Conceitos Elementares e Correntes Teóricas Das Relações Internacionais

download Conceitos Elementares e Correntes Teóricas Das Relações Internacionais

of 78

Transcript of Conceitos Elementares e Correntes Teóricas Das Relações Internacionais

  • Conceitos Elementares e CorrentesTericas das Relaes Internacionais

    MDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTESTERICAS DAS RELAES INTERNACIONAIS

    Site: Instituto Legislativo Brasileiro - ILBCurso: Relaes Internacionais: Teoria e Histria - Turma 03Livro: Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes InternacionaisImpresso por: Antnio Ribeiro Guedes JuniorData: sexta, 5 setembro 2014, 18:24

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    1 de 78 05/09/2014 18:24

  • SumrioMdulo I - Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais

    Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e PerspectivasPg. 2 - As Relaes Internacionais no mundo contemporneoPg. 3 - O Processo de GlobalizaoPg. 4 - Dilemas da GlobalizaoPg. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos InternacionacionaisPg. 6 - Importncia do conhecimento de Relaes InternacionaisPg. 7 - As Relaes Internacionais e a Constituio BrasileiraPg. 8 - O Poder Legislativo e as Relaes InternacionaisPg. 9 - O Estudo das Relaes InternacionaisPg. 10 - Relaes Internacionais como disciplina independente

    Unidade 2 - Conceitos FundamentaisPg. 2 - Conceitos FundamentaisPg. 3 - Sociedade InternacionalPg. 4 - Sociedade InternacionalPg. 5 - Ator InternacionalPg. 6 - Sistema InternacionalPg. 7 - Foras ProfundasPg. 8 - PotnciaPg. 9 - PotnciaPg. 10 - PotnciaPg. 11 - HegemoniaPg. 12 - HegemoniaPg. 13 - Hegemonia

    Unidade 3 - Correntes tericas das Relaes InternacionaisPg. 2 - Teorias de Relaes InternacionaisPg. 3 - A fase idealistaPg. 4 - A fase idealistaPg. 5 - A fase idealistaPg. 6 - A fase realistaPg. 7 - Behavioristas e ps-behavioristasPg. 8 - Realismo, Pluralismo e GlobalismoPg. 9 - PluralismoPg. 10 - GlobalismoPg. 11 - Outras correntes tericasPg. 12 - Idealismo x RealismoPg. 13 - Tradicionalistas x CientficosPg. 14 - A Teoria Sistmica das Relaes InternacionaisPg. 15 - A Teoria Sistmica das Relaes InternacionaisPg. 16 - Realistas x PluralistasPg. 17 - Mudanas na Teoria das Relaes Internacionais

    Unidade 4 - O RealismoPg. 2 - O RealismoPg. 3 - O RealismoPg. 4 - O RealismoPg. 5 - O RealismoPg. 6 - O conflito e a questo da seguranaPg. 7 - Crticas ao RealismoPg. 8 - O NeorrealismoPg. 9 - O NeorrealismoPg. 10 - Os ltimos Grandes DebatesPg. 11 - Neorrealistas X GlobalistasPg. 12 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da InterdependnciaPg. 13 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da InterdependnciaPg. 14 - Neorrealistas x Neoliberais e a Teoria da InterdependnciaPg. 15 - Concluso

    Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos GeraisPg. 2 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 3 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 4 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 5 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 6 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 7 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 8 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 9 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 10 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e Conceito

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    2 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 11 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 12 - Concluso do Mdulo I

    Exerccios de Fixao - Mdulo I

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    3 de 78 05/09/2014 18:24

  • Mdulo I - Conceitos Elementares e Correntes Tericas dasRelaes Internacionais

    Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e PerspectivasUnidade 2 - Conceitos FundamentaisUnidade 3 - Correntes Tericas das Relaes InternacionaisUnidade 4 - O Realismo

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    4 de 78 05/09/2014 18:24

  • Unidade 1 - As Relaes Internacionais no MundoContemporneo: Dilemas e Perspectivas

    Ao final desta Unidade inicial, o aluno dever estar apto a:

    identificar os principais pontos da agenda de relaesinternacionais contemporneas;estabelecer o conceito e as caractersticas da Globalizao;estabelecer a importncia das relaes internacionais parao Brasil; assinalar a evoluo histrica e a importncia de RelaesInternacionais como disciplina acadmica.

    Em um curso de educao a distncia por meio da Internet, oestudante tem um papel central no estabelecimento de uma relao dequalidade com o contedo proposto. Portanto, procure organizar-separa ter o melhor aproveitamento possvel do curso.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    5 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 2 - As Relaes Internacionais no mundo contemporneo

    Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vdeo educacionalda srie: Conexo Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"), disponvel na pginado ILB.

    Conexo Mundo uma srie de 20 programas sobre relaes internacionais que ofereceinformaes necessrias compreenso dos novos processos de intercmbio entre as naes. Osprogramas enfocam toda a histria das relaes entre os povos, os tratados e polticas para anova ordem internacional e procuram desvendar conceitos como o de globalizao, blocoseconmicos etc.

    As ltimas dcadas do sculo XX foram marcadas pela intensificao das relaes entre os povos, de uma maneira como nuncaexperimentada anteriormente. Cada vez mais, as distncias esto menores, tempo e espao perdem o significado que tinhampara nossos pais e avs, e as pessoas de diferentes locais do globo tomam conscincia de que a menor distncia entre doispontos uma tecla.

    O sculo XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo est menor, globalizado, interligado fsica e eletronicamente;pode-se tomar caf em Londres e almoar em Washington; as fronteiras perdem sua importncia; o sistema internacionalv-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcana milhes de pessoas, e no h limite ao conhecimento humano. O ltimosculo do segundo milnio presenciou uma evoluo tecnolgica inimaginvel!

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    6 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 3 - O Processo de Globalizao

    O termo globalizao pode ser entendido como fenmeno de acelerao e intensificao demecanismos, processos e atividades, com vista promoo de uma interdependncia global e,em ltima escala, integrao econmica e poltica em mbito mundial. Trata-se de conceitorevolucionrio, envolvendo aspectos sociais, econmicos, culturais e polticos. Registre-se,ademais, que essa apenas uma das vrias conceituaes do fenmeno, o qual no recente,mas se acelerou a partir da segunda metade do sculo XX.

    Um dos aspectos mais importantes da globalizao envolve a ideia crescente do mundo semfronteiras. Isso perceptvel em termos como aldeia global e economia global. Poucoslugares do mundo esto a mais de dez dias de viagem, e a comunicao atravs das fronteiras praticamente instantnea.

    Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com consequncias que ultrapassam os benefcioseconmicos, pois as conquistas sociais e polticas de um membro do bloco logo devero chegar aos territrios de todos osoutros. Princpios como a democracia e a prevalncia dos direitos humanos podem ser defendidos e argudos em troca debenefcios econmicos. Cite-se, por exemplo, o caso de pases como Grcia, Portugal e Espanha, que, para serem aceitosna ento Comunidade Europeia, tiveram que promover importantes mudanas econmicas, sociais e polticas. O mesmo seaplica Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa. No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), h a chamada "clusula democrtica", a qual estabelece que apenaspases sob regimes democrticos podem participar do bloco. Essa clusula evita as alternativas autoritrias em algunspases do Mercosul, em momentos de crise institucional.

    Assim, o atual processo de globalizao envolve a integrao econmica mundial em diversos nveis, com a reduo dasdistncias em virtude do desenvolvimento de mecanismos de produo e distribuio de bens em escala global, e dofortalecimento dos meios de comunicao. Nesse contexto, novos atores, como as organizaes no governamentais, asempresas transnacionais, a opinio pblica e a mdia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos Estados.

    Uma leitura essencial sobre o tema o artigo de Paulo Roberto de Almeida,

    Contra a Antiglobalizao.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    7 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 4 - Dilemas da Globalizao

    Entretanto, a globalizao tambm marcada por problemas em escala mundial. Nesse sentido, h a criminalidade, queultrapassa as fronteiras dos Estados, com organizaes criminosas exercendo suas atividades ilcitas no mbito internacional.Crimes como o narcotrfico, o trfico de armas, o trfico de pessoas e de animais e a pirataria, todos esses h muito no soproblemas exclusivos de um ou outro pas, mas questes globais que devem ser encaradas sistemicamente. E a base do crimeorganizado a lavagem de dinheiro, que movimenta cerca de um trilho de dlares por ano no mundo, ou 4% do ProdutoInterno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organizao das Naes Unidas (ONU).

    Assim, ao lado das grandes conquistas, h novos e grandes desafios: parte significativa da populao mundial aindapermanece no sculo XIX. Naes ricas e prsperas convivem com Estados que comportam milhes de miserveis. Algunslocais do globo ainda no saram da Idade Mdia! Novas e antigas doenas afligem milhes. Cite-se, ainda, a parte significativada raa humana que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional presencia crises econmicas,polticas, culturais e sociais. E o destino da humanidade permanece uma grande incgnita.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    8 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, ConflitosInternacionacionais

    Outro importante tema de relaes internacionais neste mundo globalizado envolveos problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma conscincia de que o meioambiente no pode ser tratado como assunto interno dos Estados e que os danosambientais ultrapassam as fronteiras. A terra um corpo nico e seus recursos sopatrimnio de todos os seres humanos e das futuras geraes. Da que os malescausados ao meio ambiente afetam toda a humanidade.

    Convm registrar que, paraRelaes Internacionaiscomo disciplina acadmicaou rea do conhecimento,empregaremos iniciaismaisculas, enquanto que,quando nos referirmos aoobjeto de estudo, usaremoso termo em minsculas.

    No ltimo quartel do sculo XX, a proteo ao meio ambiente passou a ser uma das grandes preocupaes da comunidadeinternacional, no s na esfera de governo, mas tambm entre todos os habitantes do planeta. A Conferncia do Rio deJaneiro de 1992 exerceu essa salutar influncia, e multiplicaram-se nas ltimas dcadas os tratados sobre todos os aspectosambientais, tanto assim que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre o tema.

    Tambm a proteo aos direitos humanos um assunto em voga, sobretudo quando notcias de violaes a esses direitos noschegam de todas as partes do planeta. No moderno sistema internacional, agresses contra uma pessoa devem serconsideradas crimes contra toda a raa humana. O intenso trabalho das cortes internacionais de direitos humanos na Europa eno continente americano refletem essa nova realidade.

    Ademais, medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem tambm os conflitos, outro componente marcante da agendainternacional desde sempre. E no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse sentido, o sculoXX foi marcado por uma grande quantidade de guerras por todo o globo, inclusive com dois conflitos que envolverampraticamente toda a sociedade internacional.

    De fato, uma das grandes certezas do sculo XXI que nele ainda presenciaremos o fenmeno da guerra. Entretanto, algunscogitam mesmo que a guerra, neste sculo, no ser mais entre pases, mas entre civilizaes (HUNTINGTON, 1998).

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    9 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 6 - Importncia do conhecimento de RelaesInternacionais

    Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes desafios! E nesse contexto que se percebe anecessidade de conhecimento das relaes internacionais. Atualmente, quem no estiver informado sobre o que ocorre nomundo poder ver-se bastante limitado, pessoal e profissionalmente.

    Hoje, a sociedade internacional est to interligada, to integrada em um processo de globalizao, que situaes ocorridas naChina podem afetar a ns, brasileiros, do outro lado do planeta. Da que o problema do outro passa a ser tambm umproblema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se vocno parte da soluo, parte do problema!

    Assista aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonalves, por ocasio de curso presencial ministrado no ILB.

    Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!

    Durao: 5min29

    Caso no consiga visualizar:1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;

    2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

    O Brasil e as Relaes Internacionacionais

    Como quinto maior pas do globo em populao e dimenso territorial, e estando entre as maioreseconomias do planeta, com condies e pretenses de se tornar uma grande potncia, o Brasil no pode sefurtar a ter um papel de destaque nas relaes internacionais. As transformaes e acontecimentos nomundo globalizado faro cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma tendncia praticamenteirreversvel. Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com praticamente todos os pases sul-americanos, ecom o Atlntico, principal via para a Europa e a frica. Ademais, somos uma nao tida como pacfica erespeitadora do direito internacional e com incontestveis atributos de liderana regional. Finalmente, nodevemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um povo multitnico, empreendedor e, nos dizeres deGilberto Freyre, com suas peculiares caractersticas antropofgicas.

    Pouco significativa diante de suas potencialidades a atuao brasileira no cenrio internacional. Apenas nas ltimas dcadasdo sculo XX que o Brasil comeou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o desenvolvimento dosprimeiros cursos de Relaes Internacionais no Pas e com o aumento do interesse nas questes internacionais por parte dediversos setores da nossa sociedade.

    premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de Relaes Internacionais. Na AdministraoPblica, essa demanda mais evidente. No Poder Legislativo, fundamental que aqueles que assessoram os legisladoresconheam as principais linhas da poltica internacional to bem quanto conhecem a poltica interna brasileira. Afinal, poltica

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    10 de 78 05/09/2014 18:24

  • interna e poltica externa esto estreitamente relacionadas: as aes daquela afetaro e sero afetadas por esta e vice-versa.

    Um stio interessante para o estudante e o profissional de Relaes Internacionais o Inforel, quetraz cobertura atualizada das questes gerais da rea e tambm de defesa nacional, alm deartigos com anlises interessantes.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    11 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 7 - As Relaes Internacionais e a Constituio Brasileira A importncia das relaes internacionais tambm pode ser percebida na maneira como o tema tratado na ConstituioFederal. A Carta Magna, j em seu Ttulo I, referente aos Princpios Fundamentais, estabelece, no art. 4, os princpios queregem as relaes internacionais do Brasil:

    independncia nacional; prevalncia dos direitos humanos; autodeterminao dos povos; no interveno; igualdade entre os Estados; defesa da paz; soluo pacfica dos conflitos; repdio ao terrorismo e ao racismo; cooperao entre os povos para o progresso da humanidade; concesso de asilo poltico.

    Ainda no que concerne Lei Maior, tambm os direitos e garantias fundamentais esto intimamente relacionados sexperincias vivenciadas pela comunidade das naes ao longo de sua histria. Foi graas s revolues em pases como aInglaterra, a Frana, os EUA e a Rssia, e difuso desses princpios para alm de suas fronteiras, que o mundo moldou umacultura de direitos fundamentais que hoje so inquestionveis em todo o planeta. E a violao a esses direitos gera repulsa dacomunidade internacional.A Constituio de 1988 inovou ao elencar, de forma sistemtica, os princpios que regem nossas relaes internacionais. Paramaior aprofundamento, sugerimos a leitura do artigo 'Os princpios das relaes internacionais e os 25 anos da ConstituioFederal', do Professor Alexandre Pereira da Silva, disponvel na Biblioteca deste curso, em 'Textos complementares'. Vereshchetin (1996), por exemplo, v no que chama de fator direitos humanos um dos principais meios de retomada de umacultura mnima de proteo internacional no ps-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivduo, que tradicionalmente foiobjeto de preocupao de leis internas, no mais pode ser considerado uma questo puramente domstica dos pases. A Constituio da Rssia de 1993, por exemplo, trouxe como princpio a incorporao das normas internacionais ao sistemajurdico interno e a prevalncia dos acordos internacionais dos quais a Federao Russa faa parte, caso estes estabeleamregras que difiram daquelas estipuladas em lei interna. Isso tem se mostrado uma tendncia constitucional em vrios pases.Quando no h dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais tm dado o rumo da interpretao. Na dcada de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polnia, por exemplo, decidiram que a Constituio e as normasinternas deveriam ser interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas tivessem fora efetiva.

    H, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente interdependncia at mesmo no campo jurdico, e o Tribunal PenalInternacional nada mais que uma expresso e consequncia disso.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    12 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 8 - O Poder Legislativo e as Relaes Internacionais

    As relaes internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo. Em nosso sistema jurdico-poltico, quaisquertratados que o Brasil celebre com outras naes ou com organizaes internacionais devem necessariamente passar pelo avaldo Congresso Nacional antes de serem ratificados.

    O art. 49 da Constituio Federal de 1988 claro ao estabelecer, logo nos dois primeiros incisos, as competncias exclusivasdo Congresso Nacional:

    Art. 49. da competncia exclusiva do Congresso Nacional:

    I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargosou compromissos gravosos ao patrimnio nacional;

    II - autorizar o Presidente da Repblica a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forasestrangeiras transitem pelo territrio nacional ou nele permaneam temporariamente, ressalvadosos casos previstos em lei complementar;

    (...)

    E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuies mais especficas, pois a Casa Legislativa que avalia e aprova nossosembaixadores, autoridades mximas das misses diplomticas brasileiras, designados para representar o Pas no Exterior.Compete tambm ao Senado autorizar as operaes externas de natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicpios. Cada Casa Legislativa possui comisses encarregadas dos temas de relaes exteriores e defesa nacional. No Senado Federal,por exemplo, a Comisso de Relaes Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros titulares e 19 suplentes, competente para tratar das questes que envolvam as relaes internacionais do Pas. A legislao brasileira evidencia a importncia do Poder Legislativo nos destinos das relaes internacionais. E quanto mais oBrasil busque integrar-se na comunidade das naes e ocupar o seu devido papel de destaque, mais importante se faz oconhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas da rea.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    13 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 9 - O Estudo das Relaes Internacionais

    Antes de concluirmos a primeira Unidade, convm apresentar algumas consideraes gerais sobre o estudo das relaesinternacionais como disciplina, as reas de atuao do profissional da rea e a realidade brasileira.

    O estudo de Relaes Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito, Economia, Administrao, Histria, Filosofia,Sociologia, Antropologia, Estatstica e, sobretudo, de questes internacionais contemporneas.

    O interesse por temas de relaes internacionais aumentou mais ainda aps os atentados terroristas de 11 de setembro de2001. Ao assistirmos queles dramticos acontecimentos em tempo real, alguns vus foram retirados, e aos poucos tomamosconscincia de que as distncias fsicas se estreitavam ao mesmo tempo em que as distncias culturais e sociais aumentavam.O terrorismo passa tambm a ser uma questo global, que afeta pases nos hemisfrios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.

    No campo profissional, as relaes internacionais so aplicveis em diversas reas. No Brasil, h profissionais dessa reaatuando em vrios setores da Administrao Pblica e da iniciativa privada.

    Em termos de carreira, uma das mais conhecidas a diplomacia. O diplomata o legtimorepresentante do Governo e da nao junto a outros povos e organizaes internacionais.Para se tornar um diplomata no Brasil, necessrio o ingresso na carreira por meio deconcurso pblico, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do Ministrio das RelaesExteriores. Aprovado no concurso, e, submetido a um perodo de treinamento no IRBr, odiplomata inicia uma carreira como Terceiro Secretrio, podendo chegar a Embaixador.

    Palcio do ItamaratyFonte:www.inforel.org

    No servio pblico, alm da Chancelaria, o profissional de relaes internacionais tem diante si alternativas de trabalho nosvrios rgos da Administrao Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre h uma assessoria internacional em cadaministrio, secretaria, autarquia e empresas pblicas. E o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presena deprofissionais de relaes internacionais nas principais carreiras de Estado.

    Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem formao na rea. Alm das grandes corporaesmultinacionais e transnacionais, as empresas brasileiras de mdio e grande porte j percebem a necessidade de atuarem emuma economia globalizada. Assim, em um mundo cada vez mais integrado econmica e financeiramente, as empresasprecisam de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema internacional. Aquelas quedesconsideram essa percepo frequentemente acabam por sucumbir.

    Alm disso, h a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizaes Internacionais e Organizaes No Governamentaisque atuam no globo: ONU, OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Braslia tem representao damaior parte dos organismos internacionais dos quais o Brasil membro e, com isso, o mercado do profissional de relaesinternacionais se amplia na capital federal.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    14 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 10 - Relaes Internacionais como disciplinaindependente

    At o incio do sculo XX, as relaes internacionais no eram estudadas como disciplina independente. O estudo do temaestava sempre sob o manto de outras cincias, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Cincia Poltica. medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relaes entre os Estados mais diversificadas, relaesestas que envolviam conflito e cooperao, e que muitas vezes culminavam em situaes que interferiam diretamente nocotidiano das pessoas e na poltica interna das naes, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem aconduta dos atores em um cenrio internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam constituir uma nova rea doconhecimento, independente e com autonomia para gerar suas prprias percepes da realidade. Da o aparecimento dasprimeiras ctedras de Relaes Internacionais pelo mundo. Os cursos de Relaes Internacionais surgiram na primeira metade do sculo XX, nas principais universidades europeias enorte-americanas. Foram constitudos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se desenvolviam asrelaes entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas aogrande trauma da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes at ento, que envolvera diversas naesdo globo e causara pesadas perdas, sobretudo no territrio europeu. Assim, os temas centrais eram:

    O que havia conduzido o mundo a uma situao de conflito to drstica?O que leva os Estados guerra? possvel se evitar o conflito entre os povos?Como agem os atores internacionais e quais foras que interferem na conduta desses entes?

    Claro que, no decorrer do sculo XX, o estudo de Relaes Internacionais diversificava-se medida que os laos entre ospovos tornavam-se mais complexos e novos temas, como cooperao, desenvolvimento, integrao, paz, direitos humanos eglobalizao, vinham baila. Atualmente, a disciplina ampla e alcana as mais diferentes reas de estudo, e evolui medidaque tambm evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje h cursos de Relaes Internacionais nasprincipais universidades do mundo e profissionais da rea atuando nos mais variados segmentos dos setores pblico e privado. O primeiro curso de Relaes Internacionais no Brasil foi institudo na Universidade de Braslia, na dcada de 1970, fazendoda capital da Repblica o referencial brasileiro em estudos internacionais. At meados da dcada de 1990, havia apenas doiscursos de Relaes Internacionais no Brasil na Universidade de Braslia e na Universidade Estcio de S (Rio de Janeiro).Hoje, so dezenas de instituies que oferecem a graduao em Relaes Internacionais por todo o Pas. Trata-se, portanto,de carreira de grata expanso. Mesmo assim, a contribuio brasileira para as relaes internacionais ainda muitoincipiente, sobretudo para um pas que tem potencial para se tornar uma grande potncia entre seus pares.

    Feitas essas primeiras consideraes acerca do tema de nosso curso, realize as atividades propostas e, em seguida, passemoss teorias e aos principais conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relaes Internacionais.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    15 de 78 05/09/2014 18:24

  • Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

    Ao final desta unidade, o aluno dever ser capaz de identificare definir os seguintes conceitos fundamentais de relaesinternacionais: Sociedade Internacional; Atores; Foras Profundas; Sistema Internacional; Potncia; Hegemonia.

    Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias para oestudo do contedo e para a autoavaliao do cursista. Tenha um bomaproveitamento!

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    16 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 2 - Conceitos Fundamentais

    Essencial para o desenvolvimento de nosso curso a compreenso de conceitos fundamentais de Relaes Internacionais.Nesse sentido, seria complicado tentar iniciar qualquer anlise de Relaes Internacionais sem as noes desses conceitos.Dentre eles ressaltamos:

    Sociedade Internacional;

    Atores;

    Foras Profundas;

    Sistema Internacional;

    Potncia;

    Hegemonia.

    Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente aos doisvdeos seguintes do Conexo Mundo,

    Conceitos Fundamentais de Relaes Internacionais, disponveis no stio do ILB.

    A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses conceitos.

    Sociedade Internacional

    Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de Relaes Internacionais refere-se temticaque envolve a Sociedade Internacional. Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse conceito?

    A ideia de Sociedade Internacional termo cunhado por Hugo Grcio no sculo XVII permitedirecionar a ateno para a atuao padronizada dos Estados. Apesar da ausncia de umaautoridade central no cenrio internacional, os Estados exibem padres de atuao que estosujeitos a, e constitudos por, restries de diversas naturezas histricas, sistmicas, legais emorais, entre outras.

    Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional evoluo histrica dasrelaes entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-naes organizados em mbito espacialdeterminado. Podemos identificar a evoluo da Sociedade Internacional a partir das relaesentre os grupos primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e imprios e chegando IdadeContempornea, com a ascenso do Estado nacional e soberano nos sculos XVIII e XIX e o seu

    declnio, no sculo XX, frente a um sistema cada vez mais globalizado e interdependente.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    17 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 3 - Sociedade Internacional

    Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formao dos Estados nacionais, que s se deu, nos moldes comoos concebemos hoje (compostos de povo, territrio e soberania), h dois sculos. Mesmo que no houvesse conscincia dospovos a esse respeito, no h como negar a existncia de fato de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, apartir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e diferenciados, exercendo relaes polticas, culturaisou comerciais entre si, tem-se uma Sociedade Internacional embrionria. Das tribos passaram-se aos reinos, s cidades-estados e aos imprios, e estes, vistos em um contexto macro e nas relaes entre si, formavam a Sociedade Internacional domundo antigo.

    Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um Sistema Internacional da Antiguidade, refletia maisum conjunto de sociedades regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e at sem conscincia daexistncia umas das outras. Era uma poca em que as foras naturais limitavam a comunicao entre Oriente e Ocidente, e aSociedade Internacional do sistema grego mantinha pouco contato com a Sociedade Internacional do extremo oriente naqual o imprio dinstico chins era o principal ator.

    Somente com as grandes navegaes e o expansionismo europeu pelo planeta que se estrutura uma SociedadeInternacional global. Assim, desde o sculo XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela fora daeconomia e do comrcio, seja pela fora dos canhes e das conquistas coloniais europeias. Paul Kennedy, em sua obra jclssica Ascenso e Queda das Grandes Potncias, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente euro-asitico,conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos autnomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas,consegue expandir-se pelo mundo e, em pouco mais de dois sculos, tornar-se o centro de uma sociedade global, subjugandoforas tradicionais como a China e o Imprio Otomano.

    O termo internacional foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filsofo ingls JeremiasBentham, em sua obra Princpios de Moral e Legislao. Essa a poca do apogeu dos Estadosnacionais, com o incio do declnio do absolutismo no continente europeu. Era um perodo em que aideia de nao ainda estava muito ligada figura do soberano. A Sociedade Internacionalrepresentava, para os europeus, a Cristandade, com seus paradigmas e princpios seculares. OEstado soberano era o principal ator internacional.

    Foi com a Revoluo Francesa que o conceito de nao deixou de ter carter puramente simblico epassou a relacionar-se diretamente questo da soberania. Esta passou a residir essencialmente nanao, onde o sdito tornou-se cidado e as relaes entre os Estados, at ento simbolizados e

    conduzidos pelos monarcas, estenderam-se s relaes entre os povos. O sculo XX esclarece essa nova perspectiva: asrelaes entre naes no so necessariamente relaes entre os Estados, muito pelo contrrio.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    18 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 4 - Sociedade Internacional

    No h dvida de que essa Sociedade Internacional dinmica e tem sua evoluo diretamente relacionada evoluo dosgrupos, povos, reinos, Estados, Imprios e naes, enfim, de todos os atores que a compem ou a compuseram e das forasque influenciam a sua atuao. Qual , ento, o conceito de sociedade internacional?

    A resposta para essa pergunta percebida de maneira diferenciada pelos tericos das Relaes Internacionais, que podem serreunidos em trs grandes grupos (CERVERA, 1991).

    Para os tericos do primeiro grupo, simplesmente impossvel definir Sociedade Internacional. Limitam-se, assim, ao estudodos componentes da Sociedade Internacional e evoluo das relaes entre eles. Os tericos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional em contraposio a outros grupos sociais. Poressa tica, a pergunta que se busca responder Como a Sociedade Internacional? irrelevante, portanto, para essesautores, a formulao de um conceito terico para Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles no deixam deapresentar sua definio de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicaes, como veremosadiante. O terceiro grupo, majoritrio, afirma no s ser possvel, mas tambm necessrio, proceder definio do termo SociedadeInternacional, para que se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenmenos internacionais e das relaes que sedesenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com essa percepo, apresentaremos nosso conceito de SociedadeInternacional. Antes, porm, vejamos alguns conceitos de autores renomados. Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional o conjunto de seres humanos que vivem sobre a terra. Percebemosuma definio genrica e abrangente, que pe completamente de lado as estruturas em que os seres humanos estoagrupados, como as naes ou os Estados nacionais. Para o autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com ode humanidade. Chega-se a perceber mesmo uma concepo idealista, pois a Sociedade Internacional teria em primeiroplano o indivduo, independentemente de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.

    Hedley Bull (2002), com base em uma anlise sistmica, definiu Sociedade Internacional como um grupo de comunidadespolticas independentes que no formam um sistema simples.

    Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definio mais precisa e completa: um mbito espacial e global em que sedesenvolve um amplo conjunto de relaes entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou geograficamenteorganizados e com poder de deciso. O autor acredita que a Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma ComunidadeInternacional.

    Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como aquela sociedade global (macrossociedade) quecompreende os grupos com um poder social autnomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantm entre si relaesrecprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais assentada certa ordem comum.

    Por fim, cabe apresentar nossa prpria conceituao de Sociedade Internacional, que baseada na corrente historiogrfica,pela qual buscamos reunir elementos que consideramos essenciais para a compreenso do termo e de sua evoluo desde aAntiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneirasistmica em uma esfera internacional sob a influncia de foras profundas.

    Desmembremos esse conceito para melhor compreenso.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    19 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 5 - Ator Internacional A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um conjunto de entes. Esses entes nada mais so doque os Atores internacionais. Ator internacional toda autoridade, organizao, grupo ou pessoa que representa ou pode vir arepresentar um papel de destaque na Sociedade Internacional. A percepo desses atores varia conforme o tempo e acorrente terica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade, podem ser considerados os maisimportantes: os Estados nacionais, os atores governamentais interestatais (as organizaes internacionais), os atores nogovernamentais interestatais (i.e., organizaes no governamentais e empresas multi- e transnacionais, entre outros) e osindivduos.

    No so todas as pessoas, grupos ou organizaes que podem ser identificados como Ator Internacional. Para nossaclassificao, necessrio que a atuao desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma associaoestabelecida dentro de determinado pas e voltada em suas atividades e interesses prioritariamente ao mbito interno daquelepas no um Ator internacional.

    No obstante, qualquer grupo, organizao ou indivduo pode vir a tornar-se Ator internacional. Grandes empresastransnacionais de hoje foram, no passado, pequenas organizaes comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavamexclusivamente no interior de seu pas de origem, no sendo poca Atores internacionais. medida que essas empresascresceram, expandiram-se para alm das fronteiras de seus Estados de origem e comearam a atuar e influir na SociedadeInternacional, tornaram-se Atores internacionais.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    20 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 6 - Sistema Internacional O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se atuao sistmica na esfera internacional.Adotamos uma abordagem sistmica, em que o aspecto relacional importante. Sistema pode ser conceituado como conjuntode elementos e instituies entre os quais se possa encontrar alguma relao ou, ainda, conjunto ordenado de meios deao ou de ideias, tendente a um resultado. A abordagem sistmica em relaes internacionais v o conjunto de inter-relaes entre os Atores internacionais como sujeito a padres e normas enfim, a foras profundas , que remetem aoconjunto mais amplo, o sistema internacional como um todo. As primeiras consideraes a respeito do modelo sistmico para explicar as Relaes Internacionais tomaram por basereferncias da Biologia e da Qumica. Nesse sentido, pode-se associar a noo de sistema ao corpo humano, no qual vriossubsistemas circulatrio, nervoso etc. so compostos de rgos que se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia desistema, portanto, est relacionada a um ordenamento nas relaes entre componentes e interdependncia entre essescomponentes.

    Raymond Aron, em sua obra clssica Paz e Guerra entre as Naes, recorreu ao conceito de sistema paraevocar a dinmica das relaes internacionais. Assim, a Sociedade Internacional tem caractersticassuficientemente estveis para que possamos perceb-la como um sistema onde os Atores conduzem suasrelaes dentro de certos padres.

    Cabe aqui, tambm, apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo com Frederic S. Pearsone J. Martin Rochester (2000, p. 641):

    Sistema Internacional. Conjunto de relaes em mbito mundial nas reas poltica, econmica, social etecnolgica, em torno do qual ocorrem as relaes internacionais em um dado momento.

    H ainda autores que separam as noes de Sociedade Internacional e de Sistema Internacional paraidentificar certos perodos histricos. Por exemplo, Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto eharmonia internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, Europa do ps-1815. Em contrapartida, SistemaInternacional traduziria a existncia de vrios polos de poder que interagem entre si e no necessariamente se harmonizamno todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo ps-1945.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    21 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 7 - Foras Profundas

    Finalmente, de acordo com a nossa concepo de Sociedade Internacional, o terceiro elemento fundamental so as forasprofundas. A ideia de foras profundas origina-se da corrente historiogrfica das Relaes Internacionais cujos principaisexpoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De acordo com esses historiadores, as foras profundas nadamais seriam que determinados fatores que influenciariam as aes das coletividades. As condies geogrficas, os movimentos demogrficos, os interesses econmicos e financeiros, os traos da mentalidadecoletiva, as grandes correntes sentimentais todas essas foras profundas formaram o quadro das relaes entre os gruposhumanos e, em grande parte, lhes determinaram o carter. O homem de Estado, nas suas decises ou nos seus projetos, nopode negligenci-las; sofre-lhes a influncia e obrigado a constatar os limites que elas impem sua ao. Todavia, quandoele possui quer dons intelectuais, quer firmeza de carter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites, podetentar modificar o jogo de semelhantes foras e utiliz-las para seus prprios fins.

    Juan Carlos Pereira denomina tais foras profundas de fatores condicionantes (PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica algunsdesses fatores: fator geogrfico, fator demogrfico, fator econmico, fator tecnolgico, fator ideolgico/sistema de valores,fator poltico-jurdico e fator militar-estratgico. Portanto, a Sociedade Internacional composta de entes Estados, organizaes internacionais, organizaes nogovernamentais, empresas transnacionais, indivduos, entre outros que so influenciados pelas foras profundas fatoresgeogrficos, demogrficos, migratrios, polticos, econmicos e financeiros, ideolgicos, religiosos, tecnolgicos etc. em suasaes sistmicas na esfera internacional.

    Uma leitura complementar recomendada a do texto sobre Rio Branco e as Foras Profundas, deArno Wehling:

    Viso de Rio Branco o homem de estado e os fundamentos de sua poltica.

    Alm do clssico Histoire des Rlations Internationales, obra-mestra dahistoriografia francesa das relaes internacionais, caberia destacar dois livros deRenouvin e Duroselle j traduzidos para o portugus: Introduo Histria dasRelaes Internacionais publicada em 1967 pela Difuso Europeia do Livro, deSo Paulo e Todo Imprio Perecer um dos ltimos grandes trabalhos deDuroselle, lanado no Brasil em 2000.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    22 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 8 - Potncia Alm dos conceitos j tratados, cabem, neste curso introdutrio, algumas observaes ainda que sem aprofundamento arespeito de outros conceitos essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer das prximasunidades. Passemos a eles.

    Potncia O Sistema Internacional composto por uma diversidade de atores. Nesse contexto, o Estado ocupa papel de destaque, masexistem diferenas marcantes entre os Estados na esfera internacional e o grau de influncia (poder) que eles exercem.Assim, importante para a compreenso das relaes internacionais a ideia de Potncia e das diferentes gradaes dessaclassificao. H inmeras definies para Potncia. Segundo Martin Wight (2002), Potncia um Estado moderno e soberano em seu aspecto externo, e quase pode serdefinido como a lealdade mxima em defesa da qual os homens hoje iro lutar. Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potncia Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, comoaquele Estado mais ou menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um ou mais mbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de relacionar tais mbitos para alcanar uma vantagem. Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade Internacional, Martin Wight relaciona PotnciasDominantes, Grandes Potncias, Potncias Mundiais e Potncias Menores. Potncias Dominantes e Potncias Mundiais seriamsubdivises do gnero Grande Potncia, uma vez que ambas as categorias se referem a Estados com interesses globais ecapacidade de influncia significativa no Sistema Internacional. Em ltima anlise, a diferenciao poderia ser restringida aGrandes Potncias e Potncias Menores. Wight define Potncia Dominante como aquela capaz de medir foras contra todos os rivaisjuntos. E cita exemplos ao longo dos sculos, como Atenas, poca das Guerras doPeloponeso, o Imprio Romano, a Espanha de Carlos V e de Filipe II, a Frana de Lus XIV,a Gr-Bretanha no sculo XIX e os EUA no sculo XX. Outro termo muito utilizado e cujas caractersticas vo alm da Potncia Dominante,conforme definida por Wight, o de Superpotncia. Esse termo, cunhado com o advento daGuerra Fria, designava exclusivamente URSS e EUA. Esses pases, em virtude de suascapacidades nucleares com poder de destruio global , inmeras vezes associadas aopoderio militar convencional e influncia poltico-ideolgica mundial, tinham status nicona comunidade das naes. Gounelle (1992) indica quatro caractersticas das Superpotncias:

    tm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;

    dispem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos armamentosconvencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de outros meios de destruio em massa;

    assumem a liderana de uma aliana militar (os EUA da OTAN e a URSS do Pacto de Varsvia);

    pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

    Convm lembrar que a ideia de Superpotncia ultrapassa em muito o poderio exclusivamente militar. De fato, a capacidadede destruio massiva do planeta o elemento central do conceito de Superpotncia, mas o aspecto de liderana de um blocode naes e de pretenses de estabelecimento de uma sociedade universal em seus moldes poltico-econmico-ideolgico-sociais no pode ser desconsiderado.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    23 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 9 - Potncia

    Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma Superpotncia: os EUA. Alguns autores vislumbram apossibilidade de a China vir a ocupar, na segunda metade do sculo XXI, o lugar da URSS. Entretanto, ainda no h que sefalar na China como Superpotncia, uma vez que esta, alm de no dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente aopoderio de Estados como EUA e Rssia, no tem pretenses nem condies de projetar um modelo scio-poltico-cultural-ideolgico seu para o mundo. A Rssia, por sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruiomassiva do planeta, no pode ser chamada de Superpotncia, exatamente porque tambm no tem condies de aspirar aqualquer pretenso hegemnica no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os vencedores daGuerra Fria, so hoje o nico Estado com as caractersticas bsicas da superpotncia, e, de fato, essa nao tem-se tornadoto poderosa que j se cunha o conceito de Hiperpotncia, algo sem precedentes na Histria. A Hiperpotncia dispe de um aparato blico superior ao das demais Potncias juntas. Esse aparato no se resume ao acervodas armas de destruio em massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de operao militar emmais de um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma Economia de peso diante do sistema, sua influncia na polticainternacional marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo scio-cultural e poltico para outras regies do planeta. Assim, os EUA no encontram, no incio do sculo XXI, adversrios militares altura, e so a Grande Potncia econmica e aliderana mundial. Do ponto de vista econmico, por exemplo, apenas a coalizo das grandes economias europeias podefazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias asiticas. A projeo de poder dos norte-americanos nomundo no encontra precedentes, e alguns analistas j comeam a analisar a poltica externa estadunidense como umapoltica de imprio. De qualquer maneira, o conceito de Hiperpotncia ainda encontra-se em desenvolvimento. O conceito de Wight para Potncia Dominante tem grande proximidade com a ideia de hegemon, ou seja, uma potncia topoderosa que seria necessria uma coalizo de todas as demais naes para cont-la. A concepo de hegemon ultrapassa aesfera exclusivamente poltico-militar, de modo que o Estado que detm esse ttulo influencia a Sociedade Internacional emesferas diversas, como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e at o Direito. Alm disso, essa influnciado hegemon no ocorre necessariamente de maneira impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve ummisto de coero e consenso. Finalmente, convm lembrar que o hegemon continua influenciando a Sociedade Internacionalmesmo aps perder esse status.

    Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje mantida mais por outros meios o que alguns autores chamamde soft power (poder suave) , como a presena marcante na compilao e divulgao de notcias e diverses, na produode bens de consumo, nas inmeras formas de cultura popular e sua identificao com a liberdade poltica e de mercado, doque propriamente por meio do hard power (poder militar).

    Alm da potncia hegemnica, h outros atores estatais com capacidade significativa de influncia na SociedadeInternacional. Esses so as Grandes Potncias, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-se apotncia dominante, chegando, muitas vezes, a alcanar esse objetivo. De fato, as relaes internacionais seriam um grandetabuleiro onde essas Potncias disputariam poder em um jogo de influncia. Como exemplos atuais de Grandes Potnciasteramos China, Frana, Rssia, Alemanha, Japo e Gr-Bretanha. As potncias menores constituem a maioria. Seu grau de influncia no sistema varia significativamente. Nesse grupo,poderiam ser relacionadas desde as Potncias Mundiais menores como Espanha e ndia at as Potncias Regionais Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potncia Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potncia e ata Potncia Dominante. Os EUA so um bom exemplo disso.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    24 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 10 - Potncia

    Max Gounelle (1992) comenta que, medida que dispe de capacidade de influenciar de maneira significativa os outrosentes da Sociedade Internacional em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como Microestado,Potncia Local, Potncia Mdia, Grande Potncia ou Superpotncia.

    Os microestados so aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos dias e que, em sua maioria, tiveram origem naformao histrica dos Estados nacionais europeus ou no processo de descolonizao. Encontram-se constantemente sobamplo grau de dependncia frente a uma Potncia e integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizaesinternacionais. Conviria exemplificar nessa categoria pases como o Principado de Mnaco e a Repblica de San Marino,diversos Estados-arquiplagos no Pacfico ou at algumas Repblicas da Amrica Central e Caribe. Apesar de minimamenteinfluentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham fora quando se associam e se fazem representar em organismosinternacionais onde tenham poder de voto igual ao de outros Estados. As Potncias Locais so as mais numerosas. Participantes das atividades comuns da vida internacional, esses entes tm comoobjetivos principais sua prpria sobrevivncia e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral, no tm grandespretenses internacionais de projeo de poder e acabam tambm associados s Grandes Potncias ou a Potncias Regionais.Como exemplos para essa categoria, temos pases como Bolvia, Paraguai, Camboja, Albnia e Moambique. So classificados como Potncia Regional ou Potncia Mdia aqueles Estados aptos a representarem certo papel de destaqueem grandes reas geopolticas. Egito, Sria, Nigria, Brasil, Argentina e Ir so exemplos de Potncias Regionais ou Mdias.Esses pases exercem influncia em virtude de suas aptides de liderana sob certos limites geogrficos, fundadas em seuspotenciais materiais ou demogrficos, sua envergadura ideolgicas ou seu peso militar, econmico e at social. Gounelle, no entanto, diferencia Potncias Regionais de Potncias Mdias ao afirmar que estas ltimas tm ambiesmundiais restritas s suas prprias capacidades. Tais pretenses poderiam ser limitadas a domnios especficos (nuclear,cultural, econmico, diplomtico). A Frana, a Alemanha, a China e o Japo estariam nessa categoria. De fato, o queGounelle relaciona como Potncias Mdias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de Grandes Potncias, ouseja, Potncias com interesses globais e capacidade de influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domnios. Aochamar Potncias como China e Gr-Bretanha de Potncias Mdias, Gounelle o faz comparando-as s Superpotncias poca, URSS e EUA.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    25 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 11 - Hegemonia

    Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obraInternational Relations: the Key Concepts, de MartinGriffiths e Terry OCallaghan (London: Routledge, 2002).

    Hegemonia, em grego, significa liderana. Em sentido amplo, portanto, em Relaes Internacionais, o hegemon o lder ou o Estado lder de um grupo de naes.

    Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicveis, presume-se que haja uma certa ordem na SociedadeInternacional. Da que, apesar de ser o Estado mais poderoso no cenrio internacional, o hegemon s pode exercer sualiderana (hegemonia) se houver relaes de poder entre entes em um meio internacional.

    Hegemonia consiste, ento, no exerccio de uma liderana ou comando em uma sociedade, com base em recursos de poder.Esses recursos fundamentam-se em dois aspectos: coero e consenso. Assim, toda relao de poder tem por base os grausde coero e consenso exercidos por um ente ou mais de um sobre os demais. medida que alterada essa relao, mudatambm a liderana no grupo.

    Para o exerccio da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas esferas de consenso e coero. Uma relao quese baseie apenas na coero por meio de recursos de fora militar ou econmica no pode ser verdadeiramentehegemnica, da mesma maneira que impossvel a liderana da comunidade internacional com fulcro apenas no consensodos demais atores.

    As relaes internacionais tm sido marcadas pela disputa, por parte das Potncias, da hegemonia na SociedadeInternacional. Essa hegemonia, alm de poltica, pode ser militar, econmica, cultural ou ideolgica. Pode ser regional ouglobal. Um Estado que seja a Potncia hegemnica em uma dessas reas muito provavelmente o ser na maioria das outras. claro que tal liderana pode ter diferentes gradaes e que uma grande Potncia econmica em nossos dias pode no ter omesmo poder de influncia cultural ou at militar no cenrio internacional.

    A Sociedade Internacional ser sempre marcada por um hegemon, cujo interesse manter o status quo do sistema, diantede outras Potncias que no pouparo esforos para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da estabilidadehegemnica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demaisentes da comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria dispor de alguns atributos: liderana emum setor econmico ou tecnolgico e poder poltico baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos acapacidade de obter consenso sobre sua liderana.

    No acumule dvidas. Procure san-las logo que apaream.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    26 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 12 - Hegemonia

    Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existncia de uma hegemonia, que tenha tanto capacidadequanto vontade de fornecer bens pblicos internacionais, como lei, ordem e moeda estvel. Conforme didtica explicaode Griffiths (2004, p. 26-27):

    (...) os mercados no podem crescer em produo e distribuio de bens e servios se no houver umEstado que fornea certos pr-requisitos. Por definio, os mercados dependem da transferncia, pormeio de um mecanismo de preo eficiente, de bens e servios que possam ser comprados e vendidosentre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os mercados dependem doEstado para lhes dar, por coero, regulamentos, taxas e certos bens pblicos que eles sozinhos nopodem gerar. Isto inclui uma infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos,uma infraestrutura coerciva que assegure a obedincia lei, alm de um meio de permuta estvel(dinheiro) que assegure um padro de avaliao dos bens e servios. Dentro das fronteiras territoriaisdo Estado, os governos fornecem tais bens. claro que, internacionalmente, no existe Estado nomundo capaz de multiplicar sua proviso em escala global. Baseando-se na obra de CharlesKindleberger e na anlise de E. H. Carr sobre o papel da Gr-Bretanha na economia internacional nosculo XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a liberalizao da permuta internacional dependemda existncia de uma hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer benspblicos internacionais, como lei, ordem e uma moeda estvel para o comrcio financeiro.

    Em termos gerais, essa a Teoria da Estabilidade Hegemnica.

    uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do debate terico travadoentre neorrealistas e neoliberais.

    As Potncias hegemnicas so as Grandes Potncias na concepo de Wight, e o hegemon nada mais que a PotnciaDominante. A hegemonia poltico-ideolgica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotncias no contexto daGuerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada como ameaa hegemonia econmica dos EUA.

    Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte daGuerra Fria, imaginava-se que a Unio Sovitica se tornariauma grande potncia econmica.Isso especialmente vlido para os anos 30: enquanto aseconomias ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929,a economia sovitica crescia a taxas espantosamente altas.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    27 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 13 - Hegemonia

    Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para esta aula do Professor Joanisval.

    Durao: 2min55Caso no consiga visualizar:

    1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

    Essas observaes introdutrias so suficientes e fundamentais para a compreenso das unidades seguintes e paraa discusso dos temas tratados neste curso.

    Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade o texto de Joo Marques de Almeida,sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    28 de 78 05/09/2014 18:24

  • Unidade 3 - Correntes tericas das Relaes Internacionais

    Ao final da unidade, o aluno dever ser capaz de:

    indicar e caracterizar as principais correntes tericas das RelaesInternacionais no Sculo XX;

    identificar os principais debates tericos da disciplina

    Esperamos que voc tenha excelente aproveitamento em seus estudos!

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    29 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 2 - Teorias de Relaes Internacionais

    O objeto material de qualquer cincia se define pela parcela de realidade que se pretende conhecer mediante a formao deteorias e a utilizao de um mtodo cientfico (CERVERA, 1991). A teorizao sobre as Relaes Internacionais surgiu quandose buscou explicar a existncia e as condutas dos entes internacionais. na Grcia Antiga, com a obra de Tucdides, Histriada Guerra do Peloponeso, que se tem a primeira manifestao embrionria de uma teoria de Relaes Internacionais. H algo que as cincias naturais e as cincias sociais, conforme Karl Popper, certamente tm em comum: a necessidade dateoria para se desenvolverem. Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):

    "A cincia exige algo mais do que fatos e descries de fatos. Exige uma explicao de por que ocorreram, que efeitos

    causaram e algumas predies (ou, no caso das cincias sociais, conjecturas) sobre seu comportamento provvel no futuro,

    uma mescla de causalidade, teleologia e prospeco. No campo das cincias sociais, como em outras cincias, a teoria

    chamada a ministrar essas explicaes, pondo ordem ao mundo heterogneo e muitas vezes incompreensvel dos fatos

    isolados, e a arriscar algumas predies."

    A Teoria do Equilbrio de Poder

    Comeamos por essa teoria por uma razo simples: para muitos estudiosos da polticainternacional, a Teoria do Equilbrio de Poder, tambm conhecida como Teoria doBalano de Poder, o que mais prximo existe de uma teoria poltica das relaesinternacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou mesmo a dizer que talteoria constitua uma lei da Histria. Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nao,multiplicaram-se tambm as teorizaes a respeito das relaes internacionais. Emum contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as prticas dosagentes e dos atores na Sociedade Internacional levaram formulao de uma teoriaque pode ser considerada a precursora da anlise convencional realista das relaesinternacionais, a Teoria do Equilbrio de Poder.

    A Teoria do Equilbrio de Poder percebe o cenrio internacional em uma situao deequilbrio, no qual o poder distribudo entre os diversos Estados. Quando um Estadocomea a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente aos demais, h umaperturbao no equilbrio, e faz-se necessria uma coalizo das Potncias para conter

    o Estado pretensioso e restaurar a ordem. Assim, pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que obalano ou o equilbrio de poder a escolha prefervel e, portanto, a tendncia do sistema internacional. A Teoria orientou asrelaes internacionais nos quatro sculos compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira GuerraMundial (1914-1918). Foi til para justificar as condutas dos Estados e aes de governantes em um contexto anrquico econflituoso, como ser visto nas Unidades 2 e 3 do mdulo seguinte deste nosso curso. Alguns autores distinguem entre o equilbrio de poder como uma poltica (esforo deliberado para prevenir predominncia,hegemonia) e como um padro da poltica internacional (em que a interao entre os Estados tende a limitar ou frear a buscapor hegemonia e, como resultado, resulta num equilbrio geral).

    Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanas no cenrio internacional e no equilbrio de foras, emvirtude dos traumas causados pelo conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto opinio pblica internacional, aTeoria do Equilbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento de que essa doutrina no poderia perdurar em um sistema emque a guerra deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato ps-guerra foi marcado por novas concepes sobre as relaesinternacionais, baseadas em uma nova corrente terica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na soluo pacficadas controvrsias e na busca de uma estrutura supranacional que garantisse a paz: o Idealismo das Relaes Internacionais. Foi, portanto, na primeira metade do sculo XX que os primeiros tericos de Relaes Internacionais comearam adesenvolver suas explicaes sobre o tema em um contexto de disciplina autnoma. Claro que, em virtude de um objeto deestudo to complexo, diversas foram as correntes tericas institudas nas ltimas dcadas. Como no este um curso deteoria, pretendemos apresentar apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    30 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 3 - A fase idealista

    O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente terica de Relaes Internacionais, surge em um contexto dofinal de um conflito muito marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupao daqueles que entocomeavam a teorizar sobre as relaes internacionais:

    Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor, como evitar o conflito, sobretudo blico, entre osEstados?

    No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca poderia ter sido mais favorvel ao Idealismo.A Grande Guerra havia demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para assegurar a ordem e apaz internacional. As enormes perdas humanas e materiais produzidas pelo conflito foram responsveis, tambm, peloadvento de uma opinio comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada como instrumento de poltica dosEstados. Pregava-se, ademais, o estabelecimento de um modelo de segurana coletiva capaz de evitar novas contendas.

    Assim, sob os auspcios do discurso idealista e moralizante do presidente estadunidense Woodrow Wilson, foi criada aSociedade (ou Liga) das Naes (SDN), com o objetivo de ser a organizao central de um sistema de segurana coletiva e umfrum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de maneira pacfica. A SDN, portanto, contribua para acentuar ootimismo frente ao futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema dirigido para preservar apaz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organizaointernacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes soluo pacfica e de propostas de desarmamento. Importnciasignificativa foi dada pelos idealistas ao Direito Internacional e s instituies jurdico-normativas que garantissem a ordemnas relaes entre os Estados: ganhava fora o institucionalismo nas relaes internacionais.

    Anarquia internacional no significa desordem, mas, sim, ausncia de um governo centralsuperior aos Estados (que so soberanos e s prestam contas a si mesmos e a outros Atores do

    sistema). Anarquia , portanto, ausncia de governo.

    O Idealismo partia do princpio de que as relaes internacionais encontram-se em estado de natureza, ou seja, de anarquiainternacional. As naes devem buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em mbitointernacional que ordene as relaes entre os povos. Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo comos mesmos princpios morais que guiam a conduta do indivduo. Para estimular ou obrigar esses Estados a seguir taisprincpios, seria fundamental que se institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em alcanara paz e a prosperidade. O estudo de Relaes Internacionais, como disciplina autnoma, mostrou-se como uma cincia da paz.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    31 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 4 - A fase idealistaO Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas vises de mundo opostas, em que o ponto de partida a dicotomiaanarquia x ordem. Apesar de Tucdides, com Histria da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos desoberania e a tese do estado de natureza, j ter iniciado a moldar uma concepo anrquica do mundo, com ThomasHobbes, em Leviat, e, em seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Captulo III da obra Segundo Tratado doGoverno Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de natureza anrquico a respeito das relaes internacionais.

    Segundo Lijphart (1982), as noes de soberania e de anarquia internacional inspiraram trs teorias interligadas: ado governo mundial, a do equilbrio de poder (ou balano do poder) e a da segurana coletiva. Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia responsvel pela tenso internacional, necessrio celebrar umcontrato social internacional para instituir um governo mundial soberano e nico, para pr fim anarquia. A teoria do equilbrio de poder, ao contrrio, defende que a luta pelo poder entre os Estados soberanos tende a gerar umequilbrio, o qual no alimenta uma tenso perptua, mas cria uma ordem internacional. Para a teoria da segurana coletiva, o melhor seria que os Estados se empenhassem em tomar medidas coletivas contra todoagressor, o que acabaria atenuando a anarquia internacional. Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os Estados soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado porLijphart, essas trs teorias correspondem a estgios sucessivos de uma progresso em direo a uma centralizao cada vezmais repleta de autoridade e poder (no sentido balano de poder > segurana coletiva > governo mundial). O mundo nuncapassou do segundo estgio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores idealistas.

    Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,soberania normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e ThomasHobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, ahistria do sistema de Estados modernos, do sculo XVII em diante, umatentativa de se distanciar da rigidez dessa concepo original em busca da ideiade igualdade formal.

    Para as Relaes Internacionais, particularmente importante a viso construda por Hugo Grcio sobre a sociedadeinternacional a partir da teoria do contrato. Grcio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o direito umconjunto de normas ditadas pela razo e sugeridas pelo appetitus societatis. A base da doutrina de Grcio a solidariedade, oupotencial solidariedade, entre os Estados em relao aplicao da lei internacional, e procura estabelecer uma ordemmundial restringindo os direitos dos Estados de irem para a guerra por motivaes polticas e promover a ideia de que a foras pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade internacional como um todo.

    Grcio, como se observa, apresenta uma hiptese inversa do equilbrio de poder. Para ele, existe um fundamento comum denormas morais e jurdicas, e o mundo uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso normativosuficientemente amplo e intimidador para que a noo de estado de natureza e de anarquia internacional no seja aplicvel. Atese de Grcio parte da noo de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorizao, desconsiderando a relao necessriaentre anarquia e guerra, relao esta reduzida a mera hiptese (e no a um dado ou premissa, como fazem os realistas).

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    32 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 5 - A fase idealistaA teoria e a prtica das relaes internacionais desde a Primeira Guerra Mundial, principalmente com o Pacto da Liga dasNaes (o Pacto de Paris), a Carta da Organizao das Naes Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional deNuremberg, derivam da frmula grociana, que concebe a sociedade internacional de forma ordenada, fruto da analogia com aalegoria da sociedade domstica usada pelos tericos do contrato social dos sculos XVII e XVIII. Edward Hallett Carr, autor do clssico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja primeira edio foi lanada logo aps odesencadeamento da Segunda Guerra Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utpica e a prticarealista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relaes internacionais e os argumentos queutilizavam ao tratarem das interaes entre os povos:

    O aspecto teleolgico da cincia da poltica internacional tem estado evidente desde o princpio. Surgiu de uma grande edesastrosa guerra; e o objetivo-mestre que inspirou os pioneiros da nova cincia foi o de evitar a recidiva dessa doena docorpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou todo o curso e direo iniciais do estudo. Como outrascincias na infncia, a cincia poltica internacional tem sido marcada e francamente utpica. Ela se encontra no estgioinicial, no qual o desejo prevalece sobre o pensamento, a generalizao sobre a observao, e poucas tentativas so efetuadasde uma anlise crtica dos fatos existentes e dos meios disponveis. Neste estgio, a ateno est concentrada quaseexclusivamente no fim a ser alcanado.

    Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson que refletia o pensamento idealista geral e que continha a resposta deWilson: se no funcionar, teremos que faz-lo funcionar!, quando indagado se aquele modelo moralizante e pacifistafuncionaria e esclarece:

    "O advogado de um plano para uma fora de polcia internacional, ou para a segurana coletiva, ou de algum outroprojeto para uma ordem internacional, geralmente responde crtica, no com um argumento destinado a mostrarcomo e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declarao de que ele tem que ser posto afuncionar porque as consequncias de sua ausncia de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda poralguma panaceia alternativa."

    Aps a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Naes foi um esforo especfico da poltica internacional de substituir o princpiodo equilbrio de poder pelo princpio da segurana coletiva. Tal princpio, que sustentou a criao daquela Organizao, foielaborado para remover a necessidade de equilbrio ou balano. Para os realistas, essa sua remoo no perodo entreguerrasteria sido justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema internacional ps-1945 deixou de serexplicado em termos do princpio idealista da segurana coletiva, e noes de bipolaridade e multipolaridade, tpicas dasanlises de balano de poder, o substituram. Chegou-se mesmo, nos perodos mais quentes da Guerra Fria, em se falar debalano de terror.

    Para reforar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vdeo.

    Durao: 10min

    Caso no consiga visualizar:

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    33 de 78 05/09/2014 18:24

  • 1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    34 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 6 - A fase realista A dcada de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade internacional, consequncia de comoespolticas, econmicas e ideolgicas, internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Naes e da polticade apaziguamento das democracias europeias, marca a decadncia da perspectiva idealista para a teoria das RelaesInternacionais. Nesse perodo, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava fora, o Realismo Poltico.

    Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudana no aporte terico. O Realismo representou, emum primeiro momento, a reao dos especialistas s insuficincias tericas e prticas dos idealistas, no contexto de convulsesinternacionais dos anos trinta e da prpria Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo opinio pblica e razohumanista, preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-se necessrio retomar as ideias desegurana nacional e de fora militar como suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, osEstados poderiam assegurar a paz internacional e a soluo pacfica das controvrsias. Carr assinalava que o significadoltimo da crise internacional era "o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de interesses".

    A pragmtica nova gerao de estudiosos do ps-Segunda Guerra Mundial baseava-se no pensamento clssico maquiavlico ehobbesiano e via na defesa dos interesses nacionais, em relao a poder, o grande eixo da conduta dos Estados soberanos nomeio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo nos EUA. Desse pas, a doutrina realista difundiu-se pelo globo,tornando-se a corrente terica mais relevante para explicar as Relaes Internacionais.

    Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e tambm em unidade prpria.

    Atualmente, cerca de 90% da produo acadmica dos EUA em RelaesInternacionais tm por fundamento a corrente realista.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    35 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 7 - Behavioristas e ps-behavioristas

    A terceira fase da Teoria das Relaes Internacionais desenvolveu-se tambm nos EUA como resposta aos excessos doRealismo. Trata-se de uma aproximao com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou conhecida comobehaviorista ou cientfica. Para Arenal (1984, p.82):

    No incio dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em poltica de segurananacional repensam os postulados do realismo poltico, com base no carter impreciso e intuitivo dosmesmos para a anlise da realidade internacional, e buscam um enfoque de carter cientfico capazde dar resposta complexidade das Relaes Internacionais. O impacto dos mtodos de pesquisa eos modelos das cincias fsico-naturais so notados com fora nas pesquisas que comeam a pr emmarcha. A partir desse momento, uma onda de cientificismo, que trata de desenvolver uma cinciadas Relaes Internacionais, com base na aplicao de mtodos quantitativo-matemticos, invade asRelaes Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva behaviorista ou conducista.

    Para os behavioristas, o objetivo das Relaes Internacionais o comportamento dos atores. O estudo desse objeto deveatentar para parmetros que envolvam fases como a coleta e a elaborao de dados, o tratamento quantitativo desses dadose, finalmente, a produo de modelos dentro do rigor cientfico das cincias exatas. Para os behavioristas, os estudos devemestar sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem cientfica das cincias sociais deve serelaborada com base em dados empricos, rejeitando-se anlises provenientes do Direito, da Histria ou da Filosofia. Entre osvrios enfoques da corrente behaviorista, convm destacar a Teoria da Tomada de Decises, a Teoria Sistmica das RelaesInternacionais e a Teoria dos Jogos. Os autores cientficos mais renomados so Morton Kaplan, David Singer e G. T. Allison.

    O desenvolvimento da corrente cientfica gerou um grande debate nos anos sessenta entre os tradicionalistas filosfico-intuitivos (idealistas e realistas) e os cientficos (behavioristas).

    Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton (1969) chamou de nova revoluo da cinciapoltica, e que se convencionou chamar de ps-behaviorismo. Essa nova revoluo ter-se-ia produzido devido a uma profundainsatisfao com a pesquisa poltica e os ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da polticaem uma cincia segundo o modelo fsico-natural. As bandeiras levantadas pelos ps-behavioristas so ao e relevncia. Onovo movimento, sem abandonar o enfoque cientfico do behaviorismo, dirige sua ateno conduta humana enquanto tal eaos problemas reais do mundo, s motivaes e aos valores subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com nfaseao caso concreto, dando ateno a um objeto de anlise que difere dos objetos das cincias exatas. O ps-behaviorismoconstituiu, portanto, a sntese do debate entre as concepes tradicionalistas e as cientficas.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    36 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 8 - Realismo, Pluralismo e Globalismo

    Atualmente, a doutrina reconhece trs grandes correntes tericas das Relaes Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e oGlobalismo. So tambm chamados de paradigmas tericos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina podem serencaixadas em uma dessas trs correntes. O Realismo trabalha mais com os conceitos de poder e equilbrio de poder, oGlobalismo com dependncia, e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de deciso etransnacionalismo.

    Vamos abord-las brevemente a seguir.

    Assistindo ao vdeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos conteudistas deste curso, voc ter uma visointrodutria do surgimento do Realismo.

    Durao: 5min25 Caso no consiga visualizar:

    1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

    Realismo

    O Realismo tem algumas proposies bsicas. Primeiro, o Estado o ator principal no meio internacional, e o estudo das relaes internacionais foca essa unidade poltica.Atores no estatais, como as empresas multinacionais, so menos relevantes para a anlise, e as organizaes internacionais,como a ONU ou a OTAN, no possuem existncia autnoma ou independente, porque so compostas de Estados, asverdadeiras unidades soberanas, independentes e autnomas, que determinam o comportamento dessas organizaesinternacionais.

    O Conselho de Segurana da ONU, por exemplo, que era uma forma de gerncia do poder na viso realista, foi paralisado,durante a Guerra Fria, pelo veto os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e, por consequncia,impediam a organizao de funcionar. No ps-Guerra Fria, apesar da superao das rivalidades dentro do Conselho, aOrganizao ainda no funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstncia, do interesse dos Estados paraatuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste entre a ao rpida na Guerra do Golfo e a inrcia diante da crise iugoslava.

    Segundo, os Estados so atores unitrios. So unitrios porque quaisquer diferenas de viso entre os lderes polticos ouburocracias dentro do Estado so, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma s voz.

    Terceiro, os Estados so atores racionais. Isso porque, dados certos objetivos, trabalham com alternativas viveis para

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    37 de 78 05/09/2014 18:24

  • alcan-los, luz de suas capacidades, por meio de uma anlise de custo-benefcio. Os realistas reconhecem a existncia deproblemas como falta ou rudo de informao, incerteza, pr-julgamento e erros de percepo, mas, contudo, pressupem queos tomadores de deciso no medem esforos para alcanar a melhor deciso possvel.

    Finalmente, para os realistas, a segurana nacional a questo de maior importncia para a agenda de poltica exterior dequalquer Estado. Questes polticas e militares dominam a agenda e so chamadas de alta poltica (high politics). Os Estadosatuam para maximizar o interesse nacional. Em outras palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingiremqualquer objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupaes de alta poltica relativas sobrevivncia do Estado(segurana) assim como os objetivos de baixa poltica ligados a esse campo, como comrcio, finanas, cmbio e bem-estar.

    A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganisto, aps os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, e sua guerrapreventiva contra o Iraque, em 2003, evidenciam o conflito alta poltica x baixa poltica, pois, durante os quatro anos doGoverno Bush, os democratas o criticaram constantemente por ter abandonado as questes de economia domstica em nomeda segurana nacional. At mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vm sendo negados a vrios suspeitos,estrangeiros e nacionais, direitos garantidos constitucionalmente, em ampla afronta ao princpio do devido processo legal (dueprocess of law), conquista de mais de dois sculos da sociedade norte-americana.

    Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=16602

    38 de 78 05/09/2014 18:24

  • Pg. 9 - Pluralismo

    Assista aula introdutria, gravada no curso presencial no ILB, sobre Pluralismo. Vamos l!

    Durao:6min24

    Caso no consiga visualizar:

    1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

    Os anos de 1980 e 1990 deram fora corrente terica conhecida como Pluralismo, que veio para desafiar as proposies doRealismo. Nessa corrente normalmente se enquadram os neoliberais.

    O Pluralismo baseado em quatro proposies bsicas.

    Primeiro, atores no estatais so importantes na poltica internacional. Organizaes internacionais, por exemplo, podemtornar-se, em algumas questes, atores independentes, ao contrrio do que defendem os realistas. Elas so mais do quesimples fruns em que Estados competem e cooperam uns com os outros. O corpo de funcionrios de uma organizaointernacional pode reter um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim como ao fornecerinformaes sobre em quais representantes de Estado baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relao aospases que pedem emprstimos alm de suas cotas, e, por consequncia, precisam seguir o receiturio do consenso deWashington).

    Similarmente, organizaes no governamentais, como a WWF, e corporaes multinacionais, como a Petrobras, a IBM, aSony, a General Motors, a Exxon, o Citicorp, entre vrias outras, tambm desempenham papis importantes na polticamundial. Atualmente, lembram os pluralistas, at mesmo na rea comercial as ONGs tm sido chamadas a atuar.

    Para os pluralistas, tambm no se poderia negar o impacto de atores no estatais, como grupos terroristas (como a AlQaeda), comerciantes de armas da mfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.

    Segundo, para os pluralistas, o Estado no um ator unitrio. O Estado composto de indivduos, grupos de interesse eburocracias que competem entre si. Apesar de as decises serem noticiadas como decises de tal pas, geralmente maiscorreto se falar em deciso feita por uma coalizo governamental particular, uma agncia burocrtica do Executivo ou mesmoum nico indivduo. A deciso no tomada por uma entidade abstrata chamada Brasil, China ou EUA, mas por umacom