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2184 CONCRETIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: A FORMAÇÃO DE EDUCADORES(AS) DA EDUCAÇÃO BÁSICA COMO INSTRUMENTO ESSENCIAL Talita Santana MACIEL, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus Marília. [email protected] 1. Introdução O conceito de direitos humanos, ancorado na história, expressa os acontecimentos passados e também os vivenciados hoje. Sua construção foi marcada pelas lutas emancipatórias do povo e acompanha os episódios da realidade atual. Historicamente o Brasil foi caracterizado por desigualdades que, devido à ordem mundial reinante, fundamentada na concepção neoliberal, vêm crescendo incessantemente, aumentando o número de excluídos(as) e destituindo muitas pessoas das condições de dignidade humana. Nesse contexto neoliberal, conforme Benevides (1998), os direitos políticos sobrepõem-se aos direitos sociais, ocasionando constantes violações dos direitos mais elementares dos seres humanos. Sacavino (2000) também alerta para a condenação de milhões de homens, mulheres e crianças à marginalização ocasionada pelo modelo econômico vigente, assim como outros(as) autores(as), dentre eles(as) Horta (2000), Candau (2000) e Cardoso (2009). O avanço das políticas públicas educacionais de cunho neoliberal propiciaram espaços de formação de educadores(as) que têm por objetivo criar profissionais que atuem na reprodução do sistema capitalista, acentuando, assim, formas de exclusão e marginalização. Portanto, essa realidade marcada pela violação dos direitos humanos demanda uma nova ordem social pautada em uma perspectiva axiológica que preze a igualdade, a liberdade e solidariedade, bem como todos os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde se encontra a base de uma sociedade democrática. É igualmente necessário que os(as) educadores(as) sejam formados para a transformação da realidade e para a indignação a toda forma de violação dos direitos humanos, pois, conforme Viola (2010, p. 22): Compreender a democracia e os direitos humanos como uma construção que se faz ao longo da história, e que tem diante de si o futuro, pressupõe atribuir à educação um lugar indispensável de formação em e para os direitos humanos, na medida em que, através do ato educativo, pode-se, senão transformar a sociedade, construir a cultura indispensável para esta transformação.

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CONCRETIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: A FORMAÇÃO DEEDUCADORES(AS) DA EDUCAÇÃO BÁSICA COMO INSTRUMENTO ESSENCIAL

Talita Santana MACIEL, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pelaUniversidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Faculdade de

Filosofia e Ciências – Campus Marília.

[email protected]

1. Introdução

O conceito de direitos humanos, ancorado na história, expressa os

acontecimentos passados e também os vivenciados hoje. Sua construção foi marcada

pelas lutas emancipatórias do povo e acompanha os episódios da realidade atual.

Historicamente o Brasil foi caracterizado por desigualdades que, devido à ordem

mundial reinante, fundamentada na concepção neoliberal, vêm crescendo

incessantemente, aumentando o número de excluídos(as) e destituindo muitas pessoas

das condições de dignidade humana. Nesse contexto neoliberal, conforme Benevides

(1998), os direitos políticos sobrepõem-se aos direitos sociais, ocasionando constantes

violações dos direitos mais elementares dos seres humanos. Sacavino (2000) também

alerta para a condenação de milhões de homens, mulheres e crianças à marginalização

ocasionada pelo modelo econômico vigente, assim como outros(as) autores(as), dentre

eles(as) Horta (2000), Candau (2000) e Cardoso (2009).

O avanço das políticas públicas educacionais de cunho neoliberal propiciaram

espaços de formação de educadores(as) que têm por objetivo criar profissionais que

atuem na reprodução do sistema capitalista, acentuando, assim, formas de exclusão e

marginalização.

Portanto, essa realidade marcada pela violação dos direitos humanos demanda

uma nova ordem social pautada em uma perspectiva axiológica que preze a igualdade, a

liberdade e solidariedade, bem como todos os princípios da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, onde se encontra a base de uma sociedade democrática. É

igualmente necessário que os(as) educadores(as) sejam formados para a transformação

da realidade e para a indignação a toda forma de violação dos direitos humanos, pois,

conforme Viola (2010, p. 22):

Compreender a democracia e os direitos humanos como uma construçãoque se faz ao longo da história, e que tem diante de si o futuro,pressupõe atribuir à educação um lugar indispensável de formação em epara os direitos humanos, na medida em que, através do ato educativo,pode-se, senão transformar a sociedade, construir a culturaindispensável para esta transformação.

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Partindo de tais considerações, este texto tem por objetivo apresentar a

contribuição teórica de alguns pesquisadores a respeito da educação em direitos

humanos, especialmente no que concerne à importância da formação de professores da

Educação Básica em direitos humanos e, ademais, visa a apresentar subsídios práticos

da formação docente nessa perspectiva. A metodologia de pesquisa utilizada para tanto,

foi o estudo bibliográfico e a análise documental.

O(A) professor(a), como mediador das diversas relações que ocorrem no âmbito

educacional, assume um papel essencial e possui grandes responsabilidades. Conforme

Candau et al. (2013, p. 10), “[...] os(as) professores(as) são profissionais essenciais nos

processos de mudanças das sociedades”. A formação dos (as) professores(as) em

direitos humanos permite que a educação em direitos humanos se concretize e, em

consequência, favorece o desenvolvimento de uma cultura dos direitos humanos, ou seja,

uma cultura que seja capaz de transformar práticas de convivência, práticas sociais e

políticas.

2. Educação em direitos humanos: concepções e práticas pedagógicas

A discussão sobre a necessidade de uma educação em direitos humanos

culminou em algumas políticas públicas. O Programa Nacional de Direitos Humanos II

(PNDH) possui propostas para a educação. Elaborado em 2003 e lançado em 2006, o

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) representou um movimento

nacional em defesa da educação em direitos humanos, da proteção dos direitos humanos

e do fortalecimento da democracia (SILVA, 2010). No ano de 2012 foram publicadas no

Diário Oficial da União as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos,

após aprovação do Conselho Nacional de Educação.

Embora as declarações e os documentos elaborados ao longo da história e que

contemplam os direitos humanos representem ganhos significativos à sociedade, a

concretização dos direitos humanos na prática não é um processo simples nem natural.

Por isso, para que a educação favoreça a afirmação de uma cultura dos direitos

humanos, bem como processos de democratização e justiça social, é preciso que as

premissas da Declaração Universal dos Direitos Humanos sejam vivenciadas

cotidianamente. Nesse sentido,

[...] a educação em direitos humanos trabalha permanentemente o ver, asensibilização e a conscientização da realidade. Procura irprogressivamente ampliando o olhar sobre a vida cotidiana e ir ajudandoa descobrir os determinantes estruturais da realidade. (CANDAU et al.,2003, p. 115).

Ou seja, é a partir de um movimento contínuo e gradativo, que é possível que os

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educandos exerçam sua cidadania plenai, carreguem princípios axiológicos inerentes à

construção de uma sociedade justa e solidária e gozem de fato sua dignidade humana.

Outros(as) autores(as) também compartilham da mesma perspectiva, como Aquino e

Araújo (2001), Horta (2000), e Sacavino (2000).

Conforme Sime (1991), a educação em direitos humanos precisa basear-se na

vida cotidiana, pautando-se em três princípios: pedagogia da indignação, pedagogia da

admiração e pedagogia das convicções. A pedagogia da indignação trata-se de uma

pedagogia que, sob o olhar de rebeldia aos acontecimentos de violações de direitos,

escandaliza toda forma de violência e opressão ao invés de consentir. A pedagogia da

admiração é aquela que permite a partilha da alegria de viver e de verificar mudanças

individuais e coletivas. A pedagogia das convicções, por sua vez, toma como eixo central

a vida cotidiana e promover convicções como: a vida, a justiça, a esperança, a liberdade,

a criticidade, dentre outros valores.

Para a autora Benevides (2000 apud DIAS; PORTO, 2010, p. 32):

A educação em Direitos Humanos é essencialmente a formação de umacultura de respeito à dignidade humana através da promoção e davivência dos valores de liberdade, da justiça, da igualdade, dasolidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, aformação desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar econsolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentosque decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados – os quaisdevem se transformar em práticas.

Conforme argumenta a autora, a educação em direitos humanos possui três

aspectos norteadores do processo educativo: o primeiro diz respeito à natureza

permanente, continuada e global da educação em direitos humanos; o segundo volta-se

para a mudança e o terceiro aspecto refere-se aos valores, visto que uma educação que

se preocupa apenas com a transmissão de conhecimentos não promove transformações.

Ainda que seja incontestável a relevância de se educar para o respeito à

diversidade, a educação em direitos humanos não se restringe a esse conceito, pois ela

precisa ser redirecionada para o “[...] objetivo concreto de redução e eliminação de todas

as formas de discriminação e violência.” (DIAS; PORTO, 2010, p. 33). Assim, a dignidade,

liberdade, igualdade, cidadania e historicidade norteiam as reflexões e organização

metodológica acerca das relações humanas.

Para Teixeira (2005), a educação em direitos humanos é entendida como uma

educação para a democracia e trata-se de um processo que deve ser vivenciado de

maneira que, em momento algum, o educando se esqueça de que é um cidadão. Deve

contemplar a formação intelectual e a informação, a educação moral e a educação do

comportamento, formando uma tríade que envolve tanto o conhecimento, quanto os

aspectos político e axiológico.

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A autora Schilling (2005), também admite a educação em direitos humanos como

essencial para a construção de uma cidadania democrática. Carvalho et al. (2004), além

de disporem da mesma concepção, acrescenta que a educação deve ser fundada no

respeito aos princípios fundamentais da dignidade humana.

Crítica ao modelo econômico neoliberal, a autora Sacavino (2000) propõe à

educação em direitos humanos os seguintes elementos: 1. educação para o “nunca

mais” - que refere-se à necessidade do resgate histórico que culminou na Declaração

Universal dos Direitos Humanos e em outras políticas públicas importantes e refere-se

também à necessidade de cultivar a memória ao invés do esquecimento quanto aos

acontecimentos marcados por violações de direitos; 2. desenvolvimento de metodologias

voltadas à formação de sujeitos de direitos e atores sociais, ação referente ao exercício

da cidadania plena; 3. promoção do “empoderamento”, ou seja, o ao ato de possibilitar

que os povos (principalmente os que historicamente tiveram menos poder na sociedade)

sejam potencializados e passem a ser atores sociais. O “empoderamento” favorece a

organização dos grupos sociais minoritários para que mantenham participação ativa na

sociedade civil. Trilha na mesma direção a autora Candau (2005), acrescentando aos

elementos anteriores, a visão integral dos direitos.

Carbonari (2011), em consonância com o Plano Nacional de Educação em

Direitos Humanos (PNEDH), entende a educação em direitos humanos como um

processo multidimensional e sistemático. A característica “sistemático”, para o autor,

refere-se à articulação de momentos, estratégias e dimensões, e a multidimensionalidade

diz respeito à complexidade do que almeja a educação em direitos humanos. Assim,

conforme o PNEDH, a educação em direitos humanos:

[...] se traduz na perspectiva da “apreensão de conhecimentoshistoricamente construídos sobre direitos humanos”, da “afirmação devalores, atitudes e práticas sociais”, da “formação de uma consciênciacidadã”, do “desenvolvimento de processos metodológicosparticipativos”, do “fortalecimento de práticas individuais e sociais”.(CARBONARI, 2011, p. 121).

A autora Silva (2010) ao discorrer sobre a educação em direitos humanos cita o

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) lançado em 2006,

enfatizando que a concepção presente em tal documento vai além da mera

contextualização e explicação das diversas variáveis inerentes à educação (aspectos

culturais, sociais, políticos e econômicos). A educação em direitos humanos presente no

PNEDH compreende também a apreensão dos conteúdos que convergem com uma

pedagogia para o “nunca mais” e com a pedagogia da indignação, ou seja, é preciso que

sejam apresentados aos alunos a história, as conquistas e violações dos direitos, os

pactos, legislações, acordos e, mais que apresentados, é preciso que tais conteúdos

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sejam dialogados e refletidos de maneira abrangente, contínua, interdisciplinar e

transversal (CARDOSO, 2009).

Além da apreensão de conteúdos, Silva (2010) também destaca que a educação

em direitos humanos, sob a ótica do PNEDH, deve articular os conteúdos citados acima

com valores e comportamentos éticos e deve pautar-se no conceito de cidadania ativa,

sem que se perca a ideia de vivência cotidiana e de colocar em prática.

De acordo com Viola, Barreira e Pires (2011), a educação em direitos humanos é

a formação de uma cidadania ativa e crítica, que reconhece os(as) alunos(as) como

sujeitos de direitos que constroem sua autonomia. É, ademais, a construção da memória

que historicamente é ocultada na tentativa de que não haja reivindicação de direitos por

uma sociedade que pode ser (trans)formada criticamente através da educação.

Pode-se dizer que a educação em direitos humanos espera que emerja uma nova

sociedade, fortemente democrática, onde todos os cidadãos sejam ativos, conscientes de

seus direitos e do processo histórico que permitiu a consolidação desses direitos, onde

todos os seres humanos gozem plenamente das condições de dignidade humana e

sejam capazes de reconhecer a dignidade humana do outro. Nessa nova sociedade

idealizada, a liberdade, igualdade e solidariedade são valores fundamentais que orientam

outros valores necessários à condição de vida digna e à boa convivência da humanidade.

3. Formação de educadores(as) em direitos humanos: importância e

fundamentos

Sobre a importância do(a) professor(a) na efetivação de uma educação em

direitos humanos e, consequentemente, efetivação de um processo sistemático que visa

a grandes transformações em toda a sociedade, Padilha (2005, p. 169) questiona:

[...] Como alguém que não se respeita, que não respeita os seus própriosdireitos, que às vezes nem os conhece e que não sabe defendê-los,poderia ensinar outro alguém sobre o exercício de algum direito ou sobrequalquer outro conteúdo de forma crítica e emancipadora? Ou comoalguém que está desacostumado a ser ético e agir, socialmente comjustiça? Ou, ainda, como um professor que se deixa vencer pela rotina,por mais dura que possa ser, pode contribuir para a formação de sujeitosque exerçam plenamente a sua cidadania e saibam defender os seusdireitos civis, sociais e políticos?

Dallari (2004, p. 19) também assinala que “os professores têm uma possibilidade

muito grande de influenciar a vida social” e, quando eles se mantêm em posição neutra

diante dos acontecimentos, poupando seus alunos e alunas de compreender a realidade

e criar o desejo de mudança, consentem com o que está ocorrendo, mesmo que não

concordem. Se, porém, levam reflexões sobre o assunto para as atividades pedagógicas

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que desenvolvem, colocando-se em posição ativa, podem motivar e auxiliar em

processos de mudança e participação (NASCIMENTO, 2000).

É preciso que todos tenham acesso a uma educação em/para os direitos

humanos desde os primeiros anos de vida. Sendo assim, é preciso que os(as)

educadores(as) interiorizem a importância da educação em direitos humanos refletindo

cotidianamente em sua prática pedagógica ações voltadas à mudança do atual quadro de

violações, violência e marginalização. Mas, de que maneira tal formação deve ocorrer?

Carvalho et al (2004, p.332) discorre sobre a formação de professores(as) e

apresenta um fator dificultoso:

[...] no que diz respeito a programas de formação contínua deprofessores, tem sido bastante frequente o deslocamento entre areflexão sobre os conceitos difundidos e a consideração das práticascorrentes nas unidades escolares. Normalmente realizados fora daescola, os programas de formação contínua se propõem a ‘reciclar’ orepertório dos discursos dos educadores em ‘temáticas e metodologiasinovadoras’ e, deste modo, simplificam a questão da educação para ademocracia e os direitos humanos, tornando-a um problema dedivulgação de idéias a cargo de um indivíduo isolado de seus pares e daproposta pedagógica de sua escola.

Uma vez formado sem o confronto entre os conceitos apreendidos e a proposta

pedagógica da sua escola, torna-se difícil para o educador o exercício da profissão dentro

da visão crítica e com a perspectiva de mudança da realidade, pois durante sua própria

formação não lhe foi mostrada a relação entre a educação em direitos humanos e o seu

contexto profissional. Isto mostra que as metodologias de um curso eficiente devem

convergir para o confronto de várias temáticas simultaneamente, sobretudo para o

confronto entre os conceitos difundidos durante a formação do(a) educador(a) e a

realidade em que o(a) mesmo(a) se encontra.

Considerando a visão da construção cotidiana dos valores que autores como

Candau (2003), Aquino e Araújo (2001) defendem, não basta que o educador adquira a

cultura de valores, mas também que ele a exerça no dia-a-dia. Desta forma, o educador

deve estar apto a articular teoria e prática, e deve atentar para a coerência entre aquilo

que é dito e o que é feito dentro das salas de aula.

Como diz Nascimento (2000, p.123): “não posso falar contra a discriminação, se eu

mesma discrimino meus alunos; não posso falar na luta pelos direitos, se, como

educadora, não me envolvo com as lutas por melhores condições de ensino [...]”.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) expressam a respeito da formação

dos professores que estes não devem ser meros profissionais da educação, mas sim

sujeitos críticos que reconhecem seus direitos e deveres e participam da cidadania. De

acordo com os artigos das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Curso de

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Graduação em Pedagogia aprovadas em 2006, Dias e Porto (2010, p.50) ressaltam que

se o pedagogo:

[...] deve adquirir, na sua formação, capacidade para lidar com asdiversidades socioculturais na escola, visando a superação dosprocessos discriminatórios e de exclusão social, e consequentemente, apromoção de inclusão, é possível fazer uma aproximação qualificadaentre a Educação em Direitos Humanos e a formação do Pedagogo.

O fato de que são os(as) professores(as) os sujeitos que realizam a mediação no

processo educacional que é pautado nos valores e aspectos políticos, acentua a

importância da formação e atuação dos educadores(as) em direitos humanos. Mais que

mediadores, os educadores(as) são sujeitos capazes de formar opiniões e levantar

discussões a respeito de temáticas que podem levar os alunos à transformação da

sociedade.

Os professores têm, assim, uma responsabilidade e um poder muitogrande na transmissão e promoção desses valores, uma vez quedispõem da possibilidade de influir para a correção de vícios históricos edistorções profundamente injustas. E assim podem dar valiosacontribuição para a formação de uma nova sociedade, em que adignidade humana seja, de fato, o primeiro dos valores e, a partir daí, aspessoas se respeitem reciprocamente e sejam solidárias umas com asoutras. (DALLARI, 2004, p.42).

A formação de educadores(as) em direitos humanos deve tomar como norte,

segundo Dias e Porto (2010, p.31), as noções de transversalidade e

intertransdisciplinaridade. Essas dimensões pedagógicas podem, segundo as autoras,

“orientar os currículos escolares com vistas a promover uma cultura de direitos”, já que

permitem a implantação dos conceitos dos direitos humanos em todas as disciplinas dos

cursos de graduação e em toda a forma organizacional dos programas de formação

contínua, criando um vínculo entre as diversas discussões, para melhor compreensão e

interferências no mundo atual.

Menezes e Santos (2002) definem a transversalidade como a integração de

alguns temas nas áreas convencionais por meio da organização do trabalho didático, de

maneira a tratar dos temas em todas as áreas que já existiam. Coimbra (2000 apud

DIAS; PORTO, 2010, p.31) afirma também que a interdisciplinaridade:

[...] consiste num tema, objeto ou abordagem que duas ou maisdisciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si paraalcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempodiversificado e unificado.

Assim, a intertransdisciplinaridade procura contemplar tanto os objetivos da

dimensão transversal quanto os da dimensão interdisciplinar.

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A aproximação da formação do educador com a educação em direitos humanos

resulta, entre várias outras coisas, na promoção da inclusão social nos espaços

escolares.

Segundo Dias e Porto (2010, p. 51-52), a educação em direitos humanos é

indispensável para a formação do pedagogo e do professor em geral. Do pedagogo, em

especial, por ser o profissional atuante na educação infantil e nos anos iniciais do Ensino

Fundamental; profissional que mantém, portanto, relação direta com as crianças:

indivíduos em processo de formação e possíveis modificadores da realidade no futuro. E

é indispensável também para a formação do professor em geral porque este é um

profissional capaz de “contribuir para novas formas de convívio social”.

O Brasil, atendendo às solicitações do Programa Mundial de Educação em

Direitos Humanos (PMEDH) de criação de um plano de ação nacional para os direitos

humanos, concluiu em 2006 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

(PNEDH) o qual apresenta concepções e princípios para a Educação Superior e prevê

vinte e uma ações programáticas a serem desenvolvidas para o ingresso do PNEDH nas

Universidades, assim como a CONAE - Conferência Nacional de Educação – aprovou

para 2011-2020 a implementação da educação em direitos humanos nos currículos dos

cursos de pedagogia e demais licenciaturas (BRASIL, 2010).

Dias e Porto (2010) sugerem, também, que o currículo da formação de

educadores(as) em direitos humanos deve abordar o multiculturalismo, considerar

valores, objetivos econômicos, ter visão de gênero, política, identidade, família, classes

sociais, raça. Deve reconhecer o papel do Estado e ser um instrumento que se volta para

a diversidade cultural, para as diferenças, e deve, ainda, transformar e contextualizar a

realidade. O currículo, para Apple (2000, p.53) “é produzido pelos conflitos, tensões e

compromissos culturais, políticos e econômicos que organizam um povo”.

Com relação ao multiculturalismo, o currículo deve ser como “um campo em que

se tenta impor tanto a definição particular de cultura de um dado grupo quanto o

conteúdo dessa cultura” (MOREIRA; CANDAU, 2008 apud DIAS; PORTO, 2010, p. 53).

Assim, deve evidenciar, expor e estimular o conhecimento e compreensão de outras

culturas, sem inferiorizar ou priorizar uma em detrimento da outra.

Para que este modelo de currículo venha a ser desenvolvido será necessário que

as práticas tecnicistas tradicionais, que apenas envolvem habilidades e competências

para o mercado de trabalho, sejam dissolvidas, abrindo espaço para a dialogicidade e os

conhecimentos emancipatórios nos espaços de aprendizagem. Os conteúdos devem ser

geradores de problemática e que comportem temas provenientes dos movimentos sociais

e a sua seleção não pode esquecer a importância da inclusão, nem esquecer, sobretudo,

da pluralidade.

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Quanto às metodologias, estas devem ser participativas, fundadas no diálogo e

nas vivências para a propagação dos direitos humanos. A participação é de extrema

relevância, pois aborda a integração entre os envolvidos no processo educativo e a

prática dos conteúdos ministrados, resultando no exercício da cidadania e dos valores

referentes aos direitos humanos.

Assim, a formação do pedagogo não deve apenas conceituar e apresentar os

acontecimentos históricos sobre os direitos humanos e sobre a educação em direitos

humanos. Embora as informações e contextualizações sejam pertinentes, deve-se

também “desenvolver valores, atitudes, que mobilizem o intelecto, os sentimentos e a

vontade dos sujeitos de forma integrada” (DIAS; PORTO, 2010) e, para isso, a educação

em direitos humanos precisa ser transdisciplinar, pautada no diálogo, na vivência, na

democracia, no respeito mútuo e na justiça social.

4. Considerações finais

A educação em direitos humanos é histórica, socialmente situada e, portanto, é

uma prática social intimamente ligada ao contexto geral da sociedade. Dessa forma, os

programas de formação de educadores(as) devem estimular o compromisso do professor

com conteúdos e práticas que promovam a democracia, a transformação da realidade

atual e a emancipação.

Candau et al. (2013) afirmam que o(a) educador(a) deve ser um agente

sociocultural a político e agir para a mudança. Por um lado, deve analisar a maneira

como a produção cultural se organiza na escola, visto que tais produções estão

submetidas às relações assimétricas de poder na escola e, por outro lado, deve criar

estratégias que permitam a transformação da realidade.

Por fim, acrescenta-se a aspiração de educação de Maturana (2010):

[...] vivamos nosso educar de modo que a criança aprenda a aceitar-se ea respeitar-se, ao ser aceita e respeitada em seu ser, porque assimaprenderá a aceitar e a respeitar os outros. Para fazer isso, devemosreconhecer que não somos de nenhum modo transcendentes, massomos num devir, num contínuo ser variável, mas que não é absolutonem necessariamente para sempre.

Portanto, educadores(as) formados na perspectiva dos direitos humanos são

capazes de “mudar o mundo”, ou seja, são capazes de realizar ações grandiosas no que

diz respeito aos aspectos socioculturais, políticos e morais, sem perder de vista de que

não somos seres transcendentais. Educar em direitos humanos implica em agir para o

hoje e para sempre, para a mudança da realidade atual e, se for preciso, para a mudança

da realidade do amanhã.

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i A ideia de cidadania explicitada neste texto está em consonância com a perspectiva dos(as) autores(as)Candau et al. (2013): exercer a cidadania plena significa afirmar a necessidade de um processo contínuo derevisão das políticas públicas e de melhoria nas condições culturais, materiais, sociais e políticas e tambémpressupõe a participação ativa dos sujeitos de direitos. Estes, por sua vez, devem ser formados no sentidode conhecer e lutar constantemente pelos seus direitos.