Conciliação e Reforma No Brasil

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8/19/2019 Conciliação e Reforma No Brasil http://slidepdf.com/reader/full/conciliacao-e-reforma-no-brasil 1/260 José Honório Rodrigues Conciliação e Reforma no Brasil Um desafio histórico-cultural 2.a Edição A EDITORA NOVA FRONTEIRA

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José Honório Rodrigues

Conciliação

e Reformano Brasil

Um desafio histórico-cultural

2.a Edição

AEDITORA

NOVAFRONTEIRA

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Sumário

Prefácio da l.a edição............................. 7Prefácio da 2.a edição ....................................................... 9Introdução ......................................................................... 17

PÁRTE I

CAPÍTULO 1. A POLÍTICA DE CONCILIAÇÃO: HISTÓRIACRUENTA E INCRUENTA .............. 29As origens da conciliação........................................ 29Os três tipos de povoadores................................... 30As origens da liderança. Composição e comporta-

mento ............................................................... 32Conformismo e inconformismo popular colonial: his-

tória cruenta ............ 33A liderança oficial colonial..................................... 36A mestiçagem ........ f . . ............................................ 38A reeuropeização . . ; ................................................. 40A liderança na Independência: história cruenta ., 41A Abdicação: história\incruenta............................. 48A Regência e as Refoírnas: nova história cruentís

sima ....................... 48A política de conciliação: as reformas e a política

de clientela ......................................................... 57A conciliação, as reformas e o progresso ............... 67A Abolição: os instantes de retardamento e de ace-

leração ............................................................. 74A liderança republicana: nova história cruenta . . . . 78 Novíssima história cruenta ........................................ 87

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Aliança Liberal: a Revolução transformada em Re-forma ................................................................. 95

Alternativas da liderança e do processo cruento ou

incruento ........................................................... 108Revolução, rebelião e golpes de Estado ................. 110Referências ............................................. 115

CAPÍTULO 2. TESES E ANTÍTESES DA HISTÓRIA DO BRASIL. 121

Referências ............................................................... 140

PARTE II

CAPÍTULO 1. O VOTO DO ANALFABETO E A TRADIÇÃO PO-LÍTICA BRASILEIRA . .

.................................................. 143

Referências .............................................................. 170

CAPÍTULO 2, ELEITORES E ELEGÍVEIS: EVOLUÇÃO DOSDIREITOS POLÍTICOS NO BRASIL ................................. 173

Referências ...................................................................... 187

PARTE III

CAPÍTULO 1. A POLÍTICA NACIONAL: UMA POLÍTICA SUB-DESENVOLVIDA ................................................................................... 191

O Brasil e o mundo subdesenvolvido ................. 199As instituições arcaicas estáveis e as lideranças do-

minadoras ........................................................ 218A política do desenvolvimento ............................... 223Poder e Sociedade: o dissídio político brasileiro .. 247

índice Rem issivo......................................................... 255

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Prefácio da l.a edição

Este livro nasceu do mesmo quadro de cogitações que pro-duziu as Aspirações Nacionais. A princípio desejava incluir esta matéria nova na segunda edição das Aspirações, mas se-

guindo sugestão de Eduardo Portela decidi organizar um no-vo livro. Com o desenvolvimento dos estudos vi, aliás, que

seria impossível inserir naquele primeiro livro, com 170 pá- ginas, mais 240 páginas novas.

Deixei de incluir, aqui, um capítulo sobre o Congresso e a Política Nacional, para o qual já reuni muitos aponta-mentos e notas de pesquisas, e que esboçaria a evolução his-tórica do Poder Legislativo e seu papel na elaboração da po-lítica nacional. Também deixei de incluir um capítulo sobre a política internacional do Brasil, de que já tenho uma parte escrita e outra por escrever. Ficarão para um próximo vo-lume.

Os capítulos aqui reunidos foram elaborados em épocas diferentes e para fins diferentes. A “Política de Conciliação" nasceu de uma conferência e por isso não contém notas de

pé de página, mas referências bibliográficas finais. Os dois

trabalhos sobre o “Voto do Analfabeto ” e "Eleitores e Ele- gíveis” foram escritos para publicação em jornal e por isso deixaram também de conter notas de pé de página, recons tituindo se depois as referências bibliográficas. As "Teses e

Antíteses", pela sua concisão e brevidade, dispensam notas. O capítulo final, “Política Nacional, uma política subdesen-volvida", foi o único escrito quando a decisão de organizar

este livro já estava tomada e, assim, obedeceu ao sistema de citação das obras consultadas, mais indispensável ainda, no caso, pela excursão pelo campo fechado da economia.

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Espero que este livro represente uma tentativa de com- preensão do quadro presente brasileiro, com os instrumen-tos históricos, e signifique mais uma pedra para a construção

de uma ponte, não a de ouro, que Nabuco de Araújo pla-nejou para permitir apenas a comunicação das elites brasi-leiras, mas de aço pela qual atravessem todos os brasileiros

a fim de se associarem na obra da modernização do Brasil.

Setembro de 1964J. H. R.

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Prefácio da 2.a edição

i

A palavra conciliação em todos os dicionários da língua portuguesa aparece, como no primeiro dicionário brasileiro de Morais, como a ação ou o modo de conciliar ou pôr de acordo leis ou pessoas, mas não posições políticas. Somente no co-meço do século dezenove ela aparece com o sentido de me-diação entre a Coroa e o povo, entre o poder real e o popu-lar. Mesmo assim a significação ideológica é tão rara que o

próprio Aurélio dá lhe apenas sentido pessoal e jurídico.

II

A palavra conciliação nasceu em francês no século X IV , vindo do latim conciliare, que significava assembler, ou seja, reunir várias pessoas num mesmo lugar para um fim comum.

Daí os Concílios da Igreja e as Assembléias parlamentares ou populares, ambas as reuniões tendo por fim um acordo

teológico ou político. Assim apareceu no Dictionnaire Étymologique de la

Langue Françaisede O. Bloch e W. von Wartburg; já no Dictionnaire de la Langue Françaisede P. Robert, a conci-liação significa a ação de conciliar pessoas divididas pela opi-nião e pelo interesse e sua sinonímia reforça o sentido: aco-modamento, acordo, arbitragem, concórdia, entendimento, me-diação, reaproximação, transação e reconciliação.

Já em Webster o esforço para estabelecer a harmonia e a boa vontade tem como exemplos a disputa entre partes,

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especialmente questões trabalhistas e a Igreja e o Estado, sem

outro poder que não seja a persuasão ou a sugestão.

I I I

Como se vê, os dicionários franceses e ingleses registram

o acordo público ideológico e trabalhista, relações entre a

Igreja e o Estado, mas, na verdade, a palavra conciliação não

circula no vocabulário político das democracias representati-vas. E não tem existência porque os partidos são todos ideo-lógicos, inconciliáveis, exceto quando circunstâncias extraor-dinárias aconselham compromissos temporários.

Assim, o conceito político da palavra existe nos dicio-nários, mas não tem existência ha vida política partidária,

enquanto no Brasil os dicionários não lhe dão o sentido po-lítico, e ela tem existência política, desde a Independência,

acentuando se na quarta década do século passado. Distin- guem se defendendo os princípios de uma conciliação parti-dária Nabuco de Araújo e Sales Torres Homem, entre ou-

tros, no parlamento e na imprensa. Combatem na Justiniano

José da Rocha, Angelo Muniz da Silva Ferraz, Barão de Uru- guaiana, João Maurício Wanderíey, Barão de Cotegipe, que

a chamam de logração, e José de Alencar, que a denominou

de mistificação.

IV

Coube ao Marquês do Paraná, no J2.° Gabinete do Se

gundo Reinado (6 de setembro de 1853 a 3 de maio de 1857),

elevá la â política oficial, como presidente do Conselho de

Ministros. Como escreveu Joaquim Nabuco, o programa do

Ministério resumia se na conciliação, e pela primeira vez, de- pois de tantas perseguições, um governo fazia solenemente

da conciliação o seu compromisso ministerial. Antes, no Ministério do Visconde de Macaé, José Carlos

Pereira de Almeida Torres (8.° Gabinete, 8 de março de 1848), tentara se Uma política semelhante, denominada de

justiça e tolerância, sem êxito, e a violência com que foram

tratados os praieiros de Pernambuco gerara a idéia de uma

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concórdia, uma tranquilidade política, que acalmasse a exa-cerbação e tentasse harmonizar opiniões, sentimentos e inte-resses.

V

Poucos sabem que Caxias, que julgou todas ar revolu-ções no Brasil, recusou combater a revolução da Praia (1848/49) porque as instruções que lhe ofereciam eram de es-magamento total dos revolucionários, sem as medidas paci-

ficadoras da anistia, do perdão, da garantia de julgamento regular, que ele sempre fez questão de utilizar. A repressão

foi terrível e criou um ambiente de guerra que devia ser re- parado por uma política ajustadora, harmoniosa, de concór-dia e conciliação.

A conciliação teve o assentimento do Imperador, e o Marquês de Olinda, que fora Regente, classificou a, como era do seu feitio bajulatório, de pensamento augusto.

Foi assim que se oficializou a política de conciliação, que significava o abandono pelos dois Partidos, o Conservador e o Liberal, dos processos de compressão e arbítrio, a aber-tura às idéias novas, a trégua aos estreitos antagonismos e competições pessoais. Era, em síntese, um apelo à reconci-liação da ordem com a liberdade, invocações antes, depois e muitas vezes renovadas sempre que a minoria dominante

sentisse a ameaça aos seus interesses pela maioria constituída de escravos, libertos, e a pequena classe média, muitos bran-

cos reduzidos às piores condições.

VI

O grande livro que expôs com concisão e lucidez o pen- samento conservador foi o de Justiniano José da Rocha, Acção, Reacção, Transação: Dnas palavras acerca da Actua-

lidade Política do Brasil (Rio de Janeiro, 1855). Nele Justi-niano José da Rocha, ao examinar o período final, 1852 a 1856 — o da conciliação —, perguntava pelas antigas par-cialidades e declarava que havia muito elas tinham desapa

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retido, acrescentando: "Cumpre que o poder espontaneamen - .te se desarme de quanto lhe foi dado, não por ser lhe essen-cial para desempenhar os seus tutelares encargos, mas em

atenção às circunstâncias excepcionais da posição em que se viu colocado; cumpre lhe renunciar ao arbítrio com que su-

prime a liberdade individual, com que subjuga a nação mili-tarizada. Cumpre lhe ver entre as idéias que os liberais pu-

seram por diante nos dias de suas lutas (idéias que felizmen-te foram escritas em três programas notáveis), quais as que

satisfazem as verdadeiras necessidades públicas, quais as que, sem perigo, dão ao elemento democrático algum quinhão na organização política do país; cumpre que o que é do povo

seja restituído ao povo.”

VII

O Brasil no Império teve sempre dois Partidos: o Con- servador e o Liberal e ambos se pareciam tanto que o con

, ceito de Holanda Cavalcanti era verdadeiro: "Não há nada

| mais parecido com um saquarema (conservador) do que um [ luzia (liberal) no poder.”

Procurei contar em Conciliação e Reforma: Um DesafioHistórico-Político (Rio, 1965), onde também defendi o voto do analfabeto, a história da política de conciliação, que exis-tiu sempre no nosso processo político em fase de arbítrio, da tutela da maioria pela minoria e da crueza com que esta tratou aquela. Na verdade, o Brasil desconhece problemas agudos de minorias, mas sempre conheceu um outro, crônico e grave, que é o abandono, a marginalização de seu povo

pela minoria dominadora. A história cruenta, a existência de dois partidos, um gozando de todas as graças pelo seu incon dicionalismo total ao Poder e ao statu quo — o Conserva-dor — e outro bastante igual, que chegou ao cúmulo de con-ciliar escravidão e liberalismo — o Liberal, alternam se no

Poder, com prevalência do primeiro, e que não fizeram o que deveriam fazer. Resistiram sempre às mudanças, mesmo quan-do necessárias; criaram uma política de inércia, o que era impossível deixar de fazer, fazia se, o mais lenta e gradual

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mente, como foi a abolição da escravidão, que nos trouxe a

desonra de sermos o último país a adotá la.

VIII

A lei podia e pode dizer que todos são iguais, mas uns

são mais iguais e outros menos iguais, tanto que as rebeliões

e insurreições foram tratadas mais ou menos rigorosamente

de acordo com os iguais que se insurgiam. Veja se como tra-tam os menos iguais, os cabanos, os balaios, os praieiros, e

as considerações, as anistias com que tratam os mais iguais,

os farrapos, para os quais enviam e renovam se presidentes

de província e generais no comando. Assim, a conciliação foi sempre minoritária, feita pelo

grupo dominante entre si, com pequenas e mínimas concessões

à grande maioria brasileira. Assim foi no Império, assim foi na República, na Velha

e na Nova, nas quais quando foi necessário recorreu se à

idéia de conciliação. O Poder foi sempre um círculo de fer-ro, onde é difícil penetrar, mas quando um ou uns iguais

do grupo minoritário se mostra ou mostram se rebeldes, é

possível fazer a conciliação, buscar a coexistência evitando o

conflito, e fazendo à maioria as concessões mínimas indis- pensáveis ao êxito sempre temporário, sempre transferível

para adiante, sempre realizado em tempo travado, longo, de

forma lenta e graduai

IX

A unilateralidade da minoria é sempre um reflexo da

irrealidade de sua interpretação da coexistência social e polí-tica. Por isso já escrevi que o enredo da história do Brasil é

a luta pela liberdade, pela dignidade humana, pela educação,

pela saúde da grande maioria do povo brasileiro, que cons-truiu verdadeiramente esta nação. Nada foi feito sem ele, e

poucas figuras da minoria foram realmente indispensáveis.

Sem compreender essa realidade simples e única, que o povo é tudo do Brasil, a minoria dominante, seja civil, seja

a cúpula militar, continuará a adiar a solução, permitindo

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coexistências desiguais e sucessões semelhantes, que aparecem

e desaparecem numa monotonia cansativa.

E preciso saber distinguir entre o essencial e o secundá-rio, para que a coexistência humana no Brasil alcance grau

razoável de paz e felicidade. Não podemos abandonar a es- perança de conseguir objetivos satisfatórios para a grande

maioria do povo brasileiro.

X

Em 1964 houve a inconciliaçõo e a imoderação da

cúpula militar que dominou o Poder e tutelou a nação. Pela

primeira y e z na história brasileira a força dominante não se

conciliou com ninguém, nem com os seus iguais, bastando

fossem adversários do poder. Acreditaram que seriam eternos,

que cessariam os conflitos, os antagonismos, a rivalidade de

interesses, o que só existe nos regimes totalitários e absolu-tos. Não se luta só, escreveu Max Weber, por interesse de

classe, mas também por diferentes concepções do mundo.O mundo fechado do poder, o círculo de ferro ainda

mais cerrado, não pode resolver nenhum dos graves proble-mas econômicos, sociais e políticos que existiam; pelo con-trário, agravou os como era de esperar.

XI

Resumindo, o Poder Moderador fora criado, segundo o

autor da Constituição de 1824, Carneiro de Campos, depois

Marquês de Caravelas, para ser uma espécie de ditadura,

uma ditadura plácida, restringida a certos e bem determina-dos atos. Esse Poder moderava os dois partidos, o Liberal e

o Conservador, que se alternavam no governo. A verdade é

que o Poder Moderador repousou no equilíbrio das forças

militares, a conservadora representada por Caxias e a liberal

encarnada por Osório. Acabado o regime imperial, a repú-blica teve nas Forças Armadas o Poder Moderador conci-liando as divergências políticas, federais e estaduais.

Em 1964, esse Poder deixou de ser moderador, imode

rou se, tutelou tudo e com isso desequilibrou as forças sociais

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(' econômicas da nação. O generalismo, a sucessão presiden-cial por generais de quatro estrelas, acabou com a Repúbli-ca v a Federação, que eram consideradas pela própria Escola

Superior de Guerra como objetivos nacionais permanentes.

XII

Atualmente qualquer conciliação do poder dominante com as novas jorças econômicas e sociais, que foram geradas nos quinze anos de compressão e pressão, só será possível se

for feita lado a lado, num tratamento face a face da minoria dominadora e das forças multinacionais, que dominam cin

qiienta por cento das vendas e desnacionalizam a economia brasileira, com as forças nacionais sociais, o operariado, os

sindicatos, a classe média, os assalariados em geral, professo-res, estudantes, classes liberais.

Quinze anos de economia monetarista, de achatamento salarial, resultaram, com a crise mundial que se reflete ime-diatamente nos países de economia dependente como o Bra-

sil, numa conjuntura dificílima criada não pela maioria, mas

pela minoria que dominou totalmente toda a nação. E por isso que todos sentem que é necessário um novo

pacto social. Em recentes declarações, o ministro Carlos Rischbieter pleiteou um "contrato social" novo "entre o go-verno e os demais segmentos da sociedade", e o projessor Celso Furtado, que se coloca noutro plano, afirmou que "a única saída para a situação presente estaria em modificar o estilo de desenvolvimento, de uma certa forma imposto pela

conveniência alheia". A neoconciliação é o acordo de interesse entre a mino-ria e a maioria, é o atendimento às aspirações da grande maioria, sempre afastada dos benefícios do seu trabalho em toda q história do Brasil, mas sobretudo nestes últimos quinze anos.

* * #

Esta segunda edição sai como a primeira, corrigidos apenas os erros e sem atualização estatística, que pode ser

suprida pelos dados publicados pelo IBGE.

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Não é necessário acentuar a atualidade do tema conci-liação e reforma, bem como o da elegibilidade e do voto do analfabeto.

Assim também foi em Aspirações Nacionais (l.a ed„ Fulgor, São Paulo, 1963), em que se tentou mostrar e aqui desenvolver, não exaustivamente, a tese da história cruenta brasileira, bem como desmitificar a crença na "índole pací-

fica do povo brasileiro" e, consequentemente, a proposição de que o brasileiro é o homem cordial. Os dois livros não esgotam o tema, que será ampliado com as notas e documen-tos que aqui reuni na possível futura “História Moderna do

Brasil”.Quis denunciar a fraude do postulado incruento e cordial, mas creio, verdadeiramente, que o brasileiro é menos cruento que outros povos como, por exemplo, o norte americano, cujas

guerras civis e externas foram cheias de crueza. Assim tam-bém acredito que somos mais cordiais que outros povos, co-mo o francês, por exemplo.

No processo histórico brasileiro houve crueza e incrueza,

cordialidade e hostilidade, numa ambivalência comparável aos períodos libertários e liberticidas que enchem a história de São Pedro dc Rio Grande do Sul com tanta repercussão no Bra- sil republicano.

O que pretendi refutar foi a tese do processo incruento e da cordialidade como comportamentos históricos permanentes do povo brasileiro.

Agradeço a Leda a elaboração do Índice com que enri-queço esta 2.a edição.

Julho de 1980J . H. R.

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Introdução

P um imperativo de nossa época tempestuosa ganhar novas perspectivas no reexame do passado, desfazendo mitos, tendo

o senso da falência da tradição e mostrando a necessidade daousadia e da novidade na concepção política do presente edo futuro. Escreveu R. G. Collingwood que a tarefa dos his-toriadores era revelar “os aspectos menos óbvios da situação presente, ocultos aos olhos descuidados”. A visão retrospec-tiva deve servir, então, para mostrar que certas feições ca-racterísticas de nossa história não são nem acessórias nemfortuitas, pois estão enraizadas no nosso passado.

É assim o caso do capítulo maior deste livro, “A Polí-tica de Conciliação”, pois mostra que o espírito anti reformista dominou nossa história, e a conciliação formal, parti-dária, visava a romper o círculo de ferro do Poder, para queas facções divergentes, os dissidentes, pudessem dele fazer

parte. Quando o acordo, feito sempre sem nenhum benefícionacional e popular, demorava muito, os dissidentes indigna-vam se e conspiravam. Foi esse o papel dos liberais na his-

tória brasileira. Derrotados nas urnas e afastados do Poder,eles foram se tornando, além de indignados, intolerantes, econstruíram uma concepção conspiratória da História, queconsiderava indispensável a intervenção do ódio, da intriga,da impiedade, do ressentimento, da intolerância, da intransi-gência, da indignação para o sucesso inesperado e imprevisto,tal como sucedeu em várias partes, de suas forças minoritá-rias.

A concepção conspiratória da História tem, no Brasil,origens liberais. Foi uma deformação ideológica, só ultima-mente caracterizada e agravada, pois não temos, infelizmente,

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Irmliçilo liberal na fornia curo anicricana, e as próprias cam- panhas liberais só defendiam aspirações reduzidas da classemídia e das eliles dissidentes. Essa concepção se contrapunha

ao mesmo tempo à idéia de que a História era uma aliada davitória inevitável das forças de esquerda. Escreveu DavidRiesman que somente os bolchevistas e jesuítas acreditaminexoravelmente na História. Talvez outros acreditem tambémque a História esteja aliada ao avanço mais ou menos radi-cal, mas as forças de direita, estas realmente descreem econspiram para que seja sua a vitória.

As conspirações visam a interromper o processo normal

da vitória majoritária, especialmente depois das derrotas nasurnas, cujo veredito jamais aceitam, culpando o povo deimaturidade pela escolha. A concepção conspiratória é inter-vencionista, ativista, intromete se no processo para deturpálo ou desviá lo do curso que lhe parece adverso. E assim o processo histórico brasileiro tem sido anormaüzado pela in-tervenção de forças minoritárias, especial mente depois doagravamento do desequilíbrio entre as aspirações populares

e as instituições arcaicas.Ao seu lado — é curioso este fenômeno — as forças

de esquerda, que tanto confiam na concepção escatológíca (ofim eschaton, o último) da História, que se abraçam à fé deque a História, pelo seu próprio curso, ajudará sua vitória fi-nal, evitam a conjuração e procuram normalizar sua ação. Os

primeiros não confiam na retribuição de suas virtudes ou nacondenação de seus erros; e os segundos parecem crer na

posse antecipada dos bens futuros, como um direito de he-rança.

As forças de resistência à mudança no Brasil são tra-dicionais e nelas se destacam a resistência jurídica e parla-mentar, expressões intelectuais da estrutura econômico socialarcaica. A política de conciliação foi quase sempre uma mis-tificação e serviu para tapear o curso do processo histórico;seu aspecto positivo consistiu em amortecer os choques dacaminhada. Ainda assim alternam se as lideranças conciliáveise inconciliáveis e sempre corresponde ao predomínio de umaou outra o processo sangrento ou incruento. Os conciliáveis

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iijuilnram muito — quando faziam concessões e pensavam no povo — n pacificar, a nossa História, contando com o apoiodo próprio povo.

Seria falso, ainda assim, dizer se que nossa História des-conhece o processo sangrento, pois o sofrimento, a miséria ea fome nos acompanham há séculos e_só por isso se pode dizerque há relativa desproporção entre o sangue e o sofrimento.Mas devemos contar com todos estes elementos — que têmsido obscurecidos por uma historiografia a serviço das elitese peio grande desconhecimento da nossa formação.

Uma historiografia não deve falar em nome da Tradi-ção, mas da Verdade, como disse Tertuliano, de Cristo. Sóuma historiografiain staíu pupilari pode ter como missãoengrandecer as elites e empequenecer o povo. Pois é comele, com suas virtudes e seus erros, que temos de contar pa-ra fabricar o destino brasileiro.

As Teses e Antíteses levantam, em forma concisa, alguns problemas históricos, que podem ser úteis à compreensão do

curso de nossa história, de sua lentidão rotineira durante tan-to tempo, e de suas interrupções caóticas. Sei que são con-trovertidas, mas não quero apresentar apenas aspectos indis-cutíveis, e sim questões que suscitem o debate, Um deles éo da estabilidade institucional do Brasil, ao contrário do quevem sendo sempre sustentado. Haja ojque houver, abdicação,renúncias, abolições, mudanças formais dè regime, crises suces-sórias, a estabilidade brasileira é uma rocha. Não muda nada.As instituições econômico sociais permanecem ~as mesmas, in-dependentes dos nomes transitórios que as comandem.

À estabilidade granítica das instituições correspondeuma mera instabilidade governamental. Não é a estruturaque é instável, é a conjuntura superestrutural;é o comandoque vacila, são as finanças que se revelam críticas. E exata-mente porque a estrutura não muda, não se reforma, não se

adapta, não se ajusta às necessidades do tempo e da situa-ção, a instabilidade está sempre presente.Creio ser um equívoco pensar que o mais grave proble-

ma brasileiro se manifesta nas chamadas crises sucessórias,o que leva observadores menos atentos a pensarem na refor

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ma do Poder Executivo, como se Monarquia ou República,Presidencialismo ou Parlamentarismo fossem realmente ca*

pazes de evitar a instabilidade, Há uma relação de compor-tamento funcional entre a estabilidade econômico social e ainstabilidade política e esta só desaparecerá quando aquelaajustar se às exigências da vida brasileira.

Ao contrário do que sustentam alguns políticos brasi-leiros, o parlamentarismo, sem reforma da estrutura econô-mica, só agravará a instabilidade política, pois fragmentará oPoder Executivo, já em frangalhos pelas enormes pressões

estruturais econômicas e sociais. A política nacional do de-senvolvimento exige um Poder Executivo concentrado, eleito pelo voto majoritário, para que possa promover os ajusta-mentos indispensáveis e enfrentar as terríveis pressões inter-nas e externas. E a ideia de um Poder Executivo forte foi um

princípio que predominou na própria Assembléia Constituin-te de 1823, quando se operava a Independência política na-cional, como hoje, quando se conduz um processo global de

renovação e modernização do Brasil.O dissídio entre o Poder e a Sociedade é outra tese que

merece atenção. Depois de tê la escrito foi que, relendo Al| f berto Torres, vi que ele afirmava isso mesmo, ao revelar que: “a separação da política e da vida social atingiu, em nossa

Pátria, o máximo da distância”, e, logo em seguida, que “a^ política é, de alto a baixo, um mecanismo alheio à sociedade,

perturbador da ordem, contrário a seu progresso”.O dissídio se manifesta especialmente na falta de inte-

gração social, pois praticamente dois terços do povo brasi-leiro são marginalizados, vivem na periferia do Poder, nadatêm a ver com ele, não participam da sua constituição, nãotêm vida cívica e sofrem do mais completo desinteresse da

parte dos Poderes.As coisas antigas se passaram, e nunca nada se tomou

novo, porque a liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas vir-tudes nem admirou seus serviços ao país, chamou o de tudo

— Jeca Tatu —, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo

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i|iK' n vi» crescer c cie lhe negou, pouco a pouco, sua aproviiçn», conspirou para colocá lo de novo na periferia, no lu|Jiii <|irc continua achando que lhe pertence.

As lideranças sucessivas, ajudadas pelas elites, foramnetnpre muito conservadoras. O conservadorismo é anticons plialóiio e anti histórico, por essência, nem confia na intervniçào, nem se considera aliado da História, não crê no fu-turo, mas somente no instante presente, participa do dia a diarotineiro e com a fome que traz se farta em comer e devo-rar os pequenos.

A História, para os conservadores brasileiros, era como

um jogo, onde predominavam os caprichos da fortuna. Era preciso jogar muito e como um passatempo recreativo, sujeilo a regras ou combinações, convinha tudo: jogos temerários,

jogos de espírito, lances audaciosos, eventualidades de riscoe todo o seu acompanhamento de ditos espirituosos, cochi-chos, combinações prévias e até cartas marcadas.

O político conservador brasileiro é uma subespécie dehomo ludens e seu jogo é o que há de mais sério, apesar deser uma competição pela vitória transitória. A História nãoestá carregada de sentido futuro, ela é enigmática, real e fal-sa, nobre e infame, fina e grosseira, epítome de enredos, tú-mulo dos atrevidos, e como gira sempre em roda viva, nuncase pode descansar.

Este conservadorismo esperto e satisfeito não tem, comoo nosso liberalismo, nada que ver com o original imitado eu-ropeu norte americano. A minoria dominante — conservadoraou liberal — foi sempre alienada, antiprogressista, antinacional e não contemporânea. Não são criaturas de hoje que as-sim falaram de seus semelhantes de ontem e de hoje. Estesconceitos vivos, até hoje, pertencem a políticos passados, quena hora da paixão nacional sentiram que seu povo blasfe-mado era tido como lixo deste mundo brasileiro e escória detodos.

Felizmente, o Brasil, apesar de dominado por políticosde pequena estatura, pôde produzir alguns estadistas, uns

poucos que comandaram os instantes de criação, emborafossem dominantes em nossa História os instantes de retar

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damento, Mas, de modo geral, a liderança nunca se reconci-liou com seu povo e sempre pôs toda sua fé no julgamentocontemporâneo de seus iguais. Sempre que se agitavam idéias,se debatiam problemas, se propunham reformas, ela agia co-mo aquela personagem da “Teoria do Medalhão” de Macha-do de Assis: “Antes das leis, reformemos os costumes.”

Sugiro neste livro, como já sugeri no meu Aspirações Na-cionais, que o comando nacional sempre pertenceu mais, alongo prazo, aos conservadores mineiros, seguidos de flumi-nenses e baianos. Houve participação de todos, do Nordeste

e do Norte maior ontem do que hoje, mas sempre predomi-naram os conservadores mineiros na distribuição geral dos postos de comando.

A liderança paulista, que em breve período prevaleceu,teve sempre o apoio mineiro, com o qual se revezou. Elaacentuou o desequilíbrio regional e favoreceu a formação dosEstados metropolitanos e coloniais.

A liderança gaúcha, retardada no seu aparecimento, foisempre ambivalente, ora libertária, ora liberticida, ora conci-liável, ora inconciliável. Mas o caudilho no Brasil é um con-ceito vindo da região platina, aceito pela historiografia hispanoamericana e recolhido pelos políticos hostis ao Rio Grandedo Sul ou pelos estudiosos que veem o Rio Grande do Sulcomo o grande e único celeiro brasileiro de ditadores. Asditaduras que sofremos são caudilhescas, ainda as militares, e

não se parecem com as que na Europa se impuseram.O esgotamento das lideranças, o envelhecimento dos par-

tidos, a não contemporaneidade da política brasileira são ou-tros temas tratados nestes estudos.

Os capítulos sobre “O Voto do Analfabeto e a TradiçãoPolítica Brasileira” e “Eleitores e Elegíveis, Evolução dos Di-reitos Políticos no Brasil”, foram, o primeiro totalmente e osegundo parcialmente, publicados no Jornal do Brasil (15, 22e 29 de março de 1964). Limitamo nos a revê los e atuali-zá los era face dos últimos acontecimentos, especialmente daemenda apresentada pelo Governo, favorável ao voto do anal-fabeto em círculo municipal e a elegibilidade dos militares, ex

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1'luítliiN (is praças de pré, A emenda fazia ressurgir um velhorqtilvoco imperial, apontado pelos melhores críticos — a eleiçftn por círculo, pois a concessão do voto municipal só fazuinesquiiiliar o eleitor e fazê lo perder de vista os interessesgerais da nação, reduzindo o às conveniências locais.

A derrota da emenda, enviada sem convicção e aceitacomo decisão definitiva, mostrou que o Governo pretenderaapenas dar uma satisfação à opinião pública mais esclarecida,mas não pretendia realmente, pelo voto, promover a inte-gração cívica dos brasileiros colocados na periferia da nação.Dominado pelas convicções ciceronianas do udenismo ilus-trado e exclusivista, ele parece crer que há uma parte danação destinada a governar e a influir e outra, maior, con-denada a ser governada eternamente e sem esperança.

Pode se, então, repetir o que disse Justiniano José daRocha: “Quando está admitido um regime pelo qual temosde um lado uma classe destinada ao governo e outra a sergovernada, pode se dizer que há nessa nação duas nações di-versas, muitas vezes opostas e até inimigas! A classe excluídado governo e da influência tem todos os incitamentos paralançar se nas mãos da conspiração e da anarquia e se não ofaz, ao menos a obediência é entorpecida pela má vontade,

pelas resistências da inércia, e o governo que deveria ser acoisa de todos é a coisa de alguns e necessariamente contratodos.”

As colisões e antagonismos entre as forças renovadorase a liderança arcaica foram sempre o aspecto político domi-nante no Brasil e daí as monstruosidades sociais e educacio-

nais que presenciamos. O processo histórico brasileiro tem si-do dirigido por espectros num organismo vivo, que é o po-vo, responsável maior pelas maiores conquistas, a unidadelinguística e política, a expansão e integridade territoriais, ahomogeneidade cultural, a tolerância racial e religiosa.

As reforminhas eleitorais foram sempre a via inerte dacaminhada brasileira. Nenhuma reforma foi completa e a

própria Abolição não se concluiu com a reforma agrária,

embora o retardamento tivesse impedido na abolição da escra-vatura a indenização dos proprietários, obrigados a ceder in

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condícionalmcnte. Os remendos dos fósseis são culpados daressurreição dos problemas. Por isso gerações sucessivas, jo-vens c velhos, ouvem sempre falar no “Brasil à beira doabismo".

Num país que tem vivido em estado mercurial, in extre- mis, arrastando se na divergência entre sua minoria alheia ea maioria desintegrada na hora da extrema unção, a mortifi-cação só não se dá devido às qualidades e virtudes do povoe não devido às lideranças dominadoras, que ressuscitam osremendinhos. A intranquilidade destas, gerada pelos sentimen-tos de vergonha e culpa, faz nascer as explosões palavrosas

em defesa da honra própria e de ataques à honra alheia, au-mentando a dificuldade de superar as crises de crescimento.Esquecem se de que a única honra que entra na História é ahonra nacional ou pública.

Deste modo, o processo histórico brasileiro compõe semais de instantes de retardamento que de instantes de acele-ração, e a liderança tem sido mais dominadora que criadora.A metamorfose pode ainda demorar, embora o prazo histó-

rico esteja se esgotando.Da luta entre uma facção composta de condutores ce-gos e outra que prefere conduzir uma caminhada reformistadepende o destino do desenvolvimento do processo históricono Brasil. A primeira é apenas dominadora, a outra é cria-dora. A revolução deve ser a vitória do contemporâneo enão a sobrevivência do arcaico. A Revolução deve ser sem-

pre uma Revelação.

Tudo isto é o tema deste livro e em especial do capí-tulo final, onde se procura mostrar as ligações íntimas deuma economia em desenvolvimento com uma política em de-senvolvimento. As enormes pressões internas e externas, eco-nômicas e sociais, que nos deram quatro Presidentes nesteúltimo período presidencial, revelam que não se trata defenômeno político formal, de suficiência ou insuficiência pes-soal, de mera crise sucessória, de maturidade ou imaturida-de, de luta entre bons e maus, mas que alcançamos os limi-tes históricos permissíveis para uma solução sem explosão.Mesmo porque desde 1956 as estimativas dos economistas

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tliiH Nações Unidas previam as grandes dificuldades que oII uih II leria de enfrentar a partir de 1962, em face da detei l,n ui, Ao das relações de troca, do declínio dos preços dos

pi <k Ii i I os primários e da pressão das dívidas externas. Nem será a aparente calmaria obtida pela força e pelalepiessào que ocultará o estado alarmante da crise. Dizia

Niibuco de Araújo recear mais o ceticismo que o pronuncia-mento, Uma nação não se compõe somente de conformados,mas também de dissidentes, heterodoxos e até de herejes.

Nao há de ser uma política avariada, sectária, dogmática,uniforme, que nos salvará.

A bandeira da reforma, da renovação, da modernização,é uma bandeira nacional, não pertence a grupos, deve rom- per as barreiras sociais e associar todos à missão comum,evitando as interrupções caóticas e fazendo voltar o Poder àsua legitimidade através do voto popular.

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Parte I

Opus me à conciliação como bandeira, por-que logo receei alguma mistificação; a nação,

porém, tomou a a sério', porque de fato ha-via cansaço e o caráter brasileiro tende sem-

pre para fraternizar.

B a r ã o d e S ã o L o u r e n ç o

Senado, junho de 1864

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C M T I U L O I

A políuca de conciliação: liisfórta cruenta e incruenta

Por mais que se meta em consideração as circunstâncias do tempo, do lugar, do gênio do povo, dos seus conhecimentos, de suas in-clinações, falham os cálculos, desmoronam se os edifícios, inutilizam se os trabalhos e só se colhe o conhecimento de que se não acertou e que o coração do homem é um abismo in-

sondável e um mistério que se não sabe en-tender.

F r e i C a n e c a .

1 ° de abril de 1824. Obras, Recife, 1875, pâg. 507.

A s ORIGENS DA CONCILIAÇÃO

O espírito de conciliação tem origem antiga. Data dos pri-

meiros contatos luso indígenas. Quando os portugueses chega-ram ao Brasil calcula se em um milhão e quinhentos mil onúmero de indígenas que aqui viviam, divididos em numero-sos grupos tribais e linguísticos. Os portugueses pensaram, a princípio, como escreveu Caminha em sua saborosa Carta,que “a esta gente não lhes falece outra coisa para ser todacristã, senão entender nos”. E começaram, logo nos primei-ros dias, aquele método de dissolução cultural com que pen-

savam amansá los. Não fora assim na tndia, com Vasco da Gama, nem as-sim o fará Cabral, Às resistências opostas, uma terrível vio

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lOnciii citsimiriíi que o Poder é Poder c que Portugal repre-sentava na época, ao abrir a Fronteira Mundial, o maior Po-der agressor mundial. Na índia um e outro aplicaram verda-deiros terrorismos às populações desobedientes. Aqui espera-vam não usar da violência. Mas o medo, que gera a violên-cia e a agressão, já estava em Caminha, ao dizer que “osíndios andavam já mais mansos e seguros entre nós, do quenós andávamos entre eles”.

E assim foi durante longo tempo. Uma desafeição geralcontra a terra e a indiada dominava a gente portuguesa; um

ódio incontido contra o gentio levava a a praticar as maioresiniquidades, como as que praticaram Mem de Sá e Jerônimode Albuquerque, ao mandarem colocar à boca de bombar-das, feitos em pedaços, os índios que mataram cristãos.

Foi, portanto, na base do terrorismo, feito aqui, na ín-dia e em África, que se impôs a paz cristã, que se sujeitoutodo o gentio à lei dos colonos. Tirar o_medo aos cristãos,senhorear o gentio pela guerra, amedrontá lo com grandesameaças, domá lo e metê lo no jugo e sujeição, tomar suasterras e roças e reparti las pelos colonos. Aí está um quadrosumário dos contatos luso indígenas do primeiro século, queensopou nossa terra de sangue indígena, apesar dos esforçosda catequese jesuítica, sempre mais lembrada e louvada por-que é a história triunfante e oficial.

OS TRÊS TIPOS DE POVOADORES

Antes da vinda dos negros, imposta pelas necessidades eco-nômicas da plantação e fabrico açucareiro, pode se dizer,também em traços sumários, que nestes contatos iniciais os

primeiros povoadores subordinaram se a três tipos, como en-sinou Capistrano de Abreu: o primeiro, que não reagia aomeio e tomava todos os hábitos dos brasis, furava lábios eorelhas, matava os prisioneiros segundo os ritos e comia suacarne, como certo espanhol, encontrado entre os potiguares;o segundo era voluntarioso e indomável, como João Rama

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Ilm n ipiceiio, nem descia ao batoque, nem se alçava aovivendo bem com europeus e indígenas: é Diogo Ál

vdi tm, o < ‘mi i im ir i i .

P,m, ( ’npístrano, o primeiro tipo, uma anormalidade,iiiiii |i,nli'itii continuar; o segundo poderia generalizar se, é domliiiiiili' mi época das violências e guerras, mas não poderiailmiu. apesar dos esforços empregados pelos jesuítas e dasameaças dos franceses, que lhe dão vigor. Mas é o terceiro,o conciliador e transigente, luso baiano, que sobreviverá, e damui sobrevivência resultam conseqüêndas permanentes na psicologia do povo e da liderança brasileiras.

A vinda dos escravos negros em massas sucessivas, atéulliigir mais de 3 milhões, não modifica o quadro, pois re-força as divergências, aguça o desentendimento e fortaleceo segundo e o terceiro tipos de povoadores portugueses agoracom nova frente de batalha para impor sua cultura e seusmétodos.

Todos estavam separados e pareciam irredutíveis. Dis-tinguiam se os nascidos na Metrópole e os nascidos aqui, rei

nóis e mazombos; distinguiam se os africanos de lá e os decá; moleques eram os de aquém mar e crioulos, os nascidose criados aqui; distinguiam se os índios convertidos e selva-gens; caboclos, primitivamente, eram os catequizados.

Iniciado o desmoronamento da cultura indígena, desen-raizado também o negro de sua cultura, aqueles dois tiposeram tidos como modelos e imitados nos seus princípios po-líticos e sociais. E a imitação pela minoria dominante colo-

nial dos dois tipos, o indomável ou o conciliador, dependiada conjuntura, das circunstâncias políticas e econômicas.Guerras e guerras sem dó, sem piedade cristã, exterminarammais que integraram os povos indígenas. Desde Nóbrega e Anchieta, Gabriel Soares de Souza e Frei Vicente do Salvador,as tiranias portuguesas, as maldades cristãs, os horrores in-dígenas, as guerras do gentio e contra o gentio ensoparam desangue a terra.

Em 1584, escrevia o Padre Luís da Fonseca: “A genteque de 20 anos a esta parte é gastada nesta Bahia, parececousa, que se não pode crer, porque nunca ninguém cuidou,

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que liinlu jjcnlc se gastasse nunca.” “Vão ver agora os engenlios e fazendas da Bahia, achá los ão cheios de negros da

Guiné e mui poucos da terra e se perguntarem por tanta gente, dirão que morreu.”

A S ORIGENS DA LIDERANÇA. C o m p o s i ç ã o e c o m p o r t a m e n t o

A vitória do tipo João Ramalho, violento, indomável, pareciafadada a destruir aquela multidão de nações que povoavamo Brasil. As guerras contra tabajaras, potiguares, aimorés, tamoios, caetés, contra índios de todo o Brasil, mostram o as-

pecto demoníaco das horas de vitória do voluntarioso, o es-magamento do indígena e a dureza portuguesa.

No poema sobre os Feitos de Mem de Sá, erroneamenteatribuído a Anchieta, se canta:

“Quem poderá contar os gestos heróicos do Chefeà frente dos soldados, na imensa mata: cento e sessentaas aldeias incendiadas, mil casas arruinadas

pela chama devoradora, assolados os campos,com suas riquezas, passado tudo ao fio da espada.”

Os momentos cruentos ou incruentos de nossa história de- pendem do triunfo de um ou outro tipo, na composição dogrupo minoritário dominante português, branco, europeu.Traziam os portugueses para impor à terra selvagem deslei-xada e remissa a subcultura ocidental, que se dissolvera, aocontato de tantas impurezas, de uma terra e de gente tão de-senfreada. Os momentos criadores são aqueles em que o tipo

conciliador, “diante daquele povo novo de Cristo redimidocom seu sangue”, dele de Cristo e dele gentio, e dele domi-nador, vence e compõe a minoria dirigente.

Uns e outros alternam se no mando, e pode se dizerque até o fim do século XVIT a minoria vacila nos seus mé-todos de imposição cultural e política. Mas aos poucos, pela

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Iiilliii*ni In «tu itialorlu, pela vitória ela miscigenação, da tolcMinln imlul, da criação do gado, das bandeiras, misturando poli* a iiilluiu, expandindo, pelos pés próprios e não os

iilhtqn« ou rxeinvox, a lerra, obra de mamelucos e caboclos,indo Iniluillio, que foi mais do negro escravo que do brancoilvii', im concilimloies, os Diogos Álvares do Brasil, foramfilHItli iiiiilo, foram caminhando pela vida, alheios ã maldade,iili'iilnii a inocência, convencidos de que o bem desta terra era aO l ll C t l ip iCM I .

( 'um a sua vitória na composição da liderança, ganha-vam lodos, a lerra e a gente, que já fabricara para seu uso

lima Miilcsc nova, uma cultura própria que dia a dia mosI Hl vil que o Brasil já não era uma caricatura de Portugal.I oi, portanto, a maioria — os indígenas vencidos, os negrosi ativos, os mestiços de todas as cores — que impôs, ajudada pela natureza, pelo tempo e pela minoria conciliadora, a sin-gularidade, a originalidade e a individualidade que desde osfins do século XVIII começam a caracterizar o Brasil, dese-

joso, desde então, de sua liberdade e independência.

Assim como houve dois tipos dominantes na composi-ção da liderança, houve também duas culturas na sociedade brasileira. A maioria, embora obrigada a sujeitar se a umacultura formal e processual, legal e política, de caráter oci-dental europeu, imposta pela minoria, fabricava, substancial-mente, da contradição entre a tese portuguesa e a antíteseda natureza, dos índios, negros e mestiços, uma síntese novac original. Pois não são só os vencedores que determinam oconteúdo do processo histórico, e apesar do europeísmo e lusitanismo vitorioso e dominante na aparência das formas so-ciais, o substrato era novo, era o Brasil que nascia.

C o n f o r m i s m o e i n c o n f o r m i s m o p o p u l a r c o l o n i a l : h i s t ó r i a c r u e n t a

Se, de modo geral, prevalece da parte do povo o espírito deconciliação, que se manifesta na unidade linguística, na mes

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tiçagem, na tolerância racial e nas acomodações que atenuamos antagonismos sociais, seria falso sustentar que seu com-

portamento foi sempre conformista. Lutas sociais sem fim ccom grande derramamento de sangue mostram as divisões in-conciliáveis e os comportamentos inconformistas. A Guerrados Bárbaros (1688 1691) prossegue as campanhas de ex-termínio indígena do primeiro século. Travadas no RioGrande do Norte, quando os índios resistem à expropriaçãode suas terras, e terminadas com terrível morticínio, conde-nado pelas autoridades eclesiásticas, elas se efetuam em todo

o país. Outro exemplo de lutas sangrentas, já então no sé-culo XVIII, é a guerra do gentio Paiaguá (1732 1736), or-denada por provisão régia, mais tarde repetida contra todosos índios bravos, especialmente os botocudos, em 1808. Asguerras ofensivas no Mato Grosso, em Goiás e Minas Ge-rais exterminaram os grupos indígenas, e não só por isso,mas por isso também, Capistrano de Abreu escreveu ao es-tudar o povoamento do sertão, muito mais importante queos episódios da ocupação da costa, que “os alicerces assen-taram sobre sangue, com sangue se foi amassando e ligandoo edifício e as pedras se desfazem, separam e arruinam” .

As lulas sangrentas pela posse da terra, pela expulsãoindígena, de latifundiários e latifundiários e destes com ossertanejos fizeram também correr muito sangue. Foi somen-te em 1699 que se tentou impor ordem àquele campo de

batalha quotidiano. O crime no sertão, onde reinou sempremais respeito pela propriedade que pela vida, as lutas de fa-mílias oligárquicas mancharam de sangue os alicerces sociaise com sangue se foi formando a consciência política.

Nem foram menores a violência, a crueza e o sanguedas guerras contra quilombos negros, mineiros, baianos, ca-riocas e pernambucanos; o de Palmares suportou 17 expe-dições punitivas, na última das quais, em 1694, foi cercado

por 3.000 homens, e custou inumeráveis vítimas e muitosangue; quilombos do Rio de Janeiro, no século XVII, fo-ram também afogados em sangue. Revoltas populares de co-lonos contra excessos fiscais, favores e privilégios foram su-

primidas cruentamente, como no Rio de Janeiro, em 1660,

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tjHimilo foi enforcado Jerônimo Barbalho e sua cabeça san((iHilH foi exposta no pelourinho; ou como no Maranhão, emIhN l, (tinindo Manoel Bequimão e Jorge Sampaio foram de

iiipiimlos c Francisco Dias Deiró foi supliciado em efígie.Sc as lutas em Minas Gerais, entre paulistas e emboabas(I70K I709), e as atrocidades do Capão da Traição forammonos cruentas do que se costuma supor, a Guerra dos Masi ales (1710 1711) custou 150 vidas, 80 feridos e 490 pre-sos, cm Vila Rica, nas duas sublevações de 1720, uma eoutra cruentas, o Conde Assumar teve mais de 2.000 ho-mens para rebater os sublevados e acabou enforcando e es-

quartejando Felipe dos Santos e queimando as casas dos principais revolucionários; no motim militar de 1728, naBahia, dos 23 réus, 7 foram condenados à pena de morte,sendo os dois chefes esquartejados e os demais sofreramaçoites e degredo por toda a vida para Benguela e Angola;em 1792, os chefes do movimento da Conjuração Mineira(1789) foram degredados para a África, mas Tiradentes, o lí-der radical que não negou haver premeditado o levante, foi

enforcado; “seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames prá-ticas, e o mais nos sítios de maiores povoações, até que otempo também os consuma’’, e infamado o réu, seus filhose netos, “e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasadae salgada, para que nunca mais no chão se edifique” ; em1798, na revolução social, em Salvador, dos 32 implicados fo-

ram condenados à morte, executados e esquartejados4 mo-destos patriotas que sonharam com a liberdade nacional;lembramos também o martírio do preto da liberdade Isidoro,nas Minas Gerais, em 1809, as insurreições dos negros Haussás, na Bahia, em 1807, 1809, 1813 e 1816, com váriosmortos, suicídios, açoites, degredos e condenações à morte;as lutas indígenas de 1813, no Araguaia, com muitos mor-tos; finalmente, em 1817, na primeira revolução da indepen-

dência, em que combateram mais de 5 mil homens e quedeu aos brasileiros mais 2 meses de efetivo exercício do go-verno, perderam a vida mais de 350 pessoas nos combates,

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especialmente na batalha de Pindoba, afora os mortos nasruas, os “suicidados” falecidos nos cárceres, degredados, eos 4 arcabuzados na Bahia e 9 enforcados em Pernambuco.

Essas explosões de sangue mostram o inconformismo do povo, o radicalismo da liderança popular e a violência ecrueza da repressão pela minoria dominante. A fase colonialnão valida a tese da tradição política pacífica, que uma his-toriografia oficial vem sustentando para abater os impulsos derevolta e para satisfazer as esperanças da minoria domina-dora.

É certo que esta encontra sua justificativa na pouqui-dade relativa das lutas, comparadas às de outros países ame-ricanos e especialmente em face da conciliação que se efe-tuava não nos quadros superestmturais da política, mas natolerância cotidiana e na mestiçagem desenfreada que promo-via a unidade essencial do povo brasileiro.

Mas, em conclusão, pode se dizer que foi a massa in-dígena e negra, mestiça e cabocla, a que mais lutou e a que

mais sofreu a repressão violenta, pois era a que tinha maio-res reivindicações sociais; ela foi ambivalente no seu compor-tamento, essencialmente conciliadora nas relações humanas eora conformada, ora inconciliável nas relações políticas ousociais; mais. tarde passou a contar com a colaboração desucessivas lideranças populares radicais que a conduziram para revoltas violentas, suprimidas com crueza e que torna-ram cruenta nossa história, pelo sacrifício pessoal de líderese de gente do povo.

A LIDERANÇA OFICIAL COLONIAL

No fim do período colonial já se podiam ver alguns frutos positivos e alguns resultados negativos. Para começar porestes, a liderança, mesmo a que conciliava, aparando as ten-sões mais graves e ameaçadoras, foi sempre privilegiada e

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nrtmloxu. Por isso Capistrano de Abreu escreveu que o povofui cupado c sangrado. A pequena minoria dominante é oullniiMiiariiia, vem e vai logo que o serviço ou fortuna lhe fez

it mercê (|uc desejava, ou vice real, intransigente defensorados inlcrcsscs reais, metropolitanos, mais serve ao Rei e àMetrópole que ao Brasil e aos colonos.

Disse em 1640 Antônio Vieira, o mais famoso pregadorque o Brasil jamais ouviu, que “desfazia se o povo em tribu-tos e mais tributos, em imposições e mais imposições, emdonativos e mais donativos, em esmolas e mais esmolas, eno cabo nada aproveitava, nada luzia, nada aparecia. Por

quê? Porque o dinheiro não passava das mãos por onde pas-sava. Muito deu em seu tempo Pernambuco; muito deu e dáhoje a Bahia e nada se logra; porque o que se tira do Bra-sil, tira se do Brasil; o Brasil o dá, Portugal o leva”. E ani-mado concluía que “tudo o que der a Bahia, para a Bahiahá de ser; tudo o que se tirar do Brasil, com o Brasil se háde gastar”.

Seria sem fim lembrar nos das palavras de censura com

que Vieira castigou a minoria transmarina, vice real, alheadado Brasil. “Os mais velhos que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, e, quando menos, ouviríeis murmu-rar aos passageiros nas canoas, e muito mais lamentar aosmiseráveis remeiros delas, que os maiores que cá foram man-dados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, odestruíram; porque toda a fome que de lá traziam, a farta-vam em comer e devorar os pequenos.”

A opulência e a abundância das riquezas promovidas pelo trabalho da maioria, negros escravos pelas plantações efábricas de açúcar, na lavra do tabaco e nas minas de ouroe diamantes, caboclos e índios, cultivando pelos sertões os pastos cheios de gado, e preparando os couros e selas envia-dos a Lisboa, não serviam a eles, mas a estas minorias do-minantes e alheias, e aos estrangeiros que já então sujeitavamPortugal.

Assim, podemos tirar desde já três conclusões: primeiro,que os momentos históricos, de criação e trabalho, na frenteinterna, dependem da preponderância do elemento concilia

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dor, dos Diogos Álvares, na composição da liderança oficial;segunda, que a maioria foi sempre sofrida, e sempre viu des-feita sua esperança de melhoria, porque as concessões foram

sempre mínimas, já que a minoria desservia o país, servindoà Metrópole; terceira, que as maiores construções são fruto popular: a mestiçagem racial, que criava um tipo adaptadoao país; a mestiçagem cultural, que criava uma síntese nova;a tolerância racial, que evitou o descaminho dos caminhos;a tolerância religiosa, que impossibilitou ou dificultou as per-seguições do Santo Ofício, permanentes até os meados doséculo XVIII; a expansão territorial, obra de mamelucos, pois o próprio Domingos Jorge Velho, devassador e incorporador do Piauí, não falava português; a integração psicosso-cial, pelo desrespeito aos preconceitos e pela criação do sen-timento de solidariedade nacional; a integridade territorial,defendida das ameaças estrangeiras, na costa e no sul; a uni-dade da língua, ameaçada pelo bilingüismo em São Paulo eno Amazonas, onde mais se falava o tupi que o português;e, finalmente, á “opulência e riqueza do Brasil”, de que fa-lava Antonil, a ensinar o segredo do Brasil aos brasileiros,nas vésperas das lutas pela independência, eram frutos dotrabalho do povo.

E o que fez a liderança colonial? Não deu ao povo se-quer os benefícios da saúde e da educação, o que levou An-tônio Vieira a dizer: “Não sei qual lhe faz maior mal ao

Brasil, se a enfermidade, se as trevas.”

A MESTIÇAGEM

Passados três séculos, o Brasil era menos euro ocidental quese pode pensar. Fôramos tupinizados, africanizados, orienta-lizados e ocidentalizados. A síntese de tantas antíteses era o produto singular e original que ia se constituir numa naçãolivre e independente. O processo histórico que inicialmente

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Itiin ilUi ilinlniiílor, por imposição da maioria dominadora,aceitando traços culturais não euro ociden

ImU, »• iiioMuindo, assim, que o conteúdo do processo histólltti itflo é determinado exdusivamente pelos vencedores.

Id rnlAo o processo de mestiçagem tinha feito sua obraií |ii pioporçóes incomparáveis com qualquer outro país, emipiulqucr continente. A composição racial da população, àsnSjinns da Independência, mostra que dos 3 milhões e 800mil Habitantes, 1.930.000 eram negros, 1.043.000 eram

brancos e meio milhão eram pardos.Km 1807, na Bahia, .52% eram negros, 28% brancos

c 2(1% pardos; em Minas Gerais, em 1821, dos 696 mil ha- bitantes livres e escravos, 271.500 eram negros, 171.500 mu-latos e 153.000 brancos; no Rio de Janeiro, em 1817, a po-

pulação negra superava a branca. Mesmo em áreas brancoüipinizadas, como São Paulo, a população negra e mestiçaviera sempre crescendo, do fim do século XVII1 aos come-ços do XIX; em outras zonas tupi, como o Amazonas (Rio

Negro e Pará), a mestiçagem branco indígena tinha sua sig-nificação e mesmo no Rio Grande do Sul, em 1802, para55% de brancos, havia 34% de pretos.

A população brasileira era uma síntese das três etniase de sua miscigenação, e poucos, pouquíssimos poderiam fi-car imunes à mestiçagem cultural. Além dessas influênciastupi africanas que se fizeram sentir ao longo do processo detrês séculos, uma outra corrente também se impusera. Dro-gas e frutos do Oriente, vindos nas naus da índia e de Ma-cau, modificavam a paisagem brasileira, com as palmeiras, ocoqueiro, a jaqueira, a amendoeira, o tamarindo, a carambo-la, o jambo e a pimenta, impropriamente chamada do reino.Os portos do Brasil não eram, até 1730, estação de pouso

para os navios de carreira da índia, mas daí em diante um próspero comércio afro asiático brasileiro levou para o Orientealguns produtos brasileiros, como farinha e tabaco, e trouxetecidos de seda, nanquins, musselina, e mais o leque, a ben-

gala e certos traços arquitetônicos chineses. Foi por isso queo cientista viajante Martius notou, entre 1817 e 1821, certoar asiático na paisagem e na arquitetura brasileiras.

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A RE E UROP EIZAÇÃO

A vinda de D. João em 1808 promoveu uma nova europei-zação do Brasil, não só com a entrada livre d e brancos eu -ropeus, mas de costumes e usos, de tal modo que o mesmoMartius observou que a considerável imigração européia de-via “imprimir uma mudança nos característicos dos habitan-tes, de modo que a existente relação quantitativa de bran-cos e pretos e mestiços ficou invertida”. Datam daí modifi-cações no quadro profissional, melhorando ofícios e artes,modificações essas exigidas pelas transformações econômicase pela própria evolução da técnica, como nos hábitos alimen-tares, e da moda, umas e outras mais devidas à influênciafrancesa, afora, é certo, a evolução do comércio, devida aosingleses,

Se, na verdade, estes novos estímulos europeus se re-fletem mais na liderança que no povo, este não deixara de

sentir seus efeitos. Data daí, então, o vezo de olhar mais para a Europa que para o Brasil, com a diferença essencial,no caso, que antes buscava se em Portugal o modelo. Ora,■Portugal já era uma das subculturas ocidentais européiasmais atrasadas — mais próxima, portanto, do Brasil, enquan-to a França e a Grã Bretanha, os novos modelos da lideran-ça nacional que fará a Independência e comandará o país,ofereciam estilos superestruturais difíceis de se aplicarem a

uma nação imberbe.A imposição em massa de formas e métodos euro oci

dentais não podia deixar de dar maus resultados, e quemlutou contra isso foi o Patriarca José Bonifácio, cujas ino-vações, inspiradas na realidade nacional, o levariam, maistarde, à cadeia e ao exílio. Uma ocidentalização maciça, sematenção para as realidades e os problemas especificamente

brasileiros, levou a concessões terríveis, expressas nos Trata-dos de 1826 e 1827, que alienaram do Brasil o Trono e aminoria dirigente, e os lançaram no inferno da Abdicação.José Bonifácio, em toda sua obra prática de estadista, nãoquer recorrer apenas ao figurino estrangeiro, mas afirma o

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xi'ii |iiii|u>nllo c o seu apego ao essencial, ao vivo, ao coniHHpoi Zinco ilo Brasil. Ele reencarna os Diogos Álvares datuloiild, no espírito conciliador com que quer integrar eleiiiHilos novos à realidade brasileira.

A I.IDIt RANÇA NA INDEPENDÊNCIA: HISTORIA CRUENTA

Assim como se alternam na composição da liderança os mé-todos de comportamento transigente e intransigente, assimtambém algumas personalidades são ambivalentes, ora con-ciliáveis, ora inflexíveis. José Bonifácio, por exemplo, variaconforme as circunstâncias históricas: a princípio não quera separação, quer a unidade de dois Impérios livres; depoisé rigoroso e inflexível e a Guerra da Independência é diri-gida por ele até a vitória de 1823 na Bahia.

José Bonifácio foi sempre intransigente quando se trata-va do interesse nacional; bateu se contra a admissão de ofi-ciais portugueses no exército brasileiro, contra a nomeaçãode portugueses nos lugares de confiança, evitando a prete-rição dos brasileiros, chamados pelos áulicos de “negros” e“botocudos”. Os vários motins de 1821 no Ceará (14 deabril), Rio de Janeiro (21 de abril), com muitos mortos e

feridos, no Maranhão (30 de abril), na Bahia (3 de novem- bro), em Vila Rica (20 de setembro), os motins e desor-dens de 1822 no Pará, Rio Grande do Norte, Pernambuco,revelam os inconformismos populares e as intransigências daslideranças radicais, dispostas a uma solução não compromissória. O Fico, em 9 de janeiro de 1822, e a Guerra daIn-dependência são dois momentos construtivos de nossa His-tória, ambivalentemente incruenta e cruenta.

A Guerra da Independência tem sido apoucada paravalorizar a obra da Casa de Bragança, para sofrear o papeldos brasileiros e de José Bonifácio, e, finalmente, para fa-vorecer o congraçamento luso brasileiro. O resultado é que

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movimentos de massa militares comparáveis aos dos grandeschefes libertadores da América do Sul, como Bolivar e SanMartin, não têm recebido o destaque merecido.

A historiografia latino americana e mesmo a norte ame-ricana não falam da nossa Guerra da Independência, comose a nossa libertação fosse uma dádiva portuguesa. Se Boli-var, em 1824, chegou a dirigir 9.000 homens entre colom-

bianos e peruanos, se San Martin, em 1817, contou com8.000 homens, na Guerra da Independência da Bahia as tro-

pas brasileiras atingiram, em abril de 1823, 11.000 homens,

dos quais 7.000 comandados por Pedro Labatut, em Pirajá;e, no Maranhão, mais de 8.000 combatentes lutaram pelaIndependência,

Houve, aqui, como em toda a América, grande derra-mamento de sangue. A esquadra que Cochrane comandou eracomposta de hl a is de 9 navios e mais de 2.000 praças. Co-mo, pois, dizer se que nossa Independência foi uma concilia-ção sem derramamento de sangue?

Os combates na Bahia, a mortandade de Itaparica, aalma de Joana Angélica e o capelão sacrificado a coices deespingarda desmentem as interpretações frouxas. Além disso,José Bonifácio foi também inflexível e não se acomodou, co-mo mostrou o motim de São Paulo, provocando, em cadeia,sua demissão, prisão e exílio. Mas José Bonifácio foi conci-liador ao propor tantas reformas fundamentais que teriam,

talvez, evitado que tanto sangue corresse durante a Regência.Com D. Pedro I, desassistido de José Bonifácio, voltam

a dominar as pretensões antinacionais, como escrevia SalesTorres Homem, em 1849. A luta entre ideais de ordem e deliberdade, que dominaram o Império, mais que os de refor-mas e de progresso, teve então seu início. Cruéis dissensõese lutas sanguinárias — não há autor ou político da época

que não mencione sempre a sangueira da vida brasileira —■afligem o país. Aspirações republicanas, bandeiras de _liberdade e reformas, insatisfações populares entram em conflitocom os ideais de ordem, apenas ordem, que desejam todosos privilegiados, travando o processo histórico.

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Att antagonismo tias aspirações juntava se a aversão aos|HMliijíucscs que então ocupavam as primeiras posições soi I ii I n e gozavam da maior influência, c “por mais liberal que

0 pnrUiguês fosse em sua terra, no Brasil era profundamente1 i i r c u i i í / a " , Esse antagonismo era ainda exacerbado não só

pelo legado da ambição portuguesa da guerra da Cisplatina,que fomentava os descontentamentos com os encargos pecunlliiios e com o recrutamento, como pelas repercussões quen sucessão portuguesa tinha no Imperador, envolvendo, as

Nim, todos os brasileiros.Por tudo isso, os motins, as lutas, as revoluções san-

grentas que ferem de morte o povo brasileiro, nas lutas pósindependência não são meramente políticas, mas sociais, co-mo viu o conservador Justiniano José da Rocha. Os movi-mentos radicais são frutos de um povo desesperado nas suasaspirações. Lideranças oficiais agressivas e inconciliáveis fa-zem nascer as lideranças populares radicais e a históriacruenta.

A Revolução da Independência firmara o princípio dasoberania popular e o poder constituinte era parte integral dasoberania da nação. A usurpação da soberania popular peiareal significava a restauração do passado. “Donde vinha aPedro I autoridade de assim confiscar os poderes da naçãoque se constituía?”, pergunta Timandro (Sales Torres Ho-mem). “A resistência e a gueTra civil”, continua o liberal ra-dical de i 849, “estavam pois contidas como conseqüênciasindeclináveis no atentado da dissolução da Constituinte, e noregime abominável, com que se tornou em seguida cada vezmais flagrante «...antagonismo entre o trono e a liberdade,entre o espírito nacional e o interesse recolonizador”. Não ésomente a Confederação do Equador que exprime os anseiosde liberdade e de expressão popular. O movimento popularmilitar no Rio Grande do Sul (19 de maio de 1823), as lu-tas no Pará (1823 1824), as revoltas negras dos Nagôs naBahia, de 1822, 1826, 1827, 1828, 1830, os motins de Per-nambuco em 1823, o assassinato, em 1830, de Libero Badaró, em São Paulo, as indisciplinas nativistas, como a dosPeriquitos, na Bahia (25 de outubro de 1824), com dois

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condenados à morte, o assassinato de José Egídio CordílhoVeloso Barbuda, Visconde de Camamu (Bahia, 1830), a se-dição militar contra ò \ General Calado (Bahia, 1831), dois

presidentes depostos e 6 motins na Bahia em 1831, e, final-mente, a Noite das Garrafadas em 14 de março de 1831mostram o inconformismo dos vários grupos sociais, cansa-dos de opressões, de degradações, e que antepunham, nalíngua do Libelo do Povo, de Timandro, “seu país a um ho-mem e a liberdade à tirania”.

Se a revolta das tropas estrangeiras, com cenas de ter-ror e de sangue, exasperava a população, dava lhe também,como escreveu Justiniano José da Rocha, “o segredo da suaforça, dos elementos destruidores que poderia dispor na horadas lutas populares”. Era um processo lento e cruento de in-tegração nacional que se desenvolvia nessas lutas populares.E o quadro era sempre o mesmo, sombrio e desolador. “As peripécias variavam, mas persistia o espetáculo lastimoso dum povo, na aurora da sua existência autônoma, dividido pela

cobiça de facciosos, brutalizado pelo militarismo, ameaçado por vezes da explosão da luta de raça, flagelado pelos hor-rores da anarquia, debatendo se, enfim, no torvelinho deconvulsões diárias, em que soçobrou a genuína aspiraçãoemancipadora e do qual emergiram triunfantes as conveniên-cias dinásticas”, escreveu Alfredo de Carvalho.

Os motins de fevereiro (21 a 28) de 1823 em Pernam- buco são um exemplo. Neles uniram se o radicalismo in-

transigente, o negativismo exaltado, a indisciplina militar e o preconceito racial. As quadras que então cantavam traduziamsuas aspirações coletivas, discriminatórias, antiportuguesas,antibrancas e anticaiadas (os embranquecidos):

“Marinheiros e caiadosTodos devem se acabar,Porque só pardos e pretosO país hão de habitar.”

Embora a mortandade fosse insignificante, o número deferidos atingisse apenas meia dúzia e os estragos materiais

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foNitem reduzidos, o movimento era uma explosão incontidade classes oprimidas, e não apenas “assanhamento desordeiro". Se alguns desses movimentos podem revelar, como es-creveu Sílvio Romero, os elementos selvagens ou bárbarosi|Ue repousam no fundo étnico de nossa nacionalidade, averdade é que noutros dominavam aspirações republicanas,anseios democráticos.

Ouando o Poder — no Brasil tão dissociado da sociedade — representado por Pedro I , . por instinto de conservação,como escreveu Justiniano José da Rocha, ou por usurpaçãotios direitos do país, como interpretou Sales Torres Homem,reagiu contra toda a expansão democrática e republicana,dissolvendo a Cqnstituinte, e quis governar sem respeito àsoberania popular, a Confederação do Equador foi a res-

posta popular, como o fora 1817. Uma resposta com progra-ma e estilo político definidos, longamente preparados pela

pregação radical de seu principal mártir, Frei Joaquim doAmor Divino Caneca.

O radicalismo brasileiro, que teve sua grande expressãono Império em Frei Caneca, origina se de correntes mamelucas, como escreveu João Ribeiro, e vê o interesse nacionalnão só na União, mas no Povo. Não se pede em nome doSenhor aquilo que se pede contra a Salvação, ensinava FreiCaneca, antes do martírio, repetindo Santo Agostinho.

Como se pode pedir a este povo, em gerações sucessivas e seculares, que aguente a mão, que se não impaciente,que se aquiêtêpènquanfõUás fronteiras dos privilégios exclu-sivos são mantidas? Nem em Pernambuco, dizia Frei Cane-ca, “há partido do governo, e governe quem governar, sejanobre ou mecânico, rico ou pobre, sábio ou ignorante, da

praça ou do mato, branco ou preto, pardo ou caboclo, sóhá um partido, que é o da liberdade civil e da felicidade do

povo, e tudo o que não for isto há de ser repulsado a ferroe fogo”.

E ferro e fogo usou a liderança de então para abafar asrebeldias populares. Por isso ele falava numa “resistênciamacha”, porque “os interesses, a felicidade e a glória do Im-

pério são e serão sempre os interesses, a felicidade e a gló

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ria deste brioso povo”. Ele nao estava voltado para figuri-nos estrangeiros e buscava nas raízes da nossa formação aslições da sua política. Por isso, ainda, disse que “o Brasilnão é Europa, seu clima, sua posição geográfica, a exten-são de seu território, o caráter moral do seu povo, seus cos-tumes e todas as demais circunstâncias devem influir no fu ,turo de sua constituição. . . Nossa constituição há de ser

brasileira no espírito e no corpo. O nosso Império há de ser.brasileiro por dentro e por fora, não queremos impérios hi- pócritas, que mostrem uma coisa no exterior e tenham outrano interior. Não queremos uma constituição para o Brasilconforme o espírito político da Europa”.

Outro radical brasileiro, patriota ardente e nativista,Cipriano José Barata, que viveu de prisão em prisão, escre-via na Sentinela da Liberdade que se invocavam pretextosinfames horrorizando o povo, para conservá lo abraçado '“ao

statu quo das coisas”, como, por exemplo, o epíteto derepublicano que era então “a injúria mais atroz, o apodo mais

ferino que o ódio ou a vingança pode cuspir nas faces dumcidadão”; dele serviam se com vantagem para descrédito dosadversários no poder todos os partidos alternadamente emoposição. Os próprios líderes da Confederação corriam a

protestar pela imprensa toda vez que eram acusados de re- publicanos.

“Essa acusação de republicano”, escrevia Lopes Gama,no Conciliador Nacional, em 1823, “é máxima sediça, queenjoa de morte. Como saibam, quanto horror tem este povoaté ao nome de Democracia, em querendo indispor os maishonrados cidadãos, assacam lhe o labéu de republicano, ecom isso pretendem apadrinhar os seus crimes e sua de-senvoltura”.

A República do Equador deu ao governo imperial oca-sião e pretexto para desenvolver sua força militar policial e

abafar no sangue, como um exemplo, qualquer inconformismo popular. “Seguramente um castigo, e um castigo tal quesirva de exemplo até para os vindouros”, escrevia com exces-so de autoridade o inconciliável, erótico e neurótico D. PedroI, na Proclamação de 27 de julho de 1824. E a repressão

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vp Io com ii maior violência, a ferro e fogo, como o reco-nhecem conservadores e liberais, a começar por Sales Tor

Homem, o Timandro radical do Libelo do Povo, mais

linde o conservador Visconde de Inhomirim. Como Timandio escreveu que para sopear a revolta o sangue brasileiro évertido em torrentes pelas paternais baionetas do Imperador,e "sobre as vilas de Pernambuco, essas Termópilas venerá-veis da liberdade, do heroísmo e do martírio, jorra então co-mo boje (1849, Revolução Praieira) a chuva de sangue edc extermínio, que em 1817. as assolará e que agora maisaperta, agourentando até o horror das lembranças dos proce-

dimentos do regime colonial”.E não foi a suspensão das garantias constitucionais o

que chocou a opinião liberal do país; foi especialmente o de-creto que criava uma comissão militar para processar “sumaríssima e verbalmente” os chefes e cabeças do “nefandocrime”, isto é, o crime do seu apego a princípios liberais ede sua convicção diferente na interpretação do processo po-lítico brasileiro. E até mesmo um líder conservador como

Bernardo Pereira de Vasconcelos chamou as Comissões Mi-litares de “invento infernal”. Essas comissões, escreveu o jornalista conservador Justiniano José da Rocha, “vieramcomprimir as aspirações revolucionárias, deixando infeliz-mente nos corações o fatal fermento dos tristes ódios”.

Quinze patriotas, sete em Pernambuco, cinco no Cearáe três no Rio de Janeiro, foram arcabuzados, sendo que en-tre eles estava um dos maiores representantes do pensamen

to radical brasileiro, frei Joaquim do Amor Divino Caneca.<5 sangue e a violência não são estranhos à história brasilei-ra, tanto na colônia, na Independência, como no Reinadode Pedro I. Por isso Timandro escreveu que “enquanto os

bons brasileiros gemem e consternam se, os cortesãos, os lu-sitanos, os inimigos e desertores da bandeira da nação ex-clamam exultando de júbilo. Venceu a causa da ordem: aanarquia e a rebelião foram suplantadas; o trono do impe-

rador está salvo”. ' Mas daí, acrescenta, “é que data a sua perda; o sangue dos mártires subiu à presença de Deus pe-dindo justiça; a consciência pública ofendida jurou vingança

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e o 7 de abri! veio cumprir o juramento”. Não fora, assim,em vão o sangue dos patriotas de 1824, nem o martírio de

• . Frei Caneca e seus companheiros. Os vencidos venciam osantinacionais, os desertores da bandeira da nação.

A A b d i c a ç ã o : h i s t ó r i a i n c r u e n t a

As agitações populares de 6 e 7 de abril, de que participarammais de 4.000 pessoas, confraternizadas com o exército, per-mitiram que a Abdicação se fizesse sem derramamento desangue, em quase todo o território nacional. Por isso Justiniano José da Rocha escreveu que “a ordem se fez no caos;nem o punhal da vingança particular, nem o cutelo da. vin-dita pública se tingiram de sangue, O nobre instinto do co-ração brasileiro bradou: Perdão para os iludidos! A causa

de todos os nossos males já está entre nós!”.Mas o compromisso dominou e a conciliação pareciatambém vitoriosa; a verdade é que o Mata Maroto (portu-guês) na Bahia (13, 14 e 15 de abril de 1831), com esbordoamento de portugueses e assaltos contra suas casas comer-ciais, e a revolta de Joaquim Pinto Madeira contra a Re-gência e em favor do ex imperador, no Ceará (14 de dezem-

bro de 1831 a outubro de 1832), que contou com mais de

3.000 homens e registrou um combate sangrento como o deIcó (1832), mostram de um e outro lado violências e inconformismo, embora seja em geral incruento seu processo.

A R e g ê n c i a e a s R e f o r m a s :NOVA HISTÓRIA CRUENTÍSSIMA

Com a regência, quando pela primeira vez se estabeleceu umGoverno Nacional libertado das facções portuguesas que até

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mais nem menos do que a Constituição, porque ela autorizaessas reformas. Se acaso são prudentes, se convêm na épocaatual, a questão é outra, mas não se deixa de querer a Cons-

tituição, votando se a favor de reformas que a Constituiçãoconsentiu.”

Este velho jogo de querer as reformas, mas não promo-vê las, este pensamento de que se desejava a reforma semrevolução, não evita as rebeldias, pois todo o país é sacu-dido por crises, desordens e agitações violentas. A estruturaeconômica permanece a mesma, sobrevivem os restos feu-dais, as reformas são formais, as oligarquias possuem o Po-der, os privilégios continuam e continua o divórcio entre oPoder e a Sociedade. Consegue se, assim, evitar a Revolução,que promoveria a mudança das relações sociais.

Novamente a liderança estava dominada por espíritosvoluntariosos, inconciliáveis, e o resultado foram as revolu-ções sangrentas que encharcaram o solo dê sangue. Feijó,Ministro da Justiça e Regente, enérgico e autoritário, nãofoi conciliador. Foi rigoroso e inflexível, “persuadido”, se-gundo suas próprias palavras, “de que em todo o tempo, e principalmente nos convulsivos, só a firmeza de conduta, aenergia e a justiça podem sustentar o governo”. Foi duro,fechado, impermeável, e logo depois de sua posse (5 de ju-lho de 1831) enfrentou uma sedição militar no Rio de Ja-neiro, felizmente incruenta, mas criadora de pânico e terror.

Carneiro Leão confessa na Câmara, em agosto de 1831,

que o terror e a comoção haviam passado: “Este grandeterror houve o (sic) nos dias 14 e 15 do mês passado, por-que alguns cidadãos desvairados ousaram até pôr em coaçãotodas as autoridades constituídas.” Para ajudar as forças fiéisvieram para o Rio de Janeiro forças mineiras que dissiparam“ajuntamentos tumultuáríos e sediciosos”. Houve, inclusive,movimentos de escravos, contra os quais foram lançadas astropas mineiras.

O próprio Feijó sabia que o descontentamento e o de-sespero públicos haviam atingido o máximo, quando, em 16de maio de 1832, ainda Ministro da Justiça, confessava queas comoções abalavam todo o Império, desde o Pará ao Ma

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to Grosso, com três “revoluções” em Pernambuco, roubos,massacres, incêndios, e outras tantas na Bahia.

E era verdade. Motins, desordens, sedições militares, de- posições de comandantes militares, no Amazonas, no Pará,a setembrizada no Recife (mais de 3.000 homens em com-

bate contra a guarnição revoltada e com mais de 300 mor-tos), um motim no Rio de Janeiro e a sedição militar naIlha das Cobras, duas sedições populares militares no Mara-nhão se sucediam. Antagonismos os mais violentos de classe,de cultura e de raça, sentimentos nativistas exaltados explo-diam a todo momento.

As rebeliões e revoltas não eram a Revolução, e em- bora corressem rios de sangue, como disse Paula e Souza,contestado por Evaristo da Veiga, a verdade é que não sefizeram as reformas, não se permitiu a participação maior do

povo no processo político, não se cuidou do seu bem estar,nem se promoveu o desenvolvimento nacional, nutrido a xa-rope de dormideira, tal qual fizera a minoria retardatária

portuguesa, lenta ou sonolentamente. Até esse momento, aconciliação não se tornara o instrumento político que pro-curaria evitar os rios de sangue, expressão que o próprio Jo-sé Bonifácio utilizara na representação a favor do “Fico”,e que abafaria as rebeldias e conteria o espírito de reforma.Evaristo da Veiga, que falara, em 1832, nas “revoluções san-guinárias”, disse em réplica a Paula e Souza, em 1833, quenão via as páginas da recente história brasileira manchadasdas atrocidades que tingem outras nações.

Paula e Souza não foi o único. Martim Francisco tam- bém disse na Câmara, em 4 de julho de 1833, que não ha-via lugar no Brasil que não estivesse ensopado de sangue.Agitações populares em todo o Brasil, com mortes e lutas,marcam os anos de 1832 1833: a sedição militar no Rio deJaneiro (3 de abril de 1832) sem sangue; a abrilada noRecife (14 de abril de 1832) com ligações suspeitas com a

revolta de Pinto Madeira, sem maiores conseqüências; a Ca banada, em Pernambitco, em 1832, que mobilizou 7.000 ho-mens, com muitas e inumeráveis vítimas; as sedições no Pa

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rá, de abril a junho de 1832, com derramamento de sangue;o levante do batalhão na Bahia, de 27 de outubro de 1832,incruento; o atentado a tiro de pistola contra Evaristo da

Veiga, em 8 de novembro de 1832; a sedição federalista naBahia, em fevereiro de 1832, seguida de nova revolta emabril de 1833, com derramamento de sangue; as lutas san-grentas em Alagoas, conduzidas pelo sertanejo Vicente dePaula, o bandido, na opinião dos políticos da época, e queenvolveram mais de 15.000 homens; a sedição militar deOuro Preto, em março de 1833; os combates nas ruas doPará, em abril de 1833; a matança em 31 de maio de 1834,em Mato Grosso, de portugueses (mata bicudos), continua-da em 4 de setembro de 1834; 40.000 vítimas ensanguenta-ram o Pará, com à revolta dos Cabanos, em 1835; 11.000

pessoas se envolveram nas lulas da Balaiada, no Maranhão,em 1838 45, com 5.000 mortos; a grande revolta dos malés,afogada em sangue, com os mortos e os condenados à forcaou fuzilados, os açoitados e degredados para a África; aCarneirada em Pernambuco, em janeiro de 1835; o assassi-nato do presidente do Rio Grande do Norte, em 1838; cercade 3.000 pessoas foram aprisionadas e mais de 1.200 mor-tas, na Sabinada, na Bahia, em 1837 38; os Farrapos, a lutade maior vulto, maior duração (1835 1845) e caráter mais político que social, envolveu mais de 20.000 combatentes,com pesado tributo de sangue, pois só no combate do RioPardo, em 30 de abril de 1838, 1.500 homens imperiais fo-

ram destroçados; a revolta dos Bem te vi no Piauí, em feve-reiro de 1840; a revolução de 1842 em Minas Gerais e SãoPaulo, com grande número de combatentes, mas sem maiorderramamento de sangue, apesar dos protestos dos liberais,como Sales Torres Homem e Teófilo Otoni, de que o go-verno se fartara de sangue mineiro e paulista, quando real-mente o governo lhes dera proteção que não dera aos mo-vimentos populares e sertanejos; a luta entre lisos e cabe-ludos, em Alagoas, com a participação do cangaceiro Vi-cente de Paula, sempre referido com o maior ódio por con-servadores ou liberais, e na qual houve grande número decombatentes e grande derramamento de sangue; a rebeldia,

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em 1847, na Comarca do Rio Formoso, em Pernambuco,os motins áníi portugueses, no Recife e no Rio de Janeiro,em 1848, com espancamentos, cacetadas e morras, com re-ceios de grandes desordens; as matanças antes da Revoluçãoda Praia, no Recife, em 26 e 27 de junho de 1848, “hor-rível carnificina”, escreveu Antônio Pedro de Figueiredo, e,finalmente, a Revolução da Praia, com mais de 3.000 com-

batentes, cerca de 800 mortos e 1,700 feridos em 34 com- bates.

A história cruenta de 1831 a 1848, os inconformismosde todo gênero dominam o processo político brasileiro. Es-creveu Sales Torres Homem que a Regência conseguiu res-taurar a ordem legal, sem dilacerações e sem dores, e quePedro II para obter a simples aparência legal cobriu o Impé-rio de ruínas e de sangue. Interpretação simplesmentei parti-dária, a verdade é que a Regência foi muito mais violentae cruenta que o Segundo Império, pois a partir de 1840 nãosó diminuiu o número de rebeldias, como a reação é sempreou quase sempre mais benigna, até mesmo nos julgamentos,

Não creio também, como escreveu Justiniano José daRocha, que as aspirações republicanas, federativas, demo-cráticas e a suscetibilidade nacional eivada de aversão aos

portugueses fossem as responsáveis únicas pela agitação e asrevoltas, “pelas ondas de sangue derramado pelos ódios”. Aindisciplina militar bue motivou o licenciamento do exercitoe a criação da guarda' nacional, e o Ato Adicional conhecidocomo “a lei do não poderá”, tolhendo o poder executivo,

facilitaram a selvageria que ameaçou o Brasil na sua unidade,de norte a sul e de leste a oeste.

Um inconformismo generalizado, motivado por fatoressociais e econômicos — miséria do povo, que continuavacomo simples besta de carga, ascensão da dívida intèrriã eexterna, a"”alienação dos ’ interesses nacionais comprometidosnos tratados —, a dissolução da Constituinte e a assinaturado Tratado de 1827 com a Inglaterra comprometeram PedroI, e tudo isso gerou a história cruenta, tão cruenta com Feijó,e tão inconciliável com Olinda, considerado conciliador.

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Os nove anos de 1831 a 1840 foram anos de muitosangue, maior ainda pela reação extremada contra movimen-tos de caráter popular e sertanejo, as revoltas sociais como

os Cabanos, no Pará, a Balaiada, no Maranhão e Piauí, asde Alagoas {1832 e 1844) e a do Equador e a da Praia noCeará e Pernambuco, todas alistando as camadas mais mi-seráveis do povo. Por isso mesmo elas foram rigorosamenteexterminadas a ferro e fogo e punidos sem contemplação osseus cabeças.

Entre 1832 e 1844 o sangue brasileiro deu testemunhodas opressões das minorias dominadoras, fossem ou não li-

berais ou conservadoras, O rigor que encharcou de sangueo solo brasileiro não pertenceu aos Partidos Liberal ou Conser-vador, mas ao Poder das oligarquias, especialmente latifun-diárias e mais ainda ao divórcio entre o Poder e a Socie-dade, que sempre existiu e ainda existe, porque é um fenô-meno da estrutura sócio econômica brasileira.

Com ou sem partido conservador, a reação conservado-ra se inicia logo em 1831, embora só venha ao Poder em1836, pois o Poder pertencia aos latifundiários, para os quaiso político liberal moderado ou conservador monarquista pou-co importava; o que importava era a conservação da ordeme a destruição dos exaltados. Não temos sido um povo delatifundiários, como escreveu Oliveira Viana, mas um povodominado por latifundiários. Os interesses vitais do país es-tavam na agricultura e esta era dominada pela grande pro-

priedade territorial, que pedia vassalos obedientes. Por isso Nabuco de Araújo dizia na Câmara, em 1853, que “a mis-são do governo e principalmente do governo que representao princípio conservador, não é guerrear e exterminar famí-lias, antipatizar com nomes, destruir influências que se fun-dam na grande propriedade, na riqueza, nas importâncias so-ciais (muitos apoiados); a missão do governo deve ser apro-

veitar essas influências no interesse público, identificá lascom a monarquia e com as instituições, dando lhe provas deconfiança para que possa dominá las, dirigi las c neutralizaras suas exagerações”.

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Dominados pelas grandes propriedades, o Poder e oPartido Conservador abafaram as revoluções com sangue,muito sangue, especialmente aquelas que pelo seu conteúdosocial representavam maior^ perico—aara , as instituições mantenedoras de seus privilégios. Antes de estabelecerem o pro-grama de conciliação, souberam os líderes conservadores dis-tinguir umas revoluções das outras. Quando, em 1837, Lim-

po de Abreu disse que a guerra dos cabanos em Pernambu-co e a do Rio Grande do Sul eram difíceis de terminar, por-que uns se embrenhavam pelas, matas e' outros pelas cam-

pinas e países limítrofes, Carneiro Leão, mais tarde Marquês

de Paraná, declarou que a guerra de Panelas não podia en-trar em comparação com a do Rio Grande do Sul, pois nun-ca o ministério considerara a primeira de consequências ex-tremas, não pedira crédito suplementar, nem suspensão degarantias, nem receara que as províncias de Alagoas e Per-nambuco se fossem constituir em repúblicas. Foi então queMiguel Calmon o censurou, observando que “já se notou adiferença que havia entre os facinorosos refugiados nas ma-

tas de Panelas e os sediciosos do Rio Grande do Sul; aque-les foram tratados como tais, porque eram paisanos mal ar-mados, sem chefes conhecidos, e que com facilidade evita-vam o combate, limitando se a fazer correrias”. Lembrou oexemplo do quilombo de Palmares, que durara largos anos, edisse não haver “analogia alguma com o Rio Grande doSul, onde há tropas regulares e chefes, onde se peleja e háum governo que hostiliza a monarquia”. Uns haviam sidoqualificados jcomo feras e os_ do Rio Grande do Sul comohomens, e, com as repressões convenientes, a primeira foraexterminada e a segunda se propagava.

As lutas do cangaceiro Vicente de Paula em Alagoas,mais tarde, em 1844, como as futuras lutas de Canudos edn^Tontestado, são por conservadores e liberais igualmenteclassificadas de selvageria e banditismo. Constituem se de“minorias turbulentas e criminosas”, segundo expressão deEusébio de Queirós na Câmara, em 1848, e de “hordas in-frenes, selvagens e devastadoras”, segundo Timandro (Sales

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Torres Homem), o liberal exaltado de 1849, no Libelo do Povo.

Até 1830 a pena de morte na forca castigava os insur

retos, tnas o Código Penal daquele ano só a admitia emdois casos: no de insurreição de escravos e no de homicídio.Se é verdade que mesmo esta foi se extinguindo, sem pre-cisar o tiro de honra do legislador brasileiro, como escreveuPaulino Nogueira, não foi menor a distinção no tratamentode uns e outros. Era simples demagogia liberal acusar se ogoverno, como Timandro o acusou, de haver tripudiado so- bre os vencidos de. 1842. Depois de escrever que a Regênciatranquilizara e salvara o país sem soldados, Timandro per-guntava: “Como pode isso ser, hão de exclamar naturalmen-te os que se lembram dos enormíssimos e cruéis sacrifíciosque às instituições e à fortuna do Brasil custou a pacificaçãode Minas e São Paulo em 1842?” E logo a seguir criticava a

política do punhal e do trabuco, “que depois de embriagarse no sangue dos Mineiros e dos Paulistas, a quem uma sé-rie de insultos e requintadas atrocidades chamara às armase à resistência, deu o sinal do saque e da pilhagem pelo hor-roroso decreto do confisco e açulou sobre a propriedade pri-vada, sobre o patrimônio inviolável das famílias a cabildafamélica, que seguia lhe o carro de triunfo!”.

Ora, em primeiro lugar, em menos de dois anos eraconcedida, a 14 de março de 1844, a anistia aos envolvidosnos “crimes políticos” cometidos em 1842 em São Paulo e

Minas Gerais e quando o Cônego Marinho, um dos líderesdo movimento em Minas Gerais e autor da sua história de-clarou na Câmara, em 1848, que o partido conservador te-ria visto com prazer rolar a sua cabeça em praça pública,foi o próprio Eusébio de Queirós quem disse: “É fato pú- blico que após a luta se desenvolveu uma proteção em gran-de escala.” E assim foi também com os revolucionários daFarroupilha, em 1845, todos anistiados, todos isentos do

serviço militar, honrados nos seus postos.As divergências políticas das minorias dominantes, fos-sem liberais ou conservadoras, se atenuavam agora, as pri-meiras vendo a improficuidade das revoltas e, as segundas,

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que precisavam para garantir as instituições e a tranquilidadede seus privilégios, da colaboração das primeiras. O cami-nho para a conciliação estava preparado.

A POLÍTICA DE c o n c i l i a ç ã o :AS REFORMAS E A POLÍTICA DE CLIENTELA

A conciliação não foi inventada em 1853, com o Gabinetedo Marquês de Paraná (1853 1856). Tem raízes mais prct.fundas e data, como vimos, da dicotomia terrorismo amansamento que os brancos europeus tiveram que enfrentar aos

primeiros contatos com os índios e negros, e das transigên-cias aos antagonismos coloniais. Manifestara se no convívio diá-rio de tantas diferenças e divergências econômicas, sociais_c _ )culturais. As sucessivas gerações das minorias dominantes noBrasil tinham aprendido a conviver com multidões capadas esangradas e se não tinham podido evitar de todo o processohistórico incruento muito fizeram para escamoteá las de seusdireitos, sem levá las \ao desespero.

Creio mesmo que foi o domínio étnico minoritário quedeu às oligarquias mineiras, baianas e fluminenses o faro pa-ra as grandes manobras pelo comando das situações diante das

grandes massas negras trabalhadoras, as mais sofridas de to-das. Daí, como conseqüência, o futuro predomínio delas nadireção nacional, onde se exige, em cena maior, a mesmacapacidade de autodefesa. A conciliação e a inconciliação,a história cruenta e incruenta alternam se no processo histó-rico brasileiro, mas foi a partir de 1849 que se buscou umafórmula para evitar que os liberais, aliados naturais dos con-servadores, participassem das correntes mamelucas radicais eameaçassem, pela sua colaboração mais poderosa e inteligen-te, o. podef económico latifundiário: este precisava de tranqüilidade e de ordem para os seus negócios. Desde então as

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forças populares revelam, por contingência histórica, seudespreparo e imaturidade.

Então, mais do que nunca, Ordem e Liberdade contida são

os princípios que dominam o processo político brasileiro. Nãose fala, ou pouco se fala de progresso: os progressistas daLiga de 1864 já não são contemporâneos dc sua época.Desde 1846 vinham alguns políticos defendendo a idéia deconciliação, apesar da oposição encontrada; a princípio, ela eradefinida como política de concórdia e de tranquilidade pública, para abafar os protestos contra a política de Carneiro Leão(Marquês de Paraná em 1852), que mostrara uma tendência exagerada na manutenção da ordem e fizera votar leis quearmavam o poder executivo de uma autoridade despótica eopressiva. Em 1847, apeados seus partidários do Poder, o programa de conciliação vai tomar contornos mais práticos.

— Declarava o Gabinete de maio de 1847 que a políticade conciliação não era a dos pactos e transações e dos favo-res; era a dos princípios, a da garantia dos direitos dos ci-

dadãos, a da distribuição da justiça a todos com igualdade.Mas nada se conseguia, pois os partidos continuavam a secriticar fortemente e receava se uma explosão, com pertur-

bação da ordem.A Revolução da Praia mostrou que era preciso um en-

tendimento ultrapartidário, e os primeiros defensores da teseforam Nabuco de Araújo, em discurso na Câmara, a 6 de

julho de 1853, e o virulento e exaltado liberal do Libelo do Povo de 1849, agora convertido à obra de pacificação emais tarde transformado em conservador. Uniam se agora osliberais moderados, por convicção ou por oportunismo, aosconservadores, diante das ameaças que vinham "de Pernam-

buco. Nabuco de Araújo advertia à Câmara e às classes con-servadoras que “o governo deve atender a que não se trataali somente de questões políticas; a estas questões políticas

estão associadas questões sociais, e as questões sociais sãode grande alcance, são de grande perigo” . . . Achava Nabu-co de Araújo que se devia fazer alguma concessão ao espí-rito de reforma, que o progresso e a experiência reclamas

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sem, que a conciliação, como coalizão e fusão dos partidos,era impraticável, pois destruídas as barreiras do antagonis-mo político e postas em comum as idéias conservadoras e asexageradas estas são do maior número, têm por si entusias-mo, seduzem e coagem. A conciliação deveria ser feita não

pelos partidos mas pelo governo, di 2 ta Nabuco, mostrandoque se tratava de algo mais que a simples concordância par-tidária.

Era a defesa da ordem, em nome da grande proprie-dade, que Nabuco buscava na conciliação, como revela emseu próprio discurso. O Partido da Ordem, em defesa do princípio da Autoridade, devia fazer algumas concessões ao partido da oposição, pois não era lisonjeiro o quadro do país.“Quando estes elementos de dissolução existem, eu não pos-so dizer que o quadro que oferece o país é lisonjeiro quantoàs relações morais. Que importa que esses elementos não es-tejam em ação, se de um momento para outro eles podem por qualquer circunstância produzir uma explosão? Eu te-nho, Senhores, mais medo da anarquia surda, dessa desinte-

ligência, dessa desconfiança, desse ceticismo que aí reinam,que dos pronunciamentos.”J. M. Wanderfey (Barão de Cotegipe) combate a idéia

e declara que a conciliação será logração.O papei que Nabuco representa na Câmara, Sales Tor-

res Homem encarna na imprensa, em artigos publicados noCorreio Mercantil, de fevereiro de 1853 em diante, e logoreunidos em folheto. O antigo Timandro é então, nesta fase,

o precursor e o combatente que procura formar uma opinião pública favorável à conciliação. Sales Torres Homem, queatacara com tanta violência o Imperador e o Partido Con-servador e terminara seu Libelo do Povo pedindo uma As-sembléia Constituinte que restaurasse a soberania nacional —

posição considerada extremista pelos conservadores —, vol-ta agora manso com a idéia da conciliação, que liquidariaas dissidências e discordâncias civis; dirige se aos Partidos e

à Coroa; éuja missão pacificadora acentua, especialmente porque temos “um povo dócil e fácil de governar”

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Para ele, a conciliação se faria pelo entendimento dosPartidos, fundando uni governo de imparcialidade e modera-ção, ao qual caberia iniciar “as reformas numerosas e pro-

fundas que tão miserável situação reclamava”. A concilia-ção não seria a repartição igual das posições oficiais pelosmembros das diversas parcialidades, mas um meio de venceros males da nação. “Conciliação sobre as bases das refor-mas, eis o nosso pensamento fundamental.”

Justiniano José da Rocha rebate logo o pensamento con-ciliador, escrevendo que o Partido Liberal tinha se aniqui-lado pelo suicídio ao lançar se nas vias revolucionárias (1842

e 1848) e que as reformas vinham sendo efetuadas pelo Par-tido Conservador. Em nome da conciliação, acrescenta, nãose queria senão disfarçar o triunfo das idéias de um partidosempre e em todos os tempos repelido; a melhor base eraa constituição, que a ninguém excluía, e não as reformas,que ameaçavam a muitos.

Desde logo ficava claro, pelo temor que a palavra re-forma inspirava a todos, que Sales Torres Homem insistiaapenas nas reformas políticas e jurídicas, sem atingir a es-trutura econômica do país. Mas como a idéia central con-sistia realmente em construir uma ponte — a ponte de ourode Nabuco de Araújo, para conciliar os partidos, ou algunsmembros condliáveis dos partidos, Torres Homem afirmaque “governar é unir” e que “a arte dos homens que dei-xaram um nome nos fastos políticos das nações consistia

sempre em fomentar esses sentimentos'capazes de união, em procurar formar um só todo das forças dissidentes e fazê lasconvergir para o fim do governo, dando preponderância àscausas de coesão sobre as de divisão”, Ataca a tragédia elei-toral, o sistema parlamentar que se tornara “o manto debai-xo do qual promovem se outros negócios que não os seus”,declara que “não é possível subordinar as conveniências reaisda nação e suas mais imperiosas necessidades a princípios

partidários inaplicáveis”, e, finalmente, pleiteia a reforma dalei de 3 de dezembro de 1841, que modificara o código de

processo penal, a eleitoral, a parlamentar e a descentraliza-ção nos graus ínfimos da administração.

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Eram reformas jurídicas que interessavam apenas aosgrupos divergentes da minoria dominante, que não atendiamàs exigências da nação e do povo. A questão, escreve Justiniano José da Rocha, é subir ao poder: tudo isso é degraue só degrau. O povo era indiferente a'estes probiemas e oliberalismo radical de um Lopes Mendonça ou um AntônioPedro Figueiredo deplorava que se visse no governo apenasnomes próprios, uns que haviam subido ao Poder pelas esca-das do tráfico, outros pelas escadas inglesas, outros peloscompromissos subalternos.

As modestas reformas pleiteadas pelo ex Timandro, asincompatibilidades de magistrados e deputados, a eleição di-reta e por círculos amaciavam os caminhos do entendimentomais pessoal partidário que real nacional, Não se pleiteia ncnhuma reforma estrutural, não se toca na terra e na escra-vidão. Por isso já agora Justiniano José da Rocha, o portavoz dos conservadores, ainda atacando “a bandeira esfarra- pada” do Partido Liberal, sempre vencido, ainda considerandocomo palavras ameaçadoras as reformas políticas e sociais

— e ninguém pleiteou estas últimas —, começa a conside-rar possível a conciliação, exigindo que Sales Torres Ho-mem mostre a natureza das concessões que se deve fazer edos pontos em que~ Se deve transigir. Que a oposição saia docampo das declarações e explique as reformas indispensáveis.

Daí em diante, Sales Torres Homem dedica se ao es-tudo daquelas reformas, recuando sempre, mostrando A quese reduzem as suas pretendidas teorias de renovação social.Em matérias de eleição, suas idéias são mais restritivas queas dos conservadores, pois era contra “a multidão cega e

pungida pela precisão dos negócios da vida pública”, contraos que caminham na retaguarda da civilização, a favor doaumento do censo (renda) e da exceção censitária para osque exercem profissões literárias e científicas. Enfim, o exTimandro era pela supressão da eleição de primeiro grau,de que participava o povo.

Justiniano José da Rocha, mais. realista que o rei, tam- bém é contra o voto do analfabeto, quer vedar o exercício

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deste direito pelas “últimas classes”, acredita que a liberdade política é garantida pelas classes médias, é a favor da elei-ção direta censitária por círculos.

Um e outro achavam, então, que com as eleições quetínhamos o país não podia prosperar; daí seus artigos e re-

plicas se alongarem no debate da matéria eleitoral, que setorna, assim, juntamente com a reforma do código de pro-cesso criminal, a discussão do problema da incompatibilidadeda magistratura com a política, e a reforma do Senado, umdos pontos essenciais da conciliação. Matéria toda ela alheiaao povo e ao progresso material da nação. Por isso SalesTorres Homem, ao final, escreveu: “Não são, portanto, osgrandes princípios que nos dividem; não são os interesses en-contrados de melhoramentos sociais sobre que estamos todosmais ou menos de acordo, os que perpetuam o conflito abo-minável e fatalíssimo que nos dilacera e que tem revolvidoo país nas suas mais profundas entranhas. O que tios extre-ma é outra coisa bem diversa e que se não ousa confessar:

é, sim, a massa de ódios e ressentimentos que se não temo mérito fácil de imolar à causa pública; é a ambição degovernar exclusivamente e a todo custo, debaixo dessa ban-deira de uma só cor, que é o emblema da violência e da proscrição.”

ÉA conciliação seria o “olvido de todas as desavenças eres”, uma trégua, uma política neutra, isenta de paixão,restabelecesse a normalidade do regime constitucionalconcurso de todos os que compreendessem que “acima

ausa dos partidos estava a causa do Brasil”.

Para Justiniano José da Rocha as pretensões liberais nãosão exageradas, pois não envolvem nenhuma ameaça à ordemou às instituições monárquicas. Pela imprensa, o acordo interpartidário, baseado em reformas jurídicas, sem nenhum

proveito para o povo, pois nenhum aspecto econômico e so-

cial se discutira, estava feito. A transação, como a denomi-nou mais tarde o próprio Justiniano José da Rocha, no seufolheto político Ação; Reação; Transação (1855), importan-te interpretação conservadora da história brasileira, começa

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No seu Diário de 1862, obra íntima, D. Pedro escreveu:“Minha política — a Justiça — não é a dos Partidos”, emais adiante disse que não tinha medo de nenhum partido,,pois “obro conforme e só conforme o que julgo exigir o bemdo país. Que medo poderia eu ter? De que me tirassem oGoverno? Muitos melhores reis que eu o têm perdido, e eunão lhe acho senão o peso duma cruz que carrego por de-ver. Tenho ambição de servir a meu país; mas quem sabese não o serviria melhor noutra posição? Em todo caso ja-mais deixarei de cumprir meus deveres de cidadão brasilei-ro”. Era um homem tão grande que nunca guardou memó-ria das ofensas recebidas; por isso, Torres Homem, que tantoo ofendeu, afirmou na Câmara que um dos dogmas da con-ciliação era o olvido das ofensas recebidas. “Doem me as in-

justiças que me fazem”, dizia D. Pedro, “mas é meu devernão permitir que, por injúrias pessoais, prive o País dos ser-viços de brasileiros distintos”.

Carneiro Leão é o elemento civil que busca, na arte da

conciliação, a paz indispensável ao progresso, que se iniciaem 1850. Lima e Silva é o elemento militar, o Pacificador,que promove a união dos brasileiros e vê que o brasileiro dooutro lado também é brasileiro e não deve ser excluído, masincorporado. Ambos exerceram um papel moderador e que-riam que a história não se processasse por forma revolucio-nária. Visavam à acomodação para salvar o essencial, a uni-dade e a integridade do país. Reconheciam que não cra o

povo que tinha o coração endurecido, eram os privilegiados.Em 1853 Carneiro Leão praticou no próprio Governo

a arte da conciliação, que cedia pouco ao povo, porqueconciliava mais os grupos divergentes da liderança que acoexistência desta com o povo, mas evitava que se agravas-sem as tensões, que se exasperasse o povo pelo abandonoem que vivia.

Caxias pacificara o Maranhão, em 1841 —— anistiandomais de 3.000 rebeldes —, Minas e São Paulo em 1842, eo Rio Grande do Sul em 1845. Esta foi a sua maior obra,

porque trazia os gaúchos ao seio da Pátria pela qual derra-

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maram mais sangue na colônia e nos começos do Impérioque quaisquer brasileiros de outra província. Ele atendia auma grande aspiração nacional, já em 1837 afirmava na Câ-

mara, por Miguel Calmon, o futuro Marquês de Abrantes, aodizer que “de todos os erros políticos o que mais ofende auma nação é aquele pelo qual a sua integridade se viola, eo seu território se mutila. Se o Rio Grande do Sul perder se,o Brasil todo se ressentirá e a geração futura não perdoaráessa falta à administração que a ocasionou”.

No Gabinete da Conciliação, Caxias, na pasta da Guer-ra, ajudou o Marquês de Paraná e com a morte deste presi-

diu o Conselho e as eleições; em 1861 e 1875 foi novamen-te Presidente do Conselho e ao assumir aquele posto nesseúltimo ano declara que seu programa é “manter a paz exter-na, sem quebra da dignidade e direitos do Império; seremosmoderados e justos, observando religiosamente as leis e resol-vendo as questões internas com ânimo desprevenido”.

Meditemos bem nestas palavras essenciais; a paz, adignidade e os direitos do Império, a moderação, a justiça,

a observação religiosa das leis, o ânimo desprevenido. OPacificador, cuja espada esteve sempre a serviço da lei, as-segurou ao Império os anos de mais absoluta e total legali-dade de toda a nossa história, de 1848 a 1880. Nada secompara, a meu ver, à resposta dada por Caxias ao vigáriode Bagé, que lhe fora indagar a hora do Te Deum comemora-tivo da vitória de Porongos (11 de novembro de 1844);“Reverendo! Precedeu a esse triunfo derramamento de san-

gue brasileiro, Não conto como troféu desgraças de conci-dadãos meus. Guerreio dissidentes, mas sinto as suas desdi-tas, e choro pelas vítimas como um pai pelos seus filhos.Vá, reverendo, vá! em lugar de Te Deum celebre missa dedefuntos, que eu, com o meu estado maior e a tropa que nasua igreja couber, irei amanhã ouvi la, por alma dos nossosirmãos iludidos, que pereceram no combate.”

Assim, foi sobretudo com Caxias que a conciliação per-

mitiu pudessem crescer os frutos do trabalho nacional, e éunânime a opinião dos historiadores que 1850 marca o co-meço de umà era de paz e progresso. As alternativas na

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composição dominante da liderança correspondem tambémaos períodos de história cruenta ou incruenta, sem descon-siderar a melhoria ou piora das condições econômicas.

Caramuru, José Bonifácio, Carneiro Leão, Caxias sãoexemplos de liderança moderadora e de história incruenta;evitaram a brutalidade e a imaturidade que em outros povos,na América, se manifestaram com maior freqüência ou atro-cidade, como no México, na Colômbia e nos Estados Unidos.

História cruenta e incruenta se alternam no processohistórico brasileiro, embora seja correto e~ justo afirmar^queos exemplos de conciliação predominam. O compromisso como presente não tinha futuro e o Brasil marchou mais tran-quilo com a conciliação, pois desde então nenhuma como-ção grave abalou a ordem pública e o processo histórico in-terno é incruento durante quase 50 anos (excetuada a sangueira da Guerra do Paraguai, que custou 30.000 vidas, asdesordens do Quebra Quilos contra o sistema métrico em Per-nambuco e Paraíba, em 1874 1875, o fanatismo dos Muckers,colonos alemães que enfrentaram expedições militares e tor-naram sangrenta a história da colonização no Brasil, as lutas

por questões de terras no Rio Grande do Norte, em 1877, eas matanças nas épocas eleitorais).

Ao final, no Império, se podia dizer que os processoscivilizatórios dominavam os primitivos, quer na liderança,quer no povo, e ambos podiam se orgulhar de algumas vi-

tórias incontestáveis, tais como a unidade política, a integri-dade territorial, o regime representativo e a garantia das li- berdades individuais.

No domínio da liderança conciliatória nem uma só vezse desrespeitou o regime representativo, apesar das falhasque apresentava e da fraude que o maculava. Nenhum golpefoi permitido pela espada legal de Caxias, e ele, como es-creveu Capistrano de Abreu, que assegurara ou verberaraser mais militar que político, quis. provar que ao menos umavez podia ser mais político que militar; rejeitou todas ashonras e pompas oficiais e quis ser enterrado como obscuro paisano.

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A CONCILIAÇÃO, AS REFORMAS E O PROGRESSO

Mas se a liderança conciliadora evitava os excessos, atraíaos liberais exaltados, acalmava os radicais, apesar de sua

permanente oposição, e, com isso, diminuía o antagonismosocial ou, pelo menos, adiava o conflito de caráter social,não renovava o país, não promovia as reformas, tornava len-to o processo histórico e o progresso: minguado não estavade acordo com as possibilidades nacionais. No final o Bra-sil perderia a oportunidade e via esgotar se o prazo que oséculo XIX oferecera, e que só duas nações não européias,antes de seu encerramento, aproveitaram para ingressar naexpansão econômica e na política mundial.

A conciliação, que domina essencialmente toda a polí-tica brasileira no século XIX. não a pessoal partidária, quesofre ziguezagues variáveis, mas a que acomoda para saívar6~essencial^ defendendo^a grande propriedade e a escravidão,não quer reformas sociais e econômicas. A rotina administra-tiva e a indolência do Parlamento caracterizam o governo an-tes e após a conciliação de 1853. Em 1848, Carneiro Leãodeclarava que há 5 anos não tínhamos orçamento; vivíamosdebaixo do provisório c apenas uma lei se fizera em doisanos. Diante das sucessivas gerações de opressores, os gran-des proprietários, os potentados do interior, como os viu

Nabuco de Araújo, um povo dominado por latifundiários não podia esperar muito de sua sorte.

A Câmara, composta de representantes da grande pro- priedade e de magistrados, satisfazia se com as reformaseleitorais e jurídicas, tentando aperfeiçoar, ou melhor, esca-motear o regime representativo, num país composto de tan-tos escravos e analfabetos. O ministério, segundo os mais

progressistas, como Antônio Pedro de Figueiredo, vivia emrevoltante monotonia, num dolce far nieníe, adiando asquestões mais embaraçosas, e o balanço das sessões da Câ-

mara se reduzia a leis de interesse individual, debates pes-soais, intrigas de todo o gênero, enquanto problemas maisgraves, como o da colonização, a desocupação das popula

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ÇÕes mais modestas e a busca do emprego público pelas ca-madas médias e superiores, o comércio dominado pelos por-tugueses, o latifúndio impedindo a expansão agrícola, a terravedada aos lavradores, a obstinação em não substituir os im- postos indiretos pelos diretos, e a falta de organização espe-ravam solução.

A política conciliatória não queria enfrentar o problemado latifúndio e da reforma agraria, que para muitos, desde Nabuco de Araújo até Antônio Pedro de Figueiredo, era afonte das influências exageradas ou da inércia e da rotina.Para o segundo, o estado de coisas existente no Brasil era

injusto, anti harmônico, anti social e a maioria vivia oprimi-da, pagando o povo a maior parte dos impostos, o impostodo dinheiro, o imposto do sangue, e só em Pernambuco “trêsquartos da população se achavam concentrados à beira mar e,com poucas exceções, todas as terras pertenciam a um pe-queno número de grandes proprietários que delas mal culti-vavam uma mínima parte e recusavam vender o resto. Daívem que duzentos ou trezentos mil dos nossos concidadãos,

mais por ventura, vivem em terras de que podem ser despe-didos dentro de poucas horas; humildes vassalos do proprie-tário, cujos ódios, partido político etc. são obrigados a es- posar. Neste fato da grande propriedade territorial, nessesnovos latifundia, deparamos nós a base desta feudalidade quemantém diretamente sob jugo terrível metade da populaçãoda província, e oprime a outra metade por meio do imenso

poder que lhe dá esta massa de vassalos obedientes”.E tudo isso poderia ser resolvido sem abalos e sem re-

volução, por atos legislativos, acreditava Antônio Pedro deFigueiredo, em 1847, diminuindo o “poder do capital, fa-zendo lhe suportar a maior parte dos encargos sociais, tiran-do dele com que ministrar para o diante a todos os traba-lhadores um mínimo que os indenize de alguma sorte da es- poliação legal que sofrem”. Era através do imposto territorialque ele julgava poder aliviar o trabalho e onerar o capital.Antônio Pedro divulgou os projetos de reforma agrária nor-te americana de 1844 e 1845. Mas era um equívoco pensarque as oligarquias dominantes se deixariam influir por tais

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Dez anos mais tarde a política de conciliação continua-va com outro nome, A Liga, e tinha essencialmente os mes-mos propósitos, receberia também críticas duras. O progres-

so real, através da reforma da estrutura econômica do paíse das relações sociais, continuava entravado. Os ministériosse distinguiam ou pela mudança dos nomes, como disse em1837 Rafael de Carvalho, ou pelas datas de sua organiza-ção, conforme proclamou Francisco Gonçalves Martins, Ba-rão de São Lourenço.

Rafael de Carvalho declarou, na Câmara, que em 1834ainda era de opinião que as coisas melhorariam com a mu-dança das pessoas. “Comecei a fazer a análise do que via. Viuns subirem e outros descerem, e a marcha da administraçãoera sempre a mesma. Aqueles que mais gritavam contra aadministração, quando guindados a ela faziam o mesmo. ( . . . )O ano passado chamava o Sr. Ministro dos Negócios Es-trangeiros de Sr. Limpo de Abreu, mas este ano, tenha pa-ciência, chamo o de Sr. Antônio Paulino. Ao Sr. Ministroda Fazenda, a quem chamava o Sr. Castro e Silva, chamo ohoje o Sr. Manuel do Nascimento.”

O Barão de São Lourenço dizia, em 1864, que os minis-térios eram peças de guardanapo do mesmo padrão, com ris-cos de separação. Quando se tratasse de reformas, as diver-gências começariam, pois a política da Liga era uma frotasem bandeira. Antes havia todas as crenças e tendências, ha-via bandeiras de várias cores, mas com a conciliação, que

fora sempre praticada, sem constituir um programa, tudotendia à mistificação, embora o país a tivesse levado a sério,

porque o caráter brasileiro tende sempre para fratemizar.Depois da conciliação veio outra fantasia, com que se pro-curava a unanimidade. O país havia de ser unanimementeamarelo, ou completamente vermelho, conforme a vontadedo governo. Quando disse não se recordar do nome destaoutra fantasia, Pimenta Bueno aparteou: “Progresso”, e oBarão de São Lourenço retrucou: “Qual progresso! O pro-gresso é a pretendida explicação.” Vozes gritaram: “Liga.”E o Barão de São Lourenço concordou: “Liga, sim; e o

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que é esta Liga?é apenas uma caravana reunida para atra-vessar um deserto perigoso, a quadra eleitoral.”

O Ministério era incomodado “não para fazer passar

esta ou aquela Lei indispensável à sua marcha ou à do país, porém porque o Sr. Presidente do Conselho não serviu aoSr. Fulano, não apertou a mão do Sr. Beltrano, não escutou paciente uma queixa, não deferiu imediatamente uma preten-são ou a outras coisas tais. Eis o defeito de uma situaçãosem fé e sem crédito. É o resultado da caravana mista, cujosinteresses legítimos não sendo comuns cada um trata de ga-nhar para a sua autonomia ou de seita ou individual”.

Como homem do campo, o Barão de São Lourençoqueria paz e progresso razoável, e temia os descontentamen-tos que por fim fazem explosão; depois de perguntar quedireito dá a antiguidade ao que é mau e inconveniente, vati-cinava: “Nosso estado é melindroso: enganam se os que ava-liarem a situação do Brasil por sua renda, posto que já de-cadente (nossa economia sofrera a grande crise de 1859, esofreria outra maior em 1865). A Nação deve passar por

uma grande e próxima crise; e não me surpreenderá se elafor mesmo social.” Retrata a agonia da lavoura, para ele po- bre, carregada de dívidas, sem braços e recrimina o corpolegislativo por discutir frases e palavras, fantasiar programas,inventar novas políticas, enquanto o navio corria para a vo-ragem, que o deveria tragar.

O Partido Progressista, liga de liberais e conservadoresmoderados, subia ao Poder e em seu programa, como sem-

pre, não havia nada, absolutamente nada, sobre problemaseconômicos e sociais. Era apenas contra a reforma da cons-tituição, a eleição direta, a descentralização política e o ex-clusivismo nos cargos públicos; queria a regeneração do sis-tema representativo, a prática da liberdade individual, a de-fesa dos interesses locais e municipais, a economia dos di-nheiros públicos, a reforma eleitoral e judiciária. Como se vê,um programa pequeno burguês, com as mesmas linhas mes-

tras da política de clientela, sem nenhuma intenção de ata-car os problemas fundamentais econômicos que entravam o progresso do país.

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Por isso dissera, ■com razão, o Barão de São Lourenço,que “o progresso é a pretendida explicação, com que a ca-ravana de todas as bandeiras ou a frota sem bandeira que-rem atravessar a quadra eleitoral”. E J. M. da Silva Paranhos, depois Visconde do Rio Branco, que fala pouco de- pois, declara que se tem “dito e repetido um milhão de ve-zes, uns que entre nós não há partidos, outros que os parti-dos apenas se diferenciam, que o antagonismo dificilmente pode ser definido”, mas que o exclusivismo político derivade que “entre nós os chefes de polícia, delegados e subde-legados e seus suplentes têm por missão principal o negócioeleitoral”. Quanto à coalizão que se formara, a Liga, ele nãosabia se era um partido homogêneo, compacto, se o antigoPartido Liberal com as modificações que o tempo natural-mente devia produzir, ou se era o Partido Conservador; masvencedora a coalizão, ela não tinha um programa político.

Realmente a Liga subia ao Poder em janeiro de 1864e somente em6 de junho desse ano conhecia se o seu pro-

grama, o que confirmava a observação de Paranhos, de que“qs partidos devem subir ao poder e nele permanecer quan-do '^üas~T3eiãs^tenham_^calado_jno_espíHtõ^ quandoseus princípios tenham ganho__ajnaioria da^jação, mas t7íunfar sem que os princípios fossem conhecidos e nem~5o~~menos estivessem assentados, governar o país um partido quenão está organizado, ^jue tem de organizar se no poder ecom detrimento do poder, é fato inteiramente novo”.

Á conciliação, a Liga, as coalizões político partidáriasnão tinham, assim, como base programas políticos, mas finsimediatos e, no fundo, visavam sempre a abrandar os confli-tos, realizar reformas formais, evitar as estruturais e ganharo tempo para as elites e perdê lo para o povo e a nação, ALiga, por exemplo, apresentara, segundo o próprio TeófiloOtoni, que dela fez parte, “urp belo tratado de direito pú-

blico constitucional”. Ela realizara, acrescentava Otoni, aque-las reformas que os conservadores puritanos unidos aos li- berais moderados não souberam realizar. Agora os conserva-dores moderados, que se uniam aos liberais puritanos, julga

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vam ser a principal necessidade “a reforma das leis que con-fiscaram as liberdades individuais e as garantias dos cida-dãos”.

As várias parcialidades uniam se ou se desuniam em nomede princípios jurídicos, para reformas judiciárias, eleitorais,mas nunca a fim de encaminhar soluções para os problemasestruturais. Na verdade, ã"'falta de liberdade, a opressão colo-nial, a sombra da Inquisição sempre tão vigilante contraqualquer heterodoxia, as perseguições pessoais foram substi-tuídas, a partir da maioridade e debaixo da direção de D.Pedro II, pela mais livre expressão de pensamento, de liber-dade de imprensa e de opinião e a propaganda republicana e

positivista se fez sem opressão.O processo histórico deixara, com a conciliação, de ser

cruento, pois ela visava, pela acomodação, a salvar o essencial.As minorias dominantes no Brasil, para evitar as convulsõessangrentas, sempre prometeram reformas, especialmente nascnsêsTe~quãhdo o povo se_continha e elas se tornavam senhorasda situação, descumpriam _as promessas. O coração endurecido

foi menos do povo que da minoria dominante. Esta não reco-nheceu nunca seu povo. Quem somos? A elite não quis ver op o v o como ele é. mas como queria que ele fosse: branco, euro-

peizado, educado. Além disso, os programas políticos foramquase sempre extremamente restritos, limitados quase à obser-vação da Constituição, à rigorosa economia pública, à mo-deração e respeito aos direitos individuais.

Desde 1840 eles são mais definidos nestes limites, e desde

1847 começam a incluir a conciliação como objetivo; gabinetesconservadores ou liberais definem sua política sempre ou quasesempre com as palavras ordem e liberdade, e visam todos ouquase todos a novas reformas eleitorais; poucos, pouquíssimos,nem mesmo os progressistas, falam sobre prosperidade e pro-gresso, mas, antes, de rigorosa economia dos dinheiros públicos.

Alguns falaram em reformas desde 1831, como vimos, eentre eles Bernardo Pereira de Vasconcelos e Carneiro Leão.

Houve mesmo quem dissesse, como o deputado Henrique Re-zende, em 1833, que se as reformas não viessem a Revolução

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de 1831 não estaria completada. Nem 1822, nem 1831, nemtodo o império rompeu com a estrutura arcaica colonial. Averdade é que nenhum grande movimento brasileiro foi levado

às suas consequências práticas, com reformas estruturais, e a própria Abolição sofreu sempre todos os estorvos, todos osobstáculos.

A A b o l i ç ã o : o s i n s t a n t e s

DE RETARDAMENTO E DE ACELERAÇÃO

Os momentos de retardamento impediram sempre os instantesde aceleração. A legislação é enorme e mais demora a marchaque a anima. Domina sobretudo uma mentalidade gradualistaque, se beneficia os grandes proprietários rurais, atrasa o paíse impede o progresso do povo. Ela começa, em, 7 de novembrode 1831, declarando livres os escravos vindos de fora do Im-

pério e impondo pena aos importadores; em12

de abril de1832 regulamenta se esta lei; em 4 de junho de 1835, depoisda Revolta dos Malês (janeiro de 1835), determinam se as penas com que devem ser punidos os escravos que matem,firam e cometam ofensa contra seus senhores; em 4 de setem- bro de 1850, a lei de repressão do tráfico e os decretos de 14de outubro e 14 de novembro deste ano, que regulamentamesta e a lei de 1831, representam instante de aceleração. Aju-

da se, assim, a formar o capital nacional, desviado para otráfico, e agora voltado para os melhoramentos materiais.Mas não se toca na terra, nem se chega à libertação; em 28

de dezembro de 1853, em plena conciliação, declara se queos africanos livres, cujos serviços foram arrematados por par-ticulares, ficam emancipados depois de 14 anos, quando orequeiram, e se dispõe sobre seu destino. Em junho de 1864,Ângelo Ferraz declarava na Câmara que tínhamos na Europa

a reputação de só cumprirmos as nossas promessas sob pres-são ou à força. “A grande questão social, sob que tem havidorenhida luta nos Estados Unidos, deve ser reproduzida mais

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cedo ou mais tarde no nosso país. É mister, portanto, queatentemos bem para ela e para a nossa posição; corre que háuma promessa do governo brasileiro a respeito de sua solução.”

Conta, a seguir, que o Ministro inglês sr. Scarlett relatara aLord Clarendon uma entrevista que tivera com o Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a extinção da escravidão no Bra-sil: este lhe dissera que o governo brasileiro tinha tomado aresolução de acabar lentamente com a escravidão.

Na manhã seguinte, Paranhos, o Ministro dos NegóciosEstrangeiros a que se referira Ferraz, conta o que se passa-ra entre ele e o Ministro inglês: este insistia pela emancipa-

ção imediata, e ele sustentara a doutrina do decreto de 28de dezembro de 1853. Paranhos afirma que na discussão ofi-cial sustentou o ponto de vista oficial do governo, mas naconversação particular, como “o sr. Scarlett atribuía demasia-do aferro de nossa parte ao sistema da escravidão”, ele invo-cara as razões de ordem pública que têm impedido a medidageral, e que, longe de haver o aferro, “as tendências do espí-rito público no Brasil eram em sentido inteiramente diverso,

tanto que davam já que pensar aos nossos estadistas”. Massua opinião individual não criava o menor comprometimento,a menor obrigação para o Império, “Não vem agora a pro- pósito dizer que eu ainda não me inscrevi entre os abolicio-nistas, se os há da escravidão no Brasil. Reconheço como to-dos o mal que daí nos resulta; penso, tanto quanto é dado àminha inteligência e previsão, nas medidas que, em futuro maisou menos próximo, esta matéria pode exigir dos poderes do

Estado; longe, porém, de mim a intenção de julgar possíveldesde já o propósito que em 1857 me atribuiu ou atribuiu aogoverno imperial o Ministro de S. M. Britânica sr. Scarlett”.

Em 24 de setembro de 1864 concedia se a emancipaçãoa todos os escravos livres existentes no Império e em6 denovembro de 1866 concedia se a liberdade gratuita aos es-cravos da nação, designados para o serviço do exército, istoé, em luta no Paraguai, e cerca de 20.000 foram libertados.

Em 15 de setembro de 1869 proibia se a venda de escravosdebaixo de pregão e em exposição pública. Em 1870, o Vis-conde de São Vicente, Pimenta Bueno, declarava, ao expor

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seu programa na Câmara, que “o país demanda sem dúvida al-gumas medidas ou reformas muito importantes. Especialmen-te as que se referem ao elemento servil e à melhor administra-ção da Justiça. A primeira exige uma solução prudente, pre-vidente, que procura compor e harmonizar os valiosos interes-ses que nesse assunto estão incluídos”, Na composição e naharmonia, isto é, na conciliação, a resistência encarniçada dasminorias acaba vencendo, e a reforma sendo adiada.

O Gabinete do Visconde de Rio_ Branco, de 1871, quetinha como programa resolver a questão servil, limitou se àLei do Ventre Livre que, além de não satisfazer as aspira-

ções emancipacionistas, gerava profundos conflitos psicológi-cos. Ela serviu pará retardar novamente a marcha do movi-mento. Dez anos depois, o Gabinete Saraiva, que volta a fa-lar de reformas constitucionais, límita se ao decreto de 17de abril de 1881, determinando o modo por que devem serfeitas_e averbadas as declarações de fuga e apreensão de es-cravos, e o Visconde de Paranaguá, em 1882, apresenta se àCâmara com um vasto programa de reformas, como sempre

políticas, exceto a do alargamento da instrução pública e aservil. Está com o mesmo espírito de harmonia, pois diz que“favorecera, sem quebra de respeito à propriedade, a evoluçãoque se opera do trabalho escravo para o trabalho livre, evo-lução que se pode conseguir naturalmente pela melhor execu-ção da sábia lei de 28 de setembro. A elevação do fundo deemancipação, o imposto sobre transmissão na venda de es-cravos, a proibição de semelhante comércio entre as provín-cias são medidas propostas e que merecem o assenso geral do país. O governo as julga no caso de serem adotadas, curandoao mesmo tempo da educação dos ingênuos, em número jáavultado”.

Em 1883, Lafayette Rodrigues Pereira, expondo seu programa à Câmara, declara que “entre as questões que mais preocupam a atenção do país, sobreleva, pela sua gravidade

e pelos efeitos econômicos e sociais, a do elemento servil.Vós o sabeis, a lei de 28 de setembro de 1871 organizou ummecanismo simples c eficaz, por meio de cuja ação, dentrode um prazo, que não será longo, o elemento servil estará

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extinto em todo o Império. Mas pergunto vos: não será pos-sível adotar alguma medida, no sentido de auxiliar, de facili-tar a ação da lei de 28 de setembro?”

A intransigência escravocrata e latifundiária impedia oudificultava qualquer medida legislativa, e mais fácil era pro-meter nos programas a ampliação da lei de 1871. O gabinetede Cotegipe não pretende fazer um programa político, masacredita que duas medidas podem alcançar o apoio da Câ-mara, e uma delas é exatamente a emancipação gradual dosescravos. Isso se faz com a jei de 28 de setembro de 1885,que teria como corolário a imigração protegida. Afinal foi so-mente em 13 de maio d,e 1888 — depois de mais de meioséculo de legislação — que a escravidão foi extinta imediata eincondicionalmente,

A lentidão das reformas essenciais mostra como os ins-tantes de aceleração — a abolição do tráfico, a abolição daescravidão — são dominados por meio século de retarda-mento. Não houve no Brasil sequer o equilíbrio entre a cria-ção e a tradição, pois sempre os líderes retardatários impe-diram ou retardaram o mais que puderam que o contempo-râneo vencesse o fóssil. Os exemplos não faltariam, pois nemum, nem outro momento de aceleração foi levado às suasúltimas consequências, com benefícios reais para a União eo povo.

Neles, como na hora da Lei de Terra, também de 1850,não se mexeu na terra, não se promoveu a reforma agrária.E se fosse necessário dar outros exemplos, a lentidão do

processo histórico brasileiro não se caracteriza somente pelaresistência oposta pelas minorias oligárquicas enfeudadas nosseus privilégios. Caracteriza se também pela inércia e rotinaadministrativa, porque é uma sociedade divorciada do Poder,que vive in extremis. Sempre a minoria dominadora e nãocriadora travou o caminho do progresso, por ofensa aos pri-vilégios ou por fossilidade ou não contemporaneidade. O

processo histórico brasileiro é sempre não contemporâneo.

Em 1889, antes de ser derrubado o Império, em grande parte pelos latifundiários, descontentes com a Abolição, o

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Visconde de Ouro Preto apresentava na Câmara um grandee liberal programa de governo. Depois de dizer que em al-gumas províncias agitava se uma propaganda ativa, cujos in-

tuitos eram a mudança da forma de governo, afirmava queera “mister não desprezar essa torrente de idéias falsas e im- prudentes, cumprindo enfraquecê la, inutilizá la, não deixan-do que se avolume. Os meios de consegui lo não são os daviolência ou repressão: consistem simplesmente na demons-tração prática de que o atual sistema de governo tem elasti-cidade bastante para admitir a consagração dos princípiosmais adiantados, satisfazer todas as exigências da razão pú-

blica esclarecida, consolidar a liberdade e realizar a prospe-ridade e grandeza da pátria, sem perturbação da paz interna,em que temos vivido durante tantos anos. Chegaremos a esteresultado empreendendo com ousadia e firmeza largas refor-mas na ordem política, social, econômica, inspirados na escolademocrática: reformas que não devem ser adiadas, para nãose tornarem improfícuas”. E concluía afirmando que “a situa-ção do país define se, a meu ver, por uma frase — necessi-

dade urgente e imprescindível de reformas liberais”. OuroPreto menciona as reformas, entre as quais o alargamento dodireito de voto, a assimilação dos imigrantes, o aperfeiçoa-mento do ensino e a lei de terras que facilitasse sua aquisição.

A LIDERANÇA REPUBLICANA: NOVA HISTÓRIA CRUENTA

A queda da monarquia e a implantação da República repre-sentam nova oscilação no comportamento do povo e da lide

A rança. O primeiro assistiu, _ sem nenhuma possibilidade de

reaçãOj a decisão quase isolada _de sua nova liderança,, semmanifestar lhe, também, nenhuma solidariedade. O povo es

, timava seu Imperador, como demonstrara à sua chegada, em22 de agosto de 1888, da Europa; e Floriano Peixoto, quelogo sucede a Deodoro, representa a volta da liderança volun-tariosa, indomável, intolerante e violenta.

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Floriano Peixoto é uma figura controvertida; suprime asliberdades públicas, inaugura a ditadura, inicia as violências

pessoais, a guerra civil, as deportações. A Revolução Federa

lista (1892 1895) custou mais de 10.000 vidas, em trintameses; a da Armada, no Rio de Janeiro, foi menos sangrenta.Mas a repressão desvairada, a ferocidade dos fuzilamentos edegolas no Paraná e Santa Catarina, o extermínio dos inimi-gos e prisioneiros abriram uma fase de vinditas que o Impériodesconhecera durante meio século. A luta de Floriano contrao predomínio inglês na economia brasileira' e contra seus agen-tes, a colônia portuguesa, porém, provoca e acende paixões

exaltadas que nele vêem o combatente da emancipação econô-mica do Brasil, apesar de ter solicitado o apoio americano para suprimir a revolta da Armada.

Se Feijó, outro inconciliável, pensou em apelar para aajuda das forças estrangeiras para defender a Ordem, Floria-no Peixoto solicitou o auxílio americano a fim de poder con-solidar a República. O Marechal soube inspirar um civismoincomum, um patriotismo raro, um nacionalismo econômico

que leva a alma pura de Raul Pompéia a falar do ódio que promovesse a nossa emancipação, “a revolução da dignidadeeconômica”.

Os republicanos históricos não puderam promover aconciliação, tão grande fora a influência de Floriano Peixoto,e só com Rodrigues Alves começa a fase de paz entre osgrupos divergentes da liderança, unida agora em torno doeixo São Paulo Minas Gerais, que exerceu a soberania polí-

tica nacional, sem contestações, e dividiu o Brasil em Esta-dos senhores e Estados coloniais. Mas antes que esta paz me-tropolitana que desconhecia grande parte dos interesses re-gionais fosse imposta, rompe Canudos (1893 1897), que ba-nha de sangue o nosso interior. Tardara se em compreendera gente do sertão, em atender às suas esperanças e angús-tias e em Canudos as populações rurais revoltadas foram es-magadas (mais de 3.000 pessoas) por forças militares pode-

rosas e tratadas como inimigas da República.A Campanha de Canudos foi um crime, disse Eudides

da Cunha, na sua obra imortal. E sobre os últimos dias da

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Campanha ele escreveu: “Repugnava aquele triunfo. Enver-gonhava. Era, com efeito, contraproducente compensação atão luxuosos gastos de combates, de reveses e de milharesde vidas, o apresamento daquela caqueirada humana, domesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda,

passando lhes pelos olhos, num longo enxurro de carcaças emulambos”. _

Não sobrou um só prisioneiro, mas /R ui Barbosa,J noSenado, em 6 de novembro de 1897, reagindo contra o aten-tado de que fora vítima o Presidente da República e contra

ás brutalidades daquela época, dizia representar um Estado“onde a magnanimidade é a virtude comum do povo, onde otalento e o heroísmo nunca se divorciaram da humanidade;onde os partidos nunca se ensoparam em sangue; onde nãose conhecia a crueldade política; onde as funções nunca ado-taram o algoz e a carniça; onde nunca se conheceram as co-

bardias sanguinárias da ambição política que, nas nossas úl-

timas lutas civis, nos têm irmanado às mais degradadasrepúblicas espanholas”, onde a mocidade acabava de protes-tar contra a “vitória que degola os vencidos”. Finalmentedefendia a “política do patriotismo civilizador, o império doslaços morais, esses vínculos normais do grande organismo,cuja duração não se concilia com a virulência dos sentimen-tos malignos era que a grosseria dos ideais partidários hojeem dia nos vai empeçonhando”.

Rui Barbosa era bem o representante desse lúcido es- pírito conciliador civilizado, mas, infelizmente, fazia uma po-lítica voltada para os centros urbanos, para as elites dirigen-tes, descuidada e desatenta dos problemas sociais que agita-vam o Brasil interior. Por isso seu protesto contra o atentadoao Presidente da República é uma longa e Sela oração, e

pãra~õr^gil^ii£jQs_da Balna, vencidos e degolados, há age

nas uma alusão passageira, ainda assim atribuída aos estu'dantes baianosj e logo a seguir refere se" ligeiramente aos ba-talhões vencedores de Canudos.

A conciliação praticada em nome dos interesses dosgrandes Estados contra os pequenos, dos fortes contra os fra

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cos, prático pessoal e não prático real, sem colaboração do povo, cujas aspirações eram satisfeitas no mínimo, é logo,com Hermes da Fonseca, substituída pela inconciliação.

Antes, as sublevações de Mato Grosso (1892 1906),com massacres sangrentos, a insubordinação e indisciplinacontra a vacina obrigatória (1904), no Rio de Janeiro e naBahia, os sucessos de Sergipe (1906), o bombardeio deManaus (1910), as intervenções federais no Estado do Riode Janeiro, Pernambuco e Bahia, estas ensanguentadas (19101912), constituem meros episódios da luta pelo poder defacções dissidentes das minorias dominantes, com alguns as- pectos de~inconformismo popular. Mas ficam na sombra,apesar do relevo que a historiografia tradicional lhes dá, di-ante da Revolta dos Marinheiros (1910), do Contestado(1912 1915), das lutas sertanejas no Ceará (1913) e portodo o Nordeste. O dissídio entre o Poder e a Sociedade serevela mais nestas que naquelas, e a República ainda mais oacentuou apesar do programa progressista de Rodrigues Al-ves, insensível às reformas fundamentais.

Rui Barbosa contou que procurado por Benjamin Constant, em 11 de novembro de 1889, que lhe pedia uma opi-nião, um conselho, lhe respondeu: “Não sei. Não promovia República, não a desejo. Sc tenho combatido a Monarquia,a culpa não c minha c, sim, dela, da sua aversão a reformasnecessárias, o que a coloca numa situação que periga.” A Re-

pública veio mas não fez as reformas básicas na terra e naeducação.

A revolta popular de novembro de 1904 foi, como es-creveu José Maria dos Santos, “um movimento de naturezaessencialmente econômica, com suas verdadeiras origens naabsoluta indiferença dos meios políticos e governamentais an-te o sofrimento geral da população”. Foi uma explosão deinconformismo da gente modesta, colhida nas ruas e deporta-da para o Acre. As lideranças continuavam sua velha políti-ca de conciliação dos lavradores de café com os industriais,com os grupos políticos divergentes, estes, vez por outra, aba-fados nas suas ambições de poder. Mas nunca conciliaçãocom o povo.

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Bernardino de Campos dissera em entrevista, em 1891:“É evidente que o ideal republicano não é chegarmos à si-tuação de termos um Estado próspero e uma população mi-

serável; é obtermos que a prosperidade do Estado seja expo-ente da prosperidade geral da população.” Se Rodrigues Al-ves e Afonso Pena nada fizeram nesse sentido — e a refor-ma do sistema tributário teria sido um instante de aceleraçãodo progresso brasileiro —■, o que dizer dos inconciliáveis queviviam dos conchavos pessoais e das convivências subalter-nas?

Os negócios particulares, especialmente os do café, con- jugavam se às finanças do Estado, de braço dado com ele, beneficiavam se sem vantagens para ó povo. As vagas invocaçõesà Justiça, à Liberdade, às reformas secundárias, como sem-

pre, superestruturais, eleitorais, judiciárias, de códigos — semmexer, por exemplo, no “empirismo tributário que é um re-gime de sangria espoliativa a que nenhuma nação das maisvigorosas do mundo resistiria” —, não podiam melhorar asorte do povo, abandonado ao seu destino, não integrado no país. A um país que, segundo Felício dos Santos, num pa-recer de 1863 1866, repetido por Rui Barbosa, no seu Rela-tório como Ministro da Fazenda em 1891, não passava deuma feitoria colonial. “Sem indústrias manufatureiras, é ex- portador só de produtos da lavoura e de matérias primasque recebe depois, em produtos fabricados, pelo duplo doseu valor. É exportador de moeda, não só porque tem de pagar juros da grande dívida externa e de capitais estrangei-ros empregados aqui, como também porque supre as gran-des despesas dos nossos compatriotas que vivem na Europa,ou por lá passeiam, exibindo sua ociosidade (absenteísmo),nenhuma compensação nos vindo desses fatos, porque os es-trangeiros não procuram o Brasil, para consumir suas ren-das; ao contrário, por dolorosa experiência sabemos quantonos custa o seu capita! empregado aqui.”

O defeito não estava, como se pensou e se pensa aindahoje, no regime presidencialista, porque era o mesmo nosistema parlamentar. A origem está na dissociação entre oGoverno e o Povo, entre o Poder e a Sociedade.

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Escreveu com acerto José Maria dos Santos que a ad-ministração pública “cada vez mais se reduzia a vasta cul-tura^ de interesses privados. Só viviam realmente os negócios

que, direta ou indireta mente, se fundassem nos cofres públi-cos, como unicamente no carater de negócio eram tomadasas tunçòes políticas e administrativas, pelos proventos pecuniãrios que lhes são atribuídos.~A~massa geral do país, em"FSãTUãquele quadro de constante e progressiva degradação,continuamente oscilava entre a cólera e p sarcasmo, a ansiar

por um cataclismo qualquer que a limpasse de tanta vilania”.As falhas não estavam, como não estão, na forma do

governo nepi na instabilidade da transmissão, mas no con-flito latente, potencial, permanente, de um povo com sua li-derança; reside antes no fato de que o povo existe com anação, mas não coexiste com a minoria dominadora.

Não surpreende, pois, que a República veja reproduzirse a história cruenta e os inconformismos de sempre. O pa-lavreado retórico dos liberais republicanos, tão igual ao dosliberais imperiais, satisfaz apenas aos sentimentos de justiça

e liberdade, nas horas in extremis; mas reduzido a uma au-diência pequena, de classe média, nada adianta ao progressodo povo, que é o progresso do país. As revoltas continuam;a dos marinheiros ■tem raízes antigas, bastando lembrar queem 1828 as chibatadas eram suspensas no Exército. Em dis-cussão na Câmara, em julho daquele ano, afirmava o Briga-deiro Cunha Matos que só pessoas bárbaras podiam se aco-modar à idéia de chibatadas em soldados; em Portugal, ha-

viam sido introduzidas por influência inglesa, mas era pre-ciso “olhar para os soldados como cidadãos livres; chibata-das são só próprias para vis escravos e fazem perder o brio,

perder a honra e até a virtude”.Foi por influência de idéias semelhantes de oficiais su-

periores do Exército que cedo este se livrou de tal opróbrio.Mas não se livrou a Armada das chibatas mesmo depoisde libertados os escravos, apesar de várias manifestações an-

teriores mostrarem que os marinheiros não suportavam maiseste castigo degradante. A Revolta dos Marinheiros, de 1910,com vários mortos, especialmente oficiais, revelou, segundo

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Inácio Azevedo Amaral, “o sentimento da consciência de ca- pacidade das massas melhor aparelhadas tecnicamente, parareivindicarem, pela força, uma melhoria de suas situações res-

pectivas; foram elas significativo sintoma de um estado social possibilitado pelas condições industriais da atividade militare prenunciando sucesso de caráter mais geral e extenso”.

A luta contra a oligarquia Acioli, no Ceará, em 1912,não possui apenas o caráter político das outras deposições eintervenções, meros episódios da luta pelo Poder, disputadaentre setores das minorias. Nela intervêm mais uma vez ossertanejos, impelidos não somente pela miserabilidade de suas

condições econômicas, mas também pelo seu misticismo.As agitações quase permanentes do sertão brasileiro, tão

pouco pesquisadas e acentuadas pela historiografia litorâneatradicional até recentemente, ligam se às lutas de famílias naépoca colonial, aos potentados do interior de que falava Na

buco de Araújo, aos coronéis da época republicana. Delasnascem os jagunços e os cangaceiros, os fanáticos e os he-róis sertanejos, que desde Canudos o mundo político oficial

passa a conhecer. Na luta contra a seca e as condições climáticas, as las-

timosas semi existências que vegetam na extrema necessidadeou recorrem ao crime individual e familiar com que liquidamdesavenças — e isto não é particular da zona sertaneja, masde todo o interior, onde falta outra forma de controle social

—, ou buscam a reação coletiva, que apesar de sua aparên-cia mística tem especialmenle motivações econômicas, comomostrou, com argúcia, Rui Facó.

O movimento armado do Juazeiro (1913), com maisde 5.000 homens, utiliza jagunços para fins simplesmente po-líticos, consolida a vitória do coronelismo e desgraça aindamais a situação dos sertanejos, colocados entre escolher a pe\manência como reserva de mão de obra barata no Nordesle, ou emigrar para o Sul, onde também serviam para ba-ratear a mão de obra no campo.

As lutas de sertanejos e jagunços iniciadas com AntônioConselheiro e brutalmente suprimidas reapareceram no Con-testado (1912 1915) e pelos sertões do Nordeste. Agravos,

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aflições, angústias e opressões econômicas agitavam as popu-lações do interior; Lampião não é um mero bandido n a s jutas que empreende com seus companheiros de 1918 a 1938.

Estavam todos cansados e oprimidos e a liderança de cora-ção endurecido não lhes oferecia alívio. O problema da ter-ra, o latifúndio, é fator permanente de desesperança, agra-vado, no caso do Contestado, pelo desalojamento de terrasdevolutas.

A c a m p a n h a do Contestado concentrou mais de 2.000soldados, custou cerca de 3.000 contos1de réis e não temconta o que se perdeu em vidas, considerando se que mais

de 10.000 crentes participaram do movimento e muitos lu-taram. Tanto o General Herculano Assunção como o GeneralDemieval Peixoto recolheram cartas de jagunços onde seliam frases que são um depoimento das queixas que amar-guravam os homens do sertão: “Nóis não tem direito de ter-ra, tudo é para as gentes da Oropa”; “O Governo da Repú plica toca os filhos brasileiros dos terrenos que pertence anação e vende para o estrangeiro, nos agora esterno dispostoa fazer prevalecer os nossos direitos”.

Por isso o Capitão do Exército Matos Costa, que visi-tara os redutos e auscultara as queixas, afirmou: “A revoltado Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espo-liados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança.”

Havia de tudo entre os fanáticos do Contestado, mas ogrosso se compunha de caboclos, descontentes com os proces-

sos de colonização e imigração, pois dois fatos recentes di-ficultavam o acesso à terra pelos brasileiros. Primeiro, aatribuição das terras devolutas aos Estados, pela Constitui-ção de 1891 (artigo 64), trouxe como consequência não sóo fracionamento da massa territorial, como permitiu as con-cessões despidas de interesse público, feitas em atos isoladosde favor que favoreciam os latifundiários ou permitiam a

partilha de quase todo um Estado, como o Amazonas, divi-dido em oito zonas, entregues a companhias estrangeiras pa-ra a exploração de suas riquezas minerais. Segundo, em1907, o Governo brasileiro, em medida discriminatória, proi

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bia a venda de terras a brasileiros nos núcleos coloniais, em proporção superior a 10%, média essa elevada, em 1911,a 30%.

Promovia se, assim, não somente a desnacionalizaçãodas terras, denunciada desde 1902 por Sílvio Romero, comoo acesso à terra por brasileiros naqueles centros onde algunsimigrantes aos poucos se convertiam em latifundiários. RuiBarbosa declarava, em 1917, ao discutir a questão de limi-tes entre Paraná e Santa Catarina, considerada por OsvaldoCabral como um dos elementos da eclosão do movimento doContestado, que a germanização de Santa Catarina desnacio-

nalizava uma parte preciosa do território nacional. Leu, en-tão, para o Senado o anúncio de uma companhia alemã queobtivera grande concessão de terras naquele Estado propondoa venda de terras onde seriam admitidos somente colonos deorigem alemã.

Se Hermes da Fonseca fora inconciliável, provocandomaior tensão que se refletia também no comportamento po-

pular, o governo de Venceslau Brás, considerado mais mo-derado pelas elites — ele fora irrepreensível, segundo JoséMaria dos Santos, na melhor defesa dos interesses privados

— , não enfrentou crises menores. Não as novas intervençõesque no Estado do Rio de Janeiro ou no Amazonas põem oGoverno Federal a serviço de facções da liderança, merosepisódios da disputa pelo Poder, mas especial mente no Con-testado, de cujo drama final ele é responsável e nas conspi-rações de 1915. Nestas destaca se a frustrada insurreição dossargentos, estimulada por políticos, mas filiada, como a dos

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marinheiros e as lutas sertanejas, às condições econômicas ge-rais do país.

O assassinato de Pinheiro Machado não tem as propor-ções trágicas da seca de 1915, que reduziu à fome ou sub-nutrição 'mãiíFTIã mêfãdê^da população e deslocou mais de100.000 pessoas do Ceará. Se aqueles não recebiam nenhu

ma assistência, esta não faltou aos produtores e exportadoresde cafcTquando o preço, êm~ffil TTcãiiT775~centavõs dejlólar por libra peso. O Governo Federal, fazendo sua segun

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da experiência de valorização, emprestou cerca de 27 milhõesde dólares ao Governo Estadual de São Paulo, o que permi-tiu a este comprar para estocagem mais de 3 milhões de

sacas.A tranquilidade aparente no centro sul do país resultava

da promoção dos grandes interesses econômicos e por issonão é surpreendente que o Governo de Venceslau Brás de-sabafasse, em sua última mensagem, sua mea culpa: “Nestahora angustiosa por que passa o Mundo, é que se pode bemverificar quanto descuidamos dos interesses capitais e quantotempo perdemos em questiúnculas estreitas e irritantes de

campanário. Façamos ponto. Comecemos vida nova."

N ov í s s ima his tór ia c r u e n t a

A política de conciliação — conciliação das divergências da

minoria dominadora — segue um curso em ziguezague. Fa-la se sempre em pacificação, confraternização, pois a ordemainda é o objetivo principal da política, embora, agora, à li-

berdade sempre ameaçada se acrescente uma esperança de progresso, que os planos de estabilização e ordem financeira pretendem objetivar.

Epitácio Pessoa, escolhido por falta de entendimentoentre as correntes dominantes, visa a um governo de “concen-

tração nacional” e esboça “alguma das mais urgentes aspira-ções nacionais” : desenvolvimento da produção industrial,agrícola e pecuária, extinção das secas, redução dos encargosdo Tesouro, reerguimento e aperfeiçoamento da “minoriailustrada” que estava minguando com as reformas do ensino,e a verdade eleitoral, com as “eleições sérias”. Embora aten-desse aos grandes interesses cafeeiros de São Paulo e servissemais aos Estados do Sul que aos do Norte — metropolitanose coloniais, em parte efeito ■da política dos governadores —,não impediu que continuassem as pequenas lutas de facções,sempre revoltadas diante do ostracismo político.

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A intervenção na Bahia resultou na mobilização de ca- pangas de coronéis do interior pelos oposicionistas — os li- berais da elite baiana; os convênios de Lençóis, São Fran-cisco e Castro Alves, todos de 1920, mostram as diferençascom que uns e outros, conservadores e liberais, tratam ossertanejos de Canudos, do Contestado e de várias lutas dosertão, bem como os jagunços de “coronéis” a serviço daluta pelo Poder.

Uns a ferro e fogo foram tratados, e outros o foramcomo adversáriõs~dSTgtral~pcrra~iguãl7~Hãõ~e~so uma singulari-

dade jurídica; é, sobretudo, uma singularidade política e so-ei aj 1 _£elo^jirranjo_que_jespeit^ armado de “coro-néis” latifundiários do interior e pela desigualdade com quese exterminam as insubordinações de sertanejos, desassistidosde_“coronéis”. Na verdade, a política de conciliação estavaameaçada na sua sobrevivência desde o momento em quePinheiro Machado fora assassinado e Epitácio Pessoa ascen-

dera ao Poder. Ao primeiro se deviam as combinações comque se fechava o círculo de ferro que cercava o Poder, sem- pre conquistado pelo grupo político que melhor se conciliavacom os grandes interesses econômicos latifundiários e cafeei-ros; o segundo subira em face do malogro dos entendimentosda mesma roda e devido às urgências da decisão.

Daí em diante, os grupos divergentes da minoria, sem- pre impossibilitados de ascender às posições de comando eamargurados pelo ostracismo político, iniciam uma fase deluta, possibilitada pelo engrossamento de suas fileiras. A ur-

banização, a industrialização, a ampliação das classes mé-dias e do proletariado, as crises econômicas depois da Pri-meira Guerra Mundial revivem as esperanças de setores maisamplos da oposição, reunida sob a bandeira liberal. O cír-culo de ferro não se rompera, mas afrouxara, e já em 1922

se inicia a novíssima fase sangrenta do processo histórico brasileiro; o 5 de julho de 1922, no Rio de Janeiro e naguarnição de Mato Grosso, trouxe as primeiras vítimas e re-velou grupos do Exército lutando por aspirações liberais.

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A presidência de Artur Bernardes reforça o círculo, res-tabelece o acordo das forças dominantes das zonas dominan-tes e sua reforma constitucional limita se a reforçar o poder

de polícia; as conciliações de caráter mais amplo, apaziguan-do as divergências, tornavam se mais difíceis. Estas eramagora reforçadas pelas reivindicações das classes médias eoperárias e pelas inquietações sertanejas.

A revolta no Sul (1923) durou oito meses e custousangue; em julho de 1924, em São Paulo, com um progra-ma de pequenas reformas liberais, em que se destacam a dovoto secreto e a tributária, a serem obtidas através da con-

vocação da Constituinte, levantaram se mais de 3.000 ho-mens, sem contar os movimentos isolados em Sergipe, Ama-zonas e Pará. Após 18 dias de domínio total da capital pau-lista retiraram se os rebeldes em direção ao Paraná, pela im-

possibilidade de enfrentar os 14 a 15 mil legalistas. Na re-tirada, parte se dirigiu para Mato Grosso, onde, em TrêsLagoas, metade da coluna de 800 homens foi dizimada; ou-tra parte buscou o Paraná, unindo se às forças comandadas

pelo canitão Luís Carlos Prêstes,~qüê se revoltaram em San-to Ângelo. Dessa junção nasceu a Coluna Prestes, que com1.200 homens percorreu de 20 a 30 mil quilômetros em doisanos.

Esta nova geração militar que representava todo o inconformismo dos setores mais amplos da vida brasileira nãotinha unidade ideológica e, politicamente, almejava objetivosliberais que se resumiam na verdade da representação e nas

garantias individuais. A inconciliação entre o Poder e a So-ciedade continuava. O programa de Washington Luís redu-zia se a satisfazer às aspirações e interesses dos setores mais poderosos da economia brasileira, representados nos PartidosRepublicanos paulista e mineiro.

A reforma financeira, isto é, o saneamento da moeda pela estabilização do câmbio para a circulação conversívelem ouro, buscava seu modelo na França, como, antes, Ber-

nardes se inspirara no exemplo alemão. A aventura da con-versibilidade, um subproduto da política da defesa do café,

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serviu, como escreveu Celso Furtado, para facilitar a fugados capitais. A reforma da moeda e a defesa do café já nãoconciliavam o governo com as próprias forças econômicas e

muito menos o reconciliavam com a realidade do país. Àsdivergências pessoais e formais que separavam os grupos damaioria dominante somavam se agora as reivindicações so-ciais de setores os mais variados da sociedade brasileira. Nãohavia de ser, portanto, uma reforma monetarista que iria re-solver os problemas estruturais do Brasil, que tanto se agra-vavam com o adiamento constante e com as pequenas solu-ções anacrônicas.

Mas o pior era a intensificação do problema da integra-ção do operariado e dos sertanejos. As greves de trabalhado-res (São Paulo, 1918; Rio de Janeiro, 1919) levaram Epitácio Pessoa a reconhecer que havia “reivindicações operá-rias justas” e Rui Barbosa, na campanha de 1919, discutindoa questão social, entrava em contas com seus adversários e perguntava: “Venham com as suas os homens, que há trin-

ta anos, se assenhorearam da república, e nela, vai por trin-ta anos, parasiteiam à tripa forra. Que fizeram eles, nessesseis lustros, neste terço de século, pela causa do trabalhonesta terra, eles, os únicos em cujas mãos estão, para tudo,a faca e o queijo, a faca rija no corte e o queijo inesgotávelno miolo?” Não haviam feito nada. Mas Epitácio Pessoa sou- bera fazer, para reprimir os abusos da liberdade de impren-sa, a “lei de repressão ao anarquismo” (17 de janeiro de1921). Bernardes, com o estado de sítio permanente, afogavaqualquer aspiração popular, e Washington Luís consideravaa questão social como um caso de polícia. “Ainda por muitos ànÕs7^~£ú~\TO~fãío_para o minuto de um quatriênio, en-tre nós, em São Paulo, pelo menos, a agitação operária é j uma questão que interessa mais à ordem pública que àor- idem social; representa ela o estado de espírito de alguns ope l|

rários, mas não o de uma sociedade.”O dissídio entre o Poder e a Sociedade, que vinha do Im- pério, se agravava ampliando, agora, com a não integraçãooperária e sertaneja. Para estes não havia conciliação, mas

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submissão, pois uns e outros haviam surgido no Brasil com otrabalho escravo, com o desapreço pela atividade utilitária,com o falso sentimento de que o trabalho envergonha o ho-

mem livre.Por volta de 1920 havia no Brasil cerca de 13.569 es-tabelecimentos industriais e cerca de 300.000 trabalha-dores industriais, sem contar os assalariados no transporteç^no comércio; a organização sindical operária, iniciadaem 1906 1908, com a Confederação Operária Brasileira,começava a promover agitações de caráter anarquista. Asgreves entre 1917 1920, em São Paulo, Rio de Janeiro,

Santos, Porto Alegre, Pernambuco, Bahia, Juiz de Fora, Petrópolis e Niterói, os comícios populares operários desde 1913,a fundação do Partido Comunista (1922), a primeira publica-ção em português do Manifesto Comunista (1924) mostravao equívoco de Washington Luís e da liderança que,o acom-

panhava.A liderança da primeira República não quisera fazer

concessões e Rui Barbosa, já em 1919, discutia a questão dareforma social e da revisão constitucional e declarava que“não alterada a Constituição, não poderia o Congresso Na-cional legislar as mais importantes das medidas sociais, quehá pouco discuti. No que estamos em rixa aberta é em nãoquererem eles, e advogar eu, a revisão constitucional, parachegarmos a essas medidas. Eles estimam o obstáculo cons-titucional, para não as dar. Eu, para as dar, pretendo remo-ver o obstáculo constitucional”. Com a resistência à reformaconstitucional condenava se o projeto que limitava as horasde trabalho.

No campo, a situação ainda era pior. “Como explicar”, perguntava Rui Barbosa em 1919, “singularidade tão extra-vagante, qual a de, num país essencialmente agrícola e cria-dor, se esquecerem do trabalho da criação e da lavoura —os dois únicos ramos de trabalho naturalmente nacionais, os

dois sós, em absoluto nacionais, os dois, onde assenta a nos-sa riqueza toda, a nossa existência mesma, e sem os quaisa nossa própria indústria não poderia subsistir.”

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A estrutura agrária de características coloniais, com agrande propriedade e a monocultura que persistiu comoocupação da terra e como regime de exploração, apesar do

abalo da abolição, impediu a melhoria das condições do ho-mem do campo. Já no Império, uns poucos viram que agrande propriedade era um empecilho insuperável à transfor-mação econômica e social do campo. Com a República nadase fez para reformar essas condições; pelo contrário, a gran-de concentração que se desenvolve até a crise de 1929 1930não só ajuda a expansão da área das culturas agrícolas, comogera a miséria e as fomes que dramatizam o quotidiano nor-

destino na época das secas.O excesso de população rural, permitindo a exploraçãoda mão de obra fácil e barata, os obstáculos ao acesso à ter-ra própria, o predomínio dos grandes proprietários e “coro-néis” torna subumana a existência dos que nela vegetam. Odesmoronamento econômico, a destruição social, a subjuga-ção política, o deserto dos valores morais e culturais motivama reação que ora se apresenta em formas esdrúxulas e exóti-

cas de fanatismo religioso, ora se manifesta em forma violen-ta — um protesto acumulado contra o sofrimento, a injusti-ça e o desamparo. Ê o cangaço, que no fundo é uma formade luta contra a organização social nordestina, contra a seca,contra as fomes periódicas e até mesmo contra a repressão policial que deixava sempre a lembrança de um rosário deabusos e sanguinarismo.

Ligada quase sempre ao banditismo político, ao coronelismo, a repressão policial vinha do Império e muito especialmente da lei de 3 de dezembro de 1842. Ela reforçava agrande propriedade, a exploração humana, as oligarquias, edizendo se defensora da ordem apenas pugnava pela conser-vação, pelo statu quo. O velho programa da segurança no Nordeste em particular e no BrjtsiL^m^eraLioL ínfelizmentesempre colocado como um problema policial, de repressão

v iolenta às forças dõ desespero ÊPâa~mudãhça e de apoio àsconservadoras eanti reformistas. Tãlvez~ sentindo isso, diziao senador Nabuco de Araújo, há um século, que havia segu-rança e não seguridade, pois a primeira era material e atual

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e a segunda era a do futuro, era moral, era a ausência dereceio.

Nunca houve seguridade no sertão, mas sempre com

sangue se manteve a segurança material. O cangaço era_aresposta contra o monopólio da terra e a exploração__do tra balhãdõr~rura 1 pelo latitunHiaHÕT^Õs a1icêrces_sociais^ se man-charam de sangue e com sangue se foT formando a çonsciência^social e política de toda a zona nordestina, .espcciajmente~líã^7ibdras do Pajeú e_MoxotóTnõ alto sertão pemambucànõ"~íTnõ vale do Cariri, viveiros de cangaceiros e místicosque desafrontam as mágoas e ofensas do seu povo õu se reú-

nem em torno de um beato para implorar o auxílio divino eremir os pecados que causam seus sofrimentos e maldições."Tissas formas de revolta “que f azem sangrar o processo his-

tórico brasileiro já deram especialmente Canudos, o Contes-tado e Juazeiro. As formas individuais ou bandoleiras, maiscomuns entre 1916 e 1936, não desfiguram seu conteúdo so-cial, nem rompem a continuidade de seu movimento.

Em 1922 realizou se o primeiro convênio policial inte-restadual nordestino, firmando se termos de auxílio mútuo ecombate ao cangaceirismo. A concepção policial do combateao mal se enquadrava na inteligência política da época emostrava que não havia conciliação com os revoltados domeio rural, onde se concentrava a grande maioria da popu-lação brasileira, nem reforma, pois o combate à seca erauma visão unilateral do problema. O cangaço recrudesceraentre 1916 e 1938 e o Padre Cícero dizia, segundo J. MatosIbiapina, que os cangaceiros eram “arrastados à luta arma-da por motivos de família, por questões de terra, por injus-tiças”, e que “fora do alcance dos inimigos, em terras ricas,onde haja probabilidade de fazer fortuna licitamente, eles, ge-ralmente fortes e altivos, metamorfoseiam se em criaturasúteis à sociedade”.

Mas assim não pensava o Governo inconciliável com o

povo, agora inconciliável, também, com os próprios gruposdivergentes da maioria dominadora. Virgulino Ferreira daSilva, vulgo Lampião, o maior dos cangaceiros, ingressou no

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—— }cangaço em 191 & e por maior tempo (20 anos) enfrentoua polícia e percorreu e ensangüentou o sertão. Recruta seu

bando entre antigos trabalhadores das obras federais que ha-

viam sido suspensas, provê a subsistência sua e de seu bando,às vezes composto até de 100 homens, ataca grandes proprie-dades, serve ao “banditismo” político que domina aqueleEstado.

Há, assim, como vimos, as insubordinações de sertanejos,consideradas como banditismo e das lutas des “coronéis” la-tifundiários. Lampião é o símbolo das primeiras e Horáciode Matos das segundas. Nas lutas entre “coronéis” rivais,

sempre ligados a um partido político, recorria se à violênciae recrutavam se jagunços e capangas, que se assalariavam

para a prática de crimes ou para as imposições políticas, co-mo as que praticou o “coronel” Horácio de Matos, nas suasdisputas com outros “coronéis” do sertão baiano, ou contra oPoder Estadual mobilizando neste caso mais de mil homens

por ocasião da intervenção de 1920 na Bahia, ou por con-flito com o governador do Estado, em 1925, quando derrotaa expedição policial, ou quando combate, em 1926, a colunaPrestes. Seu poder no sertão foi imenso e chegou mesmo aemitir vales que corriam como dinheiro.

A solução policial para a segurança e a ordem nos ser-tões foi sempre a preferida. Em 1927 foi apresentado ao Con-gresso um projeto de lei para a repressão policial do canga-ço; em 1930, antes de morrer, João Pessoa, candidato a Vi-ce Presidente pela Aliança Liberal, propunha aos governos do

Nordeste um novo convênio policial.O cangaço ensopou de sangue o Nordeste, apesar dos

esforços do Padre Cícero, que agiu, como escreveu Rui Facó,“como um autêntico conciliador de interesses antagônicos,amortecedor de choques de classes, em favor do latifúndio”.Contra os que não queriam poupar os “bandidos”, contra osque pensavam que exterminando os revoltados do campo se

eliminavam os elementos mais combativos do meio rural, oPadre Cícero lutou não só por “atenuar os horrores do can-gaço, como, sobretudo, por disciplinar, na medida do possí-vel, os excessos da fé”, que criaram tantos fanáticos.

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A l i a n ç a L i b e r a l : a r e v o l u ç ã oTRANSFORMADA EM REFORMA

O comando nacional era sempre — as duas exceções confir-mam a regra •— paulista mineiro e executava uma políticaconservadora para as classes conservadoras, a defesa do cafée a. estabilização monetária. Era um círculo de ferro, fechado,iínpermeável às aspirações de outros Estados e de outros se-tores da opinião nacional. Os Estados dotriinantes tinham seusaliados nos Estados dominados, e vez por outra tinham querecompor as cadeias rompidas pelas forças mais liberais, sem-

pre excluídas. As intervenções serviam para restabelecer aunidade quando as oligarquias dos Estados subjugados esta-vam ameaçadas ou tinham sido derrotadas.

Assim como a alienação aos interesses da União estavaquase sempre presente nas lideranças dominantes, a aliena-ção aos interesses estaduais não era ausente nas minorias es-taduais. O círculo de ferro executava uma política coercitiva,defendia os grandes interesses dos grupos dominantes dos Es-tados dominadores, embora tivesse também visado, em mo-mentos raros e excepcionais, o progresso geral, com as obras

públicas, estradas e campanhas sanitárias. Uma política abso-lutista foi sempre recolonizadora e por isso não surpreende aformação, mais na República que no Império, de Estadosmetropolitanos e coloniais, estes especialmente os nordesti-nos e centrais, e a proscrição das elites dissidentes.

O horror ao ostracismo e a exclusão de grupos liberaisurbanos fizeram nascer, como no Império, antes da concilia-ção de 1853, primeiro as campanhas civilistas e depois, dederrota em derrota, o recurso às armas, pelo envolvimentodas forças militares na política, que a República tanto favo-receu. Os liberais tinham muitos motivos para apelar paraas populações citadinas; não faltam às campanhas civilistasas velhas acusações de corrupção administrativa e parlamen-

tar, a centralização do Poder, concentrado agora na parciali-dade mineiro paulista, a nação dividida, as eternas exclusões,a tragédia eleitoral, a sobrevivência das oligarquias, os cam-

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pos inconciliáveis, a divisão entre o Poder e a Sociedade, osódios, a necessidade das reformas, sempre e só as políticas(eleitorais, jurídicas), a Constituição transformada em trapocom os estados de sítio; do outro lado, o aceno da bandeiraliberal esfarrapada por tantas derrotas, o plano de reformasque ameaçam, apesar de sua insignificância, romper o círculooligárquico, são vistos como perigo para as instituições quedominam para a defesa dos seus interesses.

Nuns como noutros não estão ausentes a alienação, a política antinacional, antiprogressista e de clientela de queforam acusados os conservadores por Sales Torres Homem e

Ângelo Ferraz, quando na oposição. A acumulação dos res-sentimentos nas facções da elite proscrita, a degeneração doPoder pelo esgotamento e principalmente pela política unila-teral, antipopular, antinacional, antiprogressista, as reivindi-cações das classes médias e proletárias formadas pelo urba-nismo e a industrialização, deram força às campanhas, exer-cícios de participação cívica que visavam mais à conciliação pelo rompimento do círculo de ferro que o recurso as armas, pois todos têm horror às revoluções.As derrotas das insurreições liberais pareciam ter enri- jecido o grupo dominante. A dissidência da liderança minei-ra motivada por alguns dos vícios capitais — os fatores eco-nômicos e sociais estavam presentes antes, durante e depoisda Aliança Liberal — facilitou a formação de um agrupa-mento de luta contra as duras facções dominantes. Ela con-tava, inclusive, com alguns membros preeminentes da cons-telação, que por motivos personalistas, um traço sempre pre-sente na política brasileira ou pelos já mencionados vícios, serevoltaram contra as decisões agora mais paulistas que mi-neiras.

Por sua vez, a liderança gaúcha, unida pela capacidadeconciliatória de Getúlio Vargas, permitia a entrada em cenade um Estado antes voltado ao isolamento na Federação. Nem pelas suas enormes contribuições em tributos e sangueà unidade e integridade nacionais, nem pelo valor de seushomens, participara o Estado na área da decisão última. O papel de Pinheiro Machado consistiu mais em ajudar a fe-

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char a rodela das combinações, mas nunca nenhum gaúchoocupara, no Império ou na República, a principal posição.Foram sempre os gaúchos deuteragonistas da representaçãonacional. A Frente Única possibilitava a ascensão, mais pelocaminho da paz e da conciliação, que pelo recurso ao canhão.

A combinação final de Minas Gerais e Rio Grande doSul visava à conciliação e à paz e discriminava também, es- pecialmente, os mineiros, contra todos os antigos e novos jo-vens militares revolucionários. Quando se falava em “odiosidade das exclusões”, contra a qual tanto sé reclamou durantea campanha, pensava se nos liberais derrotados pela fraudeeleitoral ou rejeitados pelo reconhecimento parlamentar, enão nos militares revolucionários, não anistiados pelo Go-verno.

Não era jpossível “cancelar todos qs jjxpoentes da políúcajjrasikrra, aniTTãr"õ poder dos Estados dissidentes, redu-zir a solução do problema sucessóric^à pessoa de um só ho-mem”. Mas nem por isso ajconciliação.1deixou de ser o ob- jetivo fundamental, especialmente antes da eleição, comomostra a carta de Afrânio Melo Franco a Epitácio Pessoa, por inspiração de Getúlio Vargas, para que servisse de árbi-tro na disputa, ou as atividades de Paim Filho, em busca deuma fórmula que evitasse, no futuro, as incompatibilidadesirreconciliáveis.

O programa da Aliança Liberal propunha pequenastransformações superficiais, como a reforma eleitoral, com o

voto secreto e a justiça eleitoral, e pequenas concessões, co-mo a anistia e o atendimento às reivindicações operárias.Desfazendo os equívocos, numa tentativa de conciliação, o

programa da Aliança Liberal, de 1929, incluíra entre seusobjetivos o atendimento às reivindicações operárias, como aLei de Férias, criada em 1925 mas nunca cumprida, a jorna-da de oito horas, a regulamentação do trabalho das mulhe-res e menores, a indenização por dispensa do emprego. Um

programa acusado de paternalista, que procurava atribuir aoEstado a obrigação de proteger os fracos nas relações de tra- balho, mas que por isso mesmo significava mais que uma sim- ples reforma política.

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Regeneração política e liberdade eram os ingredientes do palavrório liberal, como haviam sido sempre antes sem quese apresentasse nenhum plano de reforma substancial. Vito-riosa pela fraude ou não, a chapa conservadora, cujo pro-grama, como escreveu Leôncio Basbaum, era “uma platafor-ma das classes conservadoras, dirigida às classes conservado-ras para resolver problemas das classes conservadoras”, ocaminho era ou a capitulação ou o recurso às armas. Aconspiração começa em novembro de 1929, mas já no dis-curso de João Neves, de 5 de agosto, se anunciara claramen-te “o prélio terrível das armas”, que seria comandado pelosgaúchos, embora Getúlio Vargas e Borges de Medeiros mui-to hesitassem em recorrer às mesmas. Não queriam a revolu-ção, temiam a revolução, não desejavam ensangüentar o país,e, sobretudo, queriam a reforma política e não a social. Daía frase de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada: “Façamosa Revolução, antes que o povo a faça.”

A luta eleitoral e a armada contaram com a simpatia popular, apesar do divórcio entre as elites governamentais ou

oposicionistas e o povo. O receio consistia em que a revolu-ção"vie^e^temfiísSâtuçijtejComo^^clarecrà^Tõlõ^Neves daFontoura, de baixo para cima. Pelos seus objetivos~refÕnmstasTiberais, quase limitados à “Representação e Justiça”, por-que nascia da cúpula dos partidos excluídos na participaçãodo poder, da cisão da minoria dominante, o movimento de1930 só foi revolucionário na forma do comportamento, nareação às proscrições acumuladas. Não visava a atender, se-não em parte mínima, às reivindicações populares, nem aten-dia às aspirações de mudança estrutural do país. Antes pre-tendia, pelas reformas..secundárias, especialmente eleitoraisque permitissem o acesso das minorias oposicionistas, ao jx>déi7~êyÍfHroürètardar a revolução. A luta teve desfecho rá- pido, apesar da mobilização militar que provocou, e tal qualas revoluções liberais — como a de 1842 — não foi relati-vamente sangrenta, talvez não chegando a 300 o número demortos nas primeiras lutas, logo seguidas das costumeiras ex- pectativas e tentativas de acordo entre revolucionários e le-galistas, e da adesão final, tudo em 20 dias.

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A vitória da Aliança Liberal nascia tarde, como tantosmovimentos no Brasil. Seu programa não era inócuo e vazio,mas cia obsoleto, era socialmente atrasado, uma relíquia que

insistia em sobreviver e só se afirmava diante da fossilidadcainda maior da plataforma conservadora. A revolução, quedeve ser sempre um salto no progresso histórico contra oatraso, não tinha esta intenção. Não era intencionalmente uminstante de aceleração; era a sobrevivência do não contem-

porâneo. Foi a liderança, ajudada pela insistência dos fato-res econômicos e sociais contemporâneos, que transformou a

pequena reforma em começo de revolução. O caráter conci-liatório de Getúlio Vargas, a princípio meramente formal, istoé, de transação entre facções da minoria dominadora, c de- pois fundamental, isto é, de transação com o povo, dá ao mo-vimento de 1930 o caráter de começo da revolução brasilei-ra.

A conciliação exercitada no Sul, ainda formalmente, quelhe permite transformar se de (deuteragonistaf em protagonistada decisão nacional, traz para a liderança elementos novos,descomprometidos com as velhas e esgotadas alianças parti-dárias ou com os interesses de grupos econômicos, que desserviam o interesse nacional. O nacionalismo econômico que elevai defender na prática do Poder vinha de Floriano Peixotoe se reforçara com Artur Bernardes. Surgia da tomada dcconsciência provocada pelo confronto entre os níveis de vidade diversas partes do mundo e representava o legítimo an-seio pelo progresso material, no sentido de eliminar ou redu-zir as diferenças que separavam os países industrializados eagrícolas. Essa liderança alerta e ativa começa a ver que arecuperação econômica dependia de medidas internas, nacio-nais e não internacionais, segundo a qual uns poucos cen-tros dinâmicos transmitem ao resto do mundo, pela simples

participação no mercado, pela exportação das matérias pri-mas, o progresso material.

Os esforços de incorporação do proletariado à socieda-de brasileira representam também um aspecto muito positivode sua liderança. Evitar o cisma entre o proletariado e a mi-noria dominadora, que é um padrão normal de desintegração

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da sociedade, é a novidade que traz esta liderança, já agoranão mais dominadora simplesmente, mas criadora. Compre-endia se que era impossível renovar e modernizar uma naçãocontando apenas com as elites e as classes médias, estas oraconservadoras, ora liberais, conformistas ou indignadas. Nes-te sentido suas reformas vão assumindo dia a dia carátermais positivo.

O governo provisório (1930 1934) apresentou muitosganhos positivos. A reforma eleitoral de 1932 atendia à ve-lha aspiração liberal. Adotava se o voto secreto, a represen-tação proporcional, o sufrágio feminino, o regime de parti-dos, a justiça eleitoral. Era um avanço, embora contivesse fa-lhas e defeitos que a legislação posterior tentou corrigir. Arepresentação ganhava em autenticidade, mas continuava semfidedignidade, com a exclusão dos analfabetos, e os partidoscontinuavam como organizações estaduais, embora a políticanacional não fosse mais controlada pelas simples coalizõesestaduais. Mas a grande conquista política que o movimento

de 1930 deu ao povo foi a de que, pelas urnas, pelas elei-ções, muitas transformações graduais poderiam se efetivar.A outra reforma, mais social que liberal, foi a institui-

ção do regime de trabalho protegido pelo Estado. GetúlioVargas, na plataforma lida em 1930, falara em Código doTrabalho, na estabilidade, no amparo ao trabalho das mulhe-res e dos menores. O Brasil aderiu ao Bureau Internacionaldo Trabalho de Genebra, mas das 31 convenções aprovadas

e assinadas pelos nossos delegados só três haviam até entãosido enviadas ao Congresso, onde não tinham andamento.Assumindo o governo a 3 de novembro, já aos 26, Vargascriava o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; demarço de 1931 a abril de 1941 decretou 160 leis novas de

proteção social e de regulamentação do trabalho. A legisla-ção trabalhista, a previdência social e a justiça do trabalho,criada pela Constituição de 1934, mas nascida com as Co-missões Mistas de Conciliação e Julgamento, refletiam a nos-sa inspiração progressista, justificavam, por si sós, a revolu-ção de 1930.

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Mas o principal, como reforma substancial, era a luta pela emancipação econômica, que o nacionalismo empreen-dia. As primeiras conquistas foram os Códigos de Minas e

Aguas (julho de 1934), que removiam os obstáculos e em- baraços ao aproveitamento das riquezas do subsolo e ao re-gime industrial das águas. A nacionalização progressiva dasminas e jazidas minerais, e a afirmação de que as fontes deenergia são propriedade nacional inalienável, a lei dos doisterços, a anulação, em maio de 1931, dos contratos da Ita

bira Iron, assinados em 1920, o novo sistema de tarifas e deisenção e redução aduaneiras, ambos de 1934, que favore-ciam o caminho da industrialização, as comissões de plane-

jamento do petróleo e da siderurgia, esta instituída em agos-to de 1931, representavam um grande esforço para a reali-zação de reformas básicas. A própria Constituição de 1934,refletindo essa transformação, consagraria, nos artigos 116 e117, os primeiros princípios do nacionalismo econômico.

O gigantesco crescimento industrial brasileiro, entre1930 1934, quando declinaram os investimentos americanos eingleses e surgiu o nacionalismo econômico, representou tam-

bém uma reforma estrutural. Somente no campo Vargas nãomexeu, nem para melhorar a situação do lavrador e do ser-tanejo. A Revolução liquidou, é verdade, com os “coronéis”,e um deles, o que mais se servia de sertanejos para os ob-

jetivos políticos seus e de seus chefes, Horácio de Matos, foiassassinado na Bahia, em 1931; pouco a pouco foi tambémextinto o cangaceirismo, a ferro e fogo. Lampião morreu em1938 e ele e seu grupo foram degolados; o Caldeirão doBeato Lourenço, com seus fanáticos, foi extinto a fogo de

polícia e exército, com mais de cem mortos. Os insubmissosdo campo estavam sendo massacrados; distúrbios ocorriam no

Nordeste, onde sertanejos abandonados pelo Governo, sofren-do de fome e das secas, atacavam feiras e invadiam cidades.

A liderança de Getúlio Vargas, a liderança gaúcha, tra-zia para o comando nacional aquelas mesmas característicasdo seu povo. O caudilhismo, que tem sido a interpretação doensaísmo e da historiografia política sobre a ditadura de Var-gas, originava se de comparações com a liderança cisplatense,

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mantendo os ressentimentos e as incompreensões dominantesno Império contra o Rio Grande do Sul, especialmente devidoà Farroupilha (1835 1845) e ao espírito indomável de sua

gente. Os caudilhos sempre adotaram formas políticas inorgâ-nicas e não institucionais; o caudilhismo e o positivismo for-maram as ditaduras que sofreram com a República. Só o posi-tivismo foi conseqüência de uma filosofia política européia enão latino americana.

Não foram os gaúchos os únicos a importar doutrinas políticas. No Império e na primeira República as concepçõesinglesas e francesas foram sempre dominantes, quer na áreado Executivo, quer na área parlamentar, e nunca se impor-tou a minoria dominadora com as contradições entre as ideo-logias políticas de países desenvolvidos — propostas sempreem atraso, e as estruturas sócio econômicas de países subde-senvolvidos. O comportamento de Getúlio Vargas foi sem-

pre ambivalente, ora conciliador, ora inconciliável, ora liber-tário, ora liberticida, como o foi, por exemplo, para citar

um exemplo de igual equivalência, José Bonifácio.As alternativas revelam o realismo da conduta e a cor-

reção daquele velho princípio sapientis est mutuare consilium. Os conservadores empedernidos, os liberais indignados, os ciceroneanos raras vezes são ditadores, mas nunca são libertá-rios. A conciliação essencial vinha sendo feita com o povoatravés das reformas, embora limitadas nas concessões e re-duzidas às zonas urbanas. A conciliação é uma obra diáriae paulatina e, por isso mesmo, nem com os sindicatos ofi-ciais diminuíram a princípio as greves, sinal da inconformaçâo econômica operária, nem cessaram as pequenas lutas nocampo, ou as invasões sertanejas das cidades, impelidas pelamiséria e pelas secas.

A legislação trabalhista, contudo, era um avanço, avan-ço imperdoável, até hoje, para os que almejam ainda vingar

o movimento de 1930. A conciliação com o povo vinha tam- bém da luta pela libertação econômica do país, espoliado pelaalienação de grupos econômicos, ligados a interesses estran

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geiros. Agora, por exemplo, não seria mais possível partilharquase um Estado inteiro, como o Amazonas, dividido em oitozonas, entregues a companhias estrangeiras para a exploração

de suas riquezas minerais, como se fizera em lei estadual de1926. Mas a conciliação era impossível com os grupos econô-micos cafeeiros, exportadores e latifundiários de São Paulo,que deixaram de comandar o país com o movimento de 1930.

A luta contra a reforma que este movimento iniciarateve como sua maior expressão' a rebelião em São Paulo, em1932, tentativa menos de constitucionalização que de retor-no ao predomínio dos mesmos grupos econômicos e políticossacrificados cm 1930. Esses grupos reclamavam a proteçãofederal à antiga política cafeeira, que fora sustentada comenorme prejuízo nacional. Getúlio Vargas não atendeu, pre-ferindo adotar o plano aprovado pela Comissão de Valoriza-ção de 1909, mas nunca posto em prática, isto é, a destrui-ção sistemática do excesso de produção. Em princípios de

janeiro de 1932 criava um imposto de 10 shillings por saca

de café a exportar se, para financiar, à custa dos próprioscafeicultores e exportadores, e não da nação, a aquisição docafé para a queima.

A destruição dos estoques começada nos meados de1931 (2 milhões e 800 mil sacas) e a troca de café por tri-go americano, tão censuradas pelos grupos econômicos deSão Paulo, as pretensões no sentido de que lhe fossem pa-gos preços mais elevados, o lançamento ao mar ou a des-

truição pelo fogo dos estoques (em 1932 a produção de 16milhões de sacas era maior que a expectativa de exporta-ção), a proibição de novas plantações de café e a sua inci-dência em altas taxas, enfim, o desacordo profundo sobrea política do café gerou os antagonismos econômicos entreos antigos grupos econômicos e políticos de São Paulo e ogoverno federal. Este estava agora mais cioso dos interessesnacionais que dos estaduais ou de setores das forças econô-micas de São Paulo.

Os motivos políticos não tem também significação na-cional, apesar da bandeira da constitucionalização (já con

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vocada a Constituinte, marcadas as eleições e nomeados ostribunais eleitorais). Esses grupos haviam deformado a Fe-deração e submetido o Brasil aos seus interesses econômicos

e políticos, com a criação dos Estados dominantes e dos Es-tados dominados; humilhados, buscavam na “revanche” oretorno ao passado. Representando os interesses da mono-cultura latifundiária e da economia de exportação, não ti-veram apoio nacional e não contaram com a solidariedadedo proletariado e dos lavradores de São Paulo, como reve-lou Mário de Andrade.

A rebelião de 1932, que não foi sequer uma rebelião

do povo paulista (9 de julho a l.° de outubro), foi na ver-dade uma contra revolução. Mobilizou 20.000 homens, masnão teve nenhuma eficácia histórica, pois muitos dos quedela fizeram parte vieram mais tarde colaborar com o go-verno Vargas, que promovia o crescimento industrial de SãoPaulo (somente em 1932 1933 houve um crescimento de 25%no valor das mercadorias produzidas). A sublevação foi me-nos sangrenta do que era de esperar se e desde então osgrupos econômicos e políticos contrariados na defesa de seusinteresses ou as ambições pessoais disfarçadas em concepções

políticas ditatoriais e centralizadoras se afastam do caminhocontra revolucionário, preferindo o golpe de Estado, quemarca de modo geral a evolução política mais antiga e maisrecente do Brasil.

Restabelecido o sistema constitucional, resultado de umcompromisso entre as facções federalistas e centralizadoras eincluindo algumas reformas políticas (a justiça eleitoral), so-ciais e econômicas (especialmente no capítulo “Da OrdemEconômica e Social”, artigos 115 143), Getúlio Vargas fa-voreceu, com o objetivo de permanecer no poder, movimen-tos políticos ideológicos extremados, como a Ação Integra-lista e a Aliança Nacional Libertadora. Esta, embora con-tendo elementos não comunistas, mas por inspiração comu-nista e bafejada pelo próprio Governo, que desejava uma

perturbação da ordem que lhe permitisse liquidar o regimerepresentativo e continuar no poder, rompe um movimentoarmado em 23 de novembro de 1935, em Natal, em 24 no

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Recife e de 26 para 27 no Rio de Janeiro, movimentos essesesmagados em horas. Sem nenhum apoio popular — o povoquer soluções e é relativamente pouco sensível às ideologias

— a sublevação transformou se numa quartelada e a reaçãodesencadeada por Getúlio Vargas foi de uma violência ex-trema, embora inferior à que destruiu Canudos.

Relativamente sangrenta, na ação e na repressão, aquartelada foi o instrumento inconsciente para o golpe de 10de novembro de 1937, que aboliu o sistema representativo,liquidou as garantias individuais, e resolveu vários problemas políticos de Getúlio Vargas. Golpe seco, sem sangue, sem

adesão ou resistência popular, com o apoio dos quadros su- periores das Forças Armadas e preparado moralmente por umdocumento falso, o conhecido Plano Cohen.

O nacionalismo econômico permaneceu na constituiçãooutorgada, seguindo as linhas da de 1934, com maior exten-são, pois o aproveitamento industrial das minas e das jazi-das minerais, das águas e da energia hidráulica só poderiaser concedido a brasileiros ou a empresas constituídas nãoapenas no Brasil, como em 1934, mas por acionistas brasi-leiros; fortalecia também a ação contra os bancos e as com-

panhias de seguro estrangeiras, que só poderiam funcionarquando fossem brasileiros seus acionistas; exigia que as em-

presas concessionárias de serviços públicos federais, estaduaisou municipais se constituíssem com maioria dc brasileiros;apoiava o controle brasileiro da navegação; exigia que todosos proprietários armadores, comandantes e tripulantes de na-vios nacionais fossem brasileiros na proporção de dois terços,e só permitia o exercício das profissões liberais por brasilei-ros natos e naturalizados.

Não havia inovação radical, mas um fortalecimento donacionalismo. Continuava se a proteger a indústria e a pro-dução nacional. Em 1938, o novo Código de Minas decla-rava propriedade nacional todos os depósitos no subsolo de petróleo e gás natural e logo a seguir, neste mesmo ano,declarava se de utilidade pública a indústria brasileira de pe-tróleo, sujeita ao Conselho Nacional de Petróleo. Em maiode 1939, nacionalizava se o transporte, distribuição e refina

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ção do petróleo; em conseqüéncia, foi suspensa a construçãoda refinaria de petróleo da Standard Oil Company. Em 1941constituiu se a Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Re-

donda e em 1942 a Companhia do Vale do Rio Doce; em1943, dava se o passo decisivo para a organização da Com-

panhia Hidrelétrica do São Francisco.O governo de Getúlio Vargas era uma ditadura, abolira

o sistema representativo e as garantias individuais, mas faziadia a dia avanços reformistas. Só o campo ficara de lado,nesta inspiração criadora. A Constituição de 1937, tal comoa de 1934, adotara vários preceitos para a legislação prote-tora do trabalhador urbano e industrial, mas pouco cuidoudo trabalhador agrícola. O único impulso novo de 1937 nes-se sentido foi a aquisição do domínio de um trecho de terraaté dez hectares pelo brasileiro que, não sendo proprietáriorural <ou urbano, o ocupasse por dez anos contínuos, semoposição nem reconhecimento de domínio alheio. Com este passo modesto no sentido social c agrário, a Constituição

acolhia um princípio de direito civil, o usucapião, reduzindolhe o prazo.Dois outros aspectos revelam o esforço progressista:

primeiro, a entrada do governo na obra do desenvolvimentodos recursos nacionais; segundo, a obtenção de empréstimosgovernamentais estrangeiros para a tarefa siderúrgica e dosminérios, o que significava para os Estados Unidos uma mu-dança radical em sua política tradicional, que considerou sem-

pre esse campo domínio do investimento privado.O progresso, que não foi uma clara aspiração imperial,

mas que a República trouxera e anunciara, foi seguido emescala sem precedentes pelo governo de Getúlio Vargas. Estesoube, também, discriminar entre os investimentos benéficose os prejudiciais ao nosso esforço de emancipação econômica.

Seu governo foi, assim, conciliável e inconciliável; con-ciliável com os interesses fundamentais do povo — exceto aeducação e o campo — e do país; inconciliável com os gru-

pos divergentes da própria minoria, os que visavam apenasaos compromissos pessoais e partidários e não reais nacio

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nais. Inconciliável em 1935 e 1938, outra pequena explosãosangrenta de caráter fascista, logo abafada sem intransigên-cia. A inconciliação negativa foi sua desatenção à educação

do povo e especialmente o esmagamento dos insubmissos docampo, que no fundo se revoltavam contra a vida sublima-ria que levavam, como o foi também sua inabilidade emadaptar se ao sistema representativo e de garantias indivi-duais, que ele, como Floriano Peixoto, desrespeitou.

De 1937 em diante, o golpe de Estado incruento, maisque a rebelião, perturba a vida política brasileira. Em nomedos princípios do sistema democrático, a inconciliação de Getúlio Vargas foi derrotada em 1945, sem sangue, pela par-ticipação das Forças Armadas, que voltaram, como na fun-dação da República, a querer tutelar a Nação e a ver dispu-tados pelos partidos o seu favor ou simpatia. De regra, osangue desaparece do processo histórico e a grande fonte deinconciliação é a resistência às reformas oposta por conser-vadores e liberais. Os primeiros, filiados à tradição imperial,

têm se revelado mais sensíveis, por habilidade, às pequenasconcessões, que os liberais; estes sempre se confinam às re-formas políticas, especialmcnte as eleitorais, pois insistem ematribuir suas eternas derrotas nas urnas a defeitos da legis-lação. Por isso voltam as costas às eleições e conspiram nosquartéis, apelando para as armas, tal qual fizeram no Impé-rio, como bem mostrou Justiniano José da Rocha.

Assim, foi a inconformação com os resultados eleitorais,

a indignação diante das vitórias populares, o sentimento devergonha, que é a cobertura da culpa pela insistência em negar se aos projetos de interesse nacional, isto é, de interessedo Povo e da União, enfim, a política antinacional, antiprogressista, de alienação, de clientela e de espoliação — con-ceitos que não são de hoje, mas datam do Império — queconduziu esses grupos às conspirações e tentativas de golpe.Um golpe levou o Presidente Getúlio Vargas, no exercíciode um mandato legítimo, ao ocaso de sangue, como escreveuJosé Américo de Almeida. Em 1955 foi preciso recorrer aoExército para manter o voto popular.

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nalistas e radicais. A conciliação personalista e não práticorealista foi o instrumento de adiamento e de sufocação.

Num país em que a esfera do possível é muito maior

que a do real, como dizia José Bonifácio — a gente esfregaos olhos e não crê no que vê ou lê —, a realidade é paraa minoria uma espécie de mito impuro, e o possível é o reinodos privilégios, dos favoritismos, das regalias ampliadas. Nãosignifica isto que a realidade não tenha sido vista ou conhe-cida por líderes criadores, que foram arcabuzados, enforca-dos, exilados ou alijados do processo histórico, ou renuncia-ram ou se mataram ou se comprometeram pelo mecanismo da

conformação e da conciliação.As reformas dos líderes criadores foram sempre conti-das, ou porque as condições estruturais e as pressões exter-nas ou impediam de mover se com maior desembaraço ou porque o próprio mecanismo da conciliação os obrigava aconter se, ou ainda porque diante das dificuldades reduziamou limitavam seus objetivos. José Bonifácio — é bom quenão se esqueça, foi preso e exilado, talvez porque propuses-

se, como propôs, medidas avançadas de reformas básicas.Outros defenderam a soberania, a integridade territorial, oequilíbrio regional, a unidade, o regime representativo, maso Brasil continuou a se constituir de um grupo de latifundiá-rios, de grande massa de escravos até 1888, de cinqüenta porcento de analfabetos até há pouco, de doentes e desprotegidos.

Sempre se considerou a inconveniência de uma maiori-dade prematura do povo. A morosidade foi a norma do pro-

cesso histórico até recentemente. Na verdade, os melhoreslíderes foram mais moderadores que criadores, exercendo um papel sedativo, corrigindo o radicalismo, evitando as refor-mas e inovações consideradas precipitadas e poupando o paísdas intolerâncias. A maior criação do Império foi a unidade

política e a defesa da integridade territorial, que é obra tam- bém do povo, mas não se mantém um contato permanentecom a realidade, se se mantém o povo na escravidão, na po-

breza, e com agravos seculares.A conciliação empequeneceu muitos líderes e não foifeita para benefício do povo e do país, e sim para defesa de

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interesses minoritários, já que aparou as divergências pessoaisÇ (C e j iã o solucionõiTl)s~~pK55Temãs prático reais^ do põvoTMesmo

porque esses líderes não nasceram de eleições autênticas e fi-dedignas. E se vêm sendo autênticas — especialmente de-

pois da instalação da Justiça Eleitoral, continuam infidedignas, pela exclusão da maioria dos brasileiros analfabetos.

Quem conhecer a História do Brasil, e mais da metade dos brasileiros a desconhece totalmente, sabe que sempre se pleiteou pelas reformas e nunca as lideranças fizeram senão pequenas e moderadíssimas concessões. A política de conciliação, de transação, teve como principal õbietivo ajdãmarmais as divergências dos grupos dominantes que conceder

0 benefícios ao'povo. O "domínio oligárquico de pequenas mi JÇ noriãs~e~seus ^protegidos, o nepotismo, o fiIhotismo 7~'õ~gen

rismo, o compadrio tornavam impossíveis as—traasformacõessociais, as reformas estruturais. Soma se a isso a personaliza-ção, a ausência, a omissão ou o desinteresse dos políticos pe-la solução dos problemas, sua impermeabilidade às idéias, amecanização da imitação européia e depois americana, a fal-sidade e infidedignidade da representação.

R e v o l u ç ã o , r e b e l i ã o e g o l p e s d e E s t a d o

Se a violência não é o elemento histórico fundamental davida brasileira, como o foi em outras partes, se as aspiraçõesde tolerância predominam, se a mestiçagem abrandou as re-lações sociais, a verdade é que nunca tivemos uma Revolu-ção. O terror e a força foram utilizados no começo paramanter submissos índios e negros — ainda era julho de 1963índios xicrins e canelas foram massacrados por fazendeirose exploradores de terra —, e mais tarde para manter opri-mido o povo ou derrotar suas aspirações.

O povo não se manifestou ao longo do processo histó-

rico brasileiro com a brutalidade e a imaturidade de outros povos, e a incrueza relativa de nossa História é fruto dele,

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que nílo c um fantasma, como o vê a maioria dos políticos.I vlc aprendeu sua língua, formou sua consciência nacional naHistória, promoveu a unidade nacional, que não é produtod ti colonização portuguesa, mas da Independência, defendeua integridade territorial, educa seus filhos dentro de recursosmuito escassos, prepara os para a vida, e tem uma forte sen-sibilidade nacional, apesar dos sacrifícios que lhe impõe estamesma minoria, que se horroriza diante de qualquer idéia dereformas básicas.

Comparativamente, o povo brasileiro, apesar de abando-nado du destratado pela sua liderança, não recorreu aos bo-

gotazos colombianos, às violências que no México e Bolívia

caracterizaram o inconformismo de seus povos, ou às formasdc bruteza que singularizam a vida de certas áreas dos Es-tados Unidos, como o linchamento no Sul, o gangster das ci-dades, os bandidos do Oeste, de certo modo similares aosnossos cangaceiros, as ferozes lutas raciais, nem tivemos umarebelião tão banhada em sangue como a mexicana ou a desecessão nos Estados Unidos, que teve mais de meio milhãode mortos. Mas esta foi uma Revolução.

E o que é uma Revolução? Inicialmente se deve reco-nhecer que são muitos os nomes que caracterizam os váriosaspectos da slasis, da exaltação, da exacerbação que conduzao comportamento extravagante e anormal. Rebelião, insur-reição, putsch, pronunciamento, coup d’état, revolução, sãotermos que exprimem vários conceitos. Rebelião, revolta, re-volução, insurreição, golpe de Estado têm sido os nomes maisusados no Brasil; as três primeiras, para os movimentos ar-mados de grupos sociais qualificados, como o foram a Far-roupilha, a Liberal de Minas e São Paulo, a Praieira de Per-nambuco. Rebelião e revolta e bernarda tinham sentido maisrestritivo, eram consideradas sem base em princípios e semobjetivo de reforma. A revolução foi sempre mais qualifica-da, exatamente devido aos seus ideais. A menos qualificadaera a insurreição, considerada de negros e escravos.

Todos os movimentos almejaram sempre a designaçãode revolução, a que se junta sempre um adjetivo qualifica-tivo para dar lhe historicidade. Já vimos pela exposição an

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tenor, que nenhum movimento armado no Brasil foi real men-te uma Revolução. Porque toda Revolução é uma tentativade salto no processo histórico e é mais ou menos violenta,

e tanto mais quanto mais retardada for. é um instante cruen-to ou incruento, mas sempre violento de ultrapassagem do ca-minho histórico, c neste instante seus elementos essenciais sãoa mimese, isto é, a imitação, como explicou Arnold Toynbee,ou mesmo a emulação, e o retardamento. Ela sempre se re-fere a um momento anterior, e não ocorreria se não houvessesempre o jogo prévio de forças ideológicas. Sempre influíramas idéias amadurecidas em outros ambientes históricos, e emtodas as revoltas e rebeliões brasileiras, do fim do século 18ao 19, os princípios das revoluções francesa e americana es-tiveram presentes.

As revoluções são violentas porque são sempre triunfosretardados de poderosas e novas forças sociais contra velhase aferradas instituições que têm se oposto e dificultado essasnovas expressões de vida. A obstrução, no Brasil, é mais que

secular, o que faz crer que será sempre maior a pressão fu-tura. O único movimento armado vitorioso no Brasil, o de1930, não exprimia as novas forças do país, nem pretendiafazer alterações profundas. Mas aos poucos estas forças ob-tiveram alguns triunfos e um ajustamento social construtivoharmonizou umas e outras, sem maior ruptura com o passa-do. Outras vezes pequenas alterações foram fruto de idéiasvencidas nos prélios armados, porque o processo histórico não

pertence somente aos vencedores. No Império, as decisõesimportantes, especialmente a abolição do tráfico dos escra-vos, a extinção das tarifas especiais em 1844 e a não assi-natura de Tratados com as Potências fortes, são obra de con-servadores.

As colisões e antagonismos entre as forças renovadorase a liderança arcaica foram sempre o aspecto político domi-

nante no Brasil, e daí as monstruosidades sociais e educacio-nais que presenciamos. A idéia mais comum foi sempre aque-la denunciada por Paula e Souza, em 1831, na Câmara, esempre seguida: “o regime novo tinha sempre as molas doregime velho”, o que se assemelha às palavras de Jesus:

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“Ninguém deita remendo de pano novo em vestido velho, porque semelhante remendo rompe o vestido e faz se maiora ruptura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliásrompem se os odres e entoma se o vinho e os odres estra-gam se, mas deita se vinho novo cm odres novos e assimambos se conservam.”

As reforminhas eleitorais eram a via inerte da caminha-da brasileira. Nenhuma reforma foi completa, e a própria abo-lição não se concluiu com a reforma agrária, embora o re-tardamento tivesse impedido, na abolição da escravatura, aindenização aos proprietários, obrigados a ceder incondicio-nalmente. Como no Brasil os ajustamentos não predominamatravés das reformas, as revoltas, cruentas ou incruentas, sesucederam continuamente. As únicas reformas importantes —excetuado 1888 — datam de 1930, e por isso um movimentode caráter superficial, um plano de reforma liberal, transfor-mou se numa revolução, o começo da revolução industrial noBrasil. Mas como a Revolução é sempre uma ‘Revelação, ouseja a manifestação de uma verdade, temporária, embora, elanão se realiza pelo uso impróprio de seu nome.

Já reclamava Frei Caneca, em 1824,. contra a facilidadecom que no Brasil se acusava qualquer projeto popular dedemagógico, pois, nesse caso, o Brasil inteiro era demagogo.E em 1848 Sales Torres Homem dizia que se trocavam irrisoriamente o nome às coisas: em nome da salvação do po-vo e da restauração democrática se destruía a democracia.Tudo isto sem nenhum ganho material proveitoso, sendo

sempre difícil corresponder à magnitude da perda da liber-dade.Somente com Getúlio Vargas houve alguns ganhos ma-

teriais. Mas a luta entre o arcaísmo — dominante no pro-cesso histórico brasileiro pela não contemporaneidade de seuslíderes, o que gera as monstruosidades da nossa vida e o fu-turismo que precipita as inovações, o fermento do farisaísmo

brasileiro, representado especialmente pelo liberalismo desde

o Império até hoje, não levedou mas putrefez todas as espe-ranças de renovação. Na hora de extrema unção, e o Brasiltem vivido in ext remis, a salvação liberal era o desvio e o

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atalho das reforminhas eleitorais, secundárias, com que ima-ginaram e imaginam se recuperar das derrotas nas urnas, en-quanto os conservadores, no receio de perder o essencial,

preferem sempre ceder, ainda que pouco, no encontro com o

contemporâneo. Daí o apelo às formas, a conspiração e o do-mínio do golpe desde 1945. No século 20 o golpe de Estado se tornou o meio mais

comum de ganhar ilegal men te o Poder. Ilegalmeníe, porquesem recurso ao povo, que se teme e por isso se tutela,é umdilema cruel, que Sir John Harrington resolveu assim nestesversos:

“Treason do th never prosper; what’s the reason For if it prosper, none dare call it treason."

Ou seja: A traição nunca prospera, e qual a razão?Porque, se ela prospera, ninguém ousa chamá la de traição,

O golpe de Estado é a mera aquisição do Poder ou asubstituição de uma casta por outra. Ele depende da conju-gação de circunstâncias fortuitas, com uma liderança extre-

mamente hábil para explorá las. Mas exige estrategistas e tá-ticos e só se faz com o apoio das Forças Armadas. É certoque um golpe pode não ser apenas o travadouro do instanteacelerado da criação; ele pode transformar se e promover odesenvolvimento. Mas o processo histórico brasileiro tem sidosempre retardado e não acelerado.

A metamorfose ainda demorará, embora o prazo histó-rico esteja se esgotando. Enquanto isso a tendência da fac-ção da minoria dominante, derrotada nas urnas, tem sido re-correr ao golpe, seco e rápido, sem convulsão social e san-grenta, que podería pôr a perder todos os seus objetivos. Ou-tra facção, mais esclarecida, não se compõe de condutorescegos. Prefere conduzir, pelas urnas, a caminhada reformista,que pode transformar se em Revolução, Quanto ao povo, es-te aprendeu que a sua arma é o voto e amarga no silêncio ena ironia a reviravolta dos vencedores transitórios, que nun-ca serão os triunfantes do futuro. A sabedoria do povo bra-sileiro é maior que a dos vencidos nas umas.

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CAPITULO 2

Teses e antíteses da história do Brasil

A Pátria, só a pátria temos em vista, o povo e só o povo nos comove em suas mi-sérias.

Diário Novo. Recife, 1848.

t. A Independência se fez sem ruptura com o regime colonial,especialmcnte nos seus aspectos fundamentais de relações so-ciais e de regime de terra. Sobreviveram e sobrevivem restosarcaicos.

2. Todo tipo de sociedade tem sua própria elite, e assim foino Brasil, na Colônia, no Império e na República. Mesmo asociedade colonial, que acreditava ser um pecado mudar a natu-reza das coisas, enfrentou numerosos problemas, complicações,tensões e conflitos. Seu principal objetivo foi manter a ordemvice real; ela visava a objetivos extranacionais. A imperial co-meçou a duvidar do plano divino da sociedade, e quis, essen-cialmente, manter a ordem para manter a unidade e integridadenacionais. A elite republicana de 1900 acrescentou o Progres-so aos ideais nacionais. Ela difere basicamente da atual.Esta última compõe se de maior variedade de grupos: a elite

política, a militar, a dos grandes empreendedores, a operária,a dos servidores públicos e a técnica e econômica. Assim, aolado da Ordem visa se também ao Progresso não realizado, àModernização, ou, em suma, ao desenvolvimento dinâmico dasociedade. As fontes de inspiração e o etos de cada grupo sãodiferentes e não estão, infelizmente, inter relacionados ou inte-grados. Nenhum partido político conseguiu mostrar a relevân

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crescimento cias favelas, e à vida subumana das populações rui iiis, leremos um processo histórico cruento.

7, A liderança nacional, em suas sucessivas gerações, foisempre anti reformista, elitista, personalista. Anti reformista porque, com raríssimas exceções, só propôs reformas políticas,cspccialmcnte eleitorais, e sempre ofereceu obstinada resistên-cia às reformas da estrutura econômica arcaica.

X. Elitista, porque marginalizou o povb, seja pela exclusãodo analfabeto, do operário, do sertanejo, do lavrador, seja por-que até hoje grandes grupos nacionais não estão incorporadosao povo cívico.

9. O personalismo da sua ação política foi predominante.Raras vezes o corrigiu pela ênfase aos problemas e não às

pessoas. As considerações afetivas complicam a direção dosnegócios públicos, e daí o filhotismo, o nepotismo, o £enrismoe outras formas de favoritismo ligadas aos personalismos, àrelação patrão cliente do Estado, a que aderem todos os polí-ticos desde os mais oligárquicos aos mais trabalhistas.

10. A conduta da liderança para com o povo, nas suas cama-das mais modestas, foi variada. A princípio mais exterminouíndios e negros, que os integrou. Depois, o processo de inte-gração à sociedade foi e continua sendo lento. O processo daabolição da escravidão foi extremamente moroso, dificultado

por legislação de retardamento; o proletariado urbano tambémteve que esperar a vitória de 1930 para encontrar o caminhoda integração, ainda em processo; os sertanejos e lavradorescontinuam não integrados.

11. A liderança teve ação mais moderadora que criadora,mas os interesses arcaicos sempre ou quase sempre venceramos inovadores ou renovadores. O espírito anti reformista do-minou mais o Congresso que o Executivo.

12. A liderança nacional teve seus aspectos positivos e foicriadora quando agiu ao lado do povo. Foi, aliás, mais mo

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deradora que criadora, mesmo nestas fases. Houve sempre noBrasil duas formas de comportamento da liderança e do povo;a conciliadora e a inconciliável. Há também os ambivalentes,ora conciliadores, ora inconciliáveis, segundo as condições reaise objetivas. Ao lado da liderança oficial governamental eoposicionista, há uma liderança popular, menos ou mais radi-ca). Elas alternam se no processo histórico e o predomínio dasconciliadoras ou inconciliáveis, transigentes ou radicais, corres-

ponde às fases incruentas e cruentas.

13. A conciliação foi uma arte finória da minoria dominante

e visou sempre ao compromisso dos interesses divergentes dosseus próprios grupos. Nesta arte distinguiram se a liderançamineira, que sempre participou do comando nacional desde aIndependência, a minoria fluminense, com seus grandes inte-resses da terra e do café, e a baiana. Creio que a arte sedesenvolve empiricamente diante das grandes massas negras,escravas e miseráveis — as que tinham exatamente maioresreivindicações e instintos revolucionários. O conservantismo

nacional teve sua origem nos grupos familiares que desde aColônia dominam as terras e desde a Independência coman-dam a política. O comando foi sempre mais mineiro flumi-nense que de homens saídos dc outras regiões do país, emboracontasse com o apoio auxiliar de baianos e pernambucanos.Mas é importante atentar que nunca falta a decisiva participaçãomineira, desde 1822 até hoje. Oliveira Viana atribuiu aos“homens saídos dos chapadões do centro sul e não aos saídosdo norte e do extremo sul, os que, depois de 1822, carregaramas maiores responsabilidades na organização e direção da na-cionalidade e dão maiores contingentes ao escol que dirige o

país durante os dois impérios”, o que me parece meia verdade.Gilberto Freire assinala que “quase sempre os chefes do go-verno brasileiro durante a monarquia saíram das mais antigasregiões de plantações do Brasil — Bahia, Pernambuco, SãoPaulo e Rio de Janeiro — e foram alguns deles verdadeirosestadistas e não simples políticos”, no que se esquece de MinasGerais, o que significa esquecer o essencial, e acentuar o aces-sório (afora os fluminenses).

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14. Quando os fluminenses, com o tempo, deixaram de ser parle influente da minoria dominante, a oligarquia paulista enInm em cena de maneira decisiva, mas sempre acompanhadadn mineira, na fase áurea do café e da política dos Estados.<)s paulistas tornaram se nesta curta fase os baluartes dos inte-resses agrários e os senhores, com os mineiros, da decisãonacional. Sua liderança significou o predomínio de uns poucosEstados sobre a grande maioria dos Estados, acentuou o dese-quilíbrio regional e favoreceu a formação dos Estados metropolitanqs e Estados colônias.

15. A participação do Rio Grande do Sul no comando foisempre retardada pela sua própria divisão política. Não deuo Rio Grande do Sul um só presidente do Conselho de Minis-tros e nenhum Presidente da República até 1930. A hostili-dade encoberta aos seus líderes, acusados de caudilhos, sempreimpediu sua participação no comando nacional, onde represen-taram, especialmente com Pinheiro Machado, um papel deuteragonista, apesar do relevo de sua contribuição na defesa da

integridade nacional. A liderança de Getúlio Vargas apre-sentava a vantagem de se constituir em novi homines maiscontemporâneos, dispostos a enfrentar os desafios novos, rebel-des ao domínio da Federação pelos dois grandes Estados deSão Paulo e Minas Gerais e por isso fontes de equilíbrio daFederação. São exóticos ou caudilhos, e muito têm a ver comas personalidades platinas, contra as quais tanto lutaram e sedeixaram influir. Seu comportamento ambivalente, ora conci-liador, ora inconciliador, ora libertário, ora libertidda, estasim característica unicamente gaúcha, que encontra em GetúlioVargas um modelo ilustre. Dele parte um impulso renovadore modernizador, e com ele tem o Brasil o primeiro ensaioduradouro de ditadura — tanto influência positivista quanto

platina. Este é seu aspecto negativo.

16. O ponto central da tese é este: o comando nacional desdea Independência teve a participação dominante de mineiros,fluminenses e baianos, e caracterizou se pela política de con-ciliação, feita sem sentido prático real para a Nação, mas com

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objetivo prático pessoal. Este comando foi dominantemente,caracterizado pelo sentido arcaico e personalista, embora uns eoutros possuíssem elementos progressistas. Apesar da varie-dade das personalidades mineiras e baianas, a liderança nacio-

nal por elas constituída teve traços dominantes e o principal éo espírito conservador e anti reformista. Quero acentuar quenão me refiro a mineiros e a baianos em geral, mas às suaslideranças. Creio também que a vitória da mudança social eeconômica que se processa na história brasileira fará surgirnovas personalidades. Se a acuidade e experiência mineiras esua visão nacional fossem enriquecidas no processo históricoatual pela substituição do conservantismo pelo progressismo,muito teria a lucrar o comando político brasileiro. A concilia-ção, arte política finória da minoria, foi sempre personalista,instrumento de adiamento das reformas e de sufocação dasaspirações. Pessoal partidária e não prático real nacional, elaajustou interesses de grupos e aparou divergências pessoais.Seu aspecto positivo consistiu em evitar as posições extremadase violentas, resguardando os interesses da União. Esta é a

obra que engrandeceu alguns estadistas do Império à Repú- blica. Seu aspecto negativo consistiu em rejeitar os interessesdo povo, encarnação da Pátria, em cujo nome ela foi projetadae constituída. Por isto as conquistas do povo são lentas, pe-quenas e sofridas, o que retarda o progresso nacional. Muitoslíderes se empequeneceram ao resistir a estas aspirações. Coma mestiçagem, a tolerância e a derrota dos preconceitos, o povo

praticou a mais legítima e autêntica conciliação.

17. A mestiçagem foi o fator mais importante de abranda-mento das relações raciais e sociais. Sabemos que ela abateas resistências e rebeldias, embora faça menos cruenta a nossahistória, torna mais sofridas as vitórias do povo. Ela faz brotartambém o complexo de caiação, fruto da crença no pecadooriginal da mestiçagem e da concubinagem, e coloca setores

mestiços a serviço de interesses dominantes.

18, A imigração originou as “colônias” étnicas que reforça-ram o elemento branco e, com ele, os traços culturais ociden

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In is. Assim como não foram fator preponderante no cresci-mento populacional, não modificaram a síntese da personali-dade brasileira, mas fortificaram as elites dominantes, no seneinopdsmo c ocidentalismo e na rejeição às contribuições de

niidas clnias c culturas. Nelas nasceu o complexo do “colo-no", com seu espírito discriminatório, às vezes racista, antisemtla, ultraconscrvador, defensor do statu quo ou de um grailmilismo muito suave e moroso nas reformas. Carregam umsentimento de superioridade e não compreendem o outro Brasilmestiço.

10 , O Brasil não é um povo de latifundiários, como escreveuOliveira Viana, mas dominado por latifundiários, pelas gera-ções sucessivas de opressores. Depois de 1930 o seu poder foiabatido, mas não foi liquidado, e, como moribundos, eles tenlam desesperadamente vencer o contemporâneo. Conservado-res c liberais estiveram sempre a serviço da grande propriedade,como disse no Senado, em 1853, Nabuco de Araújo. Seusaliados atuais, os liberais eternamente derrotados nas umas,revelam sentimentos de vergonha, a cobertura moral da culpainconsciente.

20. A erosão gradual da posição tradicional das oligarquias,a atrofia dos partidos conservadores e liberais, com sua roupasfora de moda, a mudança social e econômica que se processana história brasileira fazem crer no aparecimento de nova lide-rança. O reumatismo partidário conservador não será curadocom ácido fórmico, mas com o sol do desenvolvimento e daliberdade que o povo vinha conquistando. O domínio oligárquico de pequenas minorias e seus protegidos, o nepotismo, ofilhotismo, o genrismo, o compadrio a modormia tornavamimpossíveis as transformações sociais, as reformas estruturais.Some se a isso a personalização, a ausência, a omissão ou odesinteresse dos políticos pela solução dos problemas, sua im-

permeabilidade às idéias, a mecanização da imitação européiae depois americana, a falsidade e infidedignidade da represen-tação.

2 1 . O conservantismo, o irrealismo, o personalismo e a cor-rupção são defeitos da minoria e deles resultam as insuficiên

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cias populares. A arte de furtar é nobre e antiga, praticada pelas minorias e não pelo povo. O povo não rouba, é roubado.Os antinacionais e os caiados eníileiram se na minoria, mas os

segundos nascem no povo.22. As eleições não foram nem autênticas nem fidedignas. Não foram autênticas devido ao próprio processo eleitoral, do-minado pela fraude, pela opressão e pelas pressões de grandesinteresses; não foram nem são fidedignas porque não exprimema maioria nacional, em face do seu caráter inicialmente restri-tivo, e finalmente exclusivo de grande parte de brasileiros —

os analfabetos, retirados do processo político por Rui Barbosa,em 1881, medida combatida por Saldanha Marinho e Joaquim Nabuco.

23. Por isso mesmo que representativa de uma falsa realidade,com a maioria do povo marginalizado no processo político, aliderança descuidou se de promover os interesses do povo, em- bora cuidasse dos interesses da União — com a evidente exclu-são do período da política dos Estados, quando uns poucosdominaram a maioria destes. Desde a primeira Constituição,o interesse nacional significa essencialmente o somatório dosinteresses do povo e da União. Por interesse do povo ha dese ter em vista sempre os benefícios da educação, saúde e bem estar, obtidos através do desenvolvimento econômico, emais as garantias individuais. Por interesses da União deve seentender a unidade política, a integridade territorial e o regime

representativo. Todos são interesses permanentes e atuais, massó se tem cuidado dÕsTnteresscs da União e não dos interessesdo povo. E após 1964 os interesses da União estão deturpados pelo desvirtuamento do conceito de segurança nacional.

24. Os momentos criadores da nossa história — e não cons-tituem exceção na história universal — resultam da colabora-ção íntima e estreita entre liderança e povo. A unidade polí-

tica. a integridade territorial, o regime representativo, e a polí-tica externa no Segundo Império são exemplos disto.

25. A unidade foi um ato criador da Independência e a nossahistória mostra as variedades do predomínio regional. A nação

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I* rtnlcn, singular e individual e os desequilíbrios regionais, quedificilmente poderão ser eliminados, revelam a desatenção daliderança pela tarefa de diminuí los. A nação vem sendo divi-dida cm metrópole e colônias.

?ó. A expansão territorial é obra mameluca, do povo. Elalido é somente paulista, pois houve bandeiras paulistas, baianas,

pernambucanas, maranhenses e amazônicas. O espantosocrescimento físico da nação é um resultado do esforço, da co-

biça, da capacidade de iniciativa dos bandeirantes. Mas a obra paulista de dilatação e incorporação do território colonial ésem paralelo na história brasileira e talvez americana de sua

época.

27. Se a integridade territorial não foi lesada, antes defendida,upesar de termos sido um país real e potencialmente agredido,n verdade é que a ocupação efetiva continua um sonho. Assimcomo o Rio de Janeiro comandou a Independência, com a co-laboração imediata do Rio Grande do Sul e de São Paulo,assím também ninguém ofereceu mais sangue pela defesa da

integridade territorial que o Nordeste na Colônia e o Rio Gran-de do Sul na colônia e no Império.

28. A aspiração nacional pelo regime representativo com os poderes divididos e harmônicos vem sendo conseguida cominterrupções no regime republicano. Sempre predominou aidéia do Executivo forte, embora não houvesse sido possível

preservar a União sem a parceria de todos os Poderes.

29. Os interesses essenciais da União não foram defendidosou conquistados unicamente pela minoria, mas com a efetivacolaboração do povo. Pela sua defesa correu muito sangueem todo o Brasil, mas especialmente em Pernambuco e no RioGrande do Sul.

30. Os interesses do povo, que são a outra parcela da soma

dos interesses nacionais, foram descuidados pela liderança.Daí as lutas, as rebeldias, a história cruenta, o compromisso e

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a conciliação. Revolução no sentido de transformação da es-trutura econômica, do regime de terras, da mudança de rela-ções sociais, não tivemos.

31. Enquanto a liderança revelava coração duro e insensibi-lidade primária para com seu próprio povo, embora os povosnão sejam herança de ninguém, como dizia Frei Caneca, asvitórias populares no Brasil não são poucas, especialmente seconsiderarmos as adversidades enfrentadas. O grande sucessoda História do Brasil é o seu povo e a grande decepção é a sualiderança.

32. As vitórias do povo são objetivas e incontestáveis. Aforasua ação pela unidade política, pela integridade territorial — adefinição jurídica é da liderança, mas a conquista e expansãoé dos caboclos —, e pelo regime representativo, deve o Brasilao povo a mestiçagem, a tolerância racial, a homogeneidadereligiosa, a integração psicossocial, a sensibilidade nacionalmuito viva que exige o abrasileiramento das próprias contribui-ções estrangeiras. Suas características positivas são: uma cons-

ciência muito alerta da herança histórica, a coesão nacional,um profundo sentimento democrático, que desaprova as injus-tiças, a extroversão, a conciliação, o espírito aberto e acessível,o pacifismo.

33. A integridade territorial, a unidade linguística e políticae a homogeneidade do povo são as maiores vitórias do nosso

processo histórico. Elas se completaram apesar de várias dis-

córdias. As diferenças regionais, sociais e raciais — quantomais escura a pele mais baixa a condição social — não impe-diram a unidade. Todos se sentem igualmente brasileiros, dosmais modestos aos mais poderosos.

34. As vitórias contra os preconceitos e os privilégios, “privi-légio de religião, privilégio de raça, privilégio de sabedoria(educação), privilégio de posição”, como escrevia o ManifestoRepublicano dc 1870, são vitórias do povo e não, como nosEstados Unidos e na índia, vitórias da União e da liderança.

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11 At classes médias urbanas, nos setores mais altos, servi<om nrinprc nos interesses latifundiários no Império; as maisitinilrsliis liveram sempre atuação nacionalista, como no casoilii muiomilização do comércio de varejo, dominado pelos por

reivindicação de setores liberais radicais, especialmentemi i l<lo de Janeiro e em Recife. Com elas contavam estes seImrs para enfrentar o poder oligárquico. Serviram tambémMii Uepública ao nacionalismo de Floriano Peixoto, e os setoresinaK altos e mais modestos às campanhas civilistas, vendo comnlmpnfiit as rebeldias militares de antes de 1930 e desse ano.( 'um o desenvolvimento industrial e o aparecimento do operaI Indo na cena política, novamente a classe média cindiu se, umallgmulo sc aos liberais em suas reivindicações formalmcnte de-mocráticas e outra apoiando as aspirações de reformas sociais.As primeiras, muito tradicionalistas, ambicionando participardo poder oligárquico e do prestígio social, foram se tornandomais conservadoras e anti reformistas e, com o seu apoio, os

partidos liberais surgidos depois de 1945 se tornaram ultraconnervadores, e, com a derrota nas urnas, conspiradores e rebel-des. A indignação moral — um ressentimento causado pelasfrustrações eleitorais — tornou se a ideologia desses partidos edessas classes. Acreditam que a decência e a austeridade bur-guesas e não as reformas essenciais são os remédios para acrise brasileira. O ingrediente de indignação e intolerância im pedem nas de exercer a função estabilizadora que lhes poderiacaber. As segundas, formadas dos elementos mais modestos,setores intelectuais e estudantis, parecem dispostas a ultrapassar

as barreiras sociais e ligar se a operários e lavradores na luta pelas reformas econômicas e sociais que modifiquem a estru-tura econômica e as relações sociais, vençam os privilégios e

promovam o avanço nacional.

36. Os trabalhadores brasileiros — escravos, operários e ser-tanejos —■ foram eternos proscritos do processo histórico.Libertados os primeiros em 1888, os operários esperaram 1930

para terem seus direitos sociais inicialmente reconhecidos, e osúltimos nem isso obtiveram até hoje. A participação políticaoperária ainda é muito reduzida c fortemente obstruída pelas

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47. Os partidos do centro e da direita, que se declararamdemocráticos, criaram situações atraentes para o investimentoestrangeiro e respeitaram todos os direitos de propriedade, na-cional e estrangeira, mas são ferrenhos adversários das refor-mas, especialmente da agrária.

48. Os partidos trabalhistas e nacionalistas são defensoresfervorosos das reformas, especialmente a agrária, e partidáriosdo controle do investimento estrangeiro.

49. A economia de exportação sempre financiou o sistema

latifundiário; uma e outro são os responsáveis pelo conserva-dorismo político e pela imobilidade rural.

50. Os empresários estrangeiros e o serviço de pagamentodas dívidas estrangeiras, que nasceram com a Independência,foram sempre um fator de subjugação econômica e de travamento do progresso. José Bonifácio e seu irmão Martim Fran-cisco foram contra o primeiro empréstimo.

51. Nosso país é uma feitoria colonial, concluiu o relatório parlamentar de 1866, assinado por Felício dos Santos; RuiBarbosa acolheu essa conclusão em 1891.

52. Sobre os investimentos disse Evaristo da Veiga, na Câma-ra, em 1831: “O Brasil lucra, mas eles ganham ainda maisque nós”; e J. Felício dos Santos, em 1866, concluiu que oBrasil “é exportador de moeda não só porque tem de pagar

juros da grande dívida externa e de capitais estrangeiros em- pregados aqui, como também porque supre as grandes despesasdos nossos compatriotas que vivem na Europa, ou por lá pas-seiam, exibindo sua ociosidade (absenteísmo), nenhuma com- pensação nos vindo desses fatos, porque os estrangeiros não procuram o Brasil para consumir suas rendas; ao contrário,

por dolorosa experiência sabemos quanto nos custa o seu ca- pital empregado aqui”. A alienação e o nacionalismo econô-mico têm origem remota.

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57. Só o movimento de 1930 teve impulso revolucionáriocriador.

58. De 1945 em diante domina o golpe de Estado, seja rea-cionário, antipopular, pelo desrespeito às urnas, seja restaura-dor da vontade popular. As tendências dominantes nos quadrosde comando do Exército decidem as situações. A divisão destee de outras forças tradicionais, como a Igreja e outras institui-ções, favorece o caminho do retardamento ou do adiantamento.

59. Não é privativo do Brasil, nem da América Latina, o papel destacado que as Forças Armadas representam. Nemsão privativos dele ou dela os movimentos armados que per-turbam a instabilidade governamental e não institucional. AHistória guarda suas intervenções na antiguidade e no mundomoderno europeu — menos comum, isto sim, no mundo escan-dinavo e anglo americano. Mesmo nestas áreas ■— as únicasonde a democracia representativa apresenta maior estabilidade

— não é desconhecido, nos Estados Unidos, o papel do Pen-tágono nas decisões políticas.

60. A diferença é, assim, apenas quantitativa e não qualita-tiva, aparente e não subterrânea. O correto será, portanto,falar da quantidade ou da abundância da ação militar na polí-tica e não da especificidade desta ação, como se ela não exis-tisse em outras áreas. Há 10 anos passados, mais da metadedas repúblicas latino americanas era dirigida por presidentesmilitares que assaltaram o Poder. Nos últimos 7 anos, uns caí-ram, outros foram assassinados, depostos ou exilados. Masem 1962 juntas militares governavam a Argentina e o Peru;em 1963, a Guatemala, a República Dominicana, o Equadore Honduras; em 1964, as Forças Armadas passaram a possuiro poder efetivo no Brasil. São as relações entre as estruturas

sócio econômicas e a organização militar, aquelas arcaicas eimprodutivas e estas que vinham consumindo mais de 30%do orçamento nacional, o fator mais importante da variação nograu de intensidade da intervenção militar.

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rendo o risco de ura futuro levante social e descontentando agregos e troianos.

62. O grosso do autêntico radicalismo nacional se origina de

correntes mamelucas, como as denominou João Ribeiro, e paraelas o interesse nacional não é somente o interesse da União,mas principalmente o interesse do Povo. “A pátria, e só a

pátria, temos em vista, o povo e só o povo nos comove emsuas misérias; a felicidade de ambos é a nossa única ambição”,diziam os revolucionários de 1848. Seu radicalismo foi semprenacionalista.

63. O nacionalismo brasileiro tem fundas raízes históricas.Ele é uma forma de lealdade às aspirações e interesses nacio-nais e nasce da singularidade, originalidade e individualidadenacionais, que dão um caráter próprio à política nacional einternacional. O nacionalismo nasce do confronto com outros

países, especialmente os desenvolvidos, é próprio e generalizadonos países em desenvolvimento e não foi nem é estranho à for-mação dos países desenvolvidos. Está sempre ligado à luta

pela derrota do arcaísmo e pela vitória do modernismo e daeficiência, que Toynbee, em 1939, dizia faltar ao Brasil paratornar se um gigante do calibre americano.

64. Não é privativo do Brasil que os benefícios da civiliza-ção tenham sido monopolizados por oligarquias e grupos eco-nômicos. Temos sido um povo dominado por latifundiários.Mas não será também privativo do Brasil que o poder oligárquico, ou de grupo, seja quebrado, e os benefícios se estendamà maioria dos membros da sociedade. A História do Brasilnão chegará a ura fim se a maioria for beneficiada e, comodisse Arnold Toynbee, o movimento pela justiça social não éinimigo da produtividade econômica: ambos se completam.

65. Porque nunca se fizeram reformas básicas, mas simplesremendos superficiais, especialmente eleitorais, as reformasnascem, morrem e ressuscitam desde 1831. Os remendos dosfósseis são culpados da sobrevivência dos problemas e da res-surreição das reformas. Por isso em gerações sucessivas, jo

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vens e velhos ouvem sempre falar no “Brasil à beira do abis-mo”. Num país que tem vivido em estado mercurial,in exíre-mis, na hora da extrema unção a mortificação não se dá so-mente devido às qualidades e virtudes do povo, e não devidoàs lideranças dominadoras que ressuscitam os remendinhos,

66. O processo histórico brasileiro foi, tem sido e é não con-temporâneo. Ê dirigido por espectros, fantasmas de outraseras, num organismo vivo, que é o povo. Daí a sobrevivênciado arcaico e a derrota do contemporâneo, as mortes e ressurrei-ções dos problemas e reformas. O envelhecimento das solu-ções, a desconformidade entre as instituições impostas e a reali-dade desconhecida — fruto da alienação, foram sempre res- ponsáveis pelo retardamento, pela derrota, pela subjugação, pelamorosidade do processo histórico.

67. O mais grave é a perempção do prazo histórico, com queconta o Brasil para ter vida própria, como nação singular, filia-da, mas não filial de outras sociedades. Os exemplos do fim

do século passado e do após guerra são decisivos. As possibi-lidades de se tornar um Poder Médio são muitas, mas paraisso é necessário uma política externa própria e independente.A interdependência6 um conceito que serve às nações envelhe-cidas, despojadas de seu antigo Poder Mundial, incapazes derecuperá lo, e especialniente aos grandes Poderes Mundiais, queo sustentam em suas respectivas áreas de comando, servindoa seus próprios interesses nacionais.

68. Como não somos meteorologistas do Poder, não podemos prognosticar as bonanças ou tempestades dc amanhã. Massabemos que o problema, no Brasil, não é, para o povo, o deexistir com a nação, mas o de coexistir com a liderança. Osconflitos e tensões na sociedade brasileira estão se tornandointensos e a despeito do maior comportamento incruento quecruento o perigo de uma insurreição violenta é maior do que parece, caso não se promova a integração do povo e não semodernize o país. Só aí o Povo existirá com a Nação, emcujo nome ela foi constituída.

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REFERÊNCIAS

F. J. O liveira V ianna . Populações Meridionais do Brasil,

São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1933, 3.a ed., págs. XV-XVI.G ilberto F reyre . Interpretação do Brasil. Trad, de Olívio

Montenegro, Rio de Janeiro* José Olímpio Editora, 1947, pág. 117.

F. J. O liveira V ianna . Evolução do Povo Brasileiro, SãoPaulo, Companhia Editora Nacional, 1933, 2.a ed., pág.315.

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Parte II

A s Constituições filiam se: uma é o resultado da outra. Considerar, pois, a questão histori-camente é resolvê la.

José A ntônio Saraiva . Câmara dos Depu-tados, 4 de junho de 1880.

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CAPITULO 1

() volo do analfabeto c a tradição política brasileira

\A concessão do voto ao analfabeto tem se tomado matéria

polfimica, partidária, e emotiva. Como ém 1881, quando sevelou pela primeira vez que o analfabeto votasse, estamos àsvésperas de grandes mudanças sociais.

Na verdade, uma das tradições políticas brasileiras consis-tiu em não vedar áo analfabeto o direito de voto. Desde asOrdenações Filipinas — que tiveram vigência de 1605 até aIndependência e, em certos capítulos, especialmente em matériacivil vieram muito mais adiante —• admitiam se nas eleições

para as Câmaras (Livro I, tít. LXVII) os eleitores analfabetos.As restrições ao direito de voto foram sempre de outra natureza,social ou econômica, mas nunca literária.

A legislação extraordinária foi estabelecendo várias discri-minações, mas nunca contra o analfabeto. Não podiam sereleitores, nem ser eleitos, “pessoas mecânicas, mercadores, filhosdo reino, gente de nação (judeus), soldados nem degradados,e sim nobres tão somente naturais da terra, e descendentes dosconquistadores e povoadores” (alvarás e cartas régias de 1643a 1747).

A exclusão de operários, comerciantes, judeus, degradados,homens de cor surpreende menos que a exclusão dos homensdo reino. Como já tivemos oportunidade de escrever em Brasil e África/ Outro Horizonte e nas Aspirações Nacionais, nós nos formamos com muitas exclusões e discriminações e nãofoi fácil o caminho para a tolerância e para a harmonia, desven-dado pelo povo brasileiro e não pelas minorias dominadoras.

Uma Provisão de 1705 estabelecia: “Nas Câmaras dePernambuco não poderão servir mercadores, e por tais se hãode reputar e entender os que assistem em loja aberta, medindo, pesando e vendendo ao povo qualquer gênero de mercancia.” E

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ihi I iiin proví iicias, foi solicitar a D, Pedro que convocasse umaiiiüemlilcia constituinte; o decreto de convocação é de 3 deJimlin de 1822 e as instruções de 19 de junho. Nessa ocasiãolambem se discutiu se convinha ou não estabelecer como baseda representação nacional a população livre e afirma CândidoMendes de Almeida que pelo que ouviu de pessoas consultadas,pi oponde rou a opinião favorável à representação nacional ba'lemlfr tanto na população livre quanto na escrava.

Foram, então, aumentadas as deputações de todas as pro-víncias que haviam mandado deputados às Cortes. Assim, ado Rio dc Jane;ro, que enviara 4 deputados às Cortes, deu à

Axscmbléia Constituinte 8 deputados; Pernambuco, de 7 passou pum 13; Bahia, de 7 para 13; Maranhão e Pará, de 3 para 4;Sanlii Catarina, de 2 caiu para um. Houve, em consequência,ttiu novo número de deputados para todas as províncias, que àIhinc da população livre possuíam 78 deputados nas Cortes

portuguesas e passaram a contar 100 deputados na AssembléiaConstituinte.

Essa modificação que ampliou a representação, levando

em conta justa e corretamente a população escrava, e nãoexcluiu o analfabeto, deve se a José Bonifácio, redator dasInstruções de 19 de junho de 1822, que excluíam apenas osque “recebiam salários ou soldadas, por qualquer modo queseja". José Bonifácio deve ter ouvido outtqs, deve ter se acon-selhado, como testemunha o probo, correto e competente Cân-dido Mendes de Almeida, cuja lição exposta em discurso naCflmara dos Deputados aqui resumimos.

Não se compreendiam nesta regra unicamente os guardalivros e primeiros caixeiros de casas comerciais, os criados daCasa Real (que não fossem de galão branco, ou seja de servir)c os administradores de fazendas rurais e fábricas. Excluíamse, ainda, os religiosos regulares, os estrangeiros naturalizadose os criminosos. No parágrafo 5 do capítulo II, relativo aomodo de se proceder às eleições dos eleitores, explicava se que“os que não souberem escrever, chegar se ão à Mesa para evitarfraudes, dirão ao secretário os nomes daqueles em quem votam;este formará a lista competente que, depois de lida, será assi-nada pelo votante com uma cruz, declarando o secretário ser

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aquele o sinal que usa tal indivíduo”. Com este mesmo sinal juraram 'cidadãos de todo o Brasil que não sabiam ler a Cons-tituição de 1824, como se pode ver no exemplar de assinaturade obediência à Constituição existente no Arquivo Nacional.

Nas Instruções de 1824 (26 de março), as exclusões sãosimilares, agora obedientes aos artigos 92 e 94 da Constituiçãoque não excluíam o analfabeto. Não há aqui, como nas leise decretos seguintes de 1846, 1855, 1875, exclusão de analfa-

betos. A matéria era indiscutível, especialmente considerandoque o índice de analfabetismo estava acima de 80% por volta

de 1880.Embora fosse uniforme a legislação eleitoral na concessãodo voto ao analfabeto, é certo que alguns pensadores liberaise conservadores discutiam a matéria. Assim, por exemplo,Sales Torres Homem, ao defender a conciliação, na sua fasede passagem da corrente liberal para a conservadora, manifes-ta se contrário ao voto ao analfabeto, pois era ‘ sobretudo noexercício do direito eleitoral das classes necessitadas e ignoran-

tes que se cometem os mais odiosos abusos”. Por isso, “se asupressão do primeiro grau da eleição não tem outro motivomais que a necessidade de evitá los, é claro que a condiçãocensitária do novo regime, que venha estabelecer se, não pode

permanecer a mesma”.Manifesta se, assim, contra a multidão cega e pungida pelas

precisões, contra um direito precioso que não podia ser entre-gue às mãos dos que caminham na retaguarda da civilizaçãoe defende, numa clara demonstração de elitismo e ilustrismo

__ que mais tarde inspira o liberalismo monárquico e republi-cano, a extinção da exigência de censo para as profissões literá-rias e científicas ou simplesmente para os que possuíssem títulosacadêmicos, pois constituem uma garantia mais segura de luzese seria também uma homenagem prestada à superioridade moraldos homens.

Pois bem. O seu maior adversário, Justiniano José daRocha, pensa do mesmo modo. Para ele, a ilustração emnossa terra ainda estava muito concentrada, “o número deanalfabetos estava fora de toda a proporção com os que co-nhecem as letras e o número destes para com os que lêem,

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para os que, de vez em quando, refletem no que é organizaçãosocial, no que é direito público, ainda está mais fora de toda a

proporção”, Como pois, pergunta ele, “a esses analfabetos,como a toda essa massa que nada compreende, e nada quercompreender, conferir o direito de eleger, e não prever, já adesorganização social, já todos esses resultados que presencia-mos?” A Constituição, dizia ainda, só admitiu as massas naseleições de primeiro grau e pelo censo — cem mil réis — fezoutra restrição, mas em 1845, reconhecendo o inconvenientedesse sufrágio universal, elevou se o censo para 200 mil réis e

o sufrágio continuou universal,Finalmcnte, Justiniano José da Rocha conclui o seu pen-samento da mesma forma que Sales Torres Homem: “A liber-dade política em nossa terra não poderia ser eficazmente ga-rantida senão pelas classes médias, dotadas de mais ilustração,de mais conhecimento de seus deveres e direitos políticos; maisinteressadas na ordem pública e no bem estar dà sociedade;entendíamos que, em vantagem delas próprias, devia se lhes

vedar o exercício de um direito que elas não compreendem emalbaratavam, comprometendo com esses abusos e pela pre-

ponderância do seu número, a verdadeira liberdade política do país, a causa da civilização nacional que os cidadãos ilustrados,que os homens mais diretamente interessados na pública pros- peridade não poderiam defender contra o servilismo e a ten-dência facciosa destas últimas classes.”

Como se vê, um e outro, liberal e conservador, amboscaiados, se uniam no pensamento de excluir as “últimas” clas-ses da sociedade do processo eleitoral e baseá lo nas classesmédias ilustradas. Justiniano José da Rocha ia além e se sur-

preendia, como revelou na Ação; Reação; Transação, que nãotivessem sido os analfabetos excluídos do júri, pois como a leinão o exigia, “não era necessário que o cidadão soubesse lerc escrever para ser incluído na lista dos juízes de fato”. O

analfabeto não era excluído, mas havia no pensamento polí-tico a idéia de afastá lo, como se verá no projeto Saraiva. Osque o defenderam fazem parte das correntes mais avançadas,como, por exemplo, fora do Congresso, o positivista Dr. LuísPereira Barreto. Discutindo a ação imediata da reforma elei

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toral, especialmente a eleição direta que teria a vantagem, se-gundo seus defensores, de pôr à margem o grande número dos

analfabetos, dos dependentes, dos caipiras, dos imbecis, PereiraBarreto pergunta: “Mas lucraremos realmente muita coisa aoarredarmos do processo eleitoral o grosso rebanho dos iletrados,dos analfabetos, dos dependentes de toda sorte? Serão os nos-sos caipiras os únicos causadores da nossa ruína moral, dosnossos descalabros financeiros e administrativos? Francamente, pela minha parte, não o creio. , . Muito maior cúmplice é anossa fidalguia de diplomados e condecorados, de doutores,comendadores, barões e viscondes, com ou sem grandeza, deque hoje regurgitam todas as províncias. É aqui que está umadas páginas mais escuras do segundo reinado.”

Como nos falta a tradição verdadeiramente liberal, coubeaos liberais rejeitar o princípio da não exclusão do analfabetoadotado na Colônia e no Império, pela Lei Saraiva, de eleiçãodireta.

A proposta de reforma eleitoral foi examinada pela Co-missão Especial em 25 de maio de 1880 e entre outros JoaquimSaldanha Marinho e Joaquim Nabuco aprovaram na com res-trições. Quando a matéria entrou em discussão, artigo porartigo. Nabuco pediu a palavra para explicar por que assinarao projeto com restrições. O Presidente não a concebeu paraesse fim, mas Saldanha Marinho se inscrevera não para expli-

car as restrições, mas para discutir o artigo primeiro que defi-nia o eleitor. Seu discurso é, sem dúvida, o mais importantesobre a matéria e os louvores e restrições com que iniciou odebate deram rumo às discussões seguintes. Pouco se acres-centou às idéias de Saldanha Marinho e as questões foramquase sempre as mesmas, embora variassem na forma.

O grande chefe liberal, cuja obra e ação merecem ser

mais conhecidas, estava consciente da importância da reforma.Em l.° de junho de 1880, dizia ele: “A discussão que orase abre, Sr. Presidente, é de um grande alcance político parao país. A matéria de que nos vamos ocupar é importantíssima, joga com os mais vitais interesses do Brasil.” Depois de algu-mas considerações sobre a necessidade de uma lei que nos

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desse o governo do povo e pelo povo, e uma legítima e genuínarepresentação nacional, de reafirmar a firmeza de suas convic-

ções liberais, e de acentuar que em política nunca licenciava acabeça por impulsos do coração ou conveniências de momento,Saldanha Marinho dizia que “o projeto em sua perspectiva e nasgrandes aspirações liberais que encerra é, em minha humildeopinião, magnífico,é da pura escola democrática”. E conti-nuava: “O projeto nos oferece: eleição direta, distritos de umsó deputado, admissão dos acatóIicos,.dos ingênuos e libertos, edos naturalizados à elegibilidade. Além disto, franqueia o voto,e alarga o exercício da soberania, habilitando para o gozo dosdireitos políticos aos maiores de 21 anos, quando a lei atualexige para isso a idade de 25 anos.”

Saldanha Marinho examina a seguir as vantagens da elei-ção direta, ao contrário da eleição por dois graus, então emuso. Louva a idéia da liberdade dos cultos, que o projetoamparava ao declarar que “ficam equiparados e plenamente li-

vres todos os cultos”. E acrescenta: “A liberdade de cultos,senhores, a não sujeição a uma qualquer comunhão religiosa, aindependência do homem civil em matéria de crenças, o respeitedevido à consciência humana, são da mais palpitante necessi-dade para o Brasil, e todo o governo que para a realizaçãodessas idéias concorrer, bem merecerá da Pátria.”

Foi tão conveniente Saldanha Marinho no louvor à amplaliberdade religiosa consagrada pela reforma, que o próprio Mi-nistro Saraiva diria, ao responder às várias objeções: “Peçoà Câmara que na ocasião competente dê uma melhor redaçãoa este artigo, para que não se exclua o judeu, nem ninguém(apoiados), porque o artigo, como está, talvez se preste à máinterpretação.” O artigo do projeto dizia: “É eleitor todo ocidadão brasileiro, nato ou naturalizado, católico ou acatólico,ingênuo ou liberto, compreendido nos parágrafos l.°, 2.°, 3.°,

4.° e 5.° do art. 6.° da Constituição do Império, estando nogozo dos seus direitos políticos, dadas as seguintes condições:Parágrafo l.°. Ser maior de 21 anos, com exercício efetivodos direitos civis. Parágrafo 2.°. Perceber por bens imóveis,comércio, indústria, emprego, títulos de dívida pública, ações

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de bancos e companhias legalmente autorizadas, depósitos nascaixas econômicas do governo, renda anual não inferior a 200$ ;ou achar se compreendido nos parágrafos l.°, 2.°, 3.° e 4.°

do art. 3.° desta lei", que definia a prova da renda.Disse ainda Saldanha Marinho que “a admissão dos ingê-nuos e dos libertos, a elegibilidade e a faculdade que se lhesconcede de poderem também representar o país em que nas-ceram é uma das idéias de mais moralidade e da mais perfeita justiça que o projeto contém”. Aplaudiu também, prestandolhe a sua mais sincera adesão, a idéia da divisão do Estado emdistritos de um só deputado. Na sua generalidade, o projetonão alterava os direitos civis e políticos do cidadão e seus prin-cípios eram democráticos, mas o processo de prova da rendareduzia, pela sua dificuldade, o eleitorado. “A maioria, e avultadíssima, de cidadãos hoje no gozo do direito de concorrer àeleição fica excluída. Será isso uma perfeita espoliação.” Ooperário, o artista, o agricultor, o trabalhador rural, toda essamultidão que por aí vive da indústria, das artes e ofícios ficaria,

dizia, condenada à perda dos direitos eleitorais. “É um prin-cípio falso, senhores, afirmar que o trabalhador, que o proletá-rio, o homem do povo, que não possa exibir um conhecimentodo tesouro, não deve votar, porque não tem contribuído como seu contingente para as despesas do Estado. Bem ao con-trário o imposto pesa e cruelmente sobre o consumidor; é eleque paga tudo; paga indiretamente, mas paga demais; pagaalém da taxa, porque paga a exageração do intermediário. Nonosso país ninguém pode ser impedido de votar, ser repelidodas urnas, privado do gozo do principal atributo do cidadãosob o falso pretexto de que não concorreu para as despesas públicas.”

O projeto continuava: “Se não diz claramente que o anal-fabeto não tem voto, implicitamente o estabelece, quando de-termina que o eleitor (antigo votante ou atual votante) escreva

e assine um recibo e escreva ele mesmo a sua cédula. Mas,senhores, uma tal providência, decretada assim de chofre, é atéiníqua c eu a combato. No nosso país a cuja população se

prometeu o ensino gratuito, mas que se iludiu a promessa desdeo começo do Império; no nosso país onde as escolas são em

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número tão diminuto, e geralmente mal dirigidas e que por issonão satisfazem as necessidades da instrução primária, nem anove décimos da população, não se tem o direito de castigartão descomunalmente os que têm a infelicidade de, por faltade escolas e de mestres, não saberem 1er nem escrever.”

Combate Saldanha Marinho a exclusão do analfabeto e aadmissão do que saiba simplesmente 1er e escrever. Defendeo bom senso, superior a escrever mal e 1er alguma coisa e argu-menta: “O poder marital, o pátrio poder, a faculdade de tes-tar são direitos elevados a importantíssimas prerrogativas; paraisso é indispensável maior soma de critério, de boa fé e de

sinceridade e ainda ninguém se lembrou de excluir dos respec-tivos exercícios os que não sabem 1er e escrever. Por que, pois,a lei política há de excluir a presunção geral de discernimentoem que se funda a lei civil? O chefe de família tem interessesmuitas vezes complicados a dirigir, e a lei o reconhece capaz;tem grandes deveres morais a cumprir, deveres de proteção àmulher, deveres de autoridade e de educação para com os filhose a lei reconhece o analfabeto capaz de os desempenhar; eentretanto é a esse mesmo homem que a lei política nega odiscernimento preciso para escolher um candidato entre os maishonrados, inteligentes e de melhor conceito!, A liberdade deconsciência não é negada ao analfabeto; a propria Constituiçãolhe dá direito de escolha de religião; a Constituição reconheceem todos o discernimento necessário para crer o que melhorlhe convier e quer se agora negar lhe discernimento para aescolha de um candidato em quem mais confie. O analfabetoante a lei criminal é apto para conhecê la, ter vontade de indis- pensável conhecimento para proceder de uma ou de outra for-ma e a lei política há de privá lo até do senso comum paravotar em quem lhe pareça melhor? Só não tem inteligência

para exercer um simples direito político?”Contra os partidários da exclusão dos analfabetos, espe-

cialmente os deputados Batista Pereira e Aristides César Zania,objetava Saldanha Marinho que para votar bastava o senso co-mum e replicava que' o analfabeto tem discrição bastante paradistinguir o bem do mal e, portanto, ser castigado.

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O discurso do grande chefe liberal prossegue sem vacila-ção. Ele insiste sempre no argumento dos poderes que a leicivil concede ao analfabeto. “Para ser tutor, para exercer o

pátrio poder, para ser chefe de família, não falta ao analfabeto,segundo as nossas leis, o necessário conhecimento, a perspicá-cia, o bom senso. Pois bem, se o analfabeto exerce faculdadestão importantes como estas, por que lhe quereis tirar o direitode voto? O analfabeto pode ser enganado? Senhores, per \corramos todos esses distritos eleitorais de fora da cidade; va-mos entender nos com essas populações analfabetas e encon-traremos entre elas muito bom senso, muita dignidade e muitahonra, e talvez mais independência.”

As palavras de Saldanha Marinho provocaram muitos de- bates e César Zama, deputado baiano, não hesitou em declararque “o analfabeto tem sido o instrumento do cesarismo” c quesua exclusão significa “a exclusão do navalhista”. Saldanha Ma-rinho respondeu que não é só dos analfabetos que os déspotas

políticos de todos os partidos têm criado instrumentos de seus

planos e que “a exclusão do cacetista, do navalhista e do ca- panga não se pode conseguir por esse modo”. Finalmente,depois de combater os embaraços criados pela lei para a provada renda, reduzindo o direito de voto, Saldanha Marinho de-senvolve o argumento estatístico para provar que a exclusãodo analfabeto, dos operários, dos trabalhadores rurais e quan-tos tiverem impossibilidade de provar a renda reduzia o elei-torado a 3% da população e, assim, o deputado nunca consti-tuiria a representação da maioria.

A população do Brasil, segundo os dados oficiais, estavacalculada em 4.318.699 homens livres, dos quais 3.306.602não sabiam ler. Portanto, os que sabiam ler ficavam redu-zidos a 1.012.097. Além disso calculava em um milhão onúmero de industriais (síc), operários e lavradores que não

podiam exibir as provas exigidas, dos dois milhões estimados pela estatística oficial nestes grupos. Restavam 12.097 homenslivres, dos quais deviam deduzir se os alienados, os interditose os sem ocupação. A população apta ao eleitorado seria de3%; e como podem, perguntava, 3 somente representar 100ou constituir mandatários desses cem?

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Os paladinos da exclusão dos analfabetos e defensoresdas difíceis provas de rendas foram, além de Aristides CésarZama, já mencionado, Cândido de Oliveira, o próprio MinistroSaraiva e Rui Barbosa. Ao lado de Saldanha Marinho, tam- bém Joaquim Nabuco combateu as exclusões.

Cândido de Oliveira considerava excelente o dispositivoque impediu o voto do analfabeto, pois um indivíduo que nãolê jornais, não quer instruir se, não pode conhecer os méritosde um candidato. “Os analfabetos não têm opinião por si,inspiram se nas opiniões alheias, são o reflexo do pensamento

dos potentados, e, a meu ver, seria um grande perigo para averdade da eleição, se eles para ela concorressem sem a cons-ciência da sua responsabilidade.”

Seus argumentos continham duas inverdades, mais tarderepetidas por Saraiva e Rui Barbosa. A primeira, a de que“pela doutrina da lei de 1846, o eleitor deve saber ler e escre-ver, porque, sob pena de multa, deve assinar a ata da formaçãoda mesa”. E a segunda, de que grande parte da renda pro-vincial era aplicada à instrução pública e a restrição do pro-

jeto, além de ser um estímulo para o desenvolvimento da ins-trução pública, não ofendia senão pequenos grupos, isto é,

justamente aqueles que teriam de lutar com outras dificuldades,como a falta de prova de renda.

O discurso dè Saraiva, presidente do Conselho de Minis-tros, limita se, na verdade, a defender o alcance político do

projeto, as virtudes que Saldanha Marinho reconhecera e àsquais fizemos referências. Quando replica às críticas que ao

projeto se fizeram, como a questão dos analfabetos e a dificul-dade da exibição das provas, ou repete Cândido de Oliveirasobre a lei de 1847, ou declara que “o projeto não exige saberler e escrever, exige que se saiba alguma coisa para regulari-dade da eleição. É para a regularidade da eleição que se exi-ge a assinatura, para a confrontação da identidade e o recibo para a certeza de que se houve o título de eleitor”.

Disse Saraiva, em relação à limitação do eleitorado pelarenda, que se tem “feito uma questão com o nome dos operá-rios; mas os operários estão tranquilos. E por que ficam tranqiiilos os operários? Por que, o que somos nós, senhores?

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Nós somos netos ou bisnetos de operários (muitos apoiados). Onde está a fidalguia do Brasil? Está ela representada na Câ-mara? O que eram nossos avós e bisavós? Operários que

vieram de Portugal ganhar fortuna, lavrando a terra ou traba-lhando a salário no Brasil ( apoiados, muito bem)”. Sem dis-cutir os equívocos desta frase de efeito, a verdade é que Saraivasustentava que o projeto estabelecera a condição de igualdade para todos. Não excluía ninguém, pedia que pelo trabalho, pela economia, o indivíduo se habilitasse a ter o direito de sereleitor de seu país.

Seu primeiro argumento, o de que o projeto exigia o que já estava na legislação da época, argumento repetido maisadiante, como veremos, por Rui Barbosa, foi claramente des-truído no próprio debate pelo deputado mineiro Corrêa Ra-

belo, ao dizer que “a lei de 1846 o que exige é que o eleitor'assine no colégio eleitoral a primeira ata, mas a falta de cum-

primento desta exigência não traz a nulidade da eleição; sujeitaapenas o eleitor à multa. Mas, devendo ser a multa imposta pelas câmaras municipais aos eleitores que por omissão outransgressão da lei não assinarem os seus nomes nessa ata,segue se que não deverão ser multados os eleitores que fisica-mente estiverem na impossibilidade de cumpri la, como os pa-ralíticos, os que tiverem as mãos cortadas, ou os que nãosouberem escrever, porque nesses casos não se podem consi-derar omissos, nem transgressores da lei”.

A exclusão era, evidentemente, uma inovação que refor-mava o exercício do direito político no Brasil, na hora mesmaem que deviam ser incorporadas à vida pública grandes massas

populares. Por isso mesmo César Zama, que era, como RuiBarbosa, um dos grandes defensores da exclusão do analfabeto,declarava que “o eixo da reforma está na condição de saberler e escrever, condição tão essencial, que, por mais que oqueiram negar, está também inscrita no projeto do governo”.

César Zama ia além de Saraiva e Rui ao sustentar, semdisfarces, que era sua convicção, há muito arraigada em seuespírito, “que o exercício do direito do voto no Brasil podee deve ser .dado independentemente da prova de renda a todo

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aquele que souber ler e escrever”. “O ser a instrução primária afonte do exercício do direito de voto teria para mim um duploresultado: despertar nas classes populares o desejo de instruí-rem se para poderem elevar se às funções políticas, estimular os

poderes públicos e derramar a mãos largas sobre o país a maiorsoma de ensino possível, para que mais larga e sólida fosse a base em que se apoiasse o governo.” Para ele, “um eleito-rado permanente e vitalício só pode, só deve assentar sobre uma

base igualmente permanente e vitalícia. Esta base única é ainstrução, que nunca se perde, quaisquer que sejam as vicissi-tudes da vida”. César Zama, como Antônio Felício dos Santos,

proclama se partidário da exclusão do analfabeto, ao contráriode Saraiva e Rui Barbosa, que declaravam nada haver de novono projeto de lei de 1881, e acabaram aceitando um regimede transição, adotado em 1881 e 1882.

Antônio Felício dos Santos defendeu com clareza e lucidezsua opinião. “Qual é”, perguntava, “o critério da verdadeiraimportância do cidadão? A riqueza? Esse índice, conquantode valor, por si só não basta, e seria odioso aceitá lo exclusivamente. A instrução? Outra base de importância, mas tam-

bém muito limitada para servir de pedestal ao sistema. Alémdisso, para que se possa considerá la um índice seguro, foranecessário que a instrução fosse especial ao fim [grifo do oradorj: isto é, que fosse a inteligência cultivada para a ciência política, que não c esta arte cultivada entre nós. Concordo,entretanto, com a idéia da exclusão dos analfabetos, porque a

instrução elementar na atualidade lé uma condição necessária pura o exercício da função social do voto”.

Já Rui Barbosa, colaborador de Saraiva no projeto do(ioverno e autor da redação vitoriosa, proclamava, em 21 de junho de 1880, que ele pugnara “pela conveniência de umcenso literário, de que a reforma prescinde”. Tendo uma voziipnrteado: “Não apoiado, o projeto atual, como o outro, ex-clui os analfabetos”, Rui replicou: “Perdoe me. O que estáno projeto é mais ou menos o que a legislação atual já exige:é, como bem disse o nobre Sr. Presidente do Conselho, o estritiimenlc indispensável para a regularidade dos atos da eleição.Mus o que o ano passado pedíamos era que o título de eleitor

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dependesse da verificação de certos rudimentos de instrução primária no alistado. Ora, esta aptidão careceria ser apre-

ciada; e essa apreciação, quer a entregássemos aos qualificadores, quer a confiássemos a autoridades profissionais, corres- ponderia a um arbítrio, que, em matéria de eleição, neste país,forçosamente determinaria infinitos abusos. (Apoiados.) A meu ver, esse é o argumento decisivo contra a fórmula amplada exclusão dos analfabetos.”

Esta foi, realmente, uma concessão de Rui Barbosa. O projeto do Governo declarava, no parágrafo 8.° do art. 6.°,que “os títulos serão recebidos pelos próprios donos, os quaisdeverão assiná los à margem, perante o juiz de paz ou secre-tário da câmara, quando a entrega for feita por este funcioná-rio, devendo outrossim deixar em livro especial recibo de seu

próprio punho”, e o parágrafo 4.° do art. 6.° do projeto deRui Barbosa declarava que “nenhum cidadão será incluído noalistamento dos eleitores sem o ter requerido por escrito e com

assinatura sua ou de especial procurador [grifo do autor], pro-vando o seu direito com os documentos exigidos nesta lei”. No parágrafo 15.° do mesmo artigo lia se que “os títulos serãoentregues aos próprios eleitores, os quais os assinarão à mar-gem perante o Juiz municipal ou Juiz de direito; em livro espe-cial passarão recibo com sua assinatura, sendo admitido a assi-nar pelo eleitor, que não souber ou não puder escrever, outro

por ele indicado".

Como se vê, era uma concessão de caráter provisório, pois o art. 8.° declarava que “no primeiro dia útil do mêsde setembro de 1882, e de então em diante todos os anos emigual dia, se procederá à revisão do alistamento eleitoral, em to-do o Império, somente para os seguintes fins: II. De seremincluídos no dito alistamento os cidadãos que requererem e pro-varem ter adquirido as qualidades de eleitor, de conformidadecom esta lei, e souberem ler e escrever. Parágrafo l.° . A

prova de haver o cidadão atingido a idade legal será feita pormeio da competente certidão; e a de saber ler ou escrever pelaletra e assinatura do cidadão que requerer a sua inclusão noalistamento, uma vez que a letra e firma estejam reconhecidas por tabelião no requerimento que para este fim dirigir” .

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Foi, portanto, a partir de 1882 e por influência decisivade Rui Barbosa, que os analfabetos foram excluídos do pro-cesso eleitoral e, consequentemente, da vida política e da vidahistórica nacional. José Antônio Saraiva e Rui Barbosa ce-deram, em 1881, diante da crítica de Saldanha Marinho, maso alistamento eleitoral, a partir de 1882, só incluiria o alfa-

betizado.A lei de 1881, lei de Rui Barbosa, teve seu caráter defi-

nitivo e seu seguimento lógico nas disposições dos decretos de1890 e da própria Constituição de 1891, ambos redigidos pelomesmo autor. Na verdade, a lei de 1881 não excluía apenasos analfabetos; excluía, como vimos, numerosos outros grupossociais, pela dificuldade da exibição da prova de renda. Vimosas objeções de Saldanha Marinho e nos debates da Câmaraficara claro que o projeto excluía classes inteiras que estavamhá muito tempo no gozo do direito de voto, como, por exem-

plo, os tipógrafos, por não pagarem impostos diretos ou nãoterem suas economias empregadas em apólices da dívida pú-

blica, em ações de bancos c em companhias legalmentc cons-tituídas ou depositadas em caixas econômicas do governo.Antônio Felício dos Santos concordara com a idéia, mas

vira a dificuldade da execução. “Outro princípio incontestadoé que concorram para a representação os que concorrem parau nutrição do organismo social. Surge aqui uma dificuldade. No Brasil, os impostos são indiretos em sua quase totali-dade.” Por isso Felício dos Santos pleiteia que “uma boa

reforma eleitoral devia ser precedida de uma reforma na impo Nição [de tributos]”. Lembra, então, a criação de um impostodireto estabelecido pelas municipalidades e aplicado exclusiva-mente por elas na fundação de escolas municipais. “Pedi umíndice de capacidade eleitoral servindo ao mesmo tempo paradar escolas a esses analfabetos que se excluem do corpo elei-toral.”

Contra as exclusões odiosas do artigo falou, ainda, Joa-quim Nabuco. Ele não conhecia, disse, nenhum título nohomem de dinheiro que o torne melhor do que qualquer outrocidadão brasileiro para se fazer representar no Parlamento.Pelo projeto, só votariam no Rio de Janeiro, por exemplo, os

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capitalistas, os proprietários de imóveis e os que pagavam im- posto de indústria e profissões, segundo os dados estatísticoscitados por Nabuco, “ 10.816 pessoas, das quais 1.813 brasi-leiras. A estatística mostra que se for assentar unicamente so-

bre a base do projeto a constituição do eleitorado da capital, agrande maioria dos que pagam o imposto de indústria e pro-fissão será de advogados, médicos, boticários, solicitadores,além dos que já estão habilitados pelos .títulos científicos. Fi-car se á colocado entre duas aristocracias: a dos títulos e a docapital; o eleitorado será muito pequeno”.

Temiam os elementos mais liberais a redução dos eleito-res, em 1875 calculados em pouco mais de 24.000, numa população livre de pouco mais de 4 milhões. Rui Barbosasentira os efeitos desta crítica e em seu discurso em defesada nova redação do projeto dizia: “Lançam nos em rostoque excluímos o operário, que banimos as classes produtoras,que eliminamos o elemento popular. Senhores, esta acusaçãoem si mesma não é leal, conquanto eu não ponha em dúvidaa lealdade dos reclamantes. Evidentemente a dificuldade da

prova não pesará sobre a parte mais respeitável dessas camadas:há entre os representantes dessa esfera do trabalho uma lar-guíssima seção que exercerá o voto.” Ao que replicou Nabucoque seria “muito pequena a seção que exercerá o voto”.

Mais adiante Rui Barbosa defendeu a tese elitista, queimprimiria aos primeiros decretos republicanos e à Constituição

de 1891, e que as minorias dirigentes sempre defenderam eainda hoje defendem, quer em relação à exclusão do voto, querem defesa do colonialismo. “Não há, Sr. Presidente, classemais digna de interesse que a do operário. Mas é educando aque seus verdadeiros amigos, noutros países, buscam aproximála do governo. Ora, enquanto não quiserdes o voto universal,a educação política dessa classe não pode constituir em incutir

se lhe a idéia de que a questão suprema nos governos popularesestá no voto de todo o mundo, quando, evidentemente, da sele-ção segura do eleitorado e da independência do voto é que háde partir a generalização progressiva do sufrágio.”

Como se vê, a tese de Rui Barbosa é a de todos os parti-dários, de ontem como de hoje, do predomínio de elites escla

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recidas, de minorias que se julgam intérpretes dos desejos easpirações populares. Ciceronianas, elas resistem sempre aqualquer reivindicação popular e são contrárias à maior parti-cipação do povo no processo histórico.

Extinguir o analfabetismo primeiro ou preparar as popu-lações é por igual a tese dos defensores de uma democraciarestrita e da dependência colonial. Isto faz nos sempre lem-

brar as palavras de Macaulay: “Se os homens tivessem deesperar pela liberdade até que se tornassem sábios e bons nacscravidãéC teriam que esperar para sempre.”

Os defensores da perpetuação da predominância dos inte-resses minoritários desejam exatamente isto. Que fizeram nacolônia e no Império para extinguir óu pelo menos reduzir oanalfabetismo? Escreveu Tavares Bastos que “a oligarquia dos proprietários, ou seus representantes nas Assembléias e no poder, não tomam interesse algum pelo ensino popular”. Comuma taxa superior a 80% de analfabetos, o Império consagra-

va à instrução, como mostrou o próprio Rui Barbosa, em 1882,1,99% do orçamento geral, enquanto as despesas militares de-voravam 20,86% da despesa geral. Apesar daquela taxa quesc refere à população livre, e da segregação da grande massaescrava, especial mente negra, o Império não excluiu de direitoo analfabeto do eleitorado, embora fosse extremamente redu-zido o número de eleitores, pelas dificuldades de sua inscrição,

renovada em todas as eleições.Como vimos, no capítulo das exclusões eleitorais, desde as

mais discriminatórias pela posição social (nobres e não mecâ-nicos), pela religião (católica c não judeus), pela naturalidade(excluído o estrangeiro), nunca o ler e escrever constituiu ele-mento essencial de qualificação. Exclusões de soldados e de-gredados na época colonial, das massas escravas negras ou

tndios selvagens na colônia e no Império, das praças de prédesde 1846, a verdade é que o analfabetismo não foi motivo deexclusão na colônia nem depois da Independência, pelas Instru-ções de José Bonifácio e até a lei de 1881. O analfabeto sólui excluído pela ação, pela luta de Rui Barbosa, o mais ciceroninno, o mais elitista dos políticos brasileiros.

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Os efeitos da lei de 1881 não foram os esperados e, em pouco tempo, como escreveu Nabuco, a eleição direta, sem osanalfabetos, ficou tão escravizada à candidatura oficial, comoa eleição indireta em sua pior época. Os liberais retardatáriosde 1880 1881, que julgavam que afastando o analfabeto insti-tuíam um regime democrático mais puro, puderam assistir àfalência da inovação.

Mas Rui Barbosa, o principal organizador da República — ao contrário de José Bonifácio, prosseguiu, sem ruptura,no afã de afastar totalmente o analfabeto, reduzido a cidadão

de segunda classe. Os primeiros decretos do Governo Provi-sório são incisivos. O Decreto n.° 6, de 19 de novembro de1889, “declara que se consideram eleitores para as câmarasgerais, provinciais e municipais todos os cidadãos brasileiros, nogozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler eescrever”. Os demais decretos, n.°s 277D, de 22 de marçode 1890, que regula o alistamento dos estrangeiros, e 511, de

23 de junho de 1890, que manda observar o regulamento paraeleição do primeiro Congresso Nacional, exigem que se estejana posse dos direitos de eleitor, para a qual era necessário saberler e escrever.

E assim continuou. Os decretos n.°s 510, de 22 de junhode 1890, e 914, de 23 de outubro de 1890, que publicaram o

projeto da Constituição dos Estados Unidos do Brasil e o pro- jeto submetido pelo Governo Provisório ao Congresso Consti-tuinte, estabeleciam o precedente que a Constituição de 1891ia definitivamente consagrar ao declarar que não podiam alis-tar se eleitores os mendigos, os analfabetos, as praças de prée os religiosos de ordens monásticas.

A exclusão do analfabeto passou então a ser um princípioconstitucional, adotado também pelo projeto do Governo Pro-visório de 1933, pela Constituição de 1934, a de 1937, a de

1946, a de 1967 e a de 1969 ao contrário da Constituição doImpério. Tanto assim que nos debates sobre o projeto de1880 muitos deputados duvidavam de sua constitucionalidade

porque ele reduzia direitos políticos estabelecidos pela Cons-tituição, já que esta não excluía o analfabeto.

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Acabou prevalecendo a tese que Antônio Alves de SouzaCarvalho, Visconde de Souza Carvalho, autor de estudos sobrea eleição direta, defendeu sobre as reformas constitucionais por

lei ordinária. Se Saraiva e Rui Barbosa não revelaram seguiressa opinião, procuraram, na verdade, negar que a exclusãodos analfabetos fosse adotada pelo projeto. O que havia no projeto, faziam questão de acentuar, era matéria já adotada nalegislação, o que se mostrou não ser verdadeiro.

Souza Carvalho, ex presidente de três províncias, pernam- bucano, deputado em várias legislaturas pela Paraíba e porPernambuco, partidário da adoção da eleição direta por leiordinária, sem reforma constitucional, cita em seu discursodois pensamentos de grande atualidade na época de hoje, quan-do se discutem reformas com ou sem modificação constitucio-nal. O de Napoleão I, que “em uma Constituição nunca serádemasiadamente largo o espaço que se deixar aberto para osmelhoramentos”; e o de Benjamin Constant, cujo esboço deConstituição foi o modelo da nossa de 1824, que “quando uma

coisa necessária não se pode efetuar pela Constituição, efetua scmalgrado a Constituição. É loucura, é inépcia e tolice, querer prender os progressos de um povo, as refornjas do seu estatutonacional, pelas peias dc disposições nele contidas que as difi-cultam extremamente. Se nossa Constituição não tivesse po-dido triunfar dos obstáculos que se opuseram à sua reformacm 1834, talvez tivesse voado pelos ares, não existisse mais.Foi a reforma que a salvou e a fez perdurar até hoje”.

Relembrou ainda Souza Carvalho os precedentes a favorilas reformas por lei ordinária, citando o exemplo das praçasdc pré, que pela Constituição de 1824 podiam votar c foramimpedidas de exercer esse direito pela lei eleitoral de 1846. Oart. 178 da Constituição de 1824, traduzido literalmente deBenjamin Constant, estabelecia que os direitos políticos só

podiam ser reformados pelos trâmites constitucionais, masSouza Carvalho argumentava que o projeto da Constituinte de-finia o que eram os direitos políticos, e o art. 178 omitiraa definição, gerando, assim, a dúvida.

O discurso de Souza Carvalho sobre este problema cons-titucional é muito importante e influiu de tal modo nos debates

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e na opinião da Câmara que Antônio Felício dos Santos aodizer se de acordo com o deputado pernambucano acrescentou:“As constituições escritas, por mais respeitáveis que sejam não

podem prender o desenvolvimento das sociedades, elas não são

revelações ou inspirações divinas, mas obras de homens queapenas podiam exprimir o pensamento e tendências de suaépoca.” Replicando ao deputado Galdino das Neves, queacentuara ter a nossa Constituição já 50 anos e nos ter prendidosempre, como urna barreira que se nos opunha, afirma AntônioFelício dos Santos numa visão da aceleração do processo histó-rico: “E cinqiíenta anos do século XIX é um sedimento capazde tornar fósseis criações muito mais respeitáveis. Como con-sultar oráculos desta?” Mais adiante, como fecho de seu discurso, proclamava: “Há, porém, alguma coisa que será apu-nhalada se passar esta • reforma: é a idolatria, o fetichismoconstitucional, os miseráveis sofismas com que se quer deter aevolução democrática do povo brasileiro.”

Sentiam, então, alguns elementos progressistas e vanguar-deiros que eram necessárias incessantes transformações que

vivificassem a sociedade; e o partido republicano, que se fun-dou ’ tendo à testa Saldanha Marinho e Quintino Bocaiuva,“esperançoso, paciente e descrente das reformas”, como disseJoaquim Nabuco, lutaria pelo adiamento infinito delas, porquedesejava a reforma maior, a República.

A reforma de Rui Barbosa avançava em muitos aspectos,como já vimos, especialmente no voto direto, no voto dosacatólicos e dos libertos, mas retroagia na exclusão dos analfa-

betos, esperançoso de que a discriminação estimularia a alfa- betização e promoveria o interesse do governo pela expansãodo ensino.

A República erigiu em princípio constitucional a exclusãodo analfabeto do processo eleitoral, ao contrário da Constitui-ção Imperial de 1824. Ao discutir se o art. 70, que excluíaos analfabetos e mendigos do processo eleitoral, o Apostolado

Positivista propôs a supressão dos números 1 e 2 do meneionado artigo, justificando que “estas exclusões, além de odiosas,são ilusórias porque nem os mendigos são os únicos cidadãosdependentes, c nem os analfabetos são os únicos cidadãos

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incompetentes para exercerem a apreciação política que a fun-ção eleitoral supõe. Pode até acontecer que haja muitos men-digos e muitos analfabetos superiores em critério moral e socialii muitos capitalistas e letrados”.

E o que fez a República pelo ensino? Começou excluin-do da Declaração de Direitos o da instrução primária gratuita,tio contrário da Constituição imperial, e foi somente em 1934que a educação primária voltou a ser protegida pela Lei Máxi-ma. A República atribuiu ao Congresso criar instituições deensino superior e secundário nos Estados, mas foi preciso aRevolução de 1930 para que surgissem as primeiras universi-

dades brasileiras.De 1890 a 1932 a taxa do analfabetismo caiu, é ver-dade, de 70% a 52%, mas em 1950 era ainda de 50,3% eos resultados do censo de 1960 foram de 39,5% e os de 1980de 24,7%. De modo geral, pode se dizer que foram pífios osesforços republicanos em matéria educacional e que os resul-tados republicanos são tão vexatórios quanto os imperiais.

Deste modo, a eliminação do analfabeto do processo elei-toral não serviu, como se esperava, de estímulo para a apren-dizagem nem forçou o governo a expandir a educação.

Serviu, então, tal eliminação para quê? É preciso con-siderar que se o analfabeto não era excluído — havia váriosoutros processos discriminatórios (renda, libertos, acatólicos, praças de pré etc.) —, era excluído o escravo, e em 1882grandes mudanças sociais estavam à vista e uma nova geração política clamava por reformas. A eliminação do analfabetoera a eliminação, na sua quase totalidade, do escravo liberto.Permitia se, pela lei de 1881, que o liberto votasse, desde quesoubesse ler e escrever e tivesse determinada renda, cuja provanão era facilmente exibida.

Tratava se, portanto, como sentiam os mais liberais, comSaldanha Marinho à frente, de uma medida ilusória, pois fingia permitir o que realmente se impedia, sem perder as aparênciasliberais. Veja se que esta finória capacidade de ludibriar, quefoi sempre uma das artes conciliatórias das minorias domi

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nantes brasileiras, foi conduzida pelo grupo baiano, com JoséAntônio Saraiva'e Rui Barbosa e menos finoriamente AristidesCésar Zama, minorias sempre muito cautelosas em relação àsmassas negras escravas, dominantes em Minas Gerais e naBahia.

O projeto já não admitia a renda dos escravos como base para o censo, isto é, para a renda, e o deputado baianoemancipacionista Jerônimo Sodré Pereira via que a escravidão, por este projeto, deixava de ser uma coisa legal e legítima, pois, argumentava ele, se não provava a renda, não provava a posse, não provava o domínio, não provava a propriedade.

Os apartes, protestos e reclamações em defesa da pro- priedade do elemento servil mostravam que a emancipaçãoestava à vista. Aparteando Jerônimo Sodré Pereira, disseMartim Francisco Júnior: “V. Exa. não há de abalar a pro- priedade sem o nosso protesto.” Com ou sem protestos, oitoanos depois esta propriedade não estava abalada, mas des-truída.

Nesse momento se dizia que o governo não visava àemancipação, mas apenas igualar os libertos aos ingênuos(filhos do ventre livre), é curiosa a situação eleitoral doslibertos, proibidos de votar na fase colonial até 1772, impe-didos desde a Constituição de 1824 (não pelas Instruções de1822 de José Bonifácio) e novamente admitidos em 1881. Étambém curiosa a relação entre renda, imposto e voto; desdea colônia até a República quem não pagava imposto ou não

possuía renda não votava; os mendigos foram sempre impe-didos, desde a colônia, pela Constituição Imperial e pelasconstituições republicanas de 1891, 1934 e 1937, admitindo os

pelo silêncio a de 1946; os soldados, as praças de pre, foramimpedidos desde 1846, através de uma reforma constitucional por lei ordinária, já que a Constituição de 1824 não os excluíra,e só as constituições republicanas afastaram as praças de pré,soldados e marinheiros. É evidente que a reforma eleitoral de1846, que inicia o processo da exclusão das praças de pré, re-duzindo direitos políticos que a Constituição assegurava, poromissão, foi um resultado das lutas revolucionárias da Re-gência.

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A exclusão do analfabeto é, portanto, muito moderna e parece revelar o elitismo ciceroniano da República, muito maisacentuado que no Império, apesar dos títulos de fidalguia e dosforos de nobreza que a República desprezou, mantendo embora

os privilégios de nascimento e criando novos favores. A dou-trina vitoriosa desde 1946, com a eliminação de qualquer impo-sição tributária ou de renda ou da mendicidade é a do deputadoAristides César Zama nos debates de 1881, quando afirmavaque o exercício do direito de voto pode e deve ser dado a todoaquele que souber ler e escrever.

Não creio, porém, no futuro do princípio, transformadocm cláusula constitucional. Como a República não cumpriu oseu dever de educar o povo brasileiro, ou mais simplesmenteainda, de ensiná lo a ler e escrever — seu maior e mais co-lossal fracasso —, não é possível afastar o analfabeto do pro-cesso político, quando ele exerce todos os seus deveres decidadão, trabalha, produz, paga impostos, exerce direitos civis,como já acentuava Saldanha Marinho em 1881.

Hoje, com a função educativa que exercem — apesar de

todos os seus defeitos — o rádio e a televisão, o analfabeto pode alargar seu horizonte cultural, exercitar sua crítica, esti-mular seu juízo e substituir princípios irracionais pelos inte-lectuais.

Finalmente, creio que toda a história do Brasil prova as palavras de fé de Saldanha Marinho, ao defender, aos 64 anos,com toda a lealdade a causa pública, que “não é do proletário,

não é do pobre, não é do simples homem do povo, não é dooperário que tem vindo a desmoralização do Brasil” . Apoiado pelo jovem Afonso Celso, que iniciava então sua carreira e queo aparteava para dizer que “a corrupção dos povos nasce decima”, Saldanha Marinho, com a pureza de suas convicçõesdemocráticas, prosseguia na defesa do voto popular, que le-gitima e torna fidedigna a representação: “Não é, senhores, eu

já o disse, dos analfabetos e dos homens do povo, não é dessasnumerosas classes, que o projeto exclui de votar, que nos têmvindo os males que nos assoberbam. Os grandes, os pode-rosos, os que se arvoram em influências, os que vivem nasalturas, os agaloardos são os únicos traidores da desastrada

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situação em que se acha o país. Aqueles que abusam do voto popular e com ele se apossam das altas posições do Estado, éque têm lançado o país neste caos.”

Saldanha Marinho era bastante consciente das maldadesdas minorias dominantes no Brasil, e lembrava que “a gente quevivia do seu trabalho quotidiano não tinha um dia sequer dasemana [o domingo, como dia de descanso, é deste século]

para poder frequentar uma escola e as noturnas são raríssimas”.Finalmente declarava, em defesa do voto do povo e do anal-fabeto: “Tenham as sumidades'políticas consciência de si e con-tritas confessarão que os imorais e corrompidos são elas. Não

tenho receio do voto do povo, tenho receio do corruptor.” Não creio que se deva acrescentar mais nada às palavras

imortais de Saldanha Marinho. Deve se apenas lembrar, se-guindo a lição do Professor Roberto Moreira, que com uma

população muito jovem, com mais de 50% de jovens abaixo de19 anos (a percentagem nos Estados Unidos é de 31% e naGrã Bretanha de 23 % ), e com um déficit de escolarização de

44% (temos 9.250.000 de alunos entre 6 e 14 anos nas escolas primárias e no primeiro ciclo do ensino médio, quando devíamoster 16.500.000), com um índice de analfabetismo, na popu-lação superior a 15 anos, de cerca de 70%, dos quais 4/7nunca estiveram na escola e 3/7 por ela passaram sem aprendera usar a leitura, não se pode excluir mais de 20 milhões de

brasileiros do processo eleitoral, já que as elites e o Governo

que elas construíram para seu proveito não deram condições para a alfabetização. De outro modo, a representação conti-nuará infidedigna. Se não se alfabetizou por incompetência,negligência ou interesse em afastar o voto popular, não se podeagora, com justiça, negar que novamente se conceda o voto aoanalfabeto.

Nem se poderia negar também o voto às praças de pré, as

quais primeiro se excluiu por lei ordinária, reduzindo direitos políticos que a Constituição de 1824 consagrara. Desde 1846seus direitos políticos foram ilegalmente reduzidos, com o pro-testo de conservadores da moderação do Marquês de Olinda ede Eusébio de Queirós.

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As constituições republicanas discriminaram contra todovoto popular, excluindo religiosos, analfabetos, mendigos, sol-dados e marinheiros. A abolição das barreiras eleitorais é uraaaspiração nacional bem fundada. Fazer com que todos os bra-

sileiros participem da escolha dos seus representantes significaum passei adiante na luta pelos direitos democráticos. A ex-clusão dos analfabetos é hoje uma discriminação de classe, poissegrega especialmente o pobre, o lavrador, o operário, pois nãoé o rico que não sabe ler, nem escrever. Da mesma formacomo se abandonou a exigência da renda, não pode nossa de-mocracia, que tão pouco fez pelo ensino popular, discriminarcontra o analfabeto.

Costuma se dizer que o analfabetismo é uma consequênciado colonialismo. Os poderes coloniais geralmente se opuseramà educação, já que esta tendia a encorajar a consciência na-cional e, em consequência, a procurar eliminar a opressão co-lonial. Tal argumento só teria valia logo após a Independênciae foi realmente miserável o legado português em matéria deensino. Mas não serve de justificativa hoje, passados mais de150 anos de nossa Independência. Nenhuma minoria se mos-trou, em toda a América Latina, tão irresponsável quanto anossa em oferecer ao povo a oportunidade ampla e nacional deaprender por meios educativos.

As sucessivas minorias que dirigiram o país foram sempreelitistas, cuidaram de si mesmas e nunca do povo. Ora, como crescimento populacional e a pobreza dos meios educativos,

ampliou se o quadro do analfabeto adulto, ao qual se atribuemvárias obrigações e direitos, mas se nega o de votar. Pagamtambém os analfabetos os impostos com que se nutre a minoriaque usa o Estado para a manutenção de seus privilégios, masse lhes impede de acabar, pelo voto, com esta situação ver-gonhosa, de mais de vinte e quatro por cento de analfabetos emidade escolar — em contraposição a 12% na Argentina —, de

mais de 25% da. população que apenas atinge o terceiro ano primário e de menos de 1% que entra nas universidades, ondeapenas um em três estudantes encontra vaga.

Se, como afirmam os peritos, o Brasil investisse 4% doseu produto bruto nacional em educação (os Estados Unidos

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aplicam 5,6%, 75% dos quais de origem pública), poderiaobter resultados a prazo curto, mas, na verdade, vem apli-cando apenas 2,8%, uma percentagem menor que a aplicadaem toda a América Latina.

Enquanto não se compreender que o ensino esta ligadoà expansão econômica e representa um dos melhores investi-mentos públicos, enquanto um professor ganhar menos quevários grupos de trabalhadores braçais ou não qualificados,enquanto o ensino para poucos significar privilégios para pou-cos, a luta contra o analfabetismo será uma campanha a lon-go prazo.

Torna se, portanto, indispensável dar ao analfabeto o di-reito de voto, para que ele participe de sua própria emancipação.,A concessão do voto ao analfabeto e às praças de pré é umamedida tão democrática no Brasil quanto o é a eliminação dosexames de alfabetização e das taxas de votação em uso emalguns Estados da União Norte Americana, recomendada, emdezembro de 1963, pela comissão que fora nomeada pelo Pre-

sidente Kennedy e foi apoiada pelo Presidente Johnson.Deste modo pode se dizer que impedir o voto das praças

de pré significa uma exclusão ignominiosa. Então serve o sol-dado para derramar seu sangue em defesa da Pátria, cumpreo mais sagrado e extraordinário direito do cidadão e não podecumprir o mais comum, que é votar? Quando, na última cam-

panha política nos Estados Unidos, objetaram contra Kennedy

sua fé católica, respondeu o candidato que não lhe pergun-taram se ele era católico ou protestante quando lutara por suaPátria na Segunda Guerra Mundial.

Em conclusão, o precedente histórico político e a funçãosocial do analfabeto e das praças de pré reforçam a aspiraçãoatual da concessão do direito de voto a todos, para que o Poderseja real e fidedignamente exercido pelo voto majoritário, sem

exclusão, discriminação e segregação.Em 23 de junho de 1964, o Presidente Castelo Brancoenviou mensagem ao Congresso Nacional propondo várias emen-das à Constituição Federa] e entre elas estava a que corrigia o

parágrafo primeiro do art. 132, facultando o alistamento doanalfabeto, limitado, porém, o exercício do voto, também sem

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caráter obrigatório, às eleições municipais, mediante processoidôneo determinado em lei. Na exposição de motivos afirma seque esta reivindicação tem algumas vezes assumido caráter ex-

plosivo, pelo tom demagógico em que se manifesta. E paradepurá la dessas interferências malsãs e obter uma solução na-tural, inspirada pelo interesse nacional, propunha a votaçãofacultativa e limitada à área municipal. Reconhecia que o anal-fabeto permanecia nesse estágio em virtude das omissões edeficiências da ação estatal e que seria necessário integrá lona comunhão nacional.

Além da esperada resistência jurídica, com que sempre se

dificultou o caminho das reformas no Brasil, manifestada portribunais e juristas — como, por exemplo, o Tribunal RegionalEleitoral de São Paulo —, a União Democrática Nacional, con-firmando a inexistência de uma tradição liberal no Brasil,mostrou se hostil à idéia da extensão do voto ao analfabeto.Foi o caráter facultativo do voto e a restrição às eleições mu-nicipais que permitiu a transigência deste Partido, cujos líderesrepetem os mesmos argumentos que favoreceram a exclusãoantes e depois de 1882, inclusive o da suscetibilidade destescidadãos à corrupção, argumento tão lúcida e positivamentecombatido por Pereira Barreto e Saldanha Marinho. O P.T.B.foi não somente partidário da emenda como da extensão damesma a todos os níveis eleitorais, enquanto o P.S.D, se di-vidia e alguns de seus líderes consideravam espertamente sera matéria irrelevante, pois previam, na limitação, a volta ao

“coronelismo”. A intelligentzia defendeu a concessão, sem asiimitações cautelosas da proposta oficial. Antônio Calladoescreveu, com muita razão, que “o Brasil é um país que podeser governado por analfabetos que não sejam eleitos por anal-fabetos".

A emenda foi derrubada, em grande parte pela ação da bancada da U.D.N., do P.R.P. e do P.S.P. e o Presidente Cas-

telo Branco, que não se empenhara pela medida e a enviaraapenas como uma satisfação à opinião pública, considerou oassunto encerrado e declarou que não pretendia renová la. Eraevidente pela própria falta de convicção com que a emenda foiapresentada, pela sua justificativa e limitações, e pelo caráter

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Sobre o complexo de caiação, vide José Honório Rodrigues, Aspirações Nacionais. São Paulo, Fulgor, 1963.

Anais da Câmara dos Deputados, Sessão de 1880, Rio de Ja-neiro, Tip. Nacional, 1880. 2 tomos. O discurso de Rui

Barbosa encontra se reproduzido inObras Completas, vol. VII, 1880, t. .1. Rio de Janeiro, Casa de Rui Bar- bosa, 1945.

A. C. T avares B astos . A Província. l.a ed., 1870; 2.a ed.,São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1937, pág. 238.

Anais do Congresso Nacional, Constituinte. Apêndice. Rio deJaneiro, Imprensa Nacional, 1891, pág. 8.

J. R oberto M oreira . “País de analfabeto não pode aspirara ensino superior”,Correio da Manhã, 8 de agosto de1964.

America em Cifras, 1961. 8. Estatísticas Culturales. Wash-ington, Union Panamericana, Organización de los EstadosAmericanos, s.d.

Correio da Manhã, 24 de junho de 1964.A ntônio C allado . Tempo de Arrais. Padres e Comunistas

da Revolução sem Violência. Rio de Janeiro, José ÁlvaroEditor, 1964.

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CAPITULO 2

Eleitores e elegíveis: evolução dos direitos políticos no Brasil

Tenham as sumidades políticas cons-ciência de si e contritas confessarão que os imorais e corrompidos são elas. Não tenho receio do voto do povo, tenho receio do corruptor.

S aldanha M arinho Câmara dos Deputados, junho 1880.

A campanha em favor do direito de voto do analfabeto e das praças de pré encontra uma bem fundada tradição na política brasileira. Somente no fim do Império e especialmente coma República teve o analfabeto seu direito de voto cassado. AConstituição de 1824 não o excluíra do direito de voto, como

não excluiu as praças de pré, afastadas do processo eleitoral por lei ordinária, reformadora da Constituição ao reduzir oulimitar os direitos políticos, sob o protesto dos conservadores,muito ciosos do respeito à mesma.

De modo geral, pode-se dizer que a evolução do direitode votar se processou no sentido de privar dele grande númerode brasileiros, afastando-se, especialmente com a República,cuja Lei Fundamental foi escrita de costas para o Brasil, osmais pobres e desprotegidos, as camadas mais humildes do

país. A Constituição de 1824 ao estabelecer as condições para ser eleitor foi muito mais generosa que a lei portuguesada colônia e buscou aumentar o corpo eleitoral baseada no

princípio — tão bem exposto pelo maior dos nossos consti-tucionalistas de todos os tempos, Pimenta Bueno, o Marquês

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de São Vicente — de que “custa muito mais corromper umgrande número que um pequeno”.

Excetuada a restrição aos acatólicos e libertos, a lei im-

perial foi superior, do ponto de vista liberal, à legislação co-lonial portuguesa, cheia de discriminações e segregações e àsConstituições republicanas, minoritárias e elitistas.

A elegibilidade para as funções legislativas não apresen-ta a mesma evolução liberal, se a examinarmos da colônia àRepública. Não podiam ser membros da Câmara os mecâni-cos (trabalhadores manuais), mercadores, judeus, soldados edegradados, mas tão somente nobres e naturais da terra.

De regra, os vereadores eram recrutados entre os ho-mens bons, designação muito vaga, que perpetuava uma oli-garquia de sesmeiros, ou latifundiários. Os cidadãos que ha-viam ocupado os cargos da municipalidade, ou governançada terra, ou costumavam andar na governança, constituíamos homens bons, distintos do povo, segundo as Ordenaçõesdo Reino. E tão fortes eram já os sentimentos nativistas noscomeços do século XVIII, que em 1707 os portugueses re-sidentes no Rio de Janeiro, impedidos de serem eleitores eeleitos, pleiteavam a El Rei D. João V mandasse, por pro-visão real, que em todas as eleições do Senado da Câmarafossem três os eleitores filhos da terra e três cidadãos dePortugal. Não foram atendidos e continuaram como não elei-tores e não elegíveis.

Com a Independência, os estrangeiros naturalizados fo-

ram admitidos à votação, mas continuaram inelegíveis, deacordo com as primeiras Instruções assinadas por José Bo-nifácio em 19 de junho de 1822. As instruções seguintes(1824), as leis e decretos de 1846, 1855, 1860 e 1875 con-signaram sempre a mesma diferença: podia o estrangeiro na-turalizado votar, mas não podia ser eleito. O projeto Sarai-va de 1880 quis romper este princípio estabelecido pelaConstituição de 1824 nos seus artigos 91 e 95, quando per-mitiu o voto nas eleições primárias do estrangeiro naturali-zado, mas declarou o inábil para ser deputado.

Quando Saraiva, em 4 de junho daquele ano, discutiua matéria da nacionalidade foi realmente muito liberal. “Se

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nhores, neste ponto confesso que fui além do que está ad-mitido em alguns países, mesmo republicanos, mas sei o quefiz ( Muito bem). Meu espírito pode não ter um largo elastério, mas conto uma felicidade: não tenho prejuízos ( Muito bem, muito bem). Sempre se me afigurou que esta exclusãodo parlamento contra o estrangeiro, a quem se tem dado onome de cidadão, era uma cousa sem razão de ser(apoiados). Dizer se que um homem é apto para ser cidadão do país,

para ser nosso compatriota e excluí lo ao mesmo tempo dacâmara, do ministério, é uma cousa que não compreendo.”Após um aparte de Rodolfo Dantas, opinando que o pro-

jeto deveria ser ainda mais alto e admitir os estrangeiros aoscargos municipais, Saraiva continuou suas considerações di-zendo: “Fazei uma boa lei de naturalização; mas desde quereconheceis como vosso concidadão o naturalizado, não o priveis do direito que cada cidadão deve exercer,(Apoia-dos.) Quando eu via discutir se a grande naturalizaçáo, nãome admirava de que se pedisse tão pouca coisa.(Apoiados.) Pois senhores, há naturalização maior do que a que faz umdistrito eleitoral nomeando deputado um homem que se na-turaliza? (Apoiados.) É a melhor de todas as naturalizações, porque nenhum homem pode receber os votos de seus con-cidadãos em tão grande número, sem ter dado provas de ta-lento e virtudes e de que pertence ao país pelo coração e por todos os laços do trabalho, do interesse e da dedicação(Apoiados.) Senhores, o projeto é talvez inocente nesta par-

te, porque infelizmente os estrangeiros não abundam neste país. Apenas há uma classe de estrangeiros que procuramo Brasil em quantidade e são os portugueses. Com efeito,os portugueses podem fazer o seu deputado, mas é precisoque se naturalizem. O Rio de Janeiro tem 60 mil portugue-ses, mas para escolher um deputado é preciso que se natu-ralizem, e se este projeto conseguisse este milagre, que dis- posição magnífica! ( Apoiados .) '’

Creio que Saraiva representava neste instante, com adefesa da idéia generosa e liberal, o próprio caráter nacional,ao abrir as portas do Parlamento ao estrangeiro naturalizado;mas não creio que fosse prudente ou aconselhável a forma

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çâo no Parlamento de grupos de deputados representantes de“colônias” estrangeiras. A idéia venceu e na redação vito-riosa de Rui Barbosa derrogou se a restrição constitucionaldo artigo 95, exigindo se, porém, que o cidadão naturalizado

tivesse seis anos de residência no Império depois da natura-lização. Como se vê, ampliava a reforma da lei eleitoral —lei ordinária — o direito político excluído na Constituiçãode 1824.

Neste ponto, como em outros ampliadores ou restritivosdos direitos políticos estabelecidos pela Constituição, o Vis-conde do Rio Branco, seguindo a tradição dos chefes doPartido Conservador, do Marquês de Olinda e de Eusébio deQueirós, se tornaria no mais formidável inimigo da reformaeleitoral. No Senado, em 15 de abril de 1880, Rio Brancodizia: “Mas há aqui para mim uma questão vital; eu o disseo ano passado nesta casa, acima do meu Partido, acima dequaisquer sumidades políticas, acima de todas as considera-ções que possam deter uma resolução de qualquer um denós, eu coloco o respeito devido à lei fundamental do Esta-do. (Apoiados.) Conseqücntemente entendo que não é pos-sível levar se a efeito a eleição direta, mudar a forma donosso sistema eleitoral e alterar o censo, dando ou tirandodireitos políticos, sem reforma constitucional. (Apoiado. r.)”

O Senado era o centro da reação conservadora, anti reformista, e não é por outra razão que a vitaliciedade senato-rial foi tão combatida pelos liberais mais avançados ou pe-los republicanos. A realidade é que a tese da reforma dos

direitos políticos por lei ordinária, debatida na imprensa pelo positivista L. Pereira Barreto, saiu vitoriosa e o naturalizado passou de eleitor a eleito e elegível. As Constituições repu- blicanas de 1891, 1934 e 1946 mantiveram o princípio vi-torioso em 1881.

A evolução dos direitos políticos pode ser examinadatambém sob outros aspectos, além da naturalidade, tais comoa elegibilidade das praças de pré, a exclusão dos acatólicos,

o problema da idade e o das qualificações de elegibilidade.Evolução variada, cheia de avanços e retornos é a dos

direitos políticos das praças de pré. Na época colonial, sol

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dado não podia votar, e José Bonifácio, nas famosas Instru-ções de 1822 com que organizou a primeira Constituinte, ex-cluiu as praças de pré e os religiosos. Mas o projeto de Cons-tituição da Assembléia Constituinte e a própria Constituição

de 1824 não excluem o soldado, senão o menor de 25 anos,limitação esta que não abrangia o oficial militar. Por issomesmo as Instruções de 1824 seguiram a Constituição, in-cluindo as praças de pré. Foi a lei de 19 de agosto de 1846que, violando a Constituição, lhes restringiu o direito polí-tico. Os principais chefes conservadores reprovavam a refor-ma feita em pleno domínio liberal e que mais tarde serviu de

precedente para novas reformas constitucionais por lei or-

dinária.A lei de 1875 consagrou a presunção de renda legal

concedida aos oficiais do Exercito, Armada, corpos policiais,guarda nacional da ativa e da reserva, reformada e honorá-ria. A lei de 1881 continuou a exclusão das praças de prédo Exército, da Armada e dos corpos policiais, ampliando acom os serventes das repartições e estabelecimentos públicos.A Constituição republicana de 1891 manteve a exclusão, ex-cetuando apenas os alunos das escolas militares de ensinosuperior; a de 1934 ampliou o direito político ao excetuarnão só os alunos, mas os sargentos e aspirantes a oficial; ade 1946 acresceu mais os suboficiais e subtenentes, mas to-das mantiveram excluídas as praças de pré, que só tiverama seu favor a Constituição imperial de 1824, e só votaramentre 1824 e 1846.

Mas a Constituição de 1946, se ampliou o direito polí-tico, restringiu o direito de ser eleito, ao excluir da elegibi-lidade os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes,os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino su-

perior. Deste modo, se a evolução se fizera no sentido deampliar o corpo eleitoral e, com ele, a elegibilidade, a Cons-tituição de 1946 representa um recuo ao excluir aqueles gru-

pos militares da representação. As garantias de segurança na-

cional, que impõe seja afastado o partidarismo político dasforças militares, podem ser obtidas com a transferência paraa reserva do militar eleito.

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Em matéria religiosa não há tanta dúvida, pois padrese frades influíam muito, mas não votavam, e as Instruçõesde José Bonifácio os excluíram. O Projeto de Constituiçãoda Assembléia Constituinte, a Constituição de 1824 e asInstruções de 1824 excluíam “os religiosos e quaisquer quevivam em comunidade elaustral”, excetuando se portanto osseculares, os quais pela lei de 1875 tinham a seu favor, co-mo outros grupos sociais, a presunção da renda legal. A re-forma eleitoral de 1881 confirmou a precedente, e mais, permitiu o voto dos acatólicos, defendido por Saldanha Ma-rinho, por Saraiva e pelo próprio redator do projeto vitorio-so, Rui Barbosa. Este disse, ao remetê lo à Mesa, que o país ficaria conhecendo aquela lei como “a carta do siste-ma representativo e da liberdade religiosa no Brasil”.

A lei de 1881 teve como grande ponto de debate a li- berdade religiosa e foi Rui Barbosa quem mais a defendeu.Ela dispensava pela primeira vez as cerimônias religiosas quedeviam preceder os trabalhos eleitorais. Com a República,que pelo Decreto n.° 510, de 22 de junho de 1890, excluiu

do país a Companhia de Jesus e proibiu a fundação de no-vos conventos ou ordens monásticas, ficaram excluídos do di-reito de voto “os religiosos de ordens monásticas, companhias,congregações ou comunidades de qualquer denominação, su- jeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe arenúncia da liberdade individual”.

A Constituição de 1934 restabeleceu o direito de voto para os religiosos, pela omissão da exclusão, e assim o feztambém a de 194ó. É preciso não esquecer, em matéria re-ligiosa, que pela Constituição de 1824 não eram elegíveis osque não professassem a religião do Estado.

Em matéria de idade a evolução é muito curiosa. PelasInstruções de José Bonifácio, já referidas, podia votar “todocidadão casado e todo aquele que tiver de vinte anos paracima sendo solteiro”. Como se vê, o casado não tinha seudireito limitado pela idade, exigindo se para o solteiro ape-nas 20 anos, o que ia ser modificado pela Constituição de1824. Esta manteve ainda a distinção entre solteiro e casadoe excluiu de votar “os menores de 25 anos, nos quais se não

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compreendem os casados e os oficiais militares, que foremmaiores de 21 anos, os bacharéis formados e clérigos de or-dens sacras”. Não só estavam excluídos os cidadãos entre 20e 24 anos, antes admitidos, como os casados viam reduzidos

seus direitos políticos, antes sem limitação de idade. Estaslimitações não eram compensadas pela inclusão de oficiaismilitares, bacharéis e clérigos, já que antes todo solteiromaior de 20 anos podia votar.

As Instruções de José Bonifácio foram, assim, mais li- berais que a própria Constituição Imperial, e os decretos eleis que se seguiram mantiveram estes limites de idade. Quan-do se discutiu a Lei Saraiva Rui Barbosa, defendeu se tam-

bém a redução da idade de 25 anos para 21 anos, e, comosempre, houve protestos contra a ampliação dos direitos po-líticos, reformando se a Constituição por lei ordinária. Afi-nal elevou se novamente a idade e a redação vitoriosa nãoampliou o exercício do direito político.

A idade para elegibilidade não sofreu grande evolução.Para ser vereador ou deputado bastava estar no gozo dos di-reitos políticos e os que eram eleitores eram elegíveis, exce-tuadas certas qualificações de que adiante trataremos. Mas

para ser senador sempre se exigiu, desde o Projeto da Cons-tituição de 1824 e no texto definitivo desta, que o cidadãofosse maior de 40 anos. Assim o foi também na reforma de1881 e coube à primeira Constituição Republicana abaixara idade para 35 anos, como abaixou para 21 anos a idade doeleitor. A Constituição de 1934 rebaixou a idade do eleitor

para 18 anos, fixou a elegibilidade do deputado em 25 anose conservou em 35 anos a elegibilidade do senador.

Como se vê, em matéria de idade a tendência era libe-ral, pois facultava o exercício do direito político aos jovensde 18 anos e permitia que aos 35 fosse o cidadão eleito se-nador. Como todos os que podiam ser eleitores eram habéis

para serem deputados, segundo rezavam as Instruções paraas eleições decretadas no dia seguinte (23 de março de 1824)

ao da outorga da Constituição de 1824, o princípio da igual-dade ou relação entre eleitores e elegíveis no caso da eleiçãode deputado ganhou aceitação geral e foi sempre adotado,

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sem necessidade de cláusula expressa. Como a Constituiçãode 1934, seguida pela de 1937 e 1946, rebaixou a idade doeleitor, decidiu também romper a relação igualitária, crendotalvez que 18 anos seria uma idade muito pueril para o exer-cício da função legislativa.

É provável que a ampliação do direito político aos jo-vens resultasse da constatação, então evidente, de que umadas principais características da composição por idade da po- pulação do Brasil consistia na proporção muito elevada dasidades infantis e adolescentes e na proporção muito baixadas idades maduras e senis. Esta característica tem se acen-

tuado ainda mais depois de 1946 e o censo de 1950 já re-velava que o grupo de idade de zero a 19 anos constitui maisda metade (52,48%) da população total, enquanto em ou-tros países apenas excede um terço (Estados Unidos,34,28%) ou menos de um terço (Suíça, 30,31%, Suécia,29,10%).

Revelaram se, então, os legisladores de 1934 e os se-guintes muito atentos ao movimento demográfico brasileiro,mas o que me parece ainda mais importante não é sua vi-gilância no sentido de abrir as portas da votação a um maiornúmero de brasileiros, e sim no sentido de fechar as doParlamento aos menores de 25 anos. A ruptura da relaçãoentre eleitores e elegíveis representava a exigência de umamaior consciência política e do bem público, ganha primeironas lutas eleitorais.

Creio que a continuar esta tendência demográfica nãofaltará quem lembre que aos 15 anos D. Pedro tomou seImperador, embora a Constituição de 1824 o considerassemenor até os 18 anos, e aos quatorze jurou observar a Cons-tituição política da Nação Brasileira. Atualmente, os rapazese moças amadurecem mais cedo, em resposta aos impulsosde uma vida de maior participação na comunidade e às ex-citações da educação extra escolar que o rádio e a televisão

promovem. Por isso o que importa é a idade cultural e nãoa temporal dos jovens brasileiros. Permitir o voto aos mais jovens não significa, porém, que não se lhes restrinja o di-reito de participar do Parlamento, pois aí as tarefas são mais

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“Nunca digas: Por que foram os dias passados melhores doque estes? Porque nunca com sabedoria isto perguntarias”,mas é incomparável o nível de categoria, de competência ede saber do Parlamento imperial em relação ao republicano, para quem estiver familiarizado com a leitura dos Ana is deum e outro. E, no entanto, no Império não se impedia oanalfabeto de votar, mas se o impedia de se eleger. Na Re-

pública restringiu se, com as exclusões discriminatórias, ocorpo eleitoral, mas se abriram as portas da elegibilidade.

É necessário ampliar, sim, o corpo eleitoral, especial-mente quando se considera que mais de 24% dos brasileiros

são analfabetos e mais.de 50% estão entre zero e 19 anosde idade, mas isso não implica em ampliar também a ele-gibilidade. Não há restrições de idade à elegibilidade? Quan-do se deu o voto aos jovens de 18 anos, não se fixou em25 anos o mínimo para a eleição do Deputado, consideran-do se a necessidade de maior madureza para o exercício le-gislativo? Nunca antes se fixara uma idade mínima para oDeputado. Quando se rebaixou de 40 para 35 anos a idadedo Senador, deve o legislador ter considerado não somentea necessidade de manter a relação de idade entre eleitor,Deputado e Senador, exercendo este último uma função revi-sora e, como tal, de maior madureza, como o fato de ser aidade média no Brasil, infelizmente, muito baixa.

Pedir que todos os eleitores sejam elegíveis, exatamen-te quando se pleiteia que o analfabeto possa votar, seria de-magogia. Que iriam fazer analfabetos, diante da complexi-dade do processo legislativo e das regras regimentais, noCongresso, jâ tão cheio de semi analfabetos e de ex caboseleitorais? Não é democrático, mas demagógico, estabelecerse o princípio de que são elegíveis todos os alistáveis. Não édemocrático, mas demagógico, exigir se concurso, nível uni-versitário, e cursos de especialização para vários serviços pú- blicos dos três Poderes da República, distinguir se entre pro-

fissionais comuns e especializados e não se distinguir entreo cidadão eleitor e o cidadão elegível.Ampliar o voto popular deve significar diminuir as pos-

sibilidades de corrupção eleitoral e ajudar as vitórias do Po

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vo e o progresso da República, mas creio que ampliar a ele-gibilidade não teria a mesma significação, pelo rebaixamentodo nível do Parlamento.

Não é democrático fechar as portas ao eleitorado, co-

mo não o é constituir o Parlamento de minorias ilustradas,quase sempre ciceronianas, censoras indignadas, verbocratas,que procuram apenas manter seus privilégios e barrar o ca-minho às concessões populares. Mas também não seria de-mocrático, seria simplesmente demagógico, permitir que anal-fabetos e semi analfabetos' viessem a dirigir um Poder daRepública. O Brasil está dominado pela necessidade de ex- pansão do ensino primário e é dos países mais atrasados daAmérica Latina em matéria escolar.

O direito político consiste, desde o projeto de Constitui-ção da Assembléia Constituinte de 1823, no exercício da au-toridade nacional, local e municipal e na disputa eleitoral, oque significa, em princípio, a igualdade de eleitores e elegí-veis, desfeita apenas pelas restrições impostas pela idade eo analfabetismo.

Foi exatamente o projeto de Constituição preparado pelaAssembléia Constituinte que definiu os direitos políticos, sua

perda e suspensão (art. 29). Perdiam se os direitos políticoscom a naturalização em um país estrangeiro ou com a acei-tação, sem licença do Imperador, de emprego, pensão oucondecoração de qualquer governo estrangeiro (art. 31).Suspendia se o exercício dos direitos políticos por incapaci-dade física ou moral ou por sentença condenatória à prisãoou degredo, enquanto durassem seus efeitos. Excetuada a de-finição dos direitos políticos, esses princípios de sua perda esuspensão foram adotados pela Constituição outorgada de1824 (arts. 7 e 8), pela de 1891 (arts. 70 e 71), pela de1934 (arts. 106 111), pela de 1946 (arts. 135 137) bemcomo a de 1967 (art. 144) e 1969 (art. 149).

A perda dos direitos políticos esteve sempre ligada à perda da nacionalidade e à aceitação de emprego ou pensãode governo estrangeiro, sem licença do governo brasileiro.Em 1934 acrescentou se a perda “pela isenção do ônus ouserviço que a lei imponha aos brasileiros quando obtida pormotivo de convicção religiosa, filosófica ou política” ou “pe

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la aceitação de um título nobiliárquico, ou condecoração es-trangeira, quando esta importe restrições de direitos ou de-veres para com a República”; afirmou se também explicita

mente que a perda dos direitos políticos acarreta simultanea-mente a do cargo público, determinação que a de 1937 afas-ta por motivos evidentes — os direitos políticos estavam

perdidos para todos — e que a de 1946 voltou a acolher.A suspensão dos direitos políticos pelos dois motivos

acima mencionados não sofreu evolução desde o projeto de1823 até a Constituição de 1946. É evidente que várias vezesfoi aplicada a cláusula da perda dos direitos políticos, masnunca se aplicou a suspensão, em crise alguma, das maio-res às menores, pois sempre bastaram aos vencedores os fru-tos da vitória, embora se tivessem cassado mandatos legis-lativos em 1947. Nem exemplo igual existe nos países de-mocráticos.

Na Grã Bretanha, entre 1679 e 1683, houve as gran-des lutas pela lei de exclusão de Jaime I à linha sucessóriareal, mas ele não foi excluído — o Parlamento apenas con-seguiu o direito de estabelecer a mesma linha, e é dessemesmo ano de 1679 a lei do Habeas-Corpus; na França,depois da Restauração, Thiers lutou sempre para que nãohouvesse exclusões e discriminações políticas e nos EstadosUnidos a Lei de Sedição de 1798 (14 de julho), que obje-tivava reprimir a oposição política, resultou na perseguiçãode 25 pessoas e na condenação de 10, todas anistiadas quan-

do Thomas Jefferson se tornou Presidente, em 1801. No Brasil aplicou se a reforma e a aposentadoria desde1831, quando foram excluídos da vida pública brasileira os

portugueses ligados a D. Pedro I, especialmente os oficiaisdo Exército e da Marinha e os empregados públicos civis eeclesiásticos. Também se pode considerar como discrimina-ção dos direitos políticos a exclusão dos libertos, de muitosdeles, embora se lhes permitisse votar nas eleições primárias.

O Ato Institucional de 9 de abril de 1964 é um exem- plo único na nossa história e na história dos países demo-cráticos. Ele se inspira nos regimes de exceção, onde pre-dominam a indignação moral e a intolerância, e pior, faz

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guns políticos de visão, como o antinadonalismo, o antiprogressismo, a espoliação, a alienação de nossas elites, queÂngelo Ferraz e Sales Torres Homem viram nas suas horasde paixão, do que da deformação agigantada da corrupçãoe da subversão.

A subversão e a corrupção apuradas ficaram reduzidasa proporções bem menores, se na primeira não se incluir onacionalismo mameluco, o radicalismo (raízes) nativista, osreformismos e até mesmo as várias formas esquerdistas, nãocomunistas, e na segunda não predominar uma visão com- parativa e educativa. Somente a visão extremista dc direita

amplia e explora os perigos da corrupção e da subversãoe dela vive. Eles são todos favoráveis aos anjos que deviamhabitar o Brasil, e partidários dos castigos terríveis que dei-xariam a destruição de Sodoma e Gomorra na sombra, eesquecem se daquelas palavras de H. L. Mencken de que omundo seria extremamente chulo para os honestos, se nãohouvesse pecadores.

Guando houve, no Brasil, entre 1836 e 1840, a lutada reação contra as exaltações republicanas e democráticas,houve quem falasse na conveniência das alçadas especiais para os crimes que comprometessem a segurança do Estado,segundo nos conta Justiniano José da Rocha. “Mas, feliz-mente”, escreve ele, “essa aspiração nunca foi reduzida a projeto, e ainda menos a lei.” O Império não conheceu leisde exceção, mas na República se tem abusado deste recurso.

Excluir, discriminar, segregar correntes de opinião ésempre o meio mais fácil de assegurar a manutenção dos privilégios e evitar a livre competição das urnas. A demo-cracia é o exercício contínuo do civismo político e da inte-gração social. Por isso mesmo as emendas aos artigos 132 e138 da Constituição são de limitada inspiração. Já acen-tuamos, primeiro, que a concessão do direito de voto mu-nicipal ao analfabeto foi de reduzido efeito e mesmo assim

derrotada; segundo, que a elegibilidade deveria ser também permitida às praças de pré, conforme a nossa tradição e asnecessidades de ampliação do voto popular; e terceiro, quea inclusão do parágrafo único do art. 138 (são inelegíveis

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os inalistáveis e os mencionados no parágrafo primeiro doart. 132) não devia limitar se a regular a elegibilidade dosmilitares alistáveis, mas impor, tal como no começo da nossavida independente, condições mínimas de elegibilidade paratodos os militares ou civis, pois não é possível continuar a permitir que semi analfabetos — todos devem votar, mas nemtodos podem ser votados — encham o Parlamento.

Condições mínimas de adesão a princípios morais e éti-cos, alto grau dè consciência social e cívica, capacidade detrabalho, maior conhecimento geral ou especial são necessá-rios, enfim, uma fórmula moderna e progressista que expri-ma as exigências de José Bonifácio nas Instruções de 19 de junho de 1822 e da Constituição de 1824. A página maissinistra da nossa história foi o Ato Institucional n, 5 de 13 dedezembro de 1968.

REFERÊNCIAS

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L. P. Barreto . Soluções Positivas da Política Brasileira, SãoPaulo, 1880.

Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 1880. Rio deJaneiro, Tip. Nacional, 1880, 2 tomos.

W alter Goodman . All Honourable Men: Corruption and Compromise in American Life, New York, Longmans,1964.

Cornelius O’L eary . The Elimination of Corrupt Practices in British Elections. 1868-1911, Oxford University Press,1962.

W illiam B. G wyn . Democracy and the cost of politics in Britain. Athlone Press, 1962.

Donald W raith e E dgar Simpkins . Corruption in developing countries, including Britain untit 1880. Allen and Un-win, 1962.

Justiniano J osé da R ocha . Ação. Reação; Transação, ob.cit., ed. Magalhães Júnior, pág. 206.

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Parte III

"Não somos nós que nos governamos, são os mortos, são os nossos antepassados. . . Não é o espírito do século que determina nossa conduta: é a sombra de um tenebroso

passado." Luiz P ereira B arreto

Soluções Positivas da Política Brasileira, São Paulo, Livraria Popular, 1880, págs.

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CAPÍTULO 1

A política nacional:uma política subdesenvolvida

Nos estudos anteriores vimos, no processo histórico nacional,as alternâncias entre a conciliação e a inconciliação, o pre-domínio da anti reforma sobre a reforma, a preponderânciada ordem sobre a liberdade. O progresso foi totalmente des-conhecido durante quase meio século e não esteve nas cogi-tações partidárias, pois ambos os partidos reuniam gruposdas próprias minorias dominantes, sem maiores divergências programáticas. Todas as reformas estruturais foram cogita-das e discutidas, mas sempre derrotadas pelos grandes inte-resses oligárquicos e latifundiários que queriam manter as

coisas como estavam. A estrutura econômica latifundiária ea estrutura social rígida, sem permeabilidade, não permitiamgrandes aspirações, limitadas, como vimos, à ordem e à li-

berdade.O sistema bipartidário — partido conservador e liberal

— nunca funcionou, já que ambos pouco se distinguiam. Em1862 dizia J. M. da Silva Paranhos: “As palavras” — ve-

jam bem e nem sequer os programas — “conservador e liberaltambém não me parece tenham uma significação tão positi-va que possa servir para estabelecer as balizas que devemseparar nos no empenho de servir à causa pública.” Um eoutro representavam a grande propriedade, as grandes famí-lias, como disse Nabuco de Araújo, em 1853. E o mesmoParanhos dizia, de novo, em 1864: “Tem se repetido ummilhão de vezes, uns que entre nós não há partidos, outros

que os partidos apenas se diferenciam, que o antagonismo po-lítico dificilmente pode ser definido.” Afinal houve quemexprimisse claramente, tal como Nabuco de Araújo, a signi-ficação partidária. “Nós representamos interesses e não al-mas, nós representamos interesses e não negros, nem mu

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lheres, nem meninos”, disse Magalhães Tacques, magistradoe várias vezes ministro, em 1853.

Era ião indefinida a coloração partidária, que os mi-nistérios se distinguiam pelas datas de sua organização.1 Por

isso disse o Barão de São Lourenço que eles eram peçasde guardanapo do mesmo padrão, com riscos de separação, ecomo excluíam negros, mulheres e meninos e pela eleiçãoindireta as maiorias, representavam realmente os mesmos in-teresses, transitoriamente divergentes, por questões formais,

processuais, e nunca substantivas.As próprias dissidências republicanas ou monárquicas,

federativas ou centralizadoras, que no princípio e no fim doImpério distinguem os grupos políticos, são formais, poissubstancialmente o país teve sempre uma estabilidade insti-tucional empedernida. Nada abalou sua constância e perma-nência e por isso foi tão forte a resistência à mudança. OPoder é sempre um círcuio de ferro, rígido, fechado, e ascombinações visam, em frotas sem bandeiras, a vencer a qua-dra eleitoral para defender as mesmas idéias, expressões dosgrandes proprietários.

O dissídio entre o Poder e a Sociedade é também per-manente; se aquele se vinculasse a esta estaria rompido ocírculo de ferro e os interesses latifundiários e escravocratasestariam perdidos e, com eles, a estabilidade institucional.Formalmente pode acontecer tudo: abdicação real, república,rebeldias liberais ou populares, mas as instituições fundamen-tais permanecem as mesmas e sempre indestrutíveis; mesmo

a abolição da escravatura, que modificou as relações sociais,não abalou a grande propriedade; esta continuou concen-trada.

A política nacional exercida pelos dois partidos e suascombinações transitórias foi sempre anti reformista. Preferiuconciliar para não reformar. Unindo todos os interessados nadefesa do statu quo e dos privilégios, evitavam se as amea-ças radicais e populares, que puseram em perigo a estabili-

1 Vide Organ izações e P rogramas Min i s t e r i a i s , Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1889, 2.a ed., Arquivo Nacional, 1962.

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dade institucional, especialtnente entre 1831 e 1840. A con-ciliação e as ligas visam a defender a ordem e a estabilidade,nas estranhas combinações entre conservadores e liberais mo-derados e entre liberais e conservadores moderados, Comisto excluíram se os radicais, os exaltados, que aspiravam àsreformas de estrutura.

Deste ponto de vista, nada foi feito no Império. Anti progressistas — pois sabiam que progredir era reformar —, os políticos imperiais eram desvinculados da realidade nacionale queriam que o povo fosse o que não era. Mas nada oumuito pouco fizeram para transformá lo, educá lo, beneficiá

lo saniíariamente. O povo era um fantasma. Antinacionais pela desvinculação, antiprogressistas pelo anti reformismo, co-mo os classificou o próprio Sales Torres Homem, liberal econservador, não foram imunes à alienação, pela predileçãoque sempre mantiveram pelo estrangeiro, sem notar a singu-laridade do país que dirigiam. Doutrinas políticas, estilos par-lamentares, instituições, projetos de lei tudo seguia modeloseuropeus. Para manter o círculo de ferro criaram uma po-

lítica de clientela, denunciada, como vimos, por Ângelo Fer-raz,A liderança teve, evidentemente, aspectos positivos,

quando, com a colaboração popular, manteve a unidade po-lítica, a integridade territorial, procurou definir juridicamen-te os limites e delineou uma política externa própria queevitou compromissos com as Potências da época. O Brasil foisempre um país agredido, não só potencial mente, mas fisica-mente, por ingleses, franceses e norte americanos. Foi tam- bém positiva a vitória conservadora contra o federalismo, es- pecial mente o velho federalismo dualístico, que veio a pre-dominar na primeira República. Mesmo sem o federalismoe mesmo sem as lealdades divididas, porém, o conservantismo entrincheirou se de tal modo na maquinaria governamen-tal que o processo foi sempre travado e a lentidão caracte-

rizou o processo histórico brasileiro, O governo parlamentarfoi um empecilho, apesar da centralização, a qualquer ob- jetivo de progresso nacional e atrasou qualquer oportunidadede takeoff, de partida rápida e célere, no caminho da vitó-

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ria econômica. Além disso, o federalismo no Brasil — e aía visão objetiva dos conservadores, com o Ato Adicional de1834, “a lei do não poderás” não se justificava, pois não setratava de unir povos de estados multinacionais, com existên-cia prévia, pequenos demais para uma vida própria ou onde

predominassem diversidades culturais e étnicas.Felizmente, neste particular não imitamos no Império òs

Estados Unidos, cuja imagem não. era, entre nossos políticose ensaístas políticos, das mais lisonjeiras. Justiniano José daRocha escreveu na sua polêmica com Sales Torres Homemsobre a conciliação, em 1855, estas palavras decisivas sobreo pensamento conservador em relação aos Estados Unidos:“Em tudo, absolutamente em tudo, desculpar nos ei, se vosdermos um conselho, em tudo, absolutamente em tudo quan-to não é objeto industrial, o exemplo dos Estados Unidos, asua lição não pode ser senão fatalíssima. Em questões de in-dústria, bem citai os Estados Unidos, tomai suas lições, imi-tai suas práticas; aí porém parai, a imitação de tudo o maisseria altamente deplorável.” Salvamo nos, então, do federa-lismo, mas não evitamos o mal do parlamentarismo, cujosefeitos depressivos não foram mais acentuados devido à exis-tência do Poder Moderador e do equilíbrio de D. Pedro II.

A maior alienação foi o recurso aos empréstimos es-trangeiros e o endividamento nacional crescente, que dominouo Império, atravessou a primeira República e ainda hoje cons-titui um peso morto ao desenvolvimento. José Bonifácio foi

contra o primeiro empréstimo e seu irmão Martim Francisco pensou em recorrer ao capital nacional. Alguns radicais, co-mo Antônio Pedro de Figueiredo, em face da composiçãoheterogênea dos nossos ministérios e da impotência dos par-tidos, devotados aos indivíduos e não aos princípios, desejososde subir ao poder ou de aí permanecerem, achavam que fal-tava dedicação à causa pública. Daí alguns desastres, comoa lentidão do processo histórico e a Guerra do Paraguai, querepresentou também um desastre financeiro.

A sociedade brasileira, com a incapacidade da sua lide-rança, viveu sempre in extremis, e nela sobreviveu sempre o

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não contemporâneo. Escreveu o positivista Luiz Pereira Bar-reto que “os nossos conselheiros de Estado não são cidadãosdo mundo atual, são apenas passageiros do de Jerusalém pa-

ra a imortalidade. . . Não somos nós que nos governamos,são os mortos, são os nossos an tepassados... Não é o es- pírito do século que determina nossa conduta; é a sombra deum tenebroso passado”, Porque eram contemporâneos de ou-tras fases passadas que comandavam o destino nacional, “asmais belas e legítimas espçranças não duraram senão o es- paço de uma manhã; todas as expectativas de um Brasil no-vo, de uma nova era, desapareceram uma a uma antes doocaso da situação; e, hoje, em torno do ministério só reinao vácuo, o mais perfeito vácuo”.

Primeiro, o padrão da desintegração consistiu na obs-tinada falta de incorporação do trabalhador agrícola, rebai-xado à categoria de escravo, e, depois, na insistência comque se resistiu à própria assimilação do imigrante, impossi-

bilitado do exercício da vida política e reduzido a “colono",eufemismo com que se pretendia, sem alterar nada, continuaro sistema de espoliação, substituindo o escravo preto peloquase escravo branco. Mais tarde essa situação social vai ge-rar o complexo do “colono”, uma deformação psicossocialesboçada nas Aspirações Nacionais.

O total desinteresse pelo lavrador e pelo sertanejo, re-duzidos a quase escravos pelos latifundiários, provoca a de-

sintegração, o cisma social mais grave. Excetuado o imigranteque podia, pouco a pouco, subir, estavam fechadas todas as

portas da vida social e proibida a ativa cooperação em proldo bem comum de trabalhadores urbanos e rurais. Só umasociedade escravocrata e latifundiária poderia autoflagelar secom os espasmos descontínuos, mas constantes, de motins,lutas, crimes e cangaço que dominam o campo e perturbam

as cidades nas fases sangrentas de sua história. Por isso elavive in extremis ameaçada de morte natural ou violenta, ar-rastando se na divergência essencial entre sua minoria alheiae a maioria desintegrada.

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Todos os problemas são adiados indefinidamente, natentativa de ganhar tempo, e sempre sobrevive ou predominao não contemporâneo. A solução do problema da escravidãoé um exemplo do domínio do não contemporâneo e do pre-domínio do retardamento. Adiar o problema, resistir à suasolução natural, encontrar fórmulas sutis de enganar se a simesmo e de ludibriar a maioria é sempre o método empre-gado. O caso da Abolição é um exemplo típico. Nada con-segue acelerá la, nem a formidável pressão britânica, nem aexigência interna de dissolver aquela massa escrava para tor-ná la um elemento civicamente incorporado à nação. Resiste se a tudo e as soluções caminham passo a passo, vagaro-samente.

Ainda em 1864, J. M. da Silva Paranhos, ao ser inter-rogado na Câmara por Ângelo Ferraz, declarava não se enfi-leirar entre os partidários da abolição, se é que os havia,embora reconhecesse o mal que daí resultava para o Brasil.

Mas em 1871 a Lei do Ventre Livre é iniciativa sua. Passa-dos 7 anos, Paranhos, consciente dos males da escravidão,não a extingue, antes a faz sobreviver, pelo adiamento desua solução. A mãe escrava e o filho livre, uma situaçãoanômala, que deforma uma sociedade, é ainda preferível,desde que subsista a instituição defensora dos interesses ar-caicos.

A mudança cultural no Brasil é, assim, sempre travada pela própria minoria dominadora, que depois de atrasá iatanto ainda encontra fórmulas para regular, em 1885, 14 anosdepois, a extinção não total, mas gradual da escravidão. Omesmo exemplo de predomínio do travamento sobre a acele-ração encontra se na questão de terras. Três séculos durouo sistema de sesmaria, doação gratuita de terras incultas,

que visava a favorecer a agricultura pelo cultivo, mas acabou, pelos abusos das grandes concessões, irregularidades e desor-dens, favorecendo a formação de latifúndios estéreis.

Da Independência até 1850, a política brasileira nadafez para alterar o sistema, reconhecidamente prejudicial. Nes

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te último ano, ao invés de repartir a terra, a lei de 18 de se-tembro revalidou as sesmarias e proibiu a aquisição por ou-tro título que a compra. Era a vitória dos latifundiários, nãosomente porque eram contra a colonização, como supõem al-guns estudiosos, já que se permitia a cessão, a título oneroso,das terras devolutas para o estabelecimento de colônias, massobretudo porque se reconhecia a propriedade do latifundiá-rio e como se firmava, pela não concessão gratuita, o statu quo e seu formidável poder econômico e político.

Deste modo, a lei de terras de 1850 é também um travamento, especialmente quando a compararmos com o mo-

vimento de reforma da terra desenvolvido nos Estados Uni-dos entre 1840 e 1860. Este culminou com o Homestead Act (Lei do Bem de Família) de 20 de maio de 1862, que con-cedia a qualquer cidadão ou aspirante a cidadão chefe de fa-mília, com mais de 21 anos, 160 acres de terras do domínio

público depois de 5 anos de residência contínua e medianteo pagamento da taxa de registro (variando entre 26 a 36dólares). Os que assim desejassem, podiam adquirir a pro-

priedade após uma residência de 6 meses, ao preço de umdólar e 25 centavos por acre.

A vitória latifundiária, a vitória do retardamento teveefeitos a longo prazo, pois até hoje a reforma agrária per-manece uma aspiração inatingível, apesar de toda a literaturaa seu favor, pela formidável resistência arcaica, que sempreencontrou argumentos para impedi la.

A política brasileira, encarnada em lideranças retarda-tárias, é, assim, dominada pela continuidade da vagareza, pe-los momentos de recuo e não pelos instantes de impulso. Avelocidade do processo histórico é praticamente desconheci-da até 1930, quando aparecem condições objetivas favorá-veis e lideranças de vanguarda, A obstinada resistência às re-formas, consideradas sempre inoportunas e sempre adiadas,revelava que o país era sempre dirigido por uma minoria nãocriadora, mas dominadora — na terminologia de Toynbee —que perdia todas as oportunidades de agir em benefício detoda a sociedade.

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Na hora da criação, em face das oportunidades, os lí-deres comportam se como dominadores que defendem apenasos interesses de uns poucos. E por adiar tanto transformam

se em fósseis e tornam não contemporâneo o processo his-tórico brasileiro. Sua política consiste na rotina administra-tiva. A política de passos miúdos e vagarosos foi sempre anorma geral, pois, como diz o ditado, “devagar se vai aolonge”. Ela conduzia à conciliação, à transação, não paraconceder benefícios ao povo, mas para aplainar as divergên-cias dos grupos da minoria dominadora. Ela significava bai-xar a tensão política para consolidar á vitória sobre quaisquer

reivindicações sociais maiores. E ninguém estorvou esse pro-cesso, pois as ameaças e perigos que surgiram receberam cas-tigos tão exemplares — não contra os liberais, sempre gene-rosamente tratados — , que a tendência popular ou radical,com o tempo, foi dominada pela paciência e só estourou emraros momentos, especialmente no campo.

Os sinais da antipolítica no Brasil foram a apatia ou o protesto. A apatia expressa um profundo derrotismo sobre a

possibilidade de influir nos acontecimentos, dirigidos por umcírculo de ferro; o protesto, que aparece mais na República,mostra a paixão política, mas também a descrença na invali-dade da ação, proibida aos de fora do círculo. Possui valoreducacional, mas, por falta de continuidade, é expediente de

pouca capacidade para mudar ou transformar.Assim como as. instituições são estáveis secularmente, as-

sim também a liderança dominadora, subdesenvolvida, é su-til ou violentamente tenaz. Ela não muda ou não mudou emsucessivas gerações. Obstinada, num círculo introvertido, fe-chado a ferro, ela jamais compreenderia aquele espírito cria-dor que Jefferson corporificou, ao dizer que as gerações sesucedem de 20 em 20 anos e nenhuma lei devia ser válida

por mais de 20 anos, porque depois desse prazo ela expri-miria a vontade dos mortos e não a dos povos. A nossa po-

lítica subdesenvolvida foi sempre governada pelos mortos, pe-los antepassados, pelos não contemporâneos, pelas leis atra-sadas ou pelas leis novas que representavam fatos sociais defases passadas.

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Por tudo isso ela é a expressão de um somatório de faseseconomicamente mais retardadas que progressistas. Temosvivido mais pânicos e crises de depressão que períodos de

prosperidade. A industrialização impulsionada pelo movimen-to de 1930 agiu como um fenômeno em toda a economia einiciou as mudanças nas instituições tradicionais, sob a vigi-lância e a ferrenha reação dos políticos ligados à economiacafeeira e de exportação.

A política subdesenvolvida, como a economia subdesen-volvida, resulta de muitos fatores. Apesar do horror com quea grande maioria, a quase unanimidade de nossa liderançavê qualquer comparação entre o Brasil e o mundo subdesen-volvido, a verdade é que somos mais parecidos com este doque é comum supor.

O B r a s i l e o m u n d o s u b d e s e n v o l v i d o 2

Foge aos propósitos deste estudo o problema da ocidentali-zação do Brasil, mas não escapa ao observador que apesarde o agente da expansão ocidental ser ele próprio mestiço deoutras culturas afro árabes c dos mais atrasados da própriacivilização ocidental, a integração não se processou em ritmoseguido e enfrentou enormes resistências. Além da complexi-dade do processo de aculturação, assimilação e miscigenaçãode elementos indígenas e negros, durante todo o período co-lonial, especialmente no século XVIII, o Brasil sofreu de talforma o impacto da influência oriental que a vinda de D.João representa uma reeuropeização.

2 Para estas comparações utilizei-me de The Po l i t i c s o f t he Deve lop ing A rea s, organizado por Gabriel A. Almond e James S. Coleman, Princeton University Press, 1960, e The Ideo log ie s o f t he Deve lop ing Na t ions , organizado por Paul E. Sigmund, Jr., Nova York, F.A. Praeger, 1963.

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A dependência da economia brasileira aos centros eu-ropeus fortalecia a integração e enfrentava com sucesso osriscos oferecidos pelo desenvolvimento do comércio afro asiático brasileiro do século XVIII. A reeuropeização facilitouainda mais a divulgação da imitação na conduta, nos estilose organizações institucionais e nas aspirações morais e inte-lectuais pela elite dos centros menos atrasados, embora no povo e nas áreas, rurais a mestiçagem cultural vencesse a sim- ples mimese elitista. Essencialmente se pode dizer que o pro-cesso de ocidentalização tem caráter mais orgânico que oapresentado por países afro asiáticos cujas resistências são bem mais acentuadas, mas uma distância grande separa osmodelos euro ocidentais seguidos pela elite, dos estilos mes-tiços indígenas afro europeus preferidos pelo povo.

Na miscigenação dos estilos seguidos pelo povo, na de-sintegração dos processos lusitanos de ajustamento, nas no-vas importações, na rejeição dos anacronismos, se processa aformação de um estilo neo ocidental mestiço, que singularizao país. Ainda que organicamente mais ocidentalizado que aÁsia do Sudoeste, o Brasil apresenta como esta uma grande

distância entre as formas modernas de governo e os padrõestradicionais de vida, entre o mundo da liderança ocidentali-zada e o das populações menos ocidentalizadas.

Alguns traços considerados como característicos domundo latino americano ocidentalizado aparecem também noSudoeste asiático; assim, a aversão de certos grupos, como àaristocracia tradicional, pela vida comercial, o grande apegoàs tradições contra as inovações, a falta de equilíbrio entreo estático e o dinâmico, a predominância do personalismo edos interesses sobre a ideologia nas divisões políticas e, con-sequentemente, a formação de uma política de clientela, coma grande burocracia que parece abrir tantos caminhos à mo-

bilidade social, apesar do recrutamento ter sempre um cará-ter restritivo e fechado. Daí o círculo de ferro aqui, como lá,que mantém a estrutura histórica destas sociedades dominada por uma elite relativamente pequena, que controla toda a vida política nacional.

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Por isso as lutas não são programáticas, mas incluema história de vários e intensos anos de conflitos pessoais en-tre os membros da elite. Apesar das diversidades e diferençasque separam os asiáticos, toda sua psicologia política e sua

ideologia acentuam muito, como aqui, a conciliação na reso-lução dos conflitos. As lideranças preferem sempre conciliar,mas, na verdade, são contrárias às mudanças; a conciliação,que é um método, lá como aqui se transforma num fim. Aquicomo lá os dirigentes progressistas falam em nome do Povoe os tradicionais em nome da Nação. Na forma de transiçãoda ordem tradicional para a racional legal, nos termos deMax Weber, eles se distinguem, mas na essência a política

subdesenvolvida afro asiático latino americana se assemelha.Uns lutam apenas para preservar a ordem oligãrquica

existente e vêem as forças de modernização como uma amea-ça à manutenção do seu poder. Todo o poder político, eco-nômico e social do país está investido num grupo limitado defamílias. Para avançar é então indispensável quebrar o mo-nopólio do Poder. Outros, reformistas, estão à procura de

uma balança de equilíbrio entre a manutenção das estruturastradicionais e a transformação da sociedade como um todo.Um terceiro grupo, finalmente, quer eliminar os grupos tra-dicionais do Poder e da influência política como um obstá-culo ao processo de transformação social e política. Excetua-do o primeiro grupo, os outros dois têm diante de si os mes-mos problemas capitais da modernização do país: o desenvol-vimento econômico, isto é, a passagem de uma economiatradicional e de subsistência para uma economia moderna, aindustrialização, os investimentos e a educação e saúde dasmassas. Esses problemas podem variar em graus, com dife-renças quantitativas, de intensidade, e não de natureza, talqual ocorreu na fase inicial do capitalismo em que as naçõesse distinguiam em várias etapas de sua evolução.

Nos dois primeiros grupos esta modernização também se

expressa na ideologia do nacionalismo, que se torna um ins-trumento de coesão na luta contra o domínio ou predomínio

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econômico estrangeiro. O nacionalismo amplia e intensifica ointeresse popular nos acontecimentos políticos e introduz umamoldura ideológica na vida política. Ele existiu na Europa,sobreviveu nos Estados Unidos e hoje participa de todos osmovimentos políticos modernistas do mundo subdesenvolvi-do ou em desenvolvimento, embora tenha, às vezes, sido proi-

bido, como em Quênia. Luta em duas frentes — externamen-te contra a ameaça de domínio ou predomínio estrangeiro einternamente contra a estrutura política tradicional; e, por is-so mesmo, compreende grupos sociais de várias camadas e

pode aliar se ou tem se aliado a ideologias políticas as mais

estranhas. Seus objetivos, o desenvolvimento econômico —especialmente a industrialização — e a educação do povo seresumem na modernização do país, para a qual o despertarda consciência nacional representa o mesmo papel que de-sempenhou nas lutas pela independência. Para isso o nacio-nalismo procura os antecedentes históricos, que não devemser confundidos com a defesa conservadora da tradição his-

tórica.O nacionalismo afro asiático enfrenta dificuldades maio-res que o latino americano ou aquelas que o norte americanoteve de enfrentar, tais como as lealdades paroquiais, as di-vergências sociais de casta e etnias, as diferenças de língua ereligião, enfim, a falta de homogeneidade da cultura nacio-nal. Daí suas insuficiências, equilibradas em parte pela ên-

fase no primado da nação e na eliminação das diferenças de sta tus social. Na América Latina o mesmo zelo reformista e os mes-

mos sentimentos antiimperialistas nutrem o movimento na-cionalista. Mas a modernização, com ou sem nacionalismo, éum programa generalizado e significa, como em todo o mun-do subdesenvolvido ou em desenvolvimento, a industrializa-ção, a vitória sobre a pobreza, o analfabetismo e a doença.

Numa, como em outra parte, na América Latina, como naíndia, o movimento nacionalista tem o apoio da burguesiaindustrial, que vê na vitória deste um mercado protegido, sub-

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sídios governamentais e restrições contra a competição estran-geira.

O aumento da população, os problemas de educação esaúde são fatores que forçam a idéia da modernização, datransformação de uma economia tradicional e de subsistên-cia numa economia moderna, de exportação e industrializa-ção. No mundo subdesenvolvido não são somente os regi-mes radicais ou revolucionários que dão alta prioridade àeducação de base e criam um sistema nacional de educaçãoque desenvolva a lealdade à nação, mas não desconheça suasignificação política ao preparar os vários níveis de quadros

exigidos pelo desenvolvimento econômico. Por isso no con-trole da educação se tem alterado o currículo para dar ên-fase à história, à cultura e à política nacionais. No Brasil,o plano de diretrizes e bases da educação não é um instru-mento político de integração nacional e não adapta a juven-tude às transformações sociais de nossa época; nem sequerdá, como fazem alguns países europeus, mais ênfase aos es-

tudos e problemas brasileiros, inferiorizados diante de estudosestrangeiros.

Mas por toda parte predomina uma espécie de compro-misso dos grupos mais progressistas pela mudança social, ge-rando a luta entre o novo e o velho, o estático e o dinâmico.As mudanças que se processam evolutiva ou revolucionariamente são descontínuas e os novos valores se introduzem de-

sordenadamente. A transição se faz vencendo o sistema agrá-rio, a oligarquia, a sociedade estagnante, a estabilidade dasinstituições arcaicas; as forças unitárias e integrativas têm si-do representadas pelas Forças Armadas e pelo Serviço Pú-

blico, pela sua lealdade aos deveres nacionais, mas não bas-tam, não só porque em ambos há hoje divisões ideológicas,forma de conceber a renovação do país. como porque uma

nação é um somatório muito complexo de grupos e interessesos mais variados e a tarefa de modernizá la exige os esforçose a lealdade de todos.

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A política externa é outro fator preponderante de unifica-ção nacional. Assim é na Índia e no Paquistão, mas não o é noCeilão, como não tem sido no Brasil, onde desde Jânio Quadros

uma formidável pressão se exerceu contra sua política indepen-dente das alianças embaraçosas e dos compromissos estranhosaos interesses nacionais, anunciada desde a campanha eleitoral.Creio “na maturidade, que nos impõe caminhar pelo mundosem tutelas ou temores”, afirmou no seu credo, lido em 8de novembro de 1959, no qual o eleitorado via tão encarna-dos os princípios nacionalistas quanto no de seu contendor,embora fossem neste mais alardeados. Mas no processo eleito-ral normal, uns e outros afirmavam o nacionalismo, que é,como o não alinhamento e a não intervenção, a bandeira dos países do mundo subdesenvolvido ou em desenvolvimento,com raríssimas exceções.

Se a hostilidade ao imperialismo estrangeiro, o caráteremotivo da política e a interferência militar caracterizam a política dos países em desenvolvimento, especialmente naAmérica Latina e no mundo islâmico — similaridades muitoapontadas —, na África a inexistência de uma oligarquia feu-dal e do militarismo não são empecilhos ao livre caminho po-lítico. As dificuldades são outras, e a grande e poderosa for-ça unificadora de todos é o nacionalismo, com a aspiração dedesenvolvimento econômico. Todos se aproximam, embora al-guns tenham já iniciado a partida para a vitória, que não se-gue, infelizmente, uma linha reta, mas ciclos de avanço e de pausa ou retrocesso.

Alguns índices sociais publicados pela O. N. U. mostramas semelhanças dos problemas de desenvolvimento, especial-mente da educação e saúde pública em todo o mundo sub-desenvolvido: a prevalência das doenças infecciosas nas mas-sas, o descompasso entre o crescimento demográfico e a pro-

dução alimentar, a deficiência de moradia, as condições in-toleráveis de vida nas cidades, sempre em crescimento emface do êxodo rural, a intensificação da demanda por maiseducação e melhor distribuição das oportunidades de educa-

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ção e ampliação da distância entre os países desenvolvidose em desenvolvimento, especialmente nos índices per capita

da produção de bens e serviços e o desnivelamento da pro-dução e renda per capita com o crescimento demográfico. Osíndices de renda per capita, alfabetização, urbanização e cres-cimento populacional muito os aproximam, a todos os 77 sub-desenvolvidos, embora os distanciem as áreas territoriais, adensidade da população, os grupos étnicos e as religiões.

Para vencer as deficiências e insuficiências que se agra-

vam e promover o desenvolvimento econômico pensa se sem- pre na atração ao investimento privado estrangeiro e no re-curso ao empréstimo público estrangeiro. Mas antes de tudoé preciso notar que todo este mundo subdesenvolvido — 77nações — deseja recorrer ao investimento estrangeiro e não

parece que o mundo desenvolvido possa auxiliar a todos,mesmo porque não haveria recursos para isso. Só a longo

prazo — e mesmo a longo prazo já se calculou que aindaque o Ocidente desenvolvido e mais a União Soviética, quecontrolam a maioria do capital mundial, taxassem cinco porcento de suas rendas nacionais para auxiliar os povos subde-senvolvidos, seriam necessárias três gerações para que os ou-tros três quartos da humanidade viessem a gozar do padrãode vida dos desenvolvidos. Isto sem considerar as atitudes

dos subdesenvolvidos em relação aos investimentos do capi-tal privado estrangeiro e a política seletiva dos investimentosdos governos desenvolvidos.

No primeiro caso muitos países, impulsionados pelos na-cionalistas moderados, desejam encorajar os investimentos,desde que se regule e controle a entrada e saída de capital

privado estrangeiro, para assegurar que o investimento auxi-

lie o desenvolvimento do país; noutros, os nacionalistas ra-dicais só querem os empréstimos de governo a governo, ca-

pital de empréstimo e não de investimento, desencorajando ofluxo de capital privado, temerosos da sangria que eles pos-sam representar.

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O relatório de R. Prebisch, “Uma nova política comer-cial para o desenvolvimento”,3 ao analisar os efeitos adversosda deterioração dos termos de intercâmbio, ressaltou que “o

influxo líquido de todos os tipos de financiamento (emprés-timos, investimentos e doações) de 1950 a 1961 somou 47 bilhões e 400 milhões de dólares (incluindo o reinvestimento privado). Esta cifra cai para 26,5 bilhões de dólares seforem descontadas as remessas de lucros e juros no mesmo

período. A queda no poder de compra das exportações to-tais dos países em desenvolvimento devido à deterioração dasrelações de troca (incluindo os países socialistas) foi estima-

da em quase 13,1 bilhões de dólares, o que significa que, de- pois da dedução dos custos do seu repagamento, aproximada-mente metade do benefício deste influxo de capitais foi anu-lada pelos efeitos prejudiciais da deterioração das relaçõesde troca. Este fenômeno ocorreu em graus variados de inten-sidade nas diferentes regiões em desenvolvimento e foi parti-cularmente severo na América Latina, onde os efeitos da de-terioração para o mesmo período são calculados em aproxi-madamente 10,1 bilhões de dólares. Ademais, deve se acen-tuar que, durante o mesmo período, as entradas líquidas decapital estrangeiro de todos os tipos (inclusive reinvestimentos privados) alcançaram a soma de 9,6 bilhões de dólares,enquanto a América Latina remeteu para o exterior a quantiade 13,4 bilhões de dólares”.

A saída maior que a entrada de capitais dos países emdesenvolvimento para os países desenvolvidos confirma a te-se nacionalista, que busca seu principal apoio na evidênciahistórica. Nos Estados Unidos, por exemplo, os lucros líqui-dos dos investimentos estrangeiros de 1790 a 1914 excede-ram substancialmente o aumento líquido da dívida do país.E esta relação prevaleceu geralmente durante o período de125 anos, no qual a renda acumulada excedeu o investimen-to acumulado desde o começo do processo, com substancial

3 To w a r d s a n e w t r a d e p o li c y f o r d e v e lo p m e n t . Nova York, Nações Unidas, 1964, pág. 19.

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persistência, como mostrou o Professor WendelI Gordon.4Por isso estè autor conclui que “em relação aos investimen-tos internacionais pareceria que, historicamente, o crescimen-

to do tamanho dos investimentos internacionais, em termosde moeda, não teve como contrapartida natural e fidedignauma transferência líquida de recursos entre as nações”.

Mas ainda que a tese da contribuição do capital estran-geiro, como fator decisivo e não acessório, não fosse discutível,haveria o problema das áreas selecionadas, já que é impossí-vel atenderem os países desenvolvidos às necessidades de re-cursos de todos os países subdesenvolvidos, mesmo aumen-tando aqueles em 50% a soma total de fundos públicos —concessões e empréstimos diretos de governos e organizaçõesinternacionais — dedicados a este fim para a Ásia não co-munista, exceto o Japão, para toda a África, exceto a Áfricado Sul, e para toda a América Latina, num total combinadodemográfico de um bilhão e duzentos milhões de pessoas.

A contribuição americana, de cerca de 2 e meio bilhõesde dólares, a européia, de cerca da metade desta quantia, oinvestimento privado americano e europeu, que atinge a 2 emeio bilhões de dólares, o fluxo do bloco soviético que vemcrescendo, tudo junto era avaliado, em 1960, em cerca de6 e meio bilhões de dólares. Pois bem, a porção exccpcionalmente grande da ajuda americana se concentra na periferiada Ásia, a Coreia do Sul, a Formosa de Chiang Kai Shek eos três Estados da antiga Indochina, o Vietnam, o Laos eo Camboja, os quais, com uma população de cerca de 50 mi-lhões, receberam, em 1960, 600 milhões de dólares, ou sejaum terço da ajuda americana; a ajuda da Alemanha vem seconcentrando sobre Israel; a França, a segunda maior con-tribuição depois dos Estados Unidos, se centraliza nos paísesde seu antigo império, afora uma parte substancial para in-vestimento de petróleo na Argélia; a União Soviética que em1960 havia, segundo os cálculos da Organização para a Co

4 “The Contributions of Foreign Investment: A Case Study of United Stales Foreign Investment History”, In te r-A m eric an E c o n o m ic A ffa irs, vol. 14, n,° 4, verão 1961.

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operação Econômica e o Desenvolvimento, emprestado cer-ca de um bilhão e duzentos milhões de dólares a alguns paí-ses asiáticos, o fez com substancial contribuição ao plano de

desenvolvimento da Índia.56Há, assim, sempre houve e sempre haverá uma distri- buição preferencial pelas áreas que estrategicamente mais afe-tam os interesses nacionais dos desenvolvidos, sem que ossubdesenvolvidos possam alegar razões válidas, e muito me-nos, como tem sido usual, revelar sentimentos de frustraçãoem nome de amizades tão imponderáveis nas relações inter-nacionais. Foi assim também na reconstrução do após guerra,

quando do plano Marshall, pois' o montante anual médioda ajuda econômica dada à Europa Ocidental, de 1948 a1951, foi da ordem de 12 dólares per capita, enquanto ou-tras regiões, que não lutaram contra os Estados Unidos, masos ajudaram, eram esquecidas. A ajuda que vem sendo su- prida aos países em desenvolvimento situa se por volta de 4dólares per capita .* Depois da guerra invocamos também es-se auxílio, não na base de donativos, como fora feito aos

alemães, de cerca de 4 bilhões de dólares, mas na base de in-versões reembolsáveis com os respectivos juros, e a respostafoi que na Europa os Estados Unidos jogavam uma partidamaior.

A ajuda internacional é um ato deliberado da razão deEstado e visa a preservar o interesse nacional em áreas queameacem sua segurança. Por isso a América Latina, que ti-nha os precedentes históricos do tão exaltado pan america

nisrao, recebeu em conjunto, entre 1949 e 1961, menos quea Iugoslávia. E a América Latina poderia alegar, como acen

5 O aumento do fluxo dos fundos oficiais para o Camboja, Laos, Coréia e Vietnam pode ver-se in In te rn ation al f lo w o f lo ng-te rm ca p ita l an d off i c ia l dona t ions , 1951-1959 . Nova York, Nações Unidas, 1961. A média p e r ca p it a do fluxo líquido de capital a longo prazo e doações oficiais é de 14,00 para o Vietnam, 13,9 para a Coréia, 9,6 para a China de Formosa e de 3,7 para o Brasil. Os dados apresentados no texto foram extraídos de Andrew Shonfield, T h e A t t a c k o n Wo r l d P o v e r ty , Nova York, Vintage Books, 1962. Toda esta parte sofreu profunda1transformação, impossível de resumir aqui.6 Raul Prebisch. “Uma Nova Política Comercial para o Desenvolvimento". Versão Preliminar, fevereiro de 1964. Mimeografado, pág. 111.

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tuou Shonfield, várias razões para ura tratamento preferen-cial, na área subdesenvolvida ou em desenvolvimento. Pri-meiro, porque a renda per capita nesta região, embora bas-tante baixa, é significativamente mais alta que nas áreas afro

asiáticas. Segundo, porque não há nada de semelhante à su- perpopulação da Ásia; existem grandes espaços esperando aexploração. Terceiro, porque comparados com a África, mui-tos países latino americanos têm a vantagem de possuir umaclasse educada muito mais numerosa. E, finalmente, porqueos latino americanos foram, em anos passados, os escolhidosdo capital de investimento privado norte americano.7 Aindamais, na América Latina, o Brasil e o México representariamas escolhas práticas, pelos avanços que vinham dando e peloimpulso acelerado que suas economias vinham tomando, paraabsorver maior troca comercial, usar o dinheiro para conse-guir um acréscimo evidente no índice do seu crescimento acurto prazo e a total independência econômica a longo pra-zo.8

O crescimento da produção real total nos vinte últimosanos (1939 1959) na taxa média anual de 4,9, diminuídaapenas em face do aumento populacional (taxa de 2,4% e3% nos dois decênios), justificaria a escolha econômica, masnão a política, e o investimento ou empréstimo oficial é, co-mo escrevemos, seleção política. Apesar da deterioração dos produtos primários, o Brasil conseguia, a partir de 1953,ocupar o primeiro lugar entre os países industrializados daAmérica Latina. Se a esta vantagem econômica — apesar dainflação então sem os aspectos estéreis que apresenta hoje — somarmos homogeneidade cultural, a escolha do Brasil es-taria mais justificada. A grande vantagem do Brasil, em re-lação aos países em desenvolvimento, consiste na nossa uni-dade continental de língua e cultura. Somos, há muito, uma

7 Shonfield, ob. cit., pág. 13.8 Shonfield escolhe a índia, o México e o Brasil, e S. Kusnetz escolheu como unidade para seu estudo comparativo de crescimento econômico exatamente o Brasil. Cf. E c o n o m ic G ro w th , B razil , ín d ia , J ap an , orga-nizado por Simon Kusnetz, Wilbert E. Moore e Joseph J. Spengler, Durham, Duke University Press, 1955.

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unidade política homogênea, que vem absorvendo grupos so-ciais e culturais heterogêneos, embora se deva reconhecerque as forças centrífugas foram sempre mais poderosas que

as integrativas. Não possuímos as lealdades paroquiais do Sulda Ásia, nem as diferenças de língua e religião do Sudestee Sul da Ásia, do Oriente Médio e da África, nem o sistemahierárquico da índia e do Ceilão, nem as divergências cultu-rais e raciais que o mundo subdesenvolvido afro asiático ofe-rece.

Nenhum conflito racial ou religioso existou em nossaformação histórica, exceto o episódio dos Muckers, na zona

colonial do Rio Grande do Sul, em 1874, nem temos outralíngua nacional, apesar da verdadeira babel de línguas que sefalava no Amazonas, “tantas e tão diversas, que se lhes nãosabe o nome, nem o número”. E dizia Vieira, no século XVII,que os mais velhos sabiam que “a nativa língua portuguesanão era mais geral entre nós que a brasílica” e que afora a portuguesa, as várias línguas negras, as várias tupis e tapuias,doutrinava se na brasílica geral, criação dos padres. Mas tudofoi vencido e a unidade estabelecida, ao contrário das váriaslínguas da índia (hindi, urdu, hindustani, telegu, bengali, punjabi), do Ceilão (singalês e tamil), do Paquistão (ben-gali, punjabi, urdu), do Sudeste da Ásia e de toda a África.

O Brasil é um corpo suficientemente orgânico, apesardas etapas históricas que separam zonas rurais e urbanas edividem áreas regionais do Centro, Norte e Nordeste das doSul e Leste. A história nacional, apesar de totalmente desco-nhecida por mais de 50% de brasileiros e pouco conhecida por uma percentagem maior, permanece na consciência detodos, unifica os laços comuns de todas as regiões e fortalecea unidade nacional.

Todas estas razões de unidade e homogeneidade, de cres-cimento e suficiência justificam a esperança de uma política baseada substancialmente na cooperação internacional. E só

uma política subdesenvolvida se inspiraria no apelo à cari-dade internacional, especialmente quando se vê que nada dis-so serviu para a decisão política que nos desse a preferên-cia presumida. Pelo contrário, ao lado da deterioração dos

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preços dos produtos primários, manobrada nos mercado ', in-ternacionais, controlados pelos países desenvolvidos,9 do de-clínio da exportação dos mesmos produtos — os próprios países industriais aumentaram sua participação nas exporta-ções mundiais de 47% em 1950 para 55% em 1961, en-quanto a dos países em desenvolvimento caía de 41% para29%, o serviço da dívida externa aumentava sempre, consu-mindo recursos para o desenvolvimento. O aumento da par-ticipação dos países desenvolvidos na exportação dos produ-tos primários entre 1951 e 1960 (taxa de 4,6%) e o declí-nio da mesma (1,9%) pelos países em desenvolvimento fezcair a capacidade de importação dos países em desenvolvi-mento de 4,5% para 3,5% ao ano; o ônus do serviço da dí-vida externa liga se à lentidão do crescimento das exporta-ções e à deterioração dos termos de intercâmbio.

Conseqüentemente, trava se o crescimento dos países emdesenvolvimento — apesar do fluxo internacional dos recursosfinanceiros para os países em desenvolvimento. A acumula-ção das dívidas externas, os prazos relativamente curtos dos

períodos de repagamento, as taxas de juros relativamente al-tas sobre algumas obrigações e a remuneração elevada decertos investimentos constituem uma soma substancial. Se-gundo os dados do Banco Internacional de Reconstrução eDesenvolvimento, a dívida pública do mundo subdesenvolvi-do elevou se de aproximadamente 10 bilhões de dólares, aofim de 1955, para cerca de 24 bilhões de dólares ao fim de

9 Fizemos um resumo deste problema in B rasil e Á frica , O u tro H o ri- zon te , 2 a ed.. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964, págs. 239-248. Os dados que se seguem baseiam-se no relatório de R. Prebisch. A Ata Final da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Genebra, ed. mimeografada, 1964, págs. 9-10), reforça as conclusões sobre o declínio e mostra que os países em desenvolvimento têm podido aumentar suas exportações em ritmo crescente, agravando a deterioração das relações de troca entre 1950-1962. Sobre as perdas e ganhos causados pelas mudanças nas relações de comércio a

longo prazo entre 1948-1962, vide Wor ld Economic Su rvey, I. Trade and Developmenl: Trends, Needs and Policies, Nova York, Nações Unidas, 1964, pág. 301 e tabela 9-8 (págs. 302-306), onde se observa a perda do Brasil de 1-956 a 1962 (pág. 304).

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1962, ou seja, cresceu a uma taxa anual de cerca de 15%e só o custo dos juros e dividendos, no período de 1950 1959,absorveu quase 12% dos ganhos da exportação total.

Pois bem. O Brasil está entre os nove maiores países de-vedores, como se vê da tabela seguinte:

DIVIDA EXTERNA PÜBUCA DE NOVE DOS MAIORES PAÍSES DEVEDORES «

(milhões de dólares)

C r e s c i m e n t o

F i m d e F im de m é d i o a n ua l P a ís es 1955 1962 <% )

Argentina (600) 2.067.1 19índia 309.8 2.925.9 38Paquistão 147.4 829.2 28Turquia (600) 931.5 7México 478.9 1.359.9 16Iugoslávia 331.5 778.1 13Colômbia 276.2 638.8 12Chile 350.7 741.9 11Brasil 1.380.3 2.349.0 8

TOTAL (4,475) 12,625.0 16

Em 3961, ao assumir o governo, Jânio Quadros afirma-va ser “terrível a situação financeira do Brasil”. Devíamos 3

bilhões e 802 milhões de dólares e durante seu governo de-veria saldar compromissos, em moeda estrangeira, de cerca

de 2 bilhões de dólares, e só em 1961, 600 milhões de dó-lares.Qualquer que seja a solução do problema, especial mente

o reescalonamento da dívida em prazo mais dilatado e par-celas mais razoáveis, que vários presidentes buscaram, exa-tamente no triénio de sua maior pressão acumulada(1962 1965) — e três Presidentes se afastaram do Poder

por renúncia e golpe de Estado —, o certo é que o endivjda 10

10 Raul Prcbisch, ob. cit. pág. 105; e vide também, A. Shonfield, ob. cit., pág. lt . O crescimento da dívida externa brasileira nestes anos de autoritarismo militar pós J. Goulart foi o maior de toda a história do Brasil. De 3 bilhões passou para mais de 70 bilhões.

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mento externo, embora equivalendo apenas à receita cam- bial de dois anos," desequilibra o balanço de pagamentos.Além disso ele se liga, mais na América Latina que no Bra-sil em especial, à política de desenvolvimento. Embora o en-dividamento externo do país venha a apresentar, em 1965,

posição devedora da mesma ordem de 1962, a consolidaçãodas dívidas externas e a extensão dos períodos de repagamento devem constituir uma parte do programa de desenvol-vimento, pois podem liberar fundos pelo alívio dos ônus doserviço da dívida externa em face dos reajustamentos.1 112 Mas

a verdadeira posição é a de não permitir que a ameaça dedeclínio da credibilidade nacional pelo adiamento do paga-mento dos juros e amortizações da dívida externa, corres-

pondente a um declínio da receita de exportação, perturbe odesenvolvimento.

Sc não pudermos pagar, adiaremos os pagamentos enão será esta a primeira vez que teremos sido obrigados arecorrer a tais meios. Em 1831, na crise da Abdicação, pro-

pôs nosso Ministro da Fazenda suspender, por cinco anos,o pagamento dos juros e amortizações das dívidas externasem Londres. Diante da censura do Brigadeiro Cunha Matos,alarmado com o que chamava a nossa bancarrota, e a conseqüente fuga dos capitais ingleses do Brasil, Evaristo da Vei-ga, depois de declarar que eles ganhavam mais que nós, acei-tou a proposta, pois “a idéia é razoável, é justa, em nadaofende à nossa honra e dignidade, é conforme aos nossosinteresses, está a par das necessidades do Brasil”; teve a seulado Bernardo Pereira de Vasconcelos, que julgava haver“despesas mais importantes que o pagamento da dívida ex-terna”.13

11 P la no T rie n a l d e D e se n v o lv im e n to E co n ô m ic o e So cia l, 1 9 6 3 -1 9 6 5 (Síntese), Presidência da República, Imprensa Nacional, dezembro 1962, págs. 66-69.12 “Uma nova política comercial para o desenvolvimento", ob. cit., págs. 107-108.13 A n a is d a C â m a ra d o s D e p u ta d o s , Sessão de 1831. Rio de Janeiro 1878, t. 1, págs. 129-146.

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Assim foi, também, em outras oportunidades, como em1932 e 1937, quando, em face da ameaça da suspensão dos

pagamentos dos compromissos e da moratória, condições me-nos desfavoráveis foram acordadas pelos nossos credores, Asimples redução da taxa de endividamento e consequente re-dução do déficit do balanço de pagamentos, permitindo umaexpansão das exportações e o aumento das divisas, pôde pos-sibilitar uma mobilização maior dos recursos nacionais e dosrecursos externos recrutados mediante responsabilidade doPoder público.

Constatou se, então, que o capital de risco pouco repre-senta na formação do capital nacional (certamente menos de10% );H que o investimento, em forma de empréstimos, se

pjocessa através de créditos bancários rendendo juros nor-mais e não significa um movimento efetivo de capital de um

país desenvolvido para um subdesenvolvido; que de um bi-lhão e 700 milhões de dólares da chamada ajuda americana,entre 1946 e 1962, 70%, ou sejam 1.200 milhões de dólares,correspondem a créditos do Banco de Importação e Expor-tação, que vencem juros e dos quais já pagamos amortiza-ções, desde 1946, de 500 milhões de dólares; que esses cré-ditos só podem ser utilizados nos Estados Unidos, financian-do, assim, sua produção ociosa de equipamentos e bens deconsumo e mantendo inalterada sua taxa de desemprego; que10%, ou sejam 328 milhões de dólares, constituem um em-

préstimo a juros baixos e a longo prazo sob a forma de expor-

tação de excedentes agrícolas (Public Law n. 480), evitan-do assim um pesado ônus para a economia americana.14 15 Porisso muitos desdenham da chamada ajuda externa, verdadei-ra “portion congrue”, especialmente quando se considera queos lucros dos investimentos privados e as remessas de lucros

14 B rasil F a c to rs a ffec tin g fo re ig n in v es tm e n t. International Industrial Development Center. Stanford Research Institute, 1958, pág. 28.15 Nahum Sirotsky, “Revelações da Revisla Vision" , Jornal do Braxi l (Rio de Janeiro), 2-7-1963, e Josemar Dantas, “Ajuda Americana", C o r r e i o d a M a n h ã (Rio de Janeiro), 11-7-1964.

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reduzem ainda mais as suas vantagens, fazendo com que se prefiram os financiamentos aos capitais privados de risco.10

O próprio sr. Roberto Campos, em janeiro de 1963,quando Embaixador do Brasil nos Estados Unidos, vinhaconfirmar as teses já referidas do economista americanoWendell Gordon, de que “se o investimento estrangeironão fornece o movimento internacional de capital ourecursos de modo líquido e tangível, então, ipso facto, nãodá uma contribuição significativa ao desenvolvimento econô-mico dos países subdesenvolvidos”.1 617 Afirmava Roberto Cam-

pos: 1) que o montante dos recursos realmente postos à dis- posição da economia brasileira era muito inferior ao quegeralmente se imagina, citando pela primeira vez dados acimareferidos; 2) os consumidores e contribuintes americanostêm se beneficiado, nos últimos anos (1955 1961), de umaqueda substancial dos preços pagos por produtos brasileirosde importação, enquanto os preços de atacado das exportaçõesdos Estados Unidos crescem em cerca de 10%, confirmandoa tese da deterioração das relações de troca, e acentuandoque o efeito desta queda de preços nos últimos anos tem sidomaior que o total da “ajuda” de todo o período de apósguerra; 3) praticamente toda a ajuda dada ao Brasil foi con-dicionada à compra de bens e serviços americanos, contri-

buindo, assim, para a utilização da capacidade ociosa emindústrias de exportação.18

Se as relações econômicas americano brasileiras, que sãoas preponderantes, funcionam assim, no capítulo dos investi

16 Vide Gilberto Paim, "Recursos Externos”, C o r r e i o d a M a n h ã , 2-9-1964 e Pierre Monbeig, "Os investimentos americanos e a evolução econômica da América Latina”, B o le tim G e o g rá fico , Conselho Nacional de Geografia, Jan.-Fev, 1957, págs. 5-14.17 “Role of foreign investments economic development”, Mimeogra- fado. Southern Social Sciences AssociatLon, Annual Meeting, 1962, págs. 10-11.18 “A Embaixada de Washington desfaz exageros no tocante à ajuda externa ao Brasil”, Noticiário da Divisão de Informações, Itamarati, Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 1963. A ajuda se limitou a 100 milhões, dos quais 70 milhões vinculados a operações de crédito, enquanto a Iugoslávia recebeu de ajuda um bilhão e 100 milhões de dólares. Vide artigo de Nahum Sirolsky e J. Dantas, citados.

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mentos, na base de interesses mútuos, não é apelando para aajuda e para novos planos Marshall que se auxiliará o desen-volvimento. Somente uma política subdesenvolvida pensará emtermos de generosidade ou caridade internacionais; só ela pensará que países amigos estão dispostos a maiores auxílios para o desenvolvimento dos outros, esquecendo os aspectos políticos e estratégicos do Plano Marshall e da atual porçãomaior que recebe o Sudeste asiático.19

Pelos estudos do Professor Wendell Gordon sobre o pa- pel dos investimentos estrangeiros no desenvolvimento econô-mico de 45 países subdesenvolvidos, entre 1946 e 1959, “pa-receria que o processo do investimento estrangeiro forneceuo meio pelo qual se financiou uma saída líquida de recursosreais num total de 1.528 milhões de dólares dos países de-vedores, subdesenvolvidos”. O fato, acrescenta o mesmo autor,de que “nos últimos quinze anos não se tenha presenciadouma transferência líquida de recursos para países subdesen-volvidos seria suficiente para levantar dúvidas sobre a propa-lada contribuição dos investimentos estrangeiros nas etapasiniciais do processo de desenvolvimento”. Para ele, talvez nãoseja esta uma prova satisfatória, pois apesar de tudo “sãofortes os grupos de interesse que argumentam no sentido deser desejável basear se no investimento estrangeiro”, e os di-rigentes dos países subdesenvolvidos assentados em “tronos”instáveis pensam que “se o investimento estrangeiro contribuiou não para o desenvolvimento econômico do seu país, con-

tribui certamente para sua longevidade no cargo ou para suariqueza pessoal”. Gordon mostra, ainda, que na Índia, no pe-ríodo de 1750 a 1914, o processo de investimento financioua saída de recursos do país e que no Japão, entre 1850 e1939, a Rússia entre 1917 e hoje, a Alemanha entre 1840e a Primeira Guerra Mundial,20 todos fizeram pequeno uso

19 Vide também Andrew Gunder Frank, “As relações econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos”, J o rn a l d o B ra s il (Rio de Janeiro), 17-3-1963, e T he N a t i on , Nov. 16, 1963.20 O mesmo se repetiu a partir de 1931 até o fim da segunda guerra mundial. Cf. L. Albert Hahn, “Capital is made at home”, S oc ia l R esea rch , maio 1944, págs. 242-258.

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do investimento estrangeiro nos seus esforços tão bem suce-didos de industrialização, ao contrário dos Estados Unidos,em que os investimentos estrangeiros financiaram um movi-

mento líquido de investimentos, entre 1790 e 1873.21Por tudo isso, é preciso pensar mais em produzir o ca- pital em casa do que esperar a ajuda internacional e acreditarmenos em pianos Marshall, e mais nas reformas que vençamo atraso econômico secular muito mais ruinoso que as guer-ras destrutivas. Num estudo comparativo do papel represen-tado peia poupança nacional e pelo financiamento estrangeirona formação da poupança total líquida nacional, entre vários

países subdesenvolvidos, colhe se a prova da insignificânciada parte estrangeira no suprimento do capital nacional brasi-leiro. Entre 1950 1952, o nível total da poupança líquida no produto bruto nacional foi de 11, sendo 1 a parte representada pelo financiamento estrangeiro (pagamentos para importaçãode bens e serviços, menos a receita de bens e serviços) e 10 a poupança líquida nacional, nível mais ou menos igual ao daUnião Sul Africana (15 1 14) e Índia (8 1 7), mas em ou-tros países como Portugal (11 5 6), Chile (3 2 1), Coréia(8 9 1), China (12 7 5), Grécia (12 8 4), o influxo do fi-nanciamento estrangeiro tornou possível elevar ou manter osuprimento total de poupança para o desenvolvimento econô-mico.22

Necessitamos de um nacionalismo positivo — sem hosti-lidades nem aderências, que dirija e controle o investimento,

prefira o empréstimo através de créditos bancários normais,favoreça o empreendimento estrangeiro reprodutivo e básico,mas apóie especialmente os empreendimentos nacionais, a fimde poderem competir em igualdade de condições com os es-trangeiros e evite a absorção das empresas nacionais pelasestrangeiras, restrinja o consumo, o comércio, a indústria, aeducação e a pesquisa conspícuos, para chegar, por caminhos

21 ‘‘Role of foreign investments in economic development”, artigo cit., págs. 2-4 e 7. A tabela vem à pág. 3.22 In te rn a tio n a l F lo w o f L o n g -T erm C a p ita l an d O ff ic ia l D o n a ti o n s , 1951-1959. Nova York, Nações Unidas, 1961, págs. 30-31, tabela 15.

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normais, à emancipação econômica do país. E, principalmen-te, que reconheça ser o conjunto de instituições econômicase sociais arcaicas o principal inibidor do desenvolvimento eco-

nômico.A instabilidade conjuntural financeira, como a instabili-dade conjuntural da política formal, está ligada à estabilidadeestrutural quadrissecular de algumas instituições sociais e eco-nômicas. As crises de governo, especialmente as sucessórias,as crises financeiras, as inflacionárias e cambiais são merasaparências, meros sintomas de crises estruturais factuais e es-

pirituais, das instituições estáveis e petrificadas e das lideran-

ças dominadoras e esterilizadoras.

A S INSTITUIÇÕES ARCAICAS ESTÁVEIS E AS LIDERANÇAS DOMINADORAS

A consciência de que estas instituições serviam de freio aodesenvolvimento econômico é moderna. Houve, no Império,quem, como José Bonifácio, José Gonçalves Chaves, Nabucode Araújo, André Rebouças, Antônio Pedro de Figueiredo,Joaquim Nabuco, visse na estrutura agrária, especialmenle nasua injustiça e inépcia da distribuição de terras, na sua con-

centração e improdutividade relativa, um dos principais malesde sua época.Mas a própria idéia de desenvolvimento é nova e pas-

sada a fase das metas viu se que elas não bastam, se não sevencerem as barreiras opostas pelas estruturas arcaicas. Temse estudado e apontado os pontos de estrangulamento externo,especialmente a deterioração dos preços dos produtos primá-rios e das relações de troca, o endividamento, a necessidade

de recursos externos, mas o desenvolvimento não virá se nãose promoverem transformações internas. Em primeiro lugarestá, exatamente, a reforma agrária, reconhecida hoje por vá-rias resoluções do Conselho Econômico e Social e da Assem

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bléia Geral das Nações Unidas,23 como um elemento básico para o desenvolvimento econômico, pois certas formas de pro- priedade da terra, a concentração da terra produtiva em pou-cas mãos, a baixa produtividade agrícola, condições ínfimasde vida, baixos salários são francamente incompatíveis como progresso técnico. Tudo isso, que tem sido fartamente ana-lisado no Brasil,24 25 conspira contra o desenvolvimento e con-tribui para a inflação, pelo desequilíbrio entre o desenvolvi-mento industrial e o agrícola, agravado no Brasil pela cir-cunstância de não haver a produção de gêneros alimentíciosaumentado em proporção suficiente para atender a demanda.O índice de crescimento populacional (3.4 hoje 2.49) dos maio-res do mundo, inferior a Cingapura (4.6), Hong Kong (4.1),Costa Rica (4.1), Filipinas (3.8), Israel (3.6), Formosa(3.6), Bornéu do Norte (3.6), República Dominicana e ElSalvador (3.5 ),2"' cria novos problemas, exige esforços maio-res para vencer o precário avanço econômico e a rigidez dasestruturas sociais, diminui a renda per capita, já tão mal dis-tribuída, e promove frustrações e instabilidades.

O analfabetismo e a rígida estrutura social, assinalada poT Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda desde o período colonial, são outros obstáculos às reformas. O anal-fabetismo, com sua taxa enorme de 52% (1980, 22,1) comcerca de 25 milhões de adultos analfabetos e com 7 milhões

23 Resolução do Conselho: 370 (XIII reunião) de 7-9-1951; 5 2 1 0

(XVII) de 30-4-1954, 649B (XXVII) de 2-5-1957 e 712 (XXVII); da Assembléia Geral, 401 (V Assembléia) 20-11-1950, 524 (VT) 12-1-1952, 625A (VII) 21-12-1952, 826 (IX) 11-12-1954 e 1426 (X IV ).24 Alberto Passos Guimarães, “A Questão Agrária no Brasil”, B o le tim Geográ f i co , Conselho Nacional de Geografia, Jan.-Fev. 1962, págs. 53-57; idem. Quat ro Sécu los de La t i fúnd io , São Paulo, Fulgor, 1964; 2.a ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968, e A crise ag rária , ibid, ibid, 1979; M. Diegues Jr,, P opu la ção e p ro p r ie d a d e d a te rra n o B rasil , Washington, União Pan-Americana, 1959; idem, “Reforma Agrária”, C o r r e i o d a M a n h ã (Rio de Janeiro), 18-8-1964; Orlando Valverde, “Reforma Agrária”, C o r r e i o d a M a n h ã , 14-8-1964; Altair A. M. Corrêa, “Reforma Agrária”, Cor re io da Manhã , 2-9-1964; Antônio Coutínho, “Reforma Agrária”, C o r r e i o d a M a n h ã , 29-8-1964.25 Information Service. Population Reference Bureau. Washington, Sept. 1962.

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de crianças em idade escolar sem escolas, representa um imensodesperdício de potencial humano. A estrutura social rígida cons-titui também um sério obstáculo porque não só impede a emer-

gência de novos valores na sociedade, como mantém o sistemade privilégios na distribuição da riqueza e da renda. Os pri-vilégios enfraquecem os incentivos à atividade econômica enão se refletem no índice de formação líquida do capital, masnos padrões extravagantes de consumo conspícuo nas altascamadas da sociedade, em face das desumanas condições devida dos grandes grupos sociais modestos, Estes padrões, pormais contraditórios que pareçam o desenvolvimento e o con-sumo conspícuo, são aplaudidos pelos cronistas sociais, que possuem largas colunas nos principais órgãos da imprensa,avidamente lidas nãb só por aqueles grupos sociais, mas pelasclasses médias, sempre ambicionando o gozo dos mesmos pri-vilégios e padrões.

A concentração da renda atinge índices impressionantes.Em 1944, o Professor H. W, Spiegeí calculava que 9 milhões

de pessoas no campo, representando 71% das pessoas ematividades econômicas, recebiam apenas 30% da renda nacio-nal; os trabalhadores urbanos, cerca de 3 milhões represen-tando 24% daquelas atividades, recebiam 20%; os contribuin-tes do imposto de renda, cerca de 300 mil pessoas, represen-tando 2,5%, recebiam 20%.2 6*28 Deste modo, 5% recebiam50% e somente 12,6% empregavam se em atividades remu-neradas, sendo a população ativa inferior a 50% da popula-

ção geral.De 1944 a 1959, a situação não apresenta estatistica-

mente muitas variações para melhor pois a renda nacionalcontinua altamente concentrada em pequenos grupos. A gran-de maioria vive em regime de subsistência, embora o nível devida tenha subido com a industrialização e a urbanização.Basta dizer — e aí está um dos grandes empecilhos à expan-são econômica — que no fim de 1959 o tamanho do mer-

26 Henry William Spiegel, The Braz i l i an Economy, Chron ic In f l a t ionand Sporad ic Indu s t ri a l iza t ion , Filadélfia, The Blakestone Company, 1949,pág. 27.

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cado efetivo, no sentido de consumidores, era avaliado em25 milhões de pessoas, ou seja 40% da população do país.É certo que a renda nacional per capita cresceu em 50% de1947 a 1959, de Cr$ 2.900,00 (130 dólares) a Cr$ 22.734,00(265 dólares), mas continua concentrada, mal distribuída nãosó per capita, como por região.

Num estudo sobre 12 milhões de famílias brasileiras,classificadas de acordo com seu padrão econômico, as ricasconstituíam 1,7% do total, as médias, 22,7%, as pobres,20,1% e as muitos pobres, especialmente os trabalhadoresrurais, 55,5% ;27 e num inquérito atual sobre a distribuiçãoda renda no Rio de Janeiro e adjacentes cidades fluminenses,a classe pobre inferior perfazia 39,2% da população, a pobre,30%, a média inferior, 8,9%, a média intermediária, 14,8%,a média superior, 5,2%, e a rica, 1,9%.2829

Do ponto de vista regional verifica se que as populaçõescombinadas das regiões Norte e Centro Oeste receberam so-mente 5% da renda nacional de 1958, o Nordeste, 9,4%, oLeste, 35,9% e o Sul 49,9% ,20 variando a renda per capita de Cr$ 6.594,00 (100 dólares) para CrS 24.506,00 (380dólares).

Esta superconcentração individual e regional mostra a de- bilidade da estrutura econômica. O desenvolvimento exige mo-dificações nesta estrutura, nas formas de produção, na distri-

buição da renda e dos tributos. Somente a reforma da estru-tura sócio econômica libertará as forças do progresso. Se aconcentração de renda não encoraja a formação de capital, porque desvia este potencial de poupança para o consumo deluxo e conspícuo, o sistema tributário também pesa sobre osgrupos mais pobres. O total dos impostos indiretos, que seelevou de 11,6% sobre os preços brutos do mercado interno

27 Otto Scherb, “Classes sócio-econômicas e orçamentos familiares”, O O b s e r va d o r E c o n ô m i co e F i n an c eir o , março 1959.28 Francisco Pedro do Couto, “No Grande Rio 39% têm déficit mensal”, C o r r e i o d a M a n h ã , 23-8-1964.29 R ev is ta B ras il e ir a d e E con o m ia , março 1960. Pelo censo de 1980 calcula-se a renda ‘per capita’ da população brasileira entre USS 1.679,2 a USS 1.790,5. Vide Jessé Montello “A população brasileira” D ig es to

E co n o m ic o . Dez. 1981.

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eiji 1949 para 15,6% em 1959, representa 2/3 do total dasrendas do Governo, em contraste com 1/3 nos Estados Uni-dos; somente o imposto de consumo produziu, em 1960, 43%dos impostos federais, enquanto o de renda representava

32%; no nível estadual, o imposto de vendas e consignaçõesrepresentou 75% da renda.M E, mais grave ainda, o númerode pessoas que em 1958 pagavam imposto de renda represen-tava apenas 0,5% do total da população e 1,5%, com seusdependentes.;il

Desde o século passado insistiam alguns publicistas, comoAntônio Pedro de Figueiredo, e deputados, como Antônio Felício dos Santos, sobre a necessidade dos impostos diretos,mas o próprio imposto de renda só foi criado em 1922. Comoos impostos indiretos recaem sobre as classes mais modestas,especial mente o de vendas e consignações, os mais pobres es-tão custeando os mais ricos, como dizia em 1847 AntônioPedro de Figueiredo e repetiu em 1964 o deputado CésarPrieto, presidente da Comissão de Finanças da Câmara, aotratar da reforma tributária.303132 À mesma grave conclusão che-

gara o Sr. Otávio Gouvêa de Bulhões em 1955, ao dizer: “Ê plausível admitir se que o financiamento dos investimentos edas despesas públicas, no montante de 60 bilhões de cruzeiros,corra por conta das classes menos favorecidas.” 33

Num recente levantamento sócio econômico promovido pelo Correio da Manhã, apurou se que “as classes pobres en-globam 69,2% das famílias do Grande Rio, auferindo 42%da renda total, porém participando com a parcela majoritária

30 Vide R e la tó r io d o B a n co d o B rasil , Rio de Janeiro, 1960 e R e v is ta de F inanças Púb l icas , Jan.-Março de 1960, e Nov.-Dez. 1960.31 R e la tó r io d a s A t iv id a d e s d o a d o d e 1 95 8 , Ministério da Fazenda, Divisão do Imposto de Renda. Rio de Janeiro, 1959. O volume do IBGE i n d i c a d o r e s S o c i a i s revela uma concentração de renda inimaginável. Os 5.286 dos 30.000 mais ricos pagaram uma alíquota efetiva média de somente 1,7%, enquanto um assalariado, que teve renda de 94 mil e 500 cruzeiros no ano de 1979, pagou 5%. Há no Brasil cerca de 30 a 40 milhões de carentes de tudo.32 Vide O P r o g r e s s o , Recife, Imprensa Oficial, 1950, págs. 520-521, e C o r r e i o d a M a n h ã (Rio de Janeiro), 30-7-1964.33 R e n d a N a c io n a l e In vestim en to s , Mimeog. Rio de Janeiro 1955, pág. 9.

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de 53,8% no montante de todas as despesas consideradas”,enquonto “as médias e ricas agrupam 30,8% das famílias, cap-tando 58% da renda total e participando com 46,2% das des-

pesas”.34

Deste modo, enquanto a renda concentrada em pequenosgrupos não é elemento ativo da formação do capital e os im- postos pesam sobre as classes mais modestas, o combate aosreajustes salariais significa impor a estas as despesas da in-flação.

Todos estes problemas não são novos e alguns têm origemantiga. O caminho para o desenvolvimento deve ser tambémo caminho para uma nova política que exige idéias e soluçõesnovas, que soltem os freios seculares e atuais que inibem omovimento progressista. As reformas da estrutura econômicae social devem romper os círculos de ferro que impedem ocrescimento do país, em benefício do país e de todos; não se

justifica a pregação de que é necessário comprimir o consumoe o padrão de vida já tão baixos das populações brasileiras.

A política subdesenvolvida não é uma política de refor-mas, mas de remendos, que vem secularmente adiando ouevitando, pela sua inatualidade e pretensão, a solução dos pro-

blemas. Só uma política realista, que revele os sinais menosóbvios da situação presente e os enfrente com maturidade, po-de servir aos países em desenvolvimento.

A POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO

Os grandes desequilíbrios e desajustamentos entre a cidade e ocampo, a indústria e a agricultura, entre o Leste Sul e as de-mais regiões, entre o Poder e a Sociedade, sua formação e suarepresentação, entre o sistema tributário e a renda, entre a

34 Francisco Pedro do Couto, "No Grande Rio 39% têm déficit mensal”, C o r r e i o d a M a n h ã , 23-8-64.

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educação nacional e a integração social, entre o crescimentocompassado da renda per capita e as tensões sociais podiamser disfarçados à medida que o desenvolvimento por via in-dustrial e urbana não encontrasse os formidáveis obstáculosopostos pelas insuficiências estruturais.

O impasse surgiu com o agravamento da deterioração dasrelações de troca e dos preços dos produtos primários, com agrande pressão dos serviços das dívidas externas e interna-mente com a incapacidade da antiga estrutura econômica esocial de servir aos planos sucessivos de metas,

A crise da década de 60 — saudada na ONU como

a década do desenvolvimento — não é uma surpresa. Jáem 1956, num estudo sobre o desenvolvimento do Brasil, seescrevia que depois de uma década de excepcional crescimen-to, o nosso país enfrentava, em 1955, a necessidade de des-cobrir novos incentivos para contra atacar o enfraquecimentodaqueles que haviam permitido a aceleração de seu índice dedesenvolvimento. Havia o Brasil, então, crescido a uma taxamédia de 5% e a média da renda per capita passara de 162

dólares, cm 1945, para 246 dólares, em 1954. O estudo con-siderava improvável, entretanto, a prevalência de tal índice deexpansão e lembrava não só a deterioração das relações detroca, como o pesado serviço da dívida externa, cujos com-

promissos deveriam ser saldados no período seguinte; alémdisso, o valor real das reservas de depreciação acumuladasnos anos recentes estava sendo reduzido devido ao aumentodos preços dos equipamentos importados. Concluía afirman-

do que a julgar pelas tendências a termo médio da primeirametade de 1955, o mais provável índice de crescimento darenda per capita até 1962 seria apenas de 1,5%.35

O programa de metas de Juscelino Kubitschek adiou oencontro decisivo entre as aspirações de desenvolvimento e asestruturas sócio econômicas arcaicas e evitou o agravamento dacrise estrutural, pois ainda em 1959 a taxa de expansão da

35 A n a lyses an d P ro je c tio n s n o m i c D e v e l o p m e n t o f B r a z i l . 3-4.

of Ec onom ic D eve lopm ent . I I. The Eco- Nova York, Nações Unidas, 1956, págs.

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economia brasileira (5,4%) foi ligeiramente mais alta que em1958 (4,9%), embora em termos per capita o avanço fossede 3% contra 2,5% em 1959.36 Em 1960 e 1961 a expan-

são continuou, acelerando se a taxa de desenvolvimento, 6,3%contra 7,2%.37Tal como previa a análise e projeção dos economistas da

ONU, a partir de 1962, com o agravamento dos obstáculosimpostos pelas estruturas internas — sem contar a formidável

pressão política oposta pelos mais variados grupos das velhaselites anti reformistas, o declínio da expansão se manifestou.E sem personalismos estreitos, a verdade é que apesar de tudo

foi muito menor que o estimado, pois em 1962 restringiu se a3,7% contra 7,2% de 1961, e em 1963 a 2,3%,38 39quando seesperava que, pela pressão de todos aqueles fatores, caísse,como vimos, para no máximo 1,5%.

Além dessa expectativa sombria, havia outras, vindas deoutras análises, mostrando que a década iniciada em 1960 se-ria extremamente difícil; em 1968, por exemplo, a contribui-ção líquida do Banco Mundial para o desenvolvimento estaráreduzida a zero, se cie continuasse a emprestar dinheiro aoíndice estável de 700 milhões de dólares por ano;30 em 1970,o déficit comercial dos países em desenvolvimento será imenso,e nesse ano “se persistirem os fatores responsáveis pela pre-sente tendência do comércio e se a renda dos países tiverque crescer ao ritmo anual de 5%, o déficit comercial podealcançar uma ordem de magnitude de cerca de 20 bilhões de

dólares”.40

36 Conjun tu ra Econômica , Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, fevereiro de 1960,37 Conjun tu ra Econômica , fev. de 1961 e fev. de 1962.38 Conjun tu ra Econômica , fev. de 1962 e fev. de 1963. A atividade econômica no primeiro semestre de 1964 apresentou resultados negativos e acusa sensível declínio na parte industrial, em relação a igual período de 1963. Conjun tu ra Econômica , Retrospecto l .° Semestre, agosto 1964.39 Andrew Shonfield, The A t tack on W or ld P ove r ty, págs. 148 e 150.40 Raul Prebisch, Uma nova política comercial para o desenvolvimento. Versão preliminar, fev. 1964, mimeog., pág, 3.

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O prazo tem uma significação especial e pela sua curtezaaumenta a tensão, pois apesar da relatividade dos predomíniosmundiais, as oportunidades de expansão e crescimento contí-

nuos extinguem se e o país pode ficar condenado por longoshorizontes históricos a um papel deuteragonista. Por issomesmo a aspiração pela entrada do país num estágio definidode contínuo e nutrido crescimento econômico e social gera,

pelas resistências opostas ou pelos travamentos cíclicos desetores dissidentes nacionais, elevado grau de tensão combi-nado com um sentimento de urgência e frustração, de um lado,e, de outro, de indignação e intolerância. Se o grande obje-

tivo do desenvolvimento, no seu aspecto social, é conseguir aintegração social de grandes massas despojadas de direitos edeveres, como admitir que as reformas se façam sem sua par-ticipação, mas como uma dádiva das velhas elites, como foifeito na Abolição?

Daí os grandes desacordos e as acusações mútuas, tãocheias de hostilidade. Para uns, os outros servem a vetus-

tos e alienados interesses, para outros, uns pretendem como disfarce das reformas apenas subverter á ordem social.Mas os fatos econômicos essenciais mostram com clareza quesem a audácia das reformas a injustiça se perpetuará e poderávir a subversão, ao lado do aniquilamento da possibilidade deafirmar se a singularidade brasileira.

O tempo é escasso e as tendências atuais revelam a forçadas divergências e dissidências que impedem se desenvolvamos padrões de vida e as relações de classe compatíveis comuma vida democrática de um Brasil singular e original. Daío xeque mate político a que nos referimos nas Aspirações Nacionais, conseqiiência da divisão do Poder, das resistências jurídicas opostas pelas elites, do esgotamento dos partidos edas lideranças. A multiplicidade dos grupos econômicos e deinteresses, a complexidade da oposição ao plano reformista, as pressões formidáveis dos setores conservadores são uma fontede controle, de estabilidade e de equilíbrio para todo o siste-ma que permanece imune e aceita no máximo as sugestõesremendistas e a política dos passos miúdos, tão miúdos que

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nunca chegará a nada, pois a disparidade crescerá e as estru-turas arcaicas sobreviverão pelo alento que o tempo lhes dará.

O desafio e o encontro decisivo transferidos tornarão ain-da mais agressivas as grandes massas urbanas e rurais, cons-cientes do hiato entre os seus direitos sociais e seu lugar nasociedade. Esse hiato será ainda maior com o crescimentoda população, e maior ainda a distância entre a juventude da

população e as lideranças reumáticas. Não há de ser a aparente calmaria obtida pela força e

pela repressão que ocultará o estado alarmante da crise. Di-zia Nabuco de Araújo recear mais o ceticismo que o pronun-ciamento, e os remendinhos tutelados, sem audiência dos inte-ressados, só farão adiar e agravar o problema, financiando olatifúndio, perpetuando o sistema econômico arcaico, impe-dindo que a agricultura deixe de ser um meio de subsistência

para ser uma indústria.A crise ainda mais se agrava e aumenta o xeque mate

não só porque o Poder não representa a Sociedade no seu

conjunto, como porque está em frangalhos, dividido e sub-dividido, sem assento próprio. Por isso tem caído e recaído,sem forças sequer para enfrentar os heterodoxos, os dissiden-tes, os herejes da própria minoria dominante, que o têm feitocapitular às suas exigências e não às da maioria desfavorecida.

Pela sua dispersão geográfica e econômica, o Poder é politicamente instável, mas assegura institucionalmente a per-

manência da estrutura econômica, esta estável, e reprime,mais pela violência da linguagem e a ameaça às armas, que pelo próprio uso cruento, qualquer tentativa de mudança subs-tancial. Pela dispersão em vários grupos e pela resistência

jurídica — o atual período é dominado especialmente pelainconfidência de um jurista a serviço da estabilidade das insti-tuições econômicas arcaicas —, o Poder esfrangalhado, quecai do dia para a noite como todos sabem, consegue manterintata a estabilidade.

As lideranças esgotadas, esterilizadas, reumáticas e ana-crônicas são sempre surpreendidas diante das crises. O mais

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grave é que a história republicana viu sucessivamente o fimda liderança paulista, da mineira e da gaúcha, que se reveza-ram com seus auxiliares estaduais, especialmente baianos. E

não é destituída de significação, como marca da transição esta-dual para a nacional, a incidência lega) ou ilegal de doiscearenses, um rio grandense do norte e dois' mato grossensesna Presidência da República.

Qual o comportamento das classes sociais que compõema sociedade, diante da instabilidade do Poder e da estabilidadeeconômica? Não temos, infelizmenle, estudos que permitamtirar conclusões válidas. Mas pode se tentar esboçar hipó-teses de trabalho. Inicialmente deve se notar que a sociedade

praticamente dividida, desde o período colonial, em duas cas-tas de senhores e escravos, com um tênue grupo livre, massem terras, dissolveu se dando lugar a uma variedade maiorde grupos, a começar da segunda metade do Império, fortale-cidos pela industrialização e o urbanismo.

As classes tradicionais latifundiárias e mercantis gozam

de um grande poder e o dividem com a burguesia urbana in-dustrial, em evidente ascensão. As primeiras, apesar das ri-validades de família e de sua considerável importância, estãoem defensiva, diante das necessidades das reformas, especialmentc da agrária e tributária; as mercantis gostam de disfarçar se em produtoras, com o que esperam reformar a sua própria imagem, malquista pelas acusações de lucros exorbi-

tantes e de transferência de riqueza para o exterior; contráriasàs reformas, são ainda acusadas de influenciar as classes mé-dias superiores na imitação do consumo conspícuo, evitandoa poupança indispensável ao desenvolvimento. A imagemque os outros grupos delas fazem é de reacionárias e egoístas.

Os grupos industriais, dominantes nas áreas do Leste Sul,gozam do conceito de progressistas e dinâmicos e têm desem-

penhado um papel estratégico no desenvolvimento econômico.Aceitam as reformas para a expansão econômica e a aberturade novos mercados internos e querem participar das oportu-nidades reais. Se as classes latifundiárias são acusadas dequerer manter submissas as massas rurais, as industriais, loca

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lizadas especialmente em São Paulo, exercem no Brasil um papel “imperialista”, ao submeterem as demais regiões, espe-cialmente o Nordeste, ao papel de “colônias”.

As classes médias heterogêneas, sem traços comuns esem consciência de classe, abrangem setores muito variados.De expressão política muito reduzida no Império e na PrimeiraRepública, foram sempre aliciadas pelos liberais e conserva-dores. Tanto Sales Torres Homem como Justiniano José daRocha, intérpretes do pensamento liberal e conservador, viamnelas a garantia da liberdade política, pois eram mais escla-recidas e melhor informadas sobre seus deveres e direitos po-líticos. Por isso um e outro pensaram em reduzir o censo(taxa eleitoral) ou dele livrá las para contar com o seu voto.Divididas em vários setores, os radicais contavam com os maismodestos para derrubar o poder da oligarquia, como é o casode Antônio Pedro de Figueiredo, o jornalista de O Progresso.

A nacionalização do comércio de varejo, dominado pelos portugueses, que tantas lutas provocou no meio urbano doRio de Janeiro e Recife, foi reivindicação da classe média eum ponto importante do programa da Rebelião Praieira(1848). Na República, o papel das classes médias conti-nuou, como antes, acessório das correntes latifundiárias, salvoquando elas serviram ao nacionalismo de Floriano Peixoto eàs campanhas civilistas, que se continham nas reformas libe-rais, eleitorais, jurídicas, superestruturais.

A expansão industrial dividiu ainda mais a classe médiae permitiu que nela se incluíssem não somente os elementosmais conservadores, que aspiram aos privilégios e riquezas do

patronato rural e da alta burguesia industrial, como elementos parasitários e inovadores. Os únicos traços comuns de todosos setores são talvez o curso primário completo, o alto apreço

pela educação, a renda acima do nível de subsistência, o desejo

de atingir posição social elevada, o temor da perda de status, e a consciência mais alerta da oportunidade de participaçãona vida política.

Em sua grande maioria os participantes da classe médiavivem nas cidades e desprezavam o trabalho manual, como

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operárias, reputadas como subversão; uns são tradicionalistase contrários à integração social e às reformas, especialmente aagrária; outros são liberais e têm servido de base de apoio àliderança liberal indignada e intolerante, partidária apenas deum gradualismo muito medido, que não acabe com os privilé-gios nem diminua o prestígio social das elites, a que tantoaspiram merecer; uns acreditam que na decência e na auste-ridade burguesas estão os remédios para as crises permanentes;outros, técnicos, gerentes, engenheiros e profissionais especiali-zados, julgam a política pelos seus resultados, sua eficiência,seus valores econômicos; e outros, ainda, professores, intelec-tuais e estudantes, julgam na pelos argumentos ideológicos.

Pela variedade de sua concepção ideológica, de suas ori-gens sociais, de suas afinidades psicológicas e de suas motiva-ções econômicas, a classe média ou os setores médios da socie-dade brasileira não possuem um comportamento político único,nem em seu nome se pode fazer um movimento político refor-mista. Os intelectuais, em cujas fileiras se incluem os profes-sores (mais de 350.000 em todos os níveis), em sua grandemaioria membros das classes médias urbanas, constituem umespelho da complexidade e variedade dos setores médios; uns,identificados com a situação social, estão comprometidos coma defesa da estrutura institucional; outros, dissidentes, adotamatitudes criticas ou radicais; outros, ainda, são apenas céticosou pessimistas; alguns não parecem viver numa sociedade dinâ-

mica e se alienam na pesquisa literária e histórica conspícuas,certos de que os males do presente serão corrigidos pela boavontade e decência das lideranças políticas oficiais. Deprecia-dos relativamente na escala dos valores sociais, suas atividadesnão são mais hoje, como o foram ontem, uma fonte de prestígiosocial, apesar dos aspectos faraônicos das reitorias, da constru-ção monumental de certos edifícios em contraste com a pobreza

de outras instalações, do círculo fechado dos professores cate-dráticos — alguns sem terem, durante mais de 20 anos deexercício, sequer publicado um único estudo de sua disciplina

—, dos currículos rígidos, do desapreço pela investigação, dafalta de equipamento e de boas bibliotecas revelarem não

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somente desperdício, como inadaptação às necessidades mo-dernas.41

Os estudantes secundários e universitários, uma massa de

quase 2 milhões só nes,>? níveis, sempre se envolveram naslutas políticas e sempre constituíram um elemento de pressão para as reformas; independentemente das origens sociais, hásempre neles um generoso entusiasmo pela justiça social.

A classe operária, composta de cerca de 3 milhões e800 mil pessoas, localizadas especialmente em São Paulo,com um milhão e cem mil trabalhadores, dos quais 20%qualificados,4 votou durante certo período (1945 a 1953)

predominantemente pelos partidos comunista e trabalhista, masseu comportamento varia, tal como o das demais classes, naseleições para o Executivo e o Legislativo federais. Nas pri-meiras predomina o voto partidário, c nas segundas o voto pessoal e simpático.43 A ilegalidade do Partido Comunista, a própria dubiedade do PTB com suas alianças extraprogramátLcas, o desenvolvimento, que abriu perspectivas de mobilidade

social e de salários mais altos, permitindo lhe ampliar suasaspirações e níveis de vida, explicam o declínio do voto ope-rário radical.

Uma grande parte da população que se não beneficiou do progresso econômico — os operários não qualificados (ummilhão e 600 mil), os trabalhadores rurais (9 milhões e cemmil, ou sejam 54% da população ativa), os analfabetos emgrande parle (50% ), ou sabendo 1er, mas sem o curso primá-rio completo (60% ) — tem níveis intoleráveis de vida, sofrede múltiplas deficiências e possui as maiores reivindicações.

41 Vide sobre isto J. Roberto Moreira, E du cação e D e se n v o lv im e n to no Brasil . Ceniro Latino-Americano de Pesquisas Sociais, Rio de Janeiro, 1960.42 Flagrantes Brasileiros. Conselho Nacional de Geografia, n.° 27, Río de Janeiro, 1964, pág. 24, e E xposiç ão G era! d a S i In açã o E con ôm ic a do Bras i l , Conselho Nacional de Economia, Rio de Janeiro, 1959, págs. 66 e segs.43 Azis Simão, "O voto operário em São Paulo'’, R e v is ta B rasil eir a de

E s tu do s P o lí ti co s. Universidade de Minas Gerais, Dezembro 1956, págs. 130-141.

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Nestes setores as esquerdas têm em geral encontrado o maiorapoio para o plano de reformas estruturais, pois as suas condi-ções de vida têm sempre piorado. Os preços dos produtos deconsumo têm subido quase ininterruptamente, e este é umfenômeno geral no mundo, pois se entre 1950 1960 subiram100% no Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, México e Paraguai,subiram também de 70 a 80% na França, de 40 a 50% naGrã Bretanha, e de 20 a 30% nos Estados Unidos.41 Os índi-ces de aumento dos salários reais na indústria representam noBrasil menos de 2%, enquanto nos Estados Unidos subiramde 2 a 2,9%, na Alemanha e na França de 4 a 5,9%.4K

Não é, assim, surpreendente que o número de greves noBrasil venha aumentando, embora o número de dias homens perdidos nas disputas trabalhistas, entre 1946 e 1960, fossemmuito maiores nos países desenvolvidos que nos países emdesenvolvimento e nestes o Brasil não se colocasse entre aquelesque mais dias de trabalho perderam.4" Ao lado das reivindi-cações sociais entre 1962 e 1963, aumentaram as greves polítivas (ao todo de 54 para 116), especialmente as que visavama exercer pressão sobre o Congresso em prol das reformas deestrutura,

A ação dos grupos de pressão vem se ampliando à medidaque se agravam os desequilíbrios econômicos. Na verdade,houve sempre a pressão aberta ou velada dos grupos econô-micos e de interesses, mas os trabalhadores urbanos e ruraisnunca a puderam exercer efetivamente senão nestes últimosanos.

O caráter político dos sindicatos (há 1.699 sindicatos deempregados no Brasil com um e meio milhão de associados) nos

países em desenvolvimento é facilmente explicável pelo baixo padrão de vida que neles prevalece. A ação política direta 444546

44 1963 Re po r t on the W or ld Soc ia l S i tua tion , Nova York, Nações Unidas, 1963, pág. 83.45 Ob. cit., pág. 85.

46 Ob, cit., pág. 97. Neste mesmo ano o número de horas de trabalho na indústria, por mês no Brasil, era superior ao de muitos países desenvolvidos. Cf. ob. cit., pág, 90. Vide Olínto Rehder, “O Brasil é o país das greves”, J o rn a l d o B ra s il (Rio de Janeiro), 29-12-1963.

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exercida à luz do dia, publicamente, pelas organiza^: operá-rias e rurais sobre os Poderes, especialmente o Legislativo, éum sinal de fé no regime democrático, pois elas revelam acre-

ditar nas reformas pela legislação. E embora o Congressonormalmente deva aceitar a pressão como uma ação legítimade reivindicação, como uma retomada de contato popular, parasentir as aspirações setoriais da população, a verdade é que sefez crer que ela era ilegítima. Formas de pressão foram, indu-

bitavelmente, a passeata em defesa dos direitos civis, nos Esta-dos Unidos, e, no Brasil, a primeira marcha de protesto queajudou a criar um ambiente propício à derrubada da legalidade.

Num país sem registro legal dos grupos econômicos de pressão, que exercem uma ação poderosa nos bastidores doCongresso e extraparlamentar, a ação direta dos grupos popu-lares não visa a embaraçar a vida política, mas repelir, contra-

balançar ou neutralizar a ação das minorias, na tentativa destasde manter a distribuição dos benefícios em seu próprio favor.Os sindicatos e as organizações operárias de protesto têm sua

significação, quando o destino das classes trabalhadoras estáintimamente ligado ao desenvolvimento econômico da nação,travado pelos grupos de resistência às reformas, ou quando aelas cabe, pela diminuição dos seus salários reais, pelo aumentodos preços causados pela inflação, pelos impostos indiretosque sobre elas mais recaem, o custeio de grande parte dasdespesas nacionais e uma parte significativa na formação darenda nacional.

Essa ação política foi considerada pré revolucionária esubversiva, enquanto se processa ação similar, bem acolhida,de associações de classes patronais — uma das quais, de ativi-dade terciária, mas usando indevidamente o nome de produ-tora, opinava sobre tudo e era ouvida e acolhida em todos ossetores conservadores. O Manifesto que esta última lançouàs vésperas do Movimento de Abril, atacando diretamente o

Presidente da República e condenando o sindicalismo político,revelava a enorme pressão que se exercia contra a legalidaderepublicana e contra as reformas, que deviam ser concedidas,mas não pleiteadas em movimentos de massa, enquanto móbil i

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zavam todos os esforços junto ao Congresso, nos rádios etelevisões, para defender seus interesses.

Os trabalhadores rurais constituem a população maior emais pobre do país. Eles estão na periferia da sociedade.Apesar do declínio da população rural no Brasil, que nos cen-sos de 1940, 1950 e 1960 declinou de 68,76% para 63,84%e 54,92% ,4T a população economicamente ativa (31,4% da população global) concentra se nas atividades agropecuárias(27%, em 1980, 30,7% ).4 748 O efetivo desta população traba-lhadora existente nos estabelecimentos agropecuários sobe a11 milhões (1960),40 50 abrangendo todo o pessoal ocupado,

com a única omissão dos “moradores” e agregados, que pres-tam serviços não remunerados.A fuga para as cidades tem sido uma característica mar-

cante, não só nos. países em desenvolvimento, como nos paísesdesenvolvidos (30% no Canadá e Alemanha e 20 a 30% naDinamarca e Estados Unidos e 10 a 20% na França e na GrãBretanha); no Brasil, o êxodo rural se manifesta em proporçõesmuito menores (10,28% da unidade de nascimento e 4,4%

da região de nascimento).00Portanto, apesar da falta de terra, de água, dos baixos

índices de salários e renda, os trabalhadores rurais permane-cem em sua maioria na região de nascimento, e as correntesmigratórias não são tão consideráveis como se supõe,51 apesardas atrações geradas pelo processo de industrialização e pelaabertura de frentes pioneiras à base do salariado. Pois apesar

47 Bra sil : S in o p se P re li m in a r d o C en so D e m o g rá f ico . I.B.G.E., Serviço Nacional de Recenseamento, Rio de Janeiro, 1962, pág. 11 e em 1980 em 44.8.48 Flagrantes Bras i le i ros , I.B.G.E., Conselho Nacional de Estatística, n.° 17. Rio de Janeiro, 1960, pág. 8.49 Flagrantes Bras i le i ros . I.B.G.E., Conselho Nacional de Estatística, n.° 20. Rio de Janeiro, 1961, pág. 43.50 C o n t r i b u i ç õ e s p a r a o E s t u d o d a D e m o g r a f i a n o B r a s i l . I.B.G.E., Conselho Nacional de Estatística, 1961, págs, 356-357.51 Vide E x p o siç ã o G era l d a S it u ação E co n ô m ic a d o B ra s il , 1958, Conselho Nacional de Economia, Rio de Janeiro, 1959, págs. 69-70. Ai afirma-se ser considerável essa migração, sem levar em conta a correção feita segundo as “Migrações Interiores entre Regiões Fisíográ- ficas”, in Cont r ibu ições , ob. cit., págs. 357, 372 e 373.

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desta concentração demográí^.' e economicamente ativa, a ren-da gerada pelo setor agrícola limita se a cerca de 30% darenda global, o que mostra a baixa produtividade e a distri-

buição mínima da zona rural. Mas as modalidades de traba-lho tornam ainda mais precárias as condições da populaçãoagrária, pois além das áreas de predominância do assalariado

— com salários baixíssimos, existem as áreas da parceria e nãoremuneradas,5 de que resultam o baixo padrão de vida e aincapacidade de constituição de um mercado de consumo.Sem sindicatos, sem direitos reconhecidos, sem seguros sociais,o trabalhador rural é um pária, que vive em condições semifeudais.

Pois apesar de tudo isto, a negligência pelo campo sempreexistiu, em parte devido ao poder político dos grupos quedesejam a manutenção do stalu quo, em parte pela crença deque a chave para o desenvolvimento era industrialização.Mesmo nas fases de impulso político criador, os planos dereforma agrária não contaram nunca com o interesse maiordas forças políticas e alguns projetos permaneceram sem anda-

mento no Congresso.Os grandes interesses latifundiários sempre conseguiramque a legislação social ficasse limitada às cidades, numa dis-criminação inconcebível, quer aos direitos sociais, quer ao di-reito de sindicalização. O impasse recente causado por fato-res externos, já apontados, o esgotamento da possibilidade dedesenvolvimento pela sucessão de metas obtidas por acomoda-ção política, sem reformas estruturais, a consequente redução

do crescimento, a persistência da inflação, agora com carátertotalmente estéril, estão convencendo setores mais amplos danecessidade da reforma agrária, ao menos para aumentar a

produtividade agrícola, especialmente alimentar, e abrir ummercado de consumo para a indústria nacional. 52

52 Vide Roberto Lobato Corrêa, “Regime de Exploração da terra no Nordeste: Uma tentativa de expressão cartográfica”. R e v is ta B rasil e ir a d e G e o g r a f i a , I.B.G.E., Rio de Janeiro, Julho-Set. 1963, págs. 343-371, e Discurso de Aderbal Jurema, D iá rio d o C o n g resso N a c io n a l, 16 de

junho de 1962, págs. 3262-3264.

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Se o problema latifundiário tem origens seculares,53 se asrelações entre a população, a propriedade54 e a produção agrí-cola 55 vêm se agravando mais recentemente, a idéia da reformaagrária só mereceu acolhida oficial a partir de 1951. Criou seentão a Comissão Nacional de Política Agrária (Decreto n.29.803, de 25 de julho de 1951), que estabeleceu as diretrizes

para uma Reforma Agrária no Brasil, visando a “ensejar aotrabalhador da terra o acesso à propriedade de modo a evitara proletarização das massas rurais e,anular os efeitos antieco-nômicos e anti sociais da exploração da terra”. A reformaagrária, cujas diretrizes Getúlio Vargas aprovou, tinha aindacomo objetivos a subdivisão dos latifúndios, a aglutinação dosminifúndios e a valorização “do homem e da terra, de modoa assegurar a todos trabalho que possibilite existência digna”.

Se a resistência política à reforma foi sempre muito po-derosa, desde aí tornou se formidável e mais de 200 antepro- jetos entre aquela data e 1963 não tiveram andamento. Aoposição dos setores conservadores e latifundiários, como sem- pre, encontrou na resistência jurídica sua principal arma. Adesapropriação por interesse social e não por utilidade pública,figura nova incorporada à Constituição de 1946 (art. 141, pa

rág. 16), perdeu toda sua eficácia, quando se acrescentou“mediante prévia e justa indenização em dinheiro”, emendafeita pelo deputado pernambucano Padre Arruda Câmara. Porisso mesmo nos 18 anos de vigência da Constituição, nãoocorreu qualquer desapropriação por interesse social, ficando,assim, insolúvel o problema do latifúndio e do minifúndio.

53 Há boa bibliografia sobre o assunto. Vide José Honório Rodrigues, “História das Concessões de Terras no Brasil”, D ig e s to E co n ô m ico , março de 1947, reproduzido in N o tíc ia de V á ria H is tó ria , Rio de Janeiro, Livraria São José, 1951; Rui Cirnc Lima, P eq u en a H is tó r ia T er r i to r ia l do Bra s i l , Porto Alegre, Livraria Sulina, 1954; Alberto Passos Guimarães, Qua t ro s é c u lo s de l a t i f ú nd i o , São Paulo, Editora Fulgor, 1964; 2.a ed. Paz e Terra, 1968 e A c rise agrária , ibid, 1979.54 Vide Manuel Diegues Jr., P opu laçã o e P ro p rieda d e d a te r ra no

B ra sil , Washington, União Pan-Americana, 1959; Alberto Passos Guimarães, “População e Reforma Agrária”, J o rn a l d o B rasil (Rio de Janeiro), 26 de maio de 1963,

55 Bresser Pereira, “Problemas da agricultura brasileira e suas causas”, Jo u rn a l o f In te r A m er ic a n S tu die s, Jan. 1964, págs. 43-55.

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Os setores conservadores e latifundiários não permitiram,entrincheirados nesta cláusula, que se fizesse a reforma doartigo constitucional. Como o Congresso foi sempre a maisformidável barreira legal às reformas, o Poder Executivo —

sempre suspeito de intenções secundárias continuístas — ficouimpossibilitado de realizar qualquer projeto, a menos que sedecidisse a pagar previamente e em dinheiro, condição sabida-mente irrealizável.

O Brasil sofrera, neste sentido, um retrocesso, pois ne-nhuma Constituição anterior determinara que a indenizaçãofosse em dinheiro (1824, art. 22; 1891, art. 72, parág. 17;1934, art. 113, parág. 17; 1937, art. 122, parág. 14). Além

da resistência jurídica, concentrada especialmente no Congres-so, os setores conservadores e as associações de proprietáriosrurais promoveram uma grande defesa pública não somente do“caráter sagrado do direito de propriedade”, embora na pró-

pria Constituição de 1946 se estabeleça que “o uso da pro- priedade será condicionado ao bem estar social”, como da in-violabilidade da Constituição, embora esta disponha que a lei poderá “promover a justa distribuição da propriedade, com

igual oportunidade para todos”, mas com observância do dis- posto no art. 114, parág. 16, que obriga à indenização emdinheiro. Associações de classe, técnicos de classe, deputadosde classe ou declaravam não ser a cláusula constitucional umentrave à reforma, ou obstruíam os projetos, ou apresentavam

projetos que pouco reformavam. Os projetos do Governo eramconsiderados demagógicos; os partidos distinguiram se pela suaconduta habitual, a vacilação; a mentalidade latifundiária doCongresso travava ou engavetava os projetos.

Por tudo isso a reforma agrária não vinha nem veio,apesar do seu progresso em toda a América Latina, desde1917, quando o México a iniciou. 1*3 Nem mesmo o alarme 56

56 Vide P rogress in L a n d R e fo rm . T h ir d R e p o r t. Prepared jointly by the Secretariats of the United Nations. Food and Agriculture Organization of the United Nations, International Labour Organization, New York, United Nations, 1962; A grar ia n R e fo rm in L ati n A m er ic a , Chatham House, Memoranda, Royal Institute of International Affairs, Oxford University Press, 1962.

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provocado pelo declínio do crescimento econômico — atri- buído pelos setores conservadores à inflação, corrupção e in-capacidade oficial — , nem a contradição entre a situação dostrabalhadores rurais e os ideais de justiça social venceram as

resistências conservadoras, embora tivessem despertado a cons-ciência pública sobre a necessidade de reformas estruturais dosistema de exploração da terra e sobre a deterioração dos níveis

já intoleráveis da população rural.As pesquisas realizadas em dez capitais brasileiras pelo

IBOPE 51 revelaram que 3.985.641 eleitores — 23% de todoo eleitorado do país — acusavam a' média de 62% favoráveisà reforma agrária, 11,5% contrários e 26,5% sem opinião,sendo que a parcela favorável considerava esta como a maisurgente de todas as modificações estruturais exigidas pelo país.

Uma manifestação mais importante para alertar a opinião pública partiu da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,a qual, em julho de 1962 e maio de 1963, defendeu as re-formas de base, inclusive a agrária. “Apoiaremos uma reformaagrária que traga preocupação, sobretudo, de dar ao homem docampo a mais completa assistência técnica, de crédito e deserviços sociais e que, através de uma legislação justa e ade-quada, possibilite e estimule a efetiva difusão da propriedade

privada”, escreviam os Bispos brasileiros em documento de1962.5758 No ano seguinte voltavam ao problema, enfrentando aquestão constitucional que os conservadores haviam levantadocomo entrave à solução do problema. Para a realização dareforma, diziam, a desapropriação por interesse social não so-

mente não contraria em nada a Doutrina Social da Igreja, masé uma das formas viáveis de realizar, na atua] conjuntura bra-sileira, a função social da propriedade rural. Evidentemente,continuavam, essa desapropriação, que visa a garantir o exer-cício do direito de propriedade ao maior número, não podedesrespeitar e destruir esse mesmo direito. Daí a necessidade

57 Vide Francisco Pedro do Couto, “GB: 73% defendem a reforma agrária", C o r r e i o d o M a n h ã (Rio de Janeiro), 25-8-1963; id., “Dez capitais são pela reforma agrária”, C o r r e i o d a M a n h ã , 1-9-1964.58 E sta d o d e S ã o P au lo , 23-7-1962.

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da justa indenização, que deverá ser feita dentro dos critériosda justiça, atendendo às possibilidades do país e às exigênciasdo bem comum. Afirmavam não acreditar que constituísse umatentado contra o direito de propriedade uma indenização totalou parcial em dinheiro ou em títulos da dívida pública, dan-do se a estes títulos as garantias de revalorização, de venci-mentos e de poder liberatório, pelos quais constituam umaadequada compensação pelos bens desapropriados.“

Esta posição dos Bispos do Brasil, confirmatória, aliás, daDeclaração de Princípios dos Bispos do Nordeste, defendendouma reforma agrária desde 1962 5 9606162vinha esclarecer a opinião

pública nacional e defender a justiça social, embora não con-seguisse amolecer as resistências dos grupos defensores do

slatu quo e dos que viam nas organizações sindicais rurais enas lutas que estas promoviam apenas intuitos subversivos, dis-farçados em reivindicações sociais.

As pressões sobre o Congresso que se acentuaram em 1963eram consideradas ilegítimas quando feitas por forças popu-lares, mas bem aceitas quando provenientes de associações de

proprietários. A Confederação Rural protestava contra o Ma-nifesto dos B i s p o s , a Federação das Associações Rurais deSão Paulo contestava que a maior parte das terras pertencessea latifundiários r'2 e julgava falecer autoridade aos governos

para acusar os “agricultores pelo não aproveitamento ideal dosolo”; a Federação das Associações Rurais de Minas Gerais,a Sociedade Mineira de Agricultura, a União das CooperativasAgrícolas de Minas, reunidas em Belo Horizonte, represen-

tando 4.000 ruralistas de 301 municípios, assinavam o Ma-nifesto que já fora subscrito por 1.800 fazendeiros, condenandoa reforma da Constituição para a revisão da estrutura agráriado país. A Carta de Sete Lagoas, denunciando o Governo Fe-deral e manifestando confiança no Congresso, declarava queo “nosso problema — está à vista de todos — não reclama

59 J o rn a I d o B ra sil (Rio de Janeiro), 3-5-1963. Vide P a sto ra l d a Terra E s tudos da C i \ ’BB, São Paulo 1981.60 Jo rn a l d o B ra sil , 10-3-1962.61 Jo rn a l d o B rasil , 20-7-1962.62 J o rn a l d o B ra si l. 5-6-1963.

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para sua solução correta a propalada reforma agrária com queenchem a boca os inimigos do Brasil, mas um tipo de políticaagrária que tenha por finalidade preparar o homem para queele possa explorar bem esse patrimônio imenso de terras de-volutas, sem dono, largadas às endemias e às feras e de talforma abandonadas que poderão constituir amanhã, isto sim,um problema internacional para o país”.63 6465

Estavam a esta altura todos informados, pelos dados ofi-ciais divulgados pelo I.B.G.E., que ao contrário do que seafirmava (que a União e os Estados possuíam 66% das terras

brasileiras), de um total dc 232 milhões de hectares no Brasil,a União e os Estados só possuem 11.907.000 hectares, ou seja5,1%, reduzidos a 2,8% de área habitável e arável.61

Mas argumentos objetivos parecem não valer nas horasemotivas; na Paraíba, os proprietários rurais denunciavam, emManifesto, a subversão da ordem promovida por agitadores econcitavam a classe a uma tomada de posição;63 a AssociaçãoRural de Anápolis passou a manter ao longo da RodoviaBrasília Belém um dispositivo de defesa da propriedade pri-vada, ante a ameaça da invasão de suas terras; do mesmo modo

procediam os fazendeiros do Triângulo Mineiro, do Alto Parnaíba, do Sudoeste baiano, reunidos em Vitória da Conquista.66 67

A ação coletiva e defensiva dos fazendeiros c proprietáriosrurais não impedia a reação violenta pessoal à moda antiga eera uma resposta à organização política dos trabalhadoresrurais. Estes encontraram sempre as maiores dificuldades paraorganizar se em sindicatos, pois o decreto de Getúlio Vargas,de 1944,6Tpermanecera letra morta. A luta pela sindicalizaçãorural durou anos e em 1962, após decisão do Supremo Tri-

bunal Federal em favor do registro de um sindicato agrícolano sul do país, o Ministério do Trabalho assinou as instruções

para o reconhecimento das entidades rurais.68 Em março de

63 E s ta d o d e S ã o P aulo , 23-7-1962.64 C o r r e i o d a M a n h ã , 26-5-1963; e Jo rn a l d o B ra si l, 13-6-1963.

65 E s ta d o d e S ã o P au lo , 17-4-1962.66 J o rn a l d o B rasil , 18-2-1964 e 8-3-1964.67 Decreto-Lei n.° 7038, de 10-11-1944.68 Portaria de 20 de novembro de 1962, D iá r io O fi c ia l, 27-11-1962.

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1963, o Estatuto do Trabalhador Rural, resultado da ação le-gislativa de Fernando Ferrari, estendia ao campo os benefíciossociais; inclusive a previdência social.0"

O agravamento da situação no campo e a impossibilidadede sua organização sindical até 1962 motivaram o nascimentodas Ligas Camponesas. A primeira delas, a Liga Camponesada Galiléia, surgiu em 1955, em Pernambuco, por iniciativa dos próprios trabalhadores, liderados por José Francisco de Souza,o Zezé da Galiléia, e foi defendida judicialmente por FranciscoJulião, que viria a ser um dos principais líderes e agitadoresdos camponeses do Nordeste.

As Ligas não foram organizadas sem lutas físicas, judi-ciárias e políticas. A violência e o sangue marcaram seu nasci-mento e expansão, não só em Pernambuco, como em outrosEstados, onde se alastraram e deram um caráter político radicalà atividade dos trabalhadores rurais. Organizadas de acordocom o Código Civil, reuniam foreiros, parceiros, posseiros, pe-quenos proprietários de terras, toda uma enorme camada social.Já em 1961 havia, só no Nordeste, 98 Ligas e coube lhes ini-ciar a politização das massas rurais que, segundo o próprioFrancisco Julião, tinham “melhores condições do que o assala-riado rural para se organizarem e lutarem contra o latifúndio”.O camponês, na expressão preferida por Francisco Julião, isto é,“o rendeiro ou foreiro, o parceiro, o meeiro, o posseiro, o va-queiro, que formam a esmagadora maioria do campesinato

brasileiro”, dispunha, primeiro, do fator jurídico, pois suas rei-vindicações se baseiam no Código Civil; segundo, do fator fi-nanceiro, isto é, de meios de produção, que faltam ao operáriodo campo; e, finalmente, do fator econômico, com que resiste para travar a batalha pelos seus direitos.6 970 Ao lado desses fa

69 Lei n.° 4214. de 2-3-1963. dispondo 'obre o Estatuto do Trabalhador Rural, D iá r io O fic ia l, 18-3-1963; vide também Osvaldo Peralva, “Os rumos da síndicalização rural”. Jo rn a l d o B rasil . 1-9-1963 (caderno especial).70 Antônio Callado, Os Indus t r i a i s da Seca e o s "G a i i l e u s d e P er -

n a m b u c o , Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, I960: Francisco Julião, Q u e s ã o a s L i g a s C a m p o n e s a s ? , Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1962. “Cadernos do Povo Brasileiro, n.° 1”; Leda Barreto, Ju lião , N o r -des t e , Revo lução , Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963.

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tores alinha ainda Francisco Julião “o caráter político que, deimediato, assume a luta do campesinato”.

Baralhando os números, afirmava Julião que se deve con-siderar ainda que há cerca de 40 milhões de camponeses e que

o número de assalariados não alcança 7 milhões — o que fazcom que a oligarquia tema menos a classe operária que “odespertar das massas camponesas, convencida, como já se en-contra, de que elas poderão desatar um processo político capazde conduzir o país à revolução social”.71

Pelo último censo, a população rural é de 38.976.247 pessoas, abrangendo todas as categorias dos economicamenteativos e dos economicamente passivos, e os cálculos mais apro-ximados avaliam os primeiros em cerca de 18 milhões, incluindoos proprietários, cerca de 4 milhões; os restantes 14 milhõessão divididos entre os assalariados e os chamados camponeses.Estas forças rurais equivalentes têm tomado rumos diferentesna defesa de suas reivindicações. As Ligas seguiram eaminhomais radical, apesar da reação que encontraram, especialmenteem abril de 1961, por ocasião da greve dos universitários per-nambucanos, quando procuraram intimidá las e contê las, ape-sar de serem ‘‘Iegaimente constituídas” e expressarem “um pro-testo natural e justo das populações rurais espoliadas deste paíse, particularmente, da região nordestina”, como se expressou naCâmara dos Deputados o Sr. Andrade Lima Filho, com o apoiode alguns deputados.72

Apesar de toda a reação contra as Ligas, elas promo-veram, em novembro de 1961, o I Congresso Nacional dosLavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, coma presença de 1.600 delegados e 3.000 observadores de ligas

camponesas locais e sindicatos operários. Na Declaração entãoaprovada,73 elas manifestavam “sua decisão inabalável de lutar por uma reforma agrária radical”. Uma tal reforma, acrescen

71 Ob. cit., págs. 66 e 67.72 Discurso do Deputado Andrade Lima Filho, sessão de 26-6-1961,

D iá r io d o C o n g resso , 27-10-1961, págs. 8006-8008. Pelo censo de 1980 a população rural economicamente ativa é de 30,7% em 119 milhões de habs. Vide Jessé Montello, ob. cit. |73 Transcrita in Francisco Julião, ob. cit., págs. 81-87.

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tavam, “nada tem a ver com as medidas paliativas propostas pelas forças retrógradas da Nação, cujo objetivo é adiar pormais algum tempo a liquidação da propriedade latifundiária”.Além de pleitearem a solução de várias questões como a “radicaltransformação da atual estrutura agrária”, o “máximo acessoà posse e uso da terra pelos que nela desejam trabalhar”, pediama “plena garantia à sindicalização livre e autônoma dos assala-riados e semi assalariados do campo”, com o “reconhecimentoimediato dos sindicatos rurais” . A Declaração é de 17 de no-vembro e a 20 de novembro eram assinadas pelo Ministério doTrabalho as instruções para reconhecimento das entidades

agrícolas.Era a grande vitória desse I Congresso, mas nem por isso

a luta perdeu intensidade. Em agosto de 1962 era assassinadoum líder da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, João PedroTeixeira. A situação se agravou de tal modo que o PresidenteJoão Goulart dirigiu se a João Pessoa, onde falou a 10.000 tra-

balhadores rurais, pedindo lhes que tivessem fé na lei e se orga-

nizassem em sindicatos rurais para ganharem a proteção dasleis trabalhistas.74As Ligas cresceram no Nordeste, Rio de Janeiro,75 76Goiás,78

Maranhão, Bahia e Maio Grosso. Se Francisco Julião repre-senta ou não “um mito de automistificação, procurando criarum agregado político entre as massas para servir lhe como elei-torado para o avanço de sua carreira, como um político dentrodo corpo político, isto é, de classes, do Brasil”, como inter-

preta o Professor Anthony Leeds,77 ou um revolucionário quedeseja transformar radicalmente o sistema político brasileiro, é

74 Vide Ti m e (ed. internacional), 10-8-1962, pág. 12. O jorna! declara que os proprietários acusaram Goulart de fomentador de desordens, mas a verdade é que não houve revolta, e O Es tado de São Pau lo ,

jornal conservador, saudou o discurso dizendo que o Presidente pronunciara palavras sensatas.75 Na ob. cit. de Francisco Julião transcreve-se o Estatuto das Ligas no Estado do Rio de Janeiro, págs. 88-94.76 Vide D iá r io d o C o n g re sso N a c io n a l, 1-6-1963, págs. 2863-2869.77 “Brazíl and the Mylh of Francisco Julião”, Mimeografado. A sairin Feslchrift. für Frank Tannenbaum.

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uma questão ainda em aberto.78 O fato é que com o reconhe-cimento legal dos sindicatos, o trabalho das Ligas já havia de-clinado, substituído pela ação dos sindicatos, alguns inspirados

pelos comunistas, outros pelos padres católicos ativistas.79 ParaAntonio Callado, no agitado Nordeste há lugar para muita gentee “principalmente para um homem como Julião, que, com todosos seus defeitos, foi dos primeiros nesta terra a se dedicar aocamponês.80

O reconhecimento legal dos sindicatos agrícolas em 1962 eo Estatuto do Trabalhador Rural, em 1964, permitiram o avançoda sindicalização por todo o território nacional.81 No Nordeste,

no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, padres católicoscom excepcionais qualidades políticas procuraram competir comos comunistas, a fim de evitar, pela reforma, a revolução san-grenta. O movimento de sindicalização promoveu três Con-gressos. O primeiro, em Itabuna (I Congresso de Lavradores eTrabalhadores Rurais do Norte e Nordeste do Brasil, maio de1962), reuniu 2.000 trabalhadores rurais e nele tiveram atuaçãodestacada o Bispo Dom Eugênio Sales, do Rio Grande do Norte,

os Padres Melo e Crespo, de Pernambuco, definindo se o mo-vimento pelo “sindicalismo autônomo e independente, livre datutela do imposto sindical, pela unidade na luta pela reformaagrária e criação do Instituto de Previdência do homem docampo.82 O segundo, reunido em Recife, em dezembro de1962, sob a orientação do grupo nacional coordenador da sin-dicalização rural estabelecido em Itabuna, traçou um amplo

programa de expansão do sindicalismo rural, e estudou a possibi-

lidade de se criarem em todos os Estados escolas e cursos deformação de dirigentes sindicais no campo. Finalmente, em

78 As declarações de Francisco Julião sobre a necessidade de esgotaros recursos da lei são varias. Vide Lêda Barreto ob. cit págs.123 e 131. *79 Antônio Callado, Tem po de Ar ra i s , P ad res e C om uni s t a s no Re-volução sem violência , Rio de Janeiro, José Alvaro Editor, 1964,págs. 58-59.80 Ob. cit., pág. 61.81 Osvaldo Peralva, “Os rumos da sindicalização rural”, artigo citado.82 Camponeses pediram pão e liberdade no I Congresso do Padre Melo em Itabuna”, Jo rn a l d o B rasil , 17-5-1962.

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julho de 1963, em Natal, realizou se nova reunião, a maisimportante de todas, a I Convenção Brasileira de SindicatosRurais, com 326 delegados. Aí se discutiram a reforma agrária,o Estatuto do Trabalhador Rural, a Confederação Nacional dosTrabalhadores Rurais e o Instituto de Aposentadoria e Pensõesdos Trabalhadores Agrícolas.83

A inquietação explosiva do campo, ou pelo menos emlargos trechos da zona rural, vinha sendo pouco a pouco con-duzida para os caminhos normais da ação política, indepen-dentemente dos Partidos Nacionais, sempre dominados pelahesitação e conseqüente inação. A própria competição po-lítico partidária, flisputando se uns aos outros a iniciativa dos

projetos de solução da reforma agrária e da assistência ao tra- balhador agrícola, com os olhos voltados para a vitória eleitorale não para o interesse nacional, travou lhes a ação, que foisendo pouco a pouco dominada pelo Partido Comunista, pelos

padres ativistas e pelos Bispos reformistas.As invasões de terras, o terrorismo rural dirigido contra

latifundiários e líderes do campo pareciam diminuir à medidaque os sindicatos mais começavam sua ação política objetiva e

concreta sobre as reformas necessárias. A marcha para a sindicalização, cuja liderança vinha sendo disputada por comu-nistas e padres ativistas, deixava de ser um capítulo de história policial para ser um capítulo de história política. A ação dosBispos e dos padres do Nordeste evitou que os comunistasagissem sozinhos, como disse a Antônio Callado o Padre EdgarCaricio, fundador do Sindicato Rural de Quipapá. Uns e outrostrabalhavam pela gente do campo, abandonada pelos partidos

tradicionais. Nos Congressos realizados por inspiração católicamanifestaram se, segundo Osvaldo Peralva, várias tendências: acristã (no sentido democrata cristão), a trabalhista renovadora,a esquerdista, também católica, a conservadora (paulista) ea conciliadora (Padre Crespo, do Jaboatão). Compreende seo comportamento inerte dos partidos políticos tradicionais quan-do se sabe que, para eles, a atividade política é uma atividade

83 Osvaldo Peralva, artigo cit. Vide neste artigo as conclusões finais.

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de elite e que essa massa rural não sindicalizada constituía a base política ideal dos partidos conservadores.

Além disso, ambos os movimentos — o de sindicalização

rural e o da reforma agrária — são parte de um processo maisamplo de transformação do Brasil, um momento crítico criadordo seu salto histórico. Constatam sempre que o radicalismoestá mais na zona rural que na urbana, como sempre estevena nossa história, conforme mostramos em outro capítulo destelivro. Se os políticos conservadores pudessem varriam dos cam- pos todo o radicalismo, beneficiando, assim, as próprias classesconservadoras e fortalecendo a hierarquia social, embora à custa

do debilitamento do progresso econômico nacional, conse-quência de uma agricultura subdesenvolvida. A política que preferiam praticar era a dos passos miúdos, que concede pouco, pouco a pouco, nas velhas formas paternalistas.

P oder e Sociedade : o dissídio político brasileiro

A divisão entre o Poder e a Sociedade manifesta se especial-mente pela estabilidade da estrutura e a instabilidade gover-namental, pelo desequilíbrio entre a população representada noPoder e a mantida na periferia, pela não integração à socie-dade nacional de vastas camadas da população, pelo desequi-líbrio no crescimento econômico nacional e setorial, pelosdesajustamentos regionais. A não incorporação de mais demetade da população aos benefícios da civilização revela a este-rilidade dos Partidos e o esgotamento das lideranças. Uns eoutros sucedem se no comando ineficiente e incapaz, levandosempre o país ao xeque mate político, ameaçando a coexistênciada liderança com o povo, dos partidos com o povo, e por fim,ainda mais sombriamente, do povo com a nação.

Nem sequer a associação política de todos os brasileiros,que a primeira Constituição proclamou, chegamos a constituir;muito menos se pode afirmar que todo o Poder emana do Povoe em seu nome é exercido, como se declarou a partir de 1934.Deste ponto de vista, a Constituição de 1891 foi mais honesta,

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pois a nação era constituída pela união perpétua e indissolúveldas antigas províncias em Estados Unidos do Brasil, e o povomesmo só aparecia no preâmbulo, ao dar representação parao estabelecimento, decretação e promulgação da Constituição.

Os Partidos e as lideranças foram sempre alheios à so-ciedade, no seu conjunto, e muito atentos aos pequenos inte-resses pessoais e partidários. O progresso econômico e a inte-gração social constituem há muito o principal problema políticoe sempre o menos cuidado. Se o crescimento econômico e aintegração social do operariado urbano foram em parte promo-vidos a partir ,^e 1930 e especialmente depois da SegundaGuerra Mundiai, a verdade é que ambos sofreram a encarni-çada resistência dos setores mais retardatários e conservadores.Mas nem por isso a obra estava feita, pois faltava integrar maisda metade da população nacional, esquecida no campo e nos

baixos níveis das favelas urbanas. Os Partidos, que deviamser instrumentos deste objetivo, omitiram se. Costumavam pra-ticar, seguindo as lições do Império, a conciliação, não comométodo, mas como objetivo.

A conciliação, em vez de ser um acordo, um compro-

misso de concessões mútuas, visando a fins programáticos eco-nômicos sociais, tornou se um objetivo, um fim em si mesma,

para benefícios pessoais e partidários. Por isso a conciliaçãoformal, aparando apenas divergências pessoais partidárias, foisempre, no Brasil, a expressão mais finória do subdesenvolvi-mento político. Era, enfim, uma política avariada e de Par-tidos avariados, tão avariada quanto a estrutura econômica esocial de que era expressão.

Os Partidos foram sempre muito próximos uns dos outros,e só recentemente apareceram posições novas. Os conserva-dores têm uma continuidade secular que une o Partido Con-servador imperial ao P.S.D. republicano. Ao seu lado conviveusempre o pensamento radical, normalmente tolerado e sufocado pelas forças oligárquicas quando se excedeu. Já a U.D.N. nãofoi inicialmente um Partido Conservador, pois nasceu nos cen-tros urbanos e teve como base a classe média, é indignada,

palavrosa, intolerante, não busca o entendimento, mas o agravoe a acusação.

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Os conservadores legítimos e tradicionais são uma forçacom herança histórica e representam o Brasil rural e latifun-diário. O P.T.B., apesar de suas doenças infantis, o oportu-nismo, a demagogia, o populismo, tem também raízes históricas;liga se em certos setores, à tradição radical e, em outros, à li- beral progressista. Daí seus grupos mais ou menos à esquerdano pensamento político brasileiro. As ligações do P.S.D. e doP.T.B. são fruto destas origens e legitimidades. O P.S.D. pre-cisa do P.T.B. porque este é o outro lado do entendimento, olado de lã, que representa a cidade e o trabalhador. Um é oBrasil velho e arcaico e o novo anda à procura de expressão,que o P.T.B. pretende, sem êxito, representar. Já a U.D.N.,como não tem com quem entender se, torna se, dia a dia, maisreacionária, retardatária, indignada, intolerante e palavrosa. Éuni Partido com correntes antipovo e por isso antinacionais, talcomo o comunista é extranacional.

A expressão nova foi o Populismo, uma espécie de primitivismo político que infestou os Estados Unidos no fim doséculo passado e reviveu em toda a América Latina após aSegunda Guerra Mundial. O populismo trabalhista transfor-mou se num instrumento de agitação irresponsável, de meiodesordenado de degradação da política e dos políticos. Pela própria agitação que alimentou tornou se vulnerável e inconse-quente. A República parecia existir para ser agitada com alama das retaliações, das hostilidades e das desordens. O po- pulismo não chegou a ser um partido, foi a ala negra de vários partidos e foi também um obstáculo ao crescimento ordenadoe eficiente. Ao seu lado viveu um oportunismo carreirista e,se um e outro defendiam as reformas, criavam tal espírito dehostilidade que era difícil trazer para o seu lado setores flu-tuantes e indecisos, especialmente certos setores das classesmédias que teriam interesse em aliar se às correntes populares.

A campanha de luta e agitação que estes setores promo-

veram desgastou o progressismo que vinha se formando e criou barreiras intransponíveis. A filosofia da mudança, da reformaque poderia ganhar setores amplos da opinião pública, na cren-ça de que era preciso tentar e experimentar novas idéias, sofreu

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o desgaste da desordem e da agitação. A unidade que o de-senvolvimento gerara foi rompida. A opinião política dividiuse. Ao lado do radicalismo rural surgiu o radicalismo da

direita que nutre aip alas do liberalismo udenista; ao lado deuma concepção da inevitabilidade do processo histórico, a con-fiança cega de que a história está ao lado da esquerda, surgea idéia de que a história é uma conspiração consciente, aliadaao direitismo e ao totalitarismo. Os primeiros revelam ima-turidade, contingência histórica da esquerda. Os segundos,aliados dos setores mais intolerantes e indignados do udenismo,acreditam numa espécie de teoria do cow-boy: o povo está

dividido em bons e maus sujeitos e a tarefa de melhorar o paísconsiste simplesmente em expulsar os maus e entregar o governoaos bons.84 Com esta concepção, rejeitam a contingência, acomplexidade e a confusão da vida moderna e não aceitam avelha teoria da retribuição temporal da virtude: é preciso cons- pirar para ajudar a vitória dos bons. Daí o seu ideal ser oexercício de um Poder tutelado para o povo, mas sem o povo,num papel assim de Vice Rei, cujo Rei se assenta, com seu

poder integral, em outro local.Mas a vitória dos bons e dos ilustrados tem sido sempre

a derrota do povo. O radicalismo que tanto contribuiu paraa interrupção do processo democrático brasileiro travou a am-

pliação das conquistas sociais, e constituiu uma barreira aoentendimento, na hora mesma em que o espírito de reforma

básica estrutural ganhava a consciência nacional, foi um fruto

da imaturidade, da irresponsabilidade, da incompetência da li-derança que buscava o apoio popular. Esta caiu na cilada preparada pela concepção conspiratória.

A vitória dos bons, dos ilustrados, dos ciceronianos podeimpedir a reforma e impor o remendo, pela sua conformidadeàs normas tradicionais. A reforma era uma etapa, o remendoé um retrocesso. A reforma não era uma bandeira de classe,não era dura, nem branda, não devia excluir nem discriminar,

84 Vide K. E. Boulding, “Os E.U.A. e a Revolução’’, Jo rn a l d o B rasil , 17-3-1963.

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mas romper os círculos, vencer as barreiras, numa ampla frentenacional progressista. O radicalismo vindo de cima, que maisagitava do que propunha construir, que aceitou as táticas im-

postas pela corrente conspiratória, que agia no seu primitivismogrosseiro de maneira infantil com métodos de há meio século,como se quisesse dissolver o Estado para possuí lo, foi, comono poema de Carlos Drummond de Andrade, uma pedra nocaminho da reforma e do progresso nacional. Não uniu,dividiu.

O radicalismo cego esgotou as possibilidades atuais de vi-tória da Reforma e facilitou a vitória da Restauração; um, cria-

dor, poderia ser a vitória do contemporâneo; outro, dominador, poderá ser a mera sobrevivência do arcaico, remendado.O Movimento de Abril ou caminha pelas reformas de

estrutura — o país passou a fase das metas — ou se transfor-ma num abrilada e, neste caso, como o primeiro de abril, seráum logro, um dos maiores que a nossa história conheceu. Atéagora (setembro de 1964) já se passaram mais de 150 dias eo governo mais puniu do que construiu; combate a inflação sem

reforma da estrutura econômica — um mero paliativo;85 aemenda constitucional em que propôs a maioria absoluta e ovoto do analfabeto perdeu a significação social ao manter a ex-clusão destes; as medidas propostas ou encaminhadas têm sidosecundárias; repudiou a política externa própria e independente,engajando se em compromissos que limitam a soberania nacio-nal e atam nos a uma ordem internacional com precedênciasobre a nacional; esqueceu se que ao lado dos princípios gerais

de preservação do regime representativo e das garantias indi-viduais que cumpre assegurar há os interesses singulares doBrasil, que podem distanciar se ou diferenciar se dos interesses

85 Embora não seja economista, sei que o debate sobre a inflação na América Latina e em particular no Brasil tem se centralizado em torno dos argumentos estruturalista e monetarista, com grande repercussão no estrangeiro. Vide Dudley Seers, “The Great Debate in Inflation Growth. Some Lessons to be drawn from Latin-American exDerience”. O x f o r d E c o n o m i c P a p e r s , August 1961; Dudley Seers, “A Theory of Inflation and Growth in under-developed economies based on the experience of Latin America”, O x f o r d E c o n o m i c P a p e r s , June 1962.

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pode ser a concessão que certos grupos, ou certos Estados maisdesenvolvidos imponham aos mais pobres e menos desenvolvi-dos, os do centro aos da periferia. E possível o caminho pací-fico e conciliador substancial que o radicalismo de esquerda, provocando a direita, atemorizando o centro, tornou mais lon-go. Toda verdade tem seu momento histórico, por isso a Re-forma virá, mais tarde ou mais cedo, logo que se recuperem osmeios de ação política e esta se submeta à vontade popular.

A redemocratização, o fortalecimento do poder civil, orestabelecimento das garantias e liberdades individuais é agorao primeiro passo. Mas o tema central continua sendo a Refor-

ma e esta não foi derrotada. Se fizerem remendos, a Reformacontinuará viva e logo que a Nação recupere seus direitos e o povo sua voz, ela voltará para liquidar os desertos de pobrezaque cercam os oásis de riqueza e para estabelecer não umademocracia da cupidez, mas da fraternidade brasileira. Se os próprios vencedores de abril fizerem a Reforma, tanto melhor.A mudança da estrutura econômica exigirá uma política refor-madora, eleitoral e partidária, e que melhor represente ideolo-

gicamente as divergências e os vários setores da opinião pública brasileira e não somente das elites.A bandeira da Reforma não é uma bandeira de classe, mas

uma bandeira nacional e por isso não cabe à classe médiacomandar o processo, como muitos intérpretes do movimentode abril de 1964 parecem desejar; como não compete tambémisoladamente a nenhuma outra classe, mas a uma ampla frentenacional progressista. Também não pertence aos Estados de-

senvolvidos ou metropolitanos impor aos demais, as “coló-nias”, as medidas que julgam necessárias. A Reforma não éum dogma, nem um preconceito; é uma necessidade econô-mica e um imperativo moral.

A política de desenvolvimento, que é uma aspiração na-cional, implica um conjunto de ajustamentos estruturais e deveser feita em proveito do povo. Por isso deve ser uma políticade frente ampla, que conte com o entusiasmo popular ea associação dc todos. Ela não pertence a nenhum grupo socialisolado nem às suas deformações, como os “pelegos”, “tubarões”e “gorilas”.

2 5 3

J

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INDICE REMISSIVO

A

Abaeté. Visconde de. vide Limpo de AbreuA b d i c a ç ã o d e D . P e d r o 1 — 4B .Abolição: da escravatura, 74-78, 113; do trá

fico de escravos, 112.Abreu, Capistrano dc — 30, 31,34. 37, 66,

115.Ação Integralista — 104.

Açtio, Rea çã o; Transação — 147,Acioli, oligarquia dos — 84.

Acre, deportações para o — KlAdministração pública e interesses privados — 83.

Agitações populares cm lodo o Brasil (183233J — 51.

Agitações quase permanentes no sertão — 84.

Agostinho, Santo — 45.Agricultura: dominada pelos latifúndios —

54.Ajuda internacional: América Latina recebeu

menos que a Iugoslávia, 208.Albuquerque. Jerônimo de — 30.Alencar, José de — 10.Aliança Liberal — 95 107. 119.Aliança Nacional Conservadora — 104.Almeida, Cândido Mendes de — 144, 145,

170.Almeida, José Américo de — 107, 120.Almeida, Miguel Calrnondu Pin e. Marquês

dc Abrantes — 117.Almond, Gabriel e James S . Coleman —

199.Amaral, Inácio M. Azevedo — 84, 119.Amazonas: partilha entre companhias estran-

geiras do — 103. Ana is da C âm ara dos Deputa dos, Sessão de

1880— 187.

A n a l fa b e t is m o — 2 1 9 2 2 0 ,

A n a lf a b e to s : c a m p a n h a a f a v o r d o v o t o d o s — 173 ; C o n s ti tu iç ã o d e 1 824 a d m itia ov o t o d o s — 1 73 ; p r o ib i ç ã o d o v o t o d o s —1 73 ; v o t o d o s — 1 6. 6 1 , 6 7 , 1 3 2 , 1 4 3171.

A n a rq u is m o — 9 1.A n c h i e ta , p a d r e J o s é d e — 3 1 , 3 2 , 1 95 .A n d r a d a M a c h a d o e S i lv a , A n t ô m o C a r lo s

R i b e i ro d c — 9 8.A n d r a d a c S i lv a , J o s é B o n i f á c io d c (o

P a t r i a rc a ) — 4 0 , 4 1 , 4 2 , 5 ! , 6 6 , 1 0 8,1 0 9 , 1 3 4 . 1 4 5 , 1 5 9 . 1 6 4 , 1 7 7 , 1 8 1 . 2 1 8 ;s u a s i n s t ru ç õ e s p a r a a o r g a n i z a ç ã o d a A s -s e m b l é ia C o n s l i lu i n t e — 1 7 9, 1 87 .

A n d r ad a R ib e ir o d e , M a n im F r an c is c o —81. 116 , 134 .

A n g é l ic a , J o a n a — 4 2 .A n i s tia a o s e n v o l v i d o s n o s “ c r im e s p o l í-

t ic o s " e m 1 84 2 — 5 6 , 6 4 ; n o M a r an h ã o( 1 8 4 1 ) — 6 4; no R G S ( 18 45 1 — 5 6 , 6 4 .

A n s e io s d e m o c r á ti co s — 4 4 .

A n t i p o l í ti c a n o B r a s il : s e u s s i n a i s f o r a m aa p a t i a o u o p r o t e s to — 1 98 .

A n t o n i I. A n d r é J o ã o ( J o ã o A n t ô n i o A n d r e on i) — 3 8 .

A m id a d a C â m a r a. M a n u el, p a d re — 2 3 7. Arte de Fur tar — ■. 185.A s p i r a ç õ e s l ib e r a is : g r u p o s d o E x é r c i to l u -

t an d o p e l a s — 8 8 . A sp ir açõ es N acio nais — 7 , 1 6 , 2 2 , 1 4 3 ,

195 , 226 .A s p i ra ç õ e s p o p u l a re s — 4 9 .A s p i ra ç õ e s r e p u b l i c a n a s — 4 4 .A s s e m b l é ia C o n s t i tu i n t e d e 1 8 2 3 — 2 0 , 4 3 ,

145.A s s is , J . M , M a c h a d o d c — 2 2 .

Assumar. Conde de — 35.A s s u m p ç ã o , H e r e u la n o — 8 5 . 119.

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A t o A t ii c i r^ i ! — 5 3 .Ato Institucional de 9/04/1964— 184, Aurélio, dicionário do. Vide Buarque de Ho

landa, Aurélio.

BB a d a r ó , L i b e r o — 4 3Balaiada (Maranhão), 1838 45 — 52.Barata, Cipriano losé — 45, 116.Barbalho, Jerõnimo — 35.Barbosa, Rui — 79. 81, 82, 86. 90, 118,

119, 134, 178, 181; campanha presiden-cial de 1919 — 91; contra o voto do anal-fabeto— 153 161, 164; redação defini-tiva do Projeto Saraiva de 1880 — 176.

Barbosa Lima Sobrinho, A. — 120.Barbuda, José Egídio Cordilho Veloso, Vis-conde de Camamú — 44.

Barreto, Luiz Pereira— 147, 148, 169, 187,195; tese da reforma dos direitos políti-cos por lei ordinária— 176.

Basbaum, Leôncio — 98, 120.Batista Pereira, deputado— 151.Bequimâo, Manoel — 35, 135.Bemardes, Artur — 89, 90, 99.Bezerra, Jerõnimo Barbalho: Revolta de

1661 no RJ — 135.Bilingüismo em SP e no Amazonas — 38.Bloch, O. e Wartburg, W. von —9,B o c a iu v a , Q u i n t i n o — 1 62 .Bolívar, Simon — 42.Brasil: concent ração de renda no— 220 221;

crise da década de 60 — 224; e o inundosubdesenvolvido — 119 218; índice docrescimento populacional do — 219; ob-

jetivos do — 203; unidade continental delíngua c cultura — 83,209; processo his-tórico do — 33.

Brasil e África: Outro Horizon te — 143.Brasiliense, Américo— 120.Brás, Venceslau — 86, 87.Buarque de Holanda, Aurélio — 9.

C

Cabanada cm Pe. (1832) — 51-52, 55. Cabanos no Pará (1835) — 52.Cabral, Osvaldo — 86, 119.Cabral, Pedro Álvares — 29.Café 82; ajuda aos produtores e exportadores

em 1917 — 86; destruição dos estoques

( 1 9 3 1 ) — 1 03 ; e x p e r i ê n c i a d e v a l o ri z a -ç ã o , 8 7 ; p o l ít ic a d e d e f e s a d o — 8 9 9 0 ,9 5 ; tr o c a p o r t ri g o a m e r ic a n o — 1 03 .

C a l a d o , J o ã o C r i só s t o m o — 4 4.C a l l a d o , A n t o n i o — 1 6 9 , 1 7 1 , 2 4 5 , 2 4 6 .C a l m o n , du P i n e A l m e i d a , M i g u el . M a r q u ê s

d e A b r a n t e s — 5 3 , 6 4 .C â m a ra d o s D e p u t ad o s , c o m p o s i ç ão d a —

67.C â m a r a, E u s é b ío d e Q u e i r ó s C o u t in h o M a -

t o s o . Vi d e Q u e i r ó s , E u s é b ío d e .C a m i n h a, P e r o Va z d e — 2 9 , 3 0.C a m p o s , B e rn a rd i n o d e — 8 2 .C a m p o s , p a d re J o a q u i m P i n to d e — 117 .C a m p o s , R o b er to — 2 1 5.Cam pos Sa les , M anue l Fe r raz de — 133.C aneca , f re i Joaq u im do A m or Div ino ■— 29 ,

45 , 47 , 113 , 116 , 135 ,C a n g a ç o e c a n g a c e i ro s — 9 2 , 9.3, 9 4 , 111.C a n u d o s ( 1 8 9 3 1 8 9 7 ) — 5 5 . 7 9 80 . 8 4 , 8 8 ,

93 .C a r a m u r u ( D i o g o Á l v a r e s ) — 3 1 , 3 3 , 3 8 .

4 1 , 6 6 . 1 0 8 .C a r a v e l a s , M a r q u ê s d e , J o s é J o a q u im C a r-

n e i ro de C a m p o s — 1 4 .Carteio, padre Edgar — 246,C a r n e i r o L e ã o , H o n ó r i o H e r m e l o , M a r q u ê s

d o P a ra n á — 1 0, 5 0 , 5 5 , 5 7 , 5 8 , 6 3 , 6 4 ,6 5 , 6 6 , 6 7 , 6 9 , 7 3 , 1 16 , 117.

Carvalho, Alfredo de — 44, 116,C a r v a l h o , R a f ae l d e — 7 0 , 117.C a r v a lh o , J o ã o A n t o n io R o d r ig u e s d e —

119.C a s te l o B r a n c o , H u m b e r to d e A l en c a r —

168.C a s t ro e S i l v a , M . d o N a s c i m e n t o , m i n i s tr o

d a F a z en d a — 7 0 .C a t e q u e s e j e su í ti ca — 3 0 .C a x i a s , D u q u e d e , L u í s A l ve s d e L i m a e

S i lva — 11 , 14 , 63 , 64 65 , 66 .

C e a r á , l u ta s s e rt a n e ja s n o ( 1 9 1 3 ) — 8 1 .C h a v e s . J o sé G o n ç a lv e s — 2 1 8 .Ch iba tadas : suspensa s no Exérc i to em 1828

— 83; re v o lta do s m a rin h e iro s em 1910c o n t ra a s — 8 3 ,

C í c e ro R o m ã o B a t is ta , P a d r e — 9 3 , 9 4 .C í r c u l o d e f e r r o d o P o d e r : 6 3 , 8 8 , 9 5 , 9 6 ,

1 3 2 , 1 9 2 , 1 9 3 ; e x i s t e ta m b é m n o S u -d o e s t e a s iá t ic o — 2 0 0 .

Cla rendon G. W . F. V i ll ie r, Lord — 7 5 .C l a s s es : g r u p o s i n d u s t ri a is d o m i n a n te s — '

228 ; in t e l ec tua i s — 231 32 : m assas ru -r a i s — 2 2 8 ; m é d i a s h e te r o g é n e a s — 2 2 9 ,230 ; méd ias supe r io res — 228 ; mercan t i s

2 5 6

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gostam de disfarçar-se de produtoras — 228: operárias — 232: oprimidas — 44; população rural, fuga para as cidades — 235; tradicionais latifundiárias — 228; urbanas — 62, 131.

Clientela, política de — 57-66.69, 133,193. Cochrane, Lord Thomas, 10." Conde de

Bundonakl e Marquês do Maranhão, almirante —■42.

Código de Minas — 105; de Processo Criminal— 62; Filipino— 170,187.

Collingwood, R . G. — 17.Colonização estrangeira — 69.Coluna Prestes — 89, 94.Comissão militar para abafar a Revolução de

1817 — 47.Comissão Nacional de Política Agrária

(1951) — 237.Comissões mistas de conciliação c julga

mento— 100.Comoções no Amaz., M. Gr.. Pc. c Bahia

(1832) — 50-51., Companhias estrangeiras, concessões feitas

a — 85-86.Concepção conspiralória da História — 17-

18.Conciliação: Liga — 69-70: a palavra — 9;

capacidade de Getúlio Vargas de 96: de

1853 — 67; e reforma— 16; em 1855 — 194; formal e subdesenvolvimento político — 248: objetivo fundamental — 97; para a defesa dos interesses minoritários

— 110; política de — 7, 57-66, 67-74. Conciliador Nacional ( 1823) — 46. Confederação do Equador — 43, 45, 46-57. Confederação Rural (1962) — 240. Conflitos raciais ou religiosos; os Muckcrs

em 1874 — 210.Congresso Nacional: poder mais retardatário

— 133; foi sempre a mais formidável barreira legal âs reformas — 238.Congresso Nacional de Lavradores e Traba

lhadores Agrícolas (I) — 243. Conjuração Mineira (1789) — 35. Conselheiro, Antônio (Vicente Mendes

Maciel) — 84.Conspirações— 18.Constant, Benjamin — 81, 161. Constituições: dc 1824 — 14, 43 , 49. 144,

146, 147, 161, 164, 166, 177; admitia o

voto do analfabeto — 163; de 1891 — 242, 248; de 1934 — 100, 106; dc 1937 — 106.

Constituições republicanas: discriminação

contra o voto popular, 167; exclusão de votantes, 177-178.

Constituinte de 1823, dissolução da — 45,5 3 .

Contatos luso-indígenas no I "século — 30. Contestado, lutas do (1912-19 15) — 55,81,

85, 88, 93; — cartas dos crentes, 85.'‘Coronel ismo" — 88, 92.C o T T é a, A l t a i r A , M . — 2 1 9 .

Corrêa, Roberto Lobato — 236.Correio Mercantil ( 1853-) — 59. Corrupção, acusações generalizadas de —

185-186.Cotcgipe, Barão de. João Maurício Wander-

Icy — 10, 59.C o u t o . F r a n c is c o P e d ro d o — 2 2 3 .

Crespo, padre 246.Criminalidade no sertão — 34.Crises sucessórias— 19-20.Cristo, Jesus — 19,32, 112-113.Culturas na sociedade brasileira — 33. Cunha. Euclides da — 79-80. 118.Cunha Matos, Raimundo José brigadeiro —

83,119,213.

D

Dantas, Josemar — 214.Dantas, Rodolfo — 175.Declaração de Princípios dos Bispos do Nor

deste ( 1962) defendendo uma reforma agrária — 240.

Deiró, Francisco Dias — 35.Democracia — 46.Desapropriações rurais — 238-239.Desenvolvimento, idéia do — 218.Desnacionalização das terras brasileiras —

86 .

Desordens públicas: do Qucbra-Quilos cm Pe. e Paraíba (1874-5) — 66; fanatismo dos Muckers — 66; lutas por questões dc lerras no RGN em 1877 — 66.

Diegues Jr., M. — 219, 237.Direitos políticos: em que consistem — 18.3;

evolução no Brasil. 173-74; perda dos. 183-184; suspensão dos, 184.

Discriminação dos brasileiros nos núcleos coloniais — 86.

Dívida externa — 211-214,

Divórcio entre o Poder e a Sociedade — 132-

133.Dores, frei Manoel Moreira da Paixão e —

115.

257

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Drogas c Autos do Oriente modificaram apaisaj’’ a brasileira — 39.

E

Economia brasileira, predomínio inglês na — 79.

Economia monetarista — 15.Educação primária, somente em t934 voltou

a ser protegida peia Lei Magna— 163.EixoS. P. — M. Ge. exerceu na República a

soberania política nacional — 79.Eleição por círculos — 61,62.Eleições no Brasil — 128.Eleitores e elegíveis, evolução dos direitos

políticos no Brasil—-7, 22,"72, 173-174.Elite: no Brasil, 123; — conflitos pessoais

entre os membros da, 209; toda sociedade tem sua, 121-122,

Empréstimos estrangeiros— 194.Ehsino e expansão econômica — 168.Erval, Marquês de. Vide Osório, Manuel

Luís.Escola Superior de Guerra — 15.Escravidão, abolição da— 13.Escravos negros — 31-32, 33, 61,67.Estabilidade institucional no Brasil — 19-

20, 132.Estados de sítio — 90, 96,Estatuto do Trabalhador Rural — 242, 245,Estrutura agrária; na República, 92; no Im

pério, 92, 218.Exército: licenciamento do, 53; papel de Po

der Moderador do, I37;rcduzidoa l(3do seu efétivo, 137; substituído pcla Guarda Nacional do RJ — 137; teve atuação política na Abdicação e começos da Regência, 137.

Expansão territorial é obra mameluca, do povo — 129.

Exportações brasileiras — 82.

F

Facd, Rui — 85,94, 119.Fanatismo religioso — 92.Farrapos (1835-1845) — 52, 55.Farroupilha — 102, M l.Federalismo— 193-194.

Feijó, Diogo Antônio — 50-51,53 ,79, 116.Ferrari, Fernando — 242.

Ferraz, Ângelo Muniz da Silva. Barão deUruguaiana— 10,69,74-75, 117. 118,193.

Fico, o (9-01-1822) — 41,Figueiredo, Afo nso Celso de Assis, V is

conde de Ouro Preto — 78, ! 18,Figueiredo. Antônio Pedro de — 53 ,61, 67,68, 116, 218, 222, 229.Fonfrede, Henri — 69.Fonseca, Manuel Deodoro da — 78.Fonseca, Hermes da — 78, 81,86.Fonseca, padre Luís da — 39.Fontoura, João Neves da — 98, 120.Forca, pena de motte na — 56.Forças Armadas: força unitária e integrativa

das — 203; intromissão política (1845)das, 107; papel destacado das, 136; poder efetivo depois de 1964, 136; PoderModerador na República até 1964, 14-15.

Frank, Andrew Gunder — 216.Freyie, Gilberto-— 124, 140, 219.Furtado, Celso — 15, 90.Fuzilamentos e degolas no Paraná e SC —

79,

G

Gabinete: da conciliação, 65; de Cotegipe,77; de Lafayette Rodrigues Pereira, 76-77; de maio de 1847,58; do Visconde deOuro Preto, 78; do Visconde de Paranaguá, 76; do Visconde do Rio Branco, 76;

-— Saraiva, 76.Gama, M . do Sacramento, Lopes — 46,

116.Gama, Vasco da — 29.Garrafadas, Noite das (1831) — 44.Governo, missão do, 2.° Nabuco de Araújo

— 54,Guarda-nacional — 53, 137.Guerra da Independência — 41-48.“ Generalismo” , o — 15.Governo e povo, dissociação entre — 82.Guerra: Cisplatina — 43; do Paraguai — 35,

66, 75; dos emboabas (1708-1709), 35;dos mascates (1710-1711) — 35.

Guerras contra os índios: em Goiás, M . Ge, eM. Gr., 34; do geotio Paiaguá (1732-1736), 34; dos Bárbaros (1688-1691),34.

Guerras contra os quilombos negros — 34,Golpe de estado domina depois de 1945 —

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136; só sc faz com o apoio das Forças Armadas, 114.

Gaúchos — 97, 102.Governo Provisório (1930-34) — 100-104.

Goodman, Waltcr— 187.

Gordun, Wendell — 215, 216.Greves de trabalhadores — 90, 91,233.

Grupos de pressão — 233.Guimarãcs, Alberto Passos — 219, 237.

Gum, William B. — 187.

H

Hub eas-co rpus , lei inglesa de 1679 — 184.Hahn. L. Albert — 216.Hamilton, Alexandre — 185.História cruenta de 1831 a 1848; 48, 53, 57;

a!lerna-se com a história incruenta, 57, 66 .

História do Brasil: conciliação na. 124;

cruenta. 16, 122; duas correntes de opinião na, 122-123; seu conhecimento fortalece a unidade nacional. 210; momentos criadores da — 128; oligarquias na,

125.Holanda, Sérgio Buarque de — 219.Holanda Cavalcanti. A. F. de. Visconde de

Albuquerque, 12.Homem cordial: é falsa a tese de que o bra

sileiro é um — 16.Horas de trabalho, limitação das — 91, 97.

I

[biapina, J. Matos — 93.Imperialismo estrangeiro, hostilidade ao —

204.Império: conseguiu a unidade política c a integridade territorial, 100; desconheceu

vinditas durante meio século. 79: dissidências apenas formais durante o. 192:

política de clientela. 69, 133; vitórias finais do. 66.

Imposto territorial — 68.Inconcitiação: entre o Poder e a Sociedade,

89. 90-91; política de, 81.In conformismo generalizado — 53.Independência: 121. 167. 174; comando na

cional desde a. 125-126; dívidas estrangeiras nasceram com a, 184: unidade foi

um ato criador da — 128.Indígenas: 29-30: guerras contra os. 32; .iní

cio do desmoronamento da cultura dos,

31.Indignação moral c as classes médias— 131.índios, massacres de — 110.Indisciplina: dos Periquitos na Bahia (1824),

43; militar, 44,53,Índole pacífica do homem brasileiro é um mito— 16.

Inércia, política da — 12.Inflação — 234, 236, 251.Instabilidade governamental — 19.Instituições arcaicas — 218-223.

. Instruções de José Bonifácio (1822) para a

organização da Assembléia Constituinte

dc 1823 — 177, 178.Instruções eleitorais — 170.

Insurreições: de negros e escravos — III;

dos pretos haussás na Bahia, 35.Integração do operariado e dos sertanejos,

problema da ■— 90.Integração nacional — 44.Interesse nacional — 45, 128.interesses econômicos latifundiários e ca

feeiros — 88.Intervenções federais — 81,86, 88, 94, 95.Invasões de terras — 246.Isidoro, preto — 35.

J

Jeca Tatu — 20-21.Jefferson, Thomas— 184.João V, d. — 174.João VI, d. — 40. 199.Johnson, Lyndon B. — 168.José Bonifácio, Vide Andrada e Silva, José

Bonifácio de.

Juazeiro, movimento armado do 0813) — 84. 93.Judiciário esteve sempre a favor das forças

dominantes— 133.Julião, Francisco — 243, 244, 245.Jurema, Adcrbal — 236.Justiça Eleitoral — 110.

K

Kennedy. John F. — 168.Kubitschck de Oliveira. Juscclino — 224,

225,Kusnetz, Simon e outros — 209.

259

A

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Monteiro, Tobias — 115.Montenegro, Abelardo F. — 119.Moraes, Walfrido — 119.Moraes Silva, Antonio — 9.Moreira, Roberto J. — 166, 171,232.Mororó, Gonçalo Ignácio de Loyola Alb u

querque e Melo, padre — 135.Motins — 40, 41,43, 44, 53.Movimento: de abril de 1964, 251-252; de

1835 no RJ — 50; de 1930, o único queteve impulso revolucionário criador,136; de 1935 — 104-105; — popular-militar no R G S (1823) — 43.

Movimentos radicais — 43.Mudança, forças de resistência à — 18-19.

N

Nabuco. Joaquim— 10, 128, 148, 157,158,160, 162,218.

Nabuco de Araújo, José Tomás, Visconde doRio Branco— 10,25,54,58-59,63,67,68, 84, 92-93, 119, 127, 176, 191,218,227.

Nacionalismo — afro-asiático, 202; — econômico, 105-106; — ideologia do, 201 -202; — na América Latina, 202; — seusobjetivos, 202.

Nações Unidas — 204-205.Nascimento, Manuel do, 70.Nóbrega. padre Manuel da — 31.Nogueira, Paulino — 56.Napoleão Bonaparte — 161.

O

O ’Leary, Cornelius— 187Oligarquias: 94, 95; — domínio das, 190; —

erosão das, 127; — opòcm-se aos projetos de reformas, 68-69; possuem o poder,50, 54; privilégios das, 50; — sobrevivência das, 95.

Olinda, Marquês de. Pedro de Araújo Lima— 11,53, 55, 70, 78, 118, 198.

Oliveira, Cândido de— 153.Ordem, defesa da — 59.Ordem pública — 63, 87.Ordenações e Leis do Reino de Portugal —

170.Osório. Manuel Luís. Marquês de Erva! —

14.

Otoni, Teófilo — 52 ,72 , 118.

Ouro Preto, Visconde de. Afonso Celso deAssis Figueiredo — 78, 118, 165.

P

Paim, Gilberto — 215.Palmares, quilombo dos — 55.Paraná, Marquês de. Vide Carneiro Leão,

Honório Hermeto.Paranhos, J. M. da Silva. Vide Rio Branco,

Visconde de.Parlamentarismo no Brasil — 20.Parlamento, indolência do — 67.Partido: — Comunista, 232, 246; Conserva

dor, II, 12-13, 14,54,55,59, 176; — liberal, 11, 12-13, 14, 54, 55, 59, 176;

— progressista, 71,

Partidos e lideranças, sempre alheios à sociedade em conjunto — 248.Patriotas arcabuzados em Pe., Ce., RJ —47.Paula, Vicente (cangaceiro) — 52, 55.Paula e Souza, Antônio Francisco de — 49,

51, 112, 116.Pedro 1, d. — 42-48, 53, 59, 184.Pedro II, d. — 63,64,73, 180, 194; — Diá -

rio do Imperador, 197.Peixoto, Dermeval — 85.Peixoto, Floriano — 78, 79, 99, 107, 131,

229.

Pena, Afonso — 82.Peralva, Osvaldo—-245, 246,Pereira, Bresser— 237.Pereira, Jerônimo Sodré — 164.Pereira, Lafayette Rodrigues — 76-77, 118.Pereira, PedroTomás— 115.Pessoa, Epitácio — 87, 88, 90, 119.Pessoa, João — 94.Petróleo, Conselho Nacional do— 105-106.Piauí — 38.Pimenta Bueno, José Antônio, Marquês de

São Vicente — 70,75-76, 112, 173-174.Pinheiro Machado, José Gomes — 48-57,

86-87, 96-97.Plano Marshall — 208, 216, 217.Poder: — dissociado da sociedade, 45; — foi

sempre um círculo de ferro, 13. 14.Poder e Sociedade: — dissídio político bra

sileiro entre — 247-253; divisão entre ambos, 82, 96, 223; no Império, 192.

Poder Executivo, o mais progressista —- 133.Poder Moderador — 14, 194.Política antínacional vem de 1827 — 133.

Política conservadora — 21.

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P o l í ti c a d e c o n c i li a ç ã o — I I , 17 , 2 9 2 0 .^ P o l í t i c a d e d e s en v o lv i m e n to — 2 2 3 2 4 7 ; —

d e v e s e r u m a p o l ít ic a d e fr e n t e ú n i c a —253 .

P o l í t ic a e x t e r n a , f a t o r d e u n i f i c a ç ã o n a c i o n a l — 2 0 4 .

P o l í t ic a n a c i o n a l : 7 , 2 4 2 5 ; d e c l i e n t e l a , 5 76 6 , 6 3 , 1 3 3 , 1 9 3; d o m i n a d a p e l a v a g a r cz a . 1 9 7; n o I m p é r i o , 1 9 2; s u b d e s e n v o l -v ida , 191 , 199 .

P o p u l a ç ã o d o B r a s i l: — à s v é s p e ra s d a I n d e - p e n d ê n c ia , 3 9 ; e m f 8 S 0 , 15 2; e m 1500 — 2 9 , 3 1 ; — r u r a l , 2 4 3 .

P o m p é i a, R a u l — 7 9 .P o p u l ís m o — 2 49 .P o r te la , E d u a r d o — 7 .

P o r t u g a l , a b e r t u r a d a F r o n t e ir a M u n d i a l —30 .

P o r tu g u e s e s: — a v e r s ã o a o s , 4 3 ; “ c o r c u n -d a s ” , 4 3.

P o v o b r a s i le i ro : 1 3, 1 4 , 8 2 ; — l e n to e m r e -v o l ta r s e e f á c i l d e g o v e r n a r , 1 3 2; n ã or o u b a , é r o u b a d o , 1 28 : p o u c o s e n s í v e l à sd o u t r in a s , 13 5 ; — t em s e re v e l a d o c a p a zd e f e i t o s s i n g u l a r e s , 1 3 2; v i t ó r i a s d o ,1 ) 0 111 , 1 3 0 .

P o v o a d o r e s d o B r a s i l, t r ê s t ip o s d e — 3 0 3 2 .P r a i ei ra (P e r n a m b u c o ) — 111, 2 2 9 .

P r e b is c h , R a u l — 2 0 6 2 0 8 , 2 1 1 , 2 1 2 , 2 2 5 .P r e c o n c ei to r a c ia l — 4 4 .P r iv il ég i o s d a c l a s s e d o m i n a n te — 4 5 .P r e s t e s, L u í s C a r l o s — 8 9 .P r o c e ss o c r u e n t o e i n c r u e n to — 1 0 8 1 1 0 ,P r o c e s s o h i s t ó r ic o b r a s i le i ro : 2 3 , 2 4 , 3 8 3 9 ,

4 2 , 4 4 , 5 8 , 7 3 , 1 3 9 ; — e t ú 1 9 22 s e in i c ian o v a f a s e s a n g r e n t a n o , 8 8 ; — l e n ti d ã od o , 7 7 ; — s a n g u e d e s a p a re c e d o , 8 8 ; t e mt i d o s e m p r e r e t a r d a d o , ! 1 4; v i tó r i a s d o ,130.

P r o f is s õ e s l ib e r a i s , e x e r c í c io d a s — 1 0 5 .P r o g r e s s o , a sp i r a ç ã o d c — 6 7 7 4 , 1 06 .P r o j e to S a r a i v a d e 1 8 8 0 , p e r m i ti a o v o t o d o

e s t r a n g e i r o n a t u r a l iz a d o n a s e l e iç õ e s p r i -m á r ia s — 1 7 4 1 7 5 .

P r o l et ar ia d o — 9 9 1 0 0 .

Q

Quadros, Jânio — 204, 212.Queirós, Euscbio de — 55, 56, 117, 166,

(76.Queiroz, Maria Isaura Pereira de — 119.Questão Social — 90, 99,

R

Rabelo, Francisco Corrêa Ferreira— 154.Radicalismo brasileiro— 44,45, 138, 250,

.251.Ramalbo, João — 30-31,32..Reação conservadora, início em 1831 da —

54.Rebeldia na comarca de Rio Formoso, Pe.

(1847) — 53.Rebelião: 110, 114; — de São Paulo (1932)

foi uma contra-revolução, 104; — dos alfaiates na Bahia (1798), 135; — Farroupilha, 111; liberal de M. Ge. e SP, 111; nome usado para denominar movimentos dos grupos mais qualificados, 111; praieira de Pe., 11.

Rebouças, André — 218.Reeuropeização do Brasil — 40-41, 199-

200 .

Refurma: 250-251; — agrária, 218, 236, 240-241, 247; social e económica, 252-253.

Reforma eleitoral: de 1881 permitiu o voto dos acatólicos, 178; de 1932 assegurou a representação proporcional, 100; — sufrágio feminino, 100; — voto secreto, 100 .

Reformas; aspirações de, 49; — agrárias, 69, 77, 134; — agrárias nos EUA, 68; — ausência dc reformas básicas, 138; — da estrutura económica do país e das relações sociais, 70 ; — da moeda, 90; — do sistema tributário, 82; — ca política dc clientela, 57-66; —-cs Regência, 48-57;

— financeira, 89; — influências retardatárias no Império evitaram as, 108; —já em 1831 consideradas indispensáveis, 108; — judiciárias, 69-70; —-jurídicas, 61,67; — pol ítícas, econôm icas e soei ai s depois de 1930, 104; — promovidas pela Revolução de 1930, 103.

Regência — 48-57.Reivindicações operárias — 97.Renda per capim, crescimento da — 224.República: — erigiu em princípio constitu

cional a exclusão do voto dos analfabetos, 162, 165; — favoreceu o envolvimento das forças militares na política, 95; — história incruenta, 83; ideal da, 82; — implantação da, 78, 81; — incon- formismos populares, 83; — insubordinações e indisciplinas, nos começos da, 81; — revoltas continuaram, 83; — Re-

2 6 2

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Obras do autor

LIVROS

Civilização Holandesa no Brasil. l.° Prêmio de Erudição daAcademia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro, Compa-

nhia Editora Nacional, 1940. (Em colaboração comJoaquim Ribeiro).

Teoria da História do Brasil. l .a ed., São Paulo, Instituto Pro-gresso Editorial, 1949. — 2.a ed., São Paulo, Cia, Edi-tora Nacional, 1957. 2 vols. Brasiliana Grande. — 3.aed., São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1969 — 5.a ed.São Paulo, Cia. Editora Nacional 1978.

Historiografia e Bibliografia do Domínio Holandês no Brasil.

Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1949. 2.aed., no prelo. Instituto Nacional do Livro, 1974,

A s Fontes da História do Brasil na Europa. Rio de Janeiro,Imprensa Nacional, 1950.

Notícia de Vária História. Rio de Janeiro, Livraria SãoJosé, 1951.

A Pesquisa Histórica no Brasil. Sua Evolução e Problemas Atuais. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1962.

2.a ed., São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1969; 3.a ed.ibidem, 1978 4.a ed. São Paulo Cia. Editora Nacional,1978.

Brasil, Período Colonial. México, Instituto Panamericano deGeografia e História, 1953.

O Continente do Rio Grande. Rio de Janeiro, Edições SãoJosé, 1954.

Historiografia dei Brasil, Siglo XVI, México, 1957.

A Situação do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro, Ministérioda Justiça e Negócios Exteriores. 1959.

2 6 5

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Brasil e África. Outro Horizonte. l.a ed., Rio de Janeiro,Editora Civilização Brasileira, 1961. 2.a ed., id. id,,1964, 2 vols.

Aspirações Nacionais. Interpretação Histórico Política. São

Paulo, Editora Fulgor, 1963, 2.a ed., id. id., 1965. 3.aed. id. id., 1965. 4.a ed. Rio de Janeiro, Civilização Bra-sileira, 1969.

Historiografia dei Brasil. Siglo XVII. México, 1963.Conciliação e Reforma no Brasil. Interpretação Histórico

Política. Rio dc Janeiro, Civilização Brasileira, 1965. História e Historiadores do Brasil. São Paulo, Fulgor, 1965. Interesse Nacional e Política Externa. Rio de Janeiro, Civili-

zação Brasileira, 1966.Vida e História. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966. História e Historiografia. Petrópolis, Editora Vozes, 1970.O Parlamento e a Evolução Nacional. Introdução Histórica,

1826 1840. Brasília, Senado Federal, 1972, l.° vol. dasérie O Parlamento e a Evolução Nacional. Seleção deTextos Parlamentares, 3 vols, em 6 tomos, e 1 vol. deÍndice e Personalia. (Organizados com a colaboração deLêda Boechat Rodrigues e Octaciano Nogueira.) A Assembléia Constituinte de 1823. Petrópolis, Edit. Vozes,1974.

Independência: Revolução e Contra Revolução. Rio de Ja-neiro. Livraria Francisco Alves Editora, 1976. 5 vols.

História, Corpo do Tempo, São Paulo, Perspectiva, 1976.O Conselho de Estado. O Quinto Poder? Brasília, Senado Fe-

deral, 1978. História da História do Brasil. l .a Parle. A Historiografia Co-

lonial. Comp. Editora Nacional, São Paulo, 1979. 2.a ed. Filosofia e História. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1981.

LIVROS TRADUZIDOS

Brasil and Africa. Translated by Richard A. Mazzara and SamHileman. Introduction by Alan K. Manchester. Berkeleyand Los Angeles, University of California Press, 1965.

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As Ciências Sociais na América Latina. Centro Latino Ame-ricano de Pesquisas em Ciências Sociais. São Paulo,Difusão Européia do Liv., 1967. Capítulo “As Tendên-cias da Historiografia Brasileira e as Necessidades daPesquisa”.

Perspectives on Brazilian History. Edited with an Introduc-tion and Bibliographical Essay by E. Bradford Bums.

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EDIÇÕES CRITICAS

DIREÇÃO E PREFÁCIO DE PUBLICAÇÕES OFICIAIS

Os Holandeses no Brasil. Prefácio, notas e bibliografia. Riode Janeiro, Instituto do Açúcar e do Álcool, 1942.

Anais da Biblioteca Nacional. Vols. 66 a 74. Rio de Janeiro,Imprensa Nacional, 1948 1963.

Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Vols. 71 a110. Rio ds Janeiro, Imprensa Nacional, 1946 1955.

Catálogo da Coleção Visconde do Rio Branco. Rio de Ja-neiro, Ministério das Relações Exteriores, Instituto RioBranco, 1953.

José Maria da Silva Paranhos. Cartas ao Amigo Ausente. Riode Janeiro, Ministério das Relações Exteriores, InstitutoRio Branco, 1953.

Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro,Instituto Nacional do Livro, 1954 1956. 3 vols.; 2.a ed.Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.

Publicações do Arquivo Nacional. Vols. 43 a 50. Rio de Ja-neiro, Imprensa Nacional, 1960 1962.

O Parlamento e a Evolução Nacional. Seleção de Textos Par-lamentares, 1826 1840. 3 vols. em 6 tomos, e um vol.de índice. Com a colaboração de Lêda Boechat Rodri-gues e Octaciano Nogueira, Brasília, Senado Federal,1972.

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Atas do Conselho de Estado, Vols. I, 2 e 9. Brasília, SenadoFederal, 1973.

Atas do Conselho de Estado, 13 vols. Senado Federal, Bra-sília, 1978.