Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

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Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

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A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

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A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

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Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Page 5: Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Page 6: Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Page 7: Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Page 8: Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Page 9: Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Page 10: Comunidade cristã_nova de VNFoz_Côa

Prefácio

A obra nasceu em função da autora habitar em Vila Nova de Foz Côa e fazer um Mestrado em História das Populações (U.M.), onde procedeu ao estudo da popula-ção fozcoense, deparandose-lhe então a possibilidade de fixar a pesquisa na minoria cristã-nova local, saltando assim das fontes demográficas para as inquisi-toriais, de cujo cruzamento e do engenho da autora brotou este livro.E "Brotar" é o termo apropriado, já que, mesmo se nos últimos anos se tem publicado algo sobre os cristãos-novos portugueses, a sua história está ainda por fazer e as várias centenas de metros de documentação inquisi-torial do arquivo da Torre do Tombo continuam por desvendar. Esta situação criou algumas dificuldades à autora, impedindo-a de avançar mais nas conclusões, que a profunda pesquisa realizada certamente traria, se tivesse referências para a região da época, permitindo ligações e entrosamentos de conhecimentos a vários níveis.Como obra pioneira sobre judaizantes da região, esta possibilitou constatar que a tradição de Foz Côa como terra de judeus é relativamente recente, visto que, e isto é sabido, não só nunca lá existiu uma comuna judaica, como a própria comunidade cristã-nova emerge só em pleno séc. XVII.

Foi certamente a crescente repressão inquisitorial ao longo dos sécs. XVI e XVII a mola que desencadeou a dispersão de cristãos-novos pelo interior profundo do país, aqueles que não tiveram capacidade económica ou audácia suficiente para emigrar.Com efeito, nas últimas décadas do séc. XVI, o Santo Ofício de Coimbra devasta Trás-os-Montes, começando a penetrar no Porto, mercê de ligações várias entre cristãos-novos transmontanos e portuenses.O perdão geral de 1605 marca uma pequena paragem na acção inquisitorial, oportunamente aproveitada pelo Santo ofício para se remodelar e consolidar, elaborando um novo Regimento (1613), que permitia uma maior margem de manobra dos inquisidores e, portanto, uma acção mais rápida, agressiva e eficaz. Em consonância, efectuam-se praticamente em simultâneo visitas inquisitorais a todo o país, pressionando assim a popu-lação a colaborar, através do método habitual um "com-pellere intrare", ou seja, uma catequização pelo medo, que passava pela punição severa, pela repressão, conducente à sua regeneração.A visita realizada ao Norte (1618-1620), abarcando o litoral (Aveiro, Porto, Vila do Conde, Viana, Caminha, Valença), o Minho (Monção, Ponte de Lima, Barcelos, Braga e Guimarães) e parte do Douro (Amarante, Vila Real, Lamego) pautou-se pela agressividade e eficácia proveitosa, já que foi dirigida inteligentemente, de

modo a incidir no estrato sócio-económico mais elevado da minoria cristã-nova.Foram as denominadas "grandes prisões" que fizeram estremecer a economia da região e marcaram esta época de apogeu da Inquisição, donde resultou também, novas ondas de migração e o derrame camu-flado pelo país. Daí, provavelmente uma fixação em Foz Côa, onde os primeiros judaizantes apanhados surgem no século XVII, essencialmente como reflexo da "entrada" inquisitorial na zona; a incidência no século XVIII é fruto do declínio do número de judaizantes e sobretudo da instituição, o que viria a permitir a primeira machadada dada na Inquisição pela mão do Marquês de Pombal, em 1773, ao abolir a distinção entre cristãos-velhos e novos.Os cristãos-novos fozcoenses, tal como acontecia noutras localidades, tenderam a habitar próximos uns dos outro, o que em Foz Côa se verificou junto da Praça principal, junto da Igreja Matriz e nas ruas do Relógio, Barca e no sítio da Lameira, embora lá também moras-sem cristãos-velhos, como se vê por algumas denún-cias. A enorme distância que separava uns dos outros era essencialmente de carácter sócio-cultural, mas em pequenas localidades como esta ia diminuindo, pois, como denota a autora "os limites da comunidade judai-zante foram permeáveis, constituindo áreas de inter-acção com a comunidade cristã-velha na escolha do

cônjuge. Mas, nem sempre os casamentos mistos lhes permitiram usufruir de um clima de acalmia ou vieram atenuar a vigilância a mulheres e homens judaizantes que consumaram a sua aliança matrimonial com um/a cristão/a-velho/a".Para manter uma identidade religiosa e cultural os secularmente denominados cristãos-novos permanece-ram exactamente "novos", na resistência a uma religião e cultura imposta, pelo que o seu quotidiano, como bem descreve a autora, mesmo na pacata Foz Côa, foi revolto, pleno de escolhos, imprevisível, tal como era então o Douro no Inverno. Elvira Azevedo Mea

Uma palavra

O Concelho de Vila Nova de Foz Côa tem sido objecto de estudos variados, mormente de índole histórica, que procuram demonstrar a riqueza do seu potencial arque-ológico, que vai do Paleolítico Superior à Idade Média, e dos seus valores paisagísticos e arquitectónicos, onde se distinguem rios e vales, castelos e miradouros, igrejas, capelas e solares, sem falarmos de muitas ruas e casas de interessante tipologia. Quer em revistas para o mundo especializado, como a "Côavisão", quer em livros de autores aqui nascidos ou afectivamente ligados ao Concelho, Vila Nova de Foz Côa e o seu Concelho têm sido exaustivamente apreciados por vários e distintos especialistas, enaltecidos por mestres consagrados e cantados por inspirados poetas.Persistia, porém, a nosso ver, um ângulo que não vinha conseguindo a atenção que poderia merecer, talvez por falta de material de investigação, porque outros moti-vos prenderiam mais agradavelmente a atenção dos estudiosos, ou, talvez, porque o tema, não obstante ser apaixonante, exija uma denodada persistência na investigação, a que se somará o esforço das indispen-sáveis sistematização e exposição.Trata-se da presença da gente de nação em terras de Foz Côa, mais precisamente na sede deste Concelho, sobre a qual - íamos também pensando - valeria a pena

ser feito aprofundado estudo, abrindo caminhos nessa floresta virgem e desvendando clareiras que permitis-sem descortinar outros espaços.Foi nesta expectativa e com verdadeiro comprazimento que tivémos conhecimento que a Srª Drª Aida Carvalho. dedicara a sua dissertação de Mestrado em História das Populaçôes, do Instituto de Ciências Sociais da Univer-sidade do Minho, a um tema que nos diz muito: A comu-nidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e continuidades - Séculos XVII - XVIII.Tratando-se de alguém que se tornara fozcoense pelo coração, a quem não faltam as qualidades necessárias e uma vez que o seu trabalho não deixaria de ter o nível científico e o desenvolvimento habitualmente reque-rido para a obtenção daquele grau, além do mais com o prestígio da Universidade do Minho, era certo e sabido que a sua dissertação faria incidir novas luzes sobre uma grande lacuna da nossa história local. A perspec-tiva, aliás, em que se colocava, pondo em relevo a dinâmica das respectivas populações, já nos deixava antever quanto nos seria grato vermos em letra de forma e termos ao nosso alcance o fruto de tanto e tão dedicado labor.O Município, que vem dando todo o seu apoio à edição de um número já razoável de publicações, tem o maior gosto em que esta obra venha à luz do dia, pois é com trabalhos deste quilate que se aprofunda o nosso

conhecimento e melhor descobrimos a nossa identi-dade.Os fozcoenses, em particular, terão uma belíssima opor-tunidade para se deleitarem na leitura destas páginas, descobrindo situações menos conhecidas da sua própria história.Agradecemos à distinta Autora este substancial e gracioso contributo, e, de antemão, lhe auguramos que ao nosso reconhecimento se juntará o de muitos e interessados leitores. Sotero Prancisco Mariano Ribeiro Presidente da Câmara Municipal

Manuel Joaquim Pires Daniel Presidente da Assembleia Municipal

A Autora

Aida Maria Oliveira Carvalho, natural de Fragoso, concelho de Barcelos e residente em Vila Nova de Foz Côa, é funcionária do Parque Arqueológico Vale do Côa, desde 1996.

Em Setembro de 2000 finaliza o Mestrado em História das Populações no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, com a defesa de uma disserta-ção versando o tema da comunidade cristã-nova de Vila Nova de Foz Côa, nos séculos XVII-XVIII.Os trabalhos de investigação que desenvolve tem priveligiado a análise e a reconstituição da paróquia de Vila Nova de Foz Côa, o enquadramento da comunidade judaizante no contexto local e regional, assim, como as redes de sociabilidade com as comunidades cristãs-novas vizinhas.

Ficha Técnica

Título: A Comunidade Cristã-Nova de Vila Nova de Foz Côa - Rupturas e Continuidades, Séculos XVII-XVIII

Autor: Aida Maria Oliveira Carvalho

Edição: C. M. Vila Nova de Foz Côa

Design: Elias Marques

Pré-Impressão: Loja das Ideias

Produção: Loja das Ideias

Tiragem: 1500 exemplares

Depósito Legal: 157 118/00

ISBN: 972 -97320-7-8

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