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Da idéia de “impacto” a de “viver com” a internet: a percepção de jovens usuários do programa AcessaSP sobre o orkut Pesquisadora Melissa Migliori S. Machado Mestranda em Comunicação e Semiótica 1

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Da idéia de “impacto” a de “viver com” a

internet: a percepção de jovens usuários

do programa AcessaSP sobre o orkut

Pesquisadora

Melissa Migliori S. Machado

Mestranda em Comunicação e Semiótica

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo – Brasil

Pesquisadora do Programa Conexões Científicas

Escola do Futuro da USP

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Maio de 2007

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Índice

Introdução – p. 03

A passagem da idéia de “comunidade” para as “redes sociais” – p. 05

Da idéia de “impacto” para a de “viver com” a internet – p. 07

A Pesquisa – p. 09

Os Resultados – p. 10

A Confiança – p. 11

Conclusões – p. 18

Encaminhamentos – p. 20

Bibliografia – p. 22

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Introdução

O público da Internet é predominantemente jovem. Em todas as pesquisas

realizadas, a proporção de jovens acessando a rede é maior do que na população adulta.

Estamos presenciando o início de uma era na qual jovens estão crescendo com/na

Internet e, portanto está se desenvolvendo uma cultura de Internet. Não se trata de

agregar “uma coisa a mais” na vida dos jovens, mas sim de compreender que a vida em

si mudou.

Algumas tecnologias são consideradas revolucionárias na medida em que

introduzem profundas alterações tanto no tecido social quanto nas formas de pensar,

agir, sentir e ser de seus contemporâneos. A internet é uma dessas tecnologias

revolucionárias. Segundo Costa (2005), os impactos da internet podem ser divididos em

dois tipos principais - a) impactos diretos: aqueles gerados pela interação dos usuários

com a rede de computadores ou pela interação entre usuários por meio dela; b) impactos

indiretos: aqueles que incidem tanto sobre os usuários da rede quanto sobre homens e

mulheres que podem jamais ter tido qualquer experiência direta com a internet. Isso

porque tanto os primeiros quanto os últimos sofrem os efeitos das profundas alterações

introduzidas pela internet no mercado de trabalho, na circulação do capital, no exercício

da cidadania, no acesso à informação, na educação etc.

Uma das principais manifestações de uma determinada sociedade (ou de um

conjunto de sociedades), em uma dada época, é a tecnologia por ela desenvolvida e

usada. A internet não é uma exceção a essa regra. Ela faz parte do conjunto de

tecnologias (computadores, satélites, fibras ópticas, celulares etc.) que está tornando

possível a emergência de uma nova "era" (por muitos chamada de pós-moderna, ver

Bauman, 2001; Harvey, 1989; Sennett, 1998); uma era cujas principais características

são a integração, a globalização, a relativização, o imediatismo, a agilidade, a derrubada

de fronteiras, a extraterritorialidade, o nomadismo etc. (Costa, 2002)

Ao fazer parte do conjunto de fatores que estão mudando a configuração social

do mundo em que vivemos, a internet evidentemente também vem tendo um importante

papel nas mudanças que estão ocorrendo nos nossos comportamentos, nas nossas

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formas de ver o mundo, bem como de nos vermos nele, e, acima de tudo, nas nossas

formas de ser.

Há muito nos foi mostrado que aquilo que acontece no nível social tem um

importante papel na construção da organização subjetiva. Todo ambiente sócio-cultural

é feito de um conjunto dinâmico de universos. (Rolnik, 1997). Tais universos afetam as

subjetividades, traduzindo-se como sensações que mobilizam um investimento de

desejo em diferentes graus de intensidade. O contorno de uma subjetividade delineia-se

a partir de uma composição singular de forças. A cada novo universo que se incorpora,

novas sensações entram em cena e um novo mapa de relações se estabelece, sem que

mude necessariamente a figura através da qual a subjetividade se reconhece. O conceito

de subjetividade é um conceito híbrido por excelência já que não descreve uma essência

ou uma natureza, mas diz respeito a um processo de produção de si que se realiza com

componentes heterogêneos, matérias distintas ou vetores de existencialização diversos.

(Passos, 2002).

Estamos aqui falando não só das relações familiares, dos acontecimentos da

infância ou dos componentes biológicos, mas também das relações com a cidade, com a

política, com os meios de comunicação, com as novas tecnologias etc. Sem incluirmos

aspectos da subjetividade contemporânea nas pesquisas e atividades, corremos o risco

de nos tornarmos inadequados ou mesmo preconceituosos (como é o caso daqueles para

os quais qualquer mudança recebe valoração negativa a partir de parâmetros

tradicionais).

Dentre os elementos da internet que vêm co-habitando todas essas mudanças, os

sites de comunidades de relacionamento, principalmente o orkut, têm sido de grande

destaque. O programa de inclusão digital Acessa São Paulo, com a preocupação de

acompanhar o desenvolvimento do perfil dos usuários freqüentadores, seus hábitos e

atitude em relação as novas tecnologias, o impacto pessoal e comunitário, realiza

anualmente uma pesquisa chamada Ponline. Segundo os resultados da pesquisa de 2006,

seu público é predominantemente jovem, a grande maioria utiliza os postos mais de uma

vez por semana, e em resposta a questão “o que você faz na internet?”, as três principais

são: recebo e envio e-mail – 86,4%; converso via mensagens instantâneas (exemplo:

MSN, Google talk) – 64,8%; participo de sites de comunidades de relacionamento

(exemplo orkut) – 63,1%.

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Esse dado é importante porque muitos estudiosos (vide Castells, 2003; Lévy,

1999, Rheingold, 1994) consideram a comunicação mediada por computador como uma

forma de conexão entre as pessoas e aumento do senso de comunidade, através do

surgimento de comunidades virtuais. A sinergia entre as pessoas via internet,

dependendo do projeto em que estejam envolvidas, pode ser multiplicada com enorme

sucesso. (Costa, 2205) Essas redes digitais representam hoje fator determinante para a

compreensão da expansão de novas formas de redes sociais.

Embora isso possa acontecer, o exemplo do orkut leva-nos a inferir como esta

dinâmica, pesquisada do ponto de vista da subjetividade, pode se traduzir em aplicações

no contexto de um programa de inclusão digital.

A passagem da idéia de “comunidade” para as “redes sociais”

As diversas formas de comunidades virtuais, a explosão dos blogs e wikis, e a

própria febre do orkut são prova de que o ciberespaço constitui fator crucial na

constituição de um novo jeito de fazer sociedade e, consequentemente, nos contornos da

subjetividade. Os estudos que levam a passagem da compreensão de “comunidade” para

“redes sociais” se deve em grande parte a explosão das comunidades virtuais no

ciberespaço e a estrutura dinâmica das redes de comunicação. Com tantos eventos

coletivos disparados pelo orkut, não há dúvidas sobre seu potencial de reorganização da

dinâmica dos movimentos sociais. As redes digitais representam hoje um fator

determinante para a compreensão e ampliação de novas formas de redes sociais.

A discussão sobre o termo “comunidade” se dá em torno da idéia de que esse

termo pode, de fato, ter mudado de sentido. Alguns autores relacionam o termo

comunidade com o sentido mais tradicional que conhecemos: laços por proximidade

local, parentesco, solidariedade de vizinhanças. Neste sentido, a perda da possibilidade

de se relacionar desta maneira, pelo crescimento das cidades e outros fatores

relacionados à revolução industrial das últimas décadas, nos traria relações não coesas,

uma vez que este desenho de comunidade é a base para relacionamentos consistentes.

Essa revolução teria trazido relações superficiais, exploratórias, transitórias,

especializadas e desconectadas nas vizinhanças. Wellman & Berkowitz afirmam que

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recentes análises fazem uma comparação nostálgica das comunidades contemporâneas

com os supostos bons tempos, e oferecem uma análise mais complexa trazendo a idéia

de que estamos em rede, mas associados em comunidades pessoais, e que as

comunidades contemporâneas não estão mortas.

O que os recentes analistas de redes apontam é para a necessidade de uma mudança no

modo como se compreende o conceito de comunidade: novas formas de comunidade

surgiram, o que tornou mais complexa nossa forma de relação com as antigas formas.

De fato, se focarmos diretamente os laços sociais e sistemas informais de troca de

recursos, ao invés de focarmos as pessoas vivendo em vizinhanças e pequenas cidades,

teremos uma imagem das relações interpessoais bem diferente daquela com a qual nos

habituamos.(Costa, 2005, p.239).

Isso nos leva a passagem da idéia de “comunidade” para a de “redes sociais”.

Nas redes as relações não estão mais presas a padrões específicos e estabelecidos.

Cobrar das comunidades virtuais aquilo que se entendia “romanticamente por

comunidade”, pode ser simplesmente se impedir de ver o que vem acontecendo nos

movimentos coletivos de nossa época. Uma vez entendido que comunidades virtuais são

uma nova forma de se fazer sociedade, essa forma fala de uma outra divisão dos

espaços. É desprendida, baseada muito mais na cooperação, trocas objetivas e interesses

específicos do que na permanência de laços próximos. Estes termos só foram possíveis

com o apoio das novas tecnologias de comunicação.

No entanto, essas novas formas de associação que estabelecem as dinâmicas de

nossa atividade atualmente trazem desafios interessantes. As redes sociais pedem novas

maneiras de estender nossas “simpatias” para além dos clãs e vizinhanças próximas e

conhecidas, ou seja, as “comunidades” em seu sentido mais tradicional. A questão que

aparece é como caminhar para um arranjo de comunidades pessoais em redes. Como

analisar as tendências, o intenso uso do orkut, por exemplo, e buscar o que precisa ser

fortalecido para que esse movimento se constitua de fato numa organização proveitosa

para todos. Segundo o estudioso de redes sociais Rogério da Costa:

Um dos aspectos essências para a consolidação de comunidades pessoais ou redes

sociais é, sem dúvida, o sentimento de confiança mútua que precisa existir em maior ou

menor escala entre as pessoas. A construção dessa confiança está diretamente

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relacionada com a capacidade que cada um teria de entrar em relação com os outros, de

perceber o outro e incluí-lo em seu universo de referência. (p.243)

Da idéia de “impacto” a de “viver com” a internet

Muito tem sido produzido a respeito do impacto dessas tecnologias no modo de

vida no século XXI, especialmente na atual geração de crianças e jovens. A geração

dos jovens que nasceram em meados dos anos 80, nasceu e cresceu com a informática e

a Internet como parte elementar da contemporaneidade. Essa geração não viu a

“transformação” de um mundo analógico em digital, mas sim cresceu dentro de um

ambiente no qual a vida virtual nada mais é que parte de seu cotidiano, uma ampliação

de território.

Uma pesquisa realizada durante seis anos, Annenberg Digital Future Project,

encomendada pela Universidade do Sul da California (USC), entre o público jovem

americano, mostra que muitos internautas acreditam que pertencer a

comunidades virtuais é tão importante quanto os laços estabelecidos

no mundo real. De acordo com a pesquisa, cada vez mais gente participa de atividades

sociais "online", como escrever "blogs", participar de fóruns e manter contato com

amigos e parentes. E um em cada cinco pais acredita que seus filhos passam muito

tempo na internet. Mas a maioria acha que isso não melhora nem prejudica seu

rendimento escolar.

Quais os efeitos dessa informatização nesses jovens?

É interessante notar o percurso dos temas de interesse das pesquisas e notícias na

mídia sobre a internet. Desde meados da década de 1990, iniciou-se uma difusão da

internet com foco nas diversas patologias que seu uso poderia causar e, daí em diante, as

crenças nos comportamentos patológicos associados à internet.

Os psicólogos americanos Kimberly Young (1996, 1998) e David Greenfield

(1999, 2000), divulgaram a existência de um novo comportamento compulsivo, com

referencia inclusive ao Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-

IV), dizendo se tratar de comportamento semelhante ao do jogo compulsivo. Esta nova

patologia foi chamada de Internet addiction ou Pathological Internet Use (PIU) e tanto

Young quanto Greenfield passaram a se dedicar ao seu tratamento.

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Outra pesquisa que encontrou muita receptividade na mídia norte-americana foi

aquela levada a cabo pelo Stanford Institute for the Quantitative Study of Society

(SIQSS, 2000). De acordo com o professor Norman Nie, diretor do SIQSS, o estudo

revela que o uso intensivo da Internet está gerando uma legião de pessoas solitárias que

não se interessam pelas obrigações e prazeres do mundo real e substituem vínculos

afetivos fortes e reais por vínculos afetivos mais fracos e virtuais.

Estes estudos foram seguidos de muitos outros sobre os efeitos negativos do uso

intensivo da Rede. Pesquisas americanas, canadenses, francesas, suíças, todas ganharam

muito espaço na mídia nacional.

Brasileiros tiveram acesso nos últimos anos a noticias e informações do tipo:

Instituições tentam curar viciados em Internet: a nova doença foi identificada em

janeiro de 1995, e seu histórico e sintomas podem ser encontrados na homepage

mantida pelo Centro para Viciados On line da Universidade de Pittsburgh

(http://www.pitt.edu/~ksy/). (Folha de São Paulo, 20 de novembro de1996); Médico

diz que Internet vicia como cocaína: Essa é a conclusão do psicólogo britânico Mark

Griffiths, que, após um ano e meio de pesquisas, definiu o perfil do viciado: é o

adolescente solitário que usa o computador para criar um universo paralelo (Jornal do

Brasil, 7 de agosto de 1997); Viciados em Internet: o número de viciados em

informações obtidas na Internet está aumentando em todo o mundo, segundo estudo

realizado pela agência Reuters. Um total de 53% das mil pessoas entrevistadas admitiu

que sofrem de incontrolável ânsia de obter informação pela Internet (Jornal O Globo, 8

dezembro de 1997); Internet vira vício para 10% dos usuários: [Segundo o psicólogo

canadense Jean-Pierre Rouchon], homens entre 25 e 35 anos com um bom nível

socioeconômico, que passam incontáveis horas trabalhando na frente dos seus

computadores, são o principal grupo de risco para um novo tipo de dependência que

começa a ser detectado: o vício em Internet (Folha de São Paulo,30 de agosto de 1998).

A revista Superinteressante, em outubro de 2000, buscando oferecer um panorama geral

sobre a internet publica a matéria: Armadilha Digital, na qual é ressaltada mais uma vez

a dependência, o isolamento social e a substituição da realidade “real” pela “virtual” e

seus prejuízos.

É isso o que vem sendo passado para o público em geral desde o início da

difusão da Internet.

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Como estamos no olho do furacão, vivendo todas estas transformações,

conseguir se afastar e desenvolver uma visão reflexiva sobre os acontecimentos é um

grande exercício. A proposta desse trabalho não é, portanto, fazer mais uma análise de

impacto, e sim tentar caminhar na direção de iluminar pontos emergentes de uma nova

configuração. Diferente de medir impactos em relação a outros cenários anteriores ou

posteriores.

Esta, certamente, é a geração considerada como depositária das novas

informações, ou seja, existe em nossa sociedade um conceito de que as crianças e os

jovens têm domínio sobre o “mundo dos fios e dos botões”. Segundo FEIXA (2001),

agora são os pais que começam a aprender com os filhos, os quais constituem um novo

referencial de autoridade e transformam certas condições biográficas que definem o

ciclo vital. São os jovens os encarregados de dar conta das novas tecnologias.

Não é nosso foco aprofundar no julgamento destas colocações, mas apenas

ressaltar que uma grande mudança ocorre no desenho das relações e nos conceitos de

aprendizagem e construção do conhecimento. Ao analisar tudo aquilo que, em nossa

forma de pensar, depende da oralidade, da escrita e da impressão descobriremos que

apreendemos o conhecimento por simulação, típico da cultura informática, com os

critérios e os reflexos mentais ligados às tecnologias intelectuais anteriores (Levy,

2002).

Colocar em perspectiva, relativizar as formas teóricas ou críticas que perdem

terreno hoje, isto talvez facilite o indispensável trabalho de luto que permitirá abrimo-

nos a novas formas de comunicar e de conhecer. A cultura de rede exige novos

aspectos e competências de sociabilidade em novos contextos: atenção, cooperação,

confiança e inter-relação. (Costa, R.; 2002) Tais aspectos apontam para o surgimento de

uma nova linguagem e convidam para uma análise sobre nossas capacidades de se

comunicar, de se relacionar com inúmeros indivíduos e ambientes de informação.

A pesquisa

A presente pesquisa buscou investigar quais mudanças se estariam operando nas

subjetividades destes jovens, hoje, considerando-se a configuração das redes sociais. O

foco da pesquisa foi o orkut, por ser o “campeão de audiência” entre os jovens usuários

do programa Acessasp.

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Uma vez que é sabido que o jovem usa muito o orkut, buscamos investigar qual

sua percepção sobre esta rede e como começou a fazer parte de sua vida.

Universo:

Foi selecionada uma mostra de jovens com idade entre 16 a 18 anos, faixa etária

com grande intensidade de participação no orkut, freqüentadores dos postos do

programa. A escolha do posto se deu pensando na influência que seu perfil poderia ter

nas possibilidades de comparações entre o encontro com amigos no ambiente virtual e

no presencial. Nesta perspectiva, foi escolhido o Posto Parque Fontes do Ipiranga, que

fica dentro de um parque e tem características de um “ponto de encontro” entre turmas

de conhecidos.

Metodologia:

A perspectiva de investigar aspectos da subjetividade direcionou a opção por

uma metodologia de pesquisa qualitativa. Foi elaborado um roteiro semi-estruturado de

entrevista a fim de realizar os estudos de caso.

Para isso foram realizadas entrevistas-piloto, para se aproximar da linguagem e

imagens utilizadas pelos jovens. O desafio dessa conversa-entrevista era não direcionar

imagens e buscar perceber os sentimentos que acompanham as falas. O roteiro foi

modificado após o piloto, com ajustes desta natureza.

Foram realizadas doze entrevistas, sendo uma mostra de três meninas e nove

meninos. As entrevistas aconteceram no posto escolhido, enquanto esperavam sua vez

de usar as máquinas.

Os Resultados

A dinâmica das entrevistas permitiu que a análise e comparação dos dados, a

partir de indicadores de referencia estabelecidos do agrupamento e cruzamento dos

conteúdos obtidos, formasse um corpo coeso que passa a constituir nosso “jovem

imaginário”, que representará o resultado deste coletivo na narrativa a seguir. Os

resultados serão indicados no texto como comentários ilustrativos das idéias e conceitos

trazidos a partir da análise das entrevistas.

Três grandes vetores emergiram do universo da pesquisa: a questão da

linguagem e comunicação, do território e da confiança, que é ressaltada pelo viés da

segurança. Muitos outros caminhos de aprofundamento podem ser traçados a partir dos

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depoimentos sobre relacionamentos, o que dizem sobre ser amigo e fazer novos amigos,

pois, olhar estes temas pensando na configuração das subjetividades é um universo

amplo de exploração.

Os dois primeiros temas não foram aprofundados em sua análise e merecem

nova investigação por sua riqueza de conteúdos. A questão da linguagem e

comunicação refere-se às novas competências da maneira de escrever, perceber

sutilezas da comunicação verbal e não-verbal, se emocionar, perceber o todo da

comunicação, e da capacidade de realizar uma colagem entre elementos separados para

formar a imagem de uma pessoa. Esta competência de colagem, no caso do orkut, é a

composição da foto, das mensagens, das comunidades, do perfil, seus afetos,

pensamentos e imaginação, para criar seu interlocutor e estabelecer uma relação.

A questão do território fica bem marcada na medida em que os jovens não se

referem, durante a entrevista, a dois mundos diferentes: o presencial e o virtual.

Referem-se as suas vidas, ao que fazem, aos amigos, às diferenças de graus de

intensidade de relações, mais do que à diferenças físicas e espaciais. Fica a percepção de

fato, de um território ampliado, de uma nova percepção da realidade e de um modo de

vida, mais do que a soma de uma parte a uma vida que sempre existiu.

Estes temas aparecem na apresentação geral da pesquisa, mas não se consolidam

como análise aprofundada. O recorte mais trabalhado aqui é referente à construção de

confiança.

A Confiança

Percebemos que a participação em redes sociais não é uma mera apropriação

tecnológica ou conceitual, mas sim um modo de vida, um jeito de ser, existir, fazer e se

relacionar. A internet, de fato, é tida como uma experiência, e não um conceito

entendido. Pura apreensão do conhecimento por simulação.

Em primeiro lugar, vale ressaltar que o orkut está inserido num ambiente de

tecnologias da inteligência. O mundo informacional do coletivo, a cybercultura, etc. É

sabido que o orkut foi lançado sem pretensões estabelecidas e quando, nesta pesquisa,

nos referimos a ele como objeto central a partir do qual fazemos nossas análises, não

estamos nos referindo somente a ele, mas arriscamos conectar o pensamento a tudo o

que ele pode representar para os jovens quanto à relação com seu ambiente de inserção.

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Na conceituação dos jovens entrevistados, o orkut é um lugar para encontrar os

amigos e fazer novos, podendo ainda conhecer gente do mundo inteiro. Quando são

perguntados se há algum lugar que freqüentam que poderia se assemelhar ao orkut (um

lugar onde encontram e fazem novos amigos), surgem relações interessantes: escolas,

shoppings, parques e festas, lugares com possibilidade de encontrar os amigos. As

respostas não indicam comparação ou exclusão/substituição de um pelo outro, não é

uma relação deste tipo, mas sim a percepção de complementaridade. Não há um lugar

que possa ser comparado ao orkut, mas sim que se complementa a ele, como poder ir

aos encontros combinados pelo orkut, conhecer pessoalmente um novo amigo, namorar.

Em qualquer um destes ambientes “... não vai ter todo mundo que tem no orkut,

e também não vai ter meus amigos do orkut, vai ter só alguns [os amigos do grupo

daquela balada].” A possibilidade de se comunicar em escala e estar em contato com

todos ou muitos ao mesmo tempo é um atributo essencial e já incorporado.

Outro aspecto interessante é a complementaridade que o orkut faz às paqueras e

aproximações entre novos amigos. Pelo orkut “podemos mandar mensagens sem ter

medo da reação da menina, se ela não gostar nem chegamos nela quando encontramos.

Mas se ela for receptiva, marcamos um encontro.” A timidez é citada pela grande

maioria dos jovens entrevistados como atributo do encontro presencial, o olho no olho,

o tom de voz, a aparência, são aspectos que falam muito sobre a pessoa, que vão

aprendendo a usar e reservam para momentos “especiais”. “A facilidade de fazer

amigos no orkut é muito bom, não é como na festa”; além da timidez, “na festa nem dá

tempo de saber tudo, ou muita coisa da pessoa.” Pelo esquema de “analisar o orkut da

pessoa” (termo usado por eles), ou seja, seu perfil, fotos e amigos em comum, pode-se

obter bastante informação, e se houver interesse é só enviar um convite.

Mas aceitar convites não é uma simplicidade sem nenhuma implicação. “Se a

pessoa não me escrever um recado eu não aceito”, há uma exigência, sabem de quem

querem se aproximar, e de quem não querem. Geralmente a rede se expande via a rede

de amigos dos conhecidos, “vou pesquisando os amigos dos meus amigos e quem eu me

interessar eu convido, principalmente menina, se for bonita!”. Outra possibilidade é

começar a se relacionar com pessoas de comunidades de interesses. Começam a trocar

vídeos, informações, dicas “dicas de lugar onde tem uma pista de skate legal”, por

exemplo.

Um comportamento comum, mas não formalizado vai se esboçando. Práticas

vão se disseminando e a tal cultura de internet vai aparecendo. A semelhança nas

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respostas aponta para um conjunto de conhecimentos e competências que estão sendo

usados, mas a dinâmica da internet não facilita esse olhar reflexivo para “descolar” a

prática do aprendizado. A dificuldade dos jovens em responder a perguntas objetivas

(como avaliado nas entrevistas-piloto) ressalta tais características.

Outros aspectos relevantes de serem apontados, no que diz respeito a

competências e práticas, é a fala constante de que foram apresentados ao orkut pelo

convite ou insistência de um amigo para que participassem. As novas descobertas como

incluir vídeos, enviar mensagens não públicas, incluir e modificar fotos, são todos

conhecimentos passados por amigos. Vão aparecendo claramente competências de

colaboração e troca. E por fim, a percepção geral de que vão ao posto do Acessa “ficar

no orkut” por diversão, mas uma diversão que faz emergir essas diversas competências

e que “não dá mais para ficar sem”, porque a dinâmica social já está estabelecida por

entre ela.

O presencial e o virtual

Quando são perguntados sobre conhecer uma pessoa presencialmente, há a

percepção de que fora do orkut é mais difícil. Mas como é fazer amigos pelo orkut? “Se

souber conversar dá para saber tudo. É só saber ir perguntando”, “dá para conhecer

mesmo alguém, de verdade. Conheci uma amiga do interior, vi as fotos dela, da família

dela, os amigos, e um dia ela veio aqui para ficar na minha casa.” O conceito de

“amigo” é entendido desta maneira, uma relação que começa pela troca de mensagens e

vai ampliando seu conteúdo podendo chegar a um encontro pessoalmente ou não. Essa,

portanto, não é uma meta, as pessoas conhecem novos amigos para se relacionar, e se

relacionar não significa necessariamente conhecer pessoalmente.

Os jovens parecem saber compor o presencial com os encontros no orkut,

quando transitar de um ambiente para outro, encontrar para namorar, para conhecer

mais a fundo. Esta dinâmica não aparece como uma tensão, ou alguma forma de

privação de contato. No entanto, fica claro que o orkut, e tudo o que representa, não

substitui nenhum outro tipo de relacionamento, e sim amplia e modifica as

possibilidades de se relacionar e se comunicar. Foi muito comum encontrar no posto

jovens em turmas ou acompanhados de amigos, queriam inclusive um participar da

entrevista do outro fazendo comentários engraçados! Os amigos ali presentes eram da

mesma comunidade em geral, mas a partir do momento que “entram” no orkut, essas

fronteiras realmente vão se apagando.

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A referencia de “comunidade”, local, restrita a laços próximos e conhecidos

parece mesmo estar se ampliando para uma nova filosofia do encontro: em redes

sociais. É real o uso da possibilidade de conversar e manter contato com antigos colegas

de trabalho, com aqueles que mudaram do bairro e da escola, ou iniciar uma amizade

com alguém que tem interesses parecidos, como “gostar de skate” e passar a trocar uma

série de recursos. Este aspecto tão ressaltado pelos jovens de aumentar sua rede de

amigos, conhecer a rede dos seus conhecidos, iniciar “redes de conversa”, trocar, traz a

questão da segurança, mas com ela, também a da confiança.

A construção da confiança

Quando questionados sobre esta dinâmica da rede social, trazem suas

competências de segurança. Dizem já saber distinguir bons encontros de maus

encontros. Este aprendizado digital, de um novo jeito de comunicar e fazer amigos tem

sutilezas e subjetividades que os jovens conseguem ler nas telas e, por exemplo, saber

identificar ameaças.

“Ah, a gente sabe, o tipo de mensagem, o jeito que ela fala. Aí não aceita [o

convite].” “Eu sei que o orkut tem muitas coisas erradas também né, essas coisas que

as pessoas ficam falando: essas coisas de pedófilos, de marcar encontro com outras

pessoas... Isso eu sei, eu tenho consciência disso que está acontecendo, tanto que, não

vou ficar ouvindo tudo o que as pessoas falam [no orkut]. Vou conversar normal, e se

alguém me chamar para ir em algum lugar, depende de quantas pessoas vão, se é

conhecido ou não. Não é uma pessoa que vai acessar o meu orkut e dizer que vai ter

uma festa, vai ser assim e assim, eu não vou. É preciso ter cabeça, é preciso saber usar

o orkut. Sabendo usar não vai acontecer nada.” “Acho que isso pode acontecer num

shopping também. Porque é um lugar livre, um lugar público e se a pessoa não conhece

a outra, ela pode arrastar a pessoa pelo braço para algum lugar e ninguém saber.”

Na medida em que a questão da segurança parece estar integrada no seu universo

de percepção, e que estão buscando suas respostas, podemos abordar este ponto também

sob um outro aspecto: a confiança. Mesmo sabendo dos riscos, continuam a e lançar em

relacionamentos com “desconhecidos”. Um dos entrevistados relatou já ter criado, ele

próprio, um perfil fake. Divertiu-se com isso, mas desistiu, “ah, não e legal né. E depois

dá pra saber, eu ia me dar mal no final”. A questão da segurança, portanto, pode ser

vista sob a ótica da confiança e desconfiança.

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O conceito de confiança está atrelado à relação mútua entre indivíduos em

interação social, onde se produzem expectativas e estas são concretizadas. “Confiança é

a expectativa que aparece dentro de uma comunidade regular, honesta e com um

comportamento cooperativo, baseado em normas comuns; estas normas podem

representar questões profundas em relação à origem do bem ou da justiça ou podem

estar relacionadas aos códigos de comportamento. (Fukuyama,1995,p.26) A confiança

requer então, algum grau de entendimento e de cooperação mútuos. Porém “a

desconfiança não é tanto o oposto como é a ‘outra face’ da confiança (como a outra face

de uma moeda; não se pode ter uma face sem a outra).” (Flores, 2002, p. 54)

O interessante é que construir confiança não é tão complexo quanto se imagina.

O casamento como exemplo, é uma resolução mútua de confiar. O amor não está

garantido, mas a partir daí concluir que todo casamento está em perigo é nos

alongarmos no negativo, na desconfiança, na crença da ameaçadora falta de segurança.

Embora se fale em “confiança incondicional”, a confiança quase sempre possui seus

limites, como os jovens colocam, por exemplo, na atenção especial com algumas

mensagens, ou o convite de um desconhecido. A percepção desses limites é essencial

para a confiança. Para além dos limites da confiança está a desconfiança, a sensação de

falta de segurança generalizada no orkut. A confiança sempre envolve riscos. Mas

estender-se na confiança com a sensação dominante de risco é não perceber o ponto

principal da confiança: o de que esta abre a porta para resultados positivos, sem ela

impossíveis.

A quantidade de publicações que encontramos na internet sobre “segurança no

orkut” é bastante grande. Listas de coisas que devem e que não devem ser feitas para

garantir, ou ao menos buscar o máximo de segurança. Esta postura generaliza a

sensação de falta de segurança e a fragilidade do internauta. Vai criando-se uma cultura

de desconfiança, um cenário que está dado. No entanto, este é um erro comum, muitos

agem como se a confiança fosse um estado e, ao invés disso, ela é uma dinâmica.

Segundo Flores:

Ela é de fato parte da vida, não da base inerte, dos relacionamentos. A confiança é uma

prática social, não um conjunto de crenças. É um aspecto da cultura e o produto de uma

prática, não só questão de psicologia ou de atitude individual. O problema da confiança

é prático: como criar e manter confiança, como se mover da desconfiança para a

confiança, de um abuso na confiança para sua recuperação. A confiança é questão de

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relacionamentos recíprocos, não de previsão, de risco ou de dependência. A confiança é

questão de tecer e manter compromissos, e o problema da confiança não é perder a

confiança, mas sim o fracasso em se cultivar o tecer de compromissos.”(p. 31)

Flores nos apresenta as idéias de “confiança ingênua”, ou simples, aquela

confiança plena, sem nenhum questionamento ou dúvida, que se distingue da “confiança

autêntica”, que não é simplesmente uma questão de confiança cega, mas sim uma forma

de auto-superação, e é a desconfiança que deve ser superada, mas não negada. Esta

seria, portanto, uma confiança madura, articulada e cuidadosamente considerada.

Quando os jovens afirmam saber dos casos de “quebra de confiança” no orkut e

continuam participando, e muito, desta rede, estão sem dúvidas treinando e

amadurecendo sua confiança, sem negar os riscos, mas sem deixar de apostar nos

resultados e ganhos que estas relações podem trazer. Essa construção mostra que a

confiança não é apenas uma questão de predisposição para considerar argumentos e

evidencias, nem tão pouco subjetiva, cega e irracional. A colocação dos jovens nos leva

a se aproximar das idéias de Flores de que a confiança é (ou pode ser) racional, pode

levar em conta toda evidência disponível. “Não é subjetiva tanto quanto é intersubjetiva

– depende de relacionamentos sociais e de respostas mútuas”.

Em certo sentido, a confiança não se reporta em nada às evidencias e aos

resultados, exceto como preocupações secundárias. A confiança autêntica trata, em

última instância, dos relacionamentos e do que é necessário para criá-los, mantê-los e

restabelecê-los.

Afirmar que a confiança está associada a relacionamentos não nega que a

desconfiança a ser superada seja produto de pressões sociais, familiares, forças

abrangentes e impessoais. Esta desconfiança pode crescer questionando o sentido, a

produção, o bem gerado, os vínculos e terminar por contaminar uma sociedade ou

comunidade e terminar com suas possibilidades mais elementares de cooperação

comunitária. Para Solomon & Flores:

Tanto a confiança como a desconfiança tendem a se confirmar, e é fácil entender por

quê. Se uma pessoa confia na outra, a segunda pessoa, sabendo-se recebedora da

confiança, estará mais inclinada a ser confiável, confirmando assim a confiança da parte

da primeira pessoas. A recompensa psicológica da confiança é o fato de ser gratificante

receber confiança. É também gratificante, de modo mais profundo, confiar. A confiança

indica respeito, e a confiança cria um laço (se apenas, de início, um laço de confiança).

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O problema de pensar a confiança como sendo a atitude em relação a outras pessoas é o

de ignorar a natureza recíproca da confiança. A maioria das pessoas reage à confiança

sendo confiável, tornando ainda mais provável a confiança. (pg. 60)

Essa tendência de confirmação também acontece para a desconfiança, uma vez

que nessa rota, sempre tendemos a interpretar comportamentos de modo a buscar

evidencias de que não merecem confiança de forma a confirmar nosso comportamento

prudente em ser cauteloso e a recusa em confiar nela. Tanto a atual discussão sobre a

confiança como a crença na difundida desconfiança são acompanhadas dos mais

estranhos exemplos de uma confiança tola.

Não é o que mostra nossas entrevistas com os jovens do orkut. Não há a

confiança cega, nem tão pouco uma desconfiança que enfraquece, percebemos o

nascimento de comportamentos que vão fortalecendo a perspicácia e senso comum de

confiança. A construção da confiança começa por uma compreensão, mas também

requer rotinas e práticas diárias. E isso no dia-a-dia dos jovens não é problema! Visto a

intensidade do uso e da prática do orkut.

A construção da confiança não é só “uma brincadeira de criança” para fazer

redes, mas está relacionada a temas como capital social. Capital Social é um conjunto de

hábitos e normas sociais formais e informais que afetam os níveis de confiança,

interação e aprendizado em um sistema social. Acumular capital social significa

fomentar processos de desenvolvimento e de confiança entre membros de uma

determinada sociedade local ou nacional. Capital social também pode ser entendido

como o conjunto de normas e valores informais compartilhados entre os membros de

um grupo, possibilitando-lhes a cooperação e a solidariedade. A confiança numa

sociedade não é garantida, é o produto de uma ação coletiva consciente. Neste sentido, a

questão da segurança no orkut pode ser abordada não apenas por uma visão unilateral,

mas com a perspectiva da construção de confiança.

Considerando que jovens, nesta faixa etária, estão rastreando informações,

conhecimentos e experiências estruturantes de seu modo de ser e agir, é interessante

pensar em impactos futuros de um programa de inclusão digital. Talvez hoje não esteja

clara a implicação destas experiências na construção de uma nova organização de

sociedade, com novos instrumentos, tecnologias e competências, para de fato promover

uma inclusão e inter-relação entre muitos. No entanto, parece ser um processo em

andamento a pleno vapor. Ao final da conversa, vem a pergunta: como seria sua vida

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hoje se não pudesse mais acessar o orkut? “Vixxxxx, impossível!”. “não poderia mais

manter o contato com amigos que não vejo sempre”, “os colegas do emprego passado

que não encontro mais todos os dias”, “um amigo que mudou de escola e do bairro”,

“meus amigos do Canadá e Japão”. E quando perguntados da importância dos postos

do AcessaSP, todos se referem a ele como sua única possibilidade de vivenciar esta

dimensão de suas vidas.

Conclusão

Considerando-se os dados e análises apresentadas é possível traçar alguns

comentários finais indicando possibilidades de aprofundamento a partir deste estudo.

O fato de o posto AcessaSP ter acesso gratuito foi mencionado diversas vezes e

indica a percepção clara do lugar que ocupa na satisfação de certas necessidades sociais

imediatas. No entanto, sabemos que, o que o acesso aos postos promove é mais do que

diversão e preenchimento do tempo livre, vide as análises feitas nesta pesquisa. Estes

outros resultados como colaboração, confiança, ampliação da rede pessoal, talvez não

tão imediatos, podem ser cada vez mais explorados e intensificados.

O grande uso do orkut e as trocas de mensagens como principal ação de

interação com outros usuários indica a crescente comunicação que se estabelece entre os

jovens. Não entramos em nenhuma questão relacionada aos conteúdos trocados, porque

o que nos interessava era saber da sua percepção sobre isso. E o que ficou claro foi a

importância que dão para manter essa comunicação, a possibilidade de troca de

informações interessantes e o sentimento de pertencimento. O que nos interessou foi

perceber que não usam a linguagem somente como instrumentos abstratos, mas a

exercitam todos os dias. Essa possibilidade de comunicação ampliada, instantânea e de

muitos para muitos já está incorporada em seus universos subjetivos.

O espaço para ações casadas nos ambientes presencial e não-presencial é fértil.

Não há por parte dos jovens, a priorização de um em detrimento do outro. Podem existir

preferências, mas no mais são ambientes complementares para seus interesses. A

relação entre orkut, suas redes pessoais e ambientes presenciais parece estar dada pelos

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usuários do programa quando vinculam encontros, “baladas” e pessoas em especial. No

entanto, poderia ser interessante apresentar para eles outras possibilidades que estas

redes podem oferecer. Desta maneira, expandir ações do programa do posto para

comunidades ou locais próximos, alinhados com interesses das políticas de inclusão

digital parece ser produtivo. Os aspectos de colaboração, confiança e participação

poderiam ser mais explorados.

A percepção da dinâmica do uso do orkut como “redes sociais” amplia as

possibilidades de leitura sobre a prática dos jovens nos postos e abre espaço para

reflexão sobre: como dinamizar esta prática, como fazer a apropriação da capacidade e

competência de estabelecer redes pessoais e, como esse conjunto pode ser aproveitado

para os fins do programa AcessaSP. Neste sentido, seria interessante também, se pensar

em pesquisas de mapeamento de capital social, com foco especial para ações de

implicação nas comunidades locais, ou mesmo participação em movimentos nacionais e

internacionais.

Este ponto traz a discussão da relevância ou não do uso de sites de

relacionamento pelos jovens. Como vimos nas análises, este uso pode ser muito

proveitoso desde que seja desenvolvido uma linha de trabalho que reconheça estas

produções e crie um terreno que valorize suas aplicações. Competências como

colaboração e participação têm que passar a integrar nosso olhar consciente sobre as

atividades que desempenhamos. Devem passar a ser percebidas como características

que se aprende, se pratica e, que são essenciais para a realização de inúmeras tarefas que

realizamos todos os dias, mas nunca foram ressaltadas.

Em relação à construção de conhecimento e aquisição de conhecimento por simulação, fica claro que todos estes ganhos e aprendizados acontecem em clima de diversão e cooperação. Este traço pode ser, de alguma maneira, incorporado aos processos tradicionais de ensino e aprendizagem e bem aproveitados nas suas características positivas. A percepção dessa dinâmica pode fornecer diretrizes para futuros programas que possam se dirigir a estes públicos, como por exemplo a atuação de monitoria nos postos.

Por fim, fica claro que a análise da atuação de grupos hoje em dia tem que

estar voltada, sobretudo, à formação de coletivos, redes, comunidades, mas dentro de

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uma perspectiva filosófica que envolve discussões sobre afeto, confiança, potência de

ser e estar em relação. Isso significa que precisamos ter um olhar cuidadoso para a

socialização dos afetos, o modo encarnado e comprometido de  se construir

conhecimentos, relações, trabalho, vida em comum.

A perspectiva de uma análise da subjetividade nos indica que é preciso aprender

a incluir o afeto como a capacidade de criar relações, de criar linguagem. São

justamente, construções mentais de afeto, de imaginação, de razão, de técnicas. E

pensando em explorar e multiplicar este potencial, de que forma ele poderia ser

explorado? Explorando-se a relação. Explorando-se a cooperação, explorando-se as

condições imateriais nas quais este processo se desenvolve, se reproduz.

Encaminhamentos

Como estes resultados podem contribuir para uma proposta de inclusão digital?

Podemos deslocar a ênfase do olhar do objeto (o computador, o programa, o orkut, este

ou aquele software) para o projeto (o ambiente cognitivo, a rede de relações humanas

que se quer instituir).

A questão não é regularizar/normatizar um bom uso da máquina e seus

componentes, mas sim articular as possibilidades de desenvolvimento que surgem da

relação com este universo. Pode-se pensar que um programa de inclusão digital não

persegue uma finalidade concreta e imediata, mas que pode estar encarregado de

compor os equipamentos coletivos da inteligência, contribuindo para estruturar os

espaços cognitivos dos indivíduos, assim como os arquitetos definem o espaço físico no

qual se desenvolve boa parte da vida privada e das atividades sociais. É um desafio atual

pensar políticas públicas considerando-se as novas dinâmicas dos coletivos.

Um dos papéis mais importantes das instituições não é exatamente o de governar

as relações entre as pessoas, mas o de mobilizar suas tendências, integrando-as num

todo maior. Para tanto, pesquisas como essa são importantes para desenhar tendências,

analisar cenários e definir estratégias.

Este recorte da subjetividade dos jovens apresentado acima pode indicar que

necessidades sociais atuais são supridas pelo programa, mas cujo resultados serão a

longo prazo, é uma construção social. Para que estes resultados se tornem efetivos, seria

interessante fortalecer a matriz de identidade do programa de inclusão digital: seus

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princípios, missão e diretrizes, para expressá-los em suas ações e saber compor da

melhor maneira com os dados apresentados.

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