de

cinco anos, a Molson passou a figurar entre as dez maiores cervejarias do mundo. A empresa

tornou-se a quinta maior produtora mundial de cerveja (MOLSONCOORS, 2004a) e é a nona

colocada em volume de vendas (LUZ; SORIMA NETO, 2006). A inserção da Molson no

mercado mundial iniciou-se com a aquisição das cervejarias brasileiras Bavaria e Kaiser,

estudada nesta pesquisa.

Fundada em 1786 e fabricante da mais antiga marca de cerveja da América do Norte, a

Molson é uma tradicional cervejaria canadense. Nos últimos anos, sua participação no

mercado doméstico representa cerca de 45%. Dada a estabilidade do mercado interno, a

expansão internacional apresentou-se como a melhor opção para garantir o contínuo

crescimento da empresa (MOLSON, 2001).

4 A Heineken foi fundada em 1863, quando Gerard Adriaan Heineken adquiriu a cervejaria “The Haystack” estabelecida em 1592. No entanto, suas origens datam de 1433, quando se iniciaram as atividades da “De Sleutel” – The Key, adquirida pela Heineken em 1953. Aquisições e atividades internacionais acompanham a Heineken ao longo de sua história. Em 1880 a empresa já exportava para diversos países e em 1929 começou a construir sua fábrica na Indonésia. A Heineken foi a primeira marca internacional de cerveja (HEINEKEN, 2005). 5 Nos Estados Unidos, a Anheuser-Busch possui 49,6% de participação de mercado. Esta posição nas operações domésticas confere à empresa o primeiro lugar em vendas no mercado mundial, pois os Estados Unidos são o maior mercado consumidor do mundo. A presença internacional da companhia realiza-se por exportações, acordos de licenciamento de produção e distribuição e investimentos diretos no exterior, os quais se iniciaram em 1993 (ANHEUSER-BUSCH, 2005).

24

A atuação da Molson no mercado externo restringia-se à exportação de suas marcas

para os Estados Unidos. A internacionalização por meio de investimentos diretos no exterior

iniciou em 2000 com a aquisição da Bavaria no Brasil. Em sua fase inicial, as operações

brasileiras representavam apenas um investimento. Essa aquisição proporcionou um contato

inicial com o mercado e estimulou maior investimento futuro.

Em 18 de março de 2002, a Molson adquiriu a Kaiser. Esta operação aumentou sua

participação no mercado brasileiro de 3,1% para 17,8% (MOLSON, 2002a). À época, esta

aquisição posicionou a companhia como a segunda maior cervejaria no Brasil e a décima

terceira no mundo. A partir disso, a companhia passou a envolver-se na gestão dos negócios

no Brasil. Em função das operações brasileiras, no primeiro trimestre de 2003, a empresa

apresentou um crescimento de 45% no lucro líquido, em comparação ao ano anterior

(REUTERS, 2004). Em 2002, o volume de produção no Brasil era equivalente ao produzido

no Canadá (MOLSON, 2003a).

O estudo da experiência da Molson também se justifica por exemplificar como fusões

e aquisições promovem diferentes mudanças organizacionais. A princípio observam-se as

transformações decorrentes do processo de fusão das companhias brasileiras Kaiser e Bavaria.

Sendo um caso de fusão e aquisição internacional, o estudo também ilustra conseqüências da

integração das operações canadenses e brasileiras. Por fim, as operações de fusões e

aquisições realizadas no Brasil representaram para a Molson a transformação de uma

cervejaria local em uma empresa “global”.

Considerando os investimentos da Molson no Brasil e sua inserção no mercado

mundial de cerveja, a experiência desta organização foi considerada pertinente aos objetivos

desta pesquisa. O caso da Molson forneceu dados empíricos que contribuíram para a

formulação teórica e serviram para a ilustração prática do marco teórico de análise da

comunicação em fusões e aquisições internacionais. Uma vez justificada a realização desta

pesquisa, a seção seguinte apresenta a organização deste trabalho.

1.4 Estrutura da Tese

Esta tese está organizada em cinco capítulos. O presente capítulo apresentou o tema e

o problema de pesquisa, bem como expôs os objetivos do trabalho, além de justificar a

realização desta investigação e apresentar a situação a ser estudada.

25

No Capítulo 2 estrutura-se o referencial teórico que fundamenta a pesquisa. A

princípio são discutidos os paradigmas em ciências sociais porque estes fornecem os preceitos

norteadores para compreensão dos conceitos subseqüentes: a comunicação organizacional e as

fusões e aquisições internacionais. Desta forma, são examinados o objeto de estudo desta tese

e o contexto no qual este objeto será analisado. Na seqüência, são detalhados aspectos da

comunicação em fusões e aquisições internacionais.

A metodologia de pesquisa a ser utilizada é apresentada no Capítulo 3. São discutidos

o delineamento e a perspectiva da pesquisa conforme os princípios da grounded theory, assim

como a utilização do estudo de caso como estratégia de pesquisa. A seguir, o problema de

pesquisa é especificado em perguntas de pesquisa, são expostas as formas de coleta e análise

dos dados, bem como o desenvolvimento da pesquisa.

O marco teórico de análise da comunicação organizacional em fusões e aquisições

internacionais é construído no Capítulo 4 desta tese. Para esta formulação conceitual são

conjugadas teoria e prática na definição das categorias de análise, a saber: o ambiente

internacional, a estratégia de fusões e aquisições internacionais; e o processo de comunicação

organizacional. Observando as inter-relações entre estas categorias construiu-se o modelo de

análise da comunicação em fusões e aquisições internacionais. Seguindo os princípios da

grounded theory, após a modelagem, ocorre a teorização. Assim sendo, o marco teórico é um

referencial de análise que sintetiza os conceitos formulados anteriormente. Por fim, no

Capítulo 5 são apresentadas as contribuições desta pesquisa, bem como suas limitações e

recomendações para estudos futuros.

26

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta revisão de literatura está estruturada de forma a possibilitar a apresentação e

discussão de temas e conceitos relevantes à construção de um marco teórico de análise da

comunicação nos processos internos às organizações envolvidas em fusões e aquisições

internacionais. Tendo em vista que comunicação e análise organizacional são ambas ciências

sociais aplicadas, esta seção inicia-se com a apresentação da tipologia dos paradigmas em

ciências sociais proposta por Burrell e Morgan (1979). Esta estrutura de análise será utilizada

como referência para a exposição que se segue.

Primeiramente, considera-se o objeto de estudo desta tese para em seguida especificar

o contexto no qual este objeto será analisado. Desta forma, o referencial teórico-empírico

apresenta uma revisão de literatura em comunicação organizacional e depois analisa o

fenômeno de fusões e aquisições no contexto global. Como conclusão de cada uma destas

subseções são tecidos comentários que redefinem os temas apresentados segundo a forma pela

qual estes assuntos serão abordados nesta pesquisa. Finalmente, esta revisão de literatura

explora aspectos de comunicação em fusões e aquisições internacionais, delineando a

proposta analítica formulada como resultado desta pesquisa.

2.1 Paradigmas em Ciências Sociais

Embora Khun (1962) apresente diversas definições de paradigma, um paradigma pode

ser genericamente compreendido como uma visão de mundo, um quadro conceitual particular,

por meio do qual percebe-se e descreve-se a realidade. Além disso, paradigmas determinam a

forma pela qual problemas de pesquisa são definidos e investigados, apresentando o que é

aceito em determinada comunidade científica como atividade legítima e conhecimento

adequado.

Burrell e Morgan (1979) apresentam um modelo bi-dimensional de análise dos

paradigmas sociológicos em análise organizacional. Segundo estes autores, as teorias sociais

distinguem-se em suas concepções sobre a natureza das ciências sociais e sobre a natureza da

sociedade. A primeira dimensão engloba suposições sobre as ciências sociais e as diferencia

segundo seu caráter subjetivo ou objetivo. Subjetividade e objetividade agrupam postulados

27

ontológicos, epistemológicos, metodológicos e sobre a natureza humana. Estes conceitos

compõem uma única dimensão de análise porque estão interconectados e não podem ser

dissociados. As abordagens subjetivas e objetivas das ciências sociais são discriminadas

conforme o esquema apresentado na figura 3.

A dimensão subjetiva-objetiva

A abordagem subjetiva das ciências sociais

A abordagem objetiva das ciências sociais

Nominalista ontologia Realista

Antipositivista epistemologia Positivista

Voluntarista natureza humana Determinista

Ideográfica metodologia Nomotética

Figura 3 – Esquema de análise das concepções sobre a natureza das ciências sociais Fonte: Adaptado de Burrell e Morgan (1979)

A segunda dimensão representa suposições a respeito da natureza da sociedade, a qual

pode ser tanto de ordem reguladora quanto de natureza dinâmica em processo radical de

mudança. A distinção entre ordem e mudança está representada no quadro 1.

Quadro 1 – Distinções da sociologia quanto à natureza da sociedade

A dimensão regulação-mudança radical

A sociologia da regulação preocupa-se com:

A sociologia da mudança-radical preocupa-se com:

Status quo Mudança radical

Ordem social Conflito estrutural

Consenso Modos de dominação

Integração e coesão social Contradição

Solidariedade Emancipação

Satisfação de necessidades Privação

Atualidade Potencialidade

Fonte: Adaptado de Burrell e Morgan (1979)

Combinando essas duas dimensões, Burrell e Morgan (1979) propõem quatro

paradigmas, contíguos mas distintos (funcionalismo, interpretativo, humanismo radical e

estruturalismo radical), os quais, ao mesmo tempo em que compartilham algumas

características com os seus vizinhos, não perdem sua especificidade (figura 4).

28

Sociologia da Mudança Radical

‘Humanista Radical’

‘Estruturalista Radical’

Subjetivo

‘Interpretativo’

‘Funcionalista’

Objetivo

Sociologia da Regulação

Figura 4 – Quatro paradigmas de análise social Fonte: Adaptado de Burrell e Morgan (1979)

Embora cada paradigma seja único, por motivo de conveniência estes paradigmas

serão discutidos em pares. Afinal, os principais aspectos destas divisões são as concepções de

base que as fundamentam (MILLER, 2000). Além disso, cada uma dessas correntes teóricas

desenvolve-se e redefine-se em resposta aos seus pares. Os paradigmas definem-se uns aos

outros por suas características comuns e por suas oposições.

2.1.1 Os Paradigmas Funcionalista e Interpretativo: A Grande Oposição

De acordo com Burrell e Morgan (1979), os paradigmas interpretativo e funcionalista

partilham uma compreensão reguladora da sociedade, mas diferenciam-se por opostas visões

da realidade: subjetiva ou objetiva. O paradigma funcionalista tem suas origens na aplicação

da teoria dos sistemas na Sociologia e na Antropologia, tendo como representantes os

trabalhos de Durkheim, Talcott Parsons e Rorbert Merton. As raízes do paradigma

interpretativo encontram-se na Etnografia, Fenomenologia, Semiótica e Hermenêutica. Berger

e Luckmann, Barthes, Garfinkel são teóricos desta corrente de pensamento.

Na análise organizacional, Putnam (1983) destaca os pontos comuns das abordagens

interpretativos e funcionalistas: a reificação das estruturas e a busca por explicações causais –

relações padronizadas. Entretanto, estes paradigmas possuem diferentes compreensões de

estrutura e causalidade, bem como procedimentos de pesquisa distintos. Contrastando estas

perspectivas, observa-se que para os funcionalistas a realidade é baseada em fatos concretos,

externos ao indivíduo e por isso possuem uma visão unitária das organizações, as quais são

caracterizadas por propriedades estruturais passíveis de compreensão pelos investigadores.

Por outro lado, interpretativistas compreendem a realidade social como um processo

simbólico criado por ações contínuas. Desta forma, organizações são entidades plurais criadas

29

por seus membros, as quais, para serem compreendidas, são investigadas no interior dos

processos que as constituem.

Smircich e Calás (1987) também contrastam esses paradigmas. Para estas autoras, o

paradigma funcionalista é caracterizado por uma visão objetiva da realidade social, uma

epistemologia positivista, uma visão determinista da natureza humana e uma compreensão

reguladora da sociedade. Abordagens funcionalistas partilham uma preocupação explicativa,

pois procuram produzir conhecimento ‘útil’. ‘Útil’ significa produzir assertivas generalizantes

em forma de leis que ajudam a realizar previsões, controles e gerenciamento de situações. Por

outro lado, o paradigma interpretativo partilha a visão reguladora funcionalista da sociedade,

mas diferencia-se na compreensão da natureza humana. A pesquisa interpretativa centra-se na

documentação de processos e experiências por meio das quais as pessoas constroem a

realidade organizacional. Para interpretativistas, conhecimento ‘útil’ é o que procura

compreender o que está acontecendo em determinada situação, enquanto reconhece que

qualquer depoimento sobre o que está acontecendo depende do ponto de vista da pessoa, pois

nenhuma situação pode ser completamente compreendida a partir de um único ponto de vista.

Aspectos metodológicos também distinguem os paradigmas funcionalista e

interpretativo. O funcionalismo parte da premissa que a realidade pode ser apropriada pelo

emprego correto de ferramentas metodológicas adequadas (POOLE; LYNCH, 2000).

Análises interpretativas consideram a construção social da realidade como propõem Berger e

Luckmann (1967). Estas análises objetivam a compreensão da dinâmica social e de seus

significados.

Para Smircich e Calás (1987), a distinção metodológica entre os paradigmas

compreende também questões de representação. Funcionalistas não reconhecem a

representatividade como um ponto de controvérsia, pois têm como premissa básica que o

emprego de técnicas e procedimentos de pesquisa ‘corretos’ garante a captura do ‘mundo

real’. Desta forma, a realidade pode ser enquadrada em um projeto de pesquisa e pode ser

apresentada aos outros da mesma forma que o pesquisador a percebe. Questões de

representação são reduzidas a problemas de técnica e convenções para apresentação das

descobertas científicas. Perspectivas interpretativas e construtivistas abordam o problema da

representação como uma ‘estratégia de contextualização’, a qual obtêm autoridade e

credibilidade a partir da presença e experiência do pesquisador. Nesta perspectiva admite-se a

existência de subjetividades tanto por parte do pesquisador como de seus leitores.

30

As similaridades e características distintas das abordagens funcionalista e

interpretativa estão sintetizadas no quadro 2.

Quadro 2 – Características e semelhanças dos paradigmas funcionalista e interpretativo

Paradigma Funcionalista Paradigma Interpretativo

Pressupostos básicos

• Realidade social objetiva • Epistemologia positivista • Visão determinista da natureza humana

• Realidade social subjetiva • Epistemologia antipositivista • Visão voluntarista da natureza humana

Os fenômenos sociais são:

• Fatos sociais • Processos simbólicos

Visão das Organizações

• Entidades Unitárias • Construções sociais plurais

Reificação da estrutura

• A existência das estruturas é independente da realidade social

• Estruturas são formadas em processos semi-autônomos em um conjunto complexo de relacionamentos e interações humanas

Metodologia • Métodos positivistas • Perspectiva do pesquisador

• Métodos relativistas • Perspectiva dos atores sociais

Objetivos de pesquisa

• Descrever, explicar e prever o comportamento humano sob hipóteses causais e conclusões generalizáveis

• Compreender, descrever e explicar os significados das ações sociais

Pontos comuns • compreensão reguladora da sociedade • busca de explicações causais • investigação dos fundamentos da ordem social (estruturas)

Fonte: Adaptado de Marroquín Velásquez (2002)

As análises apresentadas por Putnam (1983) e Smircich e Calás (1987) são fiéis à

caracterização paradigmática de Burrell e Morgan (1979). Entretanto, estas correntes de

pensamento evoluíram e integraram outras perspectivas em seus respectivos quadrantes. O

funcionalismo foi criticado por suas posições estreitas, mas renasceu como neopositivismo ou

pós-positivismo. Os princípios positivistas migraram da filosofia das ciências físicas para a

sociologia e para os estudos organizacionais (MILLER, 2000). Estas transformações

acrescentaram ao quadrante de referência funcionalista expressões tais como: estruturalismo,

abordagem tradicional, empírico analítico (CHENEY, 2000), metáfora mecânica (MORGAN,

1986) entre outras. Do mesmo modo, o território interpretativo foi enriquecido por termos

como interacionismo, construtivismo, simbolismo e outros.

O funcionalismo e suas correntes afiliadas favorecem a objetividade, pressupõem uma

realidade concreta, buscam o que é observável, tentam descrever e explicar o mundo para

31

prevê-lo e controlá-lo por meio de generalizações. De acordo com Cheney (2000), esta

perspectiva é restrita pela sua insensibilidade ao papel da linguagem, pela sua falha em

considerar a ambigüidade, que é parte da dinâmica situacional, e pelo fato de não apreciar

como o fenômeno em estudo é modificado pelos próprios participantes ao longo da

investigação. A pesquisa interpretativa supera as falácias funcionalistas centrando-se em

significados, sendo sensível à ambigüidade inerente à linguagem, reconhecendo

multiplicidade e dinamismo, bem como o contexto em que se situam pesquisadores e

participantes da pesquisa. Entretanto, os esforços interpretativos são restritos, pois não

consideram a dinâmica das relações de poder (CHENEY, 2000), os quais serão foco dos

paradigmas críticos subseqüentes, situados nos quadrantes superiores da tipologia de Burrell e

Morgan (1979).

2.1.2 Humanismo-radical e Estruturalismo-radical: Teoria Crítica

Enquanto as abordagens funcionalista e interpretativa são normalmente apresentadas

como opostos, as perspectivas radical-humanista e radical-estruturalista são geralmente

reunidas sob o título de ‘teoria crítica’. Os paradigmas críticos enfatizam a importância da

mudança e do conflito na sociedade. Embora partilhem a concepção de que a sociedade está

em constante mudança, estes paradigmas partem de pontos de vista diferentes. O humanismo

radical é subjetivo, preocupado com a emancipação individual; já o estruturalismo radical é

objetivo, ao explorar forças sociais, políticas e econômicas que subjugam a ação individual. A

visão das organizações como prisões psíquicas (MORGAN, 1986) é um exemplo de

abordagem humanista-radical; em contrapartida, a visão das organizações como instrumentos

de dominação (MORGAN, 1986) ilustra o paradigma estruturalista-radical.

Diferenças à parte, esses paradigmas assumem posições críticas quando analisam a

sociedade a partir de forças de exploração social, econômica e política. Teóricos e críticos que

se identificam com esta corrente de pensamento agem como agentes de transformação para

expor a opressão embutida nos comportamentos organizacionais e para elucidar alternativas

de mudança (PUTNAM, 1982). Os objetivos da pesquisa crítica incluem a compreensão das

dinâmicas de poder e das pressões contextuais para induzir mudanças que conduzam a uma

sociedade eqüitativa.

De acordo com Mumby (2000), estudos críticos focam em políticas da vida cotidiana e

em relações epistemológicas. Seguindo esta perspectiva, a preocupação central reside em

32

compreender, explicar e criticar os vários meios pelos quais são colocados limites políticos e

ideológicos nas habilidades dos atores sociais para realizar completamente suas identidades

como participantes ativos de comunidades de diálogo e significação (incluindo organizações).

A perspectiva crítica tenta revelar os processos pelos quais estas formas de poder operam.

A perspectiva crítica assume que a organização é um fenômeno secundário, um tipo de

campo de batalha, no qual diversas forças lutam para que sua ideologia predomine na

contínua redistribuição mundial de recursos. Esta posição é qualificada como uma atitude de

pesquisa anti-essencialista, na qual análise e pesquisa procuram revelar as estruturas e

dinâmicas ocultas do sistema (TAYLOR; VAN EVERY, 2000). Poole e Lynch (2000)

assinalam que atitudes críticas afastam análises alternativas e mudam o foco de atenção para

operações ocultas de poder e determinismos estruturais.

Cheney (2000) identifica os pilares da pesquisa crítica como: (1) preocupação

explícita em fazer avaliações baseadas em valores; (2) atenção especial nas relações de poder

em qualquer que seja a situação em estudo; e (3) questionamento agudo e contínuo das

suposições básicas (tanto prática como teoricamente). Apesar de sua habilidade de oferecer

perspectivas variantes das correntes de pensamento dominantes, abordagens críticas são

condenadas pelo fato de pressuporem estabilidade, adoção de uma distância entre o sujeito e a

pesquisa e supressão de significados (CHENEY, 2000).

Embora se fundamente nos paradigmas apresentados, esta pesquisa parte de uma

posição transparadigmática para elaborar um marco teórico que possibilite a análise da

comunicação nos processos internos às organizações envolvidas em fusões e aquisições

internacionais. As implicações dos paradigmas e de suas perspectivas metodológicas para a

pesquisa em comunicação organizacional, bem como para o estudo de fusões e aquisições,

serão exploradas nas seções seguintes.

2.2 Comunicação Organizacional

A comunicação organizacional é um campo de investigação híbrido, que se situa na

interseção das ciências administrativas e da comunicação (GIROUX, 1994; LARAMÉE,

1993). Ambos, comunicação e administração, são domínios de conhecimento interdisciplinar

formados por heranças de múltiplas ciências sociais, tais como: Sociologia, Psicologia,

33

Filosofia, Economia, entre outras. Situada nas fronteiras de suas disciplinas de origem, a

Comunicação Organizacional é uma disciplina em desenvolvimento (TAYLOR, 2004).

Uma breve retrospectiva histórica das pesquisas em comunicação organizacional

ilustra a variedade de abordagens teóricas existentes na área. As décadas de 1960 e 1970

foram identificadas como um período caracterizado por uma hegemonia ‘tirana’ por utilizar

critérios extremamente limitados do que era considerado como pesquisa significativa

(MUMBY, 2000). Até a revolução crítico-interpretativa do início da década de 1980

(TAYLOR et al., 2001; TOMPKINS; WANCA-THIBAULT, 2001), tradições positivistas

eram o modo de pesquisa dominante em comunicação organizacional (MILLER, 2000). No

final dos anos 80, ao mesmo tempo em que a área ainda buscava a conceituação do seu objeto

de estudo tradicional, também procurava modos de abordagem para estudos emergentes

(TOMPKINS; WANCA-THIBAULT, 2001). Os anos 80 e 90 foram caracterizados como um

período de incomensurabilidade entre os paradigmas (CORMAN; POOLE, 2000). A

incomensurabilidade implica “que cada paradigma deve, logicamente, desenvolver-se

separadamente, perseguindo sua própria problemática, ignorando as problemáticas de outros

paradigmas, considerando-os inválidos” (JACKSON; CARTER, apud CLEGG; HARDY,

1999, p. 33). Oposta às abordagens restritivas, a pesquisa em comunicação organizacional, em

constante evolução, inicia o século XXI com uma teoria comunicacional dos processos

organizacionais (TOMPKINS; WANCA-THIBAULT, 2001).

Na tentativa de delinear um cenário da comunicação organizacional é preciso

reconhecer que a simples identificação de perspectivas de análise pode refletir uma escolha a

priori; e esta revisão não está isenta deste viés. Deetz (2001) sugere que esforços de

categorização são dirigidos por suposições epistemo-metodológicas particulares e mesmo por

percepções ideológicas dominantes. Embora existam múltiplas formas de análise da

comunicação organizacional (LARAMÉE, 1993; GIROUX, 1994; SCROFERNEKER, 2000),

a presente análise baseia-se na discussão de paradigmas em ciências sociais proposta por

Burrell e Morgan (1979) como anteriormente apresentado.

A grade analítica de Burrell e Morgan (1979) encontrou receptividade entre os

pesquisadores porque legitimou programas de pesquisa fundamentalmente diferentes e

permitiu o desenvolvimento de diferentes critérios de avaliação dessas pesquisas (DEETZ,

2001). Em função de sua importância e tradição, esta revisão utiliza a tipologia de Burrell e

Morgan (1979) como ponto de partida, mesmo que este esquema não seja especificamente

desenhado para os estudos de comunicação. A comunicação organizacional partilha as

34

concepções teóricas fundamentais das ciências sociais; sendo assim, a estrutura de análise

proposta por Burrell e Morgan (1979) é utilizada como referencial em diversos estudos sobre

a pesquisa em comunicação organizacional (PUTNAM, 1982; 1983; SMIRCICH; CALÁS,

1987; MILLER, 2000; DEETZ, 2001).

2.2.1 Comunicação Organizacional nos Paradigmas

Os paradigmas propostos por Burrell e Morgan (1979) podem orientar o estudo de

qualquer tema em ciências sociais. Cada paradigma irá oferecer uma perspectiva diferente do

fenômeno sob investigação gerando uma variedade de possibilidades de pesquisa. Além dos

paradigmas, metáforas também oferecem distintas possibilidades de compreensões dos

fenômenos sociais e, assim sendo, das organizações (MORGAN, 1986) e da comunicação

organizacional (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 1996). Diferentes concepções da

comunicação organizacional demonstram como cada paradigma ou metáfora aborda este

tema. A comunicação, por sua natureza polissêmica, é um campo bastante fértil para a

multiplicidade de abordagens e interpretações. Cheney e Bartnett (2005) afirmam que em

função da complexidade da comunicação, diversos subtermos são utilizados para especificar

este objeto de estudo, dentre eles: informação, influência, símbolo, mensagem, interação,

relacionamento, persuasão, narrativas, desempenho, redes, campanhas e discurso. Cheney

(2000) salienta que cada perspectiva de pesquisa, com suas variantes e formas híbridas, tem

seus próprios pontos obscuros, bem como capacidades de esclarecimento.

Deetz (2001) sugere que existem três concepções de comunicação organizacional: a

primeira é vista como uma especialidade dos departamentos e associações de comunicação,

definindo uma área particular de especialização ou de pesquisa; uma segunda concepção foca

a comunicação como um fenômeno que existe nas organizações; e uma terceira perspectiva

parte da comunicação para descrever e explicar as organizações. De forma similar, Smith

(apud PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 1996) apresenta três relacionamentos entre

organizações e comunicação: container6, produção e equivalência.

As diferentes concepções da comunicação organizacional podem ser reunidas sob duas

noções básicas: “comunicação nas organizações” e “comunicação como organização”. Estas 6 O vocábulo equivalente em língua portuguesa, contêiner, designa um cofre de carga utilizado para acondicionamento e transporte de mercadorias (FERREIRA; ANJOS; FERREIRA, 1999). Neste texto, optou-se pelo uso da expressão inglesa container, para preservar o caráter metafórico em que o termo é empregado na literatura especializada.

35

noções incorporam fundamentos paradigmáticos. A análise da comunicação como um

fenômeno que ocorre “nas” organizações é predominantemente funcionalista, mas também se

expressa em análises sob a ótica do estruturalismo radical na qual a comunicação

organizacional pode ser percebida como um instrumento de dominação em sistemas de

exploração. O estudo da comunicação como processo constitutivo das organizações, abrange

concepções fundamentalmente interpretativas. No entanto, a noção de “comunicação como

organização” também incorpora a perspectiva crítica do humanismo radical nas análises em

que os processos de comunicação constroem um discurso opressor.

Tomando os paradigmas das ciências sociais como referência, as seções seguintes

exploram as noções de “comunicação nas organizações” e “comunicação como organização”.

2.2.1.1 Comunicação nas organizações

Esta conceituação toma a comunicação como uma variável, um elemento das

organizações, alguma coisa que ocorre dentro da estrutura organizacional. Nesta perspectiva,

a organização é uma entidade e tal compreensão percebe a organização a partir de uma atitude

essencialista. A atitude essencialista toma a existência da organização como um fato dado e

então coloca em questão como investigá-la cientificamente. O objetivo é chegar a uma teoria

ou modelo de organização, e sua meta final é a eficiência e eficácia administrativa

(TAYLOR; VAN EVERY, 2000).

Deetz (2001) explica que, quando vista como um fenômeno distinto, a concepção de

organização é reduzida a um ‘local’, e a concepção de comunicação torna-se limitada à

interação social, conceitualmente reduzida a atos empíricos de transferência de informação, o

que é o mínimo denominador (ou dominador) em comunicação organizacional.

Pesquisas abordando “comunicação nas organizações” enquadram-se nos paradigmas

funcionalista e estruturalista radical, pois pressupõem uma visão objetiva das organizações.

Dentro desta concepção, a organização é percebida como uma estrutura de base, cuja

existência tem prioridade sobre a ação social e a comunicação é uma de suas características.

Deste ponto de vista, comunicação é um elemento do container organizacional, estudado de

fora. O relacionamento container trata a comunicação como localizada dentro de uma

estrutura organizacional reificada e materialista. Logo, os elementos estruturais e funcionais

da comunicação são críticos para a manutenção da ordem organizacional (PUTNAM;

PHILLIPS; CHAPMAN, 1996). Supõe-se que a comunicação reproduza sistematicamente as

36

estruturas organizacionais. A comunicação será definida pelas necessidades organizacionais

de ordem prática. A visão de que as organizações incluem comunicação é congruente com o

caráter funcionalista regulador, no qual a comunicação como instrumento pode ser

gerenciada. A gestão da comunicação sustenta o equilíbrio e a ordem dentro da organização.

Para garantir a manutenção do equilíbrio e da ordem organizacional, a comunicação

desempenha funções operacionais, de manutenção, de relações humanas e de inovação

(LARAMÉE, 1993). Em sua função operacional, a comunicação refere-se à transmissão de

informação entre as diferentes etapas de uma cadeia seqüencial de transformação, seja na

realização de serviços, seja na produção de bens. Componentes operacionais da comunicação

são informações sobre o local, o momento e o estado do material ou do processo; informações

relativas ao tratamento do trabalho, concernentes às técnicas de fabricação, o know-how;

informações de mercado, dados de vendas, qualidade de serviços e produtos, entre outros. Em

seu sentido operacional, a comunicação é um elemento central para o desenvolvimento dos

demais processos organizacionais (HALL, 1984). Desta forma, a comunicação está

diretamente relacionada à seqüência do fluxo de trabalho, permitindo às organizações a

realização de seus objetivos (CHAMPION, 1985).

A comunicação desempenha uma função de manutenção ao dar suporte aos esforços

operacionais de produção e ao garantir a cooperação dos atores organizacionais no

cumprimento de suas tarefas. A comunicação de manutenção refere-se à aprendizagem, ao

conhecimento de políticas e regras organizacionais (pelas quais as organizações perpetuam-se

e se auto-reproduzem), bem como às estratégias, aos objetivos da empresa e aos meios para

atingi-los. Enfim, a comunicação de manutenção refere-se a toda informação relativa à

legitimação e motivação interna e externa. Além de influenciar a estrutura de transformação

ou a razão de ser da organização, a comunicação define a rede social que liga os atores

organizacionais. Na função de relações humanas a comunicação refere-se às atitudes, à

satisfação, à realização pessoal, à auto-estima, aos sentimentos e às relações interpessoais.

Por fim, atribui-se à comunicação uma função de inovação quando suas mensagens

permitem que as organizações possam adaptar-se ao ambiente interno (novos projetos,

políticas, atividades etc.) ou externo (novos contextos sociais, políticos, culturais,

econômicos, tecnológicos etc.). A comunicação é empregada para desenvolver sinergias,

produzindo informação necessária à renovação e à mudança conforme as exigências

ambientais.

37

A análise das funções da comunicação nas organizações segue uma perspectiva

funcionalista, enfatizando a transmissão, os efeitos, a seleção de canais e o processamento de

informação. Existem diversas tipologias7 de análise das funções da comunicação nas

organizações, as quais em sua grande maioria se baseiam em um modelo clássico da

comunicação, em que emissores e receptores operam codificações e decodificações de

mensagens transmitidas por veículos/meios de comunicação.

Sob esse ponto de vista mecanicista, a comunicação habita um container físico – a

organização, que por sua vez é tipificada como uma máquina, um organismo ou um sistema

cibernético. Esta perspectiva sugere que comunicação segue padrões de transmissão conforme

a hierarquia vertical e a da distância espacial entre os membros organizacionais. As pesquisas

concentram-se na análise de redes que permitem a emergência de estruturas de comunicação a

partir da interação entre os membros organizacionais, mas estas pesquisas preocupam-se

sobretudo com a forma, desconsiderando o conteúdo ou significado da mensagem

(PUTNAM, 1982). Segundo Larameé (1993), o estudo de estruturas ou redes de

comunicação, descreve o grau de flexibilidade (quem se comunica com quem em por que

meios), direções (ascendente, descendente e horizontal), natureza (formal e informal),

iniciativa (fontes de informação), quantidade (volume de informação) e instrumentos (atos e

objetos de comunicação). No entanto, a análise estrutural de redes tem alertado muitos

pesquisadores do papel da comunicação na promoção de objetivos outros que não apenas o

aumento da eficiência, tais como a manutenção das relações humanas e do clima

organizacional, além do apoio à inovação (MONGE; EISENBERG, 1987).

Enquanto a comunicação é tida como um processo que ocorre “nas” organizações, ela

pode comportar duas dimensões: a comunicação externa que liga a entidade a seus parceiros

no ambiente externo e a comunicação interna realizada entre os membros da organização. Em

resumo, pesquisas funcionalistas reificam tanto as organizações como a comunicação em

imagens físicas, em uma realidade objetiva investigada por uma prática de pesquisa

reguladora, impregnada pelos princípios da ciência positiva. De acordo com Putnam (1982), o

paradigma funcionalista é dominante tanto em teoria das organizações como em estudos de

7 Alguns exemplos são as tipologias apresentadas por Pasold (1987) (função de transmissão, captação, veiculação e ideológica). Champion (1985) também identifica as funções das redes de comunicação formal e informal.

38

comunicação organizacional8. Esta perspectiva supõe uma visão atomista das organizações.

Assume-se que as propriedades organizacionais determinam os processos de comunicação

antes que os processos de comunicação modelem as características organizacionais. Como

conseqüência, pesquisas que percebem as organizações como containers tratam a

comunicação como uma variável dependente da estrutura organizacional (KRONE; JABLIN;

PUTNAM, 1987).

Alguns exemplos de linhas de pesquisa dentro da abordagem funcionalista são estudos

sobre: comunicação interna, fluxo de mensagens, estruturas de comunicação, efeitos, clima,

barreiras, estilos, distorções, entre outros. A pesquisa em comunicação organizacional nasceu

dentro desta tradição. Durante sua infância e início da adolescência, a área não questionava a

nomenclatura e as concepções do positivismo lógico (TOMPKINS; WANCA-THIBAULT,

2001). Valores e métodos positivistas foram uma importante fase de ciência aplicada em

comunicação organizacional (MILLER, 2000).

De acordo com a análise de Krone, Jablin e Putnam (1987), quando a comunicação

organizacional é conceituada de forma mecânica ou mesmo psicológica, a organização toma

qualidades de um container no qual as interações ocorrem. Em perspectivas mecânicas a

comunicação humana é vista como um processo de transmissão no qual a mensagem viaja

pelo espaço, por um canal, de um ponto a outro. O locus da comunicação situa-se no canal,

isto é, explicações do processo de comunicação emanam do canal, do meio de comunicação.

A transmissão ocorre por meio do canal, comunicadores são conectados por canais, canais

também conectam as funções de codificação e decodificam dentro de cada pólo comunicador.

Em perspectivas psicológicas, a comunicação processa-se por meio de filtros conceituais,

características psicológicas internas ao indivíduo, que afetam significativamente não apenas

como a informação é obtida, transferida e interpretada, mas também como esta informação é

processada (KRONE; JABLIN; PUTNAM, 1987).

Focada em características da comunicação, tais como transmissão e representação, a

visão de “comunicação nas organizações” é criticada não apenas por sua compreensão restrita

da comunicação como uma variável organizacional, mas também por seu viés gerencial

(PUTNAM, 1982). A comunicação tida como variável é manipulável de acordo com os

interesses dos gestores, os quais estão centrados nos conceitos de performance, produtividade,

8 Este também parece ser o paradigma dominante nos estudos de comunicação organizacional no Brasil. Tendo como referência as perspectivas apresentadas por Pimenta (2002), Kunsch (1997), Rego (1986, 2002), Valente e Nori (1990), Pasold (1987), entre outros.

39

eficiência e eficácia. Conseqüentemente, esta é a compreensão dominante da comunicação em

estudos organizacionais. Em geral, acadêmicos de administração analisam a relação

comunicação/organização como a transmissão linear de informação ao longo de canais

hierárquicos relativamente estáveis (MUMBY, 2000).

2.2.1.2 Comunicação como organização

De acordo com Deetz (2001), o conceito de “comunicação como organização” engloba

a compreensão da comunicação organizacional como um processo “organizante” realizado

por interações simbólicas. Este enfoque tem o interesse de produzir uma teoria da

comunicação para explicar o fenômeno organizacional. Esta perspectiva inspira-se na noção

de construção social da realidade (BERGER; LUCKMANN, 1967). É uma resposta à falácia

da reificação, que entende as organizações como entidades detentoras da comunicação

(TOMPKINS; WANCA-THIBAULT, 2001). Ao contrário, nesta concepção as organizações

são vistas como sistemas de indivíduos em interação os quais, por meio da comunicação,

estão ativamente envolvidos em processos de criação e recriação de uma organização social

original (TOMPKINS; WANCA-THIBAULT, 2001).

Conforme Giroux (1994, p. 29-30, tradução livre),

a comunicação ‘organizante’ é a comunicação que cria a organização. Nesta perspectiva, o interesse reside na compreensão do que os parceiros da relação fazem quando trocam mensagens. A comunicação é apresentada como uma transação pela qual os parceiros edificam suas relações e suas identidades, trocam valores, constroem a organização. A partir de então não é possível falar propriamente de comunicação interna, pois a organização não é mais um container no qual se produzem atividades de comunicação. Trata-se antes do inverso: a organização é o produto dos processos de comunicação.

A noção de “comunicação como organização” engloba duas formas de relacionamento

entre comunicação e organizações: produção e equivalência (PUTNAM; PHILLIPS;

CHAPMAN, 1996). A relação de produção examina a forma como as organizações produzem

comunicação, ou como a comunicação produz as organizações, ou ainda a co-produção de

ambos. Fica então o dilema de quando um tem existência anterior ao outro, ou se

comunicação e organização se desenvolvem concomitantemente. A relação de equivalência

postula uma mudança radical no padrão de relacionamento entre comunicação e organização.

Esta abordagem trata comunicação e organização como expressões que se referem ao mesmo

fenômeno, isto é, comunicação é organização e organização é comunicação, os dois processos

são isomórficos.

40

Seguindo essa perspectiva, a comunicação é a substância de um processo

“organizante”. Assim, por meio de práticas discursivas, os membros das organizações se

engajam na complexa construção de diversos sistemas de significados (MUMBY, 2000).

Dessa forma, a noção de “comunicação como organização” segue a tradição interpretativa.

Esta perspectiva concentra-se no estudo de significados emergentes, os quais são revelados

por meio de interações da vida cotidiana mediante a comunicação. Segundo Laramée e Vallée

(2001), a abordagem interpretativa da comunicação organizacional fundamenta-se no estudo

dos significados, na forma pela qual os indivíduos dão sentido ao mundo em que vivem. Em

uma seqüência de comportamentos permeados pela comunicação, os indivíduos interpretam e

apreendem a realidade.

No paradigma interpretativo, a realidade organizacional é socialmente construída por

meio das ações desempenhadas, das palavras e símbolos utilizados pelos membros da

organização. A realidade organizacional é construída pelas significações que os indivíduos

atribuem a suas ações. Para atribuir significados, os indivíduos formulam interpretações

baseadas em ações sociais. Diante disso, é pela habilidade de comunicação dos indivíduos que

os atores organizacionais podem criar e construir sua realidade por meio de palavras,

símbolos e comportamentos (LARAMÉE; VALLÉE, 2001). A realidade assim constituída é

então ativamente mantida por meio de experiências comunicacionais e os significados

emergentes são promulgados a partir desses comportamentos (PUTNAM, 1982).

A proposição de base da noção de “comunicação como organização” é a de que o

mundo social, assim como as organizações, é interativo, dinâmico e emergente. Esta noção

concebe a organização como um conjunto de significações, como uma realidade social que

emerge pela comunicação, ou como propõem Taylor e Cooren (1997), as organizações

emergem por meio da linguagem, por meio de enunciados e atos de linguagem. De acordo

com Cheney (2000), posicionamentos interpretativos revertem a frase preposicional

“comunicação nas organizações” para considerar as características organizacionais da

comunicação, especialmente em termos da construção de uma ‘voz’ e autoridade por meio de

linguagem. Desta forma, é o uso da linguagem e o significado promulgado por mensagens

verbais e não verbais que criam e sustentam a realidade social (PUTNAM, 1982). Para

Baldissera (2000, p. 18), “organização é um processo de construção que tem, na base, o

processo de comunicação”.

A ênfase na linguagem não é a única característica que aproxima a noção de

“comunicação como organização” do paradigma interpretativo. Outras abordagens que

41

utilizam uma visão holística das organizações, em que a comunicação é um processo

constitutivo, incluem exemplos de pesquisa em discurso organizacional, cultura

organizacional, administração de significados, retórica e narrativa, fases do processo de

decisão, processo organizacional, entre outros. Todos estes projetos compartilham uma

atitude construtivista-interacionista, a qual expressa o caráter constitutivo da comunicação por

meio de interações, os quais por sua vez são mediados pela linguagem e permeados pela

cultura.

Estudos culturais e de cognição organizacional representam outra tendência de

pesquisa na perspectiva de “comunicação como organização”. Esses estudos analisam as

organizações de um ponto de vista comunicacional, tomando a linguagem como um caminho

para encontrar padrões de pensamento que são mantidos por meio da comunicação

(SMIRCICH; CALÁS, 1987). Cultura, tal qual comunicação, é um complexo objeto de

pesquisa que pode ser abordado de diferentes maneiras (SMIRCICH; CALÁS, 1987;

MOHAN, 1993; EISENBERG; RILEY, 2001). Dentro da tradição interpretativa, estudos em

cultura organizacional reconhecem sua inter-relação com os processos comunicacionais

(STOHL, 2001).

Cultura organizacional é um ramo significativo de pesquisa em comunicação

organizacional. Entretanto, segundo Putnam (1982), as maiores tradições de pesquisa em

comunicação organizacional dentro da abordagem interpretativa são a Hermenêutica, o

Interacionismo simbólico, a Etnometodologia e a metodologia ‘grounded theory’. Estas

pesquisas examinam a construção da realidade e os processos de significação; processos estes

centrais para comunicação organizacional (MONGE; EISENBERG, 1987).

Dentro de uma abordagem narrativa, a pesquisa em comunicação organizacional

considera as diferentes interpretações do fenômeno organizacional e as diversas formas de

avaliação dos atores para justificar e legitimar as suas ações. De acordo com Vaara (2002),

essas análises revelam que a maioria dos fenômenos organizacionais é contada, descrita e

reescrita sob a forma de narrativas. Dessa maneira, as ações organizacionais (ou estratégias)

podem ser compreendidas como construções discursivas, as quais podem ser acessadas por

meio de análises narrativas. Aliás, Barry e Elmes (1997) afirmam que estratégias

organizacionais podem ser compreendidas como narrativas. Esta visão é coerente com a

proposta de que todas as experiências humanas são racionalizadas por meio de narrativas

(BRUNER, 1991).

42

Cooren (2000) sugere que a propriedade “organizante” da comunicação realiza-se pelo

ajuste de narrativas. Nas organizações, diferentes narrativas sobrepõem-se e estão

interconectadas para dar sentido às ações organizacionais. Assim como em romances e

novelas em que diversas histórias se alinham para formar a trama central, também nas

organizações diversas narrativas se ajustam para formar o todo organizacional. Sob uma

perspectiva sócio-semiótica, Cooren (2000) apresenta como as organizações estruturam-se

como narrativas. Para este autor, uma organização é uma conjunção de esquemas narrativos e

mecanismos para garantir a execução destes esquemas, por meio da inserção e submissão de

narrativas pessoais em esquemas narrativos estabelecidos a priori. Sob esta análise, as

estruturas organizacionais são narrativas e temporais. Estas narrativas antecipam uma série de

ações que irão ou não ser realizadas pelos atores organizacionais. Embora os esquemas

narrativos sejam definidos a priori, as diversas histórias que constituem uma organização

estão sempre em processo de construção e reconstrução. Desta forma, as organizações são

emergentes (COOREN, 2000). A análise narrativa das organizações é coerente com a

proposta interpretativa da comunicação organizacional, segundo a qual é por meio dos

processos de comunicação que as organizações se constituem.

Krone, Jablin e Putnam (1987) compreendem que a noção de “comunicação como

organização” engloba os modelos interpretativo-simbólico e sistemas-interação. Quando vista

de uma perspectiva interpretativa, a comunicação organizacional consiste de padrões de

comportamento coordenados, que tem a capacidade de criar, manter e dissolver organizações.

O modelo interpretativo-simbólico postula que, em virtude de sua habilidade em comunicar,

os indivíduos são capazes de criar e modelar sua própria realidade social. O locus da

comunicação no modelo de sistemas-interação é o comportamento seqüencial padronizado.

Estes padrões ocorrem em um sistema de comunicação ao mesmo tempo em que definem o

sistema (KRONE; JABLIN; PUTNAM, 1987).

Apesar de propor uma premissa inspiradora, a noção de “comunicação como

organização” é carente de conexão com a realidade, falta perceber a materialidade enfatizada

pela noção de “comunicação nas organizações”. Afinal, o processo de comunicação não se

restringe ao domínio subjetivo da linguagem, ele também possui manifestações objetivas. De

acordo com Taylor e Cooren (1997), a existência de todo sistema de organização social

humano é condicional à comunicação, assim como este sistema é uma estrutura na qual a

comunicação ocorre. As organizações não apenas constituem-se pela comunicação, mas

também se expressam em comunicação (TAYLOR; COOREN, 1997).

43

Sendo assim, faz-se necessária uma compreensão da comunicação organizacional que

integre ambas as noções de “comunicação nas organizações” e “comunicação como

organização”. O quadro 3 apresenta uma síntese destas compreensões da comunicação

organizacional.

Quadro 3 – Síntese das noções sobre comunicação organizacional

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

COMUNICAÇÃO “NAS” ORGANIZAÇÕES

COMUNICAÇÃO “COMO” ORGANIZAÇÃO

Visão das Organizações

• Unidade • Máquina ou coletivo

• Sistema de interações • Construção Social

Visão da Comunicação • Variável dependente da estrutura organizacional

• Mecanismo para transmissão de informações e manutenção da ordem organizacional

• Elemento constitutivo das relações sociais

• Transação

Relação comunicação - organização

• Conteiner • Produção • Equivalência

Importância da comunicação

• Desempenho de funções operacionais, de manutenção, de relações humanas e de inovação

• Processo “organizante”

Foco de análise da comunicação

• Mensagens • Canais • Redes • Relações sociais e clima

organizacional

• Processos simbólicos de estruturação coorientação e legitimação das ações sociais

Síntese Comunicação Informativa Comunicação Constitutiva

Fonte: Síntese elaborada pela autora

As noções de “comunicação nas organizações” e “comunicação como organização”

não são dimensões excludentes, ao contrário, estas percepções parecem ser complementares.

Todavia, o universo da comunicação organizacional vai além da simples integração destas

perspectivas. Afinal, todo sistema é maior do que a soma de suas partes.

Uma compreensão abrangente da comunicação organizacional, além de integrar as

noções de “comunicação nas organizações” e “comunicação como organização”, supera

dicotomias paradigmáticas captando a dinâmica existente entre o mundo material e social,

bem como entre as forças de ordem e mudança. Esta visão transparadigmática não representa

uma tentativa de superação dos problemas de incomensurabilidade ou uma tentativa de

construção de um território genérico para pesquisa (CORMAN; POOLE, 2000), mas sim um

44

esforço para fundamentar a análise da comunicação organizacional em um plano – flatland,

isento de dicotomias (TAYLOR; VAN EVERY, 2000).

A seção seguinte discute análises da comunicação organizacional que conciliam as

noções de “comunicação nas organizações” e “comunicação como organização” e

ultrapassam fronteiras paradigmáticas.

2.2.2 Redefinição da Comunicação Organizacional

Como mencionado anteriormente, as compreensões da comunicação organizacional

estão associadas a distintas concepções da realidade social. Burrell e Morgan (1979) sugerem

uma visão da realidade social que conduz à percepção da comunicação organizacional como

“comunicação nas organizações” ou “comunicação como organização”. Cada noção de

comunicação organizacional, seja esta situada “nas” organizações ou compreendida “como” o

próprio processo organizacional, está permeada por crenças paradigmáticas atreladas a

suposições objetivas e subjetivas sobre a natureza das ciências sociais e suposições de ordem

ou mudança sobre a natureza da sociedade. Embora ambas sejam posições válidas, as noções

instrumentais e simbólicas da comunicação organizacional apresentam limitações inerentes

aos paradigmas nos quais são formuladas.

Para compreender a comunicação organizacional de forma abrangente, é preciso

ultrapassar fronteiras paradigmáticas para perceber a realidade social em toda a sua

pluralidade. Segundo Taylor (2004), o entendimento da comunicação organizacional, após

períodos predominantemente funcionalistas (“comunicação nas organizações”) e (ou)

interpretativos (“comunicação como organização”), entra numa terceira fase de sua evolução.

Neste momento, o estudo da comunicação organizacional encontra-se ancorado em análises

sociais contemporâneas, tais como a teoria da estruturação de Anthony Giddens (1984), a

teoria da tradução ou atores-rede de Michel Callon e Bruno Latour (1981) e a teoria da

decretação ambiental de Karl Weick (1973, 1979, 1995)9.

Essas teorias transcendem os paradigmas tradicionais quando sugerem que o mundo

deva ser compreendido como um todo material e social, nem exclusivamente subjetivo, nem

objetivo, que não se situa nem no império da ordem nem no reino da mudança. Quando o 9 Embora estas teorias não constituam o foco desta análise, alguns de seus conceitos básicos serão apresentados ao longo deste texto. Isto porque fundamentam o estudo do objeto de análise desta tese – a comunicação organizacional.

45

mundo é compreendido em sua inerente dinâmica, como uma forma de estrutura em ação

(BODEN, 1994) ou como um processo estrutural essencialmente dual (GIDDENS, 1984), é

possível transcender suposições binárias da realidade, tais como as dimensões propostas por

Burrell e Morgan (1979). Desta forma, antes de redefinir a comunicação organizacional é

preciso situar a análise em um campo transparadigmático.

A superação das fronteiras paradigmáticas redefine a relação entre ação individual e

estrutura social, rejeitando diferenças entre micro e macroanálises. Do mesmo modo a

investigação que parte de um plano, flatland, discute noções de tempo e espaço. Este território

de análise, bem como as suas implicações para o estudo da comunicação organizacional são

discutidas nesta seção.

Segundo Taylor e Van Every (2000), a noção de flatland apresenta uma visão de

mundo que rejeita a suposição de que existem dois níveis de realidade, micro-macro

(organizações como entidades e indivíduos como seus componentes) e em seu lugar

argumenta que toda organização se encontra em um único nível plano, o qual é

invariavelmente situado, circunstancial e produzido localmente em períodos finitos de tempo

e espaço, envolvendo pessoas reais. Nesta visão plana do mundo desaparece a distinção entre

níveis de análise micro e macro. Callon e Latour (1981) afirmam que um macro-ator é tão

complexo quanto um micro-ator. Atores de nível macro são tão simples quanto os de nível

micro, de outra forma eles não poderiam ter se tornado maiores. Para estes autores, um ator

macro estabelece-se pela habilidade de micro-atores de operar “traduções” e estabelecer

“caixas-pretas” 10, ou seja, macro atores são capazes de agrupar diversos atores em torno de

um processo social e de garantir a legitimidade deste processo.

Atores macro e micro operam da mesma maneira na elaboração de traduções e na

formação de caixas-pretas, por meio destes mecanismos estes atores ‘decretam’11 realidades.

O exemplo utilizado por Callon e Latour (1981), que descrevem como a companhia de

eletricidade da França mobilizou diversos atores sociais para o desenvolvimento de um 10 Os conceitos de “tradução” e “caixas-pretas” são noções centrais nas proposições da sociologia da tradução e na teoria de atores-rede. Segundo Callon (1986), o estabelecimento de traduções é essencial à organização social. Por meio de traduções, interesses distintos convergem a um projeto comum, quando se cria um ponto obrigatório de passagem, reconhecido por todos os atores da rede social como requisito essencial para a realização de seus interesses individuais. Enquanto a tradução dos interesses individuais em um interesse coletivo não é questionada, as organizações sociais mantêm-se. À medida que se estabelecem realidades materiais e sociais inquestionáveis, tornam-se “caixas-pretas”, segundo a terminologia de Callon e Latour (1981), para maiores detalhes, ver as obras de Callon e Latour. 11 A expressão ‘decretar’ é uma tradução livre da noção de “enactment”, proposta por Weick (1979, 1973) para designar o processo pelo qual indivíduos e organizações desempenham um papel ativo na criação do ambiente em que vivem.

46

veículo elétrico, é de fato um exemplo de interpretação da realidade e produção de significado

para as organizações que decretam o ambiente em que atuam 12 (WEICK, 1995). Weick

também se posiciona em uma análise plana que não distingue micro e macro atores, pois

equipara os processos individuais e organizacionais de produção de significado.

Seguindo a mesma corrente de pensamento, Giddens (1984) equaliza a dicotomia

macro-micro com o debate que opõe ação individual e estrutura social. Para Giddens (1984),

estudos micro-sociológicos não trabalham com uma realidade substancialmente distinta da

análise macro-sociológica. A oposição entre micro e macro é reconceituada como algo

referente à forma pela qual interações em contextos de co-presença estão estruturalmente

implicadas em sistemas de distanciamento de tempo e espaço.

Em síntese, as diferenciações entre micro e macro, são dispositivos metodológicos que

não encontram paralelo na realidade, são apenas ferramentas analíticas. Como afirma Boden

(1994) somente a pesquisa acontece em diferentes níveis de análise, pois os fenômenos

sociais não se realizam desta forma. Embora útil, metodologicamente, a distinção entre micro

e macro não é observável empírica e teoricamente.

Sob essa percepção fluida da realidade, não apenas as distinções entre micro e macro

são questionadas, mas também as noções de tempo e espaço. Colocando em questão a noção

de tempo, problematizam-se as referências de passado, presente e futuro. Tal posição não

recusa a natureza seqüencial e episódica das atividades humanas, mas reconhece o caráter

retrospectivo das atividades cognitivas de produção de significado (WEICK, 1995), pela qual

tanto o passado como o futuro são constantemente redefinidos no momento presente. Segundo

Boden (1994), a interpenetração de agenciamento e estrutura é necessariamente dialética,

simultaneamente contingente e contraditória. O que acontece no presente, faz sentido

imediatamente, retrospectivamente e no futuro. Segundo essa autora, em experiências

seqüenciais encontram-se estruturas recursivas que transformam ações individuais em efeitos

coletivos.

Dentro de uma visão de mundo na qual são abolidas as distinções entre micro e macro,

o passado, o presente e o futuro são continuamente e retrospectivamente redefinidos. Além

disso, esta perspectiva não comporta divisões entre ações locais e globais. Por meio de

interações as dimensões espaciais, global e local, são amalgamadas. Como afirma Wenger

12 Traduções livres dos termos “organizational sensemaking” e “environmental enactment” (WEICK, 1979 e 1995), que se referem aos processos de produção de significado que dão sentido à realidade experenciada, os quais constroem o ambiente vivenciado.

47

(1998), num contexto de constelações de práticas o local e o global não constituem momentos

históricos distintos. Ao contrário, estas dimensões são níveis de participação relacionados que

sempre coexistem e modelam um ao outro (WENGER, 1998). A intrincada natureza do global

e do local é capturada pela concepção de ações estratégicas e táticas proposta por De Certeau

(1984). Este mesmo postulado é encontrado no conceito de dualidade de estrutura elaborado

por Giddens (1984), no qual se reconhece que ações localmente situadas criam e recriam

estruturas globais.

Adicionalmente, estabelecendo uma conexão entre aspectos locais e globais, é possível

integrar os aspectos sociais e materiais da realidade, como sublinham Latour (1991, 1994) e

Engeström (1987). Taylor e Van Every (2000) explicam que cada ação pressupõe a mediação

de um agente material. Em função de sua materialidade, estes agentes podem agir à distância

e sobre o tempo. Eles servem então para transcender as inerentes limitações da ação

localmente situada e ainda explicam a emergência de formas organizacionais globalmente

estruturadas.

Ultrapassando os limites de tempo (passado/presente/futuro) e espaço (local/global),

bem como sobrepujando a dicotomia micro-macro, o tradicional dilema entre estrutura e

agenciamento é resolvido. Como afirma Boden (1994), mesmo o menor instante local de

interação humana contém em si a essência da sociedade e vice-versa. Certamente estas

distinções dissolvem-se em observações empíricas, mesmo que permaneçam nas

investigações sob a forma de diferentes níveis de análise nas pesquisas sociais. Na vida

cotidiana, estes níveis de análise são intrincados de tal forma que acabam por desaparecer.

São as interações humanas permeadas pela comunicação que tornam relativas as noções de

tempo, espaço, micro e macro.

A comunicação apresenta-se como um aspecto importante das teorias sociais que

apresentam uma visão plana da realidade – flatland. Alguns exemplos são as obras de

Giddens (1984), Engeström (1987), Weick (1973, 1979, 1995), e Callon e Latour (1981). Para

Giddens (1984), a comunicação é uma modalidade dentro da dualidade estrutural. Segundo

Engeström (1987), a comunicação participa da estrutura de toda atividade humana. Nos

postulados de Weick (1973, 1979, 1995), a comunicação é inerente aos processos de

decretação ambiental (enactment) e de produção de significado (sensemaking). Na sociologia

da tradução de Callon e Latour, é impossível estabelecer os pontos de passagem obrigatórios

que constituem as redes de atores sociais sem comunicação. Além disso, os processos de

tradução e de estabelecimento de caixas-pretas são realizados por meio da comunicação.

48

Assim sendo, a visão plana do mundo, que integra as perspectivas micro e macro, bem

como repensa noções de tempo e espaço, permite compreender a comunicação e estabelecer

uma base de análise para o estudo da comunicação organizacional que transpõe limites

paradigmáticos. De acordo com esta visão de mundo, é por meio da comunicação que o

mundo mantém a sua dinâmica, ou em uma metáfora mecânica (MORGAN, 1986), a

comunicação é o combustível que move a máquina. Este movimento social contínuo se

mantém pela representação e produção de conhecimentos. Sob esta perspectiva, a

comunicação é tanto simbólica como subsimbólica (TAYLOR; VAN EVERY, 2000).

O aspecto simbólico da comunicação diz respeito à representação de conhecimentos,

evidenciando seu caráter referencial (ao se comunicar os indivíduos fazem referência, dentre

outros, a fatos, objetos e conceitos preexistentes). Por este aspecto, que inclui dimensões

primárias da comunicação, uma fonte A envia uma mensagem X para um destinatário B. No

entanto, esta modalidade não considera o contexto no qual a comunicação se produz,

tampouco o relacionamento existente entre A e B. Sobrepondo estas limitações, a dimensão

subsimbólica da comunicação refere-se à produção de conhecimento, evidenciando a

importância da comunicação nos processos de construção da realidade social (contexto) e de

constituição da identidade do ser, do outro e da sociedade (relação entre A e B).

Segundo Taylor e Van Every (2000), em um sistema simbólico,

a comunicação serve como meio pelo qual o pensamento das pessoas, transcrito em forma escrita ou falada (o que é geralmente denominado mensagens e textos), pode ser transferido por algumas pessoas para outras pessoas para que elas os interpretem e os encaixem em sua estrutura de referências. Este conceito de comunicação é conhecido como teoria da transmissão (p.3, tradução livre).

No aspecto subsimbólico, a comunicação desempenha outro papel na organização das

pessoas em intercâmbio social. Tal papel se refere à possibilidade de que, em conjunto, as

pessoas possam construir conhecimento interativamente, o qual torna-se uma propriedade

comum que não pode ser definida como propriedade individual de nenhum dos membros da

interação que o produziu. A comunicação em sua dimensão subsimbólica possibilita a

produção intelectual coletiva. Nenhum participante da interação seria capaz de compreender

individualmente a situação. A apreensão desta realidade é um processo social que se

desenvolve pela comunicação (TAYLOR; VAN EVERY, 2000).

Desse argumento, dois pontos são fundamentais. Primeiro, a comunicação é sempre

social, tanto em sua forma simbólica como subsimbólica. A comunicação envolve processos

sociais tanto na representação como na produção de conhecimento. Segundo, em sua forma

49

subsimbólica, a comunicação produz um conhecimento social que é sempre distribuído

coletivamente13, o qual reside em comunidades de práticas (WENGER, 1998) e é expresso em

organizações. A comunicação em sua dialética simbólico/subsimbólico está presente na

essência de todas as manifestações sociais (TAYLOR; VAN EVERY, 2000).

As organizações, como contextos e manifestações sociais, são vistas como uma

seqüência de mediações em que intervenções administrativas não são exógenas, mas

localmente realizadas, atos pessoalmente comunicados, expressos em atos de linguagem

(TAYLOR; VAN EVERY, 2000). Esta teoria organizacional autônoma enfatiza dois aspectos

de uma visão dinâmica do mundo: a noção de espaço, no contexto localizado da ação; e a

noção de linguagem, recurso básico ao qual os indivíduos recorrem para acessar o mundo e

agir sobre a realidade. A comunicação como ato de linguagem carrega em si propriedades

organizacionais, uma vez que as palavras não são apenas expressões, mas também meios para

realizar ações.

Para Boden (1994), a estrutura seqüencial das conversações constitui o locus primário

da ação organizacional. Enquanto as manifestações lingüísticas produzem-se essencialmente

em interações, as conversações tornaram-se unidades de análise da comunicação e das

organizações. Segundo Boden (1994), as conversações organizacionais tanto modelam como

são modeladas pela estrutura organizacional. Ações organizacionais são realizadas por meio

de conversações e são criadas no contínuo dinamismo destas conversas. Conversações não

são apenas conversas, são acima de tudo um modo e um meio pelo qual as estruturas

organizacionais são constituídas e reconstituídas. Para compreender um sistema

organizacional, é necessário rastrear as conversações que se passam neste sistema.

Conversações são o locus empírico das ações organizacionais.

As atividades de conversação ocorrem em múltiplos níveis, localizadas e realizadas

simultaneamente em diversos níveis de intercâmbio verbal. Conversações são intensivas em

sua orientação local e no delicado equilíbrio que orienta as organizações. No entanto,

conversações são extensivas, e o sangue das organizações flui por meio delas. Desta forma, as

conversas diárias e os negócios que se realizam por meio delas são duplamente contextuais.

Conversações criam sua própria lógica local à medida que os interlocutores se revezam em

suas intervenções. As interações diárias, ao mesmo tempo em que criam contextos,

interpretam contingências nas quais se desenvolvem ações subseqüentes. As propriedades

13 Para uma revisão de literatura sobre cognição distribuída, ver Groleau (2002).

50

“organizantes” das organizações são localizadas na organização das conversações que nelas

se produzem (BODEN, 1994).

Apesar de extremamente ricas, as considerações de Boden (1994) se limitam às

interações verbais produzidas em conversações. No entanto, a comunicação não se restringe a

intercâmbios conversacionais. Ampliando esta análise, Taylor e Van Every (2000) apresentam

o modelo bi-dimensional texto/conversações. Para estes autores, conversações compreendem

o universo total de interações compartilhadas por linguagem das pessoas que em conjunto

identificam-se com uma determinada organização. As conversações são múltiplas, constantes

e contínuas. A comunicação ocorre por meio de conversações locais e por meio de

conversações que se sobrepõem, em múltiplas camadas, conforme a análise de Boden (1994).

A noção de texto é empregada para capturar a simples idéia de que discursos são construídos

por palavras e frases coordenadas de maneira mais ou menos sistemática, para produzir uma

expressão de linguagem coerente e compreensível (TAYLOR; VAN EVERY, 2000). Textos

representam conversações cristalizadas, estruturadas e inscritas em um discurso, mas que

podem ser constantemente questionados por novas conversações, ou modificados em função

de novas interpretações decorrentes de sua equivocidade. Esta noção é representada a seguir

na figura 5.

Figura 5 – Dinâmica texto/conversações Fonte: Adaptado de Taylor et al. (1996)

A dinâmica texto/conversações sugere que um processo contínuo e circular de

traduções, converte textos em conversações e conversações em textos (TAYLOR et al., 1996).

As organizações são resultado desta dinâmica e emergem no intervalo destas traduções. Neste

processo, a comunicação é o contexto e o local em que emergem as organizações. Desta

maneira, Taylor e Van Every (2000) definem organizações como uma “forma de vida”, uma

forma de estruturar o mundo social e cultural para produzir um ambiente em que estas formas

expressam a vida social e criam o contexto para que elas se desenvolvam.

A comunicação organizacional é um contínuo de textos e conversações. Neste fluxo,

produzem-se artefatos materiais e se reproduzem as estruturas sociais que constroem o

Conversações

Texto 1 Texto 2

51

A

X

B

Ambiente de

linguagem

Ambiente

material/social

ambiente. As organizações, portanto, integram universos objetivos e subjetivos. Como

expressam Clegg e Hardy (1999 p. 30-31),

organizações são objetos empíricos [...], uma ‘organização’ com recursos e capacidades específicos, constituída de regras; com uma linha demarcatória imaginária que a define com rigor mais ou menos impreciso; com uma história, com funcionários, clientes, vítimas e outros agentes interessados. Entretanto, essas fronteiras, regras, história, agentes devem ser acionados e interpretados, se o objetivo for a formação de uma base para a ação.

Integrando aspectos objetivos e interpretativos, Taylor (2004; TAYLOR;

ROBICHAUD, 2004; TAYLOR; VAN EVERY, 2000) parte da análise da comunicação

como ato de linguagem e como conversações para propor o modelo de co-orientação,

ilustrado na figura 6.

Figura 6 – Modelo de co-orientação Fonte: Adaptado de Taylor e Robichaud (2004).

A co-orientação assume que o uso da linguagem produz organização e por meio de

conversações a comunicação torna-se uma instância de produção de sentidos, agenciamento e

posicionamento social. Assim sendo, conversações representam a unidade relacional essencial

dos processos “organizantes”. Este modelo reconhece a intersubjetividade das relações entre

sujeitos comunicadores (A/B), mas também ressalta que a comunicação possui um objeto

material (X), sendo que estes três agentes desempenham papéis equivalentes nos processos de

comunicação. As interações humanas possuem sempre um objeto social ou material, quem

fala, fala de alguém ou de alguma coisa. Na dinâmica A-B-X os mundos objetivos e

subjetivos interagem. Ao comunicar, os sujeitos recorrem a um universo lingüístico que

permite a leitura e interpretação dos objetos materiais e sociais. Mas, assim como os sujeitos

agem sobre o mundo objetivo, este mundo objetivo também age sobre os sujeitos. O ambiente

é então resultado e condição das interações entre agentes humanos e não-humanos

(CALLON; LATOUR, 1981; ENGESTRÖM, 1987; LATOUR, 1991, 1994;).

52

Taylor e Van Every (2000), tal como Weick (1979, 1995)14, propõem uma

reconstrução da teoria das organizações com base na comunicação (TOMPKINS; WANCA-

THIBAULT, 2001). Primeiramente, as proposições teóricas destes autores reduzem a

prioridade conceitual da separação entre organizações e seu ambiente, identificando práticas

discursivas como a principal característica do relacionamento entre organizações e seu

contexto ambiental. Em segundo lugar, eles advogam uma abordagem da relação

organização-ambiente enraizada em práticas e processos discursivos. Por sua vez, Weick

(1973, 1979, 1995) sugere que o ambiente é decretado por indivíduos e organizações à

medida que estes percebem, interpretam e armazenam alguns aspectos de suas experiências.

Seguindo esta lógica, Taylor (2004; TAYLOR; VAN EVERY, 2000) sugere que indivíduos e

organizações não apenas criam os ambientes em que atuam, mas criam também as próprias

organizações.

Uma definição abrangente da comunicação organizacional considera que, assim como

não existem barreiras na relação organização-ambiente, não existem dois fenômenos distintos

como comunicação e organização, mas sim o fenômeno único da comunicação

organizacional, sendo impossível diferenciar componentes para identificar uma relação entre

as partes. Se a comunicação organizacional não for concebida como um todo único, o

conceito perde a sua identidade. Se a comunicação organizacional for reduzida a combinação

de dois outros fenômenos (comunicação e organização), ela se extingue em suas origens. Para

conceituar a comunicação organizacional em sua totalidade é preciso abandonar a idéia de

composição, de relacionamento. A noção de comunicação organizacional dissolve-se

conceitualmente, quando se tenta decompor o objeto de estudo em dois fenômenos inter-

relacionados. Ou seja, perde-se a essência do objeto quando se procura estabelecer relações

entre comunicação e organização para definir a comunicação organizacional. Como no reino

de Salomão, enquanto se insiste na controvérsia sobre a maternidade, a solução é a divisão da

criança pelo machado de aço. Para não extinguir a comunicação organizacional como área de

pesquisa, é preciso abordá-la como fenômeno único.

14 Para Weick (1979, 1995), os seres humanos organizam-se primariamente pela necessidade de reduzir as incertezas que vivenciam cotidianamente. As organizações são sistemas de produção de significado usados para processar informações provenientes de um ambiente em constante mudança e para reduzir a equivocidade deste ambiente. Em verdade, o objeto de estudo de Weick não são as organizações, mas o processo pelo qual as organizações se constituem, processos “organizante”s, ou organizing nos termos de Weick. Este processo, cujo objetivo final é reduzir a incerteza inerente às informações ambientais, é fundamentalmente um processo de comunicação organizacional.

53

É impossível tentar estabelecer relações matemáticas do tipo: comunicação ⊂

organização, organização ⊂ comunicação, organização = comunicação, comunicação ≈

organização, e assim por diante. Não se pode estabelecer relações entre os termos

comunicação e organização, porque em se tratando de comunicação organizacional não

existem dois termos distintos, embora organização e comunicação sejam expressões distintas,

merecedoras de verbetes específicos no dicionário. Entretanto, a comunicação organizacional

é uma expressão única, que merece uma definição distinta. Se for possível realizar uma

representação matemática da comunicação organizacional, esta seria a intersecção de dois

reinos (comunicação e organização) constituindo um conjunto único. Esta noção é

representada na figura 7.

Figura 7 – Comunicação organizacional: intersecção entre comunicação e organização Fonte: Formulação da autora

A vida em sociedade pressupõe contínuos processos de comunicação e organização.

Admitindo que não existe organização social sem comunicação e que toda comunicação gera

organização social, observa-se que a relação comunicação/organização refere-se à relação

entre processos equivalentes. Novamente, é possível recorrer à metáfora matemática para

ilustrar o caráter único da comunicação organizacional. Mesmo considerando organização e

comunicação como entidades distintas que estabelecem uma relação entre si,

matematicamente a relação entre elementos de igual valor resulta na unidade. Tal equação

ilustra que e a relação comunicação/organização refere-se a um objeto único: a comunicação

organizacional.

Uma metáfora útil para a compreensão da singularidade do termo comunicação

organizacional pode ser formulada pela análise dos fonemas da língua francesa ‘o’, ‘e’ e ‘œ’

(ROBERT; REY, 1998). O fonema ‘œ’ não expressa uma relação entre os fonemas ‘o’ e ‘e’,

este fonema refere-se a um som específico que não é nem ‘o’ e ‘e’ juntos, nem tampouco a

predominância de um som sobre o outro. Este fonema é simplesmente ‘œ’; e em sua

comunicação organização Comunicação

organizacional

54

singularidade o ‘œ’ ocupa o seu lugar e possui uma identidade em muitas palavras da língua

francesa (sœur, œil, œuf, entre outras). O mesmo ocorre com a comunicação organizacional,

ela perde o seu caráter único quando os analistas tentam dividi-la e explicá-la por meio de

relações, tais como “comunicação nas organizações” ou “comunicação como organização”.

Para compreender a comunicação organizacional, não é preciso tentar estabelecer relações

entre comunicação e organização, mas compreendê-la com um todo único. Da mesma forma,

quem não conhece a língua francesa não compreende o fonema ‘œ’ pela decomposição de ‘o’

e ‘e’ ou na elaboração de relações entre estes termos. Igualmente, aprendizes da língua

portuguesa descobrem que o ‘ão’ não é apenas uma relação entre ‘a’ e ‘o’, mas uma entidade

única. A compreensão é contextual e será obtida na experiência prática.

A comunicação organizacional é um fenômeno único por ser um termo que remete a

um único referente. Não existe organização sem comunicação e não existe comunicação sem

organização. Isto não significa que comunicação e organização sejam equivalentes

(PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 1996), visto que a noção de equivalência pressupõe

duas entidades a serem igualadas. Comunicação organizacional é um fenômeno único porque

faz referência a um único objeto, o processo de comunicação organizacional em si mesmo, ou

seja intrínseca capacidade “organizante” da comunicação. Cada vez que os indivíduos

comunicam, organizam e ao mesmo tempo cada vez que organizam, comunicam. Como

afirma Taylor (2004), a comunicação está na organização, assim como a organização está na

comunicação. Um ato de comunicação envolve a organização de palavras, idéias, conceitos

ou outros elementos de expressão oral ou corporal, este arranjo por si só comunica a

compreensão dos elementos organizados. Esse fato, segundo Taylor e Cooren (1997),

demonstra a universalidade da comunicação organizacional, uma vez que não existe

comunicação que não organize ou organização que não comunique, o que remete ao

questionamento de uma redundância no termo.

Comunicação organizacional como fenômeno único e termo composto é quase uma

expressão redundante, uma vez que comunicação e organização são dois lados da mesma

moeda. Entretanto, parece que comunicação organizacional é um termo cuja redundância

enfatiza a intrincada conexão entre comunicação e organização. Como geralmente a análise da

comunicação organizacional é feita pela decomposição de seus termos, a necessária

redundância da expressão chama atenção para o fato de que estes termos são indissociáveis.

A dimensão objetiva da comunicação organizacional é observada em um ambiente

material e social no qual o trabalho é realizado, onde as pessoas lidam com questões

55

objetivas. Concomitantemente, a comunicação organizacional também inclui uma dimensão

subjetiva na qual a realidade material/social é interpretada. Realidade esta que é construída e

reconstruída pela linguagem, pelos processos de produção de significado e por tantos outros

meios cognitivos e subjetivos. Sendo o universo subjetivo da linguagem o único recurso que

indivíduos e organizações possuem para acessar o mundo objetivo, uma compreensão

holística da comunicação organizacional, abrange tanto dimensões subjetivas como objetivas.

Processos subjetivos e objetivos ocorrem simultaneamente, e a comunicação organizacional é

um fenômeno singular que transita e conecta estes dois universos.

Qualquer ação individual ou organizacional ocorre por meio da mobilização de

domínios subjetivos e objetivos, no espaço entre estruturas previamente estabelecidas (ordem)

e restabelecidas, estruturas emergentes (mudança); em um processo contínuo de autocriação e

decretação ambiental (WEICK, 1973, 1979, 1995). No processo de comunicação

organizacional, indivíduos e organizações simultaneamente recriam universos subjetivos e

objetivos de ação, da mesma forma que recriam estruturas por meio de mudanças contínuas.

A comunicação organizacional refere-se a este processo dinâmico, no qual coisas objetivas

são acessadas por recursos subjetivos para continuamente criar e recriar a realidade social. A

comunicação organizacional é a prática social que dá ao mundo suas características planas –

flatland. É por meio de processos “organizantes” de comunicação que a realidade se apresenta

de forma dinâmica, estável, subjetiva e objetiva. A comunicação organizacional é o processo

que permite compreender que a realidade transita entre os quatro paradigmas apresentados por

Burell e Morgan (1979).

A comunicação organizacional é, então, um processo social que aciona universos

objetivos e subjetivos na criação de um ambiente ao mesmo tempo estável e mutante. A

comunicação organizacional realiza-se em conversações, textos e traduções que integram as

noções objetivas de que a comunicação ocorre nas organizações e as subjetivas de que a

comunicação produz as organizações. É a partir de tal compreensão que esta pesquisa analisa

a comunicação organizacional e vai investigá-la no contexto de fusões e aquisições

internacionais, o qual será apresentado na seção seguinte.

56

2.3 Fusões e Aquisições Internacionais

Inicialmente esta revisão de literatura apresenta definições e conceitos básicos em

fusões e aquisições. Em seguida discute aspectos do contexto internacional que podem

distinguir as fusões e aquisições domésticas das internacionais. Esta análise conduz à

contraposição entre literaturas que pregam a convergência ou divergência das práticas

organizacionais em vista da globalização, assim como a discussão sobre a influência de

culturas nacionais em operações globais. Tendo em vista a pluralidade das abordagens a

respeito de fusões e aquisições internacionais, esta seção encerra-se com a apresentação da

forma como esta pesquisa compreende esta ação organizacional.

2.3.1 Fundamentos sobre Fusões e Aquisições

Operacionalmente ambas, fusões e aquisições, consistem na integração técnica,

administrativa e cultural de duas ou mais organizações em uma organização maior. Embora

analisadas como um fenômeno único, fusões e aquisições referem-se a atividades distintas

como assinalam Kramer, Dougherty e Pierce (2004). Para estes autores, fusões consistem em

parceiros relativamente equivalentes combinando ativos para criar uma organização nova de

características diferentes, enquanto aquisições envolvem parceiros desiguais, tipicamente uma

organização maior e mais próspera compra uma organização menor e absorve seus ativos e

funcionários. Segundo Zilber, Fischmann e Pikieny (2002), em processos de fusão uma

empresa combina-se com outra, e a nova organização formada é denominada empresa

sucessora ou combinada. Estes autores afirmam que fusões podem ou não suceder processos

de aquisições, uma vez que aquisições referem-se à mudança de propriedade das ações ou

ativos de uma empresa. Em uma análise financeira, Camargos e Barbosa (2003) distinguem

fusões e aquisições também pela forma de concretização do negócio. Enquanto fusões

envolvem a permuta de ações e outros ativos, aquisições realizam-se pelo pagamento em

dinheiro ou pela transferência de ações ou títulos. Para Barros, Souza e Steuer (2003, p. 19),

aquisições implicam “o desaparecimento legal da empresa comprada”, ao passo que fusões

envolvem “uma completa combinação de duas ou mais empresas que deixam de existir

legalmente para formar uma terceira com nova identidade, teoricamente sem predominância

de nenhuma das empresas anteriores” (BARROS; SOUZA; STEUER, 2003, p. 19).

57

Fusões e aquisições também podem ser diferenciadas conforme o setor de atividades

das empresas envolvidas, pois as modalidades de fusões e aquisições envolvem organizações

da mesma indústria ou de indústria distintas. São três as principais formas de fusões e

aquisições: horizontais, verticais e diversificação estratégica (KRAMER; DOUGHERTY;

PIERCE, 2004; ROSS; WESTERFIELD; JAFFE, 1995). Fusões e aquisições horizontais

ocorrem entre empresas do mesmo ramo de atividades, geralmente concorrentes para eliminar

a competição. Fusões e aquisições verticais visam ao controle de matérias-primas, de

processos produtivos ou de distribuição, podendo envolver organizações do mesmo ramo de

atividade ou de diferentes indústrias. Fusões e aquisições para diversificação estratégica

geralmente ocorrem entre organizações de setores diversos pois visam à formação de

conglomerados, à redução de riscos e à diversificação de investimentos.

Cartwright e Cooper (1996) diferenciam fusões e aquisições de acordo com a

configuração final ou a combinação desejada. Fusões, aquisições tradicionais e aquisições

abertas requerem diferentes níveis de mudança, pois possuem objetivos de integração

distintos. Em um processo de fusão típico, ambas as partes envolvidas no processo passarão

por mudanças e a nova organização criada será um efetivo ‘mix’ das entidades anteriores. Em

uma aquisição tradicional, o maior esforço de mudança realiza-se na firma adquirida que se

enquadra nos parâmetros organizacionais do adquirente (parâmetros estratégicos, estruturais e

culturais). Em uma aquisição aberta, a empresa adquirida não passará por mudanças, pois

continuará a operar conforme seus padrões anteriores, desde que continue a atingir seus

objetivos. De maneira similar, Child, Faulkner e Pitkethly (2001) sugerem que a integração

pós-fusões e aquisições ocorre em escala, a qual varia desde unidades não integradas,

parcialmente integradas, até unidades completamente integradas. Seguindo esta perspectiva,

os autores distinguem fusões e aquisições. Fusões normalmente objetivam a integração total

de duas ou mais empresas; processos de aquisição variam entre a integração total das

subsidiárias adquiridas e a manutenção da identidade das organizações adquiridas. O quadro 4

sintetiza as principais características que distinguem fusões e aquisições.

Quadro 4 – Características de fusões e aquisições

Características: Fusões Aquisições Organização resultante Nova organização Manutenção de identidade da adquirente Parceiros Aproximadamente iguais Desiguais (geralmente o adquirente é

maior que o adquirido) Pagamento Permuta de ações Dinheiro, ações ou títulos Setor de atividades Em geral do mesmo setor Mesmo setor ou setores diferentes Integração Total Diversos níveis (de total a nenhuma) Fonte: Adaptado de Camargos e Barbosa (2003).

58

Apesar de suas características distintas, fusões e aquisições são analisadas em conjunto

porque são raros os exemplos de fusões entre iguais. Como ressaltam Barros, Souza e Steuer

(2003, p. 20), “depois que os acordos são assinados, a maioria das ditas fusões se revela, na

prática, como aquisição. A designação da operação como fusão atende, principalmente, a

razões ligadas ao mercado e à conveniência dos adquiridos”. O perfil da nova empresa

“depende do jogo de poder entre as empresas de origem e da estratégia de integração adotada”

(BARROS; SOUZA; STEUER, 2003, p. 20).

Fusões e aquisições são abordadas como um fenômeno único também porque ambos

são processos que envolvem questões quanto às reações dos membros organizacionais e

questões de integração técnico-operacional, administrativo-financeira, cultural, estrutural e de

políticas de recursos humanos (BUONO; BOWDITCH; LEWIS, 1985; BARROS; SOUZA;

STEUER, 2003; CAREY; OGDEN, 2004; KRAMER; DOUGHERTY; PIERCE, 2004). À

medida que o processo de fusão e aquisição evolui, varia a influência de cada um destes

assuntos. Nas etapas iniciais de busca de parceiros e negociações predominam as análises

estratégicas, legais e financeiras (RASMUSSEN, 1989; BARROS; SOUZA; STEUER, 2003).

Nas fases posteriores de integração, a atenção concentra-se em aspectos culturais e de

recursos humanos. Embora a intensidade de influência possa apresentar variações, aspectos

humanos e financeiros são igualmente importantes ao longo de todo o processo de fusões e

aquisições (CAREY; OGDEN, 2004).

Como os processos de mudança organizacional, fusões e aquisições desenvolvem-se

em diversas etapas. Uma análise básica de processos de mudança refere-se à observação da

diferença no estado de uma variável entre um espaço de tempo t1 e t2. Lewin (1947) propõe

que estas alterações produzem-se em três etapas: descongelamento, movimento e

recongelamento (Figura 8). Análises de processos de mudança são variações deste modelo, o

que também é observado na descrição das etapas de desenvolvimento de fusões e aquisições.

Figura 8 – Representação básica da mudança Fonte: Síntese elaborada pela autora

De maneira geral, fusões e aquisições iniciam com um plano de expansão dentro do

planejamento estratégico da adquirente, pois estratégias representam a adequação da

organização ao seu ambiente (MEIRELLES; GONÇALVES, 2001). Conforme a configuração

movimento recongelamento descongelamento

t1 t2

59

do mercado, fusões e aquisição constituem uma estratégia que evolui com a pesquisa e

seleção de candidatos para aquisição, a investigação detalhada e sistematizada das

organizações-alvo (due diligence15), fechamento do negócio, elaboração do contrato e do

plano de integração estratégica da nova organização (RASMUSSEN, 1989). O

desenvolvimento do processo de fusões e aquisições pode ser detalhado em etapas diferentes,

se o propósito da investigação for gerencial ou analítico.

Como exemplo de um guia gerencial, apresenta-se o modelo “Pathfinder Model”16

(figura 9), elaborado por consultores da “GE Capital Services” para detalhar as etapas de

desenvolvimento de um processo de aquisição e integração (ASHKENAS; DEMONACO;

FRANCIS, 2001).

Figura 9 – “Pathfinder Model” de aquisição e integração Fonte: Adaptado de Ashkenas; Demonaco e Francis (2001)

Esses consultores dividem o processo em quatro “estágios de ação” iniciando com o

trabalho realizado antes do fechamento do negócio e continuando até a assimilação total das

empresas. Tais etapas possuem subprocessos e incluem as melhores práticas de cada

organização. Embora o modelo seja simples e sistemático, os autores salientam que nem todos

15 Neste trabalho, optou-se por preservar a expressão inglesa, porque esta aparece em obras em língua portuguesa (CHANMUGAM et al., 2005; BARROS; SOUZA; STEUER 2003). 16 “Modelo desbravador”, em tradução literal.

Melhores Práticas

1

Pré-aquisição

Início

Capitalização

em sucesso

Pla

neja

men

to

de

long

o pr

azo

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ão e

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Avaliação e ajuste

em andam

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Implementação Formulação

estratégica

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Negociação

e anúncio

Due diligence

Con

stru

ção

de

fundam

ento

sIntegração rápida

Ass

imila

ção

2

4

3

60

os processos de aquisição e integração são iguais, pois cada situação apresenta aspectos novos

e únicos. Como em outros processos de mudança, é preciso adaptar o modelo às

características específicas de cada caso. O modelo é um guia de planejamento do processo,

impedindo que fusões e aquisições se desenvolvam de forma improvisada.

Os “estágios de ação” no desenvolvimento de processos de aquisição e integração do

“Pathfinder Model” são: pré-aquisição, construção de fundamentos, integração rápida e

assimilação. A etapa de pré-aquisição compreende as avaliações de empresas (due diligence),

as negociações e o fechamento do negócio. A análise das organizações a serem adquiridas

pode se realizar por diversos métodos e técnicas, que variam desde procedimentos subjetivos

para avaliação de valores intangíveis da empresa até refinadas técnicas quantitativas para

definição de aspectos financeiros da operação. Segundo Barros, Souza e Steuer (2003), é

importante que esta avaliação seja feita por uma equipe multidisciplinar capaz de considerar o

negócio sob diversos pontos de vista. Na fase de pré-aquisição, têm início: a avaliação de

aspectos culturais; a identificação de barreiras ao sucesso da integração (administrativas ou

culturais); o processo de seleção do administrador que será responsável pela integração; a

avaliação das forças e fraquezas da organização e das líderes funcionais; e o desenvolvimento

da estratégia de comunicação.

A construção de fundamentos é um estágio de planejamento na qual se realizam o

lançamento da integração, os exercícios de integração da aquisição e a formulação de

estratégias. Nesse momento o administrador responsável pela integração será formalmente

apresentado às organizações, os novos executivos serão orientados quanto ao ritmo dos

negócios, uma equipe conjunta irá formular um plano de integração que inclua um plano de

ação para os cem primeiros dias e um plano de comunicação17. Estas atividades envolvem

administradores sêniores, fixando responsabilidades e disponibilizando recursos.

No estágio de integração rápida, o planejamento realizado será implementado, sendo

constantemente avaliado e ajustado. Neste estágio são iniciadas as mudanças administrativas

de curto prazo e são utilizados mapas de processos e exercícios para acelerar a integração.

Também se utilizam assessores e auditores de processos. A organização busca feedback 18

17 Embora os autores listem atividades de comunicação no desenvolvimento do processo, a comunicação em fusões e aquisições será discutida posteriormente (ver item 2.4). 18 A expressão inglesa feedback foi introduzida por estudos de Cibernética para representar processos de retro alimentação, no entanto sua utilização foi difundida e é aceita em diversas áreas do conhecimento sem adaptações. Além disso, a expressão feedback consta como verbete do Dicionário Houaiss on line.

61

constante para que, a partir do aprendizado proporcionado pela implementação da estratégia

de integração, o plano possa ser continuamente adaptado.

Finalmente, a assimilação compreende: a implementação de mudanças administrativas

de longo prazo; o desenvolvimento contínuo de ferramentas, práticas, processos e linguagem

comuns; a realização de treinamentos; e a utilização de assessores e auditores de integração

(ASHKENAS; DEMONACO; FRANCIS, 2001). Estes “estágios de ação” referem-se a

programas de aquisição e integração. O desenvolvimento do processo pode variar conforme o

nível de integração objetivado e conforme as especificidades de cada situação de fusão e

aquisição.

Em pesquisas acadêmicas, o detalhamento das etapas de fusões e aquisições é

orientado pela evolução temporal do processo, sem foco prescritivo quanto às atividades a

serem desenvolvidas em cada fase. Marcoux (2002) analisa quatro etapas de um processo de

fusão e aquisição: antecipação; negociação e anúncio oficial; implementação da mudança; e

avaliação. A fase de antecipação ocorre quando os indivíduos tomam consciência de possíveis

mudanças que podem afetar o estado de equilíbrio inicial. Esta fase estende-se da aparição de

rumores ao anúncio oficial das negociações. Do anúncio oficial à divulgação de um plano de

integração transcorre o período de negociação e anúncio oficial, que corresponde a uma fase

de preparação dos membros da organização para a realização de mudanças. A implantação da

mudança é um período de adaptação à nova realidade da organização fusionada e de aceitação

da mudança que envolve um esforço na criação de rotinas. Após a implantação da mudança,

quando a integração encontra-se em um estágio avançado, inicia a etapa de avaliação, na qual

os novos comportamentos viram rotinas e os novos padrões de trabalho são avaliados e

apropriados pelos membros da organização.

Em uma proposta analítica, Napier, Simmons e Stratton (1989) consideram que fusões

e aquisições ocorrem em quatro fases. A primeira fase, pré-fusão, é caracterizada por

negociações secretas e rumores. A fase de desenvolvimento inicia-se após o anúncio oficial,

seguida da fase de transição após a aprovação oficial dos devidos conselhos de administração

e agências reguladoras. A última fase, estabilização, é caracterizada pela integração das

organizações envolvidas. Estas fases são definidas por eventos críticos, e a duração de cada

fase pode variar.

Segundo Isabella (1990), eventos críticos desencadeiam processos cognitivos pelos

quais os indivíduos interpretam a mudança vivenciada. Para Napier, Simmons e Stratton

62

(1989) os eventos críticos de fusões e aquisições são o anúncio e a aprovação oficial do

negócio. Segundo Giroux (1999-2000), os momentos-chave dos processos de reorganização

de fusões e aquisições são a tomada de conhecimento e as reações à mudança. No entanto, os

momentos críticos que definirão as etapas do processo de fusão e aquisição podem variar.

Como afirmam Ashkenas; Demonaco e Francis, (2001), cada processo de fusões e aquisições

apresenta aspectos novos e únicos.

Dessa forma, os eventos que marcam os processos de fusões e aquisições variam de

acordo com cada caso. Estes eventos podem ser internos ou externos às organizações

envolvidas e podem sublinhar etapas do processo ou originá-las. Assim como o anúncio do

plano de integração das organizações fusionadas apresenta-se como um evento crítico que

marca uma nova etapa no desenvolvimento da fusão, uma mudança legislativa alterando o

ambiente competitivo da organização é um evento crítico que pode motivar a realização de

fusões e aquisições.

Para Camargos e Barbosa (2003), fusões e aquisições são motivadas pela:

a) maximização do valor das firmas e aumento da riqueza dos acionistas;

b) maximização da utilidade gerencial;

c) utilização de estratégias financeiras, tais como: compensação de créditos

tributários, custo de reposição, discrepâncias na avaliação do valor da firma,

alternativa de dividendos e recompra de ações;

d) busca de economias de escala e de escopo;

e) substituição de administradores ineficientes;

f) decisão dos administradores de investir o lucro ao invés de distribuí-lo aos

acionistas;

g) maximização do crescimento;

h) existência de elevadas barreiras de entrada em determinados mercados e

i) obtenção de capacidades adicionais, tais como ganhos operacionais e sinergias19.

Zilber, Fischmann e Pikieny (2002) indicam que os principais fatores motivadores

para a realização de fusões e aquisições são: o aumento de market share e participação no

mercado, lucratividade, gama de produtos, competências e inovações. Outros fatores que

19 “Sinergias” é um termo genérico para designar as economias provenientes da fusão. Financeiramente, esta expressão sugere que o valor da nova organização é maior do que a soma dos valores das empresas separadas (ZILBER; FISCHMANN; PIKIENY, 2002). As sinergias mais comuns são oriundas da criação de economias de escala e de escopo.

63

impulsionam a realização de fusões e aquisições são: a possibilidade de penetração em novos

mercados em curto prazo sem necessidade de esperar a maturidade de investimentos a partir

da estaca zero; a garantia da sobrevivência do negócio; o acesso a novos canais de

distribuição e a busca de sinergias entre as cadeias de suprimentos. Os autores sublinham a

existência de outros fatores contingenciais como elementos motivadores de fusões e

aquisições, mas afirmam que fusões e aquisições são alternativas estratégicas de crescimento.

Em síntese, fusões e aquisições são estratégias comuns na busca de crescimento,

diversificação e (ou) criação de valor para acionistas. Embora possam ser listados diversos

fatores motivadores dos processos de fusões e aquisições, Barros, Souza e Steuer (2003)

afirmam que são duas as grandes lógicas que orientam a realização de fusões e aquisições: a

maximização de valor da empresa e as razões do corpo diretivo. Estas lógicas são interligadas

uma vez que o corpo diretivo trabalha estrategicamente para o aumento do valor da empresa.

A pesquisa realizada por Bieshaar, Knight e Van Wassnaer (2001) evidencia que a motivação

primária das operações de fusões e aquisições é a geração de valor para a empresas e seus

acionistas. Barros, Souza e Steuer (2003, p. 23) afirmam que “os fatores determinantes da

aquisição influenciam em todas as etapas do processo, sobretudo na escolha da estratégia de

integração da empresa adquirida”.

As etapas do processo de fusões e aquisições, os fatores motivadores dessas estratégias

e as características dessas operações são comuns aos ambientes domésticos e internacionais.

Como o estudo concentra-se em um contexto internacional, a seção seguinte discute as

especificidades dos processos de fusões e aquisições internacionais.

2.3.2 Contexto Internacional

Alega-se que a interação entre culturas nacionais distintas seja a principal

particularidade das fusões e aquisições internacionais. Enquanto em fusões e aquisições

domésticas os parceiros partilham a mesma nacionalidade, fusões e aquisições internacionais

envolvem multinacionais ou organizações oriundas de diferentes países. Embora a cultura seja

uma importante dimensão do contexto nacional, existem outros aspectos contextuais que

contribuem na distinção de fusões e aquisições internacionais.

Fatores contextuais variam significativamente de uma indústria para outra, mas alguns

aspectos podem ser destacados por seu impacto particular em operações de fusões e

64

aquisições internacionais. São exemplos: moedas locais, exposição a taxas de câmbio e

flutuações do mercado cambial, legislação tributária, leis trabalhistas, canais de distribuição,

fatias de mercado, padrões de compra, agências reguladoras da concorrência, comportamento

de consumidores, representações de empregados (sindicatos e associações), tecnologias

manufatureiras, entre outros. Em resumo, questões estratégicas, operacionais, legais,

financeiras, políticas, ambientais e tecnológicas são fatores contextuais que variam entre a

realização de fusões e aquisições em um ambiente doméstico ou internacional. Espera-se uma

maior probabilidade de discrepância entre fatores contextuais nas operações internacionais.

Entretanto, diversos desses fatores podem variar dentro de contextos exclusivamente

nacionais. Em alguns países, tais como Estados Unidos, Canadá e Brasil, a autonomia

legislativa faz com que leis e outros fatores contextuais mudem de um estado para o outro ou

mesmo de uma cidade para outra. Muitas vezes, mesmo dentro de uma área geográfica

uniforme existem consideráveis diferenças contextuais entre as organizações envolvidas em

processos de fusões e aquisições. Por isso, as especificidades atribuídas a fusões e aquisições

internacionais são relacionadas a aspectos culturais, os quais, por sua vez, podem moldar

fatores contextuais. De fato, a distância cultural entre países tem sido associada com

significantes diferenças entre seus sistemas legais, rotinas de incentivo, práticas

administrativas e estilo de trabalho (MOROSINI; SHANE; SINGH, 1998). Olie (1994)

acrescenta que cultura e contexto institucional estão complexamente interligados em

processos de fusões internacionais.

A influência exercida por aspectos culturais e contextuais nos negócios internacionais,

divide os estudos em duas correntes específicas. A primeira defende que em um mundo

globalizado as organizações tornam-se similares. A segunda abordagem advoga a

singularidade das organizações conforme seu ambiente cultural. Wiseman e Shuter (1994)

elaboram estas tendências distintas da literatura. Segundo estes autores, de um lado

enfatizam-se as diferenças culturais nacionais, de outro lado discute-se a crescente

uniformidade das organizações globais fundadas em princípios organizacionais universais. De

forma similar, Stohl (2001) distingue duas correntes de pesquisa sobre a globalização:

convergência e divergência.

65

2.3.2.1 Convergência

A perspectiva da convergência afirma que em um ambiente global as organizações

enfrentam pressões para tornarem-se similares. Assim, é possível observar a emergência de

uma forma organizacional distinta. A literatura sobre princípios organizacionais universais

postula que certas estruturas e comportamentos são endêmicos às organizações,

independentemente de fatores culturais (WISEMAN; SHUTER, 1994). Conforme esta

análise, as pressões para operar em um ambiente competitivo global e a globalização da

cadeia de valores entre as grandes corporações transnacionais são fatores que estimulam a

convergência das estratégias e práticas organizacionais (CHILD; FAULKNER; PITKETHLY,

2001).

De acordo com a teoria institucional, forças isomórficas (DIMAGGIO; POWEL,

1983) levam as organizações a apresentarem características convergentes. A tendência à

homogeneização de práticas e formas organizacionais – isomorfismo – manifesta-se

competitiva e institucionalmente. O isomorfismo competitivo sugere a predominância da

lógica de mercado, na qual as organizações se adaptam às mudanças em seus nichos de

atuação. O isomorfismo institucional manifesta-se de forma coercitiva, mimética e normativa.

O primeiro mecanismo do isomorfismo institucional deriva de pressões ambientais

interpretadas como coerções. Para serem aceitas como legítimas, as organizações sofrem

pressões para atuarem em conformidade com princípios políticos e legais. O isomorfismo

mimético ocorre quando as organizações se modelam com base em outras organizações.

Perante ambientes turbulentos, as organizações adotam padrões de resposta que já se

mostraram efetivos para outras organizações. Finalmente, o isomorfismo normativo refere-se

à profissionalização das atividades de gestão. A formação e a cultura ocupacional dos

administradores contribuem para que as organizações apresentem práticas e configurações

semelhantes.

Estudos convergentes exploram características organizacionais “universais”. Dentre

diversos temas analisados, alguns exemplos são: a identificação de traços e princípios de

liderança, requisitos para sucesso de expatriados, princípios gerais de recursos humanos,

recomendações para estratégias de marketing ou relações públicas. Um estudo representativo

desta perspectiva é o realizado pelo Grupo de Aston nos anos 60 (WISEMAN; SHUTER,

1994). Essa pesquisa investigou o relacionamento entre variáveis contextuais (tais como:

tecnologia e tamanho organizacional) e características organizacionais (centralização e

formalização, por exemplo). Esse estudo postula que as organizações irão apresentar

66

configurações predeterminadas de acordo com o contexto em que atuam. Segundo as

premissas dessa teoria, as formas organizacionais variam de acordo com contingências

ambientais, mas não necessariamente por fatores culturais. A perspectiva da convergência

aceita o determinismo ambiental quando admite que a dinâmica global determina a

características organizacionais.

Kanter e Corn (1994) oferecem um exemplo de análise convergente. Pesquisando

empresas americanas adquiridas por organizações estrangeiras, estes autores verificam que as

similaridades organizacionais são mais importantes do que as diferenças entre culturas

nacionais. Dentre as variáveis analisadas, a cultura nacional foi uma das variáveis que menos

afetou a integração das empresas e sua eficácia. Nos negócios internacionais, fatores

contextuais e situacionais – como o tempo de relacionamento, a compatibilidade tecnológica,

a disponibilidade de o adquirente realizar investimentos na subsidiária, o desempenho dos

negócios, o respeito mútuo e a comunicação abundante – foram significantes para determinar

a eficácia do relacionamento entre adquiridos e adquirentes provenientes de diferentes países

(KANTER; CORN, 1994).

A perspectiva da convergência postula que as organizações tendem a evoluir para

formas convergentes que podem ser: domésticas, multiculturais, multinacionais,

internacionais e globais. Esta tipologia classifica as organizações de acordo com: a orientação

nacional predominante; a importância percebida da orientação internacional; a orientação em

face das subsidiárias e (ou) outras unidades culturais, estruturais, ou modelos de gestão; e os

níveis de interação internacional. Entretanto, pesquisas recentes na tradição da convergência

advogam a permeabilidade das fronteiras organizacionais e a constituição de redes

interorganizacionais globais.

Tendo em vista que a teoria da convergência advoga a homogeneização de práticas e

formas organizacionais, sob esta perspectiva de análise, fusões e aquisições domésticas e

internacionais apresentam desafios similares. A diferença entre as operações limita-se ao

contexto de realização. Adequados os aspectos ambientais, fusões e aquisições domésticas ou

internacionais desencadeiam processos similares e evoluem em direção a formas

convergentes. Embora estas fusões e aquisições representem diferentes níveis de exposição a

fatores contextuais, as operações nacionais e internacionais desenvolvem-se por meio das

mesmas etapas e resultam em organizações integradas em determinadas configurações

(domésticas, multiculturais, multinacionais, internacionais e globais, conforme o nível de

integração das organizações fusionadas). A distinção doméstica/internacional envolve

67

questões de escala e fatores contextuais, sem considerar aspectos culturais que são o foco da

perspectiva divergente discutida na seção seguinte.

2.3.2.2 Divergência

A literatura da divergência é relativista e advoga que as particularidades de cada

ambiente cultural criam especificidades, as quais são responsáveis pelas diferenças entre as

organizações. Nesta perspectiva, as práticas e formas organizacionais divergem porque

existem práticas administrativas e pressões dos sistemas nacionais que estão fortemente

enraizadas em heranças culturais e institucionais específicas dos países de origem das

empresas (CHILD; FAULKNER; PITKETHLY, 2001). Um exemplo de pesquisa sob a

perspectiva da divergência em fusões e aquisições internacionais é o estudo realizado por

Calori, Lubatkin e Very (1994). Examinando 155 empresas adquiridas na França e 191 na

Inglaterra, estes autores descobriram diferenças significantes nos mecanismos de controle

formais e informais, conforme a nacionalidade das empresas adquirentes.

Dentro da perspectiva divergente, aspectos culturais são a origem da diversidade

organizacional. Existe uma larga gama de conceitos de cultura. Estes conceitos incluem

dimensões que representam diversas orientações em relação à natureza, ao ser humano, ao

tempo, à ação, ao espaço, à autoridade, à comunidade, aos objetivos, à estrutura, ao

formalismo, às necessidades, entre outros. Em fusões e aquisições, tanto domésticas quanto

internacionais, a ocorrência de falências, baixa performance ou incapacidade de atingir os

objetivos são usualmente atribuídas a choques culturais (BASTIEN, 1994; CORNETT-

DEVITO; FRIEDMAN, 1995; CHILD; FAULKNER; PITKETHLY, 2001; BIJLSMA-

FRANKEMA, 2001). Cartwright e Cooper (1993) afirmam que a compatibilidade entre

culturas afeta o resultado de processos de fusões e aquisições, bem como as interpretações e

representações culturais desta mudança organizacional. De fato, diferenças culturais foram

descritas como a maior causa dos problemas em fusões e aquisições (VAARA, 2002).

Enquanto em fusões e aquisições domésticas existe o confronto entre culturas

organizacionais, em fusões e aquisições internacionais o confronto pode envolver tanto

culturas nacionais como organizacionais. A complexidade das fusões e aquisições

internacionais reside no fato de que estas operações envolvem a integração de dois níveis

culturais: o organizacional e o nacional.

68

Embora as culturas nacionais e organizacionais estejam relacionadas, Weber, Shenkar

e Raveh (1996) distinguem estes construtos. Para estes autores, enquanto a cultura nacional

forma os valores individuais nos primeiros estágios de socialização, a cultura corporativa

envolve a subseqüente aquisição de práticas organizacionais e símbolos empresariais.

Comparando fusões e aquisições domésticas e internacionais, Weber, Shenkar e Raveh (1996)

descobriram que em operações internacionais as ocorrências de estresse, atitudes negativas

em relação à fusão e cooperação resultam antes das diferenças entre culturas nacionais do que

das diferenças entre culturas corporativas. Culturas nacionais não estão confinadas a

fronteiras geográficas. Os membros de uma nação compartilham um conjunto de experiências

comuns, temas e instituições que modelam a orientação de seus valores. Estes fatores incluem

geografia, clima, economia, sistema político, miscigenação racial, composições religiosas,

mídias, linguagem, sistema educacional e muitos outros aspectos intangíveis que moldam um

perfil nacional único, o qual é mais aparente para estrangeiros do que para os próprios

membros de uma nação (VERY; LUBATKIN; CALORI, 1996).

De acordo com Wiseman e Shuter (1994), a literatura voltada à influência das culturas

nacionais sobre o comportamento organizacional pode ser dividida em duas grandes áreas:

emic e etic20. O enfoque emic refere-se às especificidades de cada país, descrevendo

particularidades de cada cultura nacional. Uma abordagem etic agrupa culturas nacionais de

acordo com valores partilhados. A maioria das pesquisas na tradição divergente é de natureza

etic, comparando países, agrupando culturas similares, identificando dimensões para

caracterizar as diferenças entre os países em estudo ou dividindo o mundo em zonas

(RONEN; SHENKAR, apud DERESKY, 1997) . Um estudo significativo na perspectiva

divergente é a pesquisa de Hofstede (1980).

Hofstede (1991) define cultura como “softwares coletivos da mente” e distingue

culturas nacionais segundo as seguintes dimensões: distância de poder,

individualismo/coletivismo, masculino/feminino, ‘evitar incerteza’21 e orientação de longo

prazo/curto prazo. A primeira dimensão, distância de poder, refere-se ao modo como as

20 A classificação das pesquisas em etic ou emic é mais freqüente em países anglo-saxões. Como essa distinção não é uma prática corrente entre os pesquisadores brasileiros, não foram encontradas expressões equivalentes na língua portuguesa para tradução destes termos, sendo necessário explicá-los. Uma teoria etic deriva de pesquisas direcionadas por um ponto de vista externo, do pesquisador. Pesquisas de postura emic partem de uma perspectiva interna sob a ótica do participante, considerando o ponto de vista dos indivíduos, grupos, sociedades ou culturas estudadas (GUBA; LINCOLN, 1994). Outras literaturas utilizam as expressões latinas ad extra e ad intra para diferenciar estas formas de pesquisas. 21 A dimensão uncertainty avoidance, apresentada por Hosfede (1980), foi traduzida para o português de diversas maneiras, tais como fuga à incerteza, medo da incerteza, evitação da incerteza, entre outros.

69

pessoas aceitam desigualdades de poder. Nas organizações esta dimensão influencia reações à

hierarquia, centralização em processos de tomada de decisão, privilégios e status. A dimensão

individualismo/coletivismo avalia se o foco das ações é guiado por valores individuais ou

grupais, constituindo uma referência do quanto os indivíduos se sentem responsáveis pelos

que estão a sua volta. Se valorizam a participação social, ou a individualidade e objetivos

individuais. Em ambientes organizacionais, estes valores podem afetar contratos e

negociações. Distinções de gênero são avaliadas por meio da dimensão masculino/feminino.

Enquanto culturas “masculinas” valorizam ambição, afirmação, segurança, alcance de

objetivos, competitividade e materialismo; culturas “femininas” procuram consenso,

valorizam os relacionamentos, o bem-estar dos outros e aspectos ambientais. Hofstede ainda

distingue culturas nacionais pelo grau de conforto diante de ambiguidades e incertezas. A

dimensão ‘evitar incerteza’ representa os níveis de tolerância a situações inesperadas ou

desconhecidas, bem como a propensão ou aversão ao risco. Isto é, analisa a extensão da

ansiedade e inquietação que as pessoas sentem ao encarar situações inesperadas ou incertas.

Finalmente, a chamada dimensão confucionista, distingue a orientação de longo prazo/curto

prazo e mede a expectativa de tempo para o retorno ou recompensa de uma certa tarefa.

Refere-se também à ética dos funcionários e ao respeito pela tradição.

Conforme a diferença entre os scores nas dimensões propostas por Hofstede, define-se

a distância entre culturas nacionais, o que demonstra o grau pelo qual as normas culturais de

um país diferem das normas culturais em outro país (MOROSINI; SHANE; SINGH, 1998).

No entanto, é questionável a suposição de que o termo “distância” signifique “incongruência”

(WEBER; SHENKAR; RAVEH, 1996). As diferenças entre culturas nacionais não implicam

necessariamente em estresse cultural, ao contrário podem representar uma atração cultural

(VERY; LUBATKIN; CALORI, 1996). Como demonstram as pesquisas de Weber, Shenkar e

Raveh (1996) e Very, Lubatkin e Calori (1996), expansões internacionais realizadas por meio

de fusões e aquisições podem ser motivadas pela busca de parceiros que apresentem

diferenças culturais com o objetivo de diversificar o espectro de atividades da organização

adquirente e para que esta possa aprender com seus parceiros locais. Nestes casos, as

diferenças culturais são complementares e representam uma fonte de vantagem competitiva.

Analisando 52 aquisições internacionais, Morosini, Shane e Singh (1998) concluem que

quanto maior a distância cultural entre o país adquirente e o país-alvo das aquisições, maior o

percentual de aumento de vendas das empresas adquiridas num período de dois anos após a

aquisição. As diferenças culturais tornam-se um mecanismo para que empresas

70

multinacionais sejam capazes de acessar rotinas e repertórios diversos, os quais possuem o

potencial de aumentar a performance (mesurada pelo percentual de aumento de vendas) da

nova empresa ao longo do tempo.

Seguindo essa perspectiva, a compatibilidade cultural não significa uma completa

integração ou aculturação. Compatibilidade cultural sugere respeito pela pluralidade, e as

organizações servem-se da diversidade cultural para criar vantagens competitivas. Chatterjee

et al. (1992) propõem que deva existir uma tolerância ao multiculturalismo, pois a imposição

de objetivos e decisões às empresas adquiridas pode ser disfuncional. Bijlsma-Frankema

(2001) sugere um diálogo regular entre os parceiros para compreender e, se possível, aprender

o esquema cultural “do outro”.

De fato, a complexidade das operações internacionais é em grande parte atribuída à

falta de familiaridade com os mercados estrangeiros (CULLINAN; HOLLAND, 2002). Existe

um ‘medo’ generalizado do encontro com ‘o outro’, geralmente representado como algo

estranho, desconhecido. É esta percepção das diferenças culturais nacionais que provoca o

estresse cultural das fusões e aquisições internacionais (VERY; LUBATKIN; CALORI,

1996).

Assim sendo, a literatura da divergência diferencia fusões e aquisições domésticas e

internacionais em função de aspectos culturais e da interação entre culturas nacionais.

Enfatizando a importância da cultura, esta abordagem negligencia a análise de fatores

contextuais ou considera-os como causas e (ou) conseqüências da cultura. No entanto, esta

pesquisa compreende que o estudo de fusões e aquisições internacionais contempla a análise

tanto de fatores contextuais como de aspectos culturais. Diante disso, a seção seguinte sugere

uma releitura das fusões e aquisições internacionais.

2.3.3 Redefinição de Fusões e Aquisições Internacionais

Apesar das culturas nacionais apresentarem-se como uma explicação genérica para as

particularidades dos processos de fusões e aquisições internacionais, esta posição pode

denotar um reducionismo cultural. No entanto, mesmo que cultura seja um termo

extremamente amplo e de difícil definição, aspectos culturais não podem ser ignorados no

estudo de fusões e aquisições internacionais. Afinal, estas fusões e aquisições não

71

representam apenas um movimento entre fronteiras geográficas, mas implicam uma ação

organizacional conjunta envolvendo diferentes culturas.

Enquanto a literatura da convergência ignora diferenças culturais e advoga a

adequação a fatores contextuais e o universalismo de princípios organizacionais uniformes, a

literatura da divergência evidencia as singularidades culturais. Em uma perspectiva

convergente, fusões e aquisições internacionais apresentariam os mesmos desafios que

operações domésticas e diferenciam-se destas apenas em termos de escala. Sob a ótica da

convergência, práticas administrativas, globalmente difundidas, são mais fortes que qualquer

característica cultural local. A perspectiva divergente aceita a influência das culturas locais e

localiza a singularidade dos processos de fusões e aquisições internacionais na interação entre

culturas nacionais. No entanto, nenhuma destas perspectivas é capaz de explicar sozinha as

particularidades das fusões e aquisições internacionais. Ao mesmo tempo em que as

operações internacionais apresentam desafios similares aos processos domésticos, as práticas

organizacionais são culturalmente saturadas (mesmo em contextos domésticos), o que

certamente afeta processos de fusão e aquisição.

Para compreender fusões e aquisições internacionais, as pesquisas buscam conciliar as

perspectivas divergentes e convergentes. Integrando estas perspectivas, Kogut, Walker e

Anand, (2002) postulam a existência de formas organizacionais convergentes em ambientes

nacionais divergentes. Afinal, em suas ações diárias, indivíduos e organizações ao mesmo

tempo em que estão lidando com pressões ambientais, tecnológicas e sociais para se tornarem

uniformes, estão mantendo suas diferenças culturais (STOHL, 2001). Esta é a dinâmica

dialética da globalização (IANNI, 1995) pela qual se difundem preceitos globais enquanto se

reforçam singularidades culturais locais.

Diferente dos primeiros conceitos de convergência e divergência, as atuais teorias da globalização tentam capturar as forças opostas e dialéticas que simultaneamente suprimem, matem e maximizam a homogeneidade/heterogeneidade dos sistemas globais (STOHL, 2005, p. 244, tradução livre).

Convergência e divergência talvez não sejam pólos de um único continuum, mas

dimensões distintas da análise de operações internacionais. Como eixos de análise ortogonais,

convergência e divergência mantêm suas particularidades e contribuem concomitantemente

para a compreensão da dinâmica global. Podem ser citados como exemplos os mercados

financeiros que convergem em suas práticas globais ao mesmo tempo em que divergem

conforme legislações e instituições locais. Da mesma forma, algumas indústrias podem

apresentar tecnologia convergente (mundialmente uniforme), mas o comportamento dos

72

consumidores pode ser culturalmente determinado (altamente divergente). Uma representação

gráfica desta proposta é apresentada na figura 10.

Convergências globais

Tecnologia

+ Operações financeiras

Divergências

Locais

-

+ Comportamento

do consumidor -

Figura 10 – Exemplo hipotético de análise da dinâmica global/local Fonte: Formulação da autora

Segundo essa análise, em alguns aspectos as organizações convergem, em outros

divergem; mas alta convergência não significa baixa divergência. Convergência e divergência

representam escalas, distintas de congruência global e de influência cultural local. Embora

sejam conceitos inter-relacionados, convergência e divergência são dimensões distintas de

uniformidade mundial e diversidade cultural.

Esta tese compreende a dinâmica global como a interação de aspectos globais e locais,

ou seja, a partir da integração das óticas divergentes e convergentes. Partindo desta

perspectiva integradora que esta pesquisa delineará um marco teórico para a análise da

comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais. Pois, como será

apresentado a seguir, estas perspectivas também podem ser diferenciadas na maneira pela

qual abordam a comunicação organizacional.

2.4 Comunicação em Fusões e Aquisições Internacionais

Assim como as operações internacionais são estudadas por perspectivas distintas

(convergência e divergência), a análise da comunicação organizacional depende da maneira

pela qual se compreende este objeto de estudo como apresentado anteriormente. Do mesmo

modo, os estudos sobre a comunicação em processos de fusão e aquisição variam de acordo

com as abordagens utilizadas para compreender a singularidade das operações internacionais

e a comunicação organizacional.

A literatura sobre fusões e aquisições tem enfatizado a importância da comunicação

neste tipo particular de mudança organizacional. De acordo com Sirower e Lipin (2003), a

73

comunicação estratégica determina o sucesso ou fracasso dos processos de fusão, desde as

primeiras reações dos acionistas até a integração cultural. Nikandrou, Papalexandris e

Bourantas (2000) apresentam a comunicação freqüente e a qualidade das relações com os

funcionários como variáveis importantes na construção da confiança gerencial e na redução

das reações negativas em processos de fusões e aquisições. Para Balmer e Dinnie (1999), as

chances de sucesso em fusões e aquisições aumentam quando os gestores direcionam sua

atenção às melhores práticas em identidade e comunicação organizacional.

Embora se afirme a importância da comunicação em processos de fusões e aquisições,

as pesquisas nesta área são sobretudo prescritivas (CORNETT-DEVITO; FRIEDMAN,

1995). Isto porque a comunicação é predominantemente compreendida como uma ferramenta

para troca de informação a fim de alcançar um nível ideal de integração que construa formas

organizacionais convergentes, ou seja, destaca-se uma visão funcionalista da comunicação.

Dentro da perspectiva instrumental, em fusões e aquisições a comunicação é

importante na busca de integração entre as unidades fusionadas e adquiridas (GUTKNECHT;

KEYS, 1993; HOWARD; GEIST, 1995). Integrações efetivas são definidas como a

combinação de duas firmas em uma única unidade ou grupo, gerando esforços conjuntos para

alcançar os objetivos da nova organização (OLIE, 1994). No entanto, uma aquisição nem

sempre conduz à fusão completa ou à formação de uma única estrutura. Em decorrência disso,

os esforços de comunicação, bem como os níveis de mudança organizacional irão variar em

função do grau de integração desejado. De acordo com os objetivos estratégicos, os

adquirentes podem pretender a preservação das diferenças culturais (nacionais ou

organizacionais) para criar vantagens competitivas.

Admitir que o resultado dos processos de fusões e aquisições pode variar de acordo

com os objetivos visados e com os níveis de integração pretendidos é reconhecer a

importância de fatores contextuais. Reconhecer que as operações estão sujeitas a

contingências infere princípios da teoria da convergência, que afirma que os fatores

ambientais definem a configuração das organizações. Como foi sugerido anteriormente, sob a

perspectiva convergente não existe diferença de análise entre fusões e aquisições domésticas

ou internacionais e o mesmo se aplica à análise da comunicação.

Nessa ótica funcional e uniforme, enquanto estruturas e práticas gerenciais convergem,

as prescrições para a comunicação são as mesmas, independente das fusões e aquisições

serem domésticas ou internacionais. Em ambos os casos, a comunicação é percebida como

74

uma ferramenta gerencial de transmissão de informação, a ser constantemente empregada de

forma transparente e constante (ZIMMERMANN, 2002). Griffith (2002) sugere que pela

administração pró-ativa dos processos de comunicação em suas relações internacionais, uma

empresa pode desenvolver fortes parcerias diante da incongruência de culturas nacionais e

(ou) organizacionais, facilitando uma resposta rápida às oportunidades e aos desafios do

mercado, aumentando, desta forma, a performance organizacional. Na percepção

funcionalista da comunicação em fusões e aquisições, um conselho comum é “comunique

logo e comunique freqüentemente”. Enfoques funcionalistas prescrevem três regras de ouro:

“comunique, comunique e então comunique ainda mais” (ASHKENAS; DEMONACO;

FRANCIS, 2001, p. 172, tradução livre). De um ponto de vista funcional, estas

recomendações são válidas e efetivamente determinam o alcance dos objetivos de fusões e

aquisições, internacionais ou domésticas.

Na perspectiva convergente e funcionalista, a comunicação aparece também como um

meio de conexão aproximando recursos e contingências que facilitam a transformação

organizacional e a sobrevivência em um ambiente global (STOHL, 2001). É por meio da

comunicação que se torna possível a emergência de configurações organizacionais uniformes,

porque a comunicação é compreendida como uma ferramenta de coordenação e negociação

em ambientes complexos. A comunicação é vista como um instrumento responsável pela

partilha de informação e difusão de modelos organizacionais globalmente uniformes. A

comunicação gera conhecimento, produz inovação, cria ambientes de aprendizagem, estimula

a adaptação e respostas a mudanças rápidas, além de direcionar a eficiência. Num modelo

funcionalista, a comunicação é um instrumento de padronização organizacional.

Dentro da literatura da convergência, a comunicação é percebida como um processo

que ocorre nas organizações, conforme descrito anteriormente. A compreensão funcionalista

da comunicação é coerente com a literatura da convergência dos princípios organizacionais

universais, pois tradicionalmente a pesquisa convergente opera dentro de uma estrutura de

racionalidade técnica-instrumental, preocupada predominantemente com questões de eficácia

organizacional (STOHL, 2001).

Por outro lado, a abordagem divergente reconhece especificidades culturais e

apresenta uma compreensão interpretativa e processual da comunicação. No entanto, a

maioria das pesquisas na tradição divergente concentra-se em comportamento organizacional

sem se referir a aspectos comunicacionais (WISEMAN; SHUTER, 1994).

75

Embora a comunicação seja um processo específico do universo cultural, ela é uma

manifestação e uma elaboração da cultura, assim como a cultura pode ser analisada como uma

prática comunicativa (STOHL, 2001). Para compreender como comunicação e cultura estão

inextricavelmente e reciprocamente unidas, é preciso considerar a dinâmica da construção

social da realidade, como proposto por Berger e Luckmann (1967).

Assim, a comunicação, em seu caráter constitutivo de uma realidade social interativa,

dinâmica e emergente, torna-se um construto central das análises culturais pertinente a

abordagens divergentes. A comunicação é analisada como um processo organizacional

interativo, responsável pela construção de significados para formação e perpetuação da

organização resultante dos processos de fusões e aquisições internacionais, a qual abriga

diversas culturas nacionais. Analisada sob a ótica interpretativa, a comunicação possibilita

que os diversos atores organizacionais sejam capazes de dar sentido à experiência de mudança

que estão vivenciando. Em fusões e aquisições internacionais este processo de produção de

significado é complexo, pois envolve atores com diferentes backgrounds, com estruturas

mentais distintas que utilizam esquemas interpretativos desiguais para compreender a

realidade em que vivem. No encontro destas múltiplas experiências culturais, produzem-se

interações interculturais, que sob uma perspectiva divergente diferenciam operações

domésticas e internacionais.

Fusões e aquisições internacionais aumentam o índice de exposição das organizações a

ambientes culturais distintos, o que gera incertezas (de objetivos, de poder, de compreensão,

de comunicação, de experiências, de sucesso e até mesmo de modos organizacionais). Por sua

vez, as incertezas são geradas por uma comunicação pouco clara ou até mesmo inexistente. A

interpretação e compreensão do novo ambiente cultural serão facilitadas se a comunicação

estiver em foco durante todo o processo de aquisição. Com isso, muitas dessas incertezas

podem ser reduzidas ou completamente evitadas (RISBERG, 1997).

A literatura da divergência comporta o conceito da comunicação como processo

“organizante” das relações sociais. Incorporando o conceito de “comunicação como

organizações” o conceito de eficácia organizacional em negócios internacionais é

representado pela habilidade de pessoas oriundas de diferentes culturas em trabalhar de forma

conjunta, ou seja, produzindo interações interculturais efetivas. Na literatura sobre a

divergência, a comunicação é percebida sob a ótica interpretativa, a qual compreende a

influência da comunicação e das práticas locais na formação de culturas nacionais.

76

Sob a perspectiva construtivista, Giroux (1999-2000) propõe um modelo de análise da

comunicação em fusões e aquisições (figura 11). Para compreender este modelo é preciso

explicitar que esta autora concebe fusões e aquisições como um processo de reorganização, ou

seja, um processo de reconstrução/recriação de uma organização. A reorganização

desencadeada por fusões e aquisições implica mudanças em diversos níveis da organização,

como: entidade, sistema, comunidade de práticas e coletivo (estes níveis estão representados

na coluna à esquerda da figura 11).

Figura 11 – O processo de “reorganização” de fusões e aquisições Fonte : Adaptado de Giroux (1999-2000)

Como entidade, a organização busca unidade a partir da diversidade das organizações

envolvidas na fusão e aquisição. A organização transforma-se para ser socialmente

reconhecida como uma entidade única e legítima; reconhecimento este que ultrapassa as

dimensões legais e jurídicas. Como sistema22, a organização re-organiza a sua missão e visão,

o seu planejamento estratégico, as suas relações com o ambiente externo e as inter-relações

entre os subsistemas internos, seus funcionários, suas divisões de funções e tarefas, suas 22 O enfoque sistêmico é uma corrente de pensamento estabelecida na teoria da administração. As referências às mudanças nas organizações como sistema são inspiradas nesta abordagem.

CONCEPÇÃO

TRADUÇÃO

REALIZAÇÃO

Processo contínuo de criação, manutenção e transformação do coletivo

MOMENTOS-CHAVE

CADEIA DE CONVERSAÇÕES

Conselho de guerra

Conclave Assembléia de chefes

Reuniões de família

Sessões de trabalho

Tomada de conhecimento

Reação à mudança

NÍVEIS DE

ORGANIZAÇÃO

Entidade

Sistema

Comunidades de práticas

Coletivo

FASES DO PROCESSO:

77

políticas de gestão, seus processos e manuais de procedimentos, enfim, toda a organização

como um sistema de ação coletiva que organiza a distribuição de recursos. A visão das

organizações como comunidades de práticas sugere que na efetiva realização das atividades

produtivas os indivíduos constroem um conhecimento tácito somente apreendido nas

interações cotidianas. Processos de fusões e aquisições implicam que estes grupos produtivos

elaborem novos conhecimentos. Por fim, é preciso reestruturar a dinâmica e a rede de relações

humanas que compõem as organizações como coletivo.

Os quatro níveis organizacionais coexistem e são interligados. A entidade (pessoa

jurídica e simbólica) procura a legitimidade da ação organizacional; o sistema fornece as

regras que controlam a combinação e utilização de recursos; a comunidade de prática, no

nível produtivo, concretiza o projeto organizacional; e o coletivo humano fornece a energia

criativa e os vínculos interpessoais para a efetivação das atividades organizacionais. A

organização como entidade serve de referencial legal e imaginário para a construção do

sistema e para sua realização em uma organização humana e produtiva.

Para Giroux (1999-2000, p. 18, tradução livre), a reorganização, compreende

mudanças nesses quatro níveis organizacionais, as quais são “concebidas e implementadas por

seres humanos em suas interações”. Assim, a organização

é criada no cotidiano […] os diferentes ‘níveis de organização’ são elaborados por vários grupos de pessoas engajados em conversações simultâneas ou seqüenciais. A nova organização gerada nas fusões e aquisições é resultado de uma ação coletiva de recomposição se realizando não ‘pela’ comunicação (perspectiva instrumental funcionalista) mas ‘na’ comunicação (perspectiva processual construtivista) (GIROUX, 1999-2000, p. 18, tradução livre).

Segundo Giroux (1999-2000), esta reorganização ocorre por meio da comunicação

pela evolução de uma cadeia de conversações e se desenvolve em um processo de três fases:

concepção, tradução e realização. Concepção e realização referem-se, respectivamente, à

formulação e implementação da estratégia. A fase intermediária, tradução, corresponde ao

momento de comunicação e operacionalização da estratégia, na qual o planejamento se

desdobra em planos de ação, tornando-se inteligível, conhecido e executável. Ao longo do

processo observam-se esforços de comunicação, tais como: a coleta de informações, a

interpretação dos dados, a negociação das condições da transação, a difusão do anúncio da

fusão e aquisição, a mobilização das partes envolvidas, a socialização e aculturação dos

funcionários e a coordenação do trabalho.

A evolução da reorganização, fruto das fusões e aquisições, compreende várias tarefas

efetuadas por diferentes grupos nas organizações. A execução destas tarefas envolve a

78

comunicação interpessoal, grupal e organizacional. As tarefas realizam-se em uma cadeia de

conversações deliberadas ou emergentes. Estas conversações variam conforme os níveis

hierárquicos em que se produzem, os membros da organização que estão envolvidos, os

objetos em pauta; e a dimensão temporal e espacial em que ocorrem. Assim sendo, Giroux

(1999-2000) identifica seis formas de conversações ao longo do desenvolvimento de

processos de fusões e aquisições: o conselho de guerra, o conclave, a assembléia de chefes, as

reuniões de família reconstituídas e as conversações de trabalho. Estas conversações são

pontuadas pelos eventos críticos que marcam as etapas do processo; neste modelo estes

momentos-chave são a tomada de conhecimento da mudança e as reações que esta mudança

desencadeia.

O conselho de guerra refere-se às conversações estratégicas em torno das fusões e

aquisições a serem realizadas. Estas conversas envolvem a coleta e análise de informações

ambientais, bem como a lógica desta manobra estratégica. É por meio destas interações que os

dirigentes elaboram um discurso que justifica a mudança a ser realizada e criam a visão da

organização a ser constituída. O conclave envolve as conversações em torno da negociação

que efetivará as fusões e aquisições e estabelecerá as condições da transação. Mesmo que esta

etapa do processo seja sigilosa, é comum o aparecimento de rumores à medida que as pessoas

percebem a mudança em vias de realização. A assembléia de chefes engloba as conversações

realizadas pelo time de transição ou equipe de integração, conforme for o termo designado

para identificar o grupo responsável pela mudança que pode ser constituído tanto por

membros procedentes das organizações envolvidas como por consultores externos. Esta

assembléia realiza o processo de “tradução” da mudança que será difundida em cascata aos

demais níveis hierárquicos da organização. Nas reuniões de famílias desenrolam-se as

conversações entre as unidades e os departamentos fusionados. As sessões de trabalho

compreendem as conversações internas aos grupos de trabalho e inerentes às suas interações

cotidianas.

Em síntese, Giroux (1999-2000) elabora um modelo que considera fusões e aquisições

como um fenômeno complexo que envolve mudanças em diferentes níveis de organização

que serão transformados pelo discurso em uma cadeia de conversações marcada por

momentos-chave. A partir de uma perspectiva construcionista e sob um foco comunicacional,

o modelo proposto elucida como a comunicação define a emergência de uma nova

organização, resultado das fusões e aquisições. A comunicação como processo “organizante”

permeia as interações humanas que se desenvolvem ao longo dos processos de fusões e

79

aquisições. Todavia, o modelo analítico apresentado não considera o contexto no qual as

fusões e aquisições se desenvolvem.

Fusões e aquisições internacionais envolvem aspectos contextuais inerentes à

dinâmica global/local, evidenciando ou minimizando a influência das culturas nacionais em

operações internacionais. Para análise da comunicação em fusões e aquisições internacionais,

pode-se partir da investigação de conversações em seu caráter local, como propôs Giroux

(1999-2000), para considerar especificidades contextuais e culturais. Quando o modelo sugere

a observação da comunicação nas interações locais, implicitamente ele permite a

compreensão de aspectos interculturais, pois as interações em fusões e aquisições

internacionais são permeadas por nuances culturais. As práticas locais sempre estão

enraizadas em culturas nacionais. Em contextos internacionais, a cadeia de conversações

locais iniciada após fusões e aquisições será caracterizada por interações interculturais que

irão modelar e definir a reorganização em curso. Em fusões e aquisições internacionais é

preciso considerar fatores contextuais, pois conversações realizadas em contextos culturais

diferentes podem gerar processos e resultados distintos.

Seguindo essa linha de pensamento, esta pesquisa parte da premissa que o que

diferencia a comunicação em fusões e aquisições internacionais é um conjunto de interações

interculturais, isto é, a confrontação e o ajuste intermitente e contínuo entre diversas culturas

nacionais e tendências globalizantes. Stohl (2001) afirma que a dinâmica da globalização é

um processo culturalmente saturado e que pode ser compreendido melhor quando a atenção se

volta não apenas às restrições e demandas do ambiente global, mas também aos significados,

às interpretações e atividades que dão sentido e constituem as organizações multinacionais. A

comunicação tanto pode reduzir ambigüidades e estresses culturais como pode evidenciar a

diversidade cultural.

Em um processo complexo de mudança organizacional, como é o caso de fusões e

aquisições internacionais, a reação dos membros organizacionais, bem como potenciais

interações entre eles, dependem da compreensão da situação e de sua aceitação como

legítima. Como afirma Bijlsma-Frankema (2001), em processos de integração e adaptação

cultural, a legitimação da mudança é fator primordial. Segundo Demers, Giroux e Chreim

(2003), a legitimação de fusões e aquisições é alcançada por meio de processos de

comunicação. A busca pela legitimação salienta a importância da comunicação organizacional

nestes contextos, pois é por meio da comunicação que os membros da organização

compreendem e atribuem significados à situação vivenciada.

80

Para dar sentido e legitimar os processo de fusões e aquisições muitas metáforas são

utilizadas. Fitzgibbon e Seeger (2002) demonstram como a globalização é empregada como

justificativa da fusão entre Daimler Benz e Chrysler. Demers, Giroux e Chreim (2003),

analisando o anúncio de quatro casos de fusões e aquisições entre bancos da província do

Québec no Canadá, demonstram como a metáfora do casamento foi utilizada em narrativas

distintas para justificar as fusões e aquisições realizadas. Estes ‘casamentos corporativos’

foram anunciados como: união de famílias, casamento racional, casamento orientado ao

futuro e casamento baseado em afinidades. Por meio destas narrativas, as organizações

estudadas pelas autoras foram capazes de legitimar o processo de fusão e aquisição que

implementavam, apresentando à comunidade interna e externa esta estratégia como uma ação

coerente, lógica e racional. Segundo Weick (1995), as organizações engajam-se em processos

de racionalização retrospectiva para dar sentido às suas ações. Em um contínuo esforço de

racionalização retrospectiva, as organizações constroem narrativas para justificar fusões e

aquisições, o que posiciona a comunicação como um elemento central na legitimação destas

estratégias (DEMERS; GIROUX; CHREIM, 2003).

Em síntese, na perspectiva da divergência, a comunicação em um contexto de fusões e

aquisições internacionais é vista como um processo constitutivo e determinante das interações

interculturais. A comunicação está presente nos processos de legitimação, justificação ou

compreensão pós-factum da mudança vivenciada ou em processos interativos in-factum, nas

contínuas interações locais que estruturam e reorganizam as entidades organizacionais

envolvidas em fusões e aquisições internacionais.

No entanto, essa perspectiva interpretativa e divergente da comunicação não é

suficiente para apreender a complexidade do fenômeno da comunicação em fusões e

aquisições internacionais, pois é preciso incorporar aspectos convergentes do ambiente global

e características funcionalistas da comunicação organizacional. Por exemplo: instrumentos e

políticas para transmissão de informação e integração das organizações fusionadas; os

processos humanos presentes nas interações locais; e as interpretações e justificativas

utilizadas para compreender esta mudança que reestrutura a organização em todos os seus

níveis.

Sendo assim, é necessário elaborar um marco teórico para compreender a

comunicação em processos internos às organizações envolvidas em fusões e aquisições

internacionais. Este referencial teórico considera a comunicação em seus aspectos materiais e

81

subjetivos, admitindo que no contexto de fusões e aquisições internacionais intervêm

princípios organizacionais universais e aspectos culturais locais.

Em resumo, a revisão de literatura sugere que a elaboração do marco teórico seja

orientada pelas seguintes premissas:

a) os aspectos subjetivos e objetivos da realidade social são indissociáveis;

b) a dinâmica social desenvolve-se entre estabilidade e flexibilidade;

c) processos de comunicação são de natureza dual, além de seu caráter objetivo e

funcional responsáveis pela transmissão da informação, são também processos

subjetivos, responsáveis pela criação, compreensão e interpretação da realidade

social construída em interações;

d) ações organizacionais são atividades de comunicação, assim sendo, processos de

concepção, formulação e implementação de estratégias podem ser concebidos como

processos comunicacionais;

e) em um ambiente internacional, as organizações simultaneamente convergem em

suas práticas globais e divergem em suas práticas locais; convergência e

divergência são dimensões de análise distintas;

f) a comunicação em fusões e aquisições internacionais é caracterizada por um

conjunto de interações interculturais, em que culturas nacionais e tendências

globalizantes são confrontadas e ajustadas intermitentemente.

A construção do marco teórico é balizada por uma investigação empírica cujos

procedimentos metodológicos são apresentados na seção seguinte.

82

3 METODOLOGIA

A partir do problema de pesquisa proposto e dos conhecimentos sintetizados na

revisão de literatura, este capítulo descreve o referencial metodológico utilizado neste estudo

para elaboração do marco teórico de análise da comunicação nos processos internos às

organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais. São apresentados: o

delineamento, a perspectiva e estratégia de pesquisa, a especificação do problema, as fontes e

os métodos de coleta e análise dos dados, assim como o desenvolvimento da pesquisa.

3.1 Delineamento e Perspectiva da Pesquisa

A utilização de uma abordagem subjetiva apresentou-se como uma alternativa

metodológica adequada, pois analisou-se um fenômeno social complexo – a comunicação em

processos de fusões e aquisições internacionais. Assim sendo, a pesquisa orientou-se por uma

perspectiva qualitativa. Pesquisas qualitativas investigam fenômenos fugidios que não são

mensuráveis, mas que podem ser qualificáveis. Dentre as diversas formas de análise

qualitativa existentes (alguns exemplos são a Fenomenologia, a Hermenêutica ou a

Heurística), esta pesquisa seguiu os princípios da grounded theory, uma metodologia de

análise comparativa constante (GLASER; STRAUSS, 1967).

Segundo Strauss e Corbin (1994), a grounded theory é uma metodologia genérica para

o desenvolvimento de teorias fundamentadas em dados sistematicamente coletados e

analisados. De acordo com estes autores, a grounded theory partilha com outros métodos de

análise qualitativa as seguintes características: utiliza as mesmas fontes de dados (entrevistas,

observações etc.); pode utilizar dados quantitativos ou combinar técnicas quantitativas e

qualitativas; advoga a viabilidade das ciências sociais; redefine e questiona os princípios de

cientificidade; caracteriza-se como um trabalho interpretativo, que inclui as perspectivas

daqueles que são sujeitos da investigação; e assume a subjetividade dos pesquisadores, ou

seja, aceita a sua influência sobre o processo de pesquisa.

A grounded theory distingue-se dos demais métodos de investigação qualitativa pelos

seguintes fatores: enfatiza o processo de desenvolvimento da teoria; na grande maioria dos

83

casos desenvolve teorias substantivas23; esforça-se para gerar e verificar hipóteses ao longo do

processo de pesquisa; desenvolve teorias de grande densidade conceitual24; e por um

procedimento metodológico que realiza comparações constantes (STRAUSS; CORBIN,

1994).

Esta escolha metodológica é coerente com o objetivo desta pesquisa, a elaboração de

marco teórico que possibilite a análise da comunicação nos processos internos às

organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais. Isto porque a grounded theory

propõe a emergência de teorias fundamentadas na realidade, por meio da contínua observação

empírica e constante confrontação dos dados observados com o referencial teórico de base.

A grounded theory é uma lógica de pesquisa qualitativa originária do interacionismo

simbólico. A perspectiva interacionista preocupa-se com o estudo de significados emergentes,

os quais se produzem por meio de interações cotidianas. Tais interações manifestam-se em

múltiplas formas, dentre elas as realidades organizacionais. O interacionismo compreende a

realidade social como interativa, dinâmica e emergente. De acordo com os princípios da

grounded theory, o conhecimento é ativa e socialmente construído. Esta perspectiva é

apropriada para a análise dos processos de comunicação, pois considera a construção social da

realidade por meio de interações (BERGER; LUCKMANN, 1967; WEICK, 1979, 1995).

Como toda escolha metodológica implica posicionamentos filosóficos, ontológicos e

epistemológicos, a grounded theory situa-se no paradigma interpretativo (BURREL;

MORGAN, 1979). Métodos da escola interpretativa visam compreender um fenômeno social

extraindo as dimensões únicas de uma situação, enquanto enfoques funcionalistas buscam a

formação de leis gerais aplicáveis aos comportamentos sociais (LARAMÉE; VALLÉE,

2001). Embora utilize um método interpretativo, esta pesquisa não ignora as propriedades

materiais de seu objeto de estudo (como explicitado anteriormente na revisão de literatura,

item 2) e sugere a construção de uma teoria transparadigmática para análise da comunicação

organizacional em fusões e aquisições internacionais.

23A grounded theory “gera teoria substantiva que difere da teoria formal, portanto, ao passo que a última é mais geral e se aplica a espectro maior de problemas, a primeira é específica para determinado grupo ou situação e não visa a generalizar além de sua área substantiva” (BANDEIRA-DE-MELLO; CUNHA, 2004, p.160). Teorias substantivas não visam a generalizações, são empíricas e específicas a uma determinada área de investigação (GLASER; STRAUSS, 1967). Segundo Strauss e Corbin (1994), a maioria das formulações teóricas desenvolvidas pela grounded theory referem-se a teorias substantivas. 24 Densidade conceitual denota a riqueza do desenvolvimento do conceito e de suas associações com outros conceitos (STRAUSS; CORBIN, 1994).

84

Contrariamente à abordagem teórica formal e abstrata, a grounded theory propõe a

construção teórica indutiva, isto é, o desenvolvimento de referenciais teóricos a partir dos

próprios dados e observações coletadas pela pesquisa. Pela grounded theory, as teorias se

desenvolvem a partir de observações do mundo muito próximas e localizadas. Para Glasser e

Strauss (1967), teorias fundamentadas na realidade possuem maior poder explicativo do que

teorias formuladas por deduções lógicas a partir de suposições a priori. Para estes autores,

teorias eficazes: enquadram-se à área de conhecimento em que serão utilizadas; são

compreensíveis mesmo para leigos; e suficientemente genéricas, permitindo àqueles que dela

façam uso um controle parcial sobre as situações a que se aplicam.

Segundo Isabella (1990), a metodologia proposta pela grounded theory requer que

dados e teoria sejam constantemente comparados ao longo do processo de coleta e análise dos

dados. A teoria em evolução direciona a atenção à dimensões preestabelecidas, enquanto os

dados demonstram a adequação da teoria como referencial para análise dos dados que estão

sendo coletados. Do movimento entre elementos teóricos e empíricos resulta a reconceituação

capaz de explicar nuances do fenômeno em estudo. Desta forma a teoria é construída e

validada simultaneamente pela constante comparação entre a realidade observada e a análise

emergente (PAILLÉ, 1994).

Para Glasser e Strauss (1967), toda produção teórica envolve um processo de pesquisa

empírica, nenhuma teoria é independente do processo pelo qual foi gerada. Assim sendo, a

construção teórica é uma atividade constante ao longo da pesquisa. Por meio da grounded

theory a descoberta de teorias realiza-se a partir de dados sistematicamente obtidos pela

pesquisa social. Gerar teoria a partir dos dados significa que hipóteses e conceitos, em sua

maioria, são originários dos dados e são sistematicamente trabalhados em relação a esses

dados durante o desenvolvimento da pesquisa. Tal construção teórica produz conceitos

sensíveis a partir das observações coletadas, estabelecendo comparações com outras áreas

afins em um processo de constante confrontação entre a formulação teórica e a realidade

observada. Como afirmam Strauss e Corbin (1994), a teoria evolui durante a própria pesquisa

por meio da contínua interação entre análise e coleta dos dados. Como metodologia, a

grounded theory requer que a produção teórica e a realização da pesquisa social sejam duas

partes do mesmo processo.

A grounded theory é uma metodologia de teorização empírica e indutiva. É um

processo interativo de teorização progressiva de um fenômeno, no qual a construção do

conhecimento não é linear. Para Paillé (1994), teorizar é: desvendar o significado de um

85

evento; conectar em um esquema explicativo diversos elementos de uma situação; renovar a

compreensão de um fenômeno sob uma perspectiva diversa; e é antes um processo do que um

resultado. Segundo Strauss e Corbin (1994), uma teoria consiste em relações plausíveis que

vinculam conceitos ou conjuntos de conceitos. Stein e Urdang afirmam que (apud STRAUSS;

CORBIN, 1994) teoria é um grupo coerente de proposições genéricas usadas

(provisoriamente) como princípios explicativos de uma classe de fenômenos. O caráter

provisório das teorias já havia sido apontado por Popper (1959), para quem a efemeridade das

teorias ocorre em função da falseabilidade, conceito que enuncia que uma teoria jamais é

verificada, mas sim falseada por teorias subseqüentes.

A formulação de teorias, sugerida pela grounded theory, centra-se em categorias e

propriedades conceituais e em hipóteses ou relações generalizadas entre as categorias e suas

propriedades (GLASER; STRAUSS, 1967). Estes elementos são definidos na evolução do

processo interativo de teorização a partir de dados empíricos. A operacionalização dos

princípios da grounded theory é uma questão controversa, dividindo até mesmo os seus

criadores (GOULDING, 1998).

Em obras subseqüentes à proposição original (GLASER; STRAUSS, 1967), os autores

apresentam percepções distintas do método, as quais ultrapassam questões de estilo e

terminologia. Enquanto Glaser (1978, 1992, 1998) reforça a concepção original da

emergência de uma teoria a partir dos dados, salientando a necessidade de sensibilidade

teórica, Strauss e Corbin (1990, 1997) tornam a codificação dos dados empíricos um processo

sistemático, rígido, denso e complexo. Glaser (1978, 1992, 1998) enfatiza a liberdade do

pesquisador e a possibilidade de insights25. Strauss e Corbin (1990, 1997) concentram-se na

mecânica da codificação, criando técnicas de codificação aberta, axial e seletiva. Outro ponto

de divergência entre os autores refere-se ao objeto de desenvolvimento teórico. Para Glasser,

a teoria emergente explica o fenômeno em estudo. Para Strauss, o uso de matrizes conceituais

pode gerar teorias que ultrapassam o campo de estudo imediato.

Essas diferentes perspectivas explicam as diversas propostas de operacionalização dos

princípios da grounded theory (GLASER 1978, 1998, 1992; PAILLÉ, 1994; STRAUSS;

CORBIN, 1990, 1997). Embora existam outras formas de descrever o desenvolvimento de

25 Palavra de origem inglesa que significa “clareza súbita na mente, no intelecto de indivíduo” ou ainda “compreensão ou solução de um problema pela súbita captação mental dos elementos e relações adequados à solução” (HOUAISS, 2006).

86

teorias por meio da grounded theory (STRAUSS; CORBIN, 1990, 1997), esta pesquisa

utilizou o esquema sugerido por Paillé (1994).

Segundo Paillé (1994), a grounded theory consiste em um método de análise dos

dados, empiricamente ancorado, que evolui em seis etapas inter-relacionadas, progressivas e

não-lineares: codificação, categorização, relação, integração, modelação e teorização. Estas

etapas estão representadas na figura 12 e são detalhadas na seqüência.

Codificação Categorização Relação Integração Modelação Teorização

Figura 12 – Etapas de análise dos dados na grounded theory Fonte: Síntese elaborada pela autora

A “codificação” sistemática é uma das estratégias básicas da grounded theory

(GLASER; STRAUSS, 1967; STRAUSS; CORBIN, 1994). Nesta primeira etapa colocam-se

“etiquetas” no conjunto de elementos presentes nos dados iniciais. Nesta fase procura-se

identificar a essência dos dados coletados. Estabelece-se aqui um diálogo com os dados para

atribuir códigos capazes de extrair da maneira mais fiel e concisa possível (em palavras,

expressões ou frases curtas) a significação do material analisado. É uma tentativa de

responder à questão: Do que isso se trata? Este processo de decomposição dos dados em

unidades distintas de significados gera os conceitos de base da formulação teórica em

andamento.

Num segundo estágio realiza-se a “categorização” dos dados, que consiste na

recodificação dos dados por meio de categorias e no agrupamento dos conceitos em

categorias descritivas. Nesta etapa ocorre a nominação dos aspectos relevantes do fenômeno

em estudo. Os códigos e (ou) conceitos utilizados na etapa anterior são revistos, comparados,

classificados e agrupados em categorias analíticas dotadas de maior poder explicativo. As

categorias conceituais formam-se pela classificação de conceitos que caracterizam e

representam o fenômeno analisado. Uma categoria distingue-se de um código/conceito pela

riqueza de expressão conceitual e por seu poder evocativo; ela representa um nível mais alto

de abstração.

No exercício de construção de categorias, o pesquisador passa da identificação de um

fenômeno à explicação deste, iniciando o trabalho de teorização. Nesse momento é necessário

que o pesquisador possua “sensibilidade teórica” (GLASER, 1978; PAILLÉ, 1994), isto é,

87

capacidade de compreender o significado dos dados, nomear os fenômenos em questão,

destacar suas implicações, correlações e ordená-los em um esquema explicativo, sendo capaz

de teorizar a partir da realidade observada. As categorias são observadas em diversos dados

empíricos. Para que a categoria seja útil à evolução e confiabilidade da teoria em construção,

o pesquisador procede à sua definição; identifica suas propriedades e as condições sociais em

que a categoria se aplica, bem como as formas pelas quais a categoria pode se manifestar, ou

até mesmo ser subdividida.

Definidas as categorias de análise, prossegue-se com a terceira etapa de “relação”, que

consiste no exame minucioso das categorias para construir um esquema explicativo, na qual

são identificadas diversas formas de relações entre as categorias analíticas. Nesta fase pode

ser estabelecida uma hierarquização das categorias identificadas (em forma piramidal, por

exemplo) ou uma correlação (em forma de redes). Enfim, observam-se as relações existentes

entre as categorias analíticas. Este momento ultrapassa a descoberta de relações e torna-se um

exercício de contextualização, pela descrição das múltiplas dimensões do fenômeno

analisado. Para identificar relações entre categorias, o pesquisador pode valer-se de

referências empíricas, teóricas e até mesmo especulativas (GLASER; STRAUSS, 1967;

GLASER, 1978; STRAUSS; CORBIN, 1990).

Por meio da análise constante, os conceitos inscritos em categorias analíticas são

reavaliados de acordo com as inter-relações que estabelecem entre si, sendo integrados em

categorias de ordens mais elevadas (nas representações hierárquicas) ou centrais (nos

formatos de rede). Neste processo de desenvolvimento e associação de conceitos, observa-se a

emergência de uma teoria conceitualmente densa. A grounded theory é uma metodologia

formulada para guiar pesquisadores na produção de teorias conceitualmente densas, isto é,

com muitas relações conceituais. Teorias fundamentadas na realidade não são simplesmente

um conjunto de frases, mas declarações sistemáticas de relações plausíveis. Estas relações,

enunciadas como proposições, são apresentadas de forma discursiva e estão embutidas em um

denso contexto descritivo e conceitual. A formulação discursiva é capaz de capturar a

densidade conceitual e cobrir o conteúdo substantivo do estudo (STRAUSS; CORBIN, 1994).

Na grounded theory as proposições discursivas explicam as relações entre as categorias

analíticas originárias dos dados empíricos, daí o caráter emergente desta formulação teórica.

A “integração” representa tanto a conjunção e o contraste das proposições elaboradas

com teorias já existentes na área quanto a combinação das relações identificadas na etapa

anterior. Como procedimento de comparação constante do referencial teórico com os dados

88

analisados, a integração ocorre em todas as etapas da grounded theory (GLASER; STRAUSS,

1967). Na qualidade de quarta fase do processo de análise, a integração parte das relações

identificadas entre as categorias para combinar idéias e delimitar o objeto central da análise.

A integração é uma das estratégias básicas da grounded theory (GLASER; STRAUSS, 1967;

STRAUSS; CORBIN, 1994). Ao contrário do modelo hipotético-dedutivo, uma análise

fundamentada na realidade, como proposta na grounded theory, pode conduzir a questões não

previstas no início do processo. As inferências sobre os relacionamentos entre categorias e

conceitos constituem as proposições da pesquisa. Daí a importância dessa etapa, que integra

as descobertas realizadas até o momento, focando o fenômeno em análise e até mesmo

redefinindo o objeto de estudo.

No quinto momento, “modelação”, procura-se reproduzir a dinâmica do fenômeno

analisado destacando a organização das relações estruturais e funcionais que caracterizam o

objeto de estudo. Nesta etapa é construído um modelo que conecta entre si as hierarquias ou

redes previamente integradas. Além de caracterizar o fenômeno estudado, a modelação

consiste em identificar suas propriedades, seus antecedentes (o conjunto de condições que

permitem a sua existência) e suas conseqüências.

Finalmente, a etapa de “teorização” engloba todo o processo desenvolvido ao longo do

esforço da análise ancorada na realidade. Representa uma tentativa de elaboração minuciosa e

exaustiva da “multidimensionalidade” e da “multicausalidade” do fenômeno estudado. A

elaboração teórica consolida-se concomitantemente ao desenvolvimento da análise. Nesta

última etapa se procede: à amostragem teórica; ao posicionamento da pesquisa em seu campo

de conhecimento; à verificação das implicações teóricas do modelo proposto e à indução

analítica. Isto, sem desconsiderar que as teorizações são parciais, limitadas e relativas a seu

contexto de formulação.

Vale salientar que todas estas etapas (codificação, categorização, relação, integração,

modelação e teorização) se desenvolvem de maneira não-linear. Ao mesmo tempo em que

identifica categorias, o pesquisador pode observar as relações entre elas e elaborar

proposições teóricas. Da mesma forma, na integração os dados podem ser recodificados.

Enfim, o método sugere um processo dinâmico e interativo entre os dados empíricos e teoria

em construção. Como salienta Paillé (1994), a grounded theory é um método de análise dos

dados empíricos, em que a coleta e a análise ocorrem simultaneamente. As primeiras análises

são elementares, mas orientam as próximas etapas de coleta dos dados. Análise e coleta dos

dados são intercaladas sucessivamente até o término da pesquisa. Pesquisador e analista se

89

confundem, pois uma das principais características da grounded theory é a constante

confrontação teórico-empírica, em um processo de análise interativo. A produção e a

verificação da teoria realizam-se por aproximações sucessivas até a obtenção da validade e

confiabilidade almejadas. A escolha de locais, informantes e instrumentos de pesquisa é

determinada pela evolução da análise e não por critérios preestabelecidos. O método possui

como princípio básico a amostragem teórica, a qual determina que o desenvolvimento da

teoria direciona o pesquisador a novos informantes e locações apropriadas (GLASER;

STRAUSS, 1967).

Em verdade, uma das características da grounded theory é a abertura que se oferece ao

pesquisador para adaptar sua construção teórica de acordo com os dados observados

(STRAUSS; CORBIN, 1994). Cada pesquisador pode criar procedimentos específicos ou

adaptar estes procedimentos conforme julgue necessário. Ao longo do processo, os princípios

gerais do método são adaptados às circunstâncias específicas da pesquisa. A aplicação da

grounded theory varia de acordo com: as especificidades das áreas de estudo; os objetivos e

foco da pesquisa; eventualidades ocorridas no desenvolvimento do projeto; e também de

acordo com o pesquisador, seu temperamento, talentos e fraquezas. No entanto, estas

variações não afetam os princípios gerais do método, apenas especificam as condições

analíticas de sua aplicação (STRAUSS; CORBIN, 1994). Os procedimentos utilizados nesta

pesquisa foram definidos ao longo da investigação, de forma interativa e como sugere esta

metodologia, respeitando as estratégias básicas da grounded theory : amostragem teórica,

codificação sistemática, diretrizes para alcançar densidade conceitual e integração (GLASER;

STRAUSS, 1967; STRAUSS; CORBIN, 1994).

Em síntese, a construção teórica elaborada segundo os princípios da grounded theory

fundamenta-se na constante coleta e análise dos dados que são codificados e classificados em

categorias analíticas, as quais, por sua vez, são relacionadas e integradas para emergência de

uma teoria substantiva. Sendo assim, a investigação é contextualizada e reconhece que os

dados são imbuídos tanto de teorias como de valores subjetivos.

Tendo em vista a elaboração de um marco teórico seguindo os princípios da grounded

theory, os dados empíricos foram coletados por meio de um estudo de caso, estratégia que

será descrita na seção seguinte.

90

3.2 Estratégia de Pesquisa

Esta pesquisa utiliza o estudo de caso como fonte dos dados empíricos que amparam a

formulação teórica. Os dados oriundos do estudo de caso servem como referência para

comparação entre teoria e prática, bem como para aplicação do marco teórico elaborado. Yin

(1984) define um estudo de caso como uma investigação empírica de fenômenos

contemporâneos no seu contexto real, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não

são evidentes, e no qual múltiplas fontes de evidência são utilizadas. Yin (1984) afirma que

estudos de caso são estratégias recomendadas quando as perguntas de pesquisa são

formuladas sob as formas “como” ou “por quê”. Visto que esta pesquisa partiu do

questionamento de como analisar a comunicação organizacional nos processos internos às

organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais, o estudo de caso apresentou-

se como uma estratégia adequada aos propósitos deste trabalho.

Estudos de caso são criticados por seu fraco poder de generalização. No entanto, assim

como teorias substantivas, estudos de caso não visam generalizações, seu objetivo é permitir a

compreensão de um fenômeno particular em um contexto específico. As formulações teóricas

desenvolvidas nesta pesquisa qualitativa sobre a comunicação organizacional em fusões e

aquisições internacionais podem ser aplicadas a casos similares. O conceito de

transferibilidade, compensa a reduzida capacidade de generalização dos estudos de caso.

Segundo Guba e Lincoln (apud DENZIN; LINCOLN, 1994), este conceito é um paralelo ao

conceito de validade externa, o qual refere-se ao grau em que as descrições podem ser

comparadas com outros grupos. A transferibilidade garante que os resultados de um caso são

representativos e podem ser aplicados a outros casos (KINCHELOE; MCLAREN apud

DENZIN; LINCOLN, 1994). Em pesquisas qualitativas a generalização não se encontra no

sujeito ou no objeto de pesquisa, mas na transferibilidade da elaboração conceitual

apresentada, a qual varia conforme a amplitude da teoria formulada.

Estudos de caso podem ser utilizados como método ou abordagem metodológica

(HAMEL; DUFOUR; FORTIN, 1993), esta diferenciação é epistemológica. Na tradição da

sociologia americana o estudo de caso é um método. A sociologia francesa utiliza o estudo de

caso como uma abordagem, a qual pode incluir diversos métodos com o objetivo de construir

um estudo sociológico mais amplo, baseado em um caso. Na presente pesquisa, o estudo de

caso foi utilizado como método, uma estratégia a ser aplicada com o objetivo de formular e

verificar o referencial teórico proposto, sem qualquer pretensão de generalização. O

91

referencial teórico elaborado é descritivo e prospectivo, não prescritivo, ou seja, é um

parâmetro de análise adaptável a casos similares.

O delineamento de pesquisa utilizado foi de um estudo de caso simples (YIN, 1984).

A pesquisa foi desenvolvida em uma única organização (Molson Canadá), mas em unidades

organizacionais distintas (empresas no Canadá e no Brasil). O nível de análise foi o

organizacional, e as unidades de análise, as companhias em estudo. A pesquisa seguiu uma

perspectiva longitudinal e descritiva, visto que as categorias analíticas foram identificadas e

observadas de dezembro de 1999 a janeiro de 2006. A análise descritiva tem por finalidade

“descrever as características dos fenômenos (coisas, objetos, conhecimentos ou eventos) com

base em dados protocolares e ideográficos” (TRUJILLO FERRARI, 1982, p. 240).

Devido à especificidade dos estudos de caso, Hamel, Dufour e Fortin (1993) enfatizam

a importância do valor representativo dos casos selecionados, assim como a qualidade das

estratégias selecionadas para investigação do fenômeno em questão. A escolha do caso

estudado foi justificada anteriormente (item 1.2) e as estratégias de investigação são

detalhadas nas seções seguintes.

Conforme exposto anteriormente, o objetivo desta pesquisa é elaborar um marco

teórico que possibilite a análise da comunicação nos processos internos às organizações

envolvidas em fusões e aquisições internacionais. Como esta pesquisa caracteriza-se por um

esforço de teorização substantiva para elaboração de um marco teórico, é adequada a

utilização da grounded theory como metodologia e do estudo de caso como estratégia de

pesquisa.

3.3 Especificação do Problema

A pesquisa realizada orientou-se pelo seguinte problema de pesquisa:

Como analisar a comunicação nos processos internos às organizações envolvidas em

fusões e aquisições internacionais?

Especificamente, para responder ao problema de pesquisa formulado, esta

investigação foi norteada pelas perguntas de pesquisa apresentadas a seguir:

a) Como a literatura especializada retrata a comunicação organizacional? Quais as

contribuições e limitações dessas correntes de pensamento?

92

b) Quais as características de fusões e aquisições?

c) Quais os diferenciais de fusões e aquisições em contextos internacionais?

d) Como se desenvolvem os processos internos de reorganização das organizações

envolvidas em fusões e aquisições internacionais?

e) Quais as especificidades dos processos de comunicação organizacional em fusões e

aquisições internacionais?

f) Como as especificidades da comunicação organizacional em fusões e aquisições

internacionais se manifestam no estudo de caso realizado e como são contrastadas

estas observações empíricas com a construção teórica formulada?

3.4 Dados: Fontes, Coleta e Análise

A pesquisa de campo realizada nas unidades da Molson no Canadá e no Brasil iniciou

em 2002, quando se efetuaram os primeiros contatos com a organização em estudo. A

execução da pesquisa no Canadá foi possibilitada pela Embaixada do Canadá no Brasil que

concedeu a esta pesquisa a bolsa de estudos do programa “Governor General Award /

Bourses du Gouverneur Géneral”. A estada no Canadá permitiu a execução da pesquisa

empírica na Molson, bem como a realização da revisão teórica, em vista dos estudos

realizados na Universidade de Montreal.

Conforme a premissa da grounded theory de simultaneidade entre coleta e análise dos

dados, a pesquisa manteve a constante preocupação de contrastar elementos teóricos e

empíricos. Enquanto o referencial teórico foi apresentado anteriormente (item 2), as seções

seguintes especificam as fontes de coleta dos dados, bem como as formas de análise dos

mesmos.

3.4.1 Fontes de Coleta dos Dados

Yin (1984) identifica seis fontes de evidências empíricas utilizadas em estudos de

caso: documentação, arquivos, entrevistas, observações diretas, observações participantes e

artefatos físicos. Esta pesquisa utilizou a maioria destas fontes. Os dados coletados para esta

pesquisa derivam de fontes primárias e secundárias.

93

3.4.1.1 Fontes secundárias

Os dados secundários são aqueles disponíveis para o pesquisador em publicações

diversas e outros documentos organizacionais. O objetivo da utilização de fontes secundárias

é a obtenção de dados confiáveis sobre as categorias analíticas em estudo. Para esta pesquisa

foram utilizados dados disponíveis de dezembro de 1999 a janeiro de 2006, em específico:

• Relatórios Anuais e sites das maiores cervejarias mundiais26;

• Relatórios do banco de dados Euromonitor International;

• Artigos de Jornais e Revistas de circulação nacional e internacional;

• Pareceres e relatórios das autoridades brasileiras de defesa da concorrência;

• Relatórios Anuais da Molson Canada de 1999 a 2004;

• Relatório Anual MolsonCoors 2005

• Documentos, arquivos de áudio e vídeo de conferências da Molson e da

MolsonCoors (Web Cast Presentations) veiculadas e disponíveis via Internet;

• Jornal Interno “Molson Fórum” de janeiro/2002 a novembro/2004;

• Press Releases da Molson de 2002 a 2005;

• Press Releases da MolsonCoors de 2005 a 2006;

• Press Releases da Kaiser de 2004 a 2006; e

• Jornal Interno da Kaiser “Premium: Pura Informação” de 2004 a 2006.

A coleta e análise dos dados secundários foi iniciada em março de 2002 por ocasião da

aquisição da Kaiser pela Molson, além da busca de dados retroativos o monitoramento do

caso em estudo foi uma constante durante a realização da pesquisa. A coleta de dados

secundários foi facilitada pela solicitude das organizações e de seus membros em

disponibilizar documentos e fornecer esclarecimentos que possibilitaram a realização deste

estudo. No entanto, foram encontrados poucos documentos a respeito da aquisição da Bavaria

pela Molson em 2000.

Os dados secundários possibilitaram a identificação do contexto da pesquisa, o que

auxiliou na formulação do roteiro para as entrevistas semi-estruturadas. Com o

desenvolvimento da investigação os dados secundários confirmaram e complementaram os

dados obtidos por meio de fontes primárias.

26 Segundo o volume de vendas no mercado mundial, as dez maiores cervejarias são: Anheuser-Busch (EUA), Asahi (Japão), InBev (Bélgica/Brasil), Heineken (Holanda), SABMiller (África do Sul/EUA), Kirin (Japão), Scottish & Newcastle (Reino Unido), Carlsberg (Dinamarca), MolsonCoors (Canadá/EUA), Foster (Austrália) e Grupo Modelo (México) (LUZ; SORIMA NETO, 2006).

94

3.4.1.2 Fontes primárias

Os dados primários são inéditos e coletados pela primeira vez pelo pesquisador

durante a realização do estudo de campo. Estes dados originaram-se de observação

assistemática direta não participante, verificação de artefatos físicos e entrevistas semi-

estruturadas.

Segundo Richardson (1989, p. 213), “a observação é a base de toda a investigação do

campo social” e torna-se uma técnica científica à medida que serve a um objetivo formulado

de pesquisa. Segundo Yin (1984), as observações podem ser feitas em visitas de campo,

incluindo aquelas ocasiões durante as quais outras evidências, tais como entrevistas, estão

sendo coletadas. Outra fonte de dados primários foi a observação de artefatos físicos ou

culturais. Estes artefatos podem ser coletados ou observados como parte do estudo de campo

e compreendem tecnologias, ferramentas ou instrumentos, trabalhos de arte e outras

evidências físicas (YIN, 1984).

As observações e a verificação de artefatos físicos foram realizadas por ocasião das

entrevistas, quando realizadas em unidades das organizações em estudo. Além disso, a

pesquisadora realizou uma visita técnica à fábrica da Kaiser em Jacareí/SP, a qual incluiu não

apenas dependências administrativas, mas também o complexo industrial da unidade. Dados

originários de observações foram anotados e registrados em forma de documentos eletrônicos

para análise.

As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas entre novembro de 2002 e março de

2005. Dentre os informantes desta pesquisa encontram-se gestores da Molson e da Kaiser

diretamente envolvidos nos processos decisórios da fusão e aquisição internacional. Yin

(1984) destaca a importância da escolha adequada dos entrevistados para o sucesso do estudo

de caso. A escolha dos entrevistados foi realizada por indicações, conforme o envolvimento

no processo de fusão e aquisição. A indicação de informantes é um método conhecido como

snow-ball (bola de neve) (MAITLS, 2005).

Para a primeira entrevista a escolha foi realizada conforme referências encontradas nos

dados secundários. Nesse contato inicial foram apresentados os objetivos da pesquisa e foi

solicitada a indicação de informantes. Estes indivíduos ocupavam cargos estratégicos e de

média gerência nas organizações estudadas. Tal delimitação foi considerada pertinente devido

ao caráter estratégico das operações de fusão e aquisição internacional. A seqüência das

entrevistas foi definida ao longo da pesquisa, conforme as recomendações realizadas e a

95

disponibilidade dos entrevistados. Em algumas entrevistas foi solicitada a indicação de outros

informantes, mas na maioria dos casos esta referência era espontânea, como pode ser

observado no trecho transcrito27 a seguir,

Eu gostaria de mencionar que poderia ser interessante que você tivesse todas as suas questões respondidas pelo outro lado, pela pessoa com quem eu trabalho na Kaiser. (...) A pessoa que faz o mesmo tipo de trabalho que eu faço. Pode ser interessante ter a perspectiva dele sobre como foi a integração com a Molson, ou alguns dos seus pontos de vista. Assim, você terá os dois lados.

Segundo o princípio de amostragem teórica da grounded theory, a amostra revela-se

consistente quando os dados coletados não revelavam nenhuma nova descoberta, ou um novo

conceito ou relação entre conceitos. Assim sendo, a definição da amostra estabeleceu o

término da coleta de dados primários. A constatação de que a amostra estava completa

ocorreu durante a análise, mas pôde ser certificada na penúltima entrevista, quando o

informante comentou:

Obviamente que teve mais pessoas, o nosso pessoal de exportação teve envolvimento direto, o pessoal de planejamento também, mas o contato mesmo era realmente esses quatro. Cada um tem uma visão e dependendo do nível também. (...) Do pessoal que teve participação efetiva nesses projetos, eu acho que vc já falou com as pessoas chaves, eu não sou pessoa chave, mas o A, o B, e o C28, tiveram uma participação efetiva nessa transição.

Após essa entrevista foi realizada mais uma entrevista, que já estava agendada, e a

análise desse material confirmou que não havia novos dados a serem coletados. Foram

realizadas 14 entrevistas, sete informantes pertenciam à estrutura da Molson e outros sete

eram funcionários da Kaiser. Não foram registradas dificuldades na condução das entrevistas,

todos os dirigentes procurados foram solícitos ao responder às questões formuladas e

demonstravam estar confortáveis para prestar declarações sobre a operação. Um empecilho

mínimo foi a demora no agendamento das entrevistas, fator este considerado normal e

condizente com o cargo ocupado pelos informantes.

Os contatos iniciais foram realizados por e-mail, ao qual eram anexados uma breve

apresentação da pesquisa e o formulário de consentimento para entrevista. Este procedimento

foi adotado por ser uma prática de pesquisa no Canadá e foi elaborado de acordo com o

código de ética da Universidade de Montreal. Tal documento informava os objetivos da

pesquisa, garantia o anonimato dos entrevistados, bem como esclarecia que as informações

coletadas serviriam exclusivamente para fins acadêmicos. Embora encaminhados com

27 Textos provenientes das entrevistas foram transcritos em blocos de citação com caracteres em itálico. 28 A designação A, B e C é utilizada para garantir o anonimato aos entrevistados.

96

antecedência os formulários eram assinados pelos entrevistados e pela pesquisadora na

ocasião da entrevista. O procedimento, além de atribuir credibilidade à pesquisa, facilitava a

interação inicial entre pesquisador e entrevistado, bem como a ambientação com os

equipamentos de gravação.

As entrevistas realizadas no Canadá foram conduzidas em inglês e as realizadas no

Brasil em português. As entrevistas duraram em média uma hora e quarenta minutos e

seguiram um único roteiro de base (Apêndice A) traduzido e adaptado quando necessário.

Cada entrevista seguiu uma ordem particular, pois entrevistas semi-estruturadas oferecem

certa flexibilidade ao pesquisador e ao informante. Segundo Triviños (1987), entrevistas

semi-estruturadas enriquecem a investigação porque valorizam a presença do investigador ao

mesmo tempo em que oferecem liberdade ao informante.

Para Yin (1984), a entrevista é uma das principais fontes de informação de um estudo

de caso, na qual o entrevistador pode questionar os respondentes sobre fatos de um assunto ou

sobre suas opiniões acerca de determinados eventos. A escolha deste instrumento de pesquisa

foi orientada pelos princípios da grounded theory, pois, conforme Triviños (1987, p. 146), a

entrevista semi-estruturada “parte de certos questionários básicos, apoiados em teorias e

hipóteses, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas

hipóteses que vão surgindo, à medida que se recebem respostas do informante”.

Seguindo a premissa de simultaneidade da coleta e análise dos dados da grounded

theory (GLASER; STRAUSS, 1967), as entrevistas distanciavam-se do roteiro de base

conforme o desenvolvimento da pesquisa, pois esta perspectiva metodológica pressupõe que o

pesquisador reformule suas categorias analíticas. Entrevistas semi-estruturadas são guiadas

por temas os quais também servem como guia inicial de análise. Devido à concomitante

análise e coleta dos dados, com o desenvolvimento de pesquisa surgiram interpretações, e os

temas e categorias de análise foram ajustados em função da construção teórica em formação.

Assim sendo, embora as entrevistas seguissem um roteiro único, o conteúdo de cada

entrevista foi determinado pela evolução da pesquisa e pela interação construída entre o

informante e a pesquisadora.

Outro fator que contribuiu para que as entrevistas desenvolvessem uma dinâmica

particular, foi o fato de terem sido realizadas em épocas diferentes, ou seja, em diferentes

momentos da fusão e aquisição. Tal distanciamento temporal permitiu o acompanhamento do

97

processo de fusão e aquisição. As entrevistas foram gravadas, digitalizadas e transcritas em

seu idioma original. Foram traduzidas apenas as declarações apresentadas nesta tese.

3.4.2 Análise dos Dados

Os dados coletados foram analisados de forma descritivo-interpretativa, utilizando-se a

análise documental e a análise de conteúdo. Richardson (1989, p. 184) distingue a análise

documental e de conteúdo da seguinte forma:

• a análise documental trabalha sobre os documentos. A análise de conteúdo sobre as mensagens;

• a análise documental é essencialmente temática: esta é apenas uma das técnicas utilizadas pela análise de conteúdo;

• o objetivo básico da análise documental é a determinação fiel dos fenômenos sociais; a análise de conteúdo visa manipular mensagens e testar indicadores que permitam inferir sobre uma realidade diferente daquela da mensagem.

Segundo Bardin (1979, p. 43), a análise documental é “uma operação ou conjunto de

operações visando a representar o conteúdo de um documento sob a forma diferente da

original, a fim de facilitar, num estado ulterior, a sua consulta e referenciação”. Richardson

(1989, p. 182) afirma que a análise documental “consiste em uma série de operações que

visam a estudar e analisar um ou vários documentos para descobrir as circunstâncias sociais e

econômicas com as quais podem estar relacionados”.

A análise documental tem como restrição a dificuldade de acesso aos documentos

(BRUYNE; HERMAN; SCHOUTHEETE, 1991). Além disso, os autores salientam que nem

sempre o importante está escrito. Os documentos analisados na maioria são publicações

empresariais, os quais por sua própria característica já apresentam uma interpretação dos

fatos. Desta maneira, a análise documental pode conter vieses e sua confiabilidade pode ser

questionada. Para contornar essas limitações, foi realizada a contraposição dos dados

primários e secundários.

De acordo com Bardin (1979), a análise de conteúdo agrupa diversas técnicas de

análise das comunicações para descrever o conteúdo das mensagens e indicadores do contexto

em que foram produzidas/recebidas. Para Paillé (1994), algumas pesquisas utilizam a análise

de conteúdo como método de análise de freqüência do conteúdo, de palavras ou expressões

em determinada forma de comunicação ou mensagem. Entretanto, para este autor, o objetivo

98

da análise de conteúdo é determinar as condições de produção ou a natureza do produtor das

mensagens.

Os dados secundários foram sistematicamente analisados para a construção do

contexto organizacional e formulação do roteiro de base para a entrevista semi-estruturada.

Para análise dos dados coletados por meio de entrevista semi-estruturada, procedeu-se da

seguinte maneira: transcrição das entrevistas, anotação de referências ao contexto da

entrevista ou observações preliminares durante a transcrição, reprodução da gravação

realizada acompanhada de leitura atenta da transcrição para conferência do material, revisão

das notas realizadas durante a transcrição e (ou) redação de novas anotações. As informações

advindas de observações e análises de artefatos físicos complementam a interpretação dos

documentos e das entrevistas, ampliando a compreensão das manifestações do objeto de

estudo. As notas advindas da análise dos dados secundários, das observações e análises de

artefatos físicos, bem como os comentários redigidos durante a transcrição e conferência das

entrevistas foram arquivados sob a forma de documentos eletrônicos, os quais, juntamente

com as entrevistas transcritas, foram codificados e analisados por meio do software de análise

qualitativa Altas.ti (versão 4.2).

Conforme explica Pandit (1996, 51o. parágrafo, tradução livre)

existem dois modos de análise de dados com o Atlas.ti: primeiramente, ‘o nível textual’, focado no material bruto e inclui atividades como segmentação de textos, codificação e redação de notas; em segundo lugar, o ‘nível conceitual’, centrado na construção de estruturas, realizada por atividades como inter-relação de códigos, conceitos e categorias para formar redes teóricas. Concluindo, os procedimentos do Atlas.ti são eficientes e solidamente ancorados nos princípios da grounded theory.

O Atlas.ti permite a realização de todas as etapas de análise da grounded theory

(codificação, categorização, relação, integração, modelação e teorização). A flexibilidade do

software possibilita que o pesquisador transite entre os momentos de análise com facilidade, o

que torna o processo não-linear e garante o caráter emergente do processo de teorização.

Embora seja necessário aprender o funcionamento do software, este instrumento de análise

concede total autonomia ao pesquisador. Tal qual um processador de textos, o software não

escreve, mas oferece diversos recursos que facilitam a redação.

Pela experiência desta pesquisa, pode-se afirmar que o software ampara o processo de

descoberta. O Atlas.ti permite a análise de arquivos de texto, áudio e vídeo, mas nesta

pesquisa foram processados apenas documentos de texto. Os códigos e categorias analíticas

são escolhidos pelo pesquisador e podem ser renomeados ou reagrupados a qualquer

momento da análise. Além disso, o software possibilita seleção de trechos, agrupamento e

99

seleção das respostas. As relações entre códigos, categorias e conceitos podem ser construídas

(modificadas e reconstruídas) em redes de análise, as quais integram os dados analisados. As

redes construídas nesta pesquisa estão apresentadas nos apêndices B, C, D e E. As etapas que

se seguem a relação e integração, ou seja, modelação e teorização, são fruto da interpretação

destas redes e serão apresentadas no capítulo seguinte. Antes disso, a próxima seção apresenta

uma síntese do desenvolvimento desta pesquisa.

3.5 O Desenvolvimento da Pesquisa

A pesquisa iniciou com a concepção desta tese, como projeto de pesquisa. O

anteprojeto, apresentado em outubro de 2004, definiu o tema e o problema de pesquisa, bem

como a base conceitual e as diretrizes teóricas que orientaram o trabalho. Segundo os

princípios da grounded theory, estas definições foram realizadas em paralelo à coleta e análise

dos dados iniciadas em 2002. A etapa de pesquisa consiste da coleta, análise e interpretação

dos dados; construção teórica e aplicação da teoria formulada ao caso em estudo. Devido à

constante contraposição entre a formulação teórica e a realidade observada, as atividades de

pesquisa e de construção do anteprojeto ocorreram em paralelo, influenciando-se

mutuamente. O desenvolvimento das atividades seguiu o fluxograma a seguir:

Figura 13 – Fluxograma das atividades de pesquisa Fonte: Síntese elaborada pela autora

PESQUISA

Apresentado em outubro/2004

Construção teórica

Coleta, análise e interpretação dos dados

Aplicação do referencial formulado ao caso em

estudo.

Conclusão e propostas para trabalhos futuros

Definição do problema

Definição do tema

Definição das diretrizes teóricas

Construção da base conceitual

Anteprojeto da pesquisa

ANTEPROJETO

Iniciada em abril/2002

abril /2006

100

4 MARCO TEÓRICO DA COMUNICAÇÃO EM

FUSÕES E AQUISIÇÕES INTERNACIONAIS

Conforme a metodologia apresentada no capítulo anterior, nesta pesquisa, teoria e

prática são integradas na formulação de um marco teórico da comunicação nos processos

internos às organizações em fusões e aquisições internacionais. Segundo os princípios da

grounded theory, a investigação realizou-se por ciclos de codificação, categorização, relação,

integração, modelação e teorização. Na análise dos dados provenientes do estudo de caso da

Molson Canadá na aquisição e fusão das cervejarias brasileiras Bavaria e Kaiser, destacaram-

se os processos de identificação de categorias; construção do modelo de análise e formulação

do marco teórico.

As categorias de análise representam conjuntos de códigos utilizados para

interpretação dos dados. Neste estudo foram identificadas três categorias: o ambiente

internacional, fusões e aquisições e processos de comunicação organizacional. A relação e

integração destas categorias são representadas no modelo de análise. Por fim, o marco teórico

constitui uma síntese dos processos analíticos anteriores. Embora o processo de pesquisa não

se desenvolva de maneira linear, este capítulo apresenta seus resultados segundo a lógica das

seções seguintes: as categorias de análise, o modelo resultante da observação das relações e

formas de integração entre estas categorias e o marco teórico.

O processo de teorização descrito neste capítulo é conceitual e não procedural. A

construção do marco teórico foi orientada pela contraposição entre investigação empírica e

pesquisa teórica, conforme os preceitos metodológicos deste trabalho. Segundo os princípios

da grounded theory, as figuras e os quadros apresentados neste capítulo referem-se a

formulações conceituais. A coleta, interpretação e análise dos dados foram orientadas pelo

objetivo de construir um marco teórico, ou seja, um referencial analítico. Peculiaridades da

situação observada são apresentadas para esclarecer as reflexões teóricas e ilustrar suas

aplicações práticas. Estes dados foram inseridos e referenciados no corpo do texto; evidências

provenientes das entrevistas estão destacadas em blocos de citação com caracteres em itálico.

101

4.1 Categorias de Análise

Conforme enunciado anteriormente, os dados codificados referiam-se a três categorias

analíticas, a saber: a comunicação organizacional, a estratégia de fusões e aquisições e o

ambiente internacional. A primeira categoria corresponde ao objeto de estudo desta tese,

enquanto as demais remetem ao contexto de investigação. Por meio da análise dos dados foi

possível compreender que, nesta pesquisa, o contexto internacional representava uma

categoria de nível mais alto, influenciando tanto as manifestações da comunicação

organizacional como o desenvolvimento de fusões e aquisições (Apêndice B). Assim sendo, a

seção seguinte descreve como o ambiente internacional foi definido nesta pesquisa. Na

seqüência é apresentada a forma pela qual, nesta tese, são conceituados os processos de fusão

e aquisição e a comunicação organizacional.

O ambiente internacional – como configuração específica de aspectos sociais,

culturais, políticos, legais, físico-naturais29, demográficos, econômicos e tecnológicos – é

compreendido como campo de influência mútua de fatores globais e locais. A comunicação

organizacional é analisada de forma micro como instância de interação e de forma macro

como uma seqüência de interações que constroem e transmitem significados. As fusões e

aquisições internacionais são analisadas conforme sua evolução, diferenciando suas etapas

segundo sua natureza, duração, objetivo, resultado, eventos significativos, atividades, clima

organizacional característico, dificuldades e elementos facilitadores.

4.1.1 O Ambiente Internacional

Esta seção descreve os pressupostos da pesquisa que caracterizam a atuação

internacional de uma organização, estes elementos caracterizam fusões e aquisições

internacionais, assim como influenciam a comunicação organizacional. Esses pressupostos

resultam da constante comparação entre o referencial teórico apresentado no item 2.3.2 e a

análise dos dados coletados na pesquisa empírica.

Segundo a revisão de literatura, existem duas correntes teóricas nos estudos

internacionais. A abordagem da convergência difunde o conceito que a globalização conduz à

homogeneização das atividades organizacionais. Por outro lado, o enfoque divergente afirma

29 Os fatores físico-naturais compreendem as condições geográficas do ambiente organizacional, como, por exemplo, clima e relevo.

102

que as operações internacionais diferenciam-se de acordo com o ambiente local de atuação da

empresa, isto é, fatores sociais, culturais, políticos, legais, físico-naturais, demográficos,

econômicos e tecnológicos. A cultura é percebida como diferencial primário entre as duas

abordagens. Perspectivas convergentes sugerem a existência de uma cultura global, enquanto

análises divergentes enfatizam as especificidades das culturas locais.

Os dados empíricos sugerem que os fatores característicos do ambiente local são inter-

relacionados. No processo de codificação os dados eram freqüentemente identificados como

referentes a mais de um fator, como, por exemplo: sociocultural, político-econômico etc. Na

comparação dos dados referentes aos dois países, observou-se que esses fatores convergem e

divergem simultaneamente. Os dados referentes ao ambiente internacional geraram uma rede

de análise (apêndice C), construída com auxílio do software Atlas.ti. Os códigos utilizados na

composição desta rede são os fatores de análise do ambiente organizacional, conforme

sugeridas pela literatura especializada. No processo de codificação realizou-se a diferenciação

de acordo com o país ao qual essas dimensões se reportavam. Observou-se que a

interdependência entre os fatores ambientais forma um conjunto coeso capaz de distinguir os

países, estados, cidades, comunidades e outras unidades sociais.

Apesar da interdependência observada, os entrevistados identificaram que as

diferenças relativas ao idioma e à cultura são elementos primários de diferenciação das ações

internacionais. Como ilustram as declarações abaixo:

O modo de fazer cerveja é o mesmo, a maneira de trabalhar é a mesma, o que muda é a língua e a cultura das pessoas.

Quando se trata de uma aquisição internacional a principal questão é a língua e de uma certa forma a cultura. (...) Basicamente as diferenças são linguagem e cultura, você tem que lidar com isso de uma maneira diferente (...) Existem diferenças legais e coisas do gênero, mas são detalhes técnicos, e você sempre encontra soluções para aspectos técnicos. (...) Cultura e idioma são os aspectos mais críticos. (...) A coordenação é mais difícil pela distância, mas os problemas de coordenação que nós temos com a Kaiser são os mesmos que nós temos com o nosso pessoal em Vancouver.

Se fosse para listar todos os desafios de uma operação internacional, a barreira lingüística é provavelmente um dos maiores desafios.

Embora apontem língua e cultura como os elementos diferenciadores das atividades

internacionais, de forma indireta, ou ao comentar esses aspectos, os informantes acabam

discorrendo sobre outros fatores locais que por suas diferenças caracterizam as operações

internacionais. De fato, cultura e idioma não podem ser dissociados de outras dimensões

ambientais.

103

O idioma falado em um país é tanto uma característica sociodemográfica como uma

manifestação cultural. Isto porque a língua é dinâmica e incorpora significações particulares

segundo o ambiente em que é utilizada. Por exemplo, o distanciamento observado entre a

língua portuguesa falada no Brasil e em Portugal, ou as diferenças lingüísticas observadas

entre o Norte e o Sul do Brasil. Assim sendo, o idioma oficial adotado em cada país (ou os

idiomas oficiais, como é o caso do Canadá) é um fator ambiental indissociável de sua história,

cultura e desenvolvimento socioeconômico. Um idioma também pode ser diferenciado em

função do ambiente físico-natural, é o caso do Galego, dialeto encontrado em uma região da

Espanha isolada por uma cadeia de montanhas. Deste modo, analisando a língua de um país

observa-se como os aspectos ambientais estão interligados e influenciam-se mutuamente. Por

este motivo, o conhecimento de um idioma não garante que o indivíduo domine as nuances do

uso da língua. As dificuldades inerentes ao domínio da língua foram identificadas por

entrevistados com experiências internacionais:

Mesmo que eu tenha estudado, que eu conseguisse me fazer entender, existem sutilidades da língua que eu não conseguia captar, eu não conseguia entender a cultura por trás disso. (...) É muito importante compreender a cultura para ser capaz de comunicar.

Por melhor que você fale a língua, você não é um... você não domina absolutamente todo o idioma, todo o trejeito, enfim... a pessoa não se sente confortável.

No que diz respeito à cultura, a pesquisa empírica ressalta sua importância e confirma

as diferenças culturais entre Brasil e Canadá identificadas por Hofstede (1991, 2001) e

apresentadas a seguir.

Quadro 5 – Diferenças culturais entre Brasil e Canadá

Dimensões de análise cultural Canadá Brasil

‘Distância de poder’ 39 69

‘Evitar incerteza’ 48 76

‘Individualismo/coletivismo’ 80 38

‘Masculino/feminino’ 52 49

Fonte: Adaptado de Hofstede (2001)

Embora esta investigação seja de natureza qualitativa, por meio da análise do discurso

e do conteúdo do corpus de pesquisa, foi possível observar as diferenças culturais entre Brasil

e Canadá propostas por Hofstede (2001). Hofstede (1980) apresenta as dimensões culturais

em matrizes expondo a co-relação que essas dimensões guardam entre si. Nesta pesquisa,

104

observou-se a relação entre diferenças culturais e outros fatores ambientais. A análise das

dimensões culturais reitera o pressuposto de interdependência entre os fatores ambientais.

Na dimensão cultural ‘distância de poder’ observa-se que, no Brasil, as relações

sociais tendem a respeitar as hierarquias e manter as distâncias estabelecidas pela estruturas

sociais e políticas. Tal característica pode ser explicada pelas desigualdades, presentes desde a

colonização do país (FREYRE, 1966; FAORO, 2001). A sociedade canadense possui menores

desigualdades sociais e isso se reflete na atribuição de menor importância às estruturas

hierárquicas. Os entrevistados identificaram essas diferenças culturais nas relações sociais e

na estrutura organizacional:

Para mim a maior diferença cultural é a importância atribuída à hierarquia (...) Na América do Norte isto não é tão importante. (...) Os títulos no Brasil são muito importantes, pelo menos nos negócios eu notei isso. Nós cometemos alguns erros nomeando vice-presidentes. Aqui nós temos 30 vice-presidentes. Mas quando você nomeia um vice-presidente no Brasil, este é um cargo altíssimo, nós não percebemos isto. As pessoas me diziam, ‘você não percebe o poder que você tem’, e eu dizia ‘eu não tenho poder, eu sou apenas mais uma pessoa tocando os negócios com vocês’ (...) Talvez porque no Canadá, nós não temos um presidente, temos um primeiro-ministro. O que é muito diferente, porque ele não é eleito como indivíduo, o partido ganha as eleições e ele se torna primeiro-ministro como resultado da eleição do partido. (...) No caso de um presidente, você pode ser presidente, mas o seu partido não tem a maioria, então o poder é individual.

Em termos de valores sociais e respeito pela hierarquia existe uma herança européia no Brasil que nós não temos aqui.

A gente chegou a conclusão que é uma questão estrutural. Lá eu conversava com um diretor, meu cargo aqui é de gerente.

Enquanto fatores sócio-históricos podem explicar as diferenças quanto à ‘distância de

poder’, condições econômicas relacionam-se à dimensão ‘evitar incerteza’. Tendo ao longo de

sua história períodos de inflação alta e economia instável, os brasileiros são mais propensos

ao risco do que os canadenses que possuem uma economia estável. Alguns exemplos são

observados nos depoimentos transcritos abaixo:

Na Kaiser eles apresentam resultados, eles têm muito orgulho disso. Isto é muito direto, eles não têm medo de assumir riscos, de serem agressivos.

Você querer fazer uma mudança, quando tudo está indo bem, é muito mais difícil. A gente aqui no Brasil acaba se aproveitando de momentos. O dólar dá uma disparada, os nossos custos vão para o espaço, nossa matéria-prima é toda importada. Primeira coisa que a gente faz, chama todo pessoal e diz: temos que reduzir os custos, vê o que dá para fazer aqui, parar ali, parar ali... O pessoal entende realmente porque o dólar disparou. Lá isso não acontece nunca. Lá a matéria-prima é local, que motivo você tem para falar para as pessoas: pessoal, temos que mudar. A turma ganha dinheiro, sabemos o quanto vamos vender nos próximos cinco anos, o mercado super-estável, a empresa está ganhando dinheiro, todo o final de ano anuncia que está dando bônus para fulano, bônus para sicrano, pagando dividendos para os acionistas, por que mudar?

105

Nos últimos meses tivemos que administrar um risco que não estamos acostumados. Existia uma incerteza sobre os resultados políticos no Brasil. Isto criou um risco para a Molson pela depreciação da moeda brasileira. Fomos atingidos pela incerteza da economia e do mercado lá. Isto são coisas que tivemos de administrar e que não estamos acostumados, nunca estivemos expostos a isto antes. (...) Tivemos que nos adaptar ao ambiente financeiro e político, tivemos que construir certo nível de conforto, convencer nossos acionistas, investidores e funcionários de que existe um risco, mas que este risco é administrável.

Talvez não tivéssemos estômago para o risco deste país, ou talvez não tivéssemos paciência. Quando investimos no Brasil o real estava em 2,45 seis meses depois estava 4. Isto foi desafiador, muito desafiador. Tendo em vista que era nossa primeira aquisição internacional significativa, nós estávamos muito nervosos (...) nós somos muito disciplinados na forma de gerenciar nosso capital.

A dimensão cultural individualismo/coletivismo está associada a aspectos sócio-

históricos. A cultura brasileira foi descrita pelos entrevistados como coletiva. O

individualismo canadense é reconhecido pelos entrevistados como uma característica advinda

da colonização anglo-saxã, a qual difundiu a idéia de que a América constituía um novo

mundo onde os indivíduos têm oportunidades iguais, sendo as diferenças determinadas por

características individuais. Depoimentos que distinguem as orientações individuais e coletivas

foram identificadas nas entrevistas:

É a cultura, eu sinto que somos bem diferentes, nós trabalhamos muito fortemente dentro do conceito do trabalho em equipe, compartilhamento de informações, compartilhamento de decisões, em todos os níveis, e isso eu não sinto que existe lá na Molson, pelo menos não é o que a gente ouve deles. O que eu sinto, assim de conversa, é que o esquema Molson é assim: o chefe manda e o subordinado obedece. Não é disseminada a idéia de trabalhar em equipe.

As pessoas são muito educadas, muito preocupadas com invadir o espaço alheio (...) Eu trabalhei muito tempo nos Estados Unidos, esquece é cada um por si. Faça, faça, não pergunte, faça, se der errado você paga as conseqüências.

Embora o Canadá seja apontado por Hofstede como sendo uma sociedade mais

individualista que a brasileira, vale ressaltar que os entrevistados observaram que a parte

francesa do Canadá, a província do Quebec, identifica-se com os hábitos e costumes coletivos

do brasileiro. Isto foi explicado como conseqüência da colonização latina dessa região.

Também achamos que foi fácil fazer um contato pessoal, o lado pessoal é muito importante. Porque as pessoas gostam de sair, especialmente aqui nesta província, gostamos de tomar umas cervejas, fazer festa, ir comer fora, gostamos disso. Gostamos de aproveitar a vida. Nós, canadense-franceses, somos de alguma forma diferentes dos canadense-ingleses, neste sentido. Para mim, temos muitos aspectos culturais comuns com os brasileiros. (...) Construímos um bom relacionamento que ultrapassa o trabalho é amizade.

Norte-americanos são muito cartesianos, brasileiros são mais latinos, como os canadense-franceses. Eu acredito que como os canadense-franceses, eles são menos cartesianos.

106

Outra dimensão da análise cultural de Hofstede (1980) distingue a inclinação a valores

masculinos e femininos. Tal qual sugerido por Hofstede (2001), a pesquisa empírica não

apresentou indícios de diferenças significativas nessa dimensão, Brasil e Canadá apresentam

índices médios e próximos.

A quinta dimensão de Hofstede (2001) refere-se à percepção do tempo, diferenciando

culturas com orientação para curto ou longo prazo, nesse aspecto perceberam-se diferenças

entre as culturas canadense e brasileira. Os entrevistados observaram que, em geral, os

processos no Brasil se desenvolvem de forma mais rápida do que no Canadá.

Nós estamos acostumados a fazer coisas, eu nem percebo, às vezes eu acho que nós somos devagar nessas coisas, mas a velocidade das nossas operações é muito maior do que as deles. Agora não sei se é uma questão estrutural, a impressão que dá é que aqui tudo é urgente, então a gente tem que correr o tempo todo. Eu acho que eles correm também, mas eu vejo as avaliações deles, e a impressão que dá é que não saem do lugar, eu já estou em contato com eles há dois, três anos e pra mim não mudou nada, eles continuam na mesma situação. Aqui, no Brasil, consegue-se fazer a coisa funcionar de uma forma bem mais rápida.

O timing é completamente diferente, são necessidades de mercado diferentes, (...) o diretor apresentou falando assim, bom uma coisa eu descobri no Brasil é que lá a semana deles é de 9 a 10 dias e o dia deles dura umas 32 horas.

As diferenças culturais enumeradas acima são consideradas representativas, se bem

que alguns dos entrevistados salientaram que seus depoimentos representavam opiniões

pessoais. No entanto, essas percepções individuais repetiram-se ao longo das 14 entrevistas

realizadas, coincidem com a experiência pessoal desta pesquisadora, e reafirmam as

diferenças culturais identificadas por Hofstede (2001).

Os dados empíricos indicam a interdependência entre cultura, idioma e outros aspectos

ambientais. Um exemplo observado foi o impacto de um fator político (as eleições no Brasil)

no ambiente econômico. Aspectos políticos influenciam fatores legais que por sua vez

impactam a economia, a qual se reflete em fatores sociais, dimensão esta que também é

afetada pelo ambiente físico-natural, e assim por diante. Esta rede de inter-relações é ilustrada

na figura 14.

Figura 14 – Inter-relações dos aspectos ambientais Fonte: Síntese elaborada pela autora, segundo dados de pesquisa

107

Em função da ênfase atribuída à influência do idioma, da cultura e da interdependência

desses fatores com outras dimensões do ambiente local nas ações internacionais, esta pesquisa

reconhece e adota os princípios da corrente divergente. Contudo, observam-se elementos

convergentes quando os entrevistados evidenciam pontos comuns entre Brasil e Canadá, tais

como a extensão territorial, a importância dos Estados Unidos no comércio internacional dos

dois países, objetivos políticos semelhantes de suas representações na Organização das

Nações Unidas - ONU, entre outros. Além disso, foram mencionados fatores de convergência

global, observados nesta operação de fusão e aquisição, bem como em outras experiências

internacionais. Algumas declarações neste sentido são:

Vou lhe dizer o que eu digo para as pessoas aqui: é um país normal. Você anda nas ruas e tudo é como aqui. As pessoas estão vestidas como nos vestimos aqui, os carros são iguais, as lojas são as mesmas, você cruza com as pessoas e é como se você estivesse em Chicago ou em Paris. A única diferença é que você pensa que pode falar com as pessoas em inglês e a surpresa é que eles só falam português. Fora isso é como qualquer país ocidental (...) O Brasil é assim... como os Estados Unidos da América do Sul.

Isto ocorre em qualquer indústria, faz parte do crescimento das empresas, as grandes empresas procuram agradar os seus acionistas, eles vêem que os administradores estão fazendo um bom trabalho e o valor das ações aumenta. Todas as empresas, em qualquer lugar do mundo, querem isso.

No mesmo sentido, os entrevistados identificam similaridades nas práticas culturais.

Por exemplo:

Para mim, cerveja é cerveja, eu acho que um jovem entre 18 e 26 anos, no Brasil, no Canadá, ou em qualquer lugar do mundo, é o mesmo cara. Ele quer sair, ele quer ir a festas com os seus amigos, ele quer conhecer garotas e ele gosta de tomar a sua cerveja.

Dessa forma, a análise dos dados empíricos também sinaliza a pertinência da adoção

da perspectiva convergente. Assim como a revisão de literatura, o estudo de caso sugere que

convergência e divergência não constituem pólos de um único continuum, mas dimensões de

análise ortogonais na compreensão das operações internacionais. Como sugere Ianni (1995), a

globalização é um fenômeno dinâmico e dialético. Assim sendo, convergência e divergência

interagem e definem as características das operações internacionais ao longo do

desenvolvimento das ações organizacionais, no caso da aquisição da Kaiser pela Molson essa

dinâmica foi observada em situações, como a descrita a seguir:

Alcançamos um ponto em que algumas coisas são globais enquanto outras devem respeitar a cultura local, as características e escolhas locais. (...) Um exemplo, se o objetivo global da empresa é crescer 20%, é importante que todos compreendam isso, mas o que eles vão fazer para atingir este objetivo é uma decisão local.

108

As particularidades de cada operação determinam o quanto estruturas e práticas

organizacionais convergem ou divergem entre as unidades internacionais. Além disso, a

pesquisa sugere que a dinâmica entre uniformidade global e diversidade local é negociada por

processos de comunicação organizacional à medida que evolui a operação de fusão e

aquisição internacional

Em síntese, as dimensões de análise ambiental são inter-relacionadas e influenciam-se

reciprocamente. No seu conjunto, acabam por formar uma realidade local única e distinta de

outras unidades comparáveis, sejam estas comunidades, bairros, cidades, estados ou países

que divergem entre si. No entanto, mesmo a menor unidade social possível carrega em si

características do universo global a que pertence, tornando essas unidades convergentes. A

predominância de aspectos locais ou globais é situacional, dependendo da perspectiva de

análise adotada ou do objeto em questão. Por isso, as ações organizacionais podem convergir

e divergir simultaneamente, pois são dimensões de análise distintas em constante interação.

Tal interação define a predominância de aspectos locais ou globais em cada situação

particular. Assim sendo, a identificação de diferenças e traços comuns distingue operações

nacionais e internacionais.

Exemplos da pesquisa empírica ilustram a co-existência de pontos convergentes e

divergentes nas atividades internacionais. A convergência é observada quando se identificam

aspectos comuns à ação organizacional em países distintos, isto é, quando os indivíduos

percebem que operam em um ambiente similar. No entanto, quando são ressaltadas as

diferenças, constata-se a divergência. No estudo de caso realizado, foram observados aspectos

convergentes e divergentes em cada uma das dimensões de análise ambiental. Estas

observações foram oriundas tanto dos dados primários como dos dados secundários. Alguns

exemplos são apresentados no quadro abaixo:

Quadro 6 – Exemplos de convergência e divergência entre Brasil e Canadá

Fatores Ambientais Convergência Divergência

Tecnológicos - O processo produtivo de cerveja segue padrões globais. Os ingredientes utilizados são basicamente os mesmos, as diferenças referem-se a quantidades, tempo de fermentação e temperatura de cozimento do mosto. Essas variações geram alterações no sabor, no teor alcoólico e na coloração. No entanto, o modo de fabricar cerveja é o mesmo no mundo inteiro.

- As fábricas e maquinários da Kaiser são mais recentes do que as da Molson. - Os padrões de produtividade da Kaiser estão mais próximos dos padrões mundiais do que os da Molson. - Por possuírem equipamentos mais antigos, os procedimentos da Molson de manutenção e automação são mais avançados do que os da Kaiser. - No Canadá a matéria-prima é local e no Brasil, é importada.

109

Fatores Ambientais Convergência Divergência

Políticos - Brasil e Canadá são países democráticos que possuem valores e posicionamentos similares em órgãos internacionais, tais como a ONU.

- O Brasil é uma república presidencialista, enquanto o Canadá é uma monarquia parlamentarista.

Legais - Brasil e Canadá proíbem a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.

- As leis trabalhistas e o sindicalismo canadense são mais rigorosos que as brasileiras. - No Canadá as leis que controlam a distribuição de cerveja são diferentes em cada província, como, por exemplo, Quebec e Ontário. - No Brasil a legislação tributária difere de estado para estado.

Econômicos - A agricultura é uma das principais atividades econômicas do Canadá e do Brasil. - Os Estados Unidos são o maior parceiro comercial dos dois países.

- No Brasil existem mais incentivos fiscais e facilidades de financiamento de maquinário produtivo. - A Molson é mais focada em criar valor para os acionistas do que a Kaiser. - Como comentou um entrevistado “O principal é... o primo rico e o primo pobre”.

Demográficos - A população dos dois países é formada por imigrantes e as populações indígenas são minorias (IBGE, 2006; STATISTICS CANADA, 2006).

- O Brasil possui cerca de 185 milhões de habitantes (IBGE, 2006). Em outubro de 2005, o governo canadense estimava que sua população era de 32 milhões de habitantes (STATISTICS CANADA, 2006). - A população na faixa etária consumidora de cerveja é maior no Brasil.

Sociais - Em ambos os países a população é majoritariamente católica (IBGE, 2006; STATISTICS CANADA, 2006). - Kaiser e Molson possuem projetos sociais no relacionamento com a comunidade.

- A distribuição de renda entre classes sociais é significativamente diferente entre os dois países (IBGE, 2006; STATISTICS CANADA, 2006).

Culturais - A cultura ocidental capitalista predomina nos dois países.

- Conforme apresentado anteriormente, existem diferenças culturais nas dimensões de ‘distância de poder’, ‘evitar incerteza’, ‘individualismo/coletivismo’ e ‘orientação de curto/longo prazo’ (Hofstede, 2001). - Especificamente quanto ao consumo de cerveja, uma diferença cultural é a de que no Canadá a cerveja pode ser consumida a temperatura ambiente, enquanto a preferência dos brasileiros é pela cerveja “estupidamente” gelada.

Físico-Naturais

- Brasil e Canadá estão entre os cinco maiores países em extensão territorial do planeta.

- Estando em hemisférios diferentes Brasil e Canadá apresentam significativas diferenças climáticas.

Fonte: Síntese elaborada pela autora, segundo dados de pesquisa

Assim sendo, na análise das características internacionais da ação organizacional

identificam-se e comparam-se as dimensões ambientais, isto é: aspectos sociais, culturais,

políticos, legais, físico-naturais, demográficos, econômicos e tecnológicos. Em cada ação

organizacional específica, observam-se como estes fatores ambientais estão inter-relacionados

110

e influenciam-se reciprocamente, para avaliar o quanto estes aspectos convergem ou

divergem.

Dessa forma, o ambiente internacional define-se segundo diferenças ou similaridades

das ações organizacionais, tanto interna como externamente. A predominância de aspectos

locais e (ou) globais nas ações organizacionais é definida pelos processos de comunicação

organizacional, de acordo segundo as especificidades de cada situação.

4.1.2 Fusões e Aquisições Internacionais

De acordo com a revisão de literatura, existem múltiplas abordagens para descrever o

desenvolvimento de fusões e aquisições (ver item 2.3.1). Para esta pesquisa foram definidos

pressupostos específicos para orientar o estudo de fusões e aquisições internacionais, pois, a

aplicação de um esquema de análise preestabelecido, afastaria a pesquisa dos princípios

metodológicos definidos pela grounded theory. Diante disso, o estudo de caso foi conduzido

com o objetivo de fazer emergir uma estrutura de análise que orientasse o trabalho de

pesquisa. Os pressupostos sugeridos pela constante comparação dos dados empíricos e com

referenciais teóricos sobre o desenvolvimento de fusões e aquisições internacionais são

apresentados nesta seção. No apêndice D é apresentada a rede de análise construída com

auxílio do software Atlas.ti.

Na revisão de literatura foi possível identificar que um traço comum às diversas

propostas de análise é a ênfase atribuída aos processos de negociação de fusões e aquisições e

à integração das organizações envolvidas. Embora o detalhamento ou subdivisão dessas

etapas seja variado, elas representam a distinção entre o período “pré” e a efetivação da fusão

e aquisição. Nesta pesquisa, observou-se que o período “pós” fusão e aquisição é uma etapa

sensível desse processo. Assim sendo, esta pesquisa optou pela análise de fusões e aquisições

em três etapas específicas, a saber: negociação, integração e consolidação. O anúncio oficial e

a aprovação do negócio são considerados episódios significativos que ocorrem entre estas

etapas. Tais escolhas resultaram da constante contraposição entre teoria e prática, ou seja, da

influência recíproca entre a revisão de literatura realizada e os dados empíricos coletados,

conforme sugere a grounded theory.

Devido à natureza estratégica das fusões e aquisições, observa-se que o

desenvolvimento dessas operações acompanha a hierarquia organizacional. As atividades de

111

negociação envolvem sobretudo executivos em posições estratégicas; a integração é planejada

e implantada pela média gerência de nível tático, enquanto a consolidação representa a

sincronização operacional das organizações envolvidas. O desenvolvimento estrutural dos

processos de fusão e aquisição, isto é, a evolução de suas etapas ao longo da hierarquia

organizacional está ilustrada na figura 15.

NEGOCIAÇÃO Formulação Estratégica Definição da Operação para Anúncio e Aprovação

(a) (b)

INTEGRAÇÃO Formulação do Plano de Integração Implantação do Plano de Integração

(c) (d)

CONSOLIDAÇÃO

(e) (f)

Figura 15 – Evolução estrutural do processo de fusão e aquisição Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa

112

Embora os processos de fusão e aquisição por vezes envolvam mais do que duas

unidades organizacionais, a ilustração é uma simplificação que utiliza a tradicional

representação piramidal das organizações para esboçar a associação de duas organizações

(diferenciadas pelas cores azul e vermelho) em uma única organização (de cor lilás) na

seqüência 15a a 15e. A formação da nova organização inicia-se, pelo menos de forma

conceitual, já na primeira fase de negociação e concretiza-se na etapa de consolidação.

Assim como Giroux (1999-2000), esta tese trabalha com o pressuposto de que fusões e

aquisições desenvolvem-se por processos de comunicação. Para essa autora, tais operações

evoluem em uma série de conversações, composta pela formação de grupos específicos, a

saber: o “conselho de guerra”, o “conclave”, a “assembléia dos chefes”, as “reuniões de

família” e as “sessões de trabalho” (grupos estes definidos no item 2.4). Conforme

apresentado anteriormente, esta tese compreende que os processos de comunicação envolvem

não apenas conversações, mas uma dinâmica de textos e conversações (TAYLOR et al.,

1996). Dessa maneira, os grupos de trabalho engajam-se não apenas em intensas

conversações, mas também são envolvidos na produção de textos organizacionais. A

terminologia apresentada por Giroux (1999-2000) foi adotada nesta pesquisa porque essa

nomenclatura (ver item 2.4) preserva a noção de que, embora a totalidade da organização seja

afetada pelas mudanças advindas de uma fusão e aquisição, apenas alguns dos seus membros

se envolvem nos processos de tomada de decisão relativos a operação.

A análise dos dados empíricos sugeriu que a cadeia de conversações proposta por

Giroux (1999-2000) segue a estrutura organizacional e atravessa níveis hierárquicos à medida

que estes grupos se formam para constituir a nova organização. Assim, na representação

gráfica de fusões e aquisições construída nesta pesquisa (figura 15), a cadeia de conversações

sobrepõe-se à pirâmide organizacional. A pesquisa empírica observou que tais grupos

possuem objetivos específicos, são multifuncionais e fazem fluir a operação de fusão e

aquisição ao longo da estrutura organizacional.

Assim como as etapas do processo de fusão e aquisição, a cadeia de conversações que

a constitui não é linear e os grupos identificados por Giroux (1999-2000) sobrepõem-se.

Como procura ilustrar a figura 15, os grupos são formados conforme a evolução do processo e

sua atuação destaca-se no momento em que são constituídos, pois nesse período suas

atividades são intensas. O “conselho de guerra” é instaurado na formulação estratégica e

definição dos objetivos da operação, a instituição desse grupo inicia o processo de

negociações (15a). O “conclave” instala-se quando são definidos os termos da operação para

113

que esta seja anunciada e aprovada (15b). A “assembléia de chefes” é responsável pela

elaboração do plano de integração (15c), que será implantado por meio de “reuniões de

família” e “sessões de trabalho” (15d). Na fase de consolidação observa-se que esses grupos

atuam em conjunto (15e e 15f).

Desenvolvidos os esforços de integração, pode-se dizer que o processo de fusão e

aquisição encerra-se quando estruturas, processos e comportamentos estão estabilizados em

uma só organização (representada pela cor lilás na figura 15e). A organização resultante de

uma aquisição representa a incorporação de uma organização em outra. Em processos de

fusão ocorre a criação de nova organização. Fusões e aquisições podem resultar em uma

completa reestruturação e integração total das organizações, ou uma combinação parcial das

organizações anteriores.

No entanto, o resultado de fusão e aquisição nem sempre pode ser materialmente

observado. A ilustração 15f sugere que a consolidação de uma fusão e aquisição pode

conservar as unidades organizacionais originais, especialmente quando tais unidades estão

distanciadas física e espacialmente, como é o caso de operações internacionais. Nesses casos,

a organização resultante é representada pela nova estrutura e processos internos, ou, como

descreve Giroux (1999-2000), pela reorganização dos seguintes níveis: entidade (novas

estruturas), sistema (novos padrões de relacionamento), comunidades de práticas (novos

comportamentos) e coletivo (no conjunto de estrutura, processos e comportamentos). Tal

reorganização desenvolve-se ao longo de todo o processo, mas é mais intensa na etapa de

integração (figura 15d) e se estabiliza na consolidação (15e).

Uma metáfora bastante utilizada para descrever processos de fusão e aquisição é a do

casamento (CALDAS; TONELLI, 2002; DEMERS; GIROUX; CHREIM, 2003; DOOLEY;

ZIMMERMAN, 2003). A etapa de negociação corresponde ao “namoro”, quando as partes

descobrem em que aspectos seus estilos de vida (aspectos do ambiente organizacional) e

personalidades (culturas organizacionais) são compatíveis ou não. Diante das

incompatibilidades, as partes decidem se estão dispostas a trabalhá-las ou se as diferenças

comprometem o sucesso da operação e se as negociações serão abandonadas.

Enfim, se “a coisa fica séria”, ocorre o noivado – “anúncio oficial”. A partir daí

iniciam-se os preparativos para o casamento, que envolvem o planejamento da cerimônia e da

futura união. Corridos os “proclames”, o casamento é oficializado em uma cerimônia legal,

114

religiosa ou informal. Este é momento de “aprovação” do negócio, quando se realiza a

“assinatura do contrato”, e a união é legitimada perante a sociedade.

Assim que decidem se casar, as partes iniciam um processo de “integração”, pois a

partir daí tomam decisões conjuntas. Apesar de manterem sua individualidade, cada um

considera a outra parte antes de realizar alguma ação importante, pois os dois passam a ser um

só. Os pontos relevantes que são definidos em conjunto variam conforme a dinâmica de cada

casal. Alguns vão discutir o horário da massagem e (ou) do futebol, outros vão decidir em

conjunto apenas a compra do apartamento. Enfim, a “integração” depende dos modos de

interação.

Nos casamentos, após a cerimônia, inicia-se um período de lua-de-mel, os nubentes

estão “enfim-sós” e começam a construir sua vida em conjunto. Em fusões e aquisições, os

“100 primeiros dias” são considerados críticos para o sucesso da operação, pois, como diz o

dito popular, “no convívio é que se vê quem a pessoa é”. Passado o período de festas e de

grandes transformações, seja em casamentos, seja em fusões e aquisições, chega uma época

que a união não é mais novidade e cria-se uma nova rotina. Com a operação “consolidada”,

cria-se um ambiente propício para novas mudanças estratégicas – “quando chegarão os

filhos?”.

No entanto, nem tudo são flores. Demers, Giroux e Chreim (2003) diferenciam os

“casamentos corporativos” em união de famílias, casamento racional, casamento orientado ao

futuro ou casamento baseado em afinidades. Caldas e Tonelli (2002) são mais críticos e

descrevem fusões e aquisições também como “estupros” e situações em que as pessoas são

forçadas a “dormir com o inimigo”.

Uma metáfora menos romântica para compreender os processos de fusão e aquisição é

a comparação dessas operações com a passagem de furacões. A princípio, poucas pessoas são

capazes de perceber as mudanças atmosféricas que são indícios da aproximação do furação.

Esse período, quando são coletados dados para avaliar as condições climáticas, corresponde à

etapa de “negociação”.

Uma vez confirmada a eminência do furação, é realizado o “anúncio oficial”, que

serve como alerta geral à população para tomar as providências necessárias para enfrentar

essa adversidade natural. À medida que se desenvolve, o furacão aproxima-se da região

afetada, assim como fusões e aquisições mobilizam de forma gradual as organizações

envolvidas, sendo estas “atingidas” por completo na etapa de “integração”. Depois da

115

passagem do furacão, a região é reconstruída e a vida nestes locais retorna às condições

normais, em fusões e aquisições esse período corresponde à “consolidação”. Algumas áreas

não são atingidas, outras são moderada ou gravemente afetadas pela passagem do furacão.

Apesar da imagem negativa, os furacões são fenômenos naturais necessários ao

equilíbrio do meio ambiente. Não se pode negar que processos de fusões e aquisições são

traumáticos e possuem conseqüências negativas, tais como a redução de postos de trabalho e

o fechamento de unidades fabris para gerar economias de escala ou viabilizar sinergias.

Entretanto, esses processos organizacionais podem ser percebidos como naturais e lógicos

dentro da competitiva dinâmica do mercado global. Assim como furacões, fusões e aquisições

são anunciadas e realizam-se de forma rápida para que o ambiente organizacional retorne à

normalidade.

Enquanto a figura 15 ilustra o desenvolvimento estrutural do processo de fusão e

aquisição, a figura 16 é uma representação temporal hipotética da operação. Destacam-se as

principais atividades que caracterizam cada etapa, segundo a análise dos dados empíricos e as

referências teóricas desta pesquisa. Tal qual outros processos de mudança organizacional,

processos de fusões e aquisições podem ser compreendidos a partir de um marco inicial (t1) –

negociação; seguido de um período de transformações intensas – integração e uma etapa

posterior (t2) – consolidação, na qual se observam diferenças em relação ao início do

processo.

Figura 16 – Desenvolvimento do processo de fusão e aquisição Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa

A figura acima apresenta as três etapas dos processos de fusões e aquisições,

representadas por linhas contínuas (negociação, integração e consolidação) e um período

intermediário, identificado por uma linha pontilhada (anúncio oficial e aprovação do

(t1) (t2) t

Integração

Consolidação

Anúncio Oficial

Aprovação

Formulação do Plano de Integração

Primeiros 100 Dias

Contínuos Reajustes

Avaliações Ajustes

Definição Estratégica

Seleção de operações potenciais

Acordo Inicial

Due Diligence

Acordo Final

Fechamento do Negócio

Negociação

116

negócio). O anúncio e a aprovação são diferenciados porque tais momentos envolvem

processos externos às organizações30 em fusão e aquisição, enquanto as etapas de negociação,

integração e consolidação são definidas por processos internos.

Embora essas etapas estejam representadas por linhas sobrepostas, os processos de

fusões e aquisições não são lineares, pois desenvolvem-se em ciclos. Por exemplo, pontos

definidos na etapa de negociação podem ser renegociados para a aprovação ou questionados

no momento da integração das empresas. Como em outros processos administrativos, as

etapas das fusões e aquisições são constituídas por ciclos, nos quais atividades de

planejamento31, organização, direção e controle desenvolvem-se de forma interdependente e

contínua (STONER; FREEMAN, 1995). Chanmugan et al. (2005, p. 115) destacam que em

operações bem-sucedidas

o processo de fusão e aquisição é encarado como um ciclo de vida, que começa com a estratégia prévia ao acordo (objetivos, identificação das metas e apreciação), prolonga-se durante a consolidação das negociações e continua depois da integração pós-fusão.

Fusões e aquisições alcançam os resultados esperados quando a finalidade da operação

não é ofuscada pelos objetivos de cada fase do processo. Não são raros os casos em que as

empresas concentram-se na efetivação do negócio e negligenciam os processos subseqüentes.

Quando algum momento ou processo se sobressai, atividades meio tornam-se fins. Fusões e

aquisições são processos complexos que se desenvolvem em etapas. Durante sua evolução, é

necessário manter o foco nos fatores que motivaram essa escolha estratégica e compreender

que as etapas são elementos de uma operação mais ampla. Os objetivos da fusão e aquisição

visam à criação de valor para as organizações envolvidas e são mais importantes do que o

processo pelo qual ela se desenvolve (CHANMUGAN et al., 2005).

Embora etapas sejam meios para atingir fins, o desenvolvimento dessas etapas

caracteriza processos de fusões e aquisições internacionais. Assim sendo, nas seções seguintes

são caracterizadas as etapas de negociação, integração e consolidação, bem como os

momentos do anúncio e aprovação do negócio. Nesta pesquisa, fusões e aquisições

30 Conforme os objetivos apresentados, neste trabalho são analisados os processos internos às organizações em fusões e aquisições internacionais. Contudo, são considerados impactos internos de atividades externas. Dessa forma, o anúncio e a aprovação são abordados de maneira diferenciada; pois o anúncio é a apresentação da operação à comunidade externa, e a aprovação final da operação é realizada por agências reguladoras. 31 A etapa de integração costuma ser identificada como planejamento e implementação das mudanças advindas de fusões e aquisições. Nesta pesquisa, observou-se que a atividade de planejamento está presente em todas as etapas dessas operações. Para diferenciar o planejamento, como processo administrativo, da atividade tática realizada na etapa de integração, a última foi denominada formulação do plano de integração.

117

internacionais foram definidas segundo sua natureza, duração, objetivo, resultado, eventos

significativos, atividades, clima organizacional característico, dificuldades e elementos

facilitadores.

4.1.2.1 Negociação

A etapa de negociação é a mais explorada pela literatura especializada (KEY, 1992).

Seja pela natureza estratégica da operação (RASMUSSEN, 1989), seja pelos termos

financeiros da operação: avaliação das organizações e definições de preço, o impacto da

operação no valor das ações das empresas envolvidas, formas de pagamento etc.

(BIESHAAR; KNIGHT; VAN WASSNAER, 2001; CAMARGOS; BARBOSA, 2003). Além

disso, a análise dos dados secundários indicou que a imprensa de negócios enfatiza a

realização de fusões e aquisições no período de negociações, procurando antecipar-se ao

anúncio oficial. A cobertura jornalística diminui significativamente após esse período inicial,

sendo, eventualmente, retomada por ocasião da aprovação do negócio. Apesar do seu

destaque na imprensa e na academia, a negociação é tão importante quanto as demais etapas

das fusões e aquisições.

A fase de negociação inicia-se quando os agentes do processo tomam conhecimento da

operação, sendo que cada membro da organização pode ser informado em diferentes

momentos conforme o grupo de trabalho de que participe. Para os membros do “conselho de

guerra”, esta etapa inicia-se com a formulação estratégica do negócio. Aqueles que fazem

parte do “conclave” tomam conhecimento da operação, quando são negociados os termos do

contrato, ou seja, quando se desenvolve a chamada “engenharia do negócio”. A “assembléia

dos chefes” será formada quando começam as atividades para formulação do plano de

integração. Tais atividades constituem o início da fase de integração, que pode ocorrer em

paralelo à fase de negociação, ou ser realizada apenas depois do anúncio de aprovação do

negócio, conforme o modo pelo qual a operação é conduzida.

A etapa de negociação é concluída com o fechamento do negócio e a devida assinatura

do contrato de fusão e (ou) aquisição. A elaboração do contrato é a essência e o objetivo desta

fase. Cada termo, cada cláusula são discutidos. Ainda que bancos de investimento e

advogados padronizem o processo, cada caso é particular. De fato, a conclusão do negócio

concretiza-se com a obtenção da aprovação pelo conselho de administração, acionistas e

118

agências reguladoras. Até a aprovação, a negociação pode ser retomada, pois os termos que

definem a operação podem vir a ser questionados e renegociados.

Esse ciclo de renegociações pode ser observado na fusão que criou a AmBev, da qual

decorreu a aquisição da Bavaria pela Molson. A apreciação da proposta de fusão pelo Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC)32 durou mais de nove meses – anúncio em

02/07/1999 e assinatura do termo de compromisso em 19/04/2000 (CADE, 2000). Ainda

assim, o parecer final do CADE impôs restrições à fusão, dentre elas a venda da marca

Bavaria e de cinco fábricas. Tais restrições marcaram o início de um novo o ciclo de

negociações, o qual viabilizou a criação da AmBev, bem como a aquisição da Bavaria pela

Molson.

Conforme as exigências das autoridades, ou a reação dos acionistas, os ciclos de

negociação são retomados, até o fechamento do contrato e a respectiva aprovação do negócio.

Na fusão da Molson com a Coors, o ponto de divergência, diversas vezes renegociado, foi o

valor das empresas a serem fusionadas, o que determinava a distribuição e o valor das ações

da nova organização. As renegociações estenderam-se do anúncio oficial, realizado em

22/07/2004 (MOLSONCOORS, 2004a), à aprovação final dos acionistas ocorrida em

fevereiro de 2005 (MOLSONCOORS, 2005). Este exemplo ilustra como os momentos de

anúncio e aprovação intercalam-se à etapa de negociação.

Visto que estratégias representam a interface entre os ambientes internos e externos à

organização (MEIRELLES; GONÇALVES, 2001), antes de decidir pela realização de fusões

e aquisições, as organizações passam por uma intensa atividade de análise ambiental. No caso

estudado, a Molson interpretou que a estabilização do seu crescimento devia-se à saturação do

mercado interno e sua baixa presença internacional. Esse era o sentido que a companhia

atribuiu ao ambiente organizacional no final dos anos 90. A escolha estratégica por uma

operação de aquisição internacional originou-se da análise do mercado mundial de cerveja. A

empresa compreendeu a globalização como aumento da competitividade e necessidade de

inserção global. Conforme declaram alguns entrevistados:

Você tem que fazer isto porque no futuro sua possibilidade de sobrevivência irá depender da sua habilidade em participar desta consolidação mundial.

Passamos muito tempo pensando sobre uma expansão internacional. De forma bastante analítica observamos que a indústria cervejeira, sendo próxima à indústria

32 O SBDC é formado pela: Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça.

119

de destilados, confecções, tabaco e outros produtos de consumo similares, provavelmente entraria em um período de rápida consolidação. Na metade dos anos 90, vimos que isto estava iniciando. A Heineken estava investindo em outras companhias, a Interbrew estava começando a crescer, e outros como South African Brewery estavam expandindo. Então começamos a analisar onde existiam oportunidades no mundo.

Com o mercado globalizado, todo mundo tem que tomar uma decisão, eu posso ser um consolidador ou um consolidado. Eu tenho que decidir de que lado da cerca vou ficar. Antes ninguém tinha de tomar este tipo de decisão. Antes todos estavam operando de forma local e só se preocupavam em crescer. Agora você tem que decidir, ou você é um consolidador, isto é, você vai comprar, ou você tem de vender, talvez não este ano, mas no futuro, mas você tem que ter um plano.

Tomada a decisão estratégica, o próximo passo para operacionalizar fusões e

aquisições é a seleção de potenciais operações. No caso estudado, a Molson passou a

selecionar possíveis aquisições. Em um estudo internacional, realizado com o auxílio de uma

consultoria externa, a empresa identificou que na América do Norte o mercado estava

estabilizado em termos de consumo, fatores econômicos e demográficos. Cenário considerado

como pouco propício para promover o crescimento da empresa. A Europa era uma opção de

investimento em mercado estável, mas apesar das possibilidades de aquisição, é um mercado

disputado por vários concorrentes. Em mercados emergentes foram conduzidos estudos na

Europa do Leste, Austrália, Nova Zelândia e nas Américas. México era uma alternativa pela

proximidade geográfica, mas o mercado é dominado por duas cervejarias que controlam o

sistema de distribuição. O mercado da América Central é pequeno e apresenta altos os custos

de entrada. Na América do Sul, foram estudadas alternativas no Chile, Argentina, Paraguai,

Uruguai e Venezuela. À época do estudo, o Brasil era o quarto maior mercado em consumo

de cerveja no mundo e apresentava boas características demográficas. O país tornou-se ainda

mais atraente quando a marca Bavaria foi colocada à venda por disposições legais. Essa

“oportunidade” foi citada em diversas entrevistas, e o texto ilustra a análise ambiental

realizada:

O Brasil foi identificado como um país onde existia possibilidade de realizar aquisições. Em termos demográficos, uma grande população jovem onde o número de consumidores de cerveja tende a crescer. Além disso, havia a oportunidade de aquisição devido a uma decisão legal. As autoridades reguladoras da competição determinaram que a AmBev deveria vender, então criou-se a oportunidade. (...) A Bavaria tinha uma pequena fatia do mercado, era uma oportunidade de conhecer o mercado brasileiro sem muito risco. (...) O pagamento seria realizado de acordo com o crescimento da participação no mercado e a AmBev continuaria responsável pela distribuição do produto. (...) A aquisição da Bavaria foi um investimento, como colocar dinheiro num banco e ver ele crescer.

Esse sentimento de aproveitar a oportunidade pode estar presente nas negociações com

vistas a operações de fusão e aquisição. A vontade de “não perder o negócio” e a

120

possibilidade de um futuro glorioso para a organização criam um clima de ansiedade,

insegurança e euforia entre os indivíduos que participam da negociação. Como afirmam

Caldas e Tonelli (2002, p. 172),

qualquer um que tenha sido uma testemunha de uma fusão deve ter percebido que, embora o discurso predominante seja de conquista de um casamento idealizado, ou de um futuro onde todos serão felizes para sempre, os sentimentos de euforia e vitória tendem a se misturar com ondas de medo, ansiedade e grande confusão.

Após a aquisição da Bavaria, a Molson procurou aumentar sua participação no

mercado brasileiro. Mais uma vez a empresa iniciava um processo de análise ambiental para

selecionar potenciais aquisições. Por sua vez, a análise do ambiente realizada pela Kaiser,

após a formação da AmBev, apontava para a necessidade de maiores investimentos para

continuar competitiva. A decisão estratégica dos engarrafadores de Coca-Cola, proprietários

da Kaiser, foi a venda do negócio. Para isso, contrataram um banco de investimento para

realizar a operação e selecionar potenciais compradores.

Em função da reconfiguração do mercado nacional e da rápida consolidação no

mercado mundial, a Kaiser buscou compradores internacionais, tais como Coors, South

African Breweries, Anheuser-Busch e Heineken. No entanto, a Molson não foi convidada

para participar do processo, pois não foi identificada como potencial compradora devido a sua

parceria de distribuição com a AmBev. Como a Molson já tinha planos para expandir sua

participação no mercado brasileiro, ao ser informada da intenção de venda da Kaiser,

negociou sua participação no processo de aquisição para avaliar a empresa e realizar uma

oferta de compra.

Esses exemplos do estudo de caso realizado ilustram como a etapa de negociação

abrange atividades de análise ambiental, decisão estratégica e seleção de operações potenciais.

Durante essas atividades realizam-se projeções para a futura organização e se definem os

objetivos estratégicos da empresa, neste caso o crescimento e expansão internacional. Durante

a negociação as empresas identificam os ganhos a serem alcançados pelo desenvolvimento de

sinergias entre as organizações. Definidos os aspectos estratégicos, a negociação segue com

atividades que visam à concretização do negócio, tais como: o acordo inicial, o processo de

due diligence, as definições das características do negócio (também denominadas “engenharia

da operação”), o acordo final e o fechamento do negócio.

No acordo inicial, as partes firmam um acordo de confidencialidade. Em casos de

aquisição, os potenciais compradores enviam uma carta de intenções e solicitam permissão

para conhecerem a organização em detalhes. Em geral, os compradores realizam uma

121

pesquisa para obter informações sobre empresa, mas durante a negociação procuram conhecer

a empresa in loco e proceder a análises detalhadas. Na realidade, uma das dificuldades do

processo de negociação é a falta de informação, o que gera muitas incertezas. Por isso, o

prévio conhecimento do mercado e das organizações envolvidas facilita o processo.

A análise aprofundada das organizações constitui a chamada due diligence conduzida

pelas empresas adquirentes e (ou) seus consultores. A princípio essa atividade fundamenta-se

em documentos elaborados pela empresa que está à venda. No caso analisado, a AmBev

preparou informações sobre a Bavaria. A Kaiser elaborou relatórios de acordo com os

requisitos do banco de investimentos que estava intermediando a operação. A preparação de

tal material foi percebida pelos entrevistados como uma atividade de destaque no período de

negociações.

Quando houve a aquisição o banco coordenava todas as ações e se dividiu a área financeira, a área técnica e área comercial (...) Fornecemos dados para alimentar o banco que por sua vez montou um relatório. Nós preparamos a parte técnica, fizemos toda a descrição dos equipamentos, em várias unidades, todas as plantas. Em cada unidade, com detalhes sobre tamanho, áreas construídas, partes não construídas, edifícios, benfeitorias em cada planta, investimentos para fins de manutenção, e investimentos na expansão das fábricas, a explicação técnica dos ativos (...) Depois nós começamos a acompanhar os candidatos em potencial para visitar as fábricas e ver de perto o grupo Kaiser. (...) Então depois de várias negociações, a Molson assumiu a Kaiser.

Como se observou na pesquisa empírica, potenciais vendedores fornecem um relatório

detalhado sobre a situação da organização. A preparação deste “mostruário de vendas”, mais

conhecido como “book” ou “perfil do negócio”, é orientada por consultores externos, tais

como bancos de investimento e advogados. O “perfil do negócio” apresenta a organização em

suas especificações técnicas, patrimoniais, econômicas, financeiras e mercadológicas

(incluindo valores de marca, análise do mercado e da concorrência). Embora nem sempre

presentes, dados sobre recursos humanos constituem um capital intangível a ser avaliado e

considerado. Um exemplo disto pode ser observado no depoimento a seguir:

Você precisa compreender como eles tocam o negócio, você precisa ser aberto para perceber as coisas que eles fazem. É a natureza humana, não tem nada a ver se é no Brasil ou na Argentina, ou em qualquer outro lugar do mundo.

Uma prática recorrente em processos de negociação de “fusões e aquisições” é a

utilização dos chamados clean rooms33, “mecanismos de due diligence, ou checagem de

informações, com os quais especialistas autônomos podiam avaliar os dados importantes

33 A tradução literal de clean room é quarto limpo. Como essa é uma expressão de uso comum em processos de fusões e aquisições, optou-se pela manutenção do original em inglês.

122

sobre os parceiros de fusão e aquisição em prospecção, em espaços fisicamente separados e

legalmente isolados” (CHANMUGAM et al., 2005, p. 116). Em geral, os clean rooms são

estabelecidos em hotéis e são equipados com documentos sobre as organizações envolvidas.

Tal procedimento foi observado no caso estudado:

Nós fomos para o Brasil realizar a due diligence, foi um procedimento cirúrgico. Fomos instruídos para ficar no hotel e retirar qualquer elemento que pudesse nos identificar: cartões de negócios, bilhetes de avião, etiquetas de patrimônio coladas nos laptops, protetores de tela, tudo. Nós éramos completamente anônimos, não podíamos falar de Molson, Kaiser, Bavaria em lugar nenhum. O único lugar em que poderíamos falar era em uma sala do hotel, onde ocorria o processo de due diligence. Esta sala foi inspecionada por nós e era regularmente inspecionada. Não falávamos no telefone, não falávamos no celular, não falávamos entre nós no hotel, ou nos táxis. Falávamos apenas sobre a família, o clima, essas coisas. Nos alertaram de que não queriam ler sobre o negócio nos jornais, se algo vazasse nós perderíamos o negócio.

Realizada a análise documental, ocorrem visitas às unidades a serem adquiridas.

Antes de visitar as cervejarias passamos muito tempo no data room analisando os livros da Kaiser. (...) Para mim a due diligence foi uma validação das informações, e aconteceu que tudo que estava no livro era verdade. Não houve surpresas ruins. Foi conferir se não haveria grandes prejuízos.

Passamos três ou quatro meses trabalhando intensivamente, realizando visitas, reuniões com o pessoal da Kaiser, com distribuidores, analisando dados financeiros, observando o desempenho das marcas, tentando entender o acordo de distribuição com a Coca-Cola...

A utilização dos “clean rooms” durante a due diligence está relacionada ao sigilo da

operação. O sigilo pode ser uma condição legal, ou um artifício para preservar os ganhos da

operação diante da concorrência. Manter a operação em segredo pode provocar rumores, os

quais podem apresentar conseqüências positivas e negativas (ISABELLA, 1990). Desta

forma, boatos são negados ou confirmados tão logo sejam detectados. Rumores infundados

podem comprometer a negociação. Embora a literatura aponte resultados controversos quanto

ao sigilo da operação (SCHWEIGER; DENISI, 1991), essa é uma prática comum também

identificada no caso estudado, como ilustra o depoimento a seguir:

Eu não podia tirar fotos, não era permitido, eu não podia nem tomar notas, tudo foi feito, muito, muito discretamente. Não era uma coisa da Kaiser, mas do banco de investimentos que estava intermediando o negócio, sempre tinha um representante do banco de investimento conosco.

As leis do mercado de ações impõem a necessidade de sigilo, pois se uma empresa

está sendo vendida, ela pode desvalorizar. Além disso, as oscilações dos valores das ações no

mercado podem comprometer as negociações. Como comentou um entrevistado:

No caso de uma fusão e de uma aquisição, o grande problema é o seguinte, se o processo de comunicação não for bem conduzido ele pode vir a inviabilizar o

123

processo de fusão. Isso pode significar milhões para qualquer um dos lados e deixar o processo tecnicamente inviável. Você imagina se durante um processo de negociação 10, 15 dias antes de fechar o negócio com a Molson, saísse na mídia que a Heineken, ou sei lá outra empresa, acha que a Kaiser vale 400 milhões de dólares, você acha que o conselho lá segue aprovando que a Molson chegue aqui e compre por um bi, talvez não. E se for o contrário, se alguém diz aqui que vale um bi e meio, será que todos os acionistas que já estavam contentes em vender por um bi seguem querendo só um bi, ou querem um bi e 400 (...) No ponto de vista da importância do processo, eu acho que ele é muito mais complexo, por isso a gente começa a tomar cuidados que às vezes até podem parecer paranóia, nessa situação tem que cuidar de todos os pequenos detalhes; qualquer um desses pequenos detalhes que der errado pode colocar por água abaixo um projeto de longuíssimo prazo que é uma parceria estratégica.

Têm certas partes do negócio que requerem confidencialidade, isso é natural, naquele momento de avaliação, até para não queimar cartucho, não queimar filme...

No caso estudado, a necessidade de sigilo foi determinada pela dinâmica do mercado

de ações, pois a Molson é uma empresas de capital aberto. Na definição das características do

negócio um dos elementos críticos é o acordo com relação ao valor da operação e as formas

de pagamento. No caso da aquisição da Kaiser, os entrevistados confirmaram a importância

destes itens:

Um marco no processo foi a negociação de preço, houve uma recomendação do banco de investimento, por um lado, e, de outro lado, os vendedores (...) eu não sei o que aconteceu nos bastidores, nós não estávamos lá, mas eles fizeram uma recomendação e os acionistas aprovaram aquela recomendação.

Houve muita negociação para que o pagamento fosse feito com ações da companhia. No Canadá estamos habituados a esse tipo de operação, mas parece que no Brasil isso não é muito comum.

Para garantir o sigilo e a imparcialidade do processo, é comum que a negociação seja

conduzida por assessores contratados, profissionais independentes que interagem com a

cúpula da organização. Em operações internacionais, esses assessores oferecem referências

quanto ao ambiente local. A importância dos assessores externos foi reconhecida pelos

entrevistados:

Não foi fácil fazer a avaliação do negócio. Primeiramente as regras de contabilidade são diferentes, em geral as normas são diferentes, sistemas de impostos diferentes. Os impostos no Brasil são extremamente complicados quando comparados ao sistema de impostos canadense. (...) Contratamos assessores locais para nos auxiliar, empresas internacionais com escritórios locais. Durante todo o processo de negociação tivemos assessoria em diferentes áreas, contamos com pessoal externo para compreender impostos, aspectos legais, métodos de contabilidade etc.

Além dos assessores externos, a participação de profissionais das organizações

envolvidas na negociação facilita a integração posterior. Nas aquisições brasileiras, os

profissionais da Molson que participaram do processo de due diligence, continuaram

124

envolvidos na operação e o conhecimento anterior de seus parceiros no Brasil foi percebido

como elemento facilitador da integração.

Outro ponto de negociação é a definição da data para do anúncio oficial da operação.

Embora os membros das organizações envolvidas já tenham conhecimento da operação (por

meios formais ou informais), o anúncio divulga o acordo final e oficializa a operação interna e

externamente. Quanto ao anúncio e à aprovação, é importante que seja negociada a existência,

ou não, de uma “cláusula de reversibilidade”, a qual estabelece os direitos e deveres das

partes, caso a operação não seja aprovada, ou se ocorrer um anúncio prematuro que possa

inviabilizar o negócio. Na seção seguinte, são descritos os momentos do anúncio e da

aprovação de fusões e aquisições internacionais.

4.1.2.2 Anúncio e Aprovação

Embora envolvam processos externos, o anúncio oficial e aprovação do negócio são

eventos críticos do processo de fusão e aquisição, pois são marcos no desenvolvimento da

operação. No anúncio, o negócio, mesmo que inconcluso, torna-se de domínio público. A

aprovação legitima a operação perante governo, mercado e sociedade. Esses momentos

ocorrem entre as etapas de negociação e integração e são diferenciados na figura 15 por uma

linha pontilhada.

No anúncio a fusão e aquisição torna-se visível para os funcionários de nível

operacional e para o público externo. O anúncio oficial é uma atividade de divulgação e

apresentação de projeções para a nova organização. Além disso, representa a notificação

oficial da operação às autoridades reguladoras, a partir daí essas entidades iniciam a análise

do negócio.

Internamente a empresa mobiliza recursos para viabilizar a aprovação, seja pela

renegociação de termos do contrato, ou pela persuasão dos agentes externos responsáveis pela

decisão de aprovação. Profissionais do quadro efetivo da empresa ou assessores externos

passam a desenvolver atividades nas fronteiras organizacionais. Advogados ou agentes de

lobby34 fazem a mediação entre as instituições reguladoras e as empresas interessadas. Tais

atividades são consideradas externas às organizações em fusão e (ou) aquisição internacional

34 Termo de origem inglesa definido como “atividade de pressão de um grupo organizado (de interesse, de propaganda etc.) sobre políticos e poderes públicos, que visa exercer sobre estes qualquer influência ao seu alcance, mas sem buscar o controle formal do governo” (HOUAISS, 2006).

125

porque a instância de decisão é externa. Internamente a empresa adapta-se à decisão

anunciada. Até a aprovação final do negócio, realizam-se esforços para conciliar interesses

internos e externos.

As instâncias de aprovação das operações de fusão e aquisição internacionais são

conselhos de administração e acionistas das organizações envolvidas, assim como agências

governamentais reguladoras da concorrência nos países de atuação da empresas. Por exemplo,

no caso da criação da MolsonCoors, além do parecer das agências americanas e canadenses, o

Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) pronunciou-se sobre a fusão em

função das operações da Molson no Brasil (MINISTÉRIO DA FAZENDA / SEAE, 2004).

Conselhos de administração e acionistas são grupos formados por membros internos e

externos às organizações em fusão e aquisição. No caso estudado, a maioria dos membros do

conselho, bem como dos acionistas da Molson, não participava da administração da empresa.

Assim sendo, o processo de aprovação foi considerado como externo. Embora conselho e

acionistas estejam a par das intenções estratégicas da fusão e aquisição, é necessário aprovar

detalhes do negócio, tais como preço e forma de pagamento. Na formação da MolsonCoors, a

aprovação destes “detalhes” prolongou-se por seis meses. O anúncio foi realizado em

22/07/2004 e a aprovação pelos acionistas ocorreu apenas no início de 2005, em 28/01/2005

pelos acionistas da Molson e 01/02/2005 pelos acionistas da Coors (MOLSONCOORS,

2005).

Sob o imperativo de renegociar os termos do contrato para equilibrar interesses

internos e externos, os responsáveis pelo processo de fusão e aquisição (‘conselho de guerra’

e ‘conclave’) experimentam um estresse emocional, em função da pressão do tempo ou pela

apreensão e pelo receio de que a operação não seja aprovada. O clima de insegurança pode

espalhar-se por toda a organização, uma vez que a operação já é pública. Isto pode afetar não

apenas a aprovação do negócio, mas também o processo de integração.

Quando uma fusão e aquisição é anunciada, observa-se a construção coletiva (interna e

externa) de cenários futuros. Um exemplo observado na formação da AmBev foi a divisão da

opinião pública entre aqueles que, como a empresa, aprovavam a criação de uma

“multinacional brasileira” e aqueles que, como a Kaiser, viam a operação como formação de

um oligopólio que prejudicaria a concorrência no mercado interno. Surgiram boatos pró e

contra a operação. Comentavam-se possibilidades diversas, desde a exportação do guaraná até

o aumento abusivo do preço da cerveja.

126

Mesmo que a lógica do negócio seja apresentada de forma positiva, a maior parte das

projeções é pessimista. No caso da aquisição da Kaiser pela Molson, a justificativa

apresentada era de que para concorrer com um gigante como a AmBev, a empresa precisava

de um parceiro internacional e novos investimentos para continuar a crescer; no entanto,

surgiam boatos, tais como:

A Kaiser está sendo vendida, não se sabe para quem. Quando for vendida, vão fechar tantas fábricas, vão ser demitidos 50% dos funcionários, vai acabar a matriz aqui, não vai precisar mais. Coisas assim.

Em função da construção de perspectivas negativas, o anúncio tende a ser visto como

“coisa para inglês ver” ou “história para boi dormir”. Instaura-se um clima de desconfiança, o

anúncio é percebido como “algo para mascarar a realidade”. Fica no ar a impressão de que

“estão escondendo algo” ou “vem coisa por aí”. Por exemplo, a AmBev tornou-se um gigante

global após a fusão com a Interbrew em 2004 (LUZ; SORIMA NETO, 2006). Na criação da

InBev, a empresa admitiu que a inserção no mercado global era o objetivo estratégico que

orientava a fusão de 1999. No entanto, essa intenção não foi anunciada à época da fusão entre

Brahma e Antarctica.

Observa-se que as dificuldades oriundas da formação de cenários negativos podem ser

contornadas por um trabalho de comunicação que explique a lógica do negócio e informe suas

conseqüências imediatas. Nesse momento a comunicação é uma atividade interna e externa.

Como ilustra o depoimento abaixo:

Quando o negócio foi fechado, os funcionários da Molson foram notificados por e-mail e por anúncios no quadro de avisos de todas as cervejarias e departamentos, porque nem todos os nossos funcionários têm e-mails, você sabe, no chão de fábrica. Ao mesmo tempo foi solto um press release, então também foi anunciado nos jornais. Sempre tentamos, mas nem sempre somos bem-sucedidos, que nossos empregados sejam informados de uma decisão como esta antes que ela se torne pública. (...) Esta informação precisa se tornar pública muito rápido, tão logo a decisão seja tomada, porque somos uma empresa de capital aberto.

Se o público interno e a opinião pública manifestarem-se de forma favorável à

operação, compreendendo as motivações estratégicas da fusão e (ou) aquisição, esse apoio

pode facilitar a aprovação do negócio pelo conselho de administração, acionistas e

autoridades reguladoras. A partir da aprovação do negócio, a nova organização passa a existir

juridicamente, a entidade organizacional é “oficialmente” constituída. A existência de fato da

nova organização, em suas estruturas, processos e práticas, ocorre apenas na consolidação,

conforme o desenvolvimento da etapa de integração.

127

4.1.2.3 Integração

A partir do anúncio, inicia-se um período significativo no processo de fusão e

aquisição que compreende os primeiros 100 dias em que as empresas atuam em conjunto.

Conforme testemunho de um entrevistado:

O grande desafio era realmente passar da noite pro dia a gerenciar nove fábricas mais cinco, com a estrutura que estava acostumada a trabalhar só com as nove fábricas nossas. Quer dizer, eu acordei de manhã, e falei assim: bom a partir de hoje você não é o responsável pela operação de nove fábricas, a partir de hoje você é o responsável pela operação de treze fábricas, quatorze fábricas. O desafio era como juntar isso tudo e como fazer isso funcionar, minimizando custos e otimizando a malha de distribuição de produto.

O objetivo da integração é criar uma nova organização, nos casos de fusão, ou em

aquisições integrar a companhia adquirida na estrutura da adquirente. Quando da aquisição da

Bavaria, a Molson montou uma estrutura para gerenciar o negócio; estrutura esta que foi

absorvida pela Kaiser. Na aquisição da Kaiser, a Molson transferiu o controle da Bavaria para

a Kaiser (MINISTÉRIO DA FAZENDA / SEAE, 2002). Embora o controle acionário da

Kaiser tenha sido vendido para a Molson, a integração entre estas organizações apresentou

características de uma fusão. Assim, a integração Molson/Kaiser foi percebida como uma

fusão, e a união Bavaria/Kaiser como uma aquisição. Como sugerem os entrevistados

Na realidade a fusão entre Molson Canadá e Kaiser foi mais fácil do que Kaiser e Bavaria. (...) Não foi uma fusão, basicamente nos amalgamamos a Bavaria na Kaiser. Mantivemos a estrutura da Kaiser e eliminamos todos os custos fixos da Bavaria, a estrutura administrativa e tudo mais, só foi mantida a marca.

Na etapa de integração são formuladas, divulgadas e executadas as atividades táticas

que construirão a nova realidade organizacional. Essa etapa não é explorada pela literatura

(CALDAS; TONELLI, 2002; BINDER; CARVALHO, 2005), talvez por sua natureza prática

e situacional. O caráter empírico da integração foi destacado nas entrevistas:

O maior problema ou maior desafio, eu não deveria dizer problema, deveria dizer desafio, é quando você tenta integrar as operações. A realidade que você adquiriu ou com a qual você está se fusionando. Neste momento você tem menos recursos externos que possam auxiliar, não existe uma receita a seguir.

O plano ainda está em andamento, ainda não terminou e nunca vai terminar realmente. A integração vai estar sempre evoluindo, a velocidade com que esta integração evolui é uma coisa específica de cada negócio. Depende de como o negócio está indo e de onde os recursos podem ser aplicados.

O plano de integração é um programa de mudanças nos recursos humanos, materiais,

financeiros e de informação das organizações envolvidas em fusões e aquisições. A literatura

recomenda que as principais mudanças sejam implantadas e executadas da maneira mais

128

rápida possível. A etapa de integração inicia-se com a formulação do plano de mudanças, o

qual pode ser elaborado mesmo antes do anúncio oficial.

Aconselha-se que, desde o início das negociações, sejam formados grupos de trabalho

com membros das organizações envolvidas para planejar as mudanças necessárias e viabilizar

as sinergias que constituem o objetivo primário dos processos de fusões e aquisições. Além

dos grupos de trabalho que partilham a tarefa de planejamento e implantação das mudanças,

sugere-se a designação de um único responsável pela integração. O “administrador da

integração” coordena os grupos de trabalho e é um “embaixador” da adquirente na empresa

adquirida. Em casos de fusão o “agente de mudanças” pode ser um profissional externo

contratado para esta tarefa. Essa prática não foi observada no estudo de caso realizado, mas

um informante atestou a importância de tal função:

Eu participei de outras aquisições internacionais em que nós achamos uma pessoa, nós contratamos uma pessoa designada para ir e voltar, se mudando para lá por um tempo para cimentar algumas de nossas melhores práticas, para trazer para aquelas empresas uma ajuda para executarem as tarefas de uma maneira melhor. Eu acho que se você consegue achar uma pessoa que saiba escutar, que sabe o quê é bom e o quê é ruim sem ter uma preferência pessoal por suas próprias coisas, é muito importante, porque esta pessoa é um canal direto entre o seu negócio e a empresa adquirida. É como um embaixador que está lá o tempo todo.

Os grupos de trabalho e a comparação entre as organizações são constituídos sob

diferentes bases: técnica, comercial, financeiro ou de recursos humanos. Na pesquisa empírica

realizada, estudou-se a integração da área técnica, porque esta integração requer uma re-

engenharia do processo produtivo e é uma realidade mais próxima aos estudos em Engenharia

da Produção.

O planejamento da integração também pode ser orientado por consultores externos,

mas o engajamento do pessoal interno é fundamental para o bom andamento da operação de

fusão e aquisição. Este foi o caso nas aquisições da Molson em particular na integração da

Bavaria na estrutura da Kaiser:

Certamente as pessoas estavam se perguntando o que iria acontecer mais adiante. Logo no início, nós contratamos uma consultoria para desenvolver um plano de negócios. Eles trabalharam lá uns três meses. Isto trouxe uma diferente perspectiva para os negócios.

Nós preparamos um esqueleto, porque nós precisávamos desencadear o processo. Primeiro apresentamos um documento que dizia como nós acreditávamos que deveríamos trabalhar juntos. Oferecemos a eles a opção de dar sugestões, mas muito raramente você consegue uma participação logo no início. As pessoas colocam-se numa posição de esperar e ver o que vai acontecer. Então apresentamos os projetos que julgávamos importantes e durante várias reuniões analisamos estes projetos. Nós os convidamos a participar, queríamos que eles se envolvessem, estabelecendo os prazos para realizar as mudanças ou sugerindo outras maneiras

129

para executar estas mudanças. Nós tentamos fazer com que eles fizessem parte do plano.

A etapa de integração constitui um período de intensas transformações. Segundo

Bartlett e Ghoshal (1998), as mudanças organizacionais ocorrem em três níveis, a saber:

estrutura e responsabilidades formais (anatomia), relacionamentos e processos interpessoais

(fisiologia), e atitudes e mentalidade dos indivíduos (psicologia).

Assim sendo, a primeira mudança a ser definida e implantada é de caráter estrutural,

pois quando duas ou mais organizações são integradas, identificam-se atividades, cargos e

funções duplicadas ou que se sobrepõem. Embora as organizações já tenham conhecimento

das características de suas parceiras na fase de negociação, é na etapa de integração que as

empresas comparam suas operações, identificam as melhores práticas e iniciam processos de

transferência de conhecimento para sincronizar suas operações e processos de trabalho.

Pelo intercâmbio das melhores práticas, as organizações desenvolvem sinergias que

criam o valor estratégico das fusões e aquisições. Uma sinergia observada no estudo de caso

realizado foi a possibilidade de equilíbrio no fluxo de caixa da Molson. Devido à

sazonalidade do mercado de cerveja, a empresa pôde equilibrar suas finanças, pois na

América do Norte os maiores volumes de venda são de maio a outubro, enquanto no

hemisfério sul esse período se estende de novembro a abril. Embora diferentes, as cervejarias

da Kaiser no Brasil são novas (em média 20 anos) e possuem alto nível de tecnologia e

capacidade produtiva; já as fábricas canadenses são bicentenárias e possuem limitações físicas

e espaciais; a integração entre operações brasileiras e canadenses gerou transferência de

conhecimento e tecnologias de gestão da produção, como demonstram os depoimentos a

seguir:

Nós estamos trabalhando em uma tecnologia para produzir cervejas com sabores, os chamados "alcoholpops". Nós estamos liderando este projeto aqui e achamos que esta tecnologia cervejeira pode ser útil para a Kaiser. Existem áreas de aprendizado mútuo. Se bem que, eu devo admitir, que provavelmente a Molson aprendeu mais com a Kaiser do que a Kaiser com a Molson. Do ponto de vista das operações, eu estou falando somente da produção, não posso comentar em outras áreas. Mas, nós aprendemos muito. (…) Por anos estávamos desenvolvendo um projeto chamado “Molson Production Strategy”, agora estamos implementado e muitas coisas são similares ao programa de TPM da Kaiser. É o que chamamos de “roubar com orgulho”...

Vamos expandir o escopo de nossa “Production Strategy” vamos manter os três eixos que elaboramos aqui, na área de resultados onde teremos uma matriz vamos acrescentar itens do Programa da Kaiser, é bastante similar. Delivery significa serviço, ok? É uma tradução feita pela Kaiser mas significa serviço, ok? Segurança e o que eles chamariam moral, nos denominamos pessoal, ok? No item moral, eles teriam uma matriz com critérios tais como: saúde e segurança, absenteísmo, número de empregados em cada equipe etc. Então decidimos não denominar moral,

130

porque moral é um tipo de medida da satisfação do nosso pessoal, da satisfação no trabalho, você sabe, então decidimos denominar esta variável como pessoal, mas é uma abordagem bastante similar... Com o tempo vamos continuar trabalhando nisso e substituir estes dois programas e caminhar em uma única direção para a organização como um todo.

Nós organizamos um seminário aqui e um seminário lá, para eles aprenderem o nosso sistema de gestão de manufatura. Nós introduzimos uma metodologia chamada TPM e foi muito bom de ver como que eles vinham aí querendo aprender. Foi muito legal, foi uma parceria muito boa nesse sentido. Isso foi um dos nossos momentos áureos. Isso continua, continua e nós estamos desenvolvendo alguns softwares de gestão. Nós temos um software de benchmarking de indicadores para estar constantemente comparando os nosso indicadores.

Eles estão aprendendo muita coisa, eles escrevem, eles gostam de falar do Brasil. É bonitinho né, aqui por exemplo eles já estão falando "Production Strategy", isso aí é com isso que nós estamos trabalhando, isso aí tudo eles pegaram daqui, eles estão aprendendo daqui, eles não tinham essas coisas. Eles queriam sempre colocar isso mas lá o pessoal é muito resistente.

As sinergias identificadas na negociação são avaliadas e otimizadas pelo intercâmbio

das melhores práticas. Segundo Ashkenas, Demonaco e Francis (2001), as melhores práticas

constituem o ponto central dos processos de fusões e aquisições. No caso analisado, os índices

de produtividade das fábricas brasileiras35 aproximavam-se mais dos padrões de excelência

mundial do que as cervejarias canadenses. Entretanto, as operações de logística e compra de

matéria-prima no Canadá são mais eficientes do que no Brasil. Desta forma, a Molson buscou

estimular a transferência de conhecimentos entre os dois países, promovendo uma espécie de

benchmarking interno.

Assim sendo, na fase de integração realizam-se comparações do desempenho das

organizações para identificar as melhores práticas e construir novos estruturas e processos

para a organização resultante da fusão e (ou) aquisição. A reestruturação pode criar entidades,

ou alterar a participação acionária das pessoas jurídicas que controlam a organização.

Internamente, a estrutura organizacional é representada pelo novo organograma que define a

hierarquia e os fluxos de comunicação formal, isto é, quem se reporta a quem (STONER;

FREEMAN, 1995). A literatura especializada sugere que a definição do quadro de pessoal em

nível estratégico seja planejada ainda na etapa de negociação. Em alguns casos, esse item

constitui um ponto de negociação, pois a distribuição de cargos, além de seu um ponto

estratégico, possui um caráter simbólico e pode ser interpretada como um indício da

distribuição de poder na nova organização. O pessoal de primeiro escalão é nomeado e

35 Alguns índices observados foram consumo de energia e outros materiais específicos, volume de perdas, quebra de garrafas, metodologia de desenvolvimento de produtos e embalagens.

131

empossado logo após o anúncio oficial, este é um dos fatores que tornam críticos os 100

primeiros dias de atividades conjuntas.

No anúncio da fusão MolsonCoors foram apresentados os principais membros da

direção da nova empresa (MOLSONCOORS, 2004b). Neste caso os cargos foram

distribuídos de maneira eqüitativa entre as duas empresas. Embora essa configuração tenha

sido alterada posteriormente, o anúncio da nova estrutura é um indicador de como a operação

será desenvolvida. Quando a Molson anunciou a aquisição da Kaiser, em 18 Março 2002

divulgou-se que os cargos estratégicos seriam partilhados entre Kaiser e Bavaria, como

demonstra o depoimento abaixo:

Nesse processo da Bavaria uma coisa muito importante foi o seguinte, os dois principais homens na Bavaria na época, eles ocuparam posições muito importantes dentro da Kaiser, um virou vice-presidente e outro virou diretor de marketing, então eles vieram e isso ajudou a vinda da Bavaria.

Teve na época um vice-presidente deles e um vice-presidente nosso, mas ele ficou aqui pouco tempo.

Em 15 maio 2002 foi nomeado um presidente canadense para as operações no Brasil

(MOLSON, 2002b). No entanto, o lapso de tempo entre o anúncio e a definição do presidente

foi percebido como um período mais longo, como observou um entrevistado:

A Kaiser já estava num processo de reestruturação, tinha saído um presidente e entrado outro (...) foi uma coisa comum, reorganização, troca de presidente, indefinição, o atual presidente fica ou não fica? Quem sai? Quem fica? Enfim, mudanças (...) Na verdade demorou um bom tempo para ter grandes mudanças, até o novo presidente chegar... levou uns quatro, cinco meses.

O vácuo na definição da estrutura organizacional pode gerar um clima organizacional

de insegurança e frustração. Isto foi observado no estudo de caso realizado.

Uma realidade é que em qualquer lugar do mundo as pessoas se sentem ameaçadas (...) Devem ter surgido muitas preocupações sobre a chegada da Molson. Talvez ela não acreditasse na administração existente, ela contratou uma consultoria para fazer um plano que eles imaginavam que já tinham... Então, isto deve ter criado muitas discussões informais.

No planejamento da estrutura organizacional um ponto sensível é a supressão de

atividades, cargos e funções, ou em alguns casos, como na fusão Bavaria e Kaiser, a

desativação completa de unidades organizacionais. A literatura recomenda que mudanças

dessa natureza sejam realizadas no início das operações conjuntas. No caso estudado, quando

o plano de integração foi divulgado em 2002, foram encerradas as atividades em três

unidades, duas da Bavaria e uma da Kaiser (MOLSON, 2002c). Com a evolução da

integração, mais duas fábricas foram fechadas: sendo uma ex-Bavaria (MOLSON, 2003b) e

132

outra da Kaiser (MOLSON, 2004). Os entrevistados comentaram e justificaram esta

reestruturação:

Foi desagradável de ser feito, mas era necessário eliminar a sobreposição de capacidade instalada em algumas regiões do Brasil onde ficava evidente que uma das fábricas teria que ser fechada porque a outra dava conta tranqüilamente do trabalho.

Foi reestruturado todo este parque industrial formado pela fusão porque eram 5 fábricas da Bavaria e 8 da Kaiser, ficaram 13 fábricas e algumas concorrendo uma com a outra. Por exemplo, a Kaiser tinha uma fábrica em Feira de Santana a 13 quilômetros dali a Bavaria tinha uma fábrica que era Camaçari. A Kaiser tem uma fábrica em Gravataí no Rio Grande do Sul, a Bavaria tinha uma pequena fábrica, em Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul, não é muito perto mais concorreriam. Também tinha a situação da fábrica Bavaria em Ribeirão Preto e a 90 km dali nós temos uma fábrica que é a fábrica de Araraquara. Além disso, eles tinham uma fábrica também em Manaus onde nós não tínhamos nada perto. Uma fábrica em Cuiabá onde nós não tínhamos nada perto. Nós tínhamos uma fábrica em Divinópolis que acabou concorrendo com a produção que agente manteve ainda em Ribeirão Preto. Então ficou aquela decisão: o que fazer? Numa primeira leva, nós fechamos três fábricas, foram fechadas Camaçari, Getúlio Vargas e Divinópolis, essa sim, sendo da Kaiser. Essas três fábricas tendo atividades encerradas, estava pronto digamos o cenário para o início do crescimento, a retomada do negócio. Mais tarde, um ano mais tarde, se viu que a fábrica de Ribeirão Preto concorria fortemente com a fábrica de Araraquara e concorria também, no segmento latas, com a fábrica de Jacareí. Então essa fábrica também teve as suas atividades encerradas.

Como indica a figura 15d, na criação da nova organização “sobram” partes das

organizações originais, as quais são “cortadas”. Em síntese, esse processo de reestruturação

consiste na escolha de “quem sai e quem fica”; “quem é responsável pelo quê”; “quem e o

que é importante”. A literatura sugere que as escolhas sigam a hierarquia organizacional; à

medida que sejam definidos os níveis superiores, estes passam a participar da escolha dos

indivíduos que vão integrar os níveis imediatamente inferiores, ou seja, cada gestor escolhe os

seus subordinados.

Desse modo, a integração inclui atividades de promoção, rebaixamento ou

desligamento de pessoal. A literatura sugere que tal decisão seja partilhada por membros das

organizações envolvidas e que o plano de integração considere projetos de reintegração do

pessoal. Enfim, que se realizem acordos considerados justos para ambas as partes. No caso

investigado, foram oferecidos programas de recolocação profissional e compensações

financeiras para os funcionários desligados, a maioria pertencente à antiga estrutura da

Bavaria:

A Molson foi muito justa com esse pessoal que trabalhou para eles durante aqueles dois, ou dois anos e meio, da Bavaria. Eles fizeram um plano de recolocação, bonificaram eles de forma muito justa e em nenhum momento se teve notícia de que eles foram injustos ou não tratassem as pessoas com dignidade. Claro, o pessoal não gostou muito de perder o emprego, mas por outro lado foram muito bem

133

atendidos nessa outra questão. Receberam outplacement, a companhia pagou para eles se recolocarem no mercado. Todos se recolocaram rapidamente.

A reestruturação de pessoal pode gerar dificuldades pela evasão de talentos. Nesse

momento torna-se crítica a preservação do conhecimento tácito da empresa. Enquanto alguns

funcionários são demitidos, outros não se adaptam à nova organização e percebem a fusão e

(ou) aquisição como uma oportunidade para sair da empresa com um vantajoso pacote de

benefícios. Com isso, a empresa perde parte do seu capital intelectual, como atesta um dos

entrevistados:

Quando você adquire, você tende a olhar números, olhar preto no branco, existe algo que você releva muito que é a memória da empresa. Então as empresas que são compradas tendem a perder a sua memória. O que acontece: você tem um executivo à moda antiga, que tem 30 anos, 25 anos de casa. Aquele cara que não sabe usar o computador direito, que tem dificuldade de mexer no celular, etc. Esse cara pode não ser muito produtivo, realmente um garoto de 25 anos talvez seja tão capaz quanto ele em termos técnicos. Mas não tem a memória, o conhecimento, aquela coisa intangível, o conhecimento intangível, que você não tem como medir, não tem como estimar o valor, os valores da empresa etc. No geral, essas são as primeiras pessoas a irem embora. Primeiro, porque, não se adaptam a nova cultura, pô não era assim, ah mas antes era feito desta forma... então as próprias pessoas têm dificuldade de se adaptar à nova cultura, eles ficam naquela história do... ah mais antes não era feito assim, não vou fazer isso porque sempre deu certo da outra forma. Segundo em função da própria empresa que incorpora. Quando você compra uma empresa você quer que aquela empresa dê lucro imediatamente, ou seja, você vem com a percepção de que eu preciso colocar os melhores profissionais lá dentro, então identifica, mapeia as pessoas que já estão lá há 30 anos, salário muito alto, dai corta... Então nós perdemos muita memória, muita memória...

Para aqueles que permanecem na nova organização são planejados workshops,

treinamentos e outros mecanismos de socialização para facilitar a sincronização das operações

e processos de trabalho. Na integração entre Kaiser e Molson, foram adotados estes

instrumentos de integração:

Em nenhum momento eles vieram aqui e fizeram impor os sistemas deles, pelo contrário, eles deixaram muito claro que eles, neste quesito de operações, eles poderiam aprender com a gente. Fizeram isso com uma naturalidade incrível, com muita humildade e com muita vontade de aprender. Eu mesmo estive lá passando alguns conceitos para eles, sobre o meu trabalho e modelo de gestão, trabalhei com eles e organizei em uma ocasião também um seminário. (...) Eles vieram aqui e visitaram esta fábrica, visitaram Ponta Grossa também no Paraná que é uma das nossas melhores.

Uma vez realizadas as mudanças estruturais, as transformações nos processos e na

cultura (fisiológicas e psicológicas) (BARTLETT; GHOSHAL, 1998) são conseqüências das

primeiras e ocorrem com o tempo, com o desenvolvimento das atividades cotidianas. Os

ajustes são diários, novos padrões de relacionamentos interpessoais e práticas de trabalho se

instalam ao longo do processo até que se observe a emergência de novos comportamentos,

134

atitudes e esquemas interpretativos dos indivíduos. Nesse estágio da integração, foram

observados choques entre culturas nacionais e organizacionais.

Acho que a nossa cultura é diferente, nossa que eu digo, é talvez nossa Brasil e talvez especificamente nossa Kaiser.

Outro fator além desse aspecto, digamos assim cultural, e aí eu não sei se é da cultura canadense ou se é cultura Molson, não posso generalizar.

Pelo volume e intensidade de mudanças que o caracterizam, o período de integração é

bastante turbulento e conturbado. O prolongamento dessa etapa dificulta a união das

organizações. A literatura especializada recomenda que todas as mudanças sejam implantadas

nos primeiros cem dias, subseqüentes o anúncio oficial. Observou-se que após o período no

qual as maiores transformações são realizadas, alterações subseqüentes ao plano de integração

são graduais, proporcionando aos indivíduos possibilidade de integrar uma mudança antes de

uma nova modificação no ritmo ou padrão de trabalho. O plano de integração prevê ações de

curto, médio e longo prazo, oferecendo aos funcionários prováveis cenários para operações

futuras.

No caso analisado, o plano de integração foi denominado “Projeto Cem”, cujo objetivo

era gerar, em três anos, uma economia de cem milhões de reais e criar sinergias pela

combinação das atividades e especialidades de cada empresa (MOLSON, 2002c). O projeto

foi elaborado por membros da Molson, da Kaiser, da Bavaria e de uma empresa de

consultoria. Posteriormente, seus objetivos foram ampliados e foi denominado: “Projeto 200”

(MOLSON, 2003b).

Não há “solução mágica” para a integração cultural, que se realiza com o tempo, à

medida que a nova estrutura organizacional consolida os fluxos de trabalho e os indivíduos se

adaptam aos novos processos. A reconfiguração exige que processos e procedimentos sejam

desconectados e reconectados para que as operações das organizações em fusão e aquisição

sejam sincronizadas. A integração pode ser estimulada por mecanismos que intensifiquem a

interação entre os indivíduos. A implantação de novos projetos que estimulem as

organizações recém-reunidas a trabalhar como se já fossem uma única empresa estimulam a

integração cultural. No caso da aquisição da Kaiser, o projeto implantado foi a exportação de

cerveja brasileira para o Canadá, com o lançamento da “A Marca Bavaria”, em junho de

2003. Os entrevistados perceberam esse projeto conjunto como uma experiência positiva para

a integração das empresas:

Uma coisa muito boa que aconteceu no inicio desta fusão foi que logo depois da aquisição nós entramos com esse projeto, logo de cara praticamente. Foi uma coisa

135

muito boa porque o pessoal veio para cá, ficou uma semana aqui. Então você cria uma empatia natural, porque o cara já é gente boa, a gente procura brincar e tal, então cria uma empatia muito legal. Ai quando eu tive lá eu conheci os outros que trabalhavam junto com ele. (...) Depois nós tivemos uma reunião, fomos num encontro para ver os pontos comuns para a gente poder unificar os processos e tudo mais (...) foi importante a gente estar junto antes, isso facilitou bastante, o fato também de eles virem para cá e nos conhecerem, o cara sentar aqui na minha sala conhecer como eu trabalho, eu ir lá e conhecer a sala dele, ele vir conhecer a nossa fábrica e vice-versa, isso cria uma certa cumplicidade.

Como todo processo de mudança organizacional, fusões e aquisições representam

situações de incertezas e tensões. Alguns indivíduos apresentam resistências às

transformações e sofrem uma espécie de “luto” pela antiga organização. Quando os

sentimentos de contrariedade, frustração e até mesmo de raiva não são superados, observa-se

o desligamento dos indivíduos que não se adaptam à nova estrutura (MARCOUX, 2002). Por

outro lado, certas pessoas vêem na mudança uma possibilidade de crescimento profissional,

ou um desafio a ser vencido. Esses indivíduos são motivados pela nova estrutura e apresentam

entusiasmo e confiança na futura organização. Sentimentos de contrariedade e motivação,

foram identificados em depoimentos, tais como:

Você sabe que quando gera, assim, fusão o pessoal fica muito com medo e tal... Aqui não foi diferente, quando houve essa fusão, não sei se é medo a palavra certa... Eu posso te falar da minha parte, obviamente, quando a gente soube dessa fusão, eu até que fiquei contente, até fiquei contente. Porque a gente tinha que concorrer, não é? A gente tinha que concorrer com um grande concorrente que era a AmBev. E a gente precisava de força, você sabe o que é força, eu quero dizer, capital, então isso foi interessante. Nesse aspecto eu esperava alguma coisa bastante positiva, eu até esperava mais impacto dessa fusão do nosso negócio.

Ao longo das mudanças estruturais, processuais e comportamentais, a empresa

constrói sua nova identidade. Em casos de fusão, constrói-se a identidade da nova

organização, em aquisições observa-se a mudança na identidade da organização adquirente

após a incorporação de outra organização. Um indício da transformação ocorrida na Molson,

depois de suas aquisições no Brasil, é a mudança da sua participação no mercado global que

passou de 0,8% em 1999 para 1,2% em 2002, o que representa um ganho de dez posições no

ranking mundial do 23o.para o 13o. lugar (EUROMONITOR, 2004). Depois da fusão com a

Coors, a Molson transformou-se de uma tradicional empresa canadense em uma das cinco

maiores cervejarias do mundo (MOLSONCOORS, 2004a).

Outra mudança de identidade significativa foi observada na Bavaria. Inicialmente uma

marca no portfolio da AmBev; ao ser adquirida pela Molson, foi construída em seus processos

e estruturas organizacionais e tornou-se Bavaria S.A., uma empresa instalada no Rio de

Janeiro. Por ocasião da aquisição da Kaiser, pela Molson, a Bavaria foi integrada às operações

da Kaiser e passou novamente a ser uma marca (MINISTÉRIO DA FAZENDA / SEAE,

136

2002). Contudo, é uma marca de amplitude internacional, exportada para o Canadá e para os

Estados Unidos como “A Marca Bavaria” e para o Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália

como “A Marca Bravara”. A identidade da nova organização é projetada na etapa de

negociação, mas é efetivamente construída na integração.

No caso da Kaiser, a questão identitária foi mais complexa:

A Kaiser era uma companhia nova em busca de sua própria identidade corporativa. (...) Originalmente a Kaiser era uma série de cervejarias de propriedade dos engarrafadores de Coca-Cola que depois se juntaram. (...) Eu nunca tinha pensado nisso, mas eu acho que eles estavam internamente buscando a sua identidade. Eu diria que é como você mudar de pais aos 15 anos de idade. Não é o melhor momento, você precisa de estabilidade nesta idade. (...) Aos 15 anos as pessoas estão passando pelas maiores mudanças da sua vida. Eles se tornam jovens adultos. Nesta idade você quer provar que você é muito bom...

O Brasil precisa alinhar os funcionários aos objetivos da companhia. Eles têm que entender que a cerveja é o foco da organização agora, eles não são mais o primo pobre da Coca-Cola. A Kaiser era como o primo pobre. Nós distribuímos Coca e se alguém quiser cerveja, nós temos uma marca de cerveja para oferecer. Agora nós estamos dizendo que a cerveja é importante. Cerveja é a nossa única razão de existir.

O momento crítico foi no começo, mas ele foi estendido muito mais, é um caráter muito peculiar em função de algumas políticas terem sido implementadas. Então, a gente está começando do zero. Nós já deveríamos estar agora com a nossa identidade um pouco mais consolidada, mas nos vamos construir a nossa identidade agora. Porque nós éramos Kaiser, depois, Molson, depois uma filial da AmBev, e agora agente esta voltando a ser Kaiser. Fomos uma filial da AmBev, quando tivemos um diretor de marketing que venho da Bavaria que era da AmBev e depois trouxemos 1.200 pessoas da AmBev para cá, então virou uma filial da AmBev. Aí teve um problema, naturalmente, isso não acontece em outras fusões. Isso aconteceu na nossa empresa. Então o que aconteceu foi justamente isso, nós passamos por vários obstáculos, agora a gente está numa reviravolta, nós já identificamos a nossa identidade.

A Kaiser sempre foi uma empresa que sempre trabalhou muito como um time. (...) A Kaiser é uma empresa extremamente carismática. Você não tem idéia da força dessa empresa, do carisma dessa empresa. Vou falar em nome da competição, é muito agressiva, dominadora do mercado, ela impõe, não só ao governo, mas ao ponto de venda, à imprensa, ela impõe o que ela quer. Outros concorrentes têm práticas... pouco claras... na carga fiscal, se utilizam de meios pouco claros, em benefício, enfim para fazer o seu negócio. E a Kaiser? A Kaiser é aquela freira, sempre foi, paga seus impostos, paga tudo não briga com ninguém, sempre foi assim, o que de certa forma é ruim para o mercado, mas coorporativamente é uma herança muito boa. (...) Os repórteres querem ouvir a Kaiser, porque a Kaiser é uma empresa isenta.

Quando a nova organização percebe-se com uma nova identidade e começa a projetar

um futuro em comum sem distinguir “eles” ou “nós” (ROBICHAUD; GIROUX; TAYLOR,

2004), compreendendo-se como uma única organização, pode-se dizer que a integração foi

bem-sucedida. Embora a estabilidade relativa seja alcançada apenas com o tempo, em

determinada época é possível identificar que as mudanças mais profundas foram realizadas e

137

que restam apenas contínuos reajustes. Assim, observa-se a transição da etapa de integração

para a consolidação. Em síntese, a fase de integração consiste no planejamento, na execução e

no controle das mudanças necessárias à união das empresas. Nesta etapa ocorre a

reorganização total das estruturas, dos comportamentos, dos processos administrativos e

operacionais das organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais.

4.1.2.4 Consolidação

Quando se encerra o período de mudanças que caracteriza a integração, a nova

organização gradativamente alcança a estabilidade relativa. Quando a nova realidade

organizacional está institucionalizada, a operação de fusão e aquisição chega à fase de

consolidação. O objetivo desta etapa é a cristalização da nova rotina de trabalho. As

estruturas, os processos e comportamentos implantados na etapa de integração estão

operacionalizados e internalizados na nova organização.

Embora os fluxos de trabalho tenham alcançado um ritmo constante e usual, estes

ainda podem ser alterados, pois nessa fase a operação é avaliada e são realizados contínuos

ajustes para garantir a persecução dos objetivos organizacionais. Eventos significativos da

consolidação já não se referem ao processo de fusão e aquisição, mas à eminência de novas

mudanças estratégicas, que eventualmente podem ser novos processos de fusão e aquisição.

No caso estudado, quando a aquisição da Bavaria estava consolidada, houve a aquisição da

Kaiser e após a consolidação desta operação, ocorreu a fusão MolsonCoors.

Nessa fase, os indivíduos experimentam uma estabilidade relativa, reafirmando sua

posição na organização. Atingir o estágio de consolidação pode ser uma tarefa complexa se a

integração estender-se por muito tempo. As inseguranças características do período de

intensas mudanças podem dificultar a cristalização das novas estruturas, dos processos e

comportamentos. No entanto, se a integração for rápida, a consolidação é uma conseqüência

“natural” de um processo de mudança organizacional bem-sucedido. Tome-se como exemplo

a integração da Bavaria na estrutura da Kaiser:

Em três meses fizemos uma análise profunda das demissões, plano de ajuda aos demitidos, transferimos equipamentos para outras fábricas. Fábricas que não faziam Kaiser passaram a fazer Kaiser, fábricas que não faziam Bavaria passaram a fazer Bavaria.

A integração entre a Kaiser e a Bavaria levou um tempo, mas está feita. Já terminou e se passou muito bem. Uma era dramaticamente maior do que a outra, isto pesa muito. Depois, a Kaiser era uma companhia em pleno funcionamento, tinha um

138

pessoal estruturado, processos organizacionais. A Bavaria tinha acabado de ser criada, não se esqueça, ela era apenas uma marca, ela não existia. Logo, não tinha cultura, não tinha história era só uma marca. Então, colocar estas duas empresas juntas mostrou-se uma tarefa muito fácil. Também não tinha muita gente na Bavaria. Mandamos uma pessoa para realizar a fusão, o trabalho dele era isso. O presidente da Bavaria ficou conosco por um tempo (...) Fechamos o escritório do Rio de Janeiro, nós não precisávamos de dois escritórios centrais. A distribuição saiu da AmBev e passou para a Coca. Foi tudo bem...

A coisa é muito clara, foi muito mais fácil. Tanto é que quando se fundiram as matrizes, praticamente a matriz da Bavaria sumiu. A Bavaria era meia dúzia de pessoas, não tinha ninguém. Na área técnica, na matriz da Bavaria eram dois técnicos, sendo que um deles era ex-funcionário da Kaiser. Então foi fácil...

O quadro 7 apresenta a síntese das etapas de negociação, integração e consolidação de

fusões e aquisições internacionais, bem como dos momentos do anúncio e aprovação,

caracterizando sua natureza, duração, objetivos, eventos significativos, atividades realizadas

nesse período, clima organizacional característico, assim como as maiores dificuldade e os

elementos facilitadores que previnem e auxiliam a resolução de possíveis problemas.

139

Quadro 7 – Características das etapas de fusões e aquisições internacionais

Etapas da F&A Internacional Negociação Integração Consolidação

Características Anúncio e Aprovação

Natureza - Estratégica. - Externa. - Tática. - Operacional.

Duração - Da tomada de conhecimento ao fechamento do negócio.

- Do anúncio oficial à aprovação da operação (momento intermediário que se sobrepõe às etapas de negociação e integração).

- Da formulação e divulgação do plano de integração à cristalização das mudanças.

- A partir da institucionalização da nova realidade organizacional.

Objetivo - Definir os termos que caracterizam o negócio.

- Tornar pública a operação. - Aprovar o negócio.

- Em fusões: criar uma nova organização. - Em aquisições: incorporar a organização adquirida na estrutura da adquirente.

- Cristalizar a nova rotina de trabalho.

Resultado - Assinatura do contrato de fusão e (ou) aquisição.

- Divulgação do negócio. - Parecer das autoridades competentes.

- Nova estrutura e processos organizacionais.

- Organização relativamente estável.

Eventos significativos

- Escolha estratégica entre as possíveis operações. - Definição do valor das organizações envolvidas.

- Anúncio e fechamento do negócio. - Aprovação pelos Acionistas e (ou) Conselhos de Administração. - Aprovação pelas Agências Reguladoras.

- Primeiros 100 dias. - Definição da estrutura administrativa.

- Previsão de novas mudanças estratégicas.

Atividades - Análise Ambiental. - Decisão Estratégica. - Seleção de operações potenciais. - Projeção da nova organização. - Acordo Inicial. - Due Diligence. - Engenharia da operação (características do negócio). - Acordo Final. - Fechamento do Negócio.

- Apresentação da nova organização. - Identificação e persuasão dos grupos de influência para aceitação e aprovação do negócio. - Mediação de interesses.

- Criação de grupos de trabalho com integrantes de ambas as organizações envolvidas. - Formulação e implantação do plano de integração para viabilizar as sinergias identificadas. - Identificação e intercâmbio das melhores práticas. - Preparação e realização de mudanças. - Implantação da nova estrutura organizacional. - Promoções, rebaixamentos ou desligamento de pessoal. - Projetos de reintegração de pessoal.

- Internalização da rotina de trabalho criada pela F/A. - Avaliação e ajustes dos novos fluxos de trabalho. - Estabilização dos comportamentos, das estruturas e dos processos de trabalho instituídos pela F/A.

140

Etapas da F&A Internacional Negociação Integração Consolidação

Características Anúncio e Aprovação

Atividades (continuação)

- Sincronização das operações e processos de trabalho. - Readequação de recursos materiais, financeiros e de informação. - Projetos comuns. - Construção da identidade organizacional. - Construção de cenários futuros. - Constante reajuste dos planos.

Clima organizacional característico

- Antecipação das mudanças. - Ansiedade. - Insegurança. - Euforia. - Sentimento de aproveitar a oportunidade.

- Estresse emocional. - Apreensão e receio da não-aprovação ou das exigências dos acionistas e das autoridades.

- Insegurança. - “Luto” pela antiga organização. - Frustração. - Contrariedade. - Raiva. - Exaustão / Cansaço. - Entusiasmo. - Motivação. - Euforia. - Confiança.

- Estabilidade relativa. - Conforto. - Afirmação.

Dificuldades - Pouca informação disponível. - Muitas incertezas. - Restrições legais e de concorrência. - Rumores infundados.

- Incerteza da efetivação e aprovação do negócio. - Tendência a construção coletiva do pior cenário possível.

- Desligamento com as antigas organizações. - Resistência às mudanças. - Conflitos entre culturas. - Retenção de talentos. - Manutenção do conhecimento tácito e do capital intelectual das empresas.

- Integração prolongada.

Elementos Facilitadores

- Conhecimento do mercado. - Conhecimento prévio das organizações envolvidas. - Informar para confirmar ou negar rumores logo do seu surgimento.

- Apoio do público interno e da opinião pública em geral.

- Agilidade nos processos de tomada de decisão. - Realização da integração no menor período de tempo possível.

- Integração rápida.

Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa.

141

Cabe ressaltar que as etapas e os momentos definidos nesta pesquisa são genéricos e

conceituais, em cada operação de fusão e aquisição estas instâncias podem manifestar-se de

diferentes formas. Operações internacionais, além de diferenciarem-se pela configuração do

ambiente (aspectos físico-naturais, sociais, demográficos, culturais, econômicos, políticos,

legais e tecnológicos), incluem a dinâmica convergência e divergência, a qual manifesta-se de

forma distinta ao longo do processo.

Devido à natureza estratégica das operações, verificou-se que convergência e

divergência variam conforme o nível hierárquico, como ilustra a figura 17. Quando as ações

organizacionais são de caráter estratégico, observa-se maior convergência, pela influência do

contexto global. Nesse nível os indivíduos tendem a dominar o inglês como idioma oficial do

mercado internacional e partilham a visão e a lógica do mundo dos negócios. Por outro lado,

as atividades diárias de cunho operacional são determinadas por aspectos locais, sobretudo

divergentes em função de características culturais. Assim sendo, existe maior convergência

nos níveis estratégicos, enquanto a divergência é mais significativa nos níveis operacionais.

Figura 17 – A análise da dinâmica global/local na hierarquia organizacional Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa

No entanto, também observam-se práticas convergentes nos níveis operacionais de

empresas com operações internacionais. No estudo de caso realizado, todas as unidades

produtivas procuravam orientar suas operações diárias para atingir padrões de produtividade

globais, tais como índices de quebra de garrafas e consumo de energia. Da mesma forma,

existiam divergências no nível estratégico; enquanto para a Molson as aquisições no Brasil

representavam uma expansão de mercado para gerar crescimento e fluxo de caixa, para a

Kaiser, a aquisição significava a possibilidade de contar com um investidor estrangeiro que

auxiliaria a empresa a crescer para fazer frente à concorrência criada na formação da AmBev.

Conselho de guerra

Conclave

Assembléia de chefes

Reuniões de família

Sessões de trabalho

Convergências globais

Divergências locais

142

Tendo em vista que o desenvolvimento das fusões e aquisições segue a hierarquia e a

estrutura organizacional, observou-se que convergência e divergência variam ao longo do

processo. Segundo dados da pesquisa empírica, na etapa de negociação, os agentes

compartilham os objetivos, a cultura e o vocabulário do mundo dos negócios. Dessa maneira,

a negociação caracteriza-se como uma etapa de alta convergência e pequena divergência, pois

as diferenças observadas não afetaram o desenvolvimento das atividades ou os objetivos da

operação. Além disso, a negociação de fusões e aquisições internacionais convergem, pois

seguem uma lógica global, implantada por instituições internacionais, tais como bancos de

investimento, corretores e assessorias multinacionais (BIBLER, 1992). Como observa um

entrevistado:

A negociação é a parte mais fácil de um processo de fusão e aquisição internacional, porque a barreira lingüística é muito pequena. (...) Quando você vende um negócio e você sabe que vai ter um comprador internacional, você coloca na mesa de negociação pessoas que falem o idioma do seu comprador. Mas depois você não vai mudar todo o seu quadro para entregar a companhia.

Muita comunicação ocorreu neste momento, porque precisávamos interagir muito com aquele pessoal, houve uma comunicação diária com estes indivíduos, mas, como eu disse, foi relativamente fácil.

No período de integração existe grande divergência e pouca convergência, pois as

diferenças aparecem e são ajustadas. Como pode ser observado nos depoimentos transcritos

abaixo:

Nas aquisições internacionais a equipe administrativa geralmente se entende bem, mas fora deste time, quando você desce na organização, você pode ter todos os tipos de diferentes perspectivas.

A barreira aumenta incrivelmente quando você faz o planejamento. Você não pode fazer o planejamento no vácuo, você precisa que as pessoas se envolvam e neste momento se apresentam as maiores barreiras. (...) Isto se tornou muito desafiador porque você precisa que as pessoas se comprometam e concordem, mas eles não lhe compreendem e você não compreende eles, então isto se torna muito complicado. (...) Quando você passa do planejamento para a execução isto é novamente um elemento fundamental. Você precisa lidar com as pessoas internamente e este é o maior desafio porque você tem um conflito em termos de como vocês compreendem um ao outro. No mesmo país, falando a mesma língua, isto não é fácil, quando você adiciona a complexidade de uma língua e cultura estrangeira, isto torna as coisas muito difíceis.

A consolidação é o resultado dos ajustes realizados durante a integração. Nessa etapa

identificam-se diversas combinações de aspectos convergentes e divergentes, conforme o

desenvolvimento de cada ação organizacional. A consolidação é, pois, resultado de inúmeras

interações que definem como diversas questões de recursos humanos, marketing, finanças e

produção seguem padrões globais ou respeitam características locais. Durante a pesquisa

empírica, observou-se que a predominância de aspectos convergentes ou divergentes é

143

estabelecida por processos de comunicação organizacional. Tal comunicação possibilita que

as partes compreendam suas diferenças ou similaridades quanto ao ambiente em que atuam,

seja em seus aspectos sociais, políticos, econômicos, legais, demográficos, culturais, físico-

naturais ou tecnológicos. Enfim, a consolidação das operações de fusões e aquisições

internacionais é construída pela comunicação e define-se simultaneamente como convergente

e divergente. Na figura 18 são ilustradas como as etapas de fusões e aquisições internacionais

caracterizam-se quanto a aspectos convergentes e divergentes do ambiente internacional.

Convergências globais

Negociação

+

Divergências

Locais

-

+ - Integração

Figura 18 – A análise da dinâmica global/local em fusões e aquisições internacionais Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa

4.1.3 Análise da Comunicação Organizacional

A princípio a análise dos processos de comunicação organizacional fundamentou-se

nos conceitos apresentados no referencial teórico desta pesquisa. Essa revisão de literatura

conduziu a compreensão da comunicação organizacional como um processo social que aciona

universos objetivos e subjetivos na criação de um ambiente ao mesmo tempo estável e

mutante (Capítulo 2).

No entanto, a constante comparação entre esta base teórica e os dados empíricos, tal

qual sugere a grounded theory, fez emergir uma compreensão particular da comunicação

organizacional. Definiu-se, nesta tese, que os processos de comunicação organizacional são

uma série de interações entre agentes em relação a um objeto, as quais constroem a realidade

social. Essa construção ocorre à medida que as interações definem e redefinem as relações

entre sujeitos, bem como as relações sujeito/objeto, quer por meio da dinâmica

texto/conversações, quer pela contínua alternância entre instâncias de constituição e de

transmissão de significados.

144

Esta seção apresenta a forma pela qual esta pesquisa definiu os processos de

comunicação organizacional, conforme esquematizado na figura 19 e comentada a seguir.

Detalhando a figura apresentada acima, o conceito primário desta pesquisa é o de que

os processos de comunicação organizacional são constituídos por uma série de interações.

Esta série é representada pela linha pontilhada, na qual cada ponto corresponde a uma

interação. Na microanálise de um ponto específico, observa-se que cada interação refere-se à

co-orientação de, no mínimo, dois agentes (A e B) em relação a um objeto (X). A relação

A/B/X é considerada a unidade mínima de comunicação e de organização (TAYLOR; VAN

EVERY, 2000). A interação entre A/B/X define, ou seja, organiza a relação entre sujeitos,

bem como as relações sujeito/objeto, o que origina a designação “comunicação

organizacional”.

Ao organizar as relações entre A/B/X, a comunicação atribui capacidade de

agenciamento tanto a sujeitos como a objetos. A co-orientação entre A/B/X representa uma

unidade relacional em que os agentes exercem influência mútua no processo de intercâmbio e

construção de significados. Por considerar que os agentes desempenham papéis

intercambiáveis no processo de comunicação, esta compreensão da comunicação ultrapassa a

Figura 19 – O processo de comunicação organizacional Fonte: Síntese elaborada pela autora

PROCESSO DE COMUNICAÇÃO:

CONCEPÇÃO/TRADUÇÃO/REALIZAÇÃO

Processo contínuo de criação, manutenção e transformação do coletivo

Conversações

Texto 1 Texto 2

Sensemaking Sensemaking Sensemaking

Sensegiving Sensegiving

Sensegiving

145

difundida noção matemática apresentada por Shannon e Weaver (1949), na qual emissores e

receptores operam codificações e decodificações de mensagens transmitidas por

veículos/meios de comunicação. No conceito tradicional de comunicação, a relação A/B/X

representaria um processo em que uma fonte A envia uma mensagem X para um destinatário

B. No entanto, a interação entre A/B/X é capaz não apenas de transmitir informações, mas

também de produzi-las. Ao interagir A/B/X constroem o contexto em que agem, bem como

definem a identidade do ser, do outro, do objeto e da sociedade, constituindo a realidade

social.

Assim, a análise da comunicação organizacional concentra-se na identificação dos

agentes do processo de comunicação (A/B/X), e não nos papéis que esses agentes

desempenham. Pois, os agentes alternam-se nos papéis de emissores, receptores, meios e

mensagens, ou esses papéis podem mesclar-se durante o processo de comunicação.

A interconexão e interdependência entre os agentes do processo comunicativo

constitui a base das ações organizacionais. Agentes e objetos possuem igual capacidade de

agenciamento. Exemplo disto é o poder das normas organizacionais, dos métodos de gestão,

ou dos decretos-lei, esses objetos desencadeiam uma série de ações para satisfazer os

preceitos instituídos por estes instrumentos de comunicação que representam e constituem a

expressão de idéias e (ou) vontades alheias. No estudo de caso realizado, o programa de TPM

da Kaiser foi identificado como um objeto de gestão com agenciamento próprio. Como

salienta um entrevistado:

Inicialmente foi difícil, para o pessoal da Bavaria entrar na filosofia de sistema de qualidade, mas conseguimos certificar. Numa certificação é fatal, ou o sujeito consegue ou sai fora, o segrego é se enquadrar e seguir... Se você não consegue se adaptar aos procedimentos, não tem como sobreviver na empresa. Porque o sistema detecta qual que é a incompetência, imediatamente, não dá para disfarçar, tem que seguir, tem que conhecer, se não conhece o sistema imediatamente detecta, aqui não funciona porque foi feito o procedimento errado, não foi feito, não está sendo seguido, então o sujeito não tem capacidade e competência para seguir, então realmente é uma coisa muito interessante para garantir a uniformidade do pessoal e a atualização que realmente continua na empresa aquelas pessoas que tem competência e comprometimento e inteligência para viver nesse sistema. Então o pessoal que ficou hoje nas fábricas é um pessoal dentro do sistema...

A compreensão da comunicação como transação entre A/B/X reconhece que a

interação entre os agentes do processo é mediada por instrumentos e (ou) atividades. O

esquema apresentado por Taylor e Robichaud (2004) observa que o principal instrumento de

mediação dos processos de comunicação é a linguagem utilizada pelos agentes ou meios

utilizados. Tome-se como exemplo a linguagem corporal, que torna possível uma das diversas

formas de comunicação não-verbal.

146

A análise de Taylor e Robichaud (2004) ressalta que o objeto X é um elemento

material e (ou) social, ao qual os agentes A/B atribuem significado durante a interação A/B/X.

Como sintetiza Baldisera (2000), a comunicação é um processo de construção e disputa de

sentidos. Uma vez em interação, os atores envolvem-se em uma atividade de interpretação e

construção da realidade. Tal atividade lhes permite compreender a situação que vivenciam,

imprimindo significado à situação e a seus agentes (A/B/X). Este processo de construção de

sentidos, definido por Weick (1973, 1979, 1995) como sensemaking, permite que os agentes

criem o ambiente em que atuam, o que Weick (1973, 1979, 1995) denominou enactment (ver

Capítulo 2).

Além de analisar a essência de uma interação, a figura 19 ilustra como essas interações

desencadeiam-se, compondo o processo de comunicação organizacional como uma série de

interações. Em uma macroanálise as repetidas interações constituem um “processo contínuo

de criação, manutenção e transformação do coletivo” (Giroux, 1999-2000, p. 18, tradução

livre), em que se realizam contínuas atividades de concepção, tradução e realização das ações

organizacionais. Este processo elabora a construção da realidade de forma recursiva,

retrospectiva e reflexiva, de acordo com as análises Weick (1973, 1979,1995) e Giddens

(1984), conforme os conceitos apresentados no referencial teórico (item 2.4).

Como ilustra a figura 19, em uma série de interações ocorrem duas dinâmicas

específicas. A primeira corresponde ao encadeamento de traduções, em uma seqüência de

interações ocorre a tradução de conversações em textos e de textos em conversações

(TAYLOR et al., 1996). Em segundo lugar, observa-se que sucessivas interações alternam

instâncias de construção de sentidos (sensemaking) e transmissão de sentidos (sensegiving36)

(GIOIA; CHITTIPEDDI, 1991).

Gioia e Chittipeddi (1991) apresentam a mudança estratégica como um processo de

criação e atribuição de sentidos (sensemaking e sensegiving). Para esses autores, em

mudanças organizacionais, os indivíduos interagem para entender a situação em que se

encontram e para transmitir a outros agentes como percebem a experiência que vivenciam.

Isso porque, as mudanças organizacionais somente são possíveis quando os indivíduos as

compreendem como legítimas (DEMERS; GIROUX; CHREIM, 2003), ou seja, quando os

indivíduos entendem a lógica da mudança e reconhecem sua necessidade. Assim sendo, a

legitimação dos processos de mudança organizacional ocorre quando o sentido atribuído à 36 Optou-se pela manutenção dos termos originais em inglês pela falta de expressões equivalentes na língua portuguesa. Estes conceitos serão explicados ao longo do texto.

147

situação (sensegiving) é compreendido e aceito pelos indivíduos (sensemaking). Em outras

palavras, os membros da organização entendem que a mudança “faz sentido”.

Dos sentidos transmitidos e (ou) atribuídos às situações derivam emoções e

comportamentos individuais e coletivos, os quais influenciam a realização da mudança

organizacional. Quando os indivíduos são informados dos sentidos atribuídos (sensegiving),

eles mesmos passam por um processo de construção de significados para que possam

compreender o que lhes foi informado (sensemaking). Processos de transmissão de sentidos

(sensegiving) são realizados pela comunicação simbólica, ou seja, a comunicação em seu

aspecto instrumental, informativo. A construção de sentidos (sensemaking) realiza-se por

processos de comunicação subsimbólica, isto é, a comunicação constitutiva (ver item 2.2).

Um exemplo dos processos de construção de sentido (sensemaking) é a atividade que

realiza um consultor ou agente de mudanças ao efetuar um diagnóstico empresarial ou uma

análise estratégica do tipo SWOT37 (BATEMAN; SNELL, 1998). Realizada a análise,

consultores ou agentes de mudança divulgam o diagnóstico organizacional (sensegiving). Tal

diagnóstico explica a situação em que a empresa se encontra, descrevendo o cenário e

justificando a necessidade de mudanças. A organização aceita a transformação proposta se

entende que a sugestão faz sentido (sensemaking). Para implantar a mudança sugerida pelos

consultores, a organização engaja-se em processos consecutivos de construção e atribuição de

sentidos.

A alternância entre os processos de sensemaking e sensegiving pode ocorrer em uma

única interação ou em uma seqüência de interações. Múltiplas interações reproduzem a

dinâmica texto/conversações proposta por Taylor et al. (1996) (ver Capítulo 2). Como

detalhada na figura 19, o processo de comunicação organizacional é constituído por

sucessivas interações, ou seja, repetidas relações entre agentes (A/B) com referência a objetos

(X). Essas interações, a princípio, são conversações “informais” que se cristalizam e se

transformam em textos38 “formais”, os quais passam a ser objeto de novas interações que

geraram novas conversações e novos textos em um processo de contínuas traduções. Na

dinâmica texto/conversação os atores conferem continuidade e perenidade aos processos

organizacionais. Como ilustra o depoimento de um entrevistado:

37 SWOT é um método para compreender forças e franquezas organizacionais, bem como oportunidades e ameaças na indústria e no ambiente em que a empresa opera. 38 Textos não são apenas manifestações escritas, também podem ser scripts ou padrões de comportamento estabelecidos e socialmente aceitos (TAYLOR e VAN EVERY, 2000).

148

Às vezes ocorre esse tipo de coisa, você faz um comentário por telefone e dependendo do tipo de decisão que você tomar, você tem que registrar (...) às vezes você faz uma reunião de departamento e se você não registrar fica complicado. (...) Ontem mesmo eu fiz um contato para um negócio, a gente conversou pelo telefone e depois automaticamente eu já mandei um e-mail para as pessoas envolvidas. Porque tem que ficar bem claro (...) às vezes você conversa com um, passa para o outro e para o outro, e depois, a coisa não chega muito redonda lá na frente, então a gente procura canalizar. (...) A gente já passou por isso muito, às vezes a gente vai numa reunião e se você não anota... o entendimento é diferente, acontece um entendimento diferente até por questão de compreensão...

Com a pesquisa empírica verificou-se que cada interação (A/B/X) pode ser um

instante de criação ou atribuição de sentido, seja por meio de conversações, seja pela

materialização destas em textos. Além disso, a pesquisa possibilitou a observação de como

esses conceitos teóricos manifestam-se nas práticas organizacionais. Identificou-se que as

atividades de comunicação explicadas pela noção de “comunicação nas organizações” são

majoritariamente textos e atividades de sensegiving, enquanto a noção de “comunicação como

organização” observa-se sobretudo em conversações e processos de sensemaking.

A partir da revisão de literatura definiu-se a comunicação organizacional como um

processo social dinâmico, pelo qual aspectos objetivos são acessados por recursos subjetivos.

Esse processo contínuo cria e recria a realidade social simultaneamente estável e mutante.

Dessa forma, a comunicação organizacional é a prática social que atribui ao ambiente

características planas – flatland. Por meio de processos “organizantes” de comunicação a

realidade social se apresenta de forma dinâmica, estável, subjetiva e objetiva. A comunicação

organizacional é o processo que permite compreender que a realidade transita entre os quatro

paradigmas apresentados por Burell e Morgan (1979).

A concepção da comunicação apresentada na figura 19 articula observações da

pesquisa empírica com o referencial teórico apresentado no Capítulo 2. Este entendimento

integra as noções de “comunicação nas organizações” e de “comunicação como organização”,

além de compreender que a comunicação é tanto instrumental como constituinte das

organizações.

Desse modo, a presente tese entende que os processos de comunicação organizacional

constituem uma série de interações (A/B/X) que constroem a realidade. Esta construção

ocorre à medida que as interações definem e redefinem as relações entre sujeitos e as relações

sujeito/objeto, seja por meio da dinâmica texto/conversações e (ou) pela contínua alternância

entre constituição e transmissão de sentidos.

149

Essa conceituação da comunicação organizacional permite compreender que todas as

informações são frutos de processos interativos, que então serão transmitidas e recriadas em

contínuas interações. Este processo de comunicação ocorre em qualquer ação organizacional e

integra as noções de “comunicação nas organizações” e “comunicação como organização”

diferenciadas no Capítulo 2.

Uma vez definidos os pressupostos das principais categorias analíticas deste estudo, a

seção seguinte apresenta o modelo de análise da comunicação em fusões e aquisições

internacionais.

4.2 Modelo de Análise da Comunicação em Fusões e Aquisições

Internacionais

A modelação é a quinta etapa da análise dos dados na grounded theory, antecedendo a

teorização. A modelagem representa as formas pelas quais são relacionadas e integradas as

categorias de análise dos dados empíricos e referenciais teóricos. Nas seções anteriores foram

apresentadas as categorias que fundamentam o processo em estudo, a saber: a comunicação

organizacional, a estratégia de fusões e aquisições e a dimensão internacional das ações

organizacionais. Em resumo, segundo a pesquisa teórico-empírica, realizada de acordo com

os princípios da grounded theory, essas categorias foram definas da seguinte maneira:

• aspectos locais e globais das ações organizacionais em ambientes internacionais

são dimensões distintas em constante interação definidos por processos de comunicação e

influenciam o desenvolvimento de fusões e aquisições internacionais;

• fusões e aquisições internacionais desenvolvem-se nas seguintes etapas:

negociação, integração e consolidação. Estas etapas, bem como os momentos de anúncio e

aprovação, diferenciam-se por sua natureza, duração, objetivo, resultado, eventos

significativos, atividades, clima organizacional característico, dificuldades e elementos

facilitadores; e

• processos de comunicação organizacional são uma série de interações entre

agentes (A/B) em relação a um objeto (X), as quais constroem a realidade social. Esta

construção ocorre à medida que as interações definem e redefinem as relações entre sujeitos,

150

bem como as relações sujeito/objeto, quer por meio da dinâmica texto/conversações quer pela

contínua alternância entre instâncias de constituição e de transmissão de significados.

Assim sendo, definiu-se como são diferenciadas nesta tese as ações organizacionais

internacionais, como se compreendem as fusões e aquisições internacionais, bem como de que

forma se conceitua a comunicação organizacional. Seguindo as etapas do desenvolvimento da

grounded theory, foram observadas as relações e formas de integração39 entre as categorias de

análise, o que conduziu à construção do modelo de análise da comunicação em fusões e

aquisições internacionais.

Observou-se que as relações entre as categorias analíticas não ocorrem como

engrenagens em um sistema mecânico, mas assemelham-se a interfaces entre células

nervosas40. As relações entre as categorias de análise podem ser comparadas às “sinapses”

entre neurônios, as quais, embora observáveis, são múltiplas, complexas e impossíveis de

serem isoladas.

As categorias de análise representam o objeto deste estudo – a comunicação

organizacional, bem como o contexto no qual este foi investigado – fusões e aquisições

internacionais. O objeto e o contexto de estudo apresentam uma relação intrínseca, pois nos

processos de comunicação as organizações interpretam e constroem o contexto em que atuam

(WEICK, 1979, 1995), definindo estratégias (MEIRELLES; GONÇALVES, 2001). Além

disso, pela perspectiva constitutiva, as ações organizacionais são viabilizadas pela

comunicação. Fusões e aquisições internacionais, como estratégias de crescimento em um

ambiente competitivo, são elaboradas e implantadas por processos de comunicação

organizacional.

Conforme apresentado nos objetivos desta pesquisa, essa modelagem prioriza os

processos internos às organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais. No

entanto, alguns aspectos do ambiente externo são mencionados, pois fronteiras

organizacionais são permeáveis e fatores externos podem determinar processos internos.

Tendo em vista que esta pesquisa parte do pressuposto que os processos de

comunicação organizacional são constituídos por uma série de interações (A/B/X), no modelo

são identificadas as possíveis interações que ocorrem ao longo das fusões e aquisições

internacionais. Por meio de contínuas interações, agentes e objetos efetivam fusões e

39 As redes que integram as categorias de análise são apresentadas nos apêndices desta tese. 40 Estas comparações são realizadas com base nas metáforas organizacionais propostas por Morgan (1986).

151

aquisições internacionais, desde as negociações até a consolidação da nova organização.

Nessas interações, agentes e objetos negociam o “mínimo denominador comum” que

posiciona as ações organizacionais internacionais em seus aspectos locais e globais.

Considerando que a unidade mínima comunicação é representada pela relação de dois

agentes (A/B) em função de um objeto (X) (TAYLOR; VAN EVERY, 2000), o modelo

apresenta os elementos que compõem estas interações, ou seja, os agentes e objetos de

comunicação em fusões e aquisições internacionais. Agentes são indivíduos ou organizações

que utilizam recursos de linguagem para interagir ao longo do processo de fusão e aquisição

internacional. Os objetos de comunicação representam elementos do ambiente material e

social passíveis de interpretação e que incorporam significados. Por exemplo, as atividades

executadas para alcançar os objetivos de cada etapa do processo de fusão e aquisição são

objetos de interação, pois reúnem os agentes para sua realização. As possíveis combinações

entre agentes e objetos representam interações que ocorrem nos processos de comunicação em

fusões e aquisições internacionais.

Ações internacionais envolvem agentes (A/B) oriundos de diferentes países, os quais

possuem diferentes backgrounds41, pois provêm de ambientes e contextos sócio-históricos

distintos, que constituem o universo conceitual de cada agente. Por isso, esses indivíduos e

(ou) instituições podem entrar em interação com diferentes percepções do objeto X. Assim

sendo, o desafio da comunicação organizacional em contextos internacionais é a construção

de um objeto comum, de modo que os agentes compartilhem uma compreensão do objeto

foco da interação. Enquanto não houver um objeto comum, não há co-orientação, isto é, não

há comunicação, nem organização. A constituição do objeto comum realiza-se por processos

de identificação, construção e apropriação do objeto.

Na identificação, as partes percebem sobre qual objeto interagem e identificam o

significado atribuído (sensegiving) a este no universo conceitual de cada agente. Quando em

interação, os agentes constroem um sentido (sensemaking) compartilhado para o objeto. Após

a construção ocorre a apropriação, quando os agentes atribuem um significado (sensegiving)

compartilhado para o objeto comum e incorporam este sentido em seus respectivos universos

conceituais. Pelo depoimento a seguir é possível observar a necessidade da construção de

objetos comuns; vale ressaltar que quando o informante utiliza a expressão língua ele não se

41 Embora esta palavra seja de origem inglesa, é um verbete do Dicionário Houaiss on line.

152

refere a idiomas, mas sim a áreas funcionais, tais como: marketing, finanças e produção, isto

é, diferentes universos conceituais:

É uma coisa que não dá para resolver individualmente, você faz isso, fulano faz aquilo, não, espera aí, temos que conversar. É como se eu mandasse para você uma carta numa língua que você não entende e você vai, e você também me responde em outra língua que eu também não vou entender. Eu não sei o que você me respondeu, você não vai saber o que eu te perguntei e não podemos dizer que a nossa relação é boa, bom a gente nem conversa direito. Se não tiver alguém que diga: vocês dois, você esquece a tua língua, você esquece a tua, vamos trabalhar nessa língua que ambos conhecemos (grifo nosso), com certeza a nossa relação vai começar a melhorar muito mais. Olha, eu entendo os teus pontos de vista, e você entende os meus também, você cede um pouquinho aqui, eu cedo um pouquinho ali e, a partir de agora, vamos trabalhar nesse sistema. Enquanto cada um fica na sua não dá para trabalhar. Você continua fazendo o teu trabalho porque você está certo, e o outro que também tem razão continua assim e vamos que vamos no quê isso dá, um dia vai se resolver... Não dá, temos que falar a mesma língua.

Depois de algum tempo trabalhando junto nos projetos que a gente vem discutindo, recentemente é tudo assim, já estamos pensando da mesma maneira. (...) O objetivo é um só, o objetivo teria de ser um só, não é verdade?

A identificação, construção e apropriação de objetos comuns não implica que os

agentes atribuam significados idênticos a esses objetos. Vale ressaltar que os processos de

comunicação que criam objetos comuns, constroem para esses objetos significados

compartilhados, pois estruturas de significação são condicionadas ao universo conceitual dos

indivíduos. O significado atribuído ao objeto da interação, mesmo que compartilhado é

influenciado pelo universo conceitual dos agentes. Universos conceituais são únicos,

dificilmente transmitidos a terceiros, quando muito são compreendidos parcialmente, ou

compartilhados em relação ao objeto foco de interação. O universo conceitual dos agentes

jamais será percebido em sua totalidade por seus pares, pois é construído por experiências

individuais singulares. No entanto, indivíduos e (ou) organizações constroem contextos, no

qual situam as ações organizacionais. Exemplos de tais contextos são as culturas ocupacionais

(que diferenciam o universo conceitual de engenheiros e médicos, por exemplo), culturas

organizacionais (Molson e Kaiser) e (ou) culturas nacionais (Brasil e Canadá). A criação do

contexto de ação é situacional e local. O contexto comum é construído na interação e refere-se

ao objeto de comunicação. Ao comunicar e co-orientar, agentes e objetos produzem o agir

organizacional, o qual representa a convergência em relação ao objeto da interação, ao mesmo

tempo que preserva a divergência dos universos conceituais e estruturas de significação dos

agentes.

A formação do objeto comum é fruto de diversas e repetidas interações. Cada

interação é uma manifestação da unidade mínima de comunicação e organização (relação

153

A/B/X). Na figura 20 são representadas as interações em ambientes internacionais conforme

caracterizadas acima. Os traços em azul representam a interseção dos universos conceituais,

enquanto os elementos em vermelho diferenciam os processos de identificação, construção e

apropriação de objetos comuns.

Figura 20 – Interações em fusões e aquisições internacionais Fonte: Formulação da autora, baseada em Taylor e Robichaud (2004)

A figura 20 é um esquema de como universos conceituais divergentes (A e B)

convergem em relação ao objeto (X) da interação. A construção de objetos comuns é

essencial para a efetivação dos processos internos às organizações envolvidas em fusões e

aquisições internacionais. A consolidação da operação depende da construção de um quadro

de referência único, representado pelo conceito e identidade da nova organização. Essa

identidade é construída ao longo da fusão e aquisição e é fruto de diversas interações entre

agentes que constroem objetos comuns. Cada interação realiza-se em torno de um objeto

comum, séries de interações constituem processos de comunicação que definem a identidade

de uma organização, bem como o desenvolvimento de suas ações estratégicas, tais como,

fusões e aquisições internacionais.

Em ações internacionais os agentes interagem na formação de um contexto de ação

simultaneamente convergente e divergente. Quando constroem objetos comuns, os agentes

passam a compreender o universo conceitual alheio, colocando-o em perspectiva em relação

aos seus próprios referenciais e construindo um ambiente compartilhado perante o objeto foco

da interação. Dessa maneira, o ambiente construído é simultaneamente convergente e

divergente. Convergente quando os agentes possuem um objeto comum. Divergente porque

os agentes mantêm seus universos conceituais individuais, mas são capazes de compreender

que possuem referenciais diferentes. Como constatou um entrevistado:

A

X

Ambiente de linguagem

Ambiente material/social

Universo Conceitual A

Universo Conceitual B

B

Objeto Comum

Identificação

Construção

Apropriação

154

A gente tinha muita coisa em comum, as preocupações eram as mesmas, somente as experiências e a cultura eram diferentes.

Fusões e aquisições internacionais são operações que, além de integrarem agentes

oriundos de diferentes países, integram agentes de diferentes organizações. Assim sendo, o

processo de construção de um objeto de comunicação comum é duas vezes mais complexo,

ou melhor, a complexidade do processo de comunicação é elevada ao quadrado. Como se

observa nos depoimentos a seguir:

Poderia ser basicamente duas culturas corporativas, mas, na minha opinião, qualquer coisa que você faça internacionalmente, sempre acrescenta uma complexidade. Por exemplo, a Kaiser tem a sua própria cultura, mas é preciso adicionar a cultura brasileira. Se a aquisição fosse aqui no Canadá, a empresa teria sua própria cultura, mas, ao menos, eles teriam a mesma cultura canadense. Em uma aquisição internacional você tem que lidar com a cultura organizacional, mas você também tem que entender a cultura do país.

Aqui na Molson, em 1989, tivemos uma fusão, não foi uma aquisição, foi uma fusão entre Molson e Carling O’Keefe Canadá. No Quebec e nas províncias do leste havia três grandes cervejarias, e com a fusão passaram a existir apenas duas. Embora fosse no mesmo país, na mesma província, na mesma cidade, eram duas culturas diferentes em função do background das pessoas (...) Observamos o choque cultural entre quatro paredes. Hoje, tantos anos depois, podemos dizer que superamos essas dificuldades, mas levou mais de uma década. (...) A aquisição da Kaiser e a fusão da Bavaria com a Kaiser foi totalmente diferente, porque não houve, porque quase não teve a mistura de pessoas na mesma unidade fabril, mesmo que fosse no mesmo país, ou em dois países, eram duas entidades diferentes.

Verificou-se na literatura especializada que os esforços de integração em fusões e

aquisições internacionais concentram-se ou na equalização do ambiente, buscando construir

um referencial único (convergente), ou na criação de um ambiente plural, procurando

reconhecer e trabalhar diferenças (enfoque divergente). No entanto, na pesquisa empírica foi

constatado que a consolidação do ambiente de trabalho é decorrente de inúmeras interações

que constroem objetos comuns, os quais preservam aspectos convergentes e divergentes do

cenário internacional.

Sendo assim, a comunicação é o processo primário que possibilita a consolidação das

fusões e aquisições internacionais. O princípio norteador do modelo apresentado é de que a

construção do objeto de comunicação é condição fundamental para desenvolvimento de

fusões e aquisições internacionais, independente das etapas dessas operações – negociação,

integração ou consolidação. Ao longo do processo, as dificuldades, bem como os êxitos das

atividades de nível estratégico, tático ou operacional, verificam-se na capacidade de os

agentes construirem objetos de comunicação comuns, partilhando significados atribuídos e

(ou) construídos nas interações.

155

A construção do objeto comum permite o desenvolvimento das atividades que

constituem fusões e aquisições em contextos internacionais. Assim sendo, o ponto crucial

para análise da comunicação em fusões e aquisições internacionais é a identificação dos

agentes em interação, bem como dos objetos construídos ao longo do processo. Esta análise

identifica “quem fala e do que fala”, seja por meio de textos ou conversações, que produzem

ou transmitem significados. As formas pelas quais esses agentes e objetos interagem variam,

assim como variam os sentidos atribuídos a essas interações. Dessa maneira, os elementos

observáveis são os elementos primários da comunicação em fusões e aquisições

internacionais, ou seja, agentes e objetos.

Integrando os pressupostos básicos desta pesquisa, o quadro abaixo relaciona agentes

e objetos de comunicação construídos ao longo dos processos de fusão e aquisição

internacional. Em cada etapa e (ou) momento do processo, diversas combinações entre

agentes e objetos são possíveis. À medida que a operação evolui, segundo a estrutura

hierárquica das empresas, alteram-se os agentes do processo, mas os objetos são retomados e

reinterpretados conforme o contexto de ação dos agentes. Em função da natureza estratégica

das operações de fusões e aquisições internacionais, observou-se que os níveis hierárquicos

superiores transmitem aos níveis inferiores os significados dos objetos construídos em suas

interações. Esses objetos serão desconstruídos e reconstruídos em cada nível hierárquico, pois

em cada interação os objetos de comunicação são identificados, construídos e apropriados

para que possuam sentidos compartilhados. Em cada instância hierárquica os objetos são

compreendidos de acordo com o contexto da ação e do universo conceitual de seus agentes.

Em síntese, no quadro 8 são identificados os elementos fundamentais para análise dos

processos de comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais. Os atores e

objetos indicados no quadro combinam-se em interações diversas ao longo das fusões e

aquisições internacionais. A análise da comunicação em fusões e aquisições internacionais

observa a construção de objetos comuns nas interações entre os agentes que realizarão essa

ação organizacional.

Concluindo, o desafio da comunicação em fusões e aquisições internacionais é a

construção de objetos comuns (X) com significados compartilhados entre os agentes

independente de seu contexto de origem, o que inclui sua cultura nacional e organizacional.

Assim sendo, o quadro a seguir é um modelo analítico da comunicação organizacional em

fusões e aquisições internacionais, pois identifica as possibilidades de interação entre agentes

e os objetos construídos por eles durante a operação.

156

Quadro 8 – Modelo de análise dos agentes e objetos de comunicação em fusões e aquisições internacionais

Agentes (A e B) Objetos de Comunicação (X)

Negociação - Grupo de Negociação e (ou) alta administração – “conselho de guerra” e “conclave”. - Equipe de desenvolvimento do negócio. - Bancos de Investimento. - Consultorias Externas (jurídica, contábil etc.).

- Interpretação do ambiente organizacional (aspectos sociais, políticos, econômicos, legais, demográficos, físico-naturais, culturais e tecnológicos). - Oportunidade e ameaças ambientais. - Aspectos divergentes e convergentes do ambiente. - Análise de mercado e da concorrência. - Pontos fortes e fracos das organizações. - Identidade e histórico das organizações envolvidas. - Aspectos técnicos, comerciais, financeiros e de pessoal das organizações envolvidas. - Razões para efetivação do negócio, identificação dos objetivos da operação. - Sinergias possíveis. - Formulação da “Engenharia do negócio” (termos do contrato que definem como a operação será realizada: valor das organizações, forma de pagamento, necessidade de financiamentos, controle acionário, estrutura organizacional, entre outros aspectos financeiros, legais e operacionais). - Expectativas para a nova organização. - Projeção da nova identidade organizacional. - Possíveis mudanças. - Rumores sobre efeitos da operação (por exemplo, impactos no valor das ações, fechamento de unidades, demissão de funcionários etc.).

Anúncio e Aprovação

- Grupo de Negociação e (ou) alta administração – “conselho de guerra” e “conclave”. - Conselho de Administração (Board). - Acionistas. - Agências Reguladoras. - Analistas de Mercado. - Funcionários. - Público em Geral.

- Contexto da mudança (descrição da situação atual e de sua inadequação). - Justificativa estratégica e objetivos da operação. - Adequação e pertinência da estratégia. - Comparação com operações similares na mesma indústria. - Apresentação das organizações envolvidas (linhas de produtos, área de atuação, clientes, resultados financeiros, políticas internas, cultura nacional e organizacional etc.). - Apresentação da nova organização (do novo projeto organizacional) - Reposicionamento no mercado. - Projeções de desempenho da nova organização em curto, médio e longo prazo. - Benefícios para os acionistas. - Ganhos com o desenvolvimento de sinergias. - Apresentação da “Engenharia do negócio” (formato da transação). - Nova estrutura acionária. - Nova estrutura administrativa (Conselho e Diretoria) - Denominação e identidade visual da empresa resultante. - Localização da matriz. - Fontes de informação. - Declaração de que a operação depende de aprovação posterior. - Instâncias de aprovação. - Elementos a serem definidos posteriormente. - Expectativas para a integração.

157

Agentes (A e B) Objetos de Comunicação (X)

Integração - “Assembléia de chefes”, “reuniões de família” e “sessões de trabalho”. - Administrador da Integração. - Média gerência. - Funcionários operacionais.

- Plano de integração – mudanças a serem implantadas. - Objetivos das mudanças organizacionais. - Definição de prioridades. - Repercussões e significados da estratégia para indivíduos, grupos e para as organizações envolvidas. - Comparação com outros momentos de mudança na organização. - Comparações com outras organizações. - Potenciais efeitos da operação (ganhos e perdas, inclusive demissões e fechamento de unidades). - Possíveis problemas, conflitos e (ou) dificuldades. - Viabilização das sinergias almejadas. - Definição de papéis no processo de mudança (participação individual na construção da nova organização). - Reestruturações e reformas administrativas: a nova estrutura hierárquica (definição de cargos, responsabilidades e linhas de autoridade). - Plano de carreira e de sucessão. - Redefinição de papéis na nova organização (individuais e organizacionais). - Novos padrões de relacionamentos entre indivíduos, grupos e unidades organizacionais. - Estilo de gestão dos novos administradores. - Ajustes dos fluxos e práticas de trabalho. - Novas normas, regras, procedimentos e tecnologias. - Novos programas e projetos. - Mecanismos de controle e avaliação. - Novos quadros de referência. - Identidade organizacional (valores e orientação da empresa). - Identificação individual e grupal com a nova organização. - Desligamento com as organizações anteriores e (ou) razões para permanecer na nova organização. - Aspectos divergentes e convergentes do ambiente tarefa. - Reajuste do plano de integração.

Consolidação - Organização como um todo: “conselho de guerra”, “conclave”, “assembléia de chefes”, “reuniões de família” e “sessões de trabalho”. - Público em geral. - Ambiente externo.

- Comparação com o momento anterior a fusão e aquisição. - Pertinência da estratégia. - Avaliação das ações realizadas. - Resultados e efeitos da operação – balanço das atividades. - Alterações no plano de integração; - Reafirmação da visão e dos objetivos organizacionais. - Atividades institucionalizadas (estabilização da estrutura, processos e comportamentos). - Acertos e erros, dos aspectos positivos e negativos da mudança realizada. - Relato dos problemas e soluções encontrados no ajuste entre as organizações envolvidas. - Premiações pelo desempenho de indivíduos e grupos de trabalho. - Feedback aos funcionários, acionistas e ao mercado. - Perspectivas futuras para a organização.

Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa.

158

4.3 O Marco Teórico

Devido à interdisciplinaridade característica da comunicação, objeto de estudo desta

pesquisa, bem como do seu contexto de investigação42, fez-se necessário construir um marco

teórico de análise da comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais nos

domínios da Engenharia da Produção. Os conceitos apresentados nesta formulação teórica,

sobre as categorias analíticas deste estudo (aspectos internacionais da ação organizacional,

fusões e aquisições internacionais e comunicação organizacional) fazem parte do modelo de

análise apresentado na seção anterior. O marco teórico da comunicação em fusões e

aquisições internacionais é o conjunto das formulações anteriores e uma síntese desses

conceitos.

O marco teórico é um referencial de análise que integra a maneira pela qual esta tese

define suas categorias analíticas, e diferencia processos e momentos em que a comunicação

em fusões e aquisições internacionais é, sobretudo, constitutiva ou informativa. Assim sendo,

o marco teórico integra as noções de que a comunicação organizacional manifesta-se de

forma constitutiva e (ou) informativa, de que fusões e aquisições internacionais desenvolvem-

se da negociação à consolidação de uma nova organização por ações simultaneamente

divergentes e convergentes.

Segundo a pesquisa teórico-empírica realizada, as manifestações formais da

comunicação em estratégias de fusão e aquisição internacional são dirigidas, verticais, em sua

maioria descendentes e fundamentalmente instrumentais. Tal característica deve-se à natureza

estratégica das fusões e aquisições, observa-se que a comunicação formal é dirigida e segue

um fluxo descendente respeitando a estrutura das organizações envolvidas e o ritmo pelo qual

diferentes grupos de trabalho são integrados e (ou) afetados pelo processo (ver figura 15).

Fluxos de comunicação ascendente são observados nas fases de integração e consolidação,

quando ocorre o feedback dos níveis hierárquicos inferiores para adequações e ajustes do

plano de integração.

Por outro lado, as interações locais observadas no desenvolvimento de fusões e

aquisições internacionais, permitem caracterizar a comunicação como um contínuo processo

constitutivo de definição, interpretação e construção da nova organização. As contínuas

42 Fusões e aquisições internacionais são analisadas por várias ciências, dentre elas Economia, Contabilidade, Finanças, Direito, Marketing, Estudos Estratégicos e Política de Negócios.

159

interações viabilizam a execução das estratégias organizacionais, bem como criam o ambiente

internacional determinando a dinâmica entre aspectos locais e globais.

Considerando essas duas manifestações da comunicação, na figura 21 destacam-se os

momentos e processos de fusões e aquisições internacionais em que a comunicação apresenta-

se como predominantemente constitutiva ou informativa. Esta ilustração, tal qual as figuras 15

e 16, bem como os quadros 7 e 8, utiliza linhas contínuas para caracterizar processos internos

às organizações envolvidas em fusões e aquisições (negociação, integração e consolidação) e

linhas pontilhadas para diferenciar processos externos (anúncio e aprovação). A figura abaixo

também resgata a definição dos processos de comunicação organizacional apresentados na

figura 19.

Comunicação Organizacional em Fusões e Aquisições Internacionais

Comunicação Constitutiva – “Comunicação como Organização” Comunicação Informativa – “Comunicação nas Organizações”

Fusões e Aquisições

Internacionais Negociação Integração Consolidação

Processos

Negociações

Planejamento da Integração

das Organizações

Implantação do Plano de Integração

Interações entre as

organizações e Avaliação

Avaliação e Ajustes do Plano de

Integração.

Contínuas Avaliações

Contínuos Reajustes

Momentos

Anúncio do Negócio

Pareceres das Instituições Reguladoras dos países envolvidos

Divulgação do Plano de

Integração Publicação de Resultados

Figura 21 – Comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais Fonte: Formulação da autora, segundo dados de pesquisa

A figura acima é uma síntese do marco teórico formulado. Os processos de

comunicação organizacional são ciclos representados por setas azuis e vermelhas. As azuis

referem-se a processos de comunicação constitutiva, enquanto as vermelhas remetem a

momentos de comunicação informativa. No entanto, todo processo de comunicação

organizacional comporta em si características constitutivas e informativas. Em uma

representação ideal as setas seriam coloridas de forma que no início fossem de uma cor (azul

ou vermelho) e gradativamente modificassem sua coloração para que no final fossem da cor

160

oposta (azul ou vermelho). Na ilustração, as cores são utilizadas para demonstrar a

predominância de um ou outro aspecto da comunicação organizacional em processos e

momentos das fusões e aquisições internacionais.

Conforme definido anteriormente, os processos de comunicação organizacional, sejam

eles constitutivos e (ou) informativos, são formados por uma série de interações entre agentes

e objetos (apresentados no quadro 8) que se realizam pela dinâmica texto/conversações na

contínua alternância entre instâncias de construção e transmissão de sentido (sensemaking e

sensegiving). Essas interações são mediadas pela linguagem e realizam-se por vários

mecanismos ao longo do processo de fusão e aquisição internacional.

Como na maioria das práticas sociais cotidianas, a principal forma de comunicação

utilizadas pelos agentes são conversações (pessoais, por telefone, teleconferência,

videoconferência etc.), sejam estas ou formais, como as que ocorrem em reuniões e visitas

técnicas, ou informais, tais como a rede rumores que divulgam informações fragmentadas ou

suspeitas. Conforme explicitado por Taylor et al. (1996), as conversações solidificam-se em

textos que podem ser: relatórios, pareceres, comunicados, avisos, memorandos, e-mails,

jornais internos, mensagens oficiais, treinamentos, workshops, entre outros.

Diante da diversidade de mediações que viabilizam a comunicação organizacional,

verificou-se que o conteúdo das mensagens, ou seja, o objeto das interações é mais importante

do que os meios utilizados para sua realização. Por vezes, as empresas imaginam trabalhar

bem a comunicação organizacional porque possuem um sofisticado aparato instrumental para

realizá-la. No entanto, qualquer instrumental é inócuo quando seu conteúdo não o justifica.

Como salienta Marcondes Filho (2004), no século XXI os indivíduos dispõem de uma

variedade de tecnologias de comunicação e informação, mas comunicam cada vez menos. Isto

porque, comunicação implica compartilhar significados. Embora os indivíduos recebam um

significativo volume de informações, a comunicação se realiza apenas quando tais

informações adquirem sentido para esses indivíduos, ou seja, quando são construídos objetos

comuns. No caso de fusões e aquisições internacionais, tais objetos foram identificados no

quadro 8.

A efetividade da comunicação depende dos sentidos construídos e transmitidos por

esse processo, mais do que os instrumentos utilizados. Assim sendo, nesta tese distinguem-se

os processos de comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais que

constroem sentidos, ou seja, constituem a realidade, e os momentos em que a comunicação é

informativa, ou seja, transmite sentidos. A alternância entre construção e transmissão de

161

sentidos ocorre durante todo o processo de comunicação organizacional em fusões e

aquisições internacionais. No entanto, em determinados processos e momentos específicos é

possível identificar se a comunicação manifesta-se predominantemente de forma constitutiva

ou informativa, tal como demonstra a figura 21.

No desenvolvimento de fusões e aquisições internacionais, a etapa inicial de

negociação apresenta uma predominância de processos de comunicação constitutiva, ou seja,

a comunicação nessa etapa é essencialmente subsimbólica (TAYLOR; VAN EVERY, 2000).

Durante a escolha estratégica, a seleção de operações potenciais, a elaboração de um acordo

inicial, na realização da due diligence, enfim, em todas as atividades de negociação, apenas

algumas pessoas em cargos de nível estratégico das organizações estão envolvidas no

negócio. Esses indivíduos engajam-se em intensivos processos de comunicação para

compreender o ambiente organizacional e definir a operação. Assim, esse grupo de trabalho

interage para constituir a fusão e aquisição internacional. Na negociação, a comunicação

possibilita aos agentes a organização da ação estratégica a ser desenvolvida, bem como a

construção do sentido do negócio.

Embora a comunicação nas negociações seja essencialmente constitutiva, observam-se

manifestações de caráter informativo. Um exemplo é o “book” montado para apresentação da

organização a potenciais compradores. Esse instrumento é uma forma de comunicação

informativa, o formato do “book” pode variar de um simples folheto, até a produção de

vídeos ou apresentações mais elaboradas. A comunicação também pode ser um instrumental

na busca de potenciais compradores, pois são utilizadas técnicas de comunicação dirigida

como malas-diretas, ou até mesmo meios de comunicação de massa, tais como anúncios em

jornais e revistas. Além disso, cartas de intenção, acordos de confidencialidade,

apresentações, relatórios e o próprio contrato de fusão e (ou) aquisição são textos resultantes

de conversações, que transmitem formalmente o sentido atribuído à operação em processos

anteriores de comunicação constitutiva. Por isso, observa-se que, na negociação, a

comunicação organizacional é essencialmente constitutiva, mas inclui elementos de

comunicação informativa.

A etapa de negociação inicia-se quando os indivíduos são informados da operação.

Essa comunicação pode ser recebida de maneira oficial em reuniões, circulares ou

memorandos. No entanto, a informação também pode ser divulgada informalmente por

boatos. Embora percebidos como prejudiciais, os rumores são mecanismos de produção de

162

sentido e quando veiculam informações verídicas podem contribuir para a aceitação de

mudanças (ISABELLA, 1990).

Os boatos constituem formas de comunicação informativa, mas a rede de comunicação

que os produz é uma manifestação de comunicação constitutiva. Rumores são fruto de

interpretações, as pessoas percebem que algo está acontecendo e interagem para dar

significado à situação que vivenciam. Como são manifestações de comunicação usuais em

mudanças organizacionais, também foram observados rumores na aquisição da Kaiser pela

Molson.

No início vazavam informações, chegou uma época em que se falava que a Sckincariol iria comprar a Kaiser. Saia de tudo, para inventar boato muita gente aproveita.

Quando houve a aquisição da Kaiser pela Molson o pessoal pensava assim, vai fechar tal fábrica... Olha vão fechar 5 fábricas e olha que é para o dia 30. O pessoal tem data.(...) Não sei, isso que é o mais interessante dessas coisas, quando você não tem informação, você fabrica elas. Isso... eu trabalhei em outra empresa também e era a mesma coisa, não muda. Não é vazar informação, é inventar, é fofoca, entre aspas é fofoca, se inventa se fabrica a informação. Então é isso, eu senti muito isso, quando você não tem uma informação clara, as pessoas inventam. Houve muito isso.

Os rumores ocorrem porque as pessoas têm necessidade de compreender a situação e

engajam-se em um contínuo processo de produção de sentidos (sensemaking). Na falta de

uma fonte oficial que atribua sentido (sensegiving) à situação, os indivíduos buscam

significados por meio de interações na rede informal de comunicação. Os boatos representam

a construção de cenários imaginários que antecipam eventuais mudanças. A pesquisa de

Kramer, Dougherty e Pierce (2004) demonstra que, diante da necessidade de compreender a

operação de fusão e aquisição realizada em sua empresa, alguns funcionários recorreram a

fontes de informação externas como jornais e internet.

Tanto por processos de comunicação formal quanto informal (principalmente

rumores), a etapa de negociação é caracterizada pela atribuição de sentido à situação para

definição da operação. A atribuição de sentidos ocorre em todos os níveis hierárquicos. Em

nível estratégico, os indivíduos que efetivamente negociam a forma pela qual a operação será

realizada definem o significado da fusão e aquisição internacional. Nos níveis táticos e

operacionais, aqueles que não têm poder decisório sabem que serão afetados por essa

estratégia e têm necessidade de compreender a situação. Assim sendo, observa-se que a

comunicação é constitutiva do processo de negociação, pois o desenvolvimento dessa etapa é

caracterizado por intensas interações que produzem textos e conversações para construir a

operação, assim como estabelecer o significado desta estratégica.

163

Nos casos de operações internacionais, é também nas negociação que são observadas

diferenças e (ou) similaridades entre as características locais das organizações envolvidas no

processo. As diferenças ambientais podem ser de ordem tecnológica, cultural, econômica,

política, social, demográfica, legal, ou mesmo do ambiente físico-natural das organizações.

Na negociação, esses aspectos começam a ser comparados, negociados e equilibrados. As

potenciais vantagens competitivas e (ou) ameaças, advindas destas condições ambientais, são

objeto de comunicações intensas que definem (isto é, organizam) o ambiente da organização a

ser constituída. A análise de aspectos locais e globais pode ser um elemento que indique a

inviabilidade do negócio ou um fator determinante para sua efetivação.

Por exemplo, a pesquisa empírica demonstrou que a decisão da Molson de investir no

Brasil em 2000, dentre outras razões, foi motivada por fatores demográficos (enquanto o

crescimento populacional do Canadá é estável, a população brasileira tem perspectivas de

contínuo crescimento); e físico-naturais (a diferença entre estações nos hemisférios norte e sul

trazia a possibilidade de equilíbrio financeiro para a empresa). No entanto, fatores

econômicos (a volatilidade da moeda brasileira em relação ao dólar americano) e

mercadológicos (a redução da participação de mercado da Kaiser) podem ter motivado a

venda da empresa em 2006.

Embora a interpretação e atribuição de significados ao ambiente organizacional

constituam um processo constante em qualquer ação organizacional, nas negociações para

fusões e aquisições internacionais elas ocorrem de forma mais intensa. A operação define-se

pelas interações ocorridas na etapa de negociação, por meio de conversações e textos que

constroem e atribuem sentidos a essa ação estratégica.

Na etapa de negociação, os processos de comunicação constitutiva definem as linhas

gerais da operação de fusão e aquisição internacional. Estabelecidos os parâmetros iniciais o

negócio é oficialmente anunciado e para tanto são utilizados diversos meios e técnicas de

comunicação informativa. Estando a operação de fusão e aquisição delineada (isto é,

organizada), seus principais elementos são divulgados à comunidade externa, bem como a

outros membros da organização que ainda não têm conhecimento da operação. Esse momento

informativo caracteriza-se pela formalização do acordo final em um contrato, ou mesmo que o

contrato não tenha sido fechado, ocorre o anúncio oficial da operação.

Quando do anúncio oficial, todas as interações e processos de comunicação

constitutiva anteriormente informais são consolidadas em um texto a ser divulgado. Para a

constituição de tal texto, muitas conversações se desenvolvem. Depois dos intensos processos

164

de comunicação constitutiva da etapa de negociação, o anúncio corresponde um momento

essencialmente informativo. O anúncio oficial é um evento crítico no processo porque a partir

dessa ocasião, a operação passa a ser de domínio público. Entre outras ações de comunicação

informativa, a divulgação é realizada por meio de comunicados do tipo Fact sheet (que

resumem os dados essenciais das organizações envolvidas e da operação) apresentações para

funcionários, acionistas, analistas de mercado, jornalistas e representantes do governo. O

anúncio oficial pode envolver uma variedade de instrumentos de comunicação de massa, bem

como de comunicação dirigida, tais como atividades publicitárias, de relações públicas ou de

assessoria de imprensa.

Na formação da AmBev observou-se o uso da publicidade para sensibilização da

opinião pública. A campanha envolveu inserções em horário nobre de televisão, além de

videoclips, jingles e depoimentos de artistas que divulgaram a criação da multinacional

brasileira. Na aquisição da Kaiser pela Molson, utilizaram-se estratégias de comunicação

dirigida. Para os acionistas,

Foram realizadas apresentações nas reuniões de acionistas (...) para grandes acionistas institucionais, aqueles que possuíam mais de dez milhões de dólares em ações, nós fomos encontrar com eles pessoalmente para dar informações detalhadas da operação. Realizamos encontros em Toronto, Nova York, São Francisco, Los Angeles...

Para os funcionários, reuniões e apresentações,

Quando o negócio foi fechado foi feita uma apresentação de maneira muito objetiva. Organizou-se em todas as fábricas, no mesmo momento, para que todas as pessoas fossem informadas, para evitar fofocas, aquele negócio todo. Foi de uma maneira muito sofisticada, na produção chamamos todo mundo no mesmo lugar, foi informado, foi explicado quem era a Molson, o que que eles eram, o que que eles não eram e que agora eles iam controlar a empresa, etc. e aí continuou a nossa diretoria, até que veio o novo presidente. O presidente da Molson chamou todo o corpo gerencial da companhia em São Paulo, eles fizeram uma apresentação e também tinha acionistas lá. Ele fez um discurso, explicou o que era a companhia, falou da história da Molson, quem tinha fundado, que era uma cervejaria familiar, que faz parte da história do Canadá, tudo isso. Foi tudo muito bem aceito, de forma muito produtiva. Até porque as pessoas que deram o recado souberam dar esse recado de uma forma extremamente, vamos dizer assim, não vou dizer informal, mas uma maneira muito, muito... cortês... uma maneira muito... amigável, este seria o termo. Uma maneira extremamente amigável. (...)Todos os gerentes, todos os gerentes de fábrica foram informados e podíamos fazer perguntas. Ele disse como seria o nome da companhia, ele disse onde seria a matriz da companhia, e, a coisa foi andando...

Para atendimento a jornalistas, foram organizadas coletivas, press releases e outras atividades

de assessoria de imprensa:

A gente não queria represar a notícia, mas condensar esta exposição num determinado período. Ela foi forte, todo mundo deu, mas deu um dia, deu dois e acabou. Por quê? Porque a gente tinha um processo muito claro de porta-vozes

165

para falar com o Brasil inteiro, a gente montou uma operação muito grande para isso. (...) A divulgação foi pró-ativa e com um follow-up super-específico. Assim, ao grupo de jornalistas, que é fundamental, que iria dar a notícia de qualquer forma não só enviamos release, como também ligamos e oferecemos a entrevista. Pra aquele dia, no dia mesmo foi feita a entrevista, para já tentar matar todos ali e já fazer a operação toda naquele dia. Funcionava assim, na matriz ficavam dois ou três executivos prontos para responder, o dia inteiro dando entrevistas e nas unidades outras pessoas também estavam preparadas.

Interna e externamente, anúncio constitui um processo informativo de transmissão de

sentido (sensegiving), pois aceitação e aprovação da operação dependem da forma pela qual a

fusão e (ou) aquisição é apresentada e da capacidade da organização de justificar e legitimar a

operação (DEMERS; GIROUX; CHREIM, 2003). Quando da formação da AmBev, a

empresa divulgou que a fusão significava a criação de uma multinacional brasileira e

justificou a operação pela lógica da globalização. Além disso, para fazer frente a possíveis

interpretações da fusão como consolidação de mercado e formação de oligopólio, a empresa

deu sentido à operação segmentando o mercado interno em cinco regiões específicas (CADE,

2000).

No estudo de caso realizado, observou-se que, internamente, o anúncio oficial

confirma ou desmente rumores, além de evitar a propagação de novos boatos. Segundo a

percepção dos entrevistados, o anúncio demonstra a disposição da administração em informar

e comunicar de forma o mais transparente possível. Como atividade de comunicação

informativa que divulga o significado da operação, o anúncio reduz incertezas, contribui para

a criação de um clima de confiança e prepara os funcionários para as mudanças a serem

implementadas na fase de integração.

Externamente, o anúncio oficial, além de notificar as autoridades competentes,

representa o momento em que a concorrência toma conhecimento do negócio. O concorrentes

também atribuem sentidos à operação para orientar sua linha de ação estratégica, pois a

realização de uma fusão e (ou) aquisição representa uma nova configuração do mercado. Os

depoimentos abaixo demonstram como a Kaiser interpretou a criação da AmBev e como agiu

em função dessa interpretação.

De 99 a 2000 a Kaiser ficou muito envolvida com processos administrativos e políticos para tentar impedir a formação da AmBev. Entrou nessa disputa judicial para impedir, chegou a ganhar algumas etapas, mas numa etapa final perdeu. (...) Se falava que um dos principais problemas da formação da AmBev seria uma concentração muito forte, que sufocaria as menores, e a Kaiser era a maior dessas menores, por isso é que ela teve esse papel de defender a concorrência.

Na compra da Antarctica pela Brahma, mudou totalmente o mercado e a Kaiser perdeu um pouco o foco. Ela estava tão preocupada em não deixar acontecer a fusão que acabou passando um ano e meio só em função de evitar a fusão e

166

perdemos um ano de foco total só em cima disso. Ao invés de aproveitar os primeiros momentos quando a Brahma comprou a Antarctica, eles tinham uns problemas internos com os distribuidores, então, ao invés de aproveitar isso e avançar, pegar esse momento fraco deles, entrar no mercado e esquecer a fusão, não a Kaiser tentou evitar de qualquer maneira e perdeu o foco, perdeu a batalha.

Outra ocasião de comunicação informativa é o anúncio do parecer das instituições

reguladoras dos países envolvidos. Sendo esta uma decisão externa às organizações, em

fusões e aquisições internacionais, as empresas são informadas do parecer, mas também

divulgam esse parecer em outras instâncias, tais como funcionários, acionistas e imprensa. A

aprovação (ou desaprovação) do negócio é um momento de comunicação informativa e

representa um evento crítico dos processos de fusão e aquisição, pois a efetivação da operação

depende dessa decisão.

Antes da realização do anúncio oficial e (ou) da aprovação, instaura-se o processo de

formulação do plano de integração das organizações. O planejamento se realiza por intensivos

processos de comunicação constitutiva, que visam organizar a integração das organizações.

Formam-se grupos de trabalho (nas áreas de produção, finanças, comerciais, legais etc.) que,

em sucessivas reuniões, diversas conversações ou outras formas de interação, engajam-se em

processos de comunicação para elaborar o plano de integração das empresas que vai gerar a

nova organização. Nesse processo de comunicação constitutiva, novamente observou-se a

dinâmica texto/conversação. A preparação de projetos, relatórios, pareceres, bem como a

redação do plano de integração representam a cristalização, em textos, das conversações

realizadas durante o processo de planejamento. Esses textos, por sua vez, geram novas

conversações e assim sucessivamente. Afinal, quando um texto é instituído, ele passa a “ter

vida própria”, sendo um novo agente do processo de comunicação. O esforço de comunicação

constitutiva do processo de planejamento é seguido por um momento informativo que

consiste da divulgação do plano de integração.

Na fase de integração, a difusão do plano de integração é uma instância de

comunicação informativa, pois as pessoas estão conscientes da realização do negócio, mas

ainda não compreendem o impacto da operação em suas atividades diárias. Somente quando

as mudanças são anunciadas é que os indivíduos vão interpretá-las para definir o que a fusão e

(ou) aquisição significa para a sua organização, departamento, grupo ou para o seu trabalho

individual.

Quando atribuem sentidos ao plano de integração, as pessoas interagem em processos

de comunicação constitutiva, os quais estabelecem a dinâmica da execução das mudanças que

167

compõem a integração. Na implantação do plano de integração cada membro das

organizações envolvidas engaja-se em processos de comunicação para constituir a nova

organização. Mesmo aqueles indivíduos que se desligam da organização, em função das

novas estruturas organizacionais, utilizam-se da comunicação para interpretar a informação

recebida, dar sentido a situação em que se encontram e construir um novo panorama para suas

atividades profissionais.

Os “sobreviventes”, como são chamados na literatura especializada (CALDAS;

TONELLI, 2002), ingressam em processos de comunicação constitutiva para compreender e

realizar as mudanças estruturais, processuais e comportamentais que caracterizam a

integração de organizações em fusão e aquisição. Observou-se que as primeiras operações de

produção de significado são de natureza individual, ou seja, os indivíduos procuram

compreender como a fusão e (ou) aquisição afetará sua rotina de trabalho. Tais preocupações

podem variar desde a manutenção do emprego, até a mudança de horários de expediente.

Compreendidos os efeitos da operação nas condições de trabalho individuais, o processo de

produção de significado se estende aos níveis grupais e organizacionais. Isto é, o indivíduo

tenta compreender como a mudança afetará sua equipe de trabalho (Alguém do meu grupo

será demitido? Continuaremos com o mesmo chefe? etc.), seu departamento (Vamos receber

outras tarefas? O pessoal da outra empresa vai vir trabalhar conosco? etc.) e, finalmente, sua

organização (Ganharemos mercado? Vamos fabricar novos produtos? etc.).

Na implementação das mudanças, as pessoas passam a conhecer a realidade um do

outro, e compreendem (sensemaking) a maneira de pensar e operar da organização com a qual

estão se fundindo ou que adquiriram. Como ilustra o depoimento a seguir:

Isto não é somente no Brasil, eu acredito que é no mundo todo. No início as pessoas sentem que estão sendo testadas, mas isto é em todo lugar. Quando você adquire um negócio, você chega lá e começa a fazer perguntas, o sentimento é de que você não confia nas pessoas, mas não é esse o caso, você só quer se familiarizar com o negócio. (...) Você não está fazendo perguntas para desafiar ninguém, mas apenas para acelerar o seu processo de aprendizagem.

A integração evolui com a seqüência das interações entre as organizações envolvidas,

as quais, além de viabilizar a implementação do plano de integração, consolidam a operação.

O desenvolvimento das fusões e aquisições é monitorado por processos de avaliação. As

avaliações, realizadas durante a integração e a consolidação, efetivam-se por processos de

comunicação constitutiva, enquanto a divulgação dos resultados dessas avaliações são

manifestações de comunicação informativa. Os resultados são apresentados em relatórios,

reuniões, apresentações etc.

168

No estudo de caso realizado, o desempenho da operação era monitorado

predominantemente em termos financeiros, apoiados por dados relativos ao volume de

produção e vendas. Em síntese, a performance da nova organização foi avaliada por sua

capacidade de remuneração do capital investido. O anúncio de resultados realiza-se por

relatórios de desempenho trimestrais e anuais, e são comunicações verticais e descendentes.

Os dados que orientam o processo de avaliação representam um fluxo ascendente de

informações, sinalizando a necessidade de ajustes. Conforme exemplificou um entrevistado:

Eu comunico o que eu quero e o outro tem de comunicar o quê que ele fez. Porque o processo de controle de índices é uma comunicação. O que é esse board aí. O quê que é isso? Isso é "Gestão à Vista". O quê é "Gestão à Vista"? São comunicações, eu estou comunicando resultados, aí tem as listas dos targets, o que é eu estou comunicando o que eu quero e os caras estão comunicando o que eles estão atingindo. Isso é... tudo isso é comunicação, entendeu, mais nada funciona sem comunicação.

Assim sendo, a comunicação no processo de avaliação é constitutiva e a comunicação

dos resultados das avaliações é informativa. Conforme a performance da nova organização,

são elaborados novos planos a serem implantados para otimizar as operações da empresa. A

formulação e implementação de ajustes no plano de integração são processos de comunicação

constitutiva, seguidos de momentos informativos nos quais são publicados os resultados

destas ações, os quais, por sua vez, geram novos reajustes, e assim sucessivamente até que a

integração das empresas em fusão e aquisição esteja completamente consolidada ou até que

ocorram outras mudanças estratégicas.

Em síntese, o marco teórico é um referencial de análise que representa como os

processos de comunicação organizacional desenvolvem-se em fusões e aquisições

internacionais. Essa formulação teórica, elaborada a partir de uma pesquisa fundamentada na

grounded theory, é condicionada às definições de comunicação organizacional, fusões e

aquisições internacionais, bem como com as especificidades do ambiente internacional

identificadas anteriormente.

Como parâmetro de análise, a síntese apresentada permite identificar como a

comunicação é essencial na constituição da operação durante os processos de negociação, os

quais culminam em um momento informativo em que se realiza o anúncio do negócio.

Durante a negociação, ou logo após a realização do anúncio, iniciam-se processos de

comunicação constitutiva com vistas na elaboração do plano de integração. A seguir,

observam-se dois momentos informativos: a divulgação do parecer das instituições

reguladoras dos países envolvidos e do plano de integração das organizações. A

169

implementação do plano de integração realiza-se por processos intensivos de comunicação

que constituem a nova organização. A evolução da integração é constantemente monitorada

por processos de avaliação, os quais são seguidos por momentos informativos de publicação

de resultados. A avaliação é parâmetro para futuras interações e constantes ajustes no plano

de integração. Desse modo, por meio de um fluxo contínuo de comunicação constitutiva e

informativa, as organizações em fusão e (ou) aquisição internacional consolidam-se em uma

nova organização. Enfim, são os processos de comunicação organizacional que possibilitam a

realização de fusões e aquisições internacionais.

Esta tese caracteriza os principais processos e momentos do desenvolvimento de

fusões e aquisições internacionais como manifestações de comunicação constitutiva ou

informativa. Vale ressaltar que a comunicação organizacional possui uma dinâmica interna de

alternância entre conversações e textos, conforme os fluxos de construção ou atribuição de

significados. O processo de comunicação organizacional é único, mas manifesta-se de forma

constitutiva e (ou) informativa. Assim sendo, cada uma dessas manifestações da comunicação

incorpora elementos da outra. Como sugere o referencial teórico e a pesquisa empírica, a

comunicação organizacional é um processo singular que integra as noções de “comunicação

como organização” e “comunicação nas organizações”.

Os processos de comunicação organizacional, quando analisados de forma micro,

indicam que a comunicação realiza-se em interações entre agentes (A/B) com relação a um

objeto (X). Em ambientes internacionais, os objetos podem incorporar diferentes significações

para agentes oriundos de diferentes contextos. Dessa maneira, o desafio da comunicação

organizacional em fusões e aquisições internacionais é a construção de um objeto de interação

comum que possua um significado partilhado entre os agentes em interação. Assim sendo, o

modelo de análise identifica atores e objetos que interagem ao longo dos processos de fusões

e aquisições internacionais (quadro 8). O modelo é um instrumental analítico que representa a

microanálise das possíveis interações em fusões e aquisições internacionais.

A macroanálise dos processos de comunicação organizacional permite identificar a

série de integrações construída na dinâmica texto/conversações e na alternância de momentos

de construção e produção de sentidos. Tal análise incorpora os pressupostos apresentados no

modelo de análise e é síntese da comunicação organizacional caracterizando-a como

constitutiva ou informativa em processos e momentos das etapas de fusões e aquisições

internacionais (figura 21). Embora apresente duas manifestações distintas, a comunicação

organizacional é um processo único e contínuo.

170

Conclui-se que o marco teórico de análise da comunicação em fusões e aquisições

internacionais compreende concepções específicas a respeito da ação organizacional

internacional, acerca do desenvolvimento de fusões e aquisições e sobre o processo de

comunicação organizacional. Tais pressupostos conceituais foram integrados um modelo de

análise apresentado no quadro 8, no qual são identificados agentes e objetos de comunicação,

construídos durante fusões e aquisições internacionais. Tendo em vista que a construção de

objetos comuns é o principal desafio da comunicação em fusões e aquisições internacionais,

esse quadro pode orientar a ação de gestores na condução de operações desta natureza, assim

como pode ser uma ferramenta de avaliação de tal estratégia. O modelo é uma representação

ideal, pois algumas organizações não constroem significados compartilhados para os objetos

identificados, ou não envolvem os agentes enumerados. A ausência de interações, que

construam ou atribuam sentido à estratégia em curso, compromete o desenvolvimento de

fusões e aquisições internacionais.

Partindo do modelo que detalhada as interações ocorridas nos processos internos de

organizações em fusões e aquisições internacionais, por meio da figura 21 é possível analisar

o processo de comunicação organizacional, ou seja, a seqüência das interações apresentadas

no modelo. Assim sendo, o marco teórico sintetiza os conceitos de ação internacional, fusões

e aquisições e comunicação apresentados anteriormente, identificando processos e momentos

de fusões e aquisições internacionais em que a comunicação organizacional é

predominantemente informativa ou constitutiva destas operações.

171

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como considerações finais desta tese são apresentadas as contribuições da pesquisa e

suas limitações. Por fim, são realizadas recomendações para estudos futuros.

5.1 Contribuições da Pesquisa

Diante da dinâmica da globalização e do aumento da competitividade internacional, as

organizações engajam-se em fusões e aquisições, cruzando fronteiras em busca de

crescimento e participação no mercado mundial. Fusões e aquisições internacionais são

estratégias de internacionalização com investimento direto no exterior que geram mudanças

nas estruturas, processos e comportamentos organizacionais. Tais transformações são

observáveis sobretudo no ambiente interno das organizações envolvidas nessas operações. Em

estratégias de fusões e aquisições internacionais, a comunicação não apenas garante a

circulação de informações essenciais ao desenvolvimento do negócio, como possibilita a

própria definição e implantação dessa estratégia, determinando, assim, as características da

operação.

Portanto, esta tese foi norteada pela seguinte pergunta de pesquisa:

Como analisar a comunicação nos processos internos às organizações envolvidas

em fusões e aquisições internacionais?

Em resposta à pergunta de pesquisa formulada, o objetivo desta tese foi elaborar um

marco teórico que possibilite a análise da comunicação organizacional nos processos internos

às organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais. Esta construção conceitual

foi realizada mediante uma investigação teórico-empírica orientada pelos princípios da

grounded theory.

Para elaboração do marco teórico, foi necessário conceituar seus elementos centrais,

os quais correspondem às categorias analíticas do estudo, a saber: o ambiente de ação

organizacional internacional, o desenvolvimento de fusões e (ou) aquisições e o processo de

comunicação organizacional. Tais formulações conceituais constituem as primeiras

contribuições desta pesquisa. O marco teórico reúne estes conceitos, o modelo de análise que

representa as relações entre estas categorias analíticas e uma síntese das manifestações

172

constitutivas e informativas da comunicação organizacional em fusões e aquisições

internacionais. O modelo detalha atores e objetos de comunicação que interagem durante

fusões e aquisições internacionais. Nesta tese compreende-se que a análise da comunicação

realiza-se pela observação das interações ocorridas ao longo das fusões e aquisições

internacionais, identificando os processos e momentos dessa estratégia em que a comunicação

organizacional manifesta-se de forma constitutiva ou informativa.

A análise dos processos de comunicação em fusões e aquisições internacionais

realiza-se de modo micro e macro. A microanálise da comunicação realiza-se pela

identificação das interações que constroem objetos comuns ao longo dos processos de fusão e

aquisição. A construção de um objeto de comunicação comum é crucial para o

desenvolvimento de operações internacionais. A macroanálise observa que em uma série de

interações a comunicação manifesta-se como processos constitutivos e momentos

informativos nas fusões e aquisições internacionais. Em um fluxo contínuo, os ciclos de

comunicação constitutiva e informativa produzem a dinâmica das fusões e aquisições

internacionais. Apesar de diferenciar a análise micro e macro, o marco teórico considera a

interdependência entre essas instâncias de análise, pois cada interação faz parte de uma série e

reciprocamente as séries são formadas por interações individuais.

A elaboração do marco teórico é a principal contribuição desta tese, pois representa

uma síntese dos conceitos formulados em sua constituição e identifica as manifestações

constitutivas e informativas da comunicação organizacional nas etapas do desenvolvimento de

fusões e aquisições internacionais. Outra colaboração desta tese para o avanço dos estudos em

Engenharia da Produção, a respeito da comunicação organizacional em fusões e aquisições

internacionais, é a construção de um modelo das interações ocorridas nessas operações.

A elaboração de um marco teórico da comunicação organizacional em fusões e

aquisições internacionais disponibiliza a acadêmicos e gestores um referencial de análise para

pesquisas e ações administrativas. Contudo, o alcance dos objetivos específicos também

constitui contribuições desta pesquisa. Assim, cada um dos objetivos apresentados

anteriormente será retomado a seguir.

O primeiro objetivo específico era identificar as principais correntes de pensamento

em comunicação organizacional. A revisão da literatura realizada identificou a existência de

duas visões distintas a respeito da relação comunicação/organização: as noções de

“comunicação nas organizações” e “comunicação como organização”. A investigação

empírica sugeriu que essas perspectivas se manifestam como momentos de comunicação

173

informativa e processos de comunicação constitutiva, que constituem um fluxo singular: a

comunicação organizacional.

A partir do referencial teórico exposto no Capítulo 2, foi possível compreender a

comunicação organizacional como um processo social que aciona universos objetivos e

subjetivos na criação de um ambiente ao mesmo tempo estável e mutante. A contraposição

entre teoria e prática, segundo os princípios da grounded theory, conduziu a definição dos

processos de comunicação organizacional como uma série de interações entre agentes (A/B)

em relação a um objeto (X). Nessas interações, os agentes constroem a realidade social à

medida que definem e redefinem as relações entre sujeitos, bem como as relações

sujeito/objeto. Isso se realiza por meio da dinâmica texto/conversações e (ou) pela contínua

alternância entre instâncias de constituição e de transmissão de significados. Tal compreensão

da comunicação organizacional é inspirada nos estudos da Escola de Montreal e apresenta-se

à academia brasileira uma perspectiva original. Para os estudos de Engenharia de Produção,

esta conceituação permite compreender que operações produtivas desenvolvem-se em

instâncias de comunicação. Além disso, os resultados dos processos produtivos estão

condicionados aos significados construídos e transmitidos por meio da comunicação

organizacional.

Um segundo objetivo consistia em caracterizar fusões e aquisições. Por meio da

investigação teórico-empírica realizada, foi possível identificar que nos processos internos às

organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais, destacam-se as etapas de

negociação, integração e consolidação. Uma particularidade desta pesquisa foi distinguir o

anúncio e a aprovação do negócio como momentos externos às organizações em fusões e

aquisições internacionais. Essas etapas, bem como os momentos voltados ao ambiente

externo, foram caracterizadas por sua natureza, duração, objetivo, resultado, eventos

significativos, atividades, clima organizacional característico, dificuldades e elementos

facilitadores.

Outro objetivo versava sobre os diferenciais das fusões e aquisições em contextos

internacionais. Com o desenvolvimento da pesquisa e a emergência de conceitos possibilitada

pela metodologia utilizada, observou-se que os diferenciais relativos ao contexto internacional

influenciam não somente as operações de fusões e aquisições, como também os processos de

comunicação e outras ações organizacionais realizadas em ambientes internacionais.

A literatura especializada divide os estudos internacionais entre perspectivas

convergentes ou divergentes, isto é, abordagens que destacam uniformidade ou a

174

diferenciação das ações organizacionais em um ambiente globalizado. Sob o ponto de vista da

convergência, a globalização conduz à homogeneização das atividades organizacionais. As

operações internacionais diferenciam-se de acordo com o ambiente local de atuação da

empresa, isto é, fatores sociais, culturais, políticos, legais, físico-naturais, demográficos,

econômicos e tecnológicos. Essa perspectiva consiste na abordagem dos estudos

internacionais que enfatiza a divergência. Assim sendo, aspectos globais e locais são

usualmente considerados extremidades de um continuum.

Uma das contribuições desta pesquisa consiste no entendimento de que aspectos

globais e locais são dimensões de análise distintas. As ações organizacionais em ambiente

internacionais convergem e divergem simultaneamente. Observou-se que essas dimensões,

antes que pólos opostos, são ortogonais, independentes uma da outra. A partir da pesquisa

empírica realizada, encontraram-se evidências que corroboram perspectivas convergentes e

divergentes. A contribuição desta pesquisa consiste em considerar que tais abordagens não

são excludentes e compreender que aspectos globais e locais representam dimensões distintas,

complementares na análise de ações internacionais. Assim sendo, fusões e aquisições

realizadas em contextos internacionais diferenciam-se à medida que, durante seu

desenvolvimento, as atividades organizacionais equilibram aspectos locais e globais.

Nesta tese identificou-se como as etapas de negociação, integração e consolidação

caracterizam-se quanto à convergência ou divergência do ambiente de ação internacional. Na

etapa de negociação, as ações organizacionais caracterizam-se pela convergência, pois as

organizações envolvidas possuem objetivos comuns alinhados à lógica global do mundo dos

negócios. Durante a integração ressaltam-se as diferenças locais e nessa etapa evidenciam-se

divergências. Na consolidação, as interações entre agentes e objetos de comunicação

estabelecem as características das estruturas, processos e comportamentos da organização

resultante da fusão e aquisição. Tais características apresentam diferentes graus de

convergência e divergência.

Constatou-se, ainda, que ao interagir em contextos internacionais os agentes

convergem em relação a um objeto comum e divergem em seus universos conceituais. Desse

modo, o ambiente construído e as ações desenvolvidas em contextos internacionais são

simultaneamente convergentes e divergentes.

O quarto objetivo específico desta pesquisa era observar como se desenvolvem os

processos internos de reorganização das organizações em fusões e aquisições internacionais.

Como operações estratégicas, fusões e aquisições internacionais desenvolvem-se à medida

175

que as organizações envolvidas imbricam-se estruturalmente neste processo, transformando-

se e definindo a estrutura da organização resultante. Em cada etapa das fusões e aquisições

internacionais, agentes de diferentes níveis hierárquicos engajam-se nesse processo de

mudança. Essas transformações, a princípio estruturais, acabam por reorganizar processos e

comportamentos. Assim, o ambiente interno das organizações envolvidas em fusões e

aquisições internacionais reorganiza-se como entidade (legitimando nominalmente as novas

estruturas), sistema (pelos novos padrões de relacionamento), comunidades de prática (por

meio de novos comportamentos) e coletivo (no conjunto de estrutura, processos e

comportamentos). As mudanças projetadas durante as negociações são efetivamente

planejadas e implementadas na etapa de integração. Quando a operação de fusão e aquisição

se consolida, é possível observar que novas estruturas, processos e comportamentos estão

internalizados.

Esta pesquisa também tinha por objetivo identificar as especificidades dos processos

de comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais. Conforme apresentado

anteriormente, os processos de comunicação organizacional são constituídos por uma série de

interações. No modelo de análise apresentado foram identificados agentes e objetos das

interações ocorridas durante fusões e aquisições internacionais. Observando as séries de

interações, constatou-se que os processos de comunicação organizacional em fusões e

aquisições internacionais realizam-se em um fluxo contínuo, no qual alternam-se ciclos de

comunicação informativa e constitutiva.

Na etapa de negociação, a comunicação é predominantemente um processo

constitutivo. O anúncio e a divulgação do parecer das instituições reguladoras são momentos

de comunicação informativa. Os processos de planejamento e implantação do plano de

integração realizam-se por processos de comunicação constitutiva. No entanto, quando ocorre

a divulgação do plano de integração, a comunicação é informativa. Quando a operação de

fusão e aquisição internacional chega à etapa de consolidação, as interações entre as

organizações e a avaliação da nova empresa são processos de comunicação constitutiva; já a

publicação dos resultados dessas avaliações são momentos em que a comunicação é

informativa. Assim sendo, o quinto objetivo específico desta pesquisa foi alcançado quando

se identificaram processos e momentos de comunicação constitutiva e informativa durante

fusões e aquisições internacionais.

Por fim, o último objetivo procurava analisar teórica e empiricamente os processos de

comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais, para elaboração e

176

proposição de um marco teórico de análise da comunicação nos processos internos às

organizações envolvidas em fusões e aquisições internacionais. Segundo os preceitos

metodológicos desta pesquisa, definidos pela grounded theory, a construção do marco teórico

integrou perspectivas teórico e práticas. O referencial teórico foi apresentado no Capítulo 2,

sendo que alguns conceitos foram retomados no Capítulo 4, por ocasião da construção do

modelo. A análise empírica foi realizada pelo estudo de caso da internacionalização da

Molson Canadá na fusão e aquisição das cervejarias brasileiras Kaiser e Bavaria. Dados

oriundos desse caso foram apresentados de forma não-linear durante a construção do modelo.

Esses dados empíricos amparam a formulação teórica, assim como serviram de referência

para aplicação e verificação do marco teórico elaborado.

Dessa maneira, os processos de comunicação organizacional foram analisados teórica

e empiricamente. O acompanhamento do caso da Molson e o constante contraste dessa

experiência prática com o referencial teórico pesquisado permitiu a construção do marco

teórico segundo os princípios da grounded theory. Como propõe essa metodologia, a

elaboração do referencial de análise da comunicação em fusões e aquisições internacionais

desenvolveu-se de maneira não-linear; no entanto, os elementos teóricos e empíricos

utilizados nessa construção foram apresentados em uma seqüência lógica no Capítulo 4.

Como contribuição prática aos gestores envolvidos em processos de fusão e aquisição

internacional, esta pesquisa propõe que a análise detalhada dos processos de comunicação

organizacional é essencial para o desenvolvimento dessas operações. O modelo apresentado

identifica quem se comunica com quem a respeito do quê. Esse esquema permite que os

gestores identifiquem como os agentes participantes do processo de fusão e aquisição

apropriaram-se de objetos comuns. Percebendo até que ponto os atores compartilham a

compreensão dos objetos de comunicação, é possível avaliar a integração das empresas

fusionadas e (ou) adquiridas. Por isso, a identificação dos agentes e objetos de comunicação

compartilhados pode ser um ferramental útil no gerenciamento de fusões e aquisições

internacionais.

A análise realizada explicita a alternância entre a comunicação que “organiza” a

maneira pela qual as fusões e aquisições internacionais se desenvolvem e a comunicação que

informa o curso da operação e seus resultados. Compreender essa dinâmica permite que os

gestores identifiquem os processos e momentos em que a comunicação constrói e transmite

significações para objetos comuns às organizações fusionadas. Por meio da construção de

177

objetos comuns as fusões e aquisições podem ser capazes de gerar as sinergias que as

motivaram.

Em suma, a principal contribuição científica desta tese é a elaboração do marco

teórico. No entanto, as diversas construções conceituais realizadas para atingir os objetivos

específicos deste trabalho são avanços para os estudos sobre comunicação em fusões e

aquisições internacionais. Contudo, as contribuições apresentadas acima são aquelas

identificadas pela autora desta tese. Espera-se que outros leitores explorem outras

interpretações possíveis e façam uso do conteúdo apresentado em outros trabalhos teóricos e

(ou) experiências empíricas, de modo a que esta tese possa contribuir ainda mais para a

consolidação e construção do conhecimento em Engenharia de Produção. Imagina-se que o

caráter multidisciplinar deste estudo permita que o marco teórico elaborado possa inspirar

investigações em outras áreas do conhecimento, assim como orientar análises de outros

processos de mudança organizacional, sejam de âmbito local, ou internacional ou que

envolvam apenas uma ou mais organizações. Identificadas as contribuições originais desta

pesquisa, é preciso reconhecer suas limitações. Tais características estão descritas na seção

seguinte.

5.2 Limitações da Pesquisa

As escolhas feitas durante um processo de pesquisa implicam possibilidades e

restrições. Nesse sentido, as limitações desta pesquisa são inerentes a sua delimitação: um

estudo da comunicação organizacional em fusões e aquisições internacionais, orientado

metodologicamente pela grounded theory, cujas fontes de evidências empíricas foram

provenientes do estudo de caso da internacionalização da Molson Canadá, por meio da

aquisição e fusão das cervejarias brasileiras Bavaria e Kaiser.

As primeiras limitações são referentes ao objeto de estudo e seu contexto de análise.

Os conceitos apresentados neste estudo sobre a comunicação organizacional podem ser

compreendidos e manifestados de diferentes formas em outros contextos de ação

organizacional, tais como estratégias de internacionalização com investimento direto no

exterior por meio de joint ventures, expansões internacionais por meio de exportações sem

investimento direto, outras estratégias de crescimento organizacional, ou ainda demais

processos organizacionais como a implantação de controles de qualidade, a socialização de

novos membros, entre outros.

178

Quanto ao contexto de análise, as propostas deste estudo sobre fusões e aquisições

internacionais podem adquirir contornos diversos quando o foco da investigação estiver

voltado a objetos de estudo que não a comunicação organizacional, como, por exemplo,

processos de tomada de decisão, cultura organizacional, disputas e estruturas de poder.

Outra delimitação da pesquisa foi restringir a análise aos processos internos das

organizações em estudo. A investigação poderia conduzir a resultados e conclusões distintas

se observados os processos externos relativos a fusões e aquisições internacionais, ou a

processos mistos, ou ambos.

A abordagem metodológica utilizada também representa uma limitação desta tese. A

grounded theory parte do pressuposto de que as hipóteses de trabalho da pesquisa emergem

ao longo do processo de investigação. Nesse método, a análise e coleta dos dados são

concomitantes. Por isso, a formulação teórica apresentada é suscetível a subjetividades

inerentes ao desenvolvimento da investigação, bem como às percepções e interpretações do

investigador.

A escolha de um estudo de caso específico impõe limitações à pesquisa. A coleta de

dados no Canadá e no Brasil realizou-se em períodos distintos. Em circunstâncias ideais, a

pesquisa seria realizada de forma simultânea nos dois países. Assim sendo, a coleta dos dados

primários ocorreu em fases distintas do processo de fusão e aquisição. A realização das

entrevistas em diferentes momentos da operação pode ter influenciado a percepção dos

entrevistados. O ideal seria que todas as entrevistas fossem realizadas na mesma época. Ainda

quanto às entrevistas, a escolha de informantes em posições estratégicas ou de média gerência

representa uma limitação da pesquisa. Um estudo baseado na percepção de funcionários de

nível operacional poderia apontar para resultados distintos.

Outra limitação advinda das condições de pesquisa deriva do fato de que a coleta e

análise dos dados foi realizada exclusivamente pela autora deste trabalho. Com uma equipe de

pesquisadores, ou com o auxílio de estudantes de iniciação científica, a investigação poderia

se desenvolver sob outra dinâmica. Por exemplo, com coleta dos dados simultânea nos dois

países; ou realização de dupla codificação, categorização e interpretação dos dados.

Diferentes procedimentos de pesquisa talvez conduzissem a conclusões distintas.

Além disso, a estratégia escolhida para a coleta dos dados empíricos, o estudo de caso

possui restrita capacidade de generalização. As conclusões oriundas de um estudo de caso,

assim como as contribuições teóricas formuladas pela grounded theory, são transferíveis, mas

179

não generalizáveis. Segundo o princípio da transferibilidade, o marco teórico e os conceitos

elaborados nesta tese podem ser analisados em contextos similares. Sendo assim, na seção

seguinte são apresentadas recomendações para futuras pesquisas.

5.3 Recomendações para Pesquisas Futuras

A partir das limitações desta pesquisa, descritas acima, é possível identificar

oportunidades para pesquisas futuras. Visto que na grounded theory a construção e aplicação

da teoria em formulação são concomitantes, seria interessante realizar uma pesquisa que

utilize o marco teórico apresentado como hipótese a ser testada. O marco teórico aqui

formulado poderá servir como parâmetro de análise da comunicação organizacional em outros

casos de fusão e aquisição internacional. O modelo construído e o marco teórico formulado

poderão ser replicados em outras pesquisas referentes a outros países, outras organizações ou

outros setores industriais.

Orientadas pelos princípios da grounded theory, ou por outras perspectivas

metodológicas, pesquisas futuras podem empregar procedimentos distintos dos utilizados

nesta investigação. Sugere-se que esses estudos busquem a realização de coleta de dados

simultânea nos países envolvidos, ou realizem um processo coletivo para análise e

interpretação dos dados.

Como a comunicação tem sido um objeto de estudo pouco explorado na Engenharia de

Produção e na análise organizacional, recomenda-se que os estudos em comunicação

organizacional sejam retomados em outros contextos de análise que não o de fusões e

aquisições internacionais. Pesquisas futuras podem verificar se os conceitos e pressupostos

apresentados nesta tese a respeito da comunicação organizacional se aplicam a outras ações e

contextos organizacionais.

Da mesma forma, as formulações elaboradas sobre o desenvolvimento de fusões e

aquisições internacionais podem ser replicadas em outros estudos de caso. Tal análise poderia

verificar se a dinâmica identificada nesta pesquisa a respeito das etapas e momentos do

negócio, pode ser aplicado a outros processo de fusão e aquisição, não apenas em operações

internacionais, mas também em contextos domésticos. Os pressupostos acerca de fusões e

aquisições internacionais também podem ser verificados em outras operações que envolvem

duas organizações em torno de um projeto comum, tais como as Parceiras Público-Privadas.

180

Esta tese sugere que ações internacionais apresentam uma dinâmica entre aspectos

convergentes e divergentes do contexto global e local. Pesquisas futuras poderiam observar

como se apresenta o ambiente organizacional internacional, em outras estratégias de

internacionalização, tais como joint ventures e acordos de licenciamento.

Enquanto esta pesquisa concentrou-se nos processos internos, o marco teórico

formulado poderia ser adaptado para investigar processos externos relativos às organizações

em fusões e aquisições internacionais. Este marco teórico também pode ser ampliado para

incorporar ambos os processos internos e externos, ou processos que ocorrem nas fronteiras

organizacionais.

As sugestões de pesquisa apresentadas contribuiriam para o avanço do conhecimento

em Engenharia da Produção nos domínios da comunicação e da análise organizacional. Além

de avanços teóricos, novas pesquisas sobre a comunicação organizacional em fusões e

aquisições internacionais podem contribuir para que, na prática, essas operações

desenvolvam-se com maior eficiência e eficácia.

181

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APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada

1. Para iniciar nossa conversa você poderia me contar um pouco sobre a sua carreira e experiência na Kaiser/Bavaria/Molson? 1.1. Há quanto tempo você trabalha para a empresa? 1.2. Qual a sua posição na companhia?

2. Você poderia me descrever como é a Kaiser/Bavaria/Molson? 2.1. Como você definiria esta companhia? Pessoalmente como você descreve a empresa? 2.2. De acordo com a sua experiência que eventos são ou foram relevantes para a história

da empresa? 2.3. Quais as razões do sucesso da companhia? 2.4. O que a empresa faz particularmente bem? Quais são os seus diferenciais? Alguns

pontos fracos? 2.5. Quais são os valores centrais da empresa? (o que é importante e o que não é). O que é

importante para a empresa? Como você sabe que estas coisas são importantes?

3. Como flui a comunicação na Kaiser/Bavaria/Molson? 3.1. Por exemplo, como circula a informação? 3.2. Como a companhia se comunica com públicos internos e externos? 3.3. Que tipo de instrumentos de comunicação a empresa utiliza? 3.4. Qual era a política de comunicação durante a entrada da Molson no Brasil, interna e

externamente

4. Você poderia me contar como foram as aquisições da Molson no Brasil? 4.1. O que você recorda da época de fusão e aquisição? 4.2. Qual era o clima na empresa? 4.3. Como as pessoas reagiram à notícia da aquisição? 4.4. Existiu alguma diferença entre a aquisição da Bavaria e da Kaiser? 4.5. Como estes negócios podem ser comparados? 4.6. Quais foram os momentos mais importantes dessas operações? 4.7. Na sua opinião existem (existiam) diferenças entre a Kaiser e a Bavaria que

deveriam ser consideradas? 4.8. Como a fusão da Bavaria e da Kaiser foi gerenciada? 4.9. Como se deu a integração entre a Kaiser e a Bavaria? 4.10. Quanto tempo este processo durou? 4.11. Quais foram as etapas desta fusão? 4.12. Quais foram os objetivos? 4.13. Que tipo de dificuldades foram observadas? 4.14. Como estas dificuldades foram superadas?

5. Como as aquisições foram anunciadas aos funcionários e à comunidade? 5.1. Como você tomou conhecimento das aquisições? 5.2. Quando a informação foi divulgada? 5.3. Houve algum esforço especial de comunicação para as aquisições? 5.4. Como as empresas foram apresentadas para funcionários, shareholders e outros

públicos?

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6. Como eram os contatos entre Brasil e Canadá? Por exemplo, ocorreram visitas ou sessões de briefing entre brasileiros e canadenses? 6.1. Qual a freqüência destes contatos 6.2. Em que níveis ocorriam? 6.3. Foram realizadas visitas de brasileiros ao Canadá? Quantas? Com que freqüência?

Quando ocorreram? 6.4. Você participou das visitas? Você poderia me descrever esta experiência?

7. No nível interpessoal, como se desenvolveram os contatos entre brasileiros e canadenses? 7.1. Pessoalmente você tem conhecimento do contexto no Canadá/Brasil? 7.2. Em suas atividades diárias você interage com parceiros canadenses / brasileiros?

Como é este relacionamento? Como você se comunica com eles? Observou algum tipo de dificuldade de comunicação?

7.3. Você percebeu a necessidade de algum esforço especial para integração do pessoal? No Brasil? No Canadá?

7.4. Houve transferência de funcionários entre as unidades? Entre Kaiser e Bavaria? Entre Brasil e Canadá?

7.5. Existiram programas de treinamento na matriz da Molson ou nas subsidiaries brasileiras? Ocorreram outros esforços de integração entre Canadenses e Brasileiros?

8. Você acha que canadenses e brasileiros partilham os mesmos valores, objetivos, práticas e crenças organizacionais ou existem diferenças significativas? 8.1. Você acha que as unidades da Molson no Brasil e no Canadá compartilham da mesma

visão de negócios? 8.2. Existem diferenças que precisam ser consideradas? Se sim, quais são elas? 8.3. Você acha que existem diferenças na forma de trabalhar dos brasileiros e dos

canadenses? 8.4. Que tipo de diferença entre Brasil e Canadá você pôde notar ou experimentar?

Alguma história particular sobre isso?

9. O negócio de produzir cerveja é o mesmo em todos os lugares ou existem diferenças significativas? 9.1. Na produção de cerveja quais são os pontos comuns entre Brasil e Canadá? 9.2. Quais as diferenças? 9.3. Existem projetos comuns entre Brasil e Canadá? Como eles são desenvolvidos? 9.4. Como operações canadenses e brasileiras se integram? Quais são os principais

mecanismos de integração?

10. Como você descreveria a experiência internacional da Molson? 10.1. O que você acha que a globalização significa para a Molson? 10.2. Quando começou a internacionalização da Molson? 10.3. Você conhece as origens desta estratégia? 10.4. Como surgiu esta idéia? Como ela evoluiu? 10.5. O mercado internacional é importante para esta empresa? Desde quando? 10.6. Que tipo de experiências são importantes no desenvolvimento de uma visão global? 10.7. Qual é a experiência internacional dos executivos da empresa?

199

11. Você compreende por que a Molson investiu no Brasil? 11.1. Quem estava envolvido na decisão de investir no Brasil e de aceitar a aquisição da

Molson? 11.2. Quais foram os principais atores neste processo? Quais foram os principais atores

nas aquisições e na fusão entre a Bavaria e a Kaiser? 11.3. Que eventos foram importantes durante o processo? Por que estes momentos foram

importantes?

12. O que mudou para as empresas brasileiras pelo fato de terem sido adquiridas por uma empresa estrangeira? 12.1. Houve necessidade de mudança ou inovação de estruturas e processos em função

das aquisições e fusões? Suas atividades diárias foram modificadas desde que a empresas foi adquirida pela? Como mudaram ou por que não mudaram?

12.2. Você acha que a Molson teve de mudar seu modo de operar ou de pensar após suas aquisições no Brasil? Como você pode perceber isto?

13. Como você vê o futuro destas empresas? 13.1. Que papel você considera que a comunicação deve desempenhar no futuro?

Questões Finais

• Você gostaria de acrescentar alguma coisa?

• Existe algum outro fato ou questão importante que você gostaria de mencionar?

• Uma história ilustrativa, por exemplo?

• Pensando na experiência da empresa como um exemplo de fusão e aquisição

internacional, tem algum outro aspecto de comunicação que deveria ser considerado?

200

APÊNDICE B – Categorias de Análise

COMUNICAÇÃO FUSÕES E AQUISIÇÕES

AMBIENTE INTERNACIONAL

201

APÊNDICE C – Ambiente Organizacional

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[] Microambiente

Macroambient

e

CLIENTES CONCORRENTES

CULTURAIS

FÍSICO-NATURAIS

FORNECEDORES/PARCEIROS

FUNCIONÁRIOS

POLÍTICOS

DEMOGRÁFICO

S

TECNOLÓGICOS

LEGAIS

Distância de Poder

Evitar Incerteza

Individual/Coletivo

Masculino/Feminin

o

Percepção Temporal Idioma

Clima

Geografia

Práticas Culturais

ECONÔMICOS

Mercado/Negócio

MKT-Distribuição MKT-Preço

MKT-Produto MKT-Promoção

História

ESTRATÉGIA

SOCIAIS

202

APÊNDICE D – Fusões e Aquisições Internacionais

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FUSÕES E AQUISIÇÕES

~F/A-Motivações

F/A-ETAPAS DO PROCESSO

~F/A-Etapa1-Negociação

F/A-Anúncio Aprovação

F/A-Etapa2-Integração

F/A-Etapa3-Consolidação

transferências

transfer-tecnologia/conhecimento

transfer-pessoal

F/A-Atividades/Processos

F/A-Características ~F/A-Avaliação/Resultados

reorganização estrutural

~F/A-Dificuldades ~F/A-Expectativas

~F/A-Etapa 2a- Planejamento

F/A-Etapa 2b- Implantação

203

APÊNDICE E – Comunicação Organizacional

Legendas Atlas.ti

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[] [] COMUNICAÇÃO Atores Objeto

Meios/Instrumentos/Atividades Sensemaking/Sensegiving Emoções Texto/Conversações