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Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação
1. Comunidade de questionamento A educação é um processo pelo qual toda a criança passa. É a forma
pela qual a sociedade, organização e estrutura do conjunto complexo de
grupos sociais, vai socializar e preparar a criança para a sua autonomia.
A educação procura gerar cidadãos morais, inteligentes, que possam
emitir juízos coerentes e racionais. Assim sendo a educação tem dois
papeis, socialização e autonomia que envolvem não só anos de trabalho
como metodologia e investigação. Porém, em tantos anos de
investigação, qual será o melhor método para educar crianças, para o
desafio do multiculturalismo?
O método apontado por Lipman para desenvolver as habilidades do
pensar é a Comunidade de Investigação. Pois como salienta Lipman na
obra O Pensar na Educação:
A comunidade de investigação determina condições que
evocam o pensar crítico e o criativo, e estes pensamentos,
por sua vez, aprofundam os objectivos tanto da comunidade
quanto dos seus membros. (2001, 303)
O que se pretende é que a criança participando de uma Comunidade de
Investigação na sala de aula, de forma espontânea e criativa, desenvolva
as suas habilidades cognitivas ao ponto de serem auto-conscientes mas
também auto-correctivas. Onde a criança é o centro e não o professor.
Afinal o que se entende por Comunidade de Investigação? Como chegou
Lipman a ela?
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A ideia vem de Charles Sanders Pierce que embora seja “restrita
aos profissionais da investigação científica” o termo “teve seu sentido
ampliado a fim de incluir qualquer tipo de investigação, científica ou não
científica”. (2001, 31) O que influenciou Lipman não foi o pensamento de
Pierce, mas a caracterização do processo de investigação e o valor que
ele atribui à comunidade nesse processo. (Cfr. 1999a, 102).
O que pretende Lipman é partir da dúvida e da ausência de
respostas a priori, exactamente o que Pierce defende no processo de
investigação que:
“Ela apoia-se na experiência e tenta firmar uma crença
que se substitua ao estado de dúvida inicial. Esta crença,
por sua vez, é submetida à dúvida que gera uma contra-
argumentação ou uma nova prova empírica que a
questiona.” (Ibid)
O progresso da investigação é progressivo no que respeita à
quantidade das crenças estabelecidas no progresso de investigação. “É
preciso cultivar um processo de investigação sem limites nem obstáculos
na fixação de crenças cada vez mais sólidas.” (1999a, 104) Nesta
perspectiva o pioneiro de FpC vê a comunidade como o ponto de partida
e de chegada do diálogo da aventura de cada investigação na filosofia.
Sendo que para Peirce a investigação “é que almeja descobrir suas
próprias franquezas e corrigir o que é falho em seus próprios
procedimentos.” (2001, 179)
A prática filosofia entendida como diálogo colectivo sem fim
pretende, além da vontade de saber e o questionamento incomensurável,
a colocação de todos os elementos da Comunidade de Investigação a
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procurarem meios de pensamento colectivo regrados por uma
comunidade dotada de sentido.
A noção de Comunidade de Investigação para Lipman e seus
colaboradores é “a constância da exploração auto-correctiva de temas,
que ao mesmo tempo percebe-se que são algo problemático e
importante.” (1992, 40). Como está investigação requer rigor intelectual, é
aplicada na sala de aula para que, “a sua prática se converta em
comunidade reflexiva que, pensa nas disciplinas existentes no mundo e
sobre o pensamento do mundo.” (Ibid)
Esta comunidade identifica-se com o grupo perfeito na perspectiva
de um grupo constituído por crianças ou jovens onde sabem escutar-se
uns aos outros, fomentar a tolerância e o respeito à diferença. (Cfr, in
1996, 962) Onde o importante é conhecer várias perspectivas e
desenvolver o pensar não sendo imperativo, e citamos Alte da Veiga,
“propriamente o consenso mas o lugar que é dado à palavra reveladora
de cada qual”. (Ibid).
Na obra La Filosofia en la aula (tradução castelhana), Lipman
salienta que não se pode descartar a ideia de poder encontrar
comunidades dentro de outras comunidades, isto é “descobrir que pode
haver comunidades dentro de outras mais vastas, e estas dentro de
outras ainda maiores”, mas para isso é necessário que “todas mantenham
igual fidelidade aos mesmos procedimentos de investigação”. (Ibid) A FpC
só é realizável em Comunidade de Investigação, tendo esta que estar
bem alicerçada para que seja possível garantir a segurança de cada
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indivíduo na sala de aula, para que os diálogos e as discussões não
sejam superficiais e não ousarem vislumbrar o que há sob o exterior.
A investigação desenvolve-se através do interesse dos alunos que
se convertem em investigadores de conceitos ou temas que, por sua vez,
devem ser adequados ao interesse da comunidade. Estamos perante
uma aprendizagem onde os alunos são activos, investigadores, onde
cada um tem responsabilidade pelo seu pensamento. Sendo que este
“processo é internalizado pelos participantes, estes passam a pensar em
movimentos que se assemelham aos procedimentos. Eles passam a
pensar como o processo pensa.” (2001, 32) No entanto, isso só pode
suceder se levarmos as crianças, desde cedo, a participarem de uma
Comunidade de Investigação comprometida com o princípio de auto-
correcção e a dialogar dentro da tradição filosófica. Esse diálogo não só é
caracterizado pela comunidade mas também pela responsabilidade e
compromisso individual.
1.1. Objectivos e critérios
Para entender-se o que é e como funciona a Comunidade de
Investigação, como processo, tem que conhecer-se os seus objectivos,
que segundo Lipman são quatro.
Obter um produto a partir de um julgamento é o primeiro objectivo
da Comunidade de Investigação como processo, pode parecer parcial ou
experimental mas não tem importância para o que se pretende. O
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segundo remete para um sentido de direcção, ou seja existe um
movimento conduzido pelo argumento. O terceiro é o diálogo, na medida
em que o processo não é mera conversa ou discussão, mas sim é
diálogo, obrigando-a a possuir uma estrutura. O debate é orientado por
normas. O quarto objectivo consiste em utilizar o processo para
operacionalizar e implementaras definições do pensar crítico e criativo,
isto é observar como a criatividade e a racionalidade se aplicam à
Comunidade de Investigação. (Cfr. 2001, 331-332)
Para que os objectivos da Comunidade sejam alcançados são
necessários critérios. Critérios que levam ao funcionamento autentico e a
sua autenticidade. Os critérios que serão abordados têm como base as
obras, de Lipman, La Filosofia en la aula e O Pensar na Educação, assim
como o artigo Preparando-se para filosofar (1999ª, 23-83) de Tom
Jackson e Linda Oho.
A abordagem a uma Comunidade reflexiva de Investigação envolve
necessariamente um espaço onde exista:
- segurança no sentido intelectual,
- alegria/diversão,
- respeito pelas pessoas,
- qualquer pergunta é bem vinda,
- aprecia-se a diversidade de pontos de vista,
- escutar é tão importante quanto falar/ esperar pela
sua vez,
- a comunidade estabelece as suas próprias regras,
- todos estão prontos para contribuir.
A Comunidade deve apresentar-se como um lugar onde existe
reconhecimento explícito e que “a excelência cognitiva conta tanto com a
criatividade quanto com a racionalidade” (2001, 41-42) sendo usada para
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decidir se uma discussão foi ou não bem sucedida. Esse lugar, como
Comunidade reflexiva de investigação é co-investigação, isto é ninguém
no grupo conhece a resposta, nem para onde irá a investigação. Porém
esta apresenta um componente auto correctivo.
Intelectualmente seguro porque todos os elementos da
comunidade, alunos e professores, sentem-se livres para fazer qualquer
pergunta ou observação, sem que seja quebrado o respeito pelos outros.
“A ideia de comunidade incorpora a importância da pergunta, da escuta
cuidadosa e da participação atenta de todos os membros da
comunidade.” (1999b, 74). O que significa que as pessoas são amáveis,
sabem perdoar, quando é necessário, importando-se umas com as
outras. Onde não existe murmuração, insulto, ironia ou mal dizer. Os risos
são verdadeiros e derivam da partilha de ideias e brincadeiras. Assim
como as regras que existem são poucas e justas, criadas pelos
elementos da comunidade.
É critério, também, dar a palavra uns aos outros para que exista
um equilíbrio na investigação, quando há no grupo um ou outro aluno que
dominam o diálogo o professor terá que criar condições para que isso não
prejudique o empenho da turma. Essas condições podem ser regras
criadas por todo o grupo da comunidade, para que exista a consciência
de quanto é importante darmos oportunidade a que todos exponham o
seu pensamento. Passar a palavras uns para os outros é também saber
respeitar a opinião do outro. Critério fundamental na comunidade.
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Tom Jackson e Linda Oho sugerem ao professor que junto com os
alunos crie um jogo de siglas para que não exista ameaça no decorrer do
diálogo/discussão, analisemos os seus exemplos:
“Alguns professores inventaram a sigla MAP (mais
alto por favor). Crianças que falam muito baixinho
alçam a voz imediatamente quando ouvem PIMBA.
Quando alguém não entende alguma coisa pode-se
dizer NEN, e quando há mais de uma pessoa falando
ao mesmo tempo, SUPF.” (1999b, 77)
O que significa PIMBA é mais alto, por favor, ou seja, não se ouviu
o que alguém acabou de dizer. Por NEN quer dizer não entendo nada, o
objectivo dessa sigla é levar os alunos a serem capazes de salientarem
que não entenderam. SUPF quer dizer só um por favor. É essencial para
quando são vários a falar ao mesmo tempo.
Além destas existem outras:
CPF: Comecemos, Por Favor.
OV: Outra vez. (este pode ser usado quando a sigla
PIMBA e NEN não funcionam)
PPP: Próxima Pergunta, Por Favor.
VEF: Vamos Em Frente.
MP: Momentinho, Por Favor.
FC: Fiquem Calados. (Cfr. 1999b, 78)
Cada Comunidade de Investigação pode criar as suas próprias siglas,
estas só foram um exemplo, desde que sejam compreendidas e aceites
por todos os elementos; assim como devem manter-se não estando
constantemente a alterar o que foi decidido num dado momento.
Não menos importante que os critérios analisados anteriormente é o
critério da escolha das ferramentas de trabalho na comunidade. A
comunidade em reflexão de investigação é possuidora de uma caixa de
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ferramentas31 para bem pensar que, é tida em conta no diálogo/discussão
do grupo.
Por fim, o ultimo critério, que não é sinónimo de menos importante
nem a ter em conta em ultimo lugar, mas que faz sentido aborda-lo depois
de saber que critérios para o trabalho, sendo que este é que critérios para
avaliar o trabalho. Sugere-se que a Comunidade de Investigação faça a
sua própria avaliação depois de cada investigação. Esta é direccionada
para duas componentes: Comunidade uma e investigação outra. Assim a
avaliação é realizada através das seguintes questões ou critérios:
Como funcionamos como comunidade?
1. Vocês escutaram-se correctamente?
2. Tu participas-te?
3. Foi um lugar seguro para ti?
E como foi a investigação?
1. Conseguimos manter o tema em discussão ou
falamos de outras coisas?
2. Seguimos o plano de discussão e os exercícios?
Foram esclarecidas todas as ideias? Fez-se
inferências?
3. Aprendeste algo novo?
4. Foi interessante? Divertiste-te? (Cfr. 1999b, 81)
Perante estes critérios a Comunidade está pronta para tentar obter os
seus objectivos.
Do pensar sobre o pensar, do respeito mútuo, onde a investigação
filosófica oferece os instrumentos intelectuais, a pergunta, o escutar
curioso e atento são importantes para participar de forma orientada e
31 Temática analisada no capítulo dois.
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coerente na Comunidade de Investigação proposta, por Lipman, par levar
acabo a FpC.
No caso da Comunidade de Investigação de FpC não existe
paradigmas dados, é a própria filosofia em verdade, a mãe dos
paradigmas.
“A filosofia não se ocupa principalmente de
encontrar as respostas correntes, mas de inventar
boas perguntas. E só o indivíduo pode inventar
perguntas, não o grupo ou a comunidade” (1999d,
94).
A investigação pelo questionamento, nomeadamente pelo diálogo, leva os
alunos a pensarem sobre o significado das palavras e nas consequências
das suas opiniões, assim como nas suas acções. A propósito disto
Martínez diz o seguinte:
“Num mundo onde a conexão intercultural é
cada vez mais, devemos eticamente criar discursos
conciliadores e neutros onde se afirme que
nenhuma opinião ou crença é intrinsecamente
superior a outra.” (1993, 83)
Sobretudo, porque estão a participar activamente nos temas em
discussão, começando a vivenciar a relação entre teoria e a prática.
A investigação em comunidade é a antítese do mero procurar a
resposta que o professor possa dar. As crianças precisam de desenvolver
alguns hábitos, por isso “pensar por si mesmo implica atenção aos
interesses e pontos de vista próprios das crianças, requisito prévio para
apresentar a filosofia de forma atraente.” (1992, 115) Assim, transforma-
se a sala de aula em Comunidade de Investigação, onde surge um
compromisso com o próprio processo de investigação por parte de cada
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um dos elementos da sala de aula. Sem esse compromisso,
provavelmente, não estaríamos perante um lugar seguro, onde se
revelaria o grupo perfeito, a “autenticidade da nossa identidade” (in 1996,
962). Mas sim perante a intolerância, a disputa, a falta de atenção e o
egoísmo.
2. A Sala de Aula como Comunidade de
Investigação
As crianças e os jovens ao longo dos tempos vêm sendo, cada vez
mais activos, as exigências que a sociedade lhes coloca, as influências
dos mass média, leva-os a não empenharem-se nas aulas onde o
professor tenta dar o seu melhor. A aula tradicional, onde o professor
expõe a matéria, decide quando e qual o aluno que deve intervir, tem
dificuldades de interessar aos alunos, de coloca-los a investigar a
desenvolver as suas habilidades do pensar crítico e criativo. É uma aula
que não serve para praticar a Comunidade de Investigação, que nunca
alcançará os objectivos pretendidos; pois como diz Martínez: “um dos
principais objectivos de um bom método pedagógico é procurar
mecanismos que ajudem a transformar a aula em algo vivo e
enriquecedor, não só para os alunos como também para os professores.”
(in 1993, 76)
Nesse caso, a aula tradicional serve para aprender a fazer filosofia
com crianças e jovens. Só a prática de uma aula “em comunidade viva e
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dialogante é que prepara a criança para quando adulta não descriminar a
pessoa pela cor, formação cultural ou ideologia. (1992, 83) Se for possível
conseguir isso, diz Lipman que estar-se-á perante um mundo muito
melhor, mais humano e pacífico. No entanto só se consegue numa sala
de aula onde se pratica uma investigação sólida e profunda ao nível das
habilidades dos alunos. Lipman tem o cuidado de explicar que é na aula
de FpC que se aceita, da mesma forma, com respeito, tanto um pensador
lento de argumentos sólidos como a criança que pensa rápido e
claramente. Isto também acontece com as crianças que chegam a um
raciocínio analítico, e as que chegam através da forma intuitiva ou
espontânea. (Cfr. 1992, 76).
Quando falamos de sala de aula não podemos estar a imaginar a
sala de aula com uma escrivaninha do professor na frente e os alunos
sentados em filas ordenadas voltados para o professor, que transmite
conteúdos e ainda mensagens relativas ao poder e à autoridade na sala.
O professor deve transmitir, de certa forma, harmonia e solidariedade aos
alunos, colocando-se sempre que possível em círculo, onde se observem
uns aos outros, sem ninguém estar de costas voltadas para outro.
Permitindo o pleno contacto visual. Esta posição, acaba por motivar
crianças e jovens a participar no diálogo, não se distribuindo com tanta
facilidade. O círculo simboliza, também, a unidade da comunidade de
questionamento. Assim, as crianças ou os jovens, juntamente com o
professor poderão iniciar uma investigação através do diálogo.
Na sala de aula pretende-se um trabalho digno e em conjunto, para
que, esta funcione adequadamente. Analisemos três tipos de situações
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que podem suceder, sendo que uma não é aceitável, outra apresenta-se
como favorável e a terceira a óptima:
“Com certeza que a mais indesejável é a aula
onde os estudantes têm receio de participar
perante o professor com medo de perder o seu
afecto ou respeito. De alguma forma, o professor
não foi capaz de transmitir o quanto os respeita,
independentemente de estarem ou não de acordo
com ele.
Uma situação mais favorável é aquela onde
os estudantes se sentem mais livres para
discutirem temas abstractos, no entanto têm muito
cuidado para não dizerem ou insinuarem algo que
poderia opor-se aos valores que pensa que a
professor tem.
A situação óptima, com certeza, é aquela
onde os estudantes têm a suficiente confiança no
professor como para criticarem os seus métodos
ou valores, porque sabem que o professor ouvirá
essas criticas de forma justa.” (1992, 176).
O professor tem de ser capaz de respeitar as opiniões dos alunos,
e estes devem saber expor o seu pensamento, pois tanto os professores
como alunos são partes importantes de um todo, sala de aula, para que
exista a possibilidade de desenvolver pessoas respeitosas, livres e
solidárias tendo um “papel mediador entre a família e a sociedade ou
entre a formação cultural ou étnica específica de cada indivíduo e da
sociedade como um todo.” (2001, 359) Mas, o que se pode fazer na sala
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de aula? O que se pode utilizar para a formação de uma Comunidade de
Investigação na sala de aula?
O exemplo escolhido para apresentar é aquele que é mais usual
nas Comunidades de investigação, sendo que, podem utilizar-se outros.
São cinco os momentos, apresentados por Lipman, a utilizar na prática do
pensar na sala de aula convertida em comunidade de questionamento. O
primeiro momento diz respeito à apresentação do texto filosófico32, o
segundo consiste na elaboração da agenda, como fortalecer a
comunidade é o terceiro momento da aula, como quarto vem a utilização
de exercícios e planos de discussão e por fim estimular respostas
adicionais. Este plano de aula não tem que ser comprido numa só aula,
podendo retomar, na aula seguinte, o momento onde se ficou, para que
seja possível completar os momentos da investigação. Se isso acontecer
é conveniente que o professor faça um feed beac da aula anterior, ou que
pede a um aluno para o fazer. Depois continua no ponto em que ficou.
Os cinco pontos consistem no seguinte:
1º A apresentação do texto filosófico
1. Em forma de história, o texto serve como
modelo da Comunidade de Investigação;
2. O texto reflecte valores e realizações
passadas;
3. O texto como mediador entre a cultura e o
indivíduo;
4. O texto como objecto específico da
percepção e que contem algumas reflexões;
32 O texto filosófico é retirado da Novela Filosófica (ver segundo capítulo).
66
5. O texto retrata as relações humanas da
maneira mais analisável possível para relações
lógicas;
6. Alternância de leitura em voz alta:
a) As implicações éticas de alternar
entre leitura e ouvir.
b) A representação oral do texto escrita.
c) A alternância como divisão do
trabalho: o início da Comunidade de sala
de aula.
7. Internalização gradual dos comportamentos
do pensador das personagens fictícias (por
exemplo, ler como uma personagem fictícia faz
uma pergunta pode conduzir uma criança
verdadeira a fazer a mesma pergunta na sala de
aula.
8. A turma descobre que o texto é significativo
e pertinente; utilizando os mesmo nos seus
discursos.
2º A elaboração da agenda
1. O levantamento de questões;
2. Identificação, por parte do professor, dos
nomes dos alunos que levantaram as
questões;
3. A elaboração da agenda como tarefa
colaborativa da comunidade;
4. A agenda como orientação das áreas de
interesse dos alunos;
5. A agenda como indicador daquilo que os
alunos consideram importante no texto e
como expressão das necessidades
cognitivas do grupo;
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6. Cooperação entre o professor e os alunos na
decisão de onde deve ser iniciada a
discussão.
3º Como fortalecer a comunidade
1. Solidariedade grupal através da investigação
dialógica;
2. A primazia da actividade sobre a reflexão;
3. A indagação, através da compreensão, da
articulação das divergências
4. O estímulo das habilidades cognitivas ( por
exemplo suposições, generalizações,
exemplificações) através da prática dialógica.
5. Aprender a utilizar instrumentos cognitivos
(exemplo: critérios, conceitos, algoritmos,
princípios, etc.)
6. A agregação das pessoas no raciocínio
cooperativo (exemplo: a partir das ideias de
um aluno, apresentam contra-exemplos ou
hipóteses alternativas).
7. Grupo trabalhando colectivamente, seguindo
o argumento para onde este conduz.
4º A utilização de exercícios e planos de discussões
1. Utilizar perguntas da tradição académica ( o
professor pode recorrer a formação
profissional);
2. Apropriação da metodologia da disciplina
pelos alunos;
3. Desabrochar para outras alternativas
filosóficas.
4. Encaminhar a investigação para discutir
ideias reguladoras sobrepostas como a
verdade, a comunidade, a pessoa, a beleza,
justiça, bondade, etc.
5º Estimular respostas adicionais
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1. Provocar respostas adicionais (o aluno
poderá apresentar a história de várias
maneiras: escrever a história, poesia, pintura,
desenho, etc.)
2. Reconhecer a síntese do crítico e do criativo
em relação ao individual e o público.
3. Enfatizar a percepção mais realçada do
significado que brota com o julgamento
fortalecido.
Neste seguimento, é pensada uma actividade prévia, pretendendo
estabelecer um ponto de partida comum ao início do diálogo filosófico. A
actividade visa um fim. Esta poderá servir para apelar a uma participação
individual ou grupal enquanto observa os vários recursos didácticos.
Pode, utilizar um exercício que introduza alguma habilidade cognitiva
que, prepara o segundo ponto (leitura de um texto).
Seguidamente, introduz-se a leitura do texto, caso se trabalhe com
crianças que ainda não sabem ler, deve-se criar estratégias alternativas a
leitura. Por exemplo a professora lê a história, para que as crianças
entendam, ou ainda, grava ou filma a leitura do texto. Poderá ainda,
apresentar cartazes com reforços icónicos nas palavras que se
pretendem enfatizar.
No terceiro ponto, as crianças devem determinar os temas, as
ideias ou os problemas que lhes pareçam mais significativos. Este
momento é o chamado Agenda, isto é: a educadora ou o professor vai
registando num quadro as questões levantadas pelas crianças, pela
ordem de intervenção, colocando, sempre, o nome do aluno entre
parêntesis à frente da questão explanada pelo mesmo. A pesar do aluno
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não saber ler, ele já sabe identificar o seu nome, o que leva o aluno a
sentir-se participativo da aula.
O quarto ponto foi preparado, de certa forma, pelos três pontos
anteriores, ainda que cada ponto seja importante por si mesmo. Neste
ponto, pretende-se criar um prática dialogada na qual os alunos
intercambiem as suas opiniões, explorando os fundamentos do que se
diz. Se a exploração for bem encaminhada - pela educadora -, “os planos
de discussão e exercícios, quando bem construídos, podem exprimir a
praxe da filosofia de modo aceitável e às vezes excelentemente.”(1999a,
113). O objectivo é levar a criança a reflectir sobre a sua própria
percepção do texto e da constituição da realidade. Como diz Martínez:
“a desenvolver o pensamento crítico: os participantes
vêm-se encaminhados a descobrir suposições, encontrar
contra-argumentos, formular hipóteses, descobrir regras,
(…) comprometendo-se com o processo de investigação
partilhada.” (19993, 72-73)
Uma discussão filosófica exige um plano que consiste num número
de perguntas, geralmente, lidam com um único conceito, ou relacionado
com um problema.
No último momento a educadora ou a professora deve ter o
cuidado de não apresentar uma resposta às perguntas que surgiram,
como se fosse o fechar de um círculo. A aula termina mas, a
problematização não tem que chegar ao fim, não tem que se encontrar
uma resposta para a discussão. Se isso acontecer então existe a
possibilidade de pensar-se que a Comunidade de Investigação, dessa
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aula, falhou. As crianças têm de deixar fermentar as ideias que brotam da
comunidade de questionamento. Quando muito, a professora pode
provocar uma avaliação individual ou colectiva do que se fez durante a
aula, mas só se os alunos se mostrarem interessados.
Os alunos perceberão que, embora não seja possível ou
conveniente chegar a uma única resposta verdadeira aos problemas
levantados, a discussão filosófica em comunidade permitiu-lhes um certo
desenvolvimento nas suas percepções, ganhando mais agilidade no
pensar. É evidente, que as crianças que praticam investigação na sala de
aula vão para casa, dispostas a continuar o questionamento e nem
sempre os pais lhes dão, porque não são capazes ou não têm tempo, a
atenção que eles necessitam.
3. A investigação como lugar para a cidadania
Desde sempre foi preocupação dos filósofos como Sócrates, Platão,
Aristóteles e Kant, entre outros, apresentarem teorias sobre os valores,
estudadas no ensino secundário e em alguns cursos universitários. Mas
até que ponto são compreendidas e reflectidas? De que forma é que os
alunos assimilam a questão dos valores? Até que ponto a escola fruto da
sociedade e a sociedade fruto da escola, consegue educar para os
valores? Que projectos educativos tem a escola, com todo o respeito que
merece, para a educação dos valores? Existe crise de valores ou não?
71
Regista-se toda uma literatura interessada em abordar esta temática
crise de valores que pode assumir o significado de uma ausência, de
uma falta. Neste sentido, a crise de valores será preocupante e dá que
pensar porque não há convivência interpessoal e comunitária sem um
quadro estável e, pelo menos parcialmente, consensual de valores. O
pensador do século XIX Saint-Simon vê o tempo de crise como: “um
tempo especial em que se põe em causa a mundividência e estruturas
sociais anteriores, e se procuram novas estruturas e mundividências
satisfatórias.” (citado em 1995, 17)
Neste sentido, impõe-se, de facto, um diagnóstico da situação
actual, onde se constata que entre os motivos de preocupação contam-se
com o primado de uma razão técnico-científica que descura a reflexão
sobre as finalidades, para se ater apenas à produção de bens; o
individualismo e o narcisismo; a cultura de massas por oposição a uma
cultura crítica; a indiferença política das novas gerações, a insegurança e
a violência nos bairros, ruas, estádios e escolas; o racismo, a xenofobia,
as guerras étnicas. Confrontados com o clima social e cultural, cujas
notas mais relevantes se acabam de apontar, não resta senão perguntar:
como foi possível chegar a esta situação?
As escolas são teatros de indisciplina, problemas agudos na
socialização, na vida familiar, de informação e comportamento sexual.
(Cfr. In, 1995, 19) A derrota de um pensamento fundador e um enorme
vazio axiológico impedem a vivência digna tanto a nível individual como
em colectivo. “A estadia na escola pode ser em si mesmo um problema a
enfrentar, e um valor a clarificar e fundamentar” (in 1995, 19). Diz Alte da
72
Veiga que são vários os aspectos onde, na escola, se podem trabalhar
para ultrapassar o problema:
“Trabalho em grupo, responsabilização, participação,
reflexão nos conselhos pedagógicos, frontalidade nas
questões, expressão crítica, amizade entre os colegas e
para com os professores, interesse pelos problemas
relacionados com a vida real, preocupação pela
abordagem crítica das situações, maior amplidão de
diálogo com os adultos e enriquecimento mútuo da
experiência.” (Ibid)
No seguimento dessa ideia está o trabalho em Comunidade
de investigação, uma educação dialógica, mas para se implantar
como já foi referido em pontos anteriores enquanto crianças, onde
são encorajadas a investigar, sobre o amor, integridade, verdade,
regras, padronização, respeito, justiça e liberdade entre outros. É um
processo que prepara as crianças e jovens para uma educação em
direcção a um estágio moral que desenvolverão para uma cidadania
melhor. O benefício de tal investigação torna-se na capacidade das
crianças responderem eticamente.
Este tipo de educação torna as crianças agentes morais. A
vida, continuamente dá exemplos de como se deve proceder. Além
de considerarmos a conveniência e consistência de nossas próprias
ideias e acções, temos também que estabelecer padrões morais.
Como agentes morais, temos que tentar estabelecer os nossos
juízos dentro de algum tipo de ordem, de forma que não haja
inconsciência que impeça a relação de todas as acções morais com
uma mesma harmonia. As crianças necessitam prática em perceber
73
conexões entre o que dizem, o que pensam e o que fazem.
Precisam de se preparar para entenderem as coisas a partir de
várias perspectivas.
Necessitam de ter prática em reconhecer relações entre a parte
e o todo quando se referem a valores, a detectarem inconsciências e
avaliar situações. Assim como não se espera que um jovem ou
mesmo adulto torne-se num cantor da noite para o dia, não podemos
esperar que as crianças verbalizem decisões morais na sala de aula
antes que tenham adquirido as ferramentas intelectuais necessárias,
que são um pré-requisito para tal investigação.
Para que tal investigação seja adequada, Lipman e seus
colaboradores apresentam seis áreas a trabalhar:
1. a ambiguidade de “valores”;
2. o fortalecimento do carácter, particularmente em
relação à cidadania;
3. a aplicação de habilidades de raciocínio a valores
e a eventual incorporação da investigação de
valores em todas as matérias;
4. reconhecimento de que a avaliação é um aspecto
de toda tentativa humana e que perícia em
avaliação é uma das melhores realizações da
civilização;
5. o esboço da pedagogia apropriada à investigação
de valores em sala de aula;
6. sumário e conclusões.(1990, 74)
É natural que se comece por trabalhar a ambiguidade do termo
“valores”, pois o termo “valores” salienta-nos dois aspectos. No singular -
valor - remete para a qualidade ou importância de alguma coisa. Deste
modo, qualquer coisa é um valor, seja algo material ou abstracto,
74
exemplo disso poderá ser uma pintura ou a liberdade. Num outro
aspecto, o plural - valores -, é usado para indicar a opinião de alguém
sobre algo importante. Neste caso, o segundo aspecto é mais importante
para a educação dos valores, já que é objectivo, “capacitar os estudantes
a reconhecerem o que, é digno de estima” (1990, 74). Não se pode
deixar de pensar numa questão que está ligada a esta temática; a
perenidade e a historicidade dos valores. Algo que permanece; ao longo
dos tempos, tornando os valores perenes, por outro lado, eles fazem
história, ao longo dos anos, o que significa que também se alteram. Posto
isto, a mudança dos valores dá-se na perenidade dos mesmos, ou seja,
“o que não era importante ontem pode tornar-se de extrema importância
amanhã”(Ibid).
A segunda área a tratar, alerta para a importância que tem, para
as crianças, observarem o que os adultos fazem e não o que dizem, isto
é, “directores e professores, bem como os pais, são modelos. Eles
mostram, pelo exemplo, como alguém deve agir, e as crianças
frequentemente fazem do mesmo modo.” (1990, 76). É como o provérbio:
Não olhes para o que eu faço, olha para o que eu digo. É fundamental
agir de forma cívica junto das crianças. “As escolas devem preparar os
estudantes para a cidadania fornecendo-lhes toda apresentação e
participação possível nos diversos procedimentos racionais que
caracterizam a sociedade adulta”. (1990, 79) Neste sentido, se a
sociedade deseja jovens educados em valores cívicos, é necessário que
as escolas apresentem um programa para o pensar crítico pois, melhora
a capacidade de raciocínio. Sendo que a democracia requer cidadãos
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pensantes, o pensar crítico é um meio necessário para concretizar esse
objectivo.
Os valores passam pelo aspecto afectivo, sendo neste sentido
subjectivos, obrigando a que se recorra às habilidades para desenvolver
os vários tipos de raciocínio e dessa forma se possam aplicar,
devidamente, às questões dos valores. Na perspectiva da FpC o recorrer
aos critérios da lógica é tão importante que, Lipman apresenta, na sua
obra: A filosofia vai à escola, um inventário de vinte e sete habilidades de
raciocínio, que só é possível com a lógica. O pioneiro chega mesmo a
dizer que ainda há muitas mais e que “os problemas de valores são
quase sempre muito complexos e não são assunto para uma habilidade
isolada” (1990, 81).
As Habilidades são:
1. fazer inferência a partir de premissas
isoladas;
2. padronizar frases da linguagem comum;
3. fazer inferências de premissas duplas;
4. usar a lógica;
5. trabalhar com a coerência e a contradição;
6. saber como lidar com ambiguidades;
7. formar questões;
8. compreender conexões de parte - todo e
todo - parte;
9. dar razões;
10. identificar suposições subjacentes;
11. trabalhar com analogias;
12. formular relações de causa e efeito;
13. desenvolver conceitos;
14. generalizar;
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15. fazer inferências de silogismos hipotéticos;
16. habilidades em reconhecer e evitar - ou
utilizar conscientemente - a imprecisão;
17. levar em conta todas as considerações;
18. reconhecer a interdependência de fins e
meios;
19. saber como lidar com “falácias informais”;
20. operacionalizar conceitos;
21. definir termos;
22. identificar e usar critérios;
23. apresentar exemplos concretos;
24. construir hipóteses;
25. contextualizar;
26. antecipar, prever e estimar consequências;
27. classificar e categorizar. (1990, 80-81)
Estas vinte e sete habilidades não são só aplicadas no raciocinar
sobre os valores, elas aplicam-se em qualquer outra coisa que exija
raciocínio. Para entendermos as relações da linguagem com o mundo é
necessário trabalhar o pensamento, ou seja, relacionar conceitos que nos
levam a juízos, assim como a relação entre os juízos nos dá raciocínios,
como já foi dito.
A avaliação como o foco da investigação de valores, também, é
área importante de toda esta questão complexa, que são os valores.
Quando os alunos na sala de aula, transformada em Comunidade de
Investigação, trabalham as acções que são realizadas com o fim de
seguir o argumento que as leve aos actos lógicos, estão a prosseguir as
deliberações que geram novas exigências, que por sua vez provoca uma
certa avaliação sobre o que é pensado e dialogado.
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Envolvidos na investigação, os alunos, avaliam os critérios, “o
modo como as pessoas de diferentes posições sociais decidem, de fato,
sobre questões de valores”. (1990, 83) Exemplo, porque razão se deseja,
ou prefere isto em vez de aquilo. À medida que vão avaliando, os alunos
interiorizam as regras, os critérios que através da realização de
inferências válidas, sujeitas aos procedimentos da investigação,
determinam a pluralidade de valores. Sem dúvida que, para se entender
e compreender a sua avaliação, Lipman salienta como é necessário que
na educação para cidadania “os jovens percebam que é a esses
procedimentos que se tem de recorrer, pois representam a racionalidade
social que os estudantes têm que internalizar.” (1990, 84).
Deste modo, o objectivo pedagógico da educação dos valores será
levar as crianças a pensarem na linguagem dos valores, seguindo o
método da discussão. A educação para a cidadania, não pode deixar de
ser, uma garantia da democracia e só pode realizar-se em contextos
experimentais, onde a opinião de cada um tem o seu espaço, sem que
aniquile a opinião do outro. Diz respeito a todas as instituições de
socialização, de formação e de expressão da vida pública mas, sem
dúvida, está nas mãos dos sistemas educativos desenvolverem, nas
crianças e nos jovens, os saberes e as práticas duma cidadania coerente.
Para que seja possível trabalhar com crianças e jovens uma
cidadania responsável perante si mesmo e os outros, consciente de
deveres e direitos, Lipman escreveu uma série de novelas filosóficas,
como programas a serem utilizados em sala de aula de investigação,
tanto para a temática em questão como para outras. Pensadas em
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desenvolver as habilidades cognitivas do pensar. Não ficando só pela
análise da sociedade e do comportamento dos jovens, nem do trabalha
de investigação necessário na sala de aula. Criou, assim, um vasto
material didáctico a utilizar nas Comunidades de Investigação.