Condicoes_de Trabalho_na Industria_ do Vestuario
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTOCENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ATENO
SADE COLETIVA
ANTNIO CARLOS GARCIA JNIOR
CONDIES DE TRABALHO E SADE DOSTRABALHADORES NA INDSTRIA
DO VESTURIO EM COLATINA - ES.
VITRIA2006
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ANTONIO CARLOS GARCIA JUNIOR
CONDIES DE TRABALHO E SADE DOS
TRABALHADORES NA INDSTRIADO VESTURIO EM COLATINA - ES.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Ateno Sade Coletiva daUniversidade Federal do Esprito Santo, comorequisito parcial para obteno do grau de mestreem Sade Coletiva, na rea de concentraoPolticas, Administrao e Avaliao de Sade.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Borges
VITRIA2006
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Dados Internacionais de Catalogao na publicao (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)
Garcia Jnior, Antnio Carlos, 1956 G216c Condies de trabalho e sade dos trabalhadores da
Indstria do vesturio de Colatina ES / Antnio CarlosGarcia Jnior 2006.123f.
Orientador: Luiz Henrique BorgesDissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito
Santo, Centro Biomdico.
1. Sade Coletiva. 2. Sade do Trabalhador. 3. Processo Sade-doena. I. Borges, Luiz Henrique. II. Universidade Federal do EspritoSanto. Centro Biomdico. III. Ttulo.
CDU 614.2
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ANTNIO CARLOS GARCIA JNIOR
CONDIES DE TRABALHO E SADE DOSTRABALHADORES NA INDSTRIADO VESTURIO EM COLATINA - ES
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Ateno SadeColetiva do Centro de Cincias da Sade da Universidade Federal do Esprito Santo,como requisito parcial para obteno do grau de mestre em Sade Coletiva.
Aprovada em 7 de julho de 2006.
COMISSO EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Luiz Henrique BorgesUniversidade Federal do Esprito Santo
Orientador
_______________________________________
Prof. Dr. Ildeberto Muniz de AlmeidaFaculdade de Medicina de Botucatu - SP
________________________________________
Prof. Dr. Alosio FalquetoUniversidade Federal do Esprito Santo
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A Marisa e Maya portadoras dos archotes queiluminam meu caminho.
Aos meus pais.
Antnio Carlos de Assis Garcia, que me mostrou asestrelas, e Maria da Penha Cabalini, que me
incentivou a seguir a senda do conhecimento.
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AGRADECIMENTOS
Nesta hora, mesmo correndo o risco de esquecer algum, necessrio externar a
minha gratido a algumas pessoas em especial.
Primeiro, agradeo ao meu orientador Prof. Dr. Luiz Henrique Borges, que sempre
acreditou em minha capacidade e, com enorme considerao e amizade contribuiu
imensamente para a realizao deste trabalho.
Sou muito grato tambm diretora Vilma Aparecida do Carmo do Sindicato dos
Trabalhadores nas Indstrias do Vesturio SINTVEST, cuja ateno e empenho
foram fundamentais para que o trabalho de campo fosse realizado no tempoprogramado e a todos os demais componentes do sindicato.
equipe de entrevistadores de campo Simone de Oliveira Sepulcro, Lucimar Flaves
Gonalves, Solange Rodrigues da Silva, Rosinia Maria Cardoso e Maria Aparecida
Freire de Almeida, que foram as grandes batalhadoras e amigas nos momentos mais
difceis e que, com dedicao ao trabalho, demonstraram garra e compromisso com
esta pesquisa.
Aos trabalhadores do setor do vesturio de Colatina que concordaram em conceder
as entrevistas em seu tempo fora do trabalho, acreditando em nosso propsito de
trazer luz s suas condies de vida e sade ocupacional.
A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Ateno a Sade
Coletiva PPGASC, pelas aulas maravilhosas e momentos de reflexo que
mudaram meu enfoque sobre a sade e a compreenso sobre o processo de
adoecimento dos trabalhadores.
Sou imensamente grato a FUNDACENTRO que me incentivou atravs de seu
programa de ps-graduao a realizar este mestrado e pelo indispensvel suporte
financeiro que tornou possvel concretizar esta dissertao.
Aos colegas da FUNDACENTRO do Esprito Santo pelo carinho e a compreenso
em minhas ausncias para participar das atividades acadmicas, demonstrado pelo
incentivo e interesse pelo meu trabalho.
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A me natureza est bastante provida de recursos para
proteger nossos corpos das agresses do ar, como l, linho,
cnhamo, algodo, assim como seda, se bem que possamos
abster-nos dela, porque foi criada mais para cobrir os corpos
dos homens e das mulheres do que para abrig-los. Conforme
seja a matria das vrias indumentrias, dela geralmente
resultaro perturbaes que sero experimentadas por aqueles
encarregados de sua preparao.
Bernardo Ramazzini, As doenas dos Trabalhadores 1700.
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RESUMO
Objetivou-se estudar as condies de sade e trabalho em trabalhadores com
vnculo empregatcio com empresas do vesturio que produzem a mercadoria roupaem sua totalidade, na indstria do vesturio de Colatina-ES. Utilizaram-se dois
mtodos: primeiro, um estudo descritivo com levantamento qualitativo das cargas de
trabalho, presentes no processo de produo desta indstria; em segundo, um
estudo observacional com delineamento seccional, realizado atravs da aplicao
de um questionrio em visitas domiciliares a uma amostra aleatria de 432
trabalhadores. O perfil foi obtido atravs de informaes socioeconmicas, condio
de trabalho, queixas referidas sade nos ltimos 15 dias, suspeita de apresentartranstornos mentais menores - DMM (avaliada atravs do Self Reporting
Questionnaire SRQ-20) e a suspeita de leses por esforos repetitivos LER
(atravs de um questionrio de rastreamento). Os resultados apontaram que as
condies de trabalho prejudicam a sade dos trabalhadores, com tarefas
fragmentadas, realizado em ritmos excessivo, controle rgido, movimentos repetitivos
e de pouca valorizao do intelecto do trabalhador. Os trabalhadores so
preponderantemente do gnero feminino (66,35%) e jovens, com mdia de 31 anosde idade. A prevalncia de queixas referidas de sade foi de 24,9%, sendo os
problemas msculos-esquelticos (14,0%), em particular dor na coluna e lombares,
os que mais ocorreram seguidos dos problemas cardiovasculares (9,2%) e dos
problemas das vias areas superiores (6,4%). A prevalncia de suspeita de DMM foi
de 24,9% e a de LER foi de 16,3%. A funo de costureira destacou-se das demais
pela maior prevalncia de queixas referidas (p=0,0142), de suspeita de DMM
(p
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ABSTRACT
The objective was to study about the health and working conditions of the formal and
legally employed workers from the garment industries in Colatina, Esprito Santo
State, that do make and assemble the clothes completely in their productive process.
Two methods were used: first a descriptive study with the work loads qualitative
definition within the production process of such industries; and second, an
observational study with a cross section profiling, raised with home collected
questionnaires applied to a random sample composed of 432 workers.
The profile was obtained through social and economic information, working
conditions information, health complaints filled on the 15 days previous to questions
application, minor mental disorders suspicions MMD (evaluated through the Self
Reporting Questionnaire SRQ-20) and the repetitive efforts injuries suspicions
RSI (through a tracking questionnaire).
The results pointed out that the working conditions do harm the workers health with
fragmented tasks done in excessive rhythms, under stiff controls, with repetitive
moves and scarce valorization of the workers intellectual conditions.
The workers are mostly of the feminine gender (66, 35%), young with a 31 years age
average. The prevailing health complaints were 24,9%, distributed in muscolosketal
problems (14, 0%), specially the back problems with major occurrences followed by
cardiac and vascular problems (9,2%) and also problems on the superior breathing
tract (6,4%). MMD prevailing suspicion was 24,9% and of RSI 16,3%. The
dressmaker function was highlighted due to the major prevalence of referred
complaints (p=0,0142), MMD suspicion (p
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Fluxograma bsico do processo de produo da indstria dovesturio................................................................................................ 58
Figura 2: Fluxograma da clula de produo.................................................... 69Figura 3: Distribuio percentual das faixas etrias por sexo na indstria do
vesturio de Colatina-ES, 2005............................................................ 84
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 : Funo, atividades e cargas de trabalho do setor de criao emodelagem........................................................................................ 60
Quadro 2 : Funo, atividades e cargas de trabalho do setor de almoxarifadode tecidos e aviamentos.................................................................... 62
Quadro 3 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de corte............... 63Quadro 4 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de costura........... 66Quadro 5 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de acabamento... 72Quadro 6 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de lavanderia..... 73Quadro 7 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de passadeira..... 75Quadro 8 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de artesanato...... 77Quadro 9 : Funo, atividades e carga de trabalho do setor de embalagem e
expedio........................................................................................... 79
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LISTA DE SIGLAS
CIPA Comisso Interna de Preveno de Acidentes
CLT Consolidao das Leis Trabalhistas
CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas
DMM Distrbios Mentais Menores
DRT Delegacia Regional do Trabalho
EPI Equipamento de Proteo Individual
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FUNDACENTRO Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e
Medicina do Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
LER Leses por Esforos Repetitivos
LT Limite de Tolerncia
MS Ministrio da Sade
MTE Ministrio do Trabalho e EmpregoNR Norma Regulamentadora
OIT Organizao Internacional do Trabalho
OMS Organizao Mundial da Sade
PCMSO Programa de Controle Mdico de Sade Ocupacional
PNAD Pesquisa Nacional por Domicilio
PPRA Programa de Preveno de Riscos Ambientais
PSF Programa de Sade da Famlia
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
SAS Statistical Analysis Software
SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SRQ-20 Self-Report Questionnaire
SESI Servio Social da Indstria
SINTVEST Sindicato dos Trabalhadores nas Indstrias do Vesturio
SUS Sistema nico de Sade
USB Unidade Bsica de Sade
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Nmero de empresas do setor do vesturio, por faixas de pessoalempregado, no Brasil e Esprito Santo - 2004..........................................
45Tabela 2: Nmero de empresas e empregados por CNAE-2004 45Tabela 3: Distribuio de trabalhadores por funo e setor na indstria do
vesturio de Colatina-ES - 2005............................................................... 79Tabela 4: Distribuio da amostra dos trabalhadores da indstria do vesturio de
Colatina por faixa etria, 2005.................................................................. 82Tabela 5: Distribuio por grau de escolaridade dos trabalhadores da indstria do
vesturio de Colatina-ES - 2005............................................................... 84Tabela 6: Distribuio de trabalhadores por tempo de servio na indstria do
vesturio de Colatina-ES - 2005............................................................... 85Tabela 7: Morbidade referida, segundo rgos e sistemas acometidos, nos
trabalhadores da indstria do vesturio de Colatina-ES, 2005................ 87Tabela 8: Freqncia de queixas de sade por setor e funo na indstria dovesturio de Colatina-ES, 2005................................................................ 88
Tabela 9 Prevalncia de queixas de sade com trabalhadores da indstria dovesturio de Colatina-es por tempo de servio, 2005.............................. 89
Tabela 10: Nmero de dias de afastamento do trabalho por queixa de sade naindstria do vesturio de Colatina-ES, 2005............................................ 90
Tabela 11: Causas de afastamento do trabalho na indstria do vesturio deColatina-ES por rgos e sistemas, 2005................................................ 90
Tabela 12: Auto-avaliao do estado de sade dos trabalhadores da indstria dovesturio de Colatina ES, 2005................................................................ 91
Tabela 13: Distribuio de atendimento mdico dos trabalhadores da indstria dovesturio de Colatina-ES por local, 2005................................................. 92
Tabela 14: Freqncia de consumo de bebidas alcolicas entre trabalhadores daindstria do vesturio de Colatina-ES, 2005............................................ 95
Tabela 15: Distribuio dos trabalhadores da indstria do vesturio de Colatina -ES que fazem uso de calmantes por tempo de uso, 2005....................... 95
Tabela 16: Medicamentos calmantes referidos como utilizados pelos trabalhadoresda indstria do vesturio de ColatinaES, 2005....................................... 96
Tabela 17: Principais cargas de trabalho referidas pelos trabalhadores da indstriado vesturio de Colatina ES, 2005........................................................ 98
Tabela 18: Percepo dos trabalhadores da indstria do vesturio de Colatina-ESsobre problemas de sade decorrentes de seu trabalho, 2005............... 99
Tabela 19: Principais fontes referidas de tenso e cansao no trabalho emtrabalhadores da indstria do vesturio de ColatinaES, 2005................ 100
Tabela 20: Distribuio dos trabalhadores da indstria do vesturio de Colatina-ES, segundo a sensao que sentem ao sair do trabalho no final dodia, 2005................................................................................................... 101
Tabela 21: Aspectos do trabalho que mais agradam os trabalhadores do setor dovesturio de Colatina-ES, 2005................................................................ 102
Tabela 22: Aspectos do trabalho que mais desagradam os trabalhadores do setordo vesturio de Colatina-ES, 2005........................................................... 103
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SUMRIO
1 INTRODUO...................................................................................... 151.1 OBJETIVOS........................................................................................... 18
1.1.1 Objetivo Geral...................................................................................... 18
1.1.2 Objetivos Especficos......................................................................... 18
2 MARCO TERICO................................................................................ 19
2.1 DESENVOLVIMENTO HISTRICO-CONCEITUAL DO ESTUDODAS RELAES ENTRE SADE E TRABALHO................................ 20
2.2 O CARTER CENTRAL DO TRABALHO NA MEDIAO ENTRECORPO-MENTE-PSIQUISMO, CULTURA E SOCIEDADE.................. 27
2.3 ORGANIZAO DO TRABALHO E SADE DO TRABALHADOR...... 29
2.4 AVALIAO DAS CONDIES DE TRABALHO COM A SADE:RISCOS, CARGAS DE TRABAHO E DESGASTE............................... 32
3 METODOLOGIA.................................................................................... 42
3.1 A INDSTRIA DO VESTURIO EM COLATINA.................................. 43
3.2 ESTUDO DAS CARGAS DE TRABALHO NAS INDSTRIAS DOVESTURIO DE COLATINA................................................................. 46
3.3 LEVANTAMENTO DE CONDIES DE TRABALHO E SADE DOSTRABALHADORES DA INDSTRIA DO VESTURIO EMCOLATINA ES.................................................................................... 48
3.3.1 Sujeitos da Pesquisa e Amostra........................................................ 48
3.3.2 Instrumento de Pesquisa.................................................................... 51
3.3.3 Procedimentos de Campo.................................................................. 52
3.3.4 Anlise dos Dados............................................................................... 534 O PROCESSO DE PRODUO E TRABALHO DA INDSTRIA DO
VESTURIO DE COLATINA................................................................ 55
4.1 AS CARGAS DE TRABALHO NOS SETORES DA INDSTRIA DOVESTURIO DE COLATINA ................................................................ 58
4.1.1 Setor de Criao e Modelagem.......................................................... 59
4.1.2 Setor de Almoxarifado de Tecidos e Aviamentos............................ 60
4.1.3 Setor de Enfesto e Corte..................................................................... 62
4.1.4 Setor de Costura................................................................................. 63
4.1.4.1 Setor de costura e o trabalho em clula de produo........................... 67
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4.1.5 Setor de Acabamento.......................................................................... 70
4.1.6 Setor de Lavanderia............................................................................ 72
4.1.7 Setor de Passadoria............................................................................ 73
4.1.8 Setor de Artesanato............................................................................. 754.1.9 Setor de Embalagem e Expedio..................................................... 77
4.2 DISTRIBUIAO DAS FUNES POR SETOR DE TRABALHO.......... 78
4.3 INTERAES ENTRE AS CARGAS DE TRABALHO E DESGASTEDOS TRABALHADORES...................................................................... 80
5 ASPECTOS SOCIO-ECONMICOS DOS TRABALHADORES NAINDSTRIA DO VESTURIO DE COLATINA..................................... 82
6PERFIL DE DESGASTE SADE DOS TRABALHADORES DAINDSTRIA DO VESTURIO DE COLATINA..................................... 86
6.1 PREVALNCIA DE QUEIXAS DE SADE OU MORBIDADEREFERIDA............................................................................................. 86
6.2 ABSENTESMO E AVALIAO DE SADE......................................... 89
6.3 ATENDIMENTO MDICO E DOENA DO TRABALHO....................... 91
6.4 INDICADORES DE SOFRIMENTO PSQUICO E LER......................... 92
6.5 USO DE BEBIDAS ALCOLICAS, FUMO E MEDICAMENTOS
CALMANTES......................................................................................... 957 PERCEPAO DOS TRABALHADORES SOBRE A RELAO
SADE TRABALHO............................................................................. 97
7.1 FONTES DE TENSO E CANSAO NO TRABALHO......................... 100
7.2 SENSAO AO SAIR DO TRABALHO NO FINAL DA JORNADA DETRABALHO........................................................................................... 101
7.3 ASPECTOS AGRADAVEIS E DESAGRADAVEIS NO TRABALHO..... 102
8 CONCLUSES..................................................................................... 105
9 REFERNCIAS..................................................................................... 110
10 ANEXOS................................................................................................ 115
ANEXO A - CARTA DE APRESENTAO......................................................... 116
ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO DO ENTREVISTADO................... 117
ANEXO C - QUESTIONRIO.............................................................................. 118
ANEXO D - FORMULRIO DE ESTUDO DE CARGAS DE TRABALHO........... 126
ANEXO E - CARTA DE APROVAO PELO COMIT DE TICA..................... 129
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1 INTRODUO
Na minha experincia profissional como pesquisador da Fundao Jorge Duprat
Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO1, desde 1988,tenho me deparado com o relativo e pequeno nmero de estudos publicados sobre
as repercusses do ambiente de trabalho na sade dos trabalhadores, inseridos em
diversificados processos produtivos.
A maior parte dos estudos sobre as condies sanitrias do ambiente de trabalho,
realizados no Brasil, desconhecida dos pesquisadores da rea da Sade do
Trabalhador, devido ao seu aspecto confidencial. Estes estudos visam somente
atender s exigncias das Normas Regulamentadoras de Segurana e Sade no
Trabalho NRs, especficas da legislao trabalhista, contidas na portaria 3.214/78
do Ministrio do Trabalho e Emprego MTE, que orientam a fiscalizao por parte
da Delegacia Regional do Trabalho DRT, sobre seu cumprimento pelas empresas.
As normas que mais demandam estudos do ambiente de trabalho e seu controle,
so a NR 7 - Programa de Controle Mdico de Sade Ocupacional PCMSO e a NR
9 - Programa de Preveno de Riscos Ambientais PPRA, por tornarem obrigatria
a realizao de estudos sobre o ambiente de trabalho pelas empresas.
Verificamos nos ltimos anos a criao de rea de concentrao de estudos e
pesquisas em Sade & Trabalho, nos programas de ps-graduao das reas da
Sade Pblica e da Sade Coletiva, para fazer frente a esta escassa produo
tcnico-cientfica.
Este incremento de estudos da relao sade-trabalho implica em estabelecer uma
reflexo terica e o aperfeioamento de metodologias de abordagem e interveno
na realidade sanitria dos trabalhadores, para que se identifiquem seus
determinantes e se proponha alternativas polticas e tcnicas para sua superao, a
fim de preservar a sade e promover a qualidade de vida no ambiente de trabalho.
Como o ambiente de trabalho e as condies de produo so muito particulares
para cada local, pode-se, atravs de pesquisa dos diferentes espaos, obter qual o
1 Fundacentro Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho, rgo
federal do Ministrio do Trabalho e Emprego cuja misso desenvolver pesquisas e estudos sobresegurana e sade no trabalho, divulgar os resultados e capacitar profissionais para atuar no campoda sade do trabalhador.
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padro de mal-estar e adoecimento entre os trabalhadores ou a estrutura
epidemiolgica resultante da interao de fatores do meio ambiente fsico e social do
trabalho com o homem.
O Centro Estadual da FUNDACENTRO no Esprito Santo tem procurado subsidiar a
sociedade capixaba nas questes relacionadas sade e segurana no trabalho,
tendo desenvolvido estudos e projetos em reas como: trabalho porturio,
construo civil, trabalho no setor de mrmore e granito, e outros. H cerca de dois
anos tem se voltado a identificar novas reas de interesse de estudo, entre os
processos produtivos existentes no Estado, em particular na rea das pequenas e
mdias empresas e que envolvem um grande contingente de trabalhadores.
Dentre os segmentos econmicos compostos por pequenas e mdias empresas, o
setor da indstria do vesturio um dos que mais empregam mo-de-obra no
Esprito Santo e no Brasil, sendo, segundo o Servio Social da Indstria SESI,
responsvel por 60% dos empregos na cadeia produtiva de txteis e confeces
(SESI, 2003). Segundo informaes da Relao Anual de Informaes Sociais
RAIS, o setor tem cerca de 17.000 empresas no Brasil; no Esprito Santo so cerca
de 1.700 empresas que geram 17.000 empregos formais.
As indstrias de vesturio, devido sua grande heterogeneidade, podem estar
localizadas em grandes galpes bem dimensionados ou, como mais comum,
estarem instaladas em prdios comerciais improvisados e at em residncias.
Apesar da grande sofisticao de equipamentos ocorrida nos ltimos anos, que
permite a economia de tecidos, mais rapidez na produo das peas, criao de
novos modelos, h ainda o uso de grande nmero de mquinas mais simples,
muitas delas transferidas pelas fbricas para o interior das residncias. Isto ocorrepelo fenmeno da terceirizao de partes do processo produtivo e das demandas do
mercado, comandado pela sazonalidade e pelas tendncias da moda, prtica que
muito comum no ramo da indstria de confeces (SESI, 2003).
O setor de vesturio tem tambm sido o que mais participou do processo de
reestruturao industrial, com eliminao rpida de parte importante das mdias
empresas e proliferao das unidades de menor porte, sobretudo das informais
(COMIN, 2000, p. 11). A proliferao de empresas menores se d pela utilizao de
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unidades produtivas externas por empresas lderes e at mesmo do trabalho a
domicilio2 , como a nova velha frmula de acumulao de capital.
Esta cadeia produtiva se organiza de forma a que a empresa lder faz a concepo,
testa os novos modelos e realiza o corte, repassando para as empresas de faco
ou oficinas, situadas no segundo nvel, apenas o trabalho mecnico da montagem
das peas. Em um terceiro nvel est o trabalho a domiclio, onde o pagamento
realizado por peas e determina uma dependncia enorme das costureiras para com
as empresas de faco, que pagam valores extremamente baixos por cada pea
montada.
Outro aspecto que caracteriza a indstria de vesturio o elevado uso da mo-de-
obra feminina, provavelmente, por serem consideradas mais precisas e delicadas na
execuo do trabalho, sem desconsiderar que no imaginrio masculino a costura
tradicionalmente trabalho de mulher. Entretanto nos ltimos tempos tem-se
observado um aumento no uso de mo de obra masculina em alguns setores dessa
indstria, por ser exigido maior esforo fsico, como nas lavanderias, pinturas
especiais e na operao de equipamentos mais sofisticados (LEITE, 2004, p. 66).
O trabalho, em si, caracterizado pela alta produo por cotas a serem atingidas acada turno de trabalho, fragmentado e realizado com ritmo acelerado, exigindo
preciso na execuo e qualidade no resultado final. O processo de trabalho desta
forma pode ser determinante para o aparecimento de um padro de sade que pode
ser compreendido e sobre ele se criar intervenes que promovam melhores
condies de vida para este grupo social.
Entre as doenas decorrentes do trabalho tem sido indicado por alguns autores
(BORGES, 2000) o aumento da prevalncia dos distrbios mentais epsicossomticos, bem como das leses por esforos repetitivos (LER) em
populaes de trabalhadores, em atividade de trabalho em processos repetitivos e
com grande demanda de produo.
2 Trabalho a domicilio: Em portugus, segundo a norma culta, trabalho em domiclio, mas seguindoa recomendao da Organizao Internacional do Trabalho OIT, a sociologia do trabalho no Brasil,adotou o temo Trabalho a domicilio como uma categoria que designa o trabalho sub-contratadoexercido na residncia do trabalhador (LEITE, 2004).
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Assim, interessa estudar: Como o processo de trabalho na indstria de confeces
de Colatina, desenvolvido em pequenas e mdias empresas, se relaciona com o
processo sade-doena de seus trabalhadores?
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Geral:
Estudar as condies de sade e trabalho em trabalhadores da indstria do
vesturio de Colatina ES.
1.1.2 Especficos:
- Obter um inventrio de fatores de riscos no processo de trabalho da indstria do
vesturio de Colatina ES;
- Estimar a prevalncia de queixas referidas sade em trabalhadores da Indstria
do Vesturio de Colatina-ES;
- Estimar a prevalncia de distrbios mentais menores e de leses por esforos
repetitivos entre trabalhadores da indstria do vesturio de Colatina ES.
- Analisar as relaes entre cargas de trabalho e o desgaste sade em
trabalhadores da indstria do vesturio de Colatina - ES.
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2 MARCO TERICO
Foi utilizado o arcabouo terico e metodolgico do campo da Sade doTrabalhador, construdo a partir de 1970. Esse campo tem interface com a Sade
Pblica, a Medicina Social e a Sade Coletiva, particularmente pela construo e
utilizao do modelo da determinao social da doena.
Foi a epidemiologia que demonstrou que as doenas so eventos que no ocorrem
por acaso, mas que tm relao com uma rede de outros eventos que podem ser
identificados e estudados (MEDRONHO, 2004, p. 7).
O modelo da determinao social da doena prope que a relao sade-doena um processo social, identificando a importncia da transformao biopsquica dos
seres humanos atravs das mudanas sociais. No uma objeo ao biolgico, mas
sim ao natural, pois o biolgico em si mesmo histrico e social (LAURELL &
NORIEGA, 1989, p. 100).
Para a escola de ergonomia francesa, a atividade de trabalho designa a maneira do
ser humano mobilizar as suas capacidades para atingir os objetivos da produo.
Segundo Wisner (1994, p. 13), todas as atividades realizadas pelo homem, inclusiveo trabalho, tm pelo menos trs aspectos: fsico, cognitivo e psquico. Segundo este
autor, cada um destes aspectos, freqentemente inter-relacionados, pode determinar
uma sobrecarga.
Tem-se como pressuposto que o trabalho convoca o corpo inteiro e a inteligncia
para enfrentar o que no dado pela estrutura tcnico-organizacional, configurando-
se como um dos espaos de vida determinantes na construo e na desconstruo
da sade (ASSUNO, 1998).
Por outro lado, o sofrimento dos trabalhadores nem sempre visvel ou objetivo
como insistem algumas abordagens. O efeito do trabalho sobre a sade muitas
vezes silencioso e no apreendido pelo saber estritamente mdico (DEJOURS,
1986).
Assim, sero apresentadas, a seguir, as diferentes abordagens da relao entre
sade e trabalho; como o trabalho constitui-se em fator central para a compreenso
do processo sade-doena dos trabalhadores, conforme o aporte terico da Sade
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do Trabalhador, e como as formas de organizao do trabalho se relacionam com a
sade.
2.1 DESENVOLVIMENTO HISTRICO-CONCEITUAL DO ESTUDODAS RELAES ENTRE SADE E TRABALHO.
Para Laurell (1983, p.136), o processo sade-doena o modo especfico pelo qual
ocorre nos grupos humanos o processo biolgico de desgaste e reproduo. Este
processo o seguimento ou evoluo de uma luta do organismo por manter a vida e
o bem estar, que pode ser esperado no apenas no caso clnico individual, mas que
se evidencia no conjunto das pessoas ou na populao que compartilha as mesmas
condies de vida.
A populao que habita uma determinada regio, de forma geral, tem um perfil de
adoecimento3 que pode ser compreendido em funo de fatores como: faixa etria,
hbitos de vida, condies sociais que envolvem o padro alimentar, condies de
moradia, emprego, renda, violncia urbana, condies de trabalho, etc.
Este perfil, como parte das condies de sade de uma populao, varia ao longoda histria da sociedade; como tambm, os estratos sociais de uma mesma
sociedade apresentaro diferentes condies de sade, conseqentemente,
diferentes perfis. Segundo Laurell e Noriega (1989, p.135), verifica-se a natureza
social e histrica do processo sade-doena ao se analisarem os dados de morbi-
mortalidade de uma populao, em uma determinada poca, tanto pelo estrato
social como por sua ocupao profissional.
Para entender este conceito de causalidade ou determinismo social necessrioantes de qualquer coisa, discutir o que sade e doena. A compreenso do que
vem a ser sade mais ampla do que a de doena. A doena demarcada
essencialmente pelo aparecimento, no indivduo ou nos grupos humanos, de
alteraes anatomofisiopatolgicas que acarretam incmodos ou perda funcional. A
resposta que se d comumente a estes incmodos ou alteraes pelos servios de
sade o atendimento do indivduo pelo mdico. Esta forma de ateno sade
3 Perfil de adoecimento ou morbidade: constitui-se pelo conjunto das patologias mais prevalentes eincidentes que determinado grupo humano apresenta em um dado momento da histria (LAURELL,1983).
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caracteriza o paradigma mdico-biolgico, no qual a doena o ponto focal e a
razo de ser do sistema de sade, sendo limitado realizao do diagnstico e ao
tratamento. Portanto, no interferindo, na maioria dos casos, no processo sade-
doena, nas causas do processo, mas somente nos efeitos finais, os sintomas.
O atendimento individual no oferece soluo satisfatria para os graves problemas
de sade que acometem as populaes, da haver certo esgotamento da medicina
clnica como nica resposta de ateno sade. A natureza social da doena no
se verifica no caso clnico, mas no modo caracterstico de adoecer e morrer dos
grupos humanos (LAURELL, 1983, p.137).
Para dar uma resposta ao modelo do atendimento clnico, necessrio investigar
como ocorre o processo de sade-doena no coletivo, isto , no reflexo deste sobre
o corpo dos membros de um grupo humano que compartilham as mesmas
condies de vida. Ao associar a relao da doena do grupo humano variao
biolgica individual que a histria social torna-se importante, porque ela que
possibilita as condies de vida e a forma de exposio aos fatores de riscos que
iro estabelecer as probabilidades das pessoas adoecerem de determinada forma.
Como os indicadores estatsticos no se manifestam no indivduo, a no ser paraindicar se a pessoa ou no portadora de determinadas caractersticas patolgicas,
refora-se a teoria de que o caso clnico tem limitaes e especificidades prprias.
A epidemiologia a disciplina cientfica que se fundou na investigao no do por
que e como o individuo desenvolveu uma patologia, mas sim em que
caracterstica difere a ocorrncia de uma determinada doena entre grupos
diferentes, definidos como uma populao. A epidemiologia pode ser definida como
o estudo dos determinantes do processo sade-doena em grupos populacionais(MEDRONHO, 2004, p.7).
Para a epidemiologia, as doenas no ocorrem por acaso, so eventos entrelaados
com outros eventos que as precedem, podendo ser identificados, estudados e sobre
eles se criarem intervenes que podero controlar o processo sade-doena
(MEDRONHO, 2004, p.8).
A epidemiologia utiliza-se de um vasto arcabouo de mtodos de pesquisa e o uso
da estatstica como ferramenta para anlise das medidas de efeito e de associao
entre as diversas variveis envolvidas, o que lhe possibilita poder estimar
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probabilidades de ocorrncia de eventos e de analisar melhor os determinantes das
doenas nas populaes.
A sade seria a capacidade de enfrentamento do organismo das pessoas a
situaes adversas, sendo influenciada de alguma forma pela vida social. A
Organizao Mundial de Sade OMS a define no apenas como a ausncia de
doena, mas um estado de completo bem-estar fsico, mental e social.
No Brasil, a Carta Constitucional de 1988 teve forte influncia dos grupos da rea da
sade que participavam da discusso e construo de novos conceitos sobre a
sade.
A sade na Constituio definida como resultante de polticassociais e econmicas, como direito de cidadania e dever do Estado,como parte da seguridade social, como de relevncia pblica e cujasaes e servios devem ser providos por um Sistema nico deSade, organizado segundo as seguintes diretrizes: descentralizaoe mando nico em cada esfera de governo, atendimento integral eparticipao comunitria (MENDES, 2001, p.96).
Este conceito de sade se liberta do vnculo da fisiopatologia e insere parmetros debem-estar social em um modelo que s possvel ser construdo com a ampliao
dos direitos dos seres humanos na sociedade.
Os padres de sade so conseqncias, entre outros aspectos, da dinmica de
mudanas da composio da populao ao longo do tempo; fato relatado pela
primeira vez em 1940 e que ficou conhecido como transio demogrfica
(VERMELHO & MONTEIRO, 2004, p.91). Fatores como a queda da fecundidade,
aumento da perspectiva de vida das pessoas e a queda da taxa de mortalidadedeterminam um envelhecimento da populao. No Brasil, cuja transio demogrfica
contempornea ou retardada, a expectativa de vida mdia subiu de 44,9 anos, em
1940 (SILVA JNIOR, 2003, p.290), para 71,59 anos, em 2004 (IBGE, 2006) e a
taxa de fecundidade passou de 2,9 filhos por mulher em idade frtil, registrada em
1991, para 2,20, em 2000 (YAZAQUI, 2003).
Simultaneamente transio demogrfica, evidenciou-se um outro fenmeno: a
transio epidemiolgica. As conquistas da cincia mdica e as melhorias nospadres sanitrios, nutricionais e de qualidade de vida das populaes, aliada aos
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avanos da medicina preventiva, proporcionaram uma diminuio das doenas
infecciosas e um aumento das doenas crnico-degenerativas nas taxas de
morbimortalidade (VERMELHO & MONTEIRO, 2004, p.92).
As condies de trabalho so percebidas, desde a antiguidade, como um dos fatores
mais importantes na determinao do processo sade-doena. No sculo XVIII, o
mdico Bernardino Ramazzini (1633-1714) relacionou com preciso a origem de
determinadas doenas em mais de 50 ocupaes, registradas em seu livro De
Morbis Artificum Diatriba, traduzido em nossa lngua como As Doenas dos
Trabalhadores (MENDES & DIAS, 1991). Todavia, aps 150 anos de sua morte, as
condies de trabalho mudaram radicalmente e os problemas de sade relacionados
com o trabalho se tornaram mais evidentes.
O fato histrico que determinou uma radical mudana na forma de se organizar o
trabalho e de alocao da fora de trabalho foi denominada de revoluo industrial.
A revoluo industrial, iniciada na Inglaterra no sculo XIX, necessitou do consumo
da fora de trabalho de grande contingente de trabalhadores. Estes trabalhadores,
oriundos da rea rural ou de pequenas oficinas, eram submetidos a um ritmo de
trabalho acelerado, com cargas horrias desumanas acarretando grande incidncia
de acidentes e doenas (MENDES & DIAS, 1991). Para no inviabilizar seu negcio,
Robert Dernham, proprietrio de uma fbrica txtil inglesa, colocou um mdico para
verificar o efeito do trabalho sobre a sade de seus empregados e determinar meios
que pudessem prevenir as doenas e diminuir o absentesmo. Nascia assim, em
1830, o primeiro servio de sade no interior das fbricas e a Medicina do Trabalho,
concomitantemente s primeiras legislaes de proteo aos trabalhadores.
A Medicina do Trabalho caracterizada por ser uma abordagem centrada no
mdico. Quando surgiu, utilizou como paradigma a inferncia unicausal, cujo
procedimento estabelecia que para cada doena houvesse uma nica causa ou
agente etiolgico (MINAYO-GOMES & THEDIM-COSTA, 1997). Esta concepo foi
conseqncia das descobertas da microbiologia que identificaram a origem das
doenas infecciosas (FACCHINI, 1993). Assim, ao centrar sua ao no indivduo,
sua eficcia ficou comprometida, por no intervir no processo de produo material e
de desgaste dos trabalhadores.
Segundo Facchini (1993), aps a segunda guerra mundial, surgiram novas
concepes e abordagens sobre o processo sade-doena, afirmando que somente
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um fator de risco no explicava a ocorrncia de determinadas doenas, o que levou
muitos pesquisadores a conclurem que o processo sade-doena a sntese de
mltiplas determinaes (modelo multicausal).
No modelo multicausal, aumenta a importncia das equipes multiprofissionais para o
estudo da relao trabalho-sade, j que uma nica disciplina no d conta de todos
os aspectos implicados neste processo. Este modelo tem forte influncia da Higiene
Industrial, que relaciona o corpo do trabalhador com as condies fsico-qumicas
presentes no ambiente de trabalho, determinando os limites de tolerncia
exposio a estes agentes, considerando as relaes entre concentraes
ambientais, sua absoro pelo organismo humano e seus efeitos.
Estes princpios foram os alicerces da concepo da Sade Ocupacional, que
props intervir nos locais de trabalho, a fim de controlar os riscos ambientais.
Tiveram papel importante na discusso da Sade Ocupacional as escolas de Sade
Pblica, principalmente nos Estados Unidos da Amrica, onde a relao sade-
trabalho j h algum tempo estava sendo estudada.
A Sade Ocupacional introduziu formas modernas de interveno em sade no
trabalho ao indicar o controle dos riscos nos ambientes de trabalho atravs de aestcnicas. Todavia, ela abriu espao para que este controle fosse prioritariamente
feito pelo uso de Equipamentos de Proteo Individual (EPI) e pelo controle do
tempo de exposio do trabalhador aos agentes ou fatores de risco. Os
trabalhadores tm pouca ou nenhuma participao no processo de controle e so
sujeitos ao monitoramento biolgico, atravs de exames mdicos peridicos, que
acabam denunciando seu estado de sade. Na maioria das vezes este
procedimento serve para resguardar os interesses das empresas, que podem afastar
os trabalhadores da funo e demiti-los posteriormente ou no os contratarem, caso
seja verificado que eles portem alguma alterao de sade, por ocasio do exame
admissional.
Atualmente, no Brasil, so utilizadas as prticas dos dois modelos de sade do
trabalhador: o da Medicina do Trabalho e da Sade Ocupacional. A Medicina do
Trabalho atua ainda no interior das fbricas, no seio dos Servios de Engenharia e
Medicina do Trabalho SESMT e de empresas prestadores de servios de Medicinado Trabalho, realizando exames mdicos admissionais, peridicos e demissionais.
J a Sade Ocupacional uma concepo utilizada por algumas grandes empresas
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e entidades de pesquisa, incorporando a prtica da Medicina do Trabalho (MENDES
& DIAS, 1991).
Na Amrica Latina, o avano da Medicina Preventiva, da Medicina Social e da
Sade Pblica, durante as dcadas de 60 e 70 do sculo passado, desencadeou o
questionamento do modelo mdico tradicional, ampliando o debate sobre o processo
sade-trabalho.
No bojo de lutas sociais que levaram democratizao poltica, houve tambm
melhoria na qualidade de vida e do acesso aos servios de sade. Na rea da
Sade Pblica, as tentativas de construo de um objeto de estudo, de
estabelecimento de uma prtica e a consolidao de uma rea que fosse abrangida
pela questo da sade no trabalho deram origem ao campo da Sade do
Trabalhador.
A Sade do Trabalhador tem como objeto de estudo o processo sade-doena dos
grupos humanos, em sua relao com o trabalho (MENDES & DIAS, 1991). Alm de
objetivar a compreenso do por que e do como ocorrem as doenas e os
acidentes do trabalho, ainda pretende apresentar alternativas que possam romper o
processo de adoecimento, sempre na perspectiva da apropriao destes mtodospela classe trabalhadora.
Nos estudos desenvolvidos pela Sade do Trabalhador, h um esforo para romper
ou superar a lgica da exposio aos fatores de riscos presentes no ambiente de
trabalho como as causas nicas do processo de adoecimento, nas quais so
desconsideradas a subjetividade dos trabalhadores articulada com o processo
produtivo. Assim, atualmente, o desafio que se apresenta neste campo introduzir
questes como: as crenas e idias de mundo que unem o concreto ao imaterial, asrepresentaes sociais, o salrio enquanto forma de acesso ao mercado de
consumo de bens e servios, a cultura no interior das organizaes que estabelecem
a hierarquia e o poder de mando e o lugar de cada um nessa sociedade urbano-
industrial.
A Sade do Trabalhador tem sido discutida intensamente nos ltimos 30 anos, se
constituindo como um dos temas importantes da Sade Pblica no Brasil, sendo
consagrada no artigo 200 da constituio federal, que estabelece como uma dascompetncias do Sistema nico de Sade SUS, executar aes de vigilncia
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sanitria e epidemiolgica, bem como as de Sade do Trabalhador (MINISTRIO
DA SADE, 2001).
Posteriormente, esta competncia foi regulamentada pela Lei 8.080 de 1990 que
disps sobre as condies para a promoo, proteo e recuperao da sade, a
organizao e o funcionamento dos servios correspondentes. No artigo 5,
pargrafo 3, desta importante lei, a Sade do Trabalhador ficou definida como:
um conjunto de atividades que se destinam atravs de aes devigilncia sanitria e epidemiolgica garantir a promoo e aproteo sade dos trabalhadores bem como a recuperao e
reabilitao dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravosadvindos das condies de trabalho (MINISTRIO DA SADE,1990).
A Sade do Trabalhador considerada uma atividade especial das Comisses
Intersetoriais, ligadas diretamente ao Conselho Nacional de Sade, sendo
responsveis pela articulao das polticas e programas de interesse para a sade,
cuja execuo poder envolver reas no ligadas diretamente ao mbito do SUS.
Iniciativas de alguns rgos governamentais indicam que as intervenes no
processo sade-trabalho-doena sero cada vez mais uma prioridade do governo
que no pretende somente garantir os direitos universais de acesso sade e sim
diminuir os custos sociais advindos do tratamento de acidentes e doenas bem
como das aposentadorias e penses precoces.
A Sade do Trabalhador hoje uma importante rea da Sade Pblica que tem
como objetivo o estudo, a promoo e a proteo sade dos trabalhadores. A
sade dos trabalhadores s compreendida quando so considerados todos os
aspectos que condicionam as vidas destas pessoas, sejam sociais, tecnolgicos,
organizacionais e os fatores de riscos ocupacionais presentes no processo de
produo.
Esta complexidade torna a rea de estudo da Sade do Trabalhador um campo
interdisciplinar, em que h a necessidade de, segundo Nunes (2002), conjugar
saberes para uma abordagem mais profunda desta questo.
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Por outro lado, a Sade do Trabalhador precisa, cada vez mais, de progredir em
suas bases cientficas, para desvendar como ocorrem nos grupos de trabalhadores,
os processos biolgicos, psicolgicos e sociais de desgaste e o surgimento das
doenas.
2.2 O CARTER CENTRAL DO TRABALHO NA MEDIAO ENTRECORPO-MENTE-PSIQUISMO, CULTURA E SOCIEDADE.
Para que se possa vislumbrar o processo de adoecimento no trabalho, faz-se
necessrio apreender a complexidade da natureza humana j que o homem no
composto somente de msculos, tendes, rgos ou de seu corpo fsico; eletambm constitudo por seu componente cognitivo e psquico.
A evoluo da espcie humana j dura, segundo os antroplogos, cerca de 12
milhes de anos, quando surgiu a primeira criatura que poderamos identificar como
um homindeo, o Ramapithecus (LEAKEY & LEWIN, 1982, p. 14). Os estudos
antropolgicos demarcam este perodo pelos vestgios do uso pelo homem de
ferramentas rudimentares criadas por ele, como pedras lascadas, machados de
pedra e pontas de lanas que so os primeiros instrumentos de trabalhodesenvolvidos pela inteligncia humana.
O trabalho um processo que ocorre entre o homem e a natureza, construdo
cotidianamente ao longo de milnios da histria de nossa espcie, podendo-se
mesmo afirmar que a humanidade evoluiu por si mesma atravs do trabalho (MARX,
2003, p. 211).
Esta relao do homem com o trabalho e seu grupo social foi o motor do
aperfeioamento e especializao que lentamente moldou o corpo e a arquitetura
cerebral de nossa espcie. A raa humana deu um significativo avano em sua
evoluo, quando o Australopithecus: embora de forma rudimentar e vaga, parece
ter sido capaz de exercer alguma forma de previso, resistindo tentao de partir a
comida e com-la onde estavam (ROBERTS, 2001, p. 26). Neste momento, teve
incio a pr-histria: o homem conseguia refrear seus impulsos naturais imediatos a
fim de garantir o suprimento futuro. Esta foi a primeira forma rudimentar de
planejamento.
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Nos 2 milhes de anos seguintes no parou mais de evoluir, at chegar ao incio de
nossa civilizao, demarcada, segundo os historiadores, pelo desenvolvimento da
linguagem. No entanto, a histria s comea a ser contada, com a inveno da
escrita, h cerca de 5.500 anos, atravs de pedras ou blocos de argila encontrados
na Mesopotmia.
O fato que a forma como nossa mente v o mundo no surgiu de repente, como
um flash de luz, quando em nossa primeira infncia nos demos conta de que
estvamos no mundo. A espcie humana desenvolveu sua conscincia do mundo
de forma vagarosa, laboriosamente, em um processo que durou um tempo
infindvel, at alcanar o estgio civilizado (JUNG, 1980, p. 23).
O homem possui caractersticas psicossociais que foram moldadas ao longo de sua
histria, enquanto espcie, junto ao grupo onde foi criado, na sua relao com os
outros e desenvolve seu sistema prprio de crenas e ideologias, formando o que os
socilogos denominam de cultura. O homem, quando em grupo, desenvolve um
conjunto de caractersticas que torna este coletivo de pessoas diferente de qualquer
outro. Constri formas de comunicao atravs da linguagem e cdigos de
reconhecimento grupal, seja na forma de rituais prprios, arte, smbolos, crenas ou
idias. Este conjunto de produtos culturais recheado de significados que garantem
o equilbrio entre a estrutura mental e comportamental do ser humano.
Hosfstede (1980, apud TAMAYO, 2004, p. 19), define cultura como a programao
coletiva da mente que diferencia os membros de um grupo humano de outros.
Esta programao individual ou coletiva se faz atravs de condicionamentos que se
auto-reforam no interior do grupo, seja atravs de condutas previamente aprovadas
ou reforadas no interior da famlia. Entre estes condicionamentos esto ossignificados das coisas e onde entra o lugar de cada um no mundo social,
fundamentalmente o do trabalho. A criana condicionada a ter como objetivo de
vida a ocupao de um posto de trabalho na estrutura produtiva da sociedade,
desde sua participao no interior da famlia. O estmulo constante ocorre seja na
forma ldica de brincar com ferramentas de trabalho ou de uma profisso, ou com o
reforo constante de seus pais, atravs de questionamentos ou afirmaes, como:
O que voc vai ser quando crescer? Se voc no estudar no vai ser ningum navida! Assim, o trabalho e a ocupao tomam importncia central na vida das
pessoas e delineiam seu futuro na sociedade (MENDES, 1989).
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O trabalho ou a ocupao de cada um na sociedade tem importncia relevante na
formao psquica de cada indivduo, seja pelo reconhecimento do grupo mais
prximo, pelo sucesso almejado com recebimento do salrio, o poder sustentar-se a
si e a famlia e o de sentir-se til para a coletividade. Na determinao da classe
social, a vida e a morte dos seres humanos guardam relao com a posio que
estes ocupam dentro dos arranjos sociais das classes fundamentais: capitalistas e
trabalhadores. Ou ainda segundo Karl Marx.
[...] o trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho til, indispensvel existncia do homem quaisquer que sejam as
formas de sociedade -, necessidade natural e eterna de efetivar ointercmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, demanter a vida humana (Marx, 2003, p. 64).
Em funo disso, dessa relao central na vida das pessoas, o trabalho influi sobre a
vida e morte dos seres humanos (BERLINGUER, 1983 apud FACCHINI, 1993, p.46).
2.3 A ORGANIZAO DO TRABALHO E SADE DOTRABALHADOR
O trabalho por si s no seria a fonte de mal-estar e adoecimento do homem, mas
sim a forma como ele organizado e condiciona o homem na sua execuo (COHN
& MARSIGLIA, 1994). Segundo a viso marxista, o trabalhador, quando vende sua
fora de trabalho, tem que se submeter ao controle do capitalista, a quem pertence
seu trabalho (MARX, 2003, p. 219); assim, durante a execuo das atividades quea fora da gerncia capitalista far este potencial transmutar a matria prima em
produto4, de acordo com a base tcnica e das relaes sociais que pode lanar mo.
Segundo Braverman (1987), o princpio norteador da produo capitalista a diviso
do trabalho. Diferente da diviso das tarefas nas sociedades anteriores, onde
basicamente a diviso do trabalho estava vinculada aos papis do sexo ou da
hierarquia do grupo, na sociedade capitalista vinculada fragmentao da tarefa
4 Trabalho vivo, segundo Marx, apodera-se das coisas da natureza para transform-las de valores de usopossveis em valores de uso reais e efetivos (MARX, 2003, p. 217)
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em componentes simples a fim de aumentar a produo e diminuir o custo dos
salrios.
As bases tericas desta forma de organizar o trabalho foram estudadas e teorizadas
pelo engenheiro americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915), cujos princpios
ele divulgou com a publicao em 1911 de seu famoso livro Princpios de
Administrao Cientfica. O modelo de gesto da produo criado por Taylor
estabelece a expropriao do saber operrio (a concepo do como fazer atributo
da gerncia e a execuo ao trabalhador), a fragmentao do trabalho em etapas
simples, cabendo ao trabalhador execut-la o mais rapidamente possvel sem a
necessidade de pensar; esse relativo ganho de produtividade recompensado com
um salrio extra. Era o incio do processo de organizao do trabalho moderno, ou
de explorao da fora de trabalho em larga escala, que proporcionou um grande
desenvolvimento da humanidade e da acumulao de riquezas. Todavia, o custo
humano deste desenvolvimento foi feito tambm com sofrimento da classe
trabalhadora e uma grande incidncia de acidentes e de adoecimento, pois esta
forma de organizao do trabalho, alm de alterar as condies ambientais
encontradas na natureza, insere um ritmo imposto externamente e a repetitividade
da tarefa, retirando do trabalhador o planejamento da execuo que passa a ser
realizado pela gerncia.
A gerncia significa, de fato, o controle das formas de trabalhar, ainda inclundo todo
o processo produtivo, o que fazer e o como fazer, a da apropriao mais adequada
do trabalho alienado isto , a fora de trabalho comprada e vendida
(BRAVERMAN, 1987, p. 86).
O controle retirado do trabalhador e a fragmentao do trabalho tornam o produto
coletivo, a mercadoria, como algo alheio e estranho ao produtor. Este estranhamento
causa a desrealizao do ser social, atingindo sua subjetividade (ANTUNES, 1998,
p. 124).
Os modelos de organizao do trabalho com o objetivo de fazer o trabalhador ser
mais produtivo vm sendo desenvolvidos por vrios tericos e se transformado ao
longo do tempo. Entre estes foi desenvolvido por Henri Ford em 1913, o sistema de
produo em grande escala de produtos padronizados, baseado na esteira rolante,destinados ao mercado de massa (MONTEIRO&GOMES, 1998). Esta forma de
produo, Fordismo, trouxe srios impactos sobre a sade dos trabalhadores,
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resultando em cansao, doenas fisiolgicas ou psicossomticas, acidentes e
absentesmo.
Segundo Dejours, aps a desapropriao do know-how e desmantelada a livre
organizao do trabalho da classe operria, no resta mais nada, somente os
corpos adestrados, treinados e condicionados pela organizao do trabalho
(DEJOURS, 1992, p. 42). Por esta forma de organizar a produo, o trabalhador
perdeu sua capacidade de controlar a economia do corpo e manter sua sade. A
organizao do trabalho faz desaparecer a atividade intelectual do operrio no seu
trabalho o que, segundo Dejours, causa um desastre na estrutura fsico, mental e
psquica do trabalhador, ocasionando o desequilbrio entre as partes e favorecendo
o aparecimento de doenas psicossomticas.
Em 1940 surge na Inglaterra uma nova idia de controle denominada de corrente
scio-tcnica, que se baseia na formao de equipes de trabalhadores que
executam cooperativamente as tarefas designadas, podendo haver alternncia de
funes entre os membros. O grupo tem assim, certa autonomia, com o
compromisso de atingir as metas de produo (FLEURY, apud
MONTEIRO&GOMES, 1987, p. 54). So os denominados teamworkou clulas de
produo.
Nas ltimas dcadas, o modelo de controle da produo desenvolvido pelos
japoneses tem sido copiado pelo ocidente, em especial as inovaes
organizacionais desenvolvidas por Ohno Toyota, que busca uma gerncia industrial
mais eficiente em uma organizao mais flexvel baseada no fim da diviso do
trabalho pela prescrio das tarefas e do relacionamento autoritrio. Este modelo
denominado de Toyotismo pressupe a polivalncia, rotatividade de tarefas, maior
valorizao do trabalho em grupo do que o individual e a insero de novas formas
de gerncia como o just-in-time, que objetiva o melhor aproveitamento possvel do
tempo de produo; o sistema kanban, que atravs de placas e senhas de comando
controla a reposio de peas e estoque, sempre mnimos no toyotismo e os
Crculos de Controle de Qualidade (CCQs), constitudos por grupos de trabalhadores
que so instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a
melhorar a produtividade (ANTUNES, 2003, p. 54). Este modelo embute tambm a
terceirizao e a flexibilizao econmica das relaes de trabalho e cria o
sindicalismo de empresas, enfraquecendo a representao poltica dos
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trabalhadores. O trabalho realizado agora para satisfazer as necessidades de
produo estabelecida pelo grupo ao qual o trabalhador est inserido.
A terceirizao tem sido responsvel pela precarizao das relaes de trabalho, j
que uma estratgia para a reduo de custos. Este modelo favorece o
desaparecimento das empresas com muitos trabalhadores empregados que so
pulverizados em centenas de milhares de empresas pequenas.
As pequenas empresas vivem para prestar servios para as empresas lderes ou
montadoras, sendo obrigadas a reduzir o custo da produo atravs do aumento da
produo, com o conseqente aumento da densidade do trabalho.
Nestes novos tempos de globalizao do trabalho e da produo, os capitalistas tmutilizado o que denominado de reengenharia, como forma de reestruturar os
processos empresariais, para o realinhamento dos custos operacionais e o
enfrentamento da concorrncia de produtos vindos do Japo e dos pases
denominados de tigres asiticos, com a China surgindo mais recentemente.
Apesar de pequenas diferenas o objetivo sempre fazer a habituao do
trabalhador de forma a aumentar a produo. Seja sob qual denominao que se
encontre o modelo de gesto da produo, em sua essncia, encontraremos l osfundamentos do taylorismo e do fordismo, que sobrevivem ainda no seio das
empresas, como forma de apropriao da capacidade dos trabalhadores produzirem
a riqueza.
2.4 AVALIAO DAS CONDIOES DE TRABALHO COM A SADE:
RISCOS, CARGAS DE TRABALHO E DESGASTE.
O marco terico para a compreenso da relao sade-trabalho tem sido bastante
desenvolvido nos ltimos 35 anos, tomando-se como base a anlise das cargas
presentes no ambiente de trabalho como um todo complexo, cuja interao entre as
partes se d de forma processual, imprimindo-lhe uma qualidade especfica
(ASMUS&FERREIRA, 2004, p. 393). Estas cargas de trabalho se constituem em
fatores de riscos que podem provocar acidentes e adoecimento, pois so elas
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responsveis por desgastar o corpo, a mente e as capacidades vitais dos
trabalhadores (FACCHINI, 1993, LAURELL&NORIEGA, 1989).
Sem o objetivo de levantar historicamente em detalhes ou de revisar criticamente os
diferentes mtodos empricos de estudo dos fatores ou circunstncias de riscos nos
ambiente de trabalho, abordamos a seguir alguns modelos conceituais utilizados por
vrios autores e pela legislao brasileira.
Inicialmente, no inicio dos anos 70, as causas dos acidentes e doenas foram
definidas pela Engenharia de Segurana do Trabalho, atravs de conceitos que
sobrevivem at hoje na NR-1 Disposies gerais. So elas: a) condies
inseguras, representadas por falhas em equipamentos, ferramentas defeituosas,
arranjo fsico deficiente, treinamentos inadequados ou inexistentes e a presena de
agentes qumicos, fsicos ou biolgicos no ambiente de trabalho5, com o potencial de
provocar leses ou enfermidades; b) atos inseguros, cometidos pelos
trabalhadores ao burlarem as normas de segurana (TRIVELATO, 1998).
Posteriormente, a Medicina do Trabalho se apropriou da categoria risco a fim de
identificar os elementos nocivos presentes no ambiente de trabalho que podem, por
suas caractersticas, causar danos sade dos trabalhadores, mas de uma formaisolada no esquema monocausal (LAURELL&NORIEGA, 1989, p. 109)
A Higiene do Trabalho, que tambm utiliza o conceito de risco, desenvolveu a
tcnica de avaliao de risco e dos nveis seguros de exposio. O modelo de
avaliao tem como etapas: a) Identificao do perigo; b) Avaliao de dose-
resposta; c) Avaliao da Exposio e d) Caracterizao do risco.
A higiene industrial estabeleceu os Limites de Tolerncia (LT) de concentraes e do
tempo de exposio do trabalhador aos agentes ambientais e reconheceu o papel
sinrgico destes agentes entre si, levando em considerao as caractersticas
genticas dos indivduos e com a forma em que o trabalho realizado. Apesar deste
avano, sua abordagem ainda a de causa e efeito num vis monocausal.
5 Ambiente de Trabalho definido, de acordo com Oddone (1986), como o conjunto de todas as
condies de vida no local de Trabalho, abrangendo: caractersticas do local: dimenses,iluminamento, aerao, rumoriosidade, presena de poeira, gases ou vapores, fumaa, etc, alm deelementos da atividade (tipo de trabalho, posio do operrio, ritmo, ocupao do tempo, horrio detrabalho, turnos, alienao, valorizao intelectual e profissional).
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A rea da sade, atravs da epidemiologia, introduziu o conceito de risco, agora sob
a teoria do modelo multicausal, defendendo a necessidade da presena simultnea
de vrios fatores de risco para que se possa explicar a produo do adoecimento de
uma determinada populao. Segundo Trivellato (1988), o risco representa a
possibilidade de um efeito adverso ou dano ou a incerteza da ocorrncia,
distribuio no tempo ou magnitude de resultado adverso.
A epidemiologia introduziu tambm o conceito de fator de risco como sendo todas
as variveis presentes no ambiente de trabalho com o potencial de ao interagir com
o corpo do trabalhador, causar um dano sade.
Os fatores de risco, por suas caractersticas e especificidades, podem ser
classificados de vrias formas, havendo algumas variaes de um modelo para
outro. No Brasil, utiliza-se uma classificao que surgiu da NR-9 (Programa de
Preveno de Riscos Ambientais - PPRA) e posteriormente foi inserida na NR-5
(Comisso Interna de Preveno de Acidentes CIPA), que estabelece a
obrigatoriedade dos componentes desta comisso fazerem o mapeamento dos
riscos em todos os ambientes de trabalho da empresa, avaliando seu potencial de
causar danos, na seguinte graduao: pequeno, mdio ou grande. Este mapa de
risco deve ser fixado de forma visvel nos locais de trabalho e discutido com todos os
trabalhadores a fim de que eles participem da gesto da segurana e sade no
trabalho.
Por esta norma, os fatores de risco so classificados em: Riscos Ambientais (fsicos,
qumicos e biolgicos), Riscos de Acidentes e Riscos Ergonmicos. Sua definio
pode ser mais bem compreendida de acordo com a exposio abaixo:
Riscos fsicos: So as diversas formas de energia a que possam estar expostos ostrabalhadores, tais como: rudo, vibraes, presses anormais, temperaturas
extremas, radiaes ionizantes, radiaes no ionizantes, bem como o infra-som e o
ultra-som.
Riscos Qumicos: So as substncias, compostos ou produtos que possam penetrar
no organismo pela via respiratria, nas formas de poeiras, fumos, nvoas, neblinas,
gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade de exposio, possam ter
contato ou ser absorvidos pelo organismo atravs da pele ou por ingesto.
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Riscos Biolgicos: So os microorganismos, como: as bactrias, fungos, bacilos,
parasitas, protozorios, vrus, entre outros, que podem levar o trabalhador infeco
ou ao parasitismo.
Riscos de Acidentes: So todas as situaes ou condies inadequadas no
ambiente de trabalho que podem ser causa de acidentes com leses nos
trabalhadores como: piso de trabalho escorregadio, mquinas sem proteo,
manuteno inadequada de equipamentos, uso inadequado de ferramentas, a falta
de sinalizao, trabalho com equipamentos energizados, presena de animais
peonhentos, entre outros. Inicialmente, foi classificado como risco mecnico e,
posteriormente, foi mudado para risco de acidentes, porque o termo mecnico
parece estar mais relacionado a acidentes com leses no corpo que provoquem
corte, fraturas, esmagamento, entre outros e se torna pouco representativo para
situaes de risco com eletricidade, queimaduras, picadas de animais peonhentos;
da a mudana de denominao.
Riscos Ergonmicos: So os fatores de risco que podem trazer: desconforto
anatmico e fisiolgico, uso excessivo dos msculos e tendes, presses excessivas
da organizao da produo, a desvalorizao intelectual, ou que trazem
constrangimento (contrainte) ao psiquismo do trabalhador, enfim, os aspectos que os
ergonomistas denominam de relao homem-mquina.
O termo ergonmico utilizado de forma inadequada, j que a ergonomia por sua
definio um campo muito vasto e de carter interdisciplinar, e abarca em sua
abordagem, inclusive os riscos ambientais e de acidentes. Segundo a Norma
Regulamentadora 17, item 17.17.1 (ATLAS, 2005), a ergonomia procura adaptar
todas as condies de trabalho que podem entrar em conflito com as caractersticas
psicobiolgicas do homem causando-lhe desconforto, insegurana e baixo
desempenho. Por esta definio a ergonomia pretende estudar o trabalho como um
todo a fim de estabelecer uma interveno que possa melhorar a situao de
trabalho. Desta forma, a utilizao deste conceito pela NR-5 e por vrios autores
(ASMUS&FERREIRA, 2004, p.391 e CMARA, 2003, p.475) o restringe somente
natureza anatmica, fisiolgica e psquica do homem.
O mapa de riscos foi trazido para nossa legislao a partir da experincia dossindicatos italianos, chamado de Modelo Operrio Italiano, que foi formulado por
trabalhadores e profissionais em Turim, nos anos 60. Este modelo foi o sustentculo
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da luta dos trabalhadores por melhores condies de sade e tem 4 conceitos
principais: o grupo homogneo, a valorizao da experincia ou subjetividade
operria, a no-delegao e a validao consensual.
O Modelo Operrio Italiano estabelece em suas bases que os trabalhadores no
podem delegar aos tcnicos a definio dos padres sanitrios do ambiente de
trabalho, que o grupo de trabalhadores expostos de forma homognea s mesmas
condies de trabalho e com laos de unio entre si valide os conhecimentos
operrios sobre os fatores de riscos consensualmente, tornando-se assim um
modelo de construo do conhecimento operrio sobre as condies de trabalho.
Por este modelo os riscos so classificados em 4 grupos, segundo suas
caractersticas (ODDONE, 1986, p.21-24):
1 Grupo: So os fatores que existem na natureza e que so alterados no ambiente
de trabalho, como: luz, rudo, vibrao, temperatura, ventilao, umidade e
radiaes;
2 Grupo: So constitudos por fatores que surgem pelo consumo das matrias
primas no processo de produo, como: poeiras, gases, nvoas, vapores e fumaas;
3 Grupo: Est relacionado ao trabalho fsico do corpo do trabalhador, em que o
consumo de calorias e seus possveis efeitos nocivos se relacionam com a fadiga;
4 Grupo: Os fatores classificados neste grupo esto relacionados forma como
organizada a produo, como: ritmos excessivos, repetitividade, monotonia,
responsabilidade, posies incmodas, trabalho em turnos e noturno.
A experincia brasileira com os mapas de riscos no foi positiva. Hoje, perdeu sua
importncia devido ao desvirtuamento de sua confeco e utilizao pelostrabalhadores como forma de gesto do meio ambiente de trabalho. Todavia, seus
conceitos principais continuam sendo utilizados na confeco dos Programas de
Preveno de Riscos Ambientais (PPRA) e nos estudos dos ambientes de trabalho.
Outros autores que estudam os fatores de riscos, principalmente pelo recorte da
gesto de riscos, utilizam algumas variaes em suas denominaes e classificao
como o utilizado por Trivellato (1998), que os classifica como:
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a) Ambientais:
- Fsicos: radiao, rudo, vibrao, etc;
- Qumicos: substncia qumica, poeiras, nvoas, fumos metlicos, gases;
- Biolgicos: microorganismos como fungos, bactrias, vrus, etc.
b) Situacional ou de acidentes: situaes inadequadas relacionadas s instalaes,
ferramentas, equipamentos, materiais e operaes a serem realizadas.
c) Humano ou comportamental: decorrentes da ao ou omisso.
Baseados na concepo da determinao social do processo sade-doena
desenvolvido por Laurell e Noriega (1989), em seu estudo clssico sobre ascondies de trabalho na principal siderrgica mexicana, criticam estes modelos de
identificao de risco por considerar que todos reduzem o risco ao ser carter
ambiental externo e analisam os fatores de forma isolada. Consideram o conceito de
risco limitado e insuficiente para a caracterizao do desgaste do trabalhador,
propondo outra categoria de anlise denominada carga de trabalho. Esta categoria
de anlise busca compreender o processo de trabalho e os fatores que interatuam
dinamicamente entre si e no corpo do trabalhador, sendo responsveis pela
adaptao do corpo do trabalhador a estas condies, gerando, assim, o processo
de desgaste, que pode ser verificado com a perda da capacidade potencial e efetiva
corporal e psquica do trabalhador (LAURELL&NORIEGA, 1989, pg. 110).
Neste modelo, as cargas de trabalho de acordo com suas especificidades so
classificadas como: fsicas, qumicas, biolgicas, mecnicas, fisiolgicas e psquicas.
Segundo Laurell e Noriega (1989), as cargas fsicas, qumicas, biolgicas e
mecnicas tm materialidade externa ao corpo e podem ser avaliadasquantitativamente, independentemente do trabalhador; por outro lado, as cargas
fisiolgicas e psquicas somente tm materialidade interna e so expressas pelo
trabalhador, que manifestar queixas ou patologias.
As cargas externas, ao interatuarem sobre o corpo do trabalhador, tambm,
adquiriro uma materialidade interna pelas transformaes que causam nos
processos intracorporais mais complexos. Como exemplo, o calor presente no
ambiente de trabalho se expressa atravs dos mecanismos de termo-regulao,
como a sudorese e alteraes hormonais, constituindo mudanas que podem ser
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temporrias ou no, a dependendo do tempo de exposio dos trabalhadores a
estas condies.
As cargas de trabalho podem ser identificadas e classificadas como:
a) Cargas fsicas: rudo, calor, umidade, presso atmosfrica, radiaes e vibraes;
b) Cargas qumicas: poeira, fumaas, fibras, vapores, lquidos, fumos metlicos, etc.
c) Cargas biolgicas: presena de microorganismos: vrus, bactrias e fungos.
d) Cargas mecnicas: condies do ambiente de trabalho responsveis pelos
acidentes que causam leses instantneas no corpo do trabalhador (contuses,
fraturas, feridas, etc.), como o trabalho em altura, os pisos escorregadios, as
escadas sem proteo, o trabalho com substncias perigosas, etc.
e) Cargas fisiolgicas: relacionadas ao dispndio de energia e desgaste no interior
do corpo humano: esforo fsico pesado, posio incomoda, alternncia de turnos de
trabalho e os ritmos excessivos so exemplos.
f) Cargas Psquicas: relacionadas com manifestaes somticas, sendo divididas em
dois subgrupos:
- Sobrecarga psquica: ateno permanente, superviso com presso,
conscincia da periculosidade dos trabalhos, alto ritmo de produo, etc.
- Subcarga psquica: perda de controle do trabalho pela subordinao
mquina, desqualificao do trabalho, separao entre a concepo e
execuo, fragmentao do trabalho que resulta em monotonia e
repetitividade.
As cargas psquicas, segundo Laurell e Noriega, s tm existncia na relao dos
homens com os outros homens e com as coisas, adquirindo materialidade nos
processo psquicos e corporais. Por exemplo, a monotonia e a repetitividade podem
causar a hipotrofia do pensamento e da criatividade humana, se expressando na
fisiologia com mudanas nos corticosterides (LAURELL&NORIEGA, 1989, p.112).
Resumindo este conceito ou categoria de anlise, Facchini (1993, p.39) define estas
cargas de trabalho como as demandas ou exigncias psicobiolgicas do processo
de trabalho, gerando ao longo do tempo as particularidades de desgaste dotrabalhador.
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A associao do desgaste com a reproduo determina a constituio de formas
histricas biopsquicas que so caractersticas e que determinaro o aparecimento
de uma srie de enfermidades particulares, denominada por Laurell (1989) como o
perfil patolgico de um grupo social.
No entanto, as cargas de trabalho s podem ser entendidas como articuladas no
processo de trabalho e que interagem com as demais cargas, potencializando seus
efeitos. Por exemplo, um trabalhador realizando um trabalho pesado, em um local
mal ventilado e em uma posio incmoda, ir ter um desgaste derivado de cada um
deles, que no corresponde sua simples somatria, mas valores maiores,
decorrentes do que se denomina de sinergismo. Por outro lado, podem haver
situaes de atenuao, como no exemplo onde o trabalhador mantm alto ritmo de
produo e situaes de desconforto, que so compensadas pelo fato da atividade
permitir a tomada de decises, tendo significado e valorizao do trabalho, e por isso
no se tornam amortecedores das cargas psquicas somatizantes.
Nesta anlise, Facchini, aponta que no h uma hierarquia entre as diferentes
cargas, mas sim, entre os elementos do processo de trabalho, sendo que so a
organizao e a diviso do trabalho no interior das empresas que ocupam a
hierarquia superior em termos de controle e consumo da fora de trabalho (FACHINI,
in BUSCHINELLI, 1993, p. 182)
Como as cargas de trabalho interagem de forma bastante complexa para cada ramo
produtivo e para cada processo de trabalho, possvel identificar um perfil de cargas
de trabalho que conformam um determinado padro de desgaste operrio
(FACCHINI, in BUSCHINELLI, 1993, p. 180).
Almeida Filho (2004) critica o modelo de determinao social do processo sade-doena tendo o trabalho como causa central, proposto por Laurell e Noriega, em
primeiro lugar por questes epistemolgicas e, em segundo lugar, pela incapacidade
deste modelo conseguir substituir o conceito de risco como ferramenta conceitual
para expressar o carter coletivo do processo sade-enfermidade. Em terceiro lugar,
acrescenta, o modelo terico da determinao social da doena reduz a
complexidade social a uma nica dimenso, isto , ao processo de trabalho.
Outra questo que podemos levantar o conceito de materialidade externa e internaque no traz benefcio ao entendimento sobre a exposio do trabalhador s cargas
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de trabalho, causando at mesmo certa confuso. Primeiro, por que as cargas
externas s tm relevncia no momento da interatuao com o corpo do trabalhador;
em segundo lugar, as cargas internas, em especial as fisiolgicas, s so analisadas
pelo aspecto do esforo do trabalhador em realizar o trabalho, como o gasto
calrico, pelo atrito entre os tecidos musculares e os tendes, ou pela postura
incmoda necessria para a realizao da atividade e no analisa, por exemplo, a
questo dos mobilirios inadequados que no dispem de regulagens ergonmicas
que permitam uma postura mais adequada; a prpria organizao da produo, a
ausncia de pausas, rotatividade de funes, concepo prxima da execuo, que
em sua maioria tambm tm materialidade externa e podem ser analisados pelos
tcnicos ou pelos trabalhadores, antes de se materializarem em desgaste no corpo.
Apesar destas crticas, o modelo da determinao social trouxe algo de novo que
enxergar alm das cargas de trabalho e no somente por elas, o trabalhador
exposto e sua vida em um mundo social que est sempre reforando sua condio
de ser produtivo.
As mudanas na forma de organizar o trabalho, a partir da revoluo industrial no
sculo XIX e das modernas tcnicas de administrao da produo (Taylorismo,
Fordismo, Toyotismo, entre outros), retiram do trabalhador o planejamento do
trabalho, robotizando seus movimentos e sua criatividade, problemas que tm
repercutido na sade dos trabalhadores como causa da maioria das doenas
crnico-degenerativas.
Alguns estudos tm demonstrado que no momento atual, dada s transformaes
no mundo do trabalho, h um retorno de atividades de planejamento para o domnio
dos trabalhadores ou, antes, a aproximao entre as funes de pensar e de
executar, em particular nas indstrias de alta tecnologia. O fato que, nas indstrias
de produo em massa, os trabalhadores perdem o controle sobre o trabalho com o
desenvolvimento da maquinaria, que
[...]desta maneira vem a ser no uma fonte de liberdade, mas deescravizao, no do domnio, mas de desamparo, e no doalargamento do horizonte do trabalho, mas do confinamento do
trabalhador dentro de um crculo espesso de deveres servis, no quala mquina aparece como a encarnao da cincia e o trabalhadorcomo pouco ou nada (BRAVERMAN, 1987, p. 169)
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Atualmente, alm de todos os fatores de riscos j citados, importante considerar
que o capitalismo tem ganhado fora e ampliado suas formas de apropriao das
riquezas produzidas pelo mundo do trabalho. Entre estas prticas est a
flexibilizao da produo, da sua gesto e as relaes de emprego que se
deterioram medida que passam a serem entendidas como a possibilidade de se
contratar trabalhadores sem os nus advindos da legislao do trabalho, a qual
consolidou, ao longo das ltimas quatro dcadas, direitos e garantias mnimas,
como: o 13o salrio, frias, FGTS, entre outros (ASSUNO, 2003). Como parte das
cargas psquicas do dia-a-dia dos trabalhadores est o fantasma do desemprego.
Da se estabelece que as relaes e o processo de trabalho so os fatores mais
importantes na determinao social das doenas, principalmente para algumas
categorias de trabalhadores.
Configura-se, assim, a hiptese deste estudo de que as relaes de trabalho e as
formas de organizao de trabalho encontradas nas indstrias do setor de vesturio
de Colatina determinam um conjunto de cargas de trabalho que repercutiro em
desgaste, expresso pelas freqncias elevadas de distrbios sade dos
trabalhadores.
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3 METODOLOGIA
Segundo Rigoto (1993, p.159), o objeto de estudo da sade do trabalhador complexo e multifacetrio, pois se pretende apreender a totalidade das interaes do
homem com o ambiente de trabalho que participam do processo sade-doena.
Segundo esta autora, a investigao da relao entre a sade e o trabalho compe-
se de trs elementos:
- Levantamento e anlise do perfil de sade e dos riscos a que esteja exposto
o trabalhador ou o grupo de trabalhadores, ao nvel da: produo, consumo,
meio ambiente, hbitos de vida, comportamento na vida diria;
- Deteco e avaliao das alteraes de sade precoces ou manifestas, que
esto ocorrendo no corpo do trabalhador ou do grupo de trabalhadores;
- O estudo e a pesquisa sobre as relaes entre o perfil de sade e de riscos e
as alteraes de sade verificadas.
Estas informaes so colhidas atravs dos seguintes instrumentos: a entrevista
com o trabalhador, as entrevistas coletivas e o estudo dos locais de trabalho.Os estudos transversais, denominados tambm na dcada de 1970 como inquritos
de sade, so utilizados largamente em todo o mundo e tm reconhecido poder de
revelar o estado de sade e doena da populao (CAMPOS, 1993). O resultado
quantitativo que se quer alcanar nestes estudos uma estimativa da medida de
prevalncia de alteraes sade.
De acordo com Gomes e Tanaka (1982), existem vrias formas de se obter a
morbidade de uma populao.
(...) a morbidade sentida permite principalmente abordar a noo denecessidade e, portanto, de demanda em face do sistema de sade;a morbidade diagnosticada , antes de tudo, o reflexo dofuncionamento do sistema de cuidados mdicos; a morbidadeobjetiva pretende ser uma medida de prevalncia real dosfenmenos mrbidos em uma populao, em funo das normasestabelecidas pelo estado dos conhecimentos mdicos; por fim, amorbidade comportamental reflete as implicaes scio-econmicasdos problemas de sade bem como as atitudes e reaes em face
desses problemas. (GOMES&TANAKA, 1982, p. 81)
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Para estes autores, a prevalncia de morbidade referida tem sido confirmada como
um indicador altamente confivel das condies de sade populacional e com alta
capacidade de revelar desigualdades entre grupos.
No caso deste estudo, as queixas de sade, que o grupo de trabalhadores da
indstria do vesturio de Colatina ES sentiram nos ltimos 15 dias anteriores
coleta de dados, sero indicadores da morbidade.
A deteco precoce dos sinais que possam caracterizar ou indicar a instalao das
patologias importante para a avaliao da eficcia dos controles dos agentes
agressivos implantados pelas empresas e se os limites de tolerncia adotados so
compatveis com a variabilidade das suscetibilidades dos trabalhadores.
Nos ambientes de trabalho so encontrados inmeros fatores que entram em
contato com o corpo, a mente e o psiquismo dos trabalhadores que podem,
individualmente ou de forma sinrgica, desencadear o processo de adoecimento.
Atravs da identificao das queixas de sade, dos agentes de risco a que so
expostos, da associao entre eles e das demandas da atividade exercida pelo
conjunto de operrios que atuam em um determinado setor produtivo, pode-se
determinar o perfil de sade dessa populao de trabalhadores, podendo-seinclusive consultar os pronturios mdicos das Unidades Bsicas de Sade.
3.1 A INDSTRIA DO VESTURIO EM COLATINA.
A indstria do vesturio surgiu no municpio de Colatina entre as dcadas de 60 e 70
do sculo XX. Inicialmente como fbricas familiares que utilizavam poucos
trabalhadores, com produo de poucas peas que se destinavam ao mercado local,
possuam acabamento quase artesanal e eram vendidas de porta-em-porta pelas
denominadas sacoleiras, que intermediavam a venda. Segundo o scio proprietrio
e fundador de uma das indstrias de confeces pioneiras no municpio, Colatina
consolidou seu plo de indstria do vesturio a partir de 1990, ocasio em que
houve grande incremento do nmero de indstrias, investimento em tecnologia de
ponta com a aquisio de mquinas modernas, melhoria das reas fsicas das
empresas com a reforma e ampliao das instalaes e a construo de novas e
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modernas fbricas, aliado ao incremento na capacitao da mo-de-obra pelas
empresas, em boa parte financiada pelo Banco de Desenvolvimento do Esprito
Santo - BANDES e por instituies como o SEBRAE. As empresas tambm
desenvolveram tcnicas prprias e criaram moda, o que explica, em parte, o avano
da produo em milhares de peas por dia e a conquista do mercado nacional e
internaci