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Confederação Nacional do Comércio

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Palestras proferidas em 2002 na Secretaria Pro Tempore doConselho de Câmaras de Comércio do Mercosul (2002;Rio de Janeiro).

Anais das Palestras Proferidas em 2002 na Secretaria ProTempore do Conselho de Câmaras de Comércio do Mercosul.– Rio de Janeiro: Confederação Nacional do Comércio, 2003.

128 p.

1. Assunto I. Anais das Palestras Proferidas em 2002 naSecretaria Pro Tempore do Conselho de Câmaras de Comér-cio do Mercosul.

No ano de 1996, foi criado o Conselho de Câmaras do Comércio do Mercosul, como

entidade internacional sem fins lucrativos, integrado pela Confederação Nacional

do Comércio, Câmara Argentina de Comércio, Câmara e Bolsa do Comércio do

Paraguai, Câmara Nacional de Comércio e Serviços do Uruguai, Câmara Nacional de Co-

mércio do Chile e, a partir de 2001, pela Câmara Nacional do Comércio da Bolívia.

Esse Conselho, em 1999, como contribuição para expansão das atividades comerciais entre

os países do Mercosul, decidiu instituir um mecanismo que pudesse proporcionar, de for-

ma rápida e econômica, a solução de controvérsias, criando, para essa finalidade, o Centro

de Mediação do Conselho de Câmaras do Comércio do Mercosul.

Para concretização desse objetivo o Conselho de Câmaras do Comércio do Mercosul apro-

vou um regulamento de mediação e instituiu uma Secretaria Geral, com sede pro temporerotativa em todos os países membros.

Visando o funcionamento de uma subsede da Secretaria Geral no Brasil, a Confederação

Nacional do Comércio patrocinou um curso de capacitação à mediação e resolução de con-

flitos, no ano de 2000, formando o primeiro grupo de mediadores que compõe a lista brasi-

leira credenciada pela CNC.

A Secretaria Geral pro tempore do Centro de Mediação do Conselho de Câmaras do Comér-

cio do Mercosul encontra-se em funcionamento atualmente no Brasil, e contando hoje com

a facilidade de um e-group para agilizar a comunicação.

Além de manter a Secretaria Geral pro tempore, a CNC vem desenvolvendo um trabalho

muito importante para difusão da cultura e uso desses métodos alternativos, especifica-

mente da arbitragem e mediação, através de palestras mensais proferidas por expoentes

profissionais em diversas áreas.

Essas palestras têm como finalidade explicar as vantagens da arbitragem, mediação e suas

áreas de aplicação, a fim de transmitir maiores conhecimentos e esclarecimentos para to-

dos os profissionais que se interessem por esta matéria. A curiosidade e novidade têm

trazido um grande número de profissionais, de diversos ramos e também de empresas nacio-

nais e internacionais do nosso país, para essas palestras, contribuindo para melhor entendi-

mento e disseminação desses métodos alternativos para solução de conflitos.

Iniciamos com nove ouvintes e hoje conseguimos captar mais de 170 participantes o que

significa que estamos ajudando a criar uma cultura importante, de inclusão de cláusulas

nos atuais e futuros contratos, prevendo a utilização da arbitragem ou mediação como mé-

Apresentação

todo alternativo de solução de conflito, desafogando, dessa forma, o judiciário e agilizando

dinamicamente a solução da controvérsia com menor ônus financeiro, rapidez e confiança

nas instituições escolhidas.

Este trabalho tem se constituído em fonte de grande alegria e satisfação para todos os

profissionais envolvidos, pois é gratificante sentir que esta é uma útil contribuição na for-

mação, no Brasil, de uma cultura mais amistosa para solução dos conflitos atuais.

Esta edição contém todas as palestras que foram proferidas no Auditório da CNC, no ano

de 2002.

Para obter maiores informações sobre o Centro de Mediação e as palestras mensais, favor

escrever para o e-mail [email protected].

Sumário

1 - Século XXI - A Mediação de Conflitos e Outros Métodos Não-adversariais de

Resolução de Controvérsias ..................................................................................... 7

Tânia Almeida

2 - A Crise do Judiciário, o Movimento Universal de Acesso à Justiça e os Meios

Alternativos de Solução de Conflitos .................................................................... 13

Ângela Mendonça e Renata Fonkert

3 - A Questão da Inconstitucionalidade do § Único do Art. 6º e do Art. 7º da Lei

de Arbitragem no Supremo Tribunal Federal ....................................................... 19

José Maria Rossani Garcez

4 - Arbitragem Internacional – O Novo Regulamento da Comissão Interamericana

de Arbitragem Comercial (CIAC). Convenção de Nova Iorque e Panamá ....... 36

Tânia Prieto

5 - A Lei n° 9.307/96 e a Especificidade da Arbitragem Comercial

Internacional ........................................................................................................... 54

João Bosco Lee

6 - As Decisões Judiciais no Tocante à Lei de Arbitragem .................................. 80

Pedro A. Batista Martins

7 - Arbitragem Aplicada - Arbitragem Institucional e Ad hoc ............................... 85

Selma Lemes

8 - Mediação e Arbitragem na CCI...................................................................... 100

Carlos Mafra de Laet e Luiz Fernando Teixeira Pinto

9 - Processo Arbitral .............................................................................................. 120

Carlos Alberto Carmona

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Palestrante: TÂNIA ALMEIDA

Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 2002

Tema: SÉCULO XXI – A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS EOUTROS MÉTODOS NÃO-ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃODE CONTROVÉRSIAS

Introdução

Tenho muito interesse e prazer em localizar as idéias e os movimentos culturais em seu

tempo. Dirimir conflitos incluindo a figura de um terceiro entendido como imparcial

que atue facilitando o diálogo é idéia milenar. A Mediação de Conflitos, instrumento de

negociação que se vale também da figura do terceiro imparcial é, no entanto, uma jovem de

pouco mais de trinta anos. À época, ela foi recriada como um processo estruturado de

resolução de controvérsias, possuidor de ética e procedimentos próprios.

A demanda de novos instrumentos de negociação ocorrida na segunda metade do século

passado deveu-se, também, às fronteiras cada vez mais tênues entre as culturas e os merca-

dos, atributos do mundo globalizado, e à velocidade das mudanças, exigência do avanço

tecnológico. Negociações diuturnas de propósitos, propostas e idéias fizeram-se necessá-

rias. Foi natural e conseqüente o encurtamento da vida média dos produtos e das idéias,

assim como das soluções propostas para situações e eventos da vida diária que rapidamente

caracterizam-se como desatualizadas.

É nesse cenário transcultural, célere e de tão grande avanço tecnológico que podemos viver

mais enquanto somos igualmente obrigados a criar produtos e soluções de vida média cada

vez mais curta para que estes possam ser rapidamente substituídos por outros novos e atuais.Esse é o palco para os Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos – MESCs, mecanis-

mos igualmente céleres, capazes de se adaptar às mudanças de cada pequena época e às

demandas de diferentes culturas.

Sua informalidade lhes permite acompanhar os tempos, sua flexibilidade lhes possibilita

articular culturas, sua velocidade de resolução lhes confere sintonia com a necessária rapi-

dez de solução demandada por esse início de milênio. Quando levamos em consideração os

elementos desse macrocenário cultural, identificamos quão interessante é contextualizar

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as idéias com sua época. Elas costumam ser filhas fidedignas de seu tempo e com ele ter

coerência.

A Mediação de Conflitos

A constatação de que oitenta por cento dos processos que ocupavam as mesas dos juízes

podiam prescindir do olhar jurídico e beneficiar-se da negociação direta motivou os ameri-

canos da Flórida, na década de setenta, a desenharem esse processo de negociação assistida

conhecido como Mediação.

Pertencente ao grupo dos Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos, a Mediação está

sendo hoje praticada em todos os continentes e chega ao Brasil depois de visitar parceiros

continentais como a Argentina, a Bolívia e a Colômbia. Legislada em alguns desses lugares,

ela ensaia o mesmo movimento em nosso território.

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei de Mediação da Deputada Federal

Zulaiê Cobra (no 4.287/98) que aguarda votação após ter ganho redação terminativa. A

Escola Nacional da Magistratura e a Ordem dos Advogados do Brasil – SP ofereceram, em

outubro de 2002, a terceira versão de um Anteprojeto de Lei de Mediação Paraprocessual,

assim denominada por estar articulada ao Processo Civil. Esse texto vem adequando sua

redação a partir da interlocução de sua equipe redatora com a sociedade civil e com outras

legislações e sítios de prática da Mediação.

Tendo como princípio fundamental a Autonomia da Vontade, a Mediação é recurso para ser

eleito por quem está disponível para atuar com boa-fé e a rever as posições anteriormente

adotadas nas tentativas de resolução do desacordo; por quem preferir participar diretamen-

te da solução a ser eleita e dela ser autor; por quem não identificar instrumento outro de

resolução que melhor atenda sua demanda; por quem pretender celeridade e sigilo e qui-

ser ter controle sobre o processo negocial e seus procedimentos; e por quem prezar a rela-

ção pessoal ou de convivência com aquele que litiga ou dela não puder prescindir.

A preservação da relação entre os envolvidos no processo de Mediação e a identificação e

aprendizado sobre a própria capacidade negocial são ganhos secundários desse processo. A

Mediação tem nos interesses comuns dos litigantes e na satisfação mútua o seu objeto. É um

processo destinado a articular esses interesses e a buscar atender todos aqueles neles en-

volvidos, direta ou indiretamente, afastando-os da adversarialidade provocada pelos resul-

tados em que alguém perde e alguém ganha. Ela tem por objetivo a Autoria das partes para

a solução construída, elemento essencial da satisfação mútua e da disponibilidade para o

cumprimento do acordo dela advindo.

Para elegê-la ou praticá-la é preciso conhecê-la. Aos primeiros – os eleitores – essa oportu-

nidade é oferecida através da Pré-Mediação, ocasião em que o mediador e os futuros mediados

trocam informações e esclarecimentos sobre o processo e a matéria a ser mediada. Esse

momento precede a assinatura do Termo de Compromisso que caracteriza a sua escolha.

Dos praticantes é exigida uma capacitação específica, conhecimento da matéria a ser mediada

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e isenção de interesses com relação às partes e ao tema mediado. Eles assinarão um Termo

de Independência relativo ao seu aceite para a função e à sua isenção de interesses.

Os mediadores são, então, terceiros imparciais assim entendidos e eleitos por todas as

partes envolvidas no desacordo. Além da imparcialidade e da competência anteriormente

referidas eles devem conduzir o processo negocial com diligência e sigilo. Ao sigilo estão

obrigados pelo Código de Ética do Mediador, não podendo dispor, para qualquer fim, do

conhecimento da matéria levada para o processo de Mediação. De igual maneira compro-

meter-se-ão as partes, dando ao sigilo a extensão que deliberarem. A ele obrigar-se-ão todos

que participarem do processo de Mediação: convidados das partes, outros profissionais e

pessoal do escritório ou entidade que administra o processo.

Especialistas em comunicação humana e em negociação, os mediadores devem estar habi-

litados para facilitar diálogos em situações de adversarialidade. Eles auxiliam na identifica-

ção de interesses comuns e divergentes, na construção de uma pauta de negociação, na

análise dos custos, benefícios e repercussões sobre terceiros das soluções propostas, na

manutenção do equilíbrio de participação entre as partes e do equilíbrio de conhecimento

necessário para ações decisórias de qualidade. A co-mediação – coordenação do processo

por uma dupla de mediadores – tem sido utilizada universalmente visando ampliar a quali-

dade da negociação pela complementariedade de conhecimento dos mediadores.

Em outubro de 2002, foi conferido a Jimmy Carter o Prêmio Nobel da Paz por sua atuação

como mediador internacional – especialmente em conflitos bélicos. A Mediação tem sido o

método de eleição nas situações de conflito e discordância que necessitam de ação coope-

rativa, co-autoria na criação da solução e manutenção da relação de convivência e da capa-

cidade negocial no tempo. Relações internacionais, comerciais, empresariais, comunitárias,

familiares, de parceria ou de vizinhança podem, em especial, beneficiar-se da Mediação.

Outros Métodos Não-Adversariais de Resolução de Controvérsias

A proposta da resolução não-adversarial, exigência da convivência globalizada, fez ressurgir

a negociação e diversificar seu espectro de atuação. Assim como a negociação uniu-se às

teorias da comunicação humana e, posteriormente, a outros pilares teóricos recriando a

Mediação na forma como a conhecemos hoje, uniu-se também a outros recursos de admi-

nistração e solução de desacordos dando origem a instrumentos híbridos de resolução de

conflitos. A Arbitragem, a Mediação, a Resolução Judicial e a Negociação compõem os in-

gredientes básicos dos mais recentes instrumentos em Resolução de Conflitos.

O leque de recursos negociais que hoje conhecemos possibilitou que nos distanciássemos

de escolhas dicotômicas para administrar nossas contendas – Negociação ou Resolução

Judicial, Mediação ou Arbitragem – e nos aproximássemos de eleições feitas sob medida para

o nosso conflito ou a nossa questão. Adequação do instrumento à contenda é hoje a expres-

são de ordem quando tratamos de resolução de disputas. O A das ADRs – Alternative

Dispute Resolution, no original – já pôde representar o termo Amicable e, mais recentemen-

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te, a palavra Appropriate. Quando dispomos de um leque de opções para dirimir nossas

contendas podemos pensar em adequabilidade. É como possuirmos dois pares de sapatos e

dois ternos, ou alguns pares e alguns ternos.

O Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos – multi doors system, adotado já por alguns

estados americanos, integra o painel de opções da American Arbitration Association e da

Câmara de Comércio Internacional – CCI, entidades renomadas no campo da resolução

extrajudicial de controvérsias. Ele oferece recursos customizados, tendo sido alguns deles

formatados para atuar preventivamente, resolvendo o conflito durante a sua construção, ou

antes dela – resolução em tempo real (just in time resolution).

Refletindo a tendência mundial de personalizar os produtos e a necessidade global de atuar

em tempo real ao invés de postergar, estocar (vide os parques industriais das montadoras

de automóveis que abrigam seus fornecedores para que sejam alimentadas na exata medida

das necessidades de um determinado momento da produção), os métodos de resolução de

conflitos adequam-se a essa época e às suas tendências.

Reunindo componentes da Resolução Judicial, da Negociação, da Mediação e da Arbitra-

gem, o Mini-Trial convoca o painel formado por um terceiro imparcial eleito pelas partes e

por executivos seniores de empresas em desentendimento e distanciados da questão em

tela a analisar a defesa apresentada pelos advogados das empresas em questão. Após a refe-

rida defesa, a solução pode advir da negociação direta efetivada pelos executivos integran-

tes do painel, da Mediação entre eles coordenada pelo terceiro imparcial ou de seu laudo

arbitral. Esse processo de resolução admite que as sucessivas tentativas de negociação,

segundo a ordem descrita, sejam realizadas ou que haja a eleição de uma ou parte delas,

conforme determinem as partes.

Utilizando-se dos norteadores da Perícia Técnica, da Resolução Judicial e da Arbitragem, a

Avaliação Neutra de Terceiro (Factfinding / Neutral Evaluation) oferece a possibili-

dade de auxiliar as partes que pretendem negociar ou resolver judicialmente uma conten-

da a conhecerem a tendência da resolução. O parecer técnico, não vinculante, oferecido

por um terceiro imparcial eleito pelas partes pode ser utilizado como base para uma nego-

ciação direta entre elas, ou para a escolha de um outro método de resolução. Alguns contex-

tos têm convidado Juízes de Direito aposentados para esse lugar de terceiro imparcial e

denominado o instrumento de Rent a Judge.

Os contratos que envolvem múltiplas partes podem valer-se de métodos de resolução de

disputas praticados em tempo real e norteados pela expertise de terceiros imparciais, por téc-

nicas de Negociação e de Mediação. Os Review Boards, compostos por um painel de

imparciais eleitos pelas partes integrantes de um contrato, acompanham o desenvolvimen-

to de projetos e oferecem possibilidades de resolução para os impasses surgidos durante a

sua execução. Na construção civil, esses painéis têm sido denominados de Partnering.

Ainda com relação a múltiplas partes, como é o caso dos conflitos advindos de questões

ambientais, a montagem de um processo de resolução que combine diferentes métodos de

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solução de conflitos pode ser de reconhecida utilidade. Cada vez menos podemos estar

presos à idéia de que só existe uma possibilidade de solução para determinada questão, e as

questões negociais que envolvem a preservação do meio ambiente são situações-exemplo.

A idéia de atuarmos preventivamente na formação de conflitos fez surgir uma outra possi-

bilidade de resolução em tempo real conhecida como Sistema de Manejo de Conflitos

(SMC), instrumento que vem sendo utilizado por algumas empresas. Esses sistemas im-

plicam em mudança cultural na forma de lidar com as diferenças e as desavenças internas e

aquelas ocorridas nas interfaces empresariais – relações com os stakeholders. Os SMCs pro-

põem que as diferenças e as desavenças citadas sejam manejadas e administradas dentro

dos muros empresariais antes de ganharem exterioridade. Eles atuam como espinha dorsal,atravessando toda a extensão da empresa e contemplando todos os seus segmentos. Convi-

dam os integrantes da empresa, e também seus stakeholders, a tentarem a negociação direta

e a mediação já praticadas na empresa – workplace mediation – antes de buscarem os

mesmos instrumentos fora dela, deixando a resolução judicial como opção extrema. A idéia

dos SMCs está pautada na Mediação, em norteadores de soluções cooperativas e não-

adversariais – tal qual a gestão cooperativa – e na co-autoria de decisões.

A Arbitragem integra também o sistema multiportas de resolução de controvérsias e pode

estar precedida pela Mediação ou a ela estar formalmente articulada em um processo de-

nominado Med-Arb. A composição Med-Arb pode ser previamente eleita pelas partes, em

comum acordo, e solicitar do mediador que arbitre sobre a questão em tela caso a Mediação

não possibilite a construção de acordos, ou restem temas por decidir em função de acordos

parciais. Esse processo tem sofrido críticas por parte de alguns e suscitado defesa por parte

de outros. Os que criticam assinalam a possibilidade de distanciamento da imparcialidade

do terceiro imparcial durante a fase de Mediação pelo fato de estar predestinado a atuar como

árbitro. Os que defendem ressaltam o fato do processo ser eleito pelas partes e relembram

que o terceiro imparcial por elas escolhido foi considerado qualificado a ser imparcial na

ocupação da dupla função.

Vale ressaltar que o último texto do Anteprojeto de Lei de Mediação Paraprocessual inclui

o sistema multiportas como recurso a ser utilizado pelo Juiz na audiência preliminar em

que o acordo não for alcançado. No texto estão citadas a Mediação, a Arbitragem, a Conci-

liação e a Avaliação Neutra de Terceiro como possibilidades.

Conclusão

A tendência mundial de privilegiar a prevenção está nos conduzindo a utilizar como refe-

rência negativa a experiência desastrosa oferecida através dos tempos da negociação de

diferenças pela força ou pela luta. Em seu lugar, o diálogo ganha importância na composição

de diferenças. O lugar de destaque dos diálogos somente pode advir depois que o homem

precisou abandonar a idéia de certeza e necessitou tornar tênues as fronteiras entre as

culturas. Ele não pode mais deixar de olhar o mundo global e sistemicamente e, portanto,

não pode mais abrir mão de soluções e ações cooperativas sob pena de ameaçar a própria

sobrevivência.

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Os métodos de negociação de conflitos pautados no diálogo são filhos diletos desse tempo e dessaépoca e surgem em velocidade coerente com aquela utilizada pelo terceiro milênio para a

implantação de mudanças. Eles guardam fidelidade com a ética da convivência das diferen-

ças e chegam para complementar o que já conhecemos nesse terreno e não para competir

com o existente.

Aprimoram-se, customizam-se, resolvem as questões no tempo real em que elas ocorrem,

previnem a formação de conflitos, diminuem a sua permanência no tempo e a sua reinci-

dência. Assim atuam os métodos de autocomposição de controvérsias recém-surgidos no

cenário mundial.

A revisão permanente de nossas crenças e das formas habituais de lidar com as situações,

além da flexibilidade para rever o antigo e acrescentar o novo são exigências do século XXI.

Até o término da era industrial, o homem tinha que se adaptar aos produtos oferecidos e se

contentar com uma demanda maior que a oferta. Hoje, na era do conhecimento, o foco

deixa de ser o produto e passa a ser a(s) necessidade(s) do homem. Dentre as suas neces-

sidades contemporâneas está o aprendizado e a prática do diálogo produtivo na composição

de diferenças. São imprescindíveis nesse momento os métodos que facilitam e favorecem

esse diálogo e buscam a co-autoria responsável pelo que se vive e se proporciona ao outro

viver.

É nesse cenário, com esses propósitos e sob essas exigências, que os Métodos Extrajudiciais

de Solução de Conflitos surgem em nossa cultura.

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Palestrantes: ÂNGELA MENDONÇA E RENATAFONKERT

Rio de Janeiro, 12 de março de 2002

Tema: A CRISE DO JUDICIÁRIO, O MOVIMENTO UNIVERSALDE ACESSO À JUSTIÇA E OS MEIOS ALTERNATIVOS DESOLUÇÃO DE CONFLITOS*

Os procedimentos consensuais que objetivam solucionar conflitos de interesses, fora

do âmbito do Poder Judiciário, têm marcado um forte papel no equacionamento de

disputas, especialmente face a especialização das relações econômicas e a internacionalização

do capital, fatores estes que, por si só, tornam muitas vezes inadequado e desconfortável o

recurso aos órgãos jurisdicionais estatais.

Porém, é no movimento universal de ampliação do acesso à justiça, que os meios alternati-

vos de solução de conflitos encontram seu maior aliado. Em todo o mundo se reage contra

a transformação das leis processuais e a reformulação do próprio processo, buscando a eficiên-

cia, a celeridade e a simplicidade, que novas leis, no mundo todo, vêm reativando.1

Ao se referir ao movimento universal de acesso à justiça, é de se observar que “acesso à

justiça” tem significado peculiar e abrangente. Não se limita à simples entrada, nos proto-

colos do judiciário, de petições e documentos, mas compreende a efetiva e justa composi-

ção dos conflitos de interesses seja pelo Judiciário, seja por forma, outra, alternativa, como

são as opções pacíficas, a mediação, a conciliação e a arbitragem2.

Em brilhante Relatório de Abertura, do “Simpósio Jurídico W. G. Hart sobre a Justiça Civil

e suas Alternativas”, realizado em Londres, de 7 a 9 de julho de 1992, no Institute of LegalAdvanced Studies, o douto jurista italiano, MAURO CAPPELLETTI,3 historiou o que se

refere à reação mundial, contra o formalismo excessivo e a demora na solução dos conflitos

pelo Judiciário. Expôs sobre o que chamou de Medidas Alternativas do Movimento Universal deAmpliação do Acesso à Justiça, que combate o desvirtuamento do processo tradicional que,

*Artigo publicado na Edição Especial de 20 Anos da Revista “Caderno de Seguros” – set/out/ 2001,

ANO XXI – n. 109 – da Fundação Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG

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notoriamente conhecido como instrumento de realização dos direitos subjetivos, passou à

óbice, entrave ou obstáculo à justa e célere composição da lides.

O “MOVIMENTO UNIVERSAL DE ACESSO À JUSTIÇA” vem-se desenvolvendo em duas

vertentes: a primeira, procura a simplificação de normas e fórmulas do processo comum,

tradicional, em que o Estado exercita a sua jurisdição, mercê de novas leis, como vem

ocorrendo na maioria dos países do mundo4; a segunda, aderindo aos que procuram reativar

os meios alternativos, pacíficos, de solução de divergências, que são mencionados com as

iniciais de sua denominação em língua inglesa, ADR (Alternatives Disputes Resolutions).

O texto de CAPPELLETTI faz um conciso retrospecto das sucessivas e conhecidas visões

do Direito, concluindo que a Ciência Jurídica (com os operadores do Direito) não se limita

a descrever normas, formas e procedimentos aplicáveis aos atos de instauração de um pro-

cesso, ou de interposição de um recurso. Deve considerar outros fatores como custos, tem-

po, dificuldades a superar, benefícios a obter, etc., procurando ser flexível, já que a flexibi-

lidade é uma das características da evolução social, na qual os juristas se referem ao “direito

flexível” e os economistas à “empresa flexível”.

Estudando o movimento de acesso à Justiça como um movimento, antes de tudo, de refor-

ma – poder-se-ia afirmar, movimento de correção do curso na evolução do Direito e de

maior fidelidade do Poder Judiciário aos seus fundamentos democráticos – CAPPELLETTI

focaliza diversas “ONDAS”, ou renovações sucessivas do próprio movimento, em busca de

coerência com as suas próprias premissas.

A primeira onda cinge-se em frustrar o obstáculo econômico na fruição dos direitos do homem,

o que se viabiliza pelo implemento da assistência judiciária ou gratuita. A segunda, tem por

finalidade combater o obstáculo organizacional possibilitando a defesa de interesses de grupo,

difusos ou coletivos, implementada através das ações populares ou coletivas; e finalmente

a terceira onda vem para combater o obstáculo processual de acesso à justiça, criado de forma

natural pela expansão e reconhecimento dos direitos humanos, consolidando-se no conges-

tionamento crônico dos sistemas judiciários internos, da maioria dos Estados.

Dentre as inúmeras dificuldades que os Judiciários enfrentam, merecem destaque: a perda

de confiança da opinião pública; a obsolescência e lentidão dos procedimentos legais; a

escassez de recursos financeiros; a crescente litigiosidade nas relações sociais; e os procedi-

mentos escritos burocráticos.

Nesse contexto, o Direito do Futuro (plagiando as lições do Desembargador Cláudio Vianna...),busca enfatizar a composição do litígio por iniciativa das próprias partes, prestigiando a

autonomia da vontade que, tratada de diversas formas ao longo de sua existência, alcançou o

patamar de Princípio Geral de Direito, a partir da consolidação de sua aceitação em conven-

ções internacionais. No inconsciente coletivo da comunidade, esta conquista passa, sem

sombra de dúvidas, por uma zona nebulosa na região fronteiriça entre a ética e a legalidade,

de forma que sua consagração somente se fará sentir quando o conceito de responsabilida-

de social estiver enraizado na coletividade, o que vem sendo trabalhado através da criação

e regulamentação de novas formas de relações jurídicas ou de modelos e sistemas mais

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modernos de solução de conflitos, a inserir, nos diversos aspectos das relações civis, a exi-

gência de eticidade nas condutas como dever jurídico.

Na América Latina, sempre houve muita resistência contra a aceitação da prevalência da

autonomia da vontade. Porém, esta situação se modificou recentemente, com a convenção do

México em 1994, que a consagrou. Hoje, a autonomia da vontade é prestigiada em leis e

códigos processuais, que regulam o instituto da arbitragem.

Na Argentina, a arbitragem encontra-se prevista no Código Procesal Civil y Comercial de

La Nacion Argentina, artigos 736 a 773, bem como nos Códigos de Procedimientos Civiles

e Comerciales de cada uma das Províncias Argentinas. No Paraguay foi prevista no Código

de Proceso Civil del Paraguay, artigos 774 a 835 e no Uruguay, ganhou respaldo no Código

General del Proceso de la República Oriental del Uruguay, artigos 472 a 507.

No Brasil, com a promulgação da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a confirmação

da constitucionalidade da totalidade de suas prescrições legais, em 2001, pela maioria dos

votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental em sentença

estrangeira, nº 5.206-7 – Reino Unido, o princípio foi finalmente consagrado no ordenamento

jurídico interno.

Visto de forma sucinta, o panorama legislativo onde se encontra regulamentada a arbitra-

gem nesses quatro países, corrobora o entendimento mundial da necessidade de sua ex-

pansão, advinda, especialmente, da relevância do Direito Privado e da lentidão e complexi-

dade das soluções de conflitos entregues à máquina Estatal, que, por isso mesmo, vem

conduzindo a maioria dos Estados a sancionarem leis tendentes a favorecer a solução ami-

gável dos pleitos.

Assim é que, o rol dos países que adaptaram suas legislações ou aderiram a convenções

internacionais para adotarem a arbitragem, é imensa. Igualmente surpreendente é o cres-

cimento de centros especializados em mediação e arbitragem em todo o mundo, o que

causou, como conseqüência natural, considerável aumento nas regras que regem a matéria.

Decorre desta observação que, não emprestando aos meios pacíficos um poder absoluto no

afastamento da crise do Judiciário, se tenha em conta e na devida consideração, o êxito

desses meios alternativos de resolver pendências. Ao Estado, importa que seja restabeleci-

do o pacífico desenvolvimento das relações coletivas, do que decorre a irrelevância da for-

ma utilizada para tanto, se estatal, parajurisdicional ou de fora do Judiciário. Relevante é o

restabelecimento da paz social.

Cumpre observar, no entanto, que o instituto da arbitragem só se aperfeiçoará e progredirá

na direção esperada na medida em que se mantiver perseverante nos seus princípios essen-

ciais, cujo conjunto é a sua razão mesma de existir e subsistir como preciosa alternativa de

acesso à justiça. As reconhecidas qualidades e virtudes do instituto, bem ressaltadas por

MAURO CAPPELLETTI5, conjugadas, explicam a eficiência desta forma de acesso à jus-

tiça, cuja maior expressão, inegavelmente, é a presteza de suas soluções.

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As perspectivas brasileiras para a absorção dessa nova cultura são boas. Após a Lei 9.307/96

novas normas vão surgindo, a demonstrar que o legislador está atento às formas pacíficas de

solução de conflitos de interesses. Sem intuito de enumeração completa e sistemática, é

possível exemplificar.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, assegura

proteção jurídica para a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,

coletivos e difusos com acesso aos órgãos administrativos e judiciários, incentivando a cria-

ção pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de bens e

a criação de departamentos ou serviços de atendimento, recebimento de dúvidas ou suges-

tões e mecanismos alternativos de solução de conflitos.

A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispondo sobre o Sistema Financeiro Imobiliário,

prevê a arbitragem como uma das formas de solução expedita dos casos de inadimplemento

dos adquirentes de imóveis financiados.

A Lei 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o transporte multimodal de

cargas, faculta ao proprietário da mercadoria e ao operador de transporte dirimir os seus

conflitos recorrendo à arbitragem. A faculdade, aliás, é da tradição do Direito Mercantil,

embora incipientes as regras dos artigos 99 a 118 do Código Comercial, referindo-se o seu

art. 107, na linguagem da época, a “arbitradores” e não a árbitros.

A Lei n.º 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que dispõe sobre a participação dos trabalha-

dores nos lucros ou resultados da empresa, prevê, no insucesso da negociação de emprega-

dor e empregado, a utilização da mediação e da arbitragem de ofertas finais para resolver o

impasse.

Explica-se, assim, a retomada da arbitragem, com força total nas soluções de conflitos,

prevalecendo a autonomia da vontade como base de um Direito atual, adaptado às necessida-

des de um novo século, sem barreiras geográficas, dinâmico, criativo, onde impera a vonta-

de das partes.

Ignorar essa realidade é colocar-se em plano jurídico-cultural de inferioridade e

desatualização.

Mediação

A mediação é um dos principais recursos no campo dos Métodos Extrajudiciais de Solução

de Conflitos (MESCs). Trata-se de um processo que transcende o simples conteúdo do

conflito em questão, tendo como objetivo a resolução da controvérsia associada a uma trans-

formação positiva dos relacionamentos envolvidos, e também a possibilidade de acordo.

Entre as partes em conflito surge a figura de um terceiro imparcial – o mediador –, para

facilitar a comunicação, procurando o estabelecimento de um diálogo cooperativo e respei-

toso. Durante a mediação, cada parte vai ter a oportunidade de refletir sobre sua posição na

17

controvérsia, apropriando-se de suas idéias, necessidades e interesses de forma mais cons-

ciente e responsável. O mediador auxiliará o reconhecimento das diferenças de cada parte

para com a outra, tentando incluir ambos pontos de vista na negociação. Alternativas de

solução tornam-se possíveis e um acordo que traga benefícios mútuos pode ocorrer.

A história da mediação teve início nos anos 70, nos EUA, difundindo-se para o Canadá, a

China e alguns países da Europa. Diversos são seus contextos de atuação: familiar, comu-

nitário, educacional, comercial, trabalhista, meio ambiente e relações internacionais.

No conjunto dos MESCs a mediação distingue-se da negociação, da conciliação, da arbitra-

gem e da resolução judicial.

Em uma negociação, as partes estabelecem um diálogo com a intenção de chegarem a um

acordo. Estas atuam diretamente na situação sem a participação de terceiros. Uma nego-

ciação vai ser cooperativa se as partes utilizarem formas semelhantes de manejo de confli-

tos e procurarem uma solução justa e satisfatória para todos envolvidos. Uma negociação se

tornará adversarial se as partes utilizarem estratégias competitivas e buscarem soluções

ganhador/perdedor.

A conciliação, no Brasil, tem ficado relacionada à esfera jurídica, tal como observado nos

Tribunais de Pequenas Causas, na Defensoria Pública e nas Comissões de Conciliação Pré-

via. O conciliador tem papel diretivo junto às partes na busca e construção do acordo.

Provê assessoria jurídica, orienta e sugere soluções para o conflito em questão, com o obje-

tivo primeiro de lograr um acordo.

A arbitragem é uma forma de juízo privado onde um terceiro imparcial, experto no tema da

disputa e escolhido pelas partes, assume o controle e define o resultado do conflito.

Na resolução judicial, as partes procuram a justiça, para que um juiz estabeleça a solução

definitiva e legalmente obrigatória para o litígio.

Na mediação, uma terceira pessoa imparcial facilita a comunicação entre as partes, para

que estas discutam suas diferenças, identifiquem seus interesses comuns e suas áreas de

acordo, e pensem opções que levem a uma solução mutuamente aceitável no que diz res-

peito a sua controvérsia. Através de um processo desenvolvido em etapas, convida as par-

tes à reflexão e à colaboração, auxiliando as pessoas envolvidas no conflito, a serem autoras

da solução para sua questão.

Geralmente, as pessoas em conflito trazem uma certa dose de emotividade, podendo ou

não ter clareza sobre suas posições e interesses. Habitualmente, não compreendem o pon-

to de vista do outro e usam a competitividade na tentativa de resolver seus conflitos. O

processo da mediação possibilita que as pessoas aprendam a entender não só suas próprias

questões, interesses e necessidades, mas também as do outro, em uma atitude de respeito

e colaboração.

Quando uma pessoa reconhece o ponto de vista do outro, dar-se-á conta mais facilmente de

18

que ambas estão em um processo inter-relacional, influenciado por diferentes fatores, e

que, juntas, podem pensar em novos padrões relacionais que melhorem sua relação. A par-

tir daí, poderão definir seus temas e necessidades mais claramente, deliberar sobre opções

realistas e, possivelmente, tomar decisões que se tornem parte de um acordo. O mediador

incentiva as partes a criarem suas próprias soluções, o que implica em uma maior responsa-

bilidade pelas decisões tomadas.

As técnicas utilizadas em uma mediação são das áreas da comunicação e da negociação, e

têm como objetivo auxiliar as partes a exercitarem seu apoderamento (apropriação de seus

conhecimentos, ações e soluções) e reconhecimento (inclusão do ponto de vista, ações e solu-

ções do outro), o respeito pelo outro, sua consciência social, seu movimento e motivação

em direção ao futuro, a definição de temas, a deliberação e a tomada de decisões.

Renata Fonkert

Notas

1 LIMA, CláudioVianna de. A lei de arbitragem e o art. 23, XV, da lei de concessões. Revistade Direito Administrativo, [S.l.], n. 209, p. 91-104, s.d.

2 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Novo Processo do Consumidor. Rev. Proc., [S.l.], n. 62,

p. 141, 1991.

3 REVISTA FORENSE, v. 326, p. 121 e seguintes (BARBOSA Moreira, José Carlos, trad.).

4 BARBOSA Moreira, J. C. Miradas Sobre o Processo Civil Contemporâneo. Revista Forense,[S.l.], v. 331, s.d.

5 obra citada.

19

Palestrante: JOSÉ MARIA ROSSANI GARCEZ1

Rio de Janeiro, 09 de abril de 2002

Tema: A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO §ÚNICO DO ART. 6º E DO ART. 7º DA LEI DE ARBITRAGEMNO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Cláusula compromissória e compromisso – demanda para lavrar-se em juízo o compro-

misso arbitral, conforme o parágrafo único do art. 6º e o art. 7º da Lei 9.307/96 –

aplicação do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal.

A vigente Lei de Arbitragem brasileira – Lei 9.307/96 – é uma das mais modernas hoje em

todo o mundo, tendo sido inspirada nos conceitos e modelos mais avançados como a legis-

lação espanhola, a Lei-Modelo da UNCITRAL e a Convenção de Nova Iorque. Nela é feita

distinção entre a cláusula e o compromisso arbitrais, que são tratados como espécies do

gênero convenção arbitral, mantendo-se, assim, a dicotomia entre os institutos, diferente-

mente do tratamento dado em algumas outras legislações, em que ambos os institutos

tiveram definição e tratamento único, fazendo com que a obrigação decorrente da conven-

ção arbitral, quando validamente constituída, seja bastante para prosseguir-se na arbitra-

gem mesmo ante a inércia da parte demandada que tenha antes firmado contrato contendo

cláusula compromissória.

Talvez tal diferenciação tenha servido para estimular os velados preconceitos internos quanto

ao instituto da arbitragem, ao dar lugar à célebre discussão travada desde 1996 e somente

definida pelo Supremo Tribunal Federal em meados de 2001, com o voto da Ministra Ellen

Gracie, a favor da plena constitucionalidade da Lei 9.307/96, somando-se a este mais um

voto, perfazendo-se assim o quórum majoritário de sete votos favoráveis a constitucionalidade

integral da lei de arbitragem e quatro votos contrários.2

Este caso iniciou-se como simples homologação de um laudo arbitral estrangeiro proferido

em Barcelona, Reino de Espanha, ganhando mais tarde no Supremo Tribunal Federal, con-

tornos de argüição incidental de inconstitucionalidade, após ter o Ministro Moreira Alves

solicitado parecer do Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, sobre a

constitucionalidade da lei de arbitragem, que entrou em vigor durante o trâmite do respec-

tivo processo de homologação.

20

Em seu parecer e em sede de Agravo Regimental na Homologação da Sentença Arbitral

Estrangeira (nº 5.206-8/246) do Reino de Espanha – MBV versus RESIL, o Procurador-

Geral da República examinou, preliminarmente, a constitucionalidade da Lei 9.307/96,

concluindo – e aí começaram as opiniões divergentes – pela sua integral constitucionalidade.

O Início da Controvérsia – o Voto do Ministro Sepúlveda Pertence

O primeiro voto no Plenário do STF no incidente de argüição de inconstitucionalidade

instaurado no bojo do Agravo Regimental em referência foi proferido pelo Relator, Ministro

Sepúlveda Pertence. Em 43 laudas, embora nada tenha referido quanto à constitucionalidade

dos demais artigos da Lei 9.307/96, o Ministro Pertence considerou tendo sido afetados por

inconstitucionalidade tanto o parágrafo único do art. 6º quanto o art. 7º da Lei.

As razões do voto, após considerações sobre a doutrina de Barbosa Moreira, incluindo refe-

rências ao artigo 639 do CPC e outras, acerca da impossibilidade do Juiz suplementar no

compromisso arbitral a vontade das partes, em especial quando não tenha indicação das

mesmas neste sentido num pré-contrato, como é a cláusula compromissória, fixa-se na

impossibilidade de serem aplicados os artigos 6º (parágrafo único) e 7º da Lei de Arbitra-

gem, que remetem ao judiciário, a pedido da demandante da arbitragem, a ação de cumpri-

mento para que a parte dissidiosa ou recalcitrante venha a firmar, na presença do Juiz, o

compromisso arbitral. Ao final de seu voto, o Ministro Pertence, conclui, registrando que, a

seu ver, não poderia a Lei de Arbitragem, sendo insuficiente a cláusula compromissória

para firmar o compromisso, suprir esta impossibilidade, sem ferir a garantia constitucional

de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF

inciso XXXV, art. 5º).

Este voto surpreendeu aos que militam na área da arbitragem no País e criou uma certa

desconfiança dos advogados e partes de outros países na futura eficácia de nossa legislação

sobre arbitragem.

Afinal, a estrutura da Lei de Arbitragem, com os artigos inquinados de inconstitucionalidade

em questão, representa um instrumental necessário, indispensável à operacionalidade do

instituto da arbitragem e existe na legislação ou jurisprudência de inúmeros países, como

forma de impedir a recalcitrância e reticência da parte que quer impedir a realização da

arbitragem ou que pretende obstaculizar seu seguimento em detrimento da outra, que

com ela contratou de boa-fé, tendo antes aceito, pela assinatura de cláusula compromissória,

a obrigação de sujeitar-se à solução arbitral da controvérsia, que tem de merecer execução

específica.

Em artigo sobre a discussão no Supremo Tribunal Federal, da lavra de Arnoldo Wald, Patrick

Schellenberg e Keith S. Rosen3, publicado na Inter-American Law Review, edição spring-sumer/99, sob o título “Some controversial aspects of the new Brazilian Arbitration Law”,

foram feitos comentários interessantes quanto à argüição de inconstitucionalidade dos ci-

tados artigos da Lei de Arbitragem. A questão da pretensa inconstitucionalidade da Lei de

Arbitragem foi desdobrada pelos autores em dois issues: o primeiro quanto à inconstitucio-

21

nalidade em geral da lei, caso ela conflitasse, em realidade, com a garantia constitucional

que decorreria da garantia do inciso XXXV do art. 5º da CF, que assegura que a lei não pode

privar a parte de ter acesso ao judiciário.

Quanto a este item, assim genericamente enunciado, os articulistas, que nisto fizeram coro

com a opinião uníssona dos juristas que vinham analisando a matéria, não tiveram dúvidas

quanto a negar a possibilidade de ser inconstitucional a Lei de Arbitragem. Não é ela que

veda o acesso ao judiciário, e sim as próprias partes que a ele renunciam livremente, esco-

lhendo, de forma válida, uma outra via para solução de seus conflitos, a que o Estado, se

acionado, deve reconhecer validade e dar garantias de execução, para a boa administração

da justiça.

Cláusula Compromissória em Branco ou Completa

O teor controversial da questão envolve, especificamente, a eficácia dos artigos 6º e 7º da

lei, quanto a permitir que o judiciário possa compelir a parte a instaurar a arbitragem em

vista da chamada cláusula arbitral en blanc.

Isto ocorre se, na prática, fazem falta na cláusula compromissória alguns elementos especí-

ficos importantes para indicar quais as diretrizes das partes quanto ao procedimento arbitral.

Por exemplo, se a arbitragem é ad hoc ou autônoma, não tendo indicado as partes as normas

procedimentais, ou subjetivas, ou de alguma instituição arbitral, a conduzir a arbitragem,

ou mesmo se houver falha em ajustar a específica submissão da hipótese à arbitragem, em

suma, em todas as situações que caracterizam a cláusula compromissória em branco.

Se a cláusula arbitral não for em branco, o que ocorre na arbitragem regulada por normas de

alguma instituição ou, ainda, por convenções explícitas entre as partes, as normas

convencionadas podem submeter de per se à arbitragem a parte que se mantiver silente ou

se negar a nela prosseguir. Tais regras podem prever fórmulas para que a arbitragem possa

ter prosseguimento, independentemente mesmo da assinatura do termo de compromisso,

de forma a que não seja prejudicado o procedimento arbitral.

O art. 5º da Lei de Arbitragem, que nunca foi apontado como eivado de inconstitucionalidade,

prevê expressamente, aliás, possam as partes reportar-se, na cláusula compromissória, às

regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, sendo a arbitragem,

nesses casos, instituída e processada de acordo com tais regras.

Mas, mesmo que a cláusula arbitral seja em branco, a opinião de muitos é a de que, concessamaxima venia, teria cometido um equívoco o douto Ministro Sepúlveda Pertence e seu voto,

que embora erudito e elegante, como soem ser seus escritos, não procede quanto à

inconstitucionalidade dos artigos da Lei de Arbitragem que menciona.

Suponhamos, por exemplo, que, em arbitragem cujo processamento se iniciasse no Brasil,

determinada cláusula compromissória dispusesse apenas que os conflitos originários do

contrato seriam resolvidos por arbitragem, e a parte que tivesse recebido notícia da deman-

22

da arbitral ficasse rigorosamente inerte. Se a outra parte, a demandante, ingressasse com a

ação prevista no art. 7º da Lei de Arbitragem, o juiz deveria, previamente, tentar a concilia-

ção entre as partes acerca do litígio, como faz referência o § 2º deste artigo e, se não obti-

vesse êxito, tentaria conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso

arbitral.

Mas, se isto também não tivesse resultado, se a cláusula compromissória nada dispusesse a

respeito da nomeação de árbitros, como se refere o § 4º deste artigo da lei, o juiz poderia

nomear árbitro único, dispondo o § 6º que o mesmo acontecerá se o réu não comparecer à

audiência, neste caso ouvido o autor.

E nomeado o árbitro, eis um detalhe importante a considerar, tem ele competência para

decidir se a cláusula compromissória é válida, para determinar, por exemplo, a lei de regên-

cia da arbitragem e receber a demanda de arbitragem, fixando os limites da lide, valendo

lembrar que se a decisão arbitral a ser proferida ficar além dos limites estabelecidos na

convenção, será nula, a teor do inciso IV do art. 32 da lei. Convém lembrar neste ponto que,

nos termos expressos do § 1º do art. 21 da lei, não havendo estipulação quanto ao procedi-

mento arbitral a ser seguido, “caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo”.

Assim, as hipóteses que estão a merecer a proteção do direito das partes que celebrem a

convenção de arbitragem, ainda que a mesma não seja a mais completa, estão previstas na

lei e o juiz não estará procedendo a qualquer invasão; não estará, a rigor, substituindo a

parte, numa inovação contratual que lhe seria, de resto, difícil de assumir, nem perpetran-

do nenhuma ação contra a letra da Constituição Federal por interceder neste momento

para, justamente, proteger este direito da parte, o que, aliás, é sua função.

Como a Lei de Arbitragem prevê possam as partes na cláusula compromissória reportar-se

às regras de alguma instituição arbitral e ser a arbitragem instituída e processada de acordo

com essas regras, como pode ser facilmente constatado a maioria dessas regras prevê a

continuidade da arbitragem possibilitando a escolha de árbitro único ou de um terceiro

escolhido pelas normas da instituição, como prevêem, por exemplo, as normas da CCI,

quando a parte permanece inerte ou mesmo se opõe à arbitragem.

Não fosse esse permissivo legal, poderiam alguns imaginar que nas sentenças arbitrais es-

trangeiras que fossem proferidas em procedimentos regidos, por exemplo, pelas normas da

CCI, no caso de ter prosseguimento a arbitragem cuja demanda não fosse respondida pela

parte ré, como permitem tais regras, tal sentença poderia não ser homologada posterior-

mente no Brasil pelo STF, por poder este considerá-la contrária à letra da nossa Constitui-

ção, constituindo este fato razão de ordem pública para a sua não homologação. Mas isto,

como é lógico, não pode ocorrer.

Aliás, é bom que se faça referência à tendência incontrastável no direito comparado de ser

dado à arbitragem internacional uma força e autonomia que, às vezes, não é encontrável nas

legislações e regras arbitrais quanto à arbitragem doméstica.

23

Mas, numa decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em Agravo de Instrumento de nº

124.207/0 da Capital do Estado, em que são partes a Renault do Brasil S/A e Carlos Alberto deOliveira Andrade, nos autos da ação de instituição de juízo arbitral, em que foi expressamen-

te analisada a dicotomia de resultados entre a cláusula compromissória em branco e a arbi-

tragem institucional essa questão chegou a ser analisada, com resultados promissores. A

redação de parte deste acórdão encontra-se a seguir:

“...Não é preciso, pois, dirigir-se ao órgão jurisdicional competente porque os termos do compromissoarbitral a ser instaurado o serão de acordo com as regras do órgão arbitral institucional ou da entidadeespecializada. Não há, assim, necessidade de o juiz estabelecer o conteúdo do compromisso, nem tampouco,nomear árbitros ou árbitro para a solução do litígio. Essa é a novidade de nosso Direito, no tangente àcláusula compromissória, criada sob a influência do Protocolo de Genebra, como acima já se especificou”.

Na ementa do acórdão em questão encontra-se um item taxativo quanto à pretensa

inconstitucionalidade genérica da Lei de Arbitragem, cuja citação é bastante para entender

como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou dissipados, de vez, esses

pretensos efeitos:

ARBITRAGEM – Lei 9.307/96 – Inconstitucionalidade por violação do art. 5º inciso XXXV da Cons-tituição Federal – Preceito constitucional que não impede a renúncia das partes a submeter a questãolitigiosa à apreciação judicial, a qual não é excluída, porém, a manifestar-se sobre a validade do ato –Direito patrimonial disponível – Obediência ao pacta sunt servanda – Transação entre as partes queatribui ao laudo arbitral efeitos de ato jurídico perfeito – Recurso provido”.

No conjunto, caso prevalecesse o entendimento de que as cláusulas compromissórias, mes-

mo válidas, pudessem, em certos casos, não ser exeqüíveis, ante a pretendida violação ao

texto da Constituição, teria sido retirada, parcialmente, a eficácia da Lei de Arbitragem de

1996, havendo um retrocesso aos tempos do Código Civil de 1917 em que se entendia que

tais cláusulas não eram passíveis de execução específica, podendo sempre escapar de seu

cumprimento a parte que as tivesse firmado, sendo de difícil senão impossível reparação o

dano causado a uma das partes pela outra ao recusar-se, mesmo após firmar a cláusula

compromissória, a se submeter à arbitragem.

Assim, para organizar este pensamento, quando a arbitragem achar-se vinculada às regras

do art. 5º da Lei 9.307/96 – arbitragem institucional – contemplando essas regras fórmulas

que desobriguem as partes de firmar o compromisso arbitral, ou seja, que possibilitem

ultrapassar e compensar essa eventual necessidade, sendo a cláusula compromissória válida

e exeqüível, não haverá porque se pensar no compromisso arbitral, e isto não poderá ser

posteriormente alegado para anular a sentença arbitral ou servir como prejudicial à homolo-

gação da sentença arbitral estrangeira pelo STF.

Se o laudo arbitral for proferido no Brasil, e a cláusula compromissória não for nula, sendo a

arbitragem ad hoc, não vinculada a regras de alguma instituição, caso uma parte se insurja

contra a arbitragem ou permaneça inerte, a mesma poderá ser submetida a este compro-

misso pela demandante ante o poder judiciário, cumprindo-se a determinação contratual

24

das partes, pelo juiz ou, e aqui vem um ponto importante, pelo árbitro, a partir da cláusula

compromissória existente. Neste sentido, o árbitro ou os árbitros já escolhidos validamente

pelas partes ou por uma delas, deveriam ser sempre convocados para comparecer à audiên-

cia marcada pelo juiz ao qual foi distribuída a ação de cumprimento e, se este vier a nomear

árbitro único, poderá este árbitro, por determinação do juiz, dispor sobre os elementos do

compromisso.

Como Surgiu, e Qual a Finalidade do Inciso XXXV do Art. 5º da CF?

A inserção nas constituições do País do preceito hoje constante do inciso XXXV do art. 5º

da CF de 1988 remonta aos tempos do Estado Novo, em que o regime ditatorial, com base

em diploma regulamentar então expedido, começou a fazer com que os inquéritos parla-

mentares e policiais fossem levados a efeito sem que os envolvidos tivessem assegurado

direito e garantias mínimas, sendo vedado ao judiciário o reexame da questão.

Neste contexto, no regime legal de 1937, justificou-se o preceito inserido na CF de 1946

em razão da legislação existente, excludente de apreciação judicial inquéritos parlamenta-

res e policiais, prevendo não poder a lei excluir a apreciação do Poder Judiciário a lesão ou

ameaça de direito, sendo ele mantido nas Cartas de 1967 e 1988, quase com a mesma

redação.

Como ensina Pontes de Miranda (Comentários à CF de 1967, RT, Tomo V, p. 109), o obje-

tivo do referido dispositivo constitucional foi educar as próprias autoridades governamen-

tais, já que é para elas que se direciona o princípio – diz Pontes:

“dirige-se ela aos legisladores: os legisladores ordinários nenhuma regra jurídica podem editar que per-mita preclusão em processo administrativo, ou em inquérito parlamentar, de modo que exclua a cogniçãopelo Poder Judiciário”.

O mesmo, evidentemente, não se aplica às partes, desejosas de solucionar suas controvér-

sias por um método fora da jurisdição estatal, teoricamente ao menos com maior especiali-

zação e rapidez, atribuindo por sua própria e exclusiva manifestação de vontades, poderes

para que árbitros privados possam ditar a solução de suas controvérsias através de um laudo

que se obrigam a cumprir e que tem agora, também no Brasil, força de lei e eficácia coativa

similar a sentença judicial transitada em julgado.

Hamilton de Moraes e Barros4, para completar esta informação, é incisivo ao afirmar:

“Constitui erro grosseiro de direito dizer-se que a Constituição” – referia-se a CF anterior à presente –“proibiu o juízo arbitral, quando, no art. 153, § 4, declara que a lei não poderá excluir da apreciação dopoder judiciário qualquer lesão do direito individual. Nem a Constituição atual nem as que a antecede-ram contêm essa proibição. Ao juízo arbitral podem recorrer as partes, se o preferirem à jurisdiçãoestatal, para a solução de suas controvérsias. O que as Constituições não admitem, nem toleram, é que osindivíduos e pessoas, ainda que queiram, não possam recorrer ao Poder Judiciário, porque a lei tenhafechado esse caminho. Ao prever o juízo arbitral e ao discipliná-lo, não está a lei excluindo a lesão ao

25

direito individual, ou pessoal, de apreciação do Poder Judiciário. Está, apenas, oferecendo mais um meio– facultativo – de acertarem suas relações”.

Definição final pelo plenário do Supremo Tribunal Federal da questão sobre a Argüição

Incidental de Inconstitucionalidade dos artigos da Lei de Arbitragem, no Bojo do Agravo

Regimental no processo de Homologação da Sentença Estrangeira nº 5.206-3.

Voltando a argüição incidental de constitucionalidade no Agravo Regimental na homologa-

ção da sentença Estrangeira nº 5.206-7 do Reino da Espanha, após o voto do Ministro Per-

tence, logo a seguir proferiu voto o Ministro Nélson Jobim, que perfilhou a tese da integral

constitucionalidade da lei, comentando que embora a CF exclua da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito no art. 5º, XXXV:

“Ela não proíbe que as partes pactuem formas extrajudiciais de solução de seus conflitos, atuais oufuturos”. Considerou o Ministro Jobim em seu voto que, na ação do art. 7º, é o autor e não o Juiz, quemestabelece os contornos do conflito que será objeto do Compromisso. “O Juiz limita-se a verificar secompreende ele nos limites do contrato, inexistindo óbice, portanto, à incidência do art. 639 do Código deProcesso Civil”.

Também divergiu do voto do Ministro Pertence o Ministro Ilmar Galvão, com os seguintes

argumentos:

“Não se cuida, entretanto, de ato (referindo-se ao pacto comissório) por meio do qual alguém declarahaver renunciado, de forma absoluta, a todo e qualquer direito de ação, a partir de determinado momen-to, o que seria inadmissível, mas de simples cláusula contratual em que as partes vinculadas a determina-da avença, que tenha por objeto direito patrimonial de natureza disponível, deliberem de livre e espontâ-nea vontade, que toda dúvida que o contrato vier a suscitar será, obviamente, por elas próprias dissipa-das de comum acordo; e, com certeza, se não lograrem êxito nesse propósito, será ela, aí já qualificadacomo controvérsia, resolvida, necessariamente, por terceiro ou por terceiros de sua confiança, cuja deci-são será obrigatoriamente por eles acatada.”

A Ministra Ellen Gracie, por fim, compôs o quórum de seis votos favoráveis à constitucio-

nalidade da Lei de Arbitragem, opondo-se parcialmente ao voto do Ministro Pertence,

registrando que:

“Negar possibilidade a que a cláusula compromissória tenha plena validade e que enseja execução especí-fica importa em erigir em privilégio da parte inadimplente o furtar-se à submissão à via expedita desolução da controvérsia, mecanismo este pelo qual optara livremente, quando da lavratura do contratooriginal em que inserida esta provisão, é dar-se ao recalcitrante o poder de anular condição que – dadaa natureza dos interesses envolvidos – pode ter sido consideração básica à formação da avença. É inegá-vel que no mundo acelerado em que vivemos, ter ou não, acesso a fórmulas rápidas de solução das pen-dências resultantes do fluxo comercial, constitui diferencial significativo no poder de barganha dos con-tratantes.”

E, finalmente, concluiu seu voto favorável à constitucionalidade da Lei de Arbitragem,

dizendo:

26

“...Como se vê, o cidadão pode invocar o Judiciário, para a solução de conflitos, mas, não está proibidode valer-se de outros mecanismos de composição de litígios. Já o Estado, este sim, não pode afastar docontrole jurisdicional as divergências que a ele queiram submeter os cidadãos.”

Este caso, dessa forma, foi julgado, em definitivo, pelos onze ministros da Suprema Corte

em dezembro de 2001, resultando em sete votos a favor da constitucionalidade da Lei de

Arbitragem da parte dos Ministros Maurício Correia, Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Marco

Aurélio de Mello, Celso de Mello, Ellen Northfleet Gracie e Velloso e quatro votos em

contrário, da parte dos Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Moreira Alves e

Néri da Silveira, que apontaram a inconstitucionalidade específica dos arts. 6º e 7º da lei e

seus corolários. Até hoje, no entanto, o respectivo acórdão não foi publicado.

Os efeitos do inciso XXV do art. 5º da Constituição Federal e as perspectivas da arbitragem

após o julgamento da Constitucionalidade da Lei de Arbitragem pelo Supremo Tribunal

Federal.

Já ficou demonstrado que o inciso XXV do art. 5º da CF não possui os efeitos que lhe

querem atribuir, no sentido de não permitir que a parte possa comprometer-se validamente

quanto à solução de um litígio, seja por arbitragem seja por mediação, e este ajuste tenha o

efeito de excluir a questão da apreciação pela via judiciária. Aliás, a jurisprudência brasileira

vem registrando que a cláusula compromissória validamente ajustada produz justamente

este efeito, ou seja, a exceptio excludente da escolha posterior e unilateral da via judiciária

em afronta ao contratualmente ajustado entre as partes.

Alguns, todavia, vêem com reticências e dúvidas esses efeitos. Por exemplo, no anteprojeto

que tem circulado da lei sobre Mediação, em que se extinguirá o processo sem a necessida-

de de intervenção do juiz estatal. Na Exposição de Motivos, antevendo, talvez, futuros

questionamentos, o Anteprojeto esclarece que a tentativa obrigatória de mediação incidental

não fere o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que dispõe a respeito

da inafastabilidade do acesso aos tribunais porque, diversamente do que ocorre com outros

diplomas legislativos, ela ocorrerá após o ajuizamento da demanda, com o que se puderam

conferir à distribuição desta e à intimação dos litigantes efeitos que, pelo Código de Pro-

cesso Civil, são próprios da citação (arts. 6º e 8º, § 1º, do Projeto); e ainda porque a parte

interessada poderá solicitar a retomada do processo judicial, decorrido o prazo de 60 (ses-

senta dias) da data do início do procedimento de mediação (art. 9º, § 3º).

A decisão do Plenário do STF pela constitucionalidade do § único do art. 6º e do art. 7º da

Lei de Arbitragem e seus corolários representa um leadind case, que há de fortalecer a utili-

zação da arbitragem entre nós e revigorar a confiança da comunidade internacional de ne-

gócios na promoção da arbitragem entre nós.

Até mesmo porque, na área dos contratos internacionais, nossa Lei de Arbitragem é extre-

mamente favorável à execução da decisão arbitral que tenha seu site no Brasil. Nestes casos,

ainda que o contrato que preveja a arbitragem seja regido por lei estrangeira, até mesmo

quando ela seja conduzida em outro idioma que não o português e tenha como regência as

27

regras de uma entidade sediada fora do Brasil, a Lei 9.307/96 leva em consideração somen-

te o local em que for realizada a arbitragem, tratando-a então como arbitragem nacional

quando realizada em território nacional. Assim, será dispensada nesses casos a etapa de

homologação pelo Supremo Tribunal Federal para efeitos de execução da sentença arbitral

contra a parte domiciliada no País.

Portanto, após o citado e histórico julgamento da Suprema Corte, foi reforçada a impressão

de que a arbitragem se fortaleceu entre nós, malgrado a desinformação e os preconceitos a

seu respeito ainda existentes no País. Assim, têm surgido no Brasil novas câmaras adminis-

tradoras de processos de mediação, conciliação e arbitragem, como a Câmara FGV de Con-

ciliação e Arbitragem e a Câmara de Mediação e Arbitragem do Rio de Janeiro – CAMARJ,

ambas no Rio de Janeiro, para só citar alguns exemplos.

O Rigor da Ética na Arbitragem

Não pretendo aqui simplesmente realçar ou enfatizar o valor da moral e da ética no direito

ou na arbitragem. Pretendo, isto sim, colocar inicialmente em dúvida a precisão e o rigor

desses conceitos, se é que existe um rigor conceitual científico quanto a instituições

relativizadas e conceitualmente fluídas como a ética e a moral, numa sociedade plúrima e

patrimonialista, formada com a sedimentação dos estamentos burocráticos da península

ibérica, como foram citados no estudo do sociólogo e advogado gaúcho Raymundo Faoro,

através de sua excelente obra “Os donos do Poder”.

Chaïm Perelman, em “Ética e Direito” 5, registra que “o ideal do sábio, do homen virtuoso

– por ter o conhecimento daquilo que vale realmente, uma concepção racionalista da justi-

ça como caridade conforme à sabedoria, que procura propiciar o bem a todos, na proporção

das necessidades e dos méritos de cada qual – pressupõe a existência de critérios objetivos

de valor que tornam possível uma ciência da moral. Mas os grandes filósofos racionalistas,

de Platão a Leibnitz, passando por Santo Tomás, Descartes, Spinoza e Locke, propuseram-

se todos à elaboração de uma moral racional, mas se atritaram constantemente com os

cépticos que alegavam divergências constantes nessa área”.

Entre Descartes e o positivismo um admirável esforço foi empreendido por Kant, para

salvaguardar o papel da razão prática. O dever, reconhece Kant, exprime uma espécie de

necessidade e de ligação com princípios que não se apresenta em outra parte em toda a

natureza. Daí resulta que a existência da moralidade nos obriga a reconhecer a intervenção

das coisas em si em nosso universo prático: com efeito, a lei moral, cuja existência é inegá-

vel, permite afirmar a existência de uma liberdade como sua ratio essendi, sendo a causalida-

de pela liberdade definida como a determinação da vontade pela razão pura prática6.

Também não pretendo me prolongar neste estudo sobre a falta de ética verificada na ocor-

rência, no Brasil, após a Lei de Arbitragem, de atos praticados por dirigentes e pretensos

professores de algumas instituições que começaram a fraudar o direito dos consumidores

vendendo cursos de capacitação de árbitros, carteiras ilegítimas de Juiz Arbitral, apresenta-

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dos simplesmente como “Juiz”, com as Armas da República em conjunto com porte de

armas, valendo-se da ajuda ou cumplicidade de incautos ou mal-intencionados, como citou

o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador Marcus

Antonio de Souza Faver, em reportagem impactante, publicada no dia 10 de janeiro de 2002

no Jornal do Brasil.

Para esses atos, que são sazonais, tópicos, e que logo deixarão de ser praticados, pois repre-

sentam excessos indesejáveis e reprimíveis pelas leis existentes, existem enquadramentos

e sanções de natureza penal e civil, que estão sendo e continuarão a ser aplicados.

Recentemente, aliás, Pedro Batista Martins, um dos componentes da Comissão Revisora

da Lei de Arbitragem, publicou artigo no Jornal do Commercio saudando as providênci-

as repressoras das autoridades judiciárias contra este tipo de abuso, fraude e estelionato,

que ocorreu também, como citou, em outros países como a Espanha, no início da prática da

arbitragem sob a égide de uma legislação mais específica e completa, como está ocorrendo

no Brasil.

Devemos evitar, porém, entre nós, os excessos das contramedidas, como a tentativa de

inquinar de inconstitucional o artigo da lei que equipara para efeitos funcionais de resulta-

do quanto às sentenças arbitrais os árbitros aos juízes togados, registrando aqui apenas a

opinião que o artigo da lei tem sua razão de ser e a má-fé e desqualificação dos contrafatores,

que dele tem abusado para perpetrar coisas que a lei jamais lhes autorizou a fazer, não o

invalida, assim como não invalida o conceito de ato de comércio a fraude mediante a emis-

são de notas frias ou a utilização de cheque sem fundos no comércio.

Os abusos e também típicas fraudes na venda de cursos de “capacitação” de árbitros, como

se pudesse haver cursos de capacitação para funções tão multidisciplinares quanto às dos

árbitros, devem ser reprimidos não só pelos meios coercitivos, mas também, profilaticamente,

pelo esclarecimento prestado à população e a difusão multiplicadora desses esclarecimen-

tos a ser feita através da classe com acesso à informação técnica e especializada sobre a

matéria.

O máximo aceitável a que se pode chegar nesse campo quanto a cursos para difusão e

aperfeiçoamento da arbitragem envolve apenas os aspectos legais da arbitragem, aí incluin-

do-se a legislação e a doutrina, o direito comparado e a jurisprudência. Não se pode, a não

ser mediante engodo ao consumidor, mediante fraude, emitir carteira de “capacitação de

árbitro” com base em tais cursos.

Mas o que desejo enfatizar aqui é o fato de que talvez o mais importante passo na evolução

do instituto da arbitragem entre nós ou em países como o nosso seja, antes de mais nada, a

implantação de uma ampla e verdadeira cultura arbitral ética.

Na reportagem de janeiro de 2002 publicada pelo Jornal do Brasil, o Presidente do Tri-

bunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro fez referência ao fator da falta de tradição e

cultura no Brasil quanto à aplicação do método de julgar por arbitragem, em oposição à

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maciça e segura utilização desse método em outros países como os Estados Unidos e a

Inglaterra, fazendo com que pudesse ser conspurcada a louvável idéia do Vice-Presidente

Marco Maciel em patrocinar a Lei 9.307/96, para estabelecer uma instância jurídica priva-

da, capaz de resolver questões patrimoniais que, por causa da morosidade da justiça tradi-

cional, arrastam-se por anos a fio. A falta de tradição e a simbiose do sistema arbitral com o

direito tradicional no País, no dizer do Desembargador Marcus Faver, acabou permitindo a

criação de redutos de corrupção e estelionato do tipo dos que foram criados no Estado do

Rio de Janeiro.

A arbitragem é um método que decorre do exercício da autonomia de vontade das partes,

pois nela tudo depende, em princípio, do consenso entre elas. É também uma fórmula que

se baseia num patamar menos adversarial e necessariamente mais independentemente

aculturado, menos baseado em normas legais e protocolos, das partes, de seus advogados e

dos árbitros.

A cultura arbitral necessita para se firmar, de uma natureza intrinsecamente moral, que lhe

é inerente e que necessita ser entendida em profundidade, como uma unidade também

cultural diferençada e difusa, para que se absorva a arbitragem como, antes de tudo, um

meio ético de solução de conflitos. Em que os árbitros têm, além dos demais encargos

inerentes à sua função, uma série de comprometimentos, obrigações e restrições de natu-

reza ética e moral, talvez maiores do que aqueles pertinentes aos juízes estatais, expostos

profissionalmente e de forma permanente aos riscos e tentações da função judicante às

quais estes últimos, por formação e dever de ofício, estão menos vulneráveis, apresentando

maiores reservas ou uma maior imunização.

Em sua obra-tese de doutoramento na Université Panthéon-Assas (Paris II), publicada em

livro sob o título “L’arbitre”, Thomas Clay7, no Título 2, “Les Exigences de la Mission”,

registra que o árbitro, a par de estar investido de uma missão jurisdicional deve ter um

perfil próprio. Esta missão, diz ele, é tão delicada e particular que deve ser preservada pela

qualidade individual de quem venha a desempenhar a função de árbitro, cujas qualidades

indissociáveis devem ser a independência e autonomia; a imparcialidade; a neutralidade, a

objetividade e a fortaleza ética.

O Código de Hamurabi, uma das mais antigas codificações de que se tem notícia (cerca de

790 a.C.), previa que um juiz que emitisse uma sentença com parcialidade deveria ser

condenado em doze vezes o valor da condenação que proferisse.

A independência, a imparcialidade e a ética do árbitro são, assim, predicados indispensá-

veis ao exercício de sua função. Porém, a noção exata do que constitua essa independência

do árbitro em termos aceitáveis pelo direito torna-se, subitamente, de grande complexida-

de e variabilidade conceitual. Existem, talvez, noções mais e menos funcionais a este res-

peito. Tirante as variações terminológicas, a independência do árbitro em termos jurídicos

reporta-se, basicamente, às condições de fundo, constitucionalmente protegidas, para quem

exerça, com independência e isenção, a função de julgar.

30

A Lei de Arbitragem estipula no art. 13 que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz, que

tenha a confiança das partes. No § 6º do art. 13 a lei acrescenta que, no desempenho de sua

função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, dili-

gência e discrição.

Será muito esperar os tipos de procedimento do artigo 13 de um árbitro ou seria isto o

mínimo desejável, já que a tarefa do árbitro, como julgador, deve importar na aplicação

maior da Justiça, uma categoria que, segundo Austin, não se prende tanto ao direito mas à

moral, interessando-se o direito mais pela legalidade?

De resto, é claro que, ao menos subjetivamente, a parte deve procurar nomear árbitro que

possa, no sentido aí da competência em termos de especialização ou conhecimento, julgar

a questão, fugindo da eventual não especialização do julgador quando nomeado por sorteio,

uma das características, aliás, que tem sempre servido para promover e comparar favoravel-

mente a arbitragem em relação ao julgamento pelo judiciário.

Os árbitros são humanos, falíveis, e antes mesmo que possam ser acusados de receber

vantagens para julgar, passam pela verificação de terem interesses variados, e de intensida-

de variável, na decisão, não em virtude vantagens pecuniárias que possam receber da parte,

fora os honorários contratados, mas em razão, por exemplo, de poderem desfrutar de uma

situação de amizade íntima com a parte que os nomeie, ou, ao contrário, de inimizade

capital. Estão, assim, impedidas e podem ser recusadas ou impugnadas funcionalmente de

funcionar como árbitros, as pessoas nomeadas que tenham, com as partes ou com o litígio

que lhes for submetido relações que caracterizem os casos de impedimento ou suspensão

de juízes, aplicando-se-lhes os mesmos deveres e responsabilidades, no que couber, que

puderem ser aplicados aos magistrados, conforme o Código de Processo Civil.

Assim, deveremos verificar quais os casos em que pode ser presumida a parcialidade do

Juiz, ou do árbitro, que são os previstos no artigo 135 do CPC:

1. ser amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

2. quando alguma das partes for credora ou devedora do Juiz ou do árbitro, de seu cônjuge

ou de parente destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

3. quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

4. quando receber dádivas, antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das

partes acerca do objeto da causa, ou administrar meios para atender às despesas do litígio;

5. quando for, simplesmente, interessado no julgamento da causa em favor de uma das

partes.

Selma Lemes, em seu livro “Árbitro – Princípios da Independência e da Imparcialidade”8,

recentemente lançado, sua tese de pós-graduação, faz um estudo interessante e percuciente

sobre os atributos indispensáveis ao árbitro, citando, dentre outros Pierre Lalive:

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“Um juiz é imparcial quando ele pesa, sem preferência, as razões a favor e contra, de coisas e pessoas.Um exame é imparcial se é proferido por um juiz imparcial. Não há nada mais essencial e de raraqualidade que a imparcialidade. Ninguém poderá confundir um juiz ignorante com um juiz parcial. Oignorante não tem o conhecimento necessário para julgar, o parcial recusa-se a fazê-lo.”

Selma cita também Werner Goldschmidt, para quem:

“La imparcialidad es en la esfera de lo emocional lo que la objetividad es em la órbita intelectual”.

Como, exatamente, mesmo após o que ficou anteriormente indicado, escolher um árbitro?

Seria bastante a confiança das partes, o conhecimento específico e a relativa boa reputação

do árbitro como fórmula eficaz para presunção da sua isenção e descomprometimento?

Seria bastante a circunstância adicional de figurar o seu nome de relações de entidades

arbitrais como um seguro indício de boa reputação e conduta ilibada?

Talvez não consista uma preocupação exagerada, nem um preconceito, pensar-se que, den-

tro do senso comum, no cálculo das probabilidades, possa parecer ao desconfiado cidadão

do nosso mundo que o árbitro escolhido pela parte, dentre os que desfrutem da confiança

desta, possa ser de alguma forma menos isento ou independente que o juiz estatal, este

escolhido, aleatoriamente, por sorteio e que, por profissão, sujeita-se à fiscalização interna

dos órgãos do judiciário aos quais seja atribuída esta função e, externamente, à fiscalização

indireta mas permanente da opinião pública a que sua reputação é submetida.

Afinal, o que o sociólogo gaúcho Raymundo Faoro havia identificado em estudo aprofundado

e baseado em dados históricos já na década de 70, no livro “Os donos do poder”, quanto à

formação do patronato político brasileiro, foi que, analisando certas fases da nossa história e

correlacionando-as às suas raízes portuguesas, as crises e perturbações em nossa crônica

político-social representavam resíduos de uma organização defeituosa e artificial,

patrimonialista e oligárquica, da qual custaríamos a nos livrar.

Faoro conceituou como estamento burocrático uma realidade que não se confunde nem com a

elite dirigente, pois como diz, “em todas as sociedades organizadas e em todas as épocas

houve sempre o domínio das minorias”, nem com a burocracia propriamente dita, pois, para

Faoro, a burocracia é apenas o aparato da máquina governamental enquanto o estamentoburocrático é o mandatário do País, de suas classes, regulando materialmente a economia,

funcionando como proprietário da soberania, sendo as demais estratificações, classes ou

estamentos por ele condicionados, carecendo de valor simbólico próprio.

Quando se vê os efeitos dessa civilização tolhida, embora não frustrada, vê-se que o Brasil

não pôde, não tem podido, expandir-se mais amplamente, devido à resistência das institui-

ções anacrônicas, aéticas, comprometidas com interesses não majoritários, comandadas pelo

estamento burocrático. Para que nossa civilização pudesse liberar-se dessas forças castradoras

teria de disciplinar cultural e praticamente, segundo Faoro, este poder minoritário, sempre

incontrolado e irrestrito, que, contrapondo-se às verdadeiras forças e tendências da nação,

sobre ela tem exercido um patronato político que foi a causa de nosso subdesenvolvimento.

32

É evidente que a corrupção não é uma instituição nacional, mas sim universal e o Brasil não

lidera exatamente o ranking dos países mais corruptos – embora não esteja mal situado

neste ranking. No mundo inteiro, com maior ou menor repressão, a corrupção atua. De

qualquer forma, algumas estatísticas apontam para o fato de que 30% do PIB do País é

afetado pela corrupção, no caso do Brasil algo em torno de US$ 150 bilhões, ante um PIB

anual de US$ 500 bilhões. Este representa um alarmante dado estatístico, se tiver funda-

mento, num país em que boa parcela da população vive em estado de pobreza.

Conclusão

A arbitragem privada desponta como um método promissor de solução de conflitos no Bra-

sil e sua implantação em termos éticos é fundamental para a credibilidade e a utilização do

instituto entre nós, e como elemento favorável à função coadjuvante, que se espera pro-

gressiva, da arbitragem como meio auxiliar na desobstrução do judiciário.

Além disso, pode-se divisar que a arbitragem atue como um elemento a mais na pacificação

social que pode ser trazida pela crescente utilização popular dos métodos não adversariais,

entre os quais a arbitragem embora não se inclua – pois ela está simplesmente entre os

métodos alternativos – tem raízes, por derivar de processo construído pela vontade das

partes e não diretamente da imposição da solução pelo poder constituído.

Mas, como foi visto, não pode a arbitragem abrir mão de um pesado fundamento e aparato

ético. Esta ética, a meu ver, deve ser inserida num panorama ideológico e cultural mais

amplo. Não é, simplesmente, uma relação de bons costumes e procedimentos virtuosos e

não fraudulentos, que sejam praticados de boa-fé por pessoas bem-intencionadas que res-

peitem seus semelhantes e pretendam prestar-lhes bons serviços, com isenção e indepen-

dência. É mais que isto. Mas o que será realmente?

Neste ponto talvez possamos miscigenar, num primeiro ensaio, o conceito da ética pessoal

ao conceito ideológico, estrutural e sociológico da Teoria da Justiça de John Rawls, o mais

conhecido e influente filósofo de Harvard. A justiça, diz Rawls na Primeira Parte de seu

livro9, no Capítulo I – intitulado Justiça como eqüidade10 – é a primeira das instituições sociais,

assim como a verdade o é em relação aos sistemas de pensamento.

Cada pessoa, diz ele, possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o

bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por isto é que a justiça nega que a

perda de liberdade de alguns se justifique em razão de um bem-estar maior partilhado por

outros e não permite que os sacrifícios impostos a apenas alguns tenham menos valor que

o total maior das vantagens desfrutadas por muitos.

Os princípios da Justiça que Rawls desenvolve seriam aqueles que pessoas livres e racio-

nais aceitariam numa condição inicial de igualdade e desconhecimento absoluto da situa-

ção real que desfrutam na sociedade, separadas da realidade por um hipotético “véu da

ignorância”. Nessa hipótese, que corresponderia ao estado de natureza dentro da teoria do

contrato social, nenhuma pessoa conheceria previamente seu lugar na sociedade, seu esta-

33

do financeiro, suas possibilidades, sua sorte na distribuição dos bens naturais, sua inteli-

gência e habilidades, ou até sua concepção do bem. Além disso, numa sociedade justa, as

liberdades da cidadania igual seriam consideradas invioláveis e os direitos assegurados pela

justiça não estariam sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais.

Rawls, em sua teoria, põe em relevo não somente a justiça ao nível das leis ou dos sistemas

jurídicos, mas do próprio indivíduo e da sociedade em sua estruturação e dos critérios for-

madores desta, assim como a concepção individual da justiça e do indivíduo em sociedade.

Estes os conceitos que desejaríamos pudessem ficar entranhados culturalmente na socie-

dade, para que o indivíduo adquirisse, através deles, a noção da responsabilidade e justiça

social, ao lado da ética individual dos costumes e da prática dos atos em sua esfera pessoal

de influência.

O tema que envolve e justifica a teoria de Rawls é o da justiça social, assim tida como a

justiça da estrutura básica da sociedade ou a maneira de se distribuírem direitos e deveres

fundamentais e a partilha do produto social nos arranjos econômicos sociais. A ética pessoal

e procedimental do indivíduo, a meu ver, deve vir impregnada de forma pragmática e

operacional neste conceito, sob pena de ineficácia. Sem ética não há justiça social, sem as

duas a sociedade se esgarça e não progride, se dissolve. Assim, vou terminar agora com uma

exortação: lutemos para que a ética, nessa formulação de cunho social, prevaleça.

Notas

1 Advogado no Rio de Janeiro, titular de J.M. Garcez Advogados Associados, Mestre em

Direito Internacional e da Integração Econômica – UERJ – 2001, Professor de Direito

Internacional Privado; autor dos livros “Contratos Internacionais Comerciais” – Saraiva –

1994; “A arbitragem na era da globalização”, (coordenador) Forense 1999; “Curso de Direi-

to Internacional Privado”, Forense 1999, “Técnicas de Negociação. Métodos Alternativos

de Solução de Conflitos: ADRS, Mediação, Conciliação, Arbitragem”, Lumen Juris, 2002;

árbitro e mediador listado em diversas entidades no Brasil e exterior; palestrante sobre

negociação, mediação, arbitragem.

2 Inobstante os preconceitos existentes contra a arbitragem em nosso país, vários acórdãos

de tribunais brasileiros têm acolhido a tese da carência da ação intentada no judiciário por

uma das partes face a cláusula compromissória constante do respectivo contrato, num reco-

nhecimento da excludente legal da arbitragem. Neste sentido podem ser citados acórdãos

proferidos pela 8a Câmara Cível dos Tribunais de Alçada do Paraná, do Rio Grande do Sul e

de Minas Gerais, cuja decisão, que aqui serve como exemplo, é do seguinte teor: “A sim-

ples existência de qualquer das formas de convenção de arbitragem estabelecidas pela Lei

9.307/96 – cláusula compromissória ou compromisso arbitral – conduz, desde que alegada

pela parte contrária, à extinção do processo sem julgamento de mérito, visto que nenhum

dos contratantes, sem concordância do adversus, poderá arrepender-se de opção anterior,

34

voluntária e livremente estabelecida no sentido de que eventuais conflitos sejam dirimidos

através do juízo arbitral. Inteligência dos artigos 4o e 9o da Lei 9.307/96 c/c arts. 267, VII,

301, IX, ambos do Código de Processo Civil. Em tema de juízo arbitral, matéria estritamen-

te processual, é irrelevante que a arbitragem tenha sido convencionada antes da vigência

da Lei 9.307/96, visto que, como se depreende do art. 1.211 do Código de Processo Civil, a

lei tem incidência mediata, sendo, destarte, inteiramente aplicável à execução apresenta-

da em juízo na vigência da lei nova”.

3 Some controversial aspects of the new Brazilian Arbitration Law. ed. spring/fall. Inter-American

Law Review p. 223-253.

4 Hamilton de Moraes e Barros, in “Comentários ao CPC”- Forense, 1976, Vol. IX p. 377/8.

5 Editora Martins Fontes, São Paulo, julho de 1999, p. 339.

6 Referindo-se à moral e à ética, Immanuel Kant alude ao que em sua tese chama de

imperativo categórico, que formula nos seguintes termos: “Age de tal maneira que o moti-

vo que te levou a agir possa ser convertido em lei universal”. Ao final desta obra refere-se à

felicidade conceituando esta em relação à moralidade: “A felicidade sozinha está longe de

constituir o bem perfeito para a nossa razão. Esta última não aprova a felicidade (por mais

que as inclinações também queiram desejá-la) a não ser que esteja unida com o mereci-

mento de ser feliz, isto é, com a conduta moral boa. Mas a moralidade sozinha, e com esta

o simples merecimento de ser feliz, também está longe ainda de ser o bem perfeito. Para

tornar perfeito este bem, é preciso que aquele que se comportou de modo a não se tornar

indigno da felicidade possa esperar participar da mesma. Mesmo a razão liberta de todo

propósito privado não poderia julgar diversamente a partir do momento em que, sem levar

em consideração o seu próprio interesse, se pusesse no lugar em que um ente que teria de

distribuir toda a felicidade aos outros: pois na idéia prática ambos os elementos estão es-

sencialmente ligados, embora de modo tal que a disposição moral enquanto condição torne

primeiramente possível a participação na felicidade, e não o contrário, ou seja, que a pers-

pectiva de felicidade possibilite a disposição moral. Com efeito, no último caso, a disposi-

ção não seria moral e portanto também não seria digna de toda a felicidade, a qual, diante

da razão, não reconhece nenhuma limitação, exceto a que provém do nosso próprio com-

portamento imoral. Por conseguinte a felicidade – na proporção exata com a moralidade dos

entes racionais, a qual os torna dignos da felicidade – perfaz sozinha o bem supremo de um

mundo ao qual temos que nos trasladar segundo os preceitos da razão pura, porém prática.

6 A crítica da razão pura. Trad. de Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. Cons. de Marilena

Chauí. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 2000. p. 15-483.

7 Paris: Dalloz, 2001. p. 229.

8 Editora LTR, São Paulo, 2001, p. 58.

9 JOHN RAWLS - “Uma Teoria da Justiça” (do Original em inglês “A Theory of Justice”

- Trad. de Almiro Pisetta e Lenira Esteves - Ed. Martins Fontes - 1997)

35

10 O título deste Capítulo, em inglês “Justice as fairness” (que, ao invés de “Justiça como

eqüidade” poderia também ter sido também traduzido como Justiça como imparcialidade,

ou como igualdade), é sintetizado por Rawls no Prefácio da edição portuguesa de sua obra

como constituindo a própria concepção da Teoria da Justiça que desenvolve. Diz ainda

Rawls: “considero as idéias e os objetivos centrais dessa concepção como os de uma con-

cepção filosófica para uma democracia constitucional.”

36

Palestrante: TÂNIA PRIETO

Rio de Janeiro, 14 de maio de 2002

Tema: ARBITAGEM INTERNACIONAL - O NOVOREGULAMENTO DA COMISSÃO INTERAMERICANA DEARBITRAGEM COMERCIAL (CIAC). CONVENÇÃO DE NOVAIORQUE E PANAMÁ

Bom dia a todas e a todos. Estou honrada com o convite do Centro de Mediação do

Conselho de Câmaras de Comércio do Mercosul, Subsede Brasil, presidida este

ano pela Confederação Nacional do Comércio, para falar de minha recente experiência com

a Arbitragem Internacional a partir da viagem que fiz mês passado a Cartagena das Índias,

na Colômbia, onde participei de um treinamento de Árbitros Internacionais, a fim de co-

nhecer e aplicar adequadamente, o novo Regulamento da Comissão Interamericana de

Arbitragem Comercial (CIAC), aos casos pertinentes.

A CIAC é uma organização internacional privada, não-governamental, criada para admi-

nistrar, promover e divulgar os diferentes sistemas existentes para resolução de conflitos,

mantendo um sistema interamericano de conciliação e arbitragem para a solução de con-

trovérsias comerciais internacionais. Sua atuação se dá no âmbito Ibero-americano, assis-

tindo assim, as partes, para que resolvam seus litígios através de conciliação, mediação e

arbitragem.

Vou relatar, minha percepção sobre a CIAC e sua relação com o Brasil, a partir das conven-

ções que a ela remetem e, discutir com os presentes, seu novo Regulamento. Não há ne-

nhuma pretensão de aula magna sobre Arbitragem Internacional, pois o foco é o Novo

Regulamento da CIAC. A pedido da CNC aceitei contar como foi estar inserida nesse

contexto e o que trouxe da experiência, de forma que todos os comentários dos nobres

colegas, especialistas na área, serão bem-vindos. Para chegar ao Novo Regulamento farei

um passeio pelo trajeto da arbitragem no Brasil, unificando conceitos e nomenclaturas

adotadas em sede diplomática.

Cartagena, no Caribe, é um local encantador. Foram três dias – 17 a 20 de março – convi-

vendo e atuando arbitragem, a partir de 12 diferentes nacionalidades. Lá se encontravam

representantes da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Uni-

dos, México, Panamá, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

37

O Presidente da CIAC e também Presidente do Centro de Conciliação e Arbitragem da

Câmara de Comércio de Guayaquil, Dr. Roberto Illingworth Cabanilla foi um grande

incentivador para a realização do evento que se repetirá no Peru, Nova Iorque e Brasil ainda

este ano.

Colaboraram com o evento: o Dr. Rodrigo Puyo Vasco, membro da Junta Diretora da Câma-

ra de Comércio de Medellín para Antioquia e, com amável hospitalidade, o Dr. Bernard

Gilchrist, Presidente Executivo da Câmara de Comércio de Cartagena. Também nos brin-

daram com interessantes palestras o Dr. Jairo Hermán Mejía Cuartas, membro da Junta

Diretora da Câmara de Comércio de Medellín para Antioquia; a Dra. Adriana Polania –

Diretora Executiva da CIAC, e o Dr. Sergio Jaramillo Mejía – Subdiretor Jurídico e Diretor

do Centro de Conciliação, Arbitragem e Amigável Composição da Câmara de Comércio de

Medellín para Antioquia.

No slide, alguns dos nossos tutores e colegas advogados participando das 12 simulações de

Tribunal Arbitral. O evento foi maravilhoso. Agregou compartilhar experiências na área da

Arbitragem de todos os países presentes e, exercitar os casos propostos, aplicando ora o

Regulamento da CIAC, ora a Convenção do Panamá, ora a Convenção de Nova Iorque.

Algumas atividades conjuntas, realizadas no grande salão, permitiram ainda mais o in-

tercâmbio de experiências. Já na capital do país, visitei as instalações da Corte de Arbitra-

gem da Câmara de Comércio de Bogotá que existe há muitos anos e possui forte tradição

em Arbitragem. Lá, também adquiri a recente publicação “A Jurisprudência Arbitral na

Colômbia – Volume II”, organizada pela Universidade Externado de Colômbia, que con-

tém extratos e comentários de casos em várias áreas, administrados pela Câmara de Bogo-

tá, que penso, constitui uma obra indispensável para quem atua na área da Arbitragem

Internacional.

No slide, breve visita ao Museu do Ouro, em Bogotá. Eu, ladeada por nossa anfitriã, Dra.

Adriana Polania e pelo Diretor da Corte de Arbitragem de Santos, Dr. José Francisco Paccillo,

que juntamente comigo, representou o Brasil em Cartagena.

A Lei 9.307 de 23 de setembro de 1996, conhecida como Lei Marco Maciel, instituindo a

Arbitragem, deu ao cidadão brasileiro, uma via alternativa privada, com igual força decisória

da estatal, para dirimir conflitos e controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis.

Para chegar a essa lei, a arbitragem percorreu longo caminho em nosso país, iniciando-se

nas Ordenações Filipinas e, depois da Independência, com a Constituição do Império

de 1824. O Código Comercial, de 1850, previa expressamente a utilização da arbitragem

para solução de conflitos relacionados à locação mercantil. O Código Civil de 1817 (direito

material), dedicou diversos dispositivos à Arbitragem. Nada existia sobre Cláusula

Compromissória. Como a arbitragem não era obrigatória, gerava apenas ação de indenização

por perdas e danos que, no geral, não satisfazia às partes. Depois, o Código de Processo

Civil, Direito Processual, falava do compromisso celebrado depois do nascimento do litígio.

Exceções da validade da Cláusula Compromissória no Brasil antes da Lei 9.307: a) Conven-

ções e Tratados – a Cláusula Compromissória era auto-suficiente para instalar o Tribunal

38

Arbitral. Protocolo de Genebra de 1923, ratificado pelo Brasil em 1932 – aplicável a contra-

tos internacionais, foi utilizado apenas uma vez no Brasil; b) Lei das S.As. – Cláusula Arbitral

em acordo de acionistas; c) Arbitragens realizadas fora do Brasil – o Tribunal Superior nun-

ca discutiu a validade da Cláusula Compromissória.

O uso da arbitragem foi desestimulado na medida que se consolidou no Brasil o conceito de

que a distribuição da justiça devia ser monopólio estatal. Quatro fatores impediam sua

aplicação: 1º – De Ordem Política – na ditadura militar, o estado tinha necessidade do

controle do Poder Judiciário, para não abrir mão do direito de decidir; 2º – De Ordem

Econômica – naquela época o Brasil se considerava auto-suficiente, e não tinha interesse

em manter relações internacionais; 3º - De Ordem Cultural – a arbitragem sempre existiu,

mas nunca foi abordada nos cursos de direito (ostracismo completo). Falta de vontade de

ensinar a arbitragem; 4º – De Ordem Jurídica – pela quase completa inexecutabilidade.

A partir de 1945, com o começo da modernização do Estado e ampliação das demandas

judiciais, fez voltar ao debate, a utilização da arbitragem. Nos últimos anos, a maior

conscientização dos direitos da cidadania ampliou a demanda judicial e, como conseqüên-

cia do acúmulo de processos nos tribunais, tornou-se urgente a necessidade de buscar no-

vas soluções. A arbitragem está inserida dentro dos sistemas denominados hetero-

compositivos, por meio do qual a definição da solução do conflito corresponde a um tercei-

ro especialmente qualificado.

Década de 70 – As grandes arbitragens petroleiras provocaram um movimento pró-arbitral

em matéria de petróleo. Na década de 80 quase todos os países do mundo reformaram

suas leis arbitrais. Em maio de 92 o Anteprojeto de Lei de Arbitragem foi aprovado em

Curitiba e levado ao Senado por Marco Maciel. Nossa lei foi inspirada: na Convenção de

Nova Iorque de 58; na Convenção do Panamá de 75; na Lei Modelo UNCITRAL de 85

(Comissão das Nações Unidas para o Comércio Internacional), e, na Lei Espanhola de 88.

Característica principal: não diferencia Arbitragem Interna de Arbitragem Internacional,

adota o modelo da Lei Holandesa, por isso, diz-se que “a Arbitragem tem um sotaque

brasileiro no território nacional” João Bosco Lee.

A constitucionalidade da nossa Lei de Arbitragem foi alvo de grande discussão desde sua

entrada em vigor em 23 de setembro de 1996. Entretanto, com o julgamento favorável

proferido em 13 de dezembro de 2001, pelo Plenário do STF, por maioria de votos, essa

polêmica parece que foi finalmente superada. O Ministro Sepúlveda Pertence entendeu,

que havendo recusa de uma das partes a submeter um litígio ao procedimento arbitral, ou

insuficiência da manifestação da vontade das partes na cláusula compromissória, a permis-

são dada ao juiz estatal para firmar compulsoriamente o compromisso, substituindo a von-

tade da parte resistente, afrontaria a garantia constitucional da inafastabilidade do controle

jurisdicional assegurado pelo art. 5º XXXV, da CF/88.

Os Ministros Sidney Sanches, Neri da Silveira e Moreira Alves acompanharam o entendi-

mento do relator. Porém, o Ministro Carlos Velloso, em seu voto, ressaltou que “as partes

têm a faculdade de renunciar ao direito de recorrer à Justiça” e que “o inciso XXXV

39

representa um direito de ação e não um dever”. Quando contratam utilizando o foro

arbitral, a este ficam subordinados. As partes por sua própria vontade excluem o poder

judiciário. Não é a Lei que exclui.

A Denominação dos Atos Internacionais sofreu considerável evolução através dos tem-

pos. Embora a denominação não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio

das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do

conteúdo do ato e não de sua forma. Denominações mais comuns: tratado, acordo, conven-

ção, protocolo e memorando de entendimento. Pode-se dizer que, independente da deno-

minação, o ato internacional deve ser formal, com teor definido, por escrito, regido pelo

Direito Internacional e que as partes contratantes sejam necessariamente pessoas jurídicas

de Direito Internacional Público.

“Até bem pouco tempo, parece que o Brasil havia sido reticente em subscrever aos tratados

internacionais de arbitragem, apesar do grande número de multinacionais operando no

País.” Roberto Bianchi, Recent Trends in ADR in South America ABA – April 2001.

A integração plena do Brasil aos tratados internacionais deve elevar o uso dos métodos

alternativos pelas multinacionais, se existir a confiança de que os acordos alcançados na

justiça privada serão respeitados pelos tribunais brasileiros. Entretanto, a supremacia dos

acordos internacionais pode ter implicações para a soberania do País.

O termo Tratado, foi escolhido pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de

1969, para designar genericamente, um acordo internacional. Denomina-se tratado o ato

bilateral ou multilateral ao qual se deseja atribuir especial relevância política. Nessa cate-

goria se destacam, por exemplo, os Tratados de Paz e Amizade, o Tratado da Bacia do Prata,

o Tratado de Cooperação Amazônica, o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul e o

Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares.

Convenção designa ato multilateral oriundo de conferências internacionais que versem

assunto de interesse geral, como por exemplo, as Convenções de Viena sobre Relações

Diplomáticas, Relações Consulares e Direito dos Tratados; as Convenções sobre Aviação

Civil, sobre Segurança no Mar e Questões Trabalhistas. É também tipo de instrumento

internacional destinado a estabelecer normas para o comportamento dos Estados em uma

gama cada vez mais ampla de setores. Existem poucas convenções bilaterais, como a Con-

venção destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal celebrada com a

Argentina (1980) e a Convenção sobre Assistência Judiciária Gratuita celebrada com a Bél-

gica (1955).

O Brasil tem feito amplo uso do termo “Acordo” em suas negociações bilaterais de nature-

za política, econômica, comercial, cultural, científica e técnica. Acordo é expressão de uso

livre e de alta incidência na prática internacional. Embora alguns juristas entendam por

acordo, os atos internacionais com reduzido número de participantes e importância relati-

va, um dos mais notórios e importantes tratados multilaterais foi assim denominado: Acor-

do Geral de Tarifas e Comércio (GATT).

40

O Acordo toma o nome de “Ajuste” ou “Acordo Complementar” quando o ato da execu-

ção o liga a outro anterior, devidamente concluído. Em geral, são colocados ao abrigo de um

acordo-quadro ou acordo-básico, dedicados a grandes áreas de cooperação: comércio e fi-

nanças, técnico-científica e tecnológica, cultural e educacional. Esses acordos criam o

arcabouço institucional que orientará a execução da cooperação.

Acordos podem ser firmados, ainda, entre um país e uma organização internacional, a exemplo

dos acordos operacionais para a execução de programas de cooperação e os acordos de sede.

Acordo pode ser também, troca de “Notas Diplomáticas” normalmente para assuntos de

natureza administrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluí-

dos. Dá-se, quando é possível determinar que as partes entraram em acordo destinado a

produzir efeitos jurídicos, criando vínculo convencional. Estes instrumentos, em notas di-

plomáticas tradicionais, podem ser notas idênticas de mesmo teor e data ou uma nota de

proposta e outra de aceitação, preferivelmente com a mesma data.

Protocolo é um termo que tem sido usado nas mais diversas acepções, tanto para acordos

bilaterais quanto para multilaterais. Designa acordos menos formais que os tratados, ou

acordos complementares ou, interpretativos de tratados ou convenções anteriores. É utili-

zado ainda para designar a ata final de uma conferência internacional. Usado na prática

diplomática brasileira muitas vezes sob a forma de “protocolo de intenções” para sinalizar

um início de compromisso.

Memorando de Entendimento – Termo utilizado para atos de forma bastante simplificada,

destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, seja nos

planos político, econômico, cultural ou em outros. O memorando de entendimento é se-

melhante ao acordo, com exceção do articulado, que deve ser substituído por parágrafos

numerados com algarismos arábicos. Seu fecho é simplificado e normalmente entra em

vigor na data da assinatura.

Convênio – De uso freqüente, o termo padece do inconveniente do uso que dele faz o

direito interno. Seu uso está relacionado a matérias sobre cooperação multilateral de natu-

reza econômica, comercial, cultural, jurídica, científica e técnica, como o Convênio Inter-

nacional do Café; o Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-Americana; o Convênio

Interamericano sobre Permissão Internacional de Radioamador.

Também se denominam “Convênios”, os “Acertos Bilaterais”, como o Convênio de Co-

operação Educativa, celebrado com a Argentina (1997); o Convênio para a Preservação,

Conservação e Fiscalização de Recursos Naturais nas Áreas de Fronteira, celebrado com a

Bolívia (1980); o Convênio Complementar de Cooperação Econômica no Campo do Car-

vão, celebrado com a França (1981).

Acordo por Troca de Notas – Emprega-se a troca de notas diplomáticas para assuntos de

natureza administrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluí-

dos. Essas notas podem ser: a) idênticas, com o mesmo teor e data; b) uma primeira nota,

41

de proposta, e outra, de resposta e aceitação, que pode ter a mesma data, ou em data

posterior.

Essa síntese das denominações básicas dos Atos Internacionais, que muitas vezes são utili-

zadas de forma confusa, foi feita a partir do site do Itamaraty. A seguir, igualmente baseada

nas informações do Itamatary, veremos como é a Tramitação dos Atos Internacionais

em nossa esfera jurídica, para tornarem-se válidos.

Projeto – Regra geral, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) é o órgão competente

do Poder Executivo para entabular negociações diplomáticas que tenham em vista a cele-

bração de atos internacionais (Decreto nº 2.246, de 06/06/1997, Anexo I, artigo 1º, III).

Acordos de natureza eminentemente técnica têm proporcionado a participação de outros

órgãos governamentais no processo negociador internacional. Terminada a negociação de

um ato bilateral, o projeto, por vezes rubricado pelos negociadores, vai à apreciação das

autoridades dos respectivos países. A minuta rubricada indica tão-somente concordância

preliminar.

Dentro do Projeto, ainda temos a negociação do tratado multilateral no âmbito de uma

organização internacional que é realizada conforme os procedimentos da organização, que

prepara o texto original do ato a ser assinado. A delegação brasileira deve observar as instru-

ções do governo brasileiro, transmitidas geralmente pelo Ministério das Relações Exterio-

res. Cabe à Divisão de Atos Internacionais preparar o credenciamento da Delegação e a

Carta de Plenos Poderes.

Assinatura – Fase necessária da processualística dos atos internacionais. Com ela se en-

cerram as negociações e se expressa o consentimento de cada parte contratante. A CF

estipula que é competente para celebrar atos internacionais em nome do governo brasileiro

o Presidente da República (Art. 84, VIII – competência originária). Ao Ministro de Estado

das Relações Exteriores cabe “auxiliar o Presidente da República na formulação da política

exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter relações com estados estrangeiros, orga-

nismos e organizações internacionais” (conforme estabelece o Decreto nº 2.246, de 6 de

junho de 1997, que aprova a estrutura regimental do MRE – competência derivada).

Submissão ao Congresso Nacional – Prepara-se uma Exposição de Motivos, na qual o

Ministro das Relações Exteriores explica as razões que levaram à assinatura daquele instru-

mento e solicita que o Presidente da República, por uma mensagem, o submeta ao Con-

gresso Nacional. Caso não haja texto original em português, no caso de atos multilaterais, a

tradução do texto é obrigatória. Aprovada a exposição de motivos e assinada a mensagem

pelo Presidente da República, o ato internacional é encaminhado para exame e aprovação,

sucessivamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Antes de ser levado aos respectivos Plenários, o instrumento é avaliado em ambas as Casas

pelas Comissões de Constituição e Justiça e de Relações Exteriores e, por outras Comis-

sões interessadas na matéria.

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A aprovação congressual é materializada por Decreto Legislativo, assinado pelo Presidente

do Senado, publicado no Diário Oficial da União.

Ratificação – Publicado o Dec. Legislativo, procede-se à sua ratificação ou confirmação,

junto à(s) outra(s) Parte(s) Contratante(s), do desejo brasileiro de obrigar-se por aquele

documento. Nos processos bilaterais, a ratificação pode ser feita por troca de notas, poden-

do o ato entrar em vigor, conforme determine seu texto, na data de recebimento da segun-

da nota ou num prazo estipulado após essa data. Pode-se ainda efetivar a ratificação por

troca de instrumentos de ratificação, o que se faz com certa solenidade, mediante a lavratura

de uma ata.

Os atos multilaterais são ratificados por meio do depósito da Carta de Ratificação junto ao

país ou órgão multilateral depositário. Este se incumbe de notificar o fato aos demais signa-

tários. As cartas ou instrumentos de ratificação, são firmadas pelo Presidente da República

e referendadas pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores. O Brasil é depositário de

vários instrumentos internacionais.

Promulgação – A validade e executoriedade do ato internacional no ordenamento interno

brasileiro dá-se através de sua promulgação. Publicado o Decreto Legislativo que aprovou o

ato internacional, cabe ao Executivo promulgá-lo, por decreto assinado pelo Presidente da

República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores. Esse decreto é acompa-

nhado de cópia do texto e publicado no Diário Oficial da União. O ato internacional que

dispensou a aprovação congressual, é objeto apenas de publicação.

Registro nas Nações Unidas – Nos termos do artigo 102 da Carta das Nações Unidas, os

atos internacionais bilaterais celebrados pelo Brasil, após entrarem em vigor, são encami-

nhados pela Divisão de Atos Internacionais à missão do Brasil junto às Nações Unidas em

Nova Iorque para serem registrados junto ao Secretariado das Nações Unidas.

Quanto aos atos multilaterais, conforme já indicado, cabe aos depositários a responsabilida-

de do registro nas Nações Unidas.

Arbitragem Internacional, Convenção de Nova Iorque e Panamá e, a CIAC.

Introdução e Comentários.

Casos ilustrativos nos auxiliarão na compreensão da matéria. Um exemplo deles foi uma

Arbitragem realizada em Paris. Tudo feito em Paris, apenas a nacionalidade dos árbitros

diferente – um brasileiro e um holandês – e o pequeno detalhe: na hora de assinarem a

sentença, cada um assinou no seu país. Eles não foram à França assinar. Como a sede da

arbitragem foi a França, a sentença arbitral é francesa, ou seja, se tivesse que ser executada

no Brasil, seguiria o trâmite das sentenças arbitrais estrangeiras, como veremos adiante.

Diferença entre Arbitragem Interna e Internacional. Sentença Nacional e Estrangeira: Ar-

bitragem Interna – Quando todos os elementos da Arbitragem se encontram no mesmo

país; Arbitragem Internacional – Quando existe um elemento externo. Sentença

43

Arbitral Nacional – Quando proferida no território nacional. Sentença Arbitral Estran-

geira – Proferida fora do território nacional. “Definições: João Bosco Lee e Clávio Vallença”.

Principais fatores a observar: 1) Analisar a lei que será o domicílio da Arbitragem; 2) Obser-

var as normas processuais dos dois países em conflito para ter a segurança da executabilidade

do laudo arbitral. Outro exemplo é o caso de um país Árabe que veda condenação cumulada

com juros. Caso necessite de execução forçada, será impossível executar essa sentença,

pois fere frontalmente o sistema legal interno; 3) Sistema legal terá que garantir a efetividade

do laudo arbitral – nulidade ou validade serão controladas pelas leis nacionais; 4) Que o

tema objeto da arbitragem seja um tema arbitrável e que possa ser executado – arbitrabilidade

da matéria, ordem pública e ordem pública internacional.

Visão da Arbitragem Internacional pela Câmara de Comércio Internacional de Paris –

CCI: “Arbitragem não é um método alternativo. É o principal método de resolução de

controvérsias relacionadas ao comércio internacional”. Em 2001, a CCI recebeu 566 novas

demandas.

O primeiro antecedente da Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial, foi a Pri-

meira Conferência Financeira Pan-Americana de 1915, quando se adotou o princípio de

arbitragem comercial para solução de conflitos. Atendendo ao disposto nessa Conferência,

segundo assinala Charles Norberg, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos e a Câmara

de Comércio da Argentina celebraram um acordo bilateral relacionado com a solução de

conflitos comerciais internacionais mediante arbitragem. Em 1922 a Câmara de Comércio

dos Estados Unidos havia assinado oito acordos bilaterais similares. O aproveitamento e a

universalização dessa forma de resolver as dificuldades, segundo C.A. Dunshee de Abranches,

teve início em Genebra em 1923. O Brasil foi o único país latino-americano a tornar-se

parte nesse protocolo. Igualmente foram antecedentes a V Conferência Internacional Ame-

ricana celebrada em Santiago do Chile em 1923, que a sua vez foi seguida pela VI Confe-

rência Internacional Americana de Havana, 1928 e pela IV Conferência Comercial Pan-

Americana, 1931.

De acordo com dita resolução, a conferência patrocinou uma pesquisa compreensiva das

leis e práticas comercial no hemisfério. O resultado foi informado na VII Conferência Inter-

nacional dos Estados Americanos, reunida em Montevidéu, Uruguai em dezembro de 1933.

A Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial (CIAC), foi criada em cumprimento

a uma resolução da Conferência Interamericana de Montevidéu, em 1933. Após a pesqui-

sa foi criada a CIAC e recomendou-se que as organizações comerciais das diferentes repú-

blicas, mas não seus governos, deveriam desenvolver um sistema Interamericano de Arbi-

tragem. Ademais, sugeriu que se adotassem os princípios uniformes para efeito de unificar

as leis existentes em matéria de arbitragem, e assim conseguir que os procedimentos legais

fossem uniformes, melhor adaptados às condições do comércio, fazendo, portanto, mais

efetivas as regras de procedimento.

A VII Conferência aceitou e aprovou em 23 de dezembro de 1933 as recomendações, ado-

tando a Resolução nº XLI, a qual, em seu parágrafo 3º dispõe: “Com o fim de estabelecer

44

relações mais estreitas entre as Associações Comerciais das Américas inteiramente inde-

pendente de controle oficial, se estabeleça uma Agência Comercial Interamericana, para

efeito de representar os interesses comerciais de todas as repúblicas e para que assuma,

como uma de suas funções mais importantes, a responsabilidade de estabelecer um siste-

ma Interamericano de Arbitragem”. Por outro lado, o Conselho Diretor da União Pan-Ame-

ricana em sua seção celebrada em 4 de abril de 1934, solicitou à Associação Americana de

Arbitragem (AAA) e da Comissão de Comércio do Cônsul Interamericano para as Relações

Interamericanas, que estabelecessem dito sistema hemisférico de arbitragem. A Comissão

Interamericana de Arbitragem Comercial iniciou sua existência em 1934, até 31 de outu-

bro de 1980 a CIAC funcionou em Nova Iorque nos escritórios da AAA. A partir de 1º de

novembro de 1980, trasladou seus escritórios ao edifício da OEA em Washington, onde até

hoje atua.

Em 1958, quando já era previsível o extraordinário aumento do comércio mundial, elabo-

rou-se em Nova Iorque, sob os auspícios das Nações Unidas a Convenção sobre Reconheci-

mento e Execução dos Laudos Arbitrais Estrangeiros. Cerca de meia centena de Governos,

inclusive os que mais contribuem para o comércio exterior, tornaram-se parte nessa Con-

venção (dentre eles já se encontravam vários estados americanos). A CIAC foi reorganizada

e desenvolvida a partir da Convenção de Nova Iorque em 1958. A Comissão desenvolve

programas educativos e informativos para melhor conhecimento e interesse na utilização

da solução das controvérsias mediante a arbitragem nos países do hemisfério ocidental.

Assiste as modificações das leis de arbitragem para facilitar a condução da arbitragem, o

reconhecimento e a execução dos laudos arbitrais estrangeiros.

A partir de 1980 o âmbito da Comissão se amplia, incluindo além do campo americano, a

Espanha, constituindo a Câmara de Comércio e Indústria de Madri, como a seção Nacional

da CIAC na Espanha. Depois de sua reorganização, a CIAC elaborou 18 conferências

Interamericanas de Arbitragem na Argentina, México, Panamá, Guatemala, Colômbia, Bra-

sil, Chile, Estados Unidos, Canadá, Espanha e Portugal.

A Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de

10.06.1958, também conhecida como Convenção de Nova Iorque, tem se mostrado um

grande incentivo à adoção da arbitragem internacional para a solução de disputas em con-

tratos internacionais. Abrange diferentes matérias: administrativo, trabalhista, comercial.

Trata do reconhecimento e execução dos laudos arbitrais dos países que hajam reconhecido

essa convenção, a partir da reciprocidade. Ela mudou as regras de execução das sentenças

arbitrais para uma quase garantia de execução. “Há quem sustente que mesmo antes de o

Brasil ratificar a Convenção de Nova Iorque, “implicitamente” já a ratificara, pois ao tratar

de reconhecimento e da execução de sentenças arbitrais estrangeiras, a Lei. 9.307 nos

artigos 34 e seguintes, reproduziu o conteúdo normativo dos artigos mais importantes da

Convenção em questão”. Antigamente o país tinha as normas processuais diferentes para

execução. Tinha que constar que a sentença tinha efeito de coisa julgada e provar que não

estava violando nenhuma norma do país que a estava executando. Principais modificações:

a) Trocou a carga da prova – agora fica a cargo do oponente à sentença; b) Eliminou grande

45

parte dos formalismos para a execução; c) Regulou as causais (art. 5º, Conv. NI) – ou seja,

dificultou o ataque às sentenças arbitrais estrangeiras.

O Projeto de Decreto Legislativo PDS 00383/2001 aprovado em 25.10.2001 pela Câmara

dos Deputados, ratificado e transformado em Decreto Legislativo nº 52 pelo Senado Fede-

ral, aguarda a promulgação por Decreto do Presidente da República, “uma vez que o STF

entende que o decreto – do poder executivo, e não do poder legislativo – é imprescindível

para o tratado ou convenção entrar em vigor no País” (Marcos Montoro).

Clávio Valença “A ratificação dos tratados pelo Congresso Nacional não é condição sufici-

ente de sua incorporação ao ordenamento jurídico doméstico. Somente após a promulgação

do DL de ratificação pelo Presidente da República é que os tratados passam a obrigar e

vincular no plano do direito interno”. Segundo o novo sistema, apresentado na Convenção

de Nova Iorque e posteriormente reproduzido na Lei de Arbitragem, dispensa-se a homo-

logação da sentença arbitral no país onde a mesma foi prolatada, sendo necessário a apre-

sentação, perante o STF, do original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certi-

ficada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial. Faz-se

mister, também, a apresentação do original (ou cópia devidamente certificada) do compro-

misso arbitral ou da cláusula compromissória acompanhada de tradução oficial.

O Brasil está pronto para inserir-se no contexto da arbitragem internacional. O Congresso

aprovou o Decreto 52/2002 pelo qual o País se torna signatário da Convenção de Nova

Iorque, acordo da Organização das Nações Unidas (ONU) assinado por 126 países que

trata do reconhecimento e da execução de sentenças arbitrais estrangeiras. “A Convenção

prevê que as decisões arbitrais proferidas em um país signatário possam ser executadas sem

questionamento em outras nações. As partes ganham com isso a confiança de que um laudo

arbitral, envolvendo partes estrangeiras, proferido no Brasil, não tenha restrições ao ser

executado externamente”.

Segundo o advogado João Bosco Lee, Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr),

a ratificação do acordo contribuirá para o crescimento do número de conflitos internacio-

nais solucionados no Brasil, que hoje é incipiente. Exemplo disso é que, entre os 120 casos

em tramitação na CIAC, centro voltado para a solução de litígios nas Américas, nenhum

ocorre no Brasil ou sequer envolve uma empresa nacional. “O Brasil precisava assinar a

Convenção para que pudesse exportar seus laudos arbitrais”, disse Adriana Polania, Direto-

ra-Geral da CIAC e Consultora do BID. A execução no Brasil de sentenças proferidas em

países estrangeiros não é atualmente uma dificuldade, pois a Lei de Arbitragem 9.307 in-

corpora os principais conceitos da Convenção de Nova Iorque. O problema era a execução

em outros países, das sentenças proferidas no Brasil.

Convenção do Panamá de 1975, Interamericana, similar à Convenção de Genebra para

a Europa, abrange apenas Direito Comercial. Ela faz remissão às regras da CIAC em seu

artigo 3º, no qual prevê que na falta de acordo entre as partes contratantes, a arbitragem se

levará conforme as Regras de Procedimento da CIAC. A aplicação do Regulamento CIAC

ao procedimento arbitral se apresenta, no caso do silêncio das partes sobre esta matéria.

46

Este é o único caso que uma Convenção multilateral incorpora como “jus dispositivum” o

regulamento de uma instituição de arbitragem comercial. Devido ser esta a cláusula de um

Tratado Internacional, comenta Charles Norberg autor da proposta do mencionado artigo

3º, “se um país latino-americano ratifica a Convenção, então, o Regulamento da CIAC

possivelmente se sopreporá as regras processais locais relacionadas com a arbitragem co-

mercial”.

Revisando, a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional – Pana-

má, 1975 – ratificada através do Decreto Legislativo nº 90 de 1995, válida e vigente entre

nós, em seu art. 3º prescreve: “Na falta de acordo expresso entre as partes, a arbitragem

será efetuada de acordo com as normas de procedimento da Comissão Interamericana de

Arbitragem Comercial”. No mesmo sentido, o art. 12, 2 B do Acordo de Buenos Aires, 1998.

Através dos anos, a CIAC desenvolveu vinculações com diversas instituições arbitrais atra-

vés do mundo. Entre elas podemos citar: A Câmara de Comércio Internacional de Paris, a

Associação de Arbitragem do Japão, o Conselho de Arbitragem da Índia, a Câmara de Arbi-

tragem de Comércio Exterior de Moscou. Merecem especial referência as relações com a

OEA e com a Associação Ibero-Americana de Câmaras de Comércio (AICO).

Desde 1933 a OEA emite resoluções apoiando o fortalecimento do sistema. Quanto à AICO,

celebrou em 30 de outubro de 1984, Convênio de Cooperação Interinstitucional com vias

a promoção da utilização da Arbitragem no intercâmbio comercial para resolver controvér-

sias. Nos últimos anos, juntamente com as reuniões da CIAC (advogados), vêm se realizan-

do as reuniões da AICO (empresários), cumprindo-se com o objetivo de promover a arbi-

tragem entre os participantes dos eventos nas diferentes cidades em que estas reuniões

ocorrem.

Integram a CIAC, as Seções Nacionais já constituídas ou a constituírem-se em cada um

dos estados americanos. As seções têm interdependência administrativa e faculdade de

aprovar seus próprios regulamentos, compatíveis com os estatutos e regulamentos da CIAC.

A seção mais antiga e com maior número de casos solucionados anualmente é a AAA – com

sede em Nova Iorque. Outras seções ativas: México, Chile, Argentina, Colômbia, Venezuela,

Equador, Peru, Panamá, Costa Rica e Guatemala. Países que ainda não constituíram seção

nacional, utilizam-se das Câmaras de Comércio e Colégio de Advogados. CIAC e Seções

Nacionais são ONGs apoiadas pela OEA, BID e outras organizações governamentais e dos

governos dos Estados Americanos.

Na seqüência, fotos cedidas gentilmente pela Dra. Vera Noel Ribeiro para apresentação

neste evento.

A primeira foto é da plenária da XV Conferência Internacional de Arbitragem Comercial

realizada em Cochabamba, na Bolívia, tendo o saudoso Desembargador Cláudio Vianna de

Lima na mesa principal.

47

A segunda foto mostra a assinatura do documento que instituiu a Seção Brasileira da CIAC.

O Desembargador Cláudio Vianna de Lima representou o Presidente da CACB e foram

testemunhas o Dr. Laudo Camargo e Sra.

A terceira foto é da mesa principal, mais aproximada, e no destaque, o Dr. Pedro Batista

Martins também palestrante da Conferência.

A partir de 1º de janeiro de 1978 a CIAC modificou suas Regras de Procedimento, adotan-

do as regras de arbitragem ad hoc recomendadas pela Comissão das Nações Unidas para o

Direito Mercantil (CNUDMI), com algumas modificações menores, considerando a natu-

reza da CIAC. Também em 1996, foi modificada formalmente pela comissão, a versão de

1988 das regras. É interessante mencionar as reservas efetuadas pelos Estados Unidos quando

acedeu à Convenção. A primeira tratou da convenção que se aplica ao caso de um Estado

haver aderido ambas Convenções – Panamá e Nova Iorque – as partes não houverem preci-

sado qual delas aplicar. A reserva menciona que quando as partes não coincidam pela mes-

ma convenção se aplicará a Convenção do Panamá, “se a maioria das partes forem cidadãos

de um Estado ou Estados que hajam ratificado ou acedido a Convenção...” em todos os

outros casos se aplica a Convenção de Nova Iorque. A segunda reserva diz que os Estados

Unidos aplicarão as regras da CIAC “vigentes na data que os Estados Unidos deposite o

instrumento de ratificação”. No caso de modificação das regras, estas, só serão aplicáveis,

se os Estados Unidos fizerem uma declaração oficial para adotar e aplicar tais regras. A

terceira reserva se refere à reciprocidade para o reconhecimento e execução daqueles lau-

dos emitidos em Território de outros Estados contratantes.

É importante conhecermos essas reservas porque podemos analisar, questionar e debater o

novo regulamento da CIAC – é para isso que estamos aqui hoje – mas para que qualquer

item venha a ser reformulado, terá que passar obrigatoriamente pelo processo de aprovação

dos Estados Unidos para entrar em vigor. Essas modificações foram efetuadas há dois ou

três anos e só estão entrando em vigor agora porque tiveram que enfrentar esse trâmite.

As Novas Regras de Procedimento Arbitral, editadas pela CIAC, após aprovação dos Esta-

dos Unidos da América, entraram em vigor em 1º de abril de 2002 para todos os Estados

partes da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional de Pana-

má (1975).

Foram entregues em espanhol porque a versão em português está sendo finalizada.

Disponibilizei, através da CNC, em meio eletrônico, o Novo Regulamentos CIAC, versão

espanhol e inglês; a Convenção do Panamá e todas as outras Convenções de que falamos:

Convenção de Viena e Convenção de Nova Iorque.

Vamos analisar principalmente os artigos que sofreram modificação e trazer para vocês al-

gumas críticas de especialistas como a Dra. Selma Lemes e o Dr. João Bosco Lee, sobre

determinados tópicos.

48

Seção 1 – Disposições Gerais

Os vazios do regulamento são contemplados dentro do Tribunal Arbitral para que exista a

flexibilidade. As partes e os advogados é que estabelecerão prazo.

Comentário: A Dra. Adriana Polania explicou que no direito internacional, quanto mais

“solto” se deixar, melhor, porque é uma dificuldade muito grande firmar o compromisso.

Então, todas as brechas do novo regulamento (e são muitas), são para permitir que exista

flexibilidade para se compor, para se acordar. Se a regra diz: “O prazo é de 90 dias”, e eles

não conseguem compor, acabou a possibilidade de usar o regulamento de arbitragem da

CIAC. Então o regulamento foi deixado muito light, muito solto, sem prazos muito rígidos,

com essa intenção. Esses vazios vão ser preenchidos pelas partes e seus advogados.

Artigo 1º – Âmbito de Aplicação.

Dispõe que “quando as partes acordem por escrito submeter litígios provenientes de um

contrato à Arbitragem sob o Regulamento da CIAC, este, acompanhado das modificações

que as partes possam acordar por escrito e sejam aceitas pela CIAC passarão a reger tais

litígios, exceto quando suas normas estejam em conflito com qualquer disposição de lei

aplicável à arbitragem que as partes não possam derrogar, em cujo caso prevalecerá esta

disposição”.

Críticas: 1) No âmbito de aplicação devia também ter sido prevista a utilização do Regula-

mento CIAC, quando uma Convenção Internacional remete a CIAC e não somente quan-

do as partes convencionarem; 2) Quando trata das modificações que as partes façam terem

que ser aceitas pela CIAC – nos mostra que o princípio da autonomia da vontade não é

irrestrito, tem uma limitação, ou seja, desde que a CIAC concorde.

Artigo 2º – Notificações, Cômputo de Prazos.

“A notificação (nota, proposta, comunicação) é considerada efetuada por qualquer das for-

mas contempladas no Regulamento: pessoal, fax, telex, ou similar ou outro conveniado

pelas partes, na residência habitual ou no último estabelecimento comercial ou endereço

postal. O prazo se inicia no dia seguinte ao recebimento. Se o último dia for feriado oficial

ou não útil, no local de residência ou dos negócios do destinatário, o prazo se prorrogará até

o primeiro dia útil seguinte. Os feriados ou dias não úteis que ocorram durante o transcurso

do prazo se incluirão no cômputo do prazo”.

Comentário: Acrescentou-se o endereço postal e subtraiu-se a frase: “quer seja particular

ou comercial”, ficando um pouco mais “solto” mas, no sentido de propiciar toda forma de

poder notificar a outra parte.

Crítica: Na parte que trata da indagação razoável, essa verificação razoável pode gerar pro-

blemas no Brasil porque não temos isso em nosso ordenamento jurídico e teríamos que

definir o que seria uma verificação razoável, e isso talvez fosse bastante complicado.

49

Artigo 3º – Notificação da Arbitragem.

A parte demandante notifica diretamente a parte contrária e envia cópia ao Diretor-Geral

da CIAC diretamente ou por intermédio da seção nacional, se houver uma no seu domicí-

lio. O procedimento arbitral é considerado iniciado na data em que a notificação é recebida

pelo demandado.

Comentário: A CIAC era quem notificava a parte contrária e é isso que vemos na maior

parte dos regulamentos. Alguns especialistas consultados acharam ótima modificação. O

demandante notifica o demandado, expede cópia para o Diretor-Geral e os árbitros ficam

sabendo quando o procedimento arbitral é iniciado quando consultam o demandado. Per-

guntam: quando você recebeu a notificação? Vai ser essa a data.

Art. 4º – Representação e Assessoramento.

“As partes poderão estar representadas ou assessoradas por pessoas de sua escolha; Deve-

rão comunicar a outra parte, por escrito, o nome e endereço dessas pessoas; Essa comunica-

ção deverá estabelecer precisamente se a designação se faz com efeito de representação ou

de assessoramento.”

Comentário: Não precisa de procuração – liberdade de procedimentos e de forma, com

base na boa-fé. Real de simplificação e informalidade. Segundo a CIAC, quanto mais flexí-

vel, mais fácil as partes aderirem e conseguirem firmar o compromisso, seguindo adiante

com a arbitragem.

Não tenho mais nenhuma observação quanto à Seção 1.

Seção 2 – Composição do Tribunal Arbitral.

Art. 6o ao 9o – Recusa de Árbitros

“A pessoa proposta como árbitro deverá revelar a quem averiguar a sua nomeação, todas as

circunstâncias que possam dar lugar a dúvidas justificadas sobre sua imparcialidade ou in-

dependência. Uma vez nomeado ou escolhido o árbitro, este revelará tais circunstâncias às

partes ou à Comissão (caso eleito por ela), a menos que já lhes tenha sido informado”.

Comentário: Antes deste artigo, havia um outro que observava “que os árbitros, conciliado-

res ou amigáveis componedores, tanto os designados pela CIAC como os designados pelas

partes, submetem-se ao presente Regulamento, se obrigando a respeitar, no exercício do

seu encargo não somente os regulamentos como os custos estabelecidos pela CIAC”. Isso

foi suprimido. O atual artigo 6o é igual ao 9o do regulamento anterior, apenas mais light.

Art. 10o – Substituição de um Árbitro

“Em caso de morte ou renúncia, será aplicado o procedimento de nomeação ou substitui-

ção. Caso um árbitro não exerça ou cumpra com suas funções por impossibilidade de fato

50

ou de direito, ou a CIAC determine que existam razões para aceitar a renúncia, se aplicará

o procedimento de recusa ou substituições previstos”.

Comentário: Contemplado no art. 13 do Regulamento anterior, acresceu-se a palavra exer-

ça. Além da substituição por morte ou renúncia, o árbitro também poderá ser substituído

caso não exerça ou cumpra com suas funções por impossibilidade de fato ou de direito.

Seção 3 – Procedimento Arbitral.

Art. 13 – Lugar da Arbitragem

“Em caso de falta de acordo, a CIAC determinará o local, sem prejuízo da faculdade dos

árbitros em fazê-lo de maneira definitiva dentro dos 60 dias seguintes à designação do

último árbitro. Também poderá reunir-se em qualquer lugar que estime conveniente para

audiências, reuniões, oitiva de testemunhas...”

Comentários: Anteriormente apenas o Tribunal determinava o local. Agora, independente

do direito dos árbitros determinarem o lugar da arbitragem, também a CIAC poderá fazê-lo.

Saiu o item que dizia que o laudo seria ditado no lugar onde funcionasse o tribunal. Saiu

também o item que dizia que “as funções de Secretário, salvo disposição em contrário das

partes, seria assumida pela Seção Nacional da CIAC”. Agora essa função é de um dos árbi-

tros que não seja o Presidente do Tribunal. Essa é outra importante modificação, além da já

mencionada alteração quanto à notificação. Agora o secretário é um dos árbitros.

Art. 14 – Idioma

“Tradução dos documentos relacionados à demanda, contestação ou qualquer documento

que se apresente durante as atuações no idioma original, sejam acompanhados de uma

tradução ao idioma ou idiomas convencionados pelas partes ou determinados pelo Tribunal

Arbitral”.

Comentário: Trocou-se a expressão “documentos ou instrumentos complementares” por

“quaisquer documentos ou elementos de prova”. Essa tradução não precisa ser juramentada,

simplificando o procedimento.

Art. 15 – Escrito de Demanda

“Elementos indispensáveis: Nome e endereço de cada uma das partes; Relação de fatos

sobre os quais se baseiam a demanda; Pontos litigiosos; Matéria ou objeto do litígio”.

Comentário: Anteriormente o Escrito de Demanda era entregue a CIAC, que o enviava ao

demandado. Como no caso da Notificação, agora o próprio demandante encaminha ao de-

mandado com cópia para a CIAC.

51

Art. 16 – Contestação

“O Demandado deverá comunicar por escrito sua contestação ao demandante e a cada um

dos árbitros com cópia para a CIAC. O tribunal decidirá as questões de reconvenção funda-

da no mesmo contrato (efeitos de compensação)”.

Comentário: Anteriormente a Secretaria do Tribunal dava traslado imediato da contestação

ao demandante. O novo regulamento estabelece que a tarefa passa a ser do demandado.

Ele que tem que entregar sua contestação ao demandante e a CIAC.

Seção 4 - Laudo

Art. 29 – Formas e Efeitos do Laudo

“O Tribunal também poderá emitir laudos provisórios, interlocutórios ou parciais; O laudo

terá que ser escrito e será definitivo, inapelável e obrigatório para as partes; O Tribunal

exporá as razões nas que se baseia o laudo, a menos que as partes convencionem que não se

atribua nenhuma razão; O laudo será assinado pelos árbitros e conterá a data e lugar que se

emitiu, que será designado no artigo 13”.

Comentário – Acrescentou-se a expressão: “que será o lugar designado no artigo 13”.

“Exporá as razões..., a menos que as partes convencionem que isto não é necessário”. Esse

é o terceiro ponto que considerado importante nas modificações. Há uma forte crítica a

essa liberalidade, onde as partes liberam os árbitros de motivarem o laudo, porque no Brasil

é exigida a motivação das decisões. Para o caso de partes com bens a executar no Brasil,

indica-se exigir a motivação da sentença no momento do compromisso, para que ela não

venha a ser anulada por esse motivo.

Art. 31 – Transação ou outros Motivos de Conclusão do Procedimento

“Havendo transação que resolva o litígio, o tribunal ditará uma ordem para conclusão do

procedimento ou, se as partes quiserem, e o tribunal aceitar, registrará a transação em

forma de laudo arbitral nos termos convencionados pelas partes. Este laudo não deverá ser

necessariamente motivado”.

Comentário: Acrescentou-se a expressão “de encerramento”, quando houver impossibili-

dade de continuação do procedimento arbitral por qualquer razão não mencionada no pará-

grafo 1o.

Art. 35 – Custas

“O Tribunal Arbitral fixará no laudo as custas da Arbitragem. O termo custas compreende:

... d) Os gastos de viagem e outros gastos realizados por testemunhas, na medida que ditos

gastos sejam aprovados pelo Tribunal Arbitral; e) Os gastos normais realizados pela parte

52

ganhadora para sua defesa, desde que hajam sido requisitados durante o procedimento

arbitral e somente até o montante em que o tribunal determinar razoável”.

Comentários: Item “d”: era “outras despesas”, trocou-se por “gastos”.

Item “e”: foram acrescidos todos os termos a partir da palavra “defesa”.

Art. 35 – Custas

... “f) As custas administrativas e outros serviços prestados pela CIAC, serão fixados pelo

Comitê Designador de Árbitros da CIAC conforme a tabela oficial vigente no início da

arbitragem. O Comitê poderá determinar o pagamento provisional das custas no momento

em que seja instituído o procedimento, e as custas finais serão fixadas na sentença arbitral,

sendo que o tribunal arbitral levará em consideração as custas provisionais anteriormente

liquidadas”.

Comentários:

Item “f”: acrescentou-se “e outros serviços”.

Na frase, “o Comitê poderá determinar o pagamento conforme...”, trocou-se “tarifas vigen-

tes” por “tabela oficial vigente no início da arbitragem”.

Art. 36 – Custas

“1. Os honorários dos árbitros e os custos administrativos da CIAC serão fixados de acordo

com a tabela oficial vigente, levando-se em conta o momento inicial da arbitragem. A base

de cálculo será o montante do litígio e, não sendo este determinável, fixar-se-á discri-

cionariamente”.

Comentários: Anteriormente “era de acordo com a tabela anexada ao presente regulamen-

to”. Hoje é vinculada à tabela oficial, do início da arbitragem. Vincula a todo o procedimen-

to, não importa o tempo que levar a arbitragem.

Anteriormente, “base de cálculo” era o conteúdo econômico da arbitragem. Hoje é “o mon-

tante do litígio na arbitragem”.

Parecem filigranas que, possivelmente em função de dúvidas ou impasses de sua prática,

assumiram importância para serem mais bem explicitadas ou adequadas.

Estas foram as modificações detectadas, as discussões e críticas formuladas não só no en-

contro de Cartagena mas em encontro com outros profissionais árbitros de Buenos Aires.

Levou-se também a debate o novo regulamento, em encontro de Árbitros ocorrido recen-

temente em Maceió.

Por ser tratar de um instrumento voltado ao comércio internacional, a ser utilizado por

partes provenientes de distintos sistemas legais, as brechas do regulamento podem repre-

53

sentar possibilidades traduzidas em abertura, ou, em última análise, em uma forma de

incluir a todos (todas as nações), sem engessar. Vemos com isso, que nós, advogados, reda-

tores de contratos e eleitores de regulamentos, precisamos estar bem preparados para a

melhor orientação de nossos clientes, bem como cuidando no momento de completar ade-

quadamente as lacunas dos regulamentos, através da convenção de arbitragem.

Muito obrigada.

Obs.:

No slide, site da CIAC e indicação bibliográfica:

Site da CIAC: www.ciac.icac.org

Indicação Bibliográfica:

PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem Comercial nos Países do Mercosul. [S.l.]: LTr, s.d.

LEE, João Bosco. Arbitragem Comercial Internacional nos Países do Mercosul. Curitiba: Juruá,

2002.

VALENÇA Filho, Clávio de Melo. Poder Judiciário e Sentença Arbitral de acordo com a novaJurisprudência Constitucional. Curitiba: Juruá, 2002.

54

Palestrante: JOÃO BOSCO LEE

Rio de Janeiro, 09 de julho de 2002

Tema: A LEI N° 9.307/96 E A ESPECIFICIDADE DAARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

Introdução

1. A arbitragem é considerada como o modo normal de solução de litígios no comércio

internacional1. No entanto, ela sempre foi vista como uma instituição própria dos países

industrializados. Na realidade, os países subdesenvolvidos2, sobretudo os países latino-ame-

ricanos3, demonstravam uma grande reticência em relação à arbitragem.

2. Todavia, um movimento pró-arbitragem iniciou-se na América Latina no final dos anos

80. Assim, os principais países latino-americanos ratificaram a Convenção de Nova Iorque

de 10 de junho de 1958 sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estran-

geiras4 e novas legislações foram promulgadas5.

3. Esta revolução pró-arbitral só teve contudo os seus reflexos no Brasil no começo desta

década6. Assim, num célebre acórdão do Superior Tribunal de Justiça, aplicou-se pela pri-

meira vez o Protocolo de Genebra de 1923, considerando como válida a cláusula

compromissória inserida num contrato internacional regida por esta convenção7. Em 1995,

o Brasil ratificou a Convenção Interamericana sobre arbitragem comercial internacional

(Panamá, 30 de janeiro de 1975)8. E enfim, a Lei n° 9.307 de 23 de setembro de 1996

entrou em vigor em 22 de novembro de 1996. Esta lei modifica completamente o quadro

jurídico da arbitragem no Brasil.

4. A Lei n° 9.307/96 se inspirou diretamente das Convenções de Nova Iorque de 1958 e do

Panamá de 1975, da Lei Modelo da UNCITRAL de 19859 e da legislação espanhola de

198810. Todos estes instrumentos legislativos contêm disposições específicas à arbitragem

comercial internacional. No entanto, a nova lei, a exemplo da lei holandesa de 1986 e da

recente lei inglesa de 199611, não distingue arbitragem interna e arbitragem internacional.

O legislador considera que “o que é bom para a arbitragem interna é bom para a arbitragem

internacional, e vice-versa”12 e adota um regime uniforme para todas as arbitragens. Não

obstante este método monista ter como principal mérito estender à arbitragem interna o

55

liberalismo que rege a arbitragem internacional13 (I), ele apresenta inconvenientes que

afetam a especificidade da arbitragem comercial internacional (II).

I. O Liberalismo da Arbitragem Comercial Internacional Adaptado àArbitragem Interna

5. O Prof. Charles Jarrosson pondera que: “A arbitragem internacional não é simplesmente

um meio de provocar uma reforma da arbitragem interna, mas aparece também, do ponto

de vista qualitativo, como um instrumento de melhora e modernização das regras inter-

nas14.” Assim, a uniformização da arbitragem interna e da arbitragem internacional num só

texto estende os princípios da arbitragem comercial internacional à primeira (A). Todavia,

a arbitragem interna apresenta particularidades que limitam esta extensão (B).

A. Os princípios

6. Nas últimas décadas a arbitragem comercial internacional conheceu um progresso “fe-

nomenal”. Esta evolução é concretizada pela formação de certos princípios que formam um

direito comum da arbitragem comercial internacional. A Lei n° 9.307/96 incorpora alguns

destes princípios.

1) Princípio da autonomia da cláusula compromissória

7. Sob a égide do CPC, a autonomia da cláusula compromissória era contestada, pois mes-

mo a sua validade não era reconhecida. No entanto, com a promulgação da nova lei, o art. 8o

dispõe que:

“A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de

tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula

compromissória.”

8. A nova legislação brasileira incorpora um dos princípios fundamentais da arbitragem

comercial internacional, adotado por diversas legislações modernas15 e pelos regulamentos

arbitrais16.

9. A autonomia da cláusula compromissória pode ter uma “dupla dimensão”17: ser “inde-

pendente” do contrato no qual ela está inserida ou autônoma em relação a todo e qualquer

sistema jurídico.

A primeira interpretação da autonomia da cláusula compromissória parece ser aquela sugerida

pelo art. 8o do novo texto legal.

Todavia, quanto à segunda, a nova lei nada especifica. Esta interpretação da cláusula arbitral,

autônoma de qualquer direito estatal, é oriunda do direito francês. Devemos, no entanto,

explicar o seu verdadeiro significado. Não se trata, como à primeira vista pode se entender,

de uma exclusão da cláusula arbitral de todo e qualquer controle legal, conferindo-lhe uma

56

auto-suficiência, e que implicaria numa manifestação de um “contrat sans loi”. Na realidade,

esta interpretação da autonomia da cláusula compromissória se define como um método

utilizado para determinar as normas aplicáveis à cláusula18. O direito francês descarta o

método clássico de conflito de leis, que leva à determinação do direito aplicável, e estabe-

lece uma regra material:

“…em virtude de uma regra material do direito internacional da arbitragem, a cláusula

compromissória é independente juridicamente do contrato principal que a contém, direta-

mente ou por referência, e que sua existência e sua eficácia são apreciadas, sob reserva das

normas imperativas do direito francês e da ordem pública internacional, segundo a vontade

comum das partes, sem que seja necessário se referir a uma lei estatal19.”

A nova lei brasileira, ao adotar a autonomia da cláusula compromissória também teria excluído

o método conflitual e estabelecido uma regra material sobre a validade, a existência e a

eficácia da convenção de arbitragem?

A existência, a validade e a eficácia da cláusula compromissória são analisadas, prima facie,pelo árbitro20. Todavia, o judiciário pode exercer um controle sobre a convenção de arbitra-

gem em dois momentos: na ação de nulidade da sentença arbitral ou na homologação de

sentença arbitral estrangeira. Quanto a esta última, o novo diploma legal incorpora a solu-

ção do art. 5o, § 1° da Convenção de Nova Iorque de 1958 e estipula que “a convenção de

arbitragem não será válida segundo a lei à qual as partes a submeterem, ou, na falta de

indicação, em virtude do país onde a sentença arbitral foi proferida” (art. 38, II da nova

lei). Desta forma, no que se refere à análise da validade da convenção de arbitragem no

contexto de uma homologação de sentença arbitral estrangeira, opta o legislador pelo mé-

todo conflitual, descartando a regra material.

2) O princípio da autonomia do árbitro

a) o princípio da “compétence-compétence”

10. Antes da entrada em vigor da nova Lei de Arbitragem, a doutrina brasileira mantinha

posições divergentes quanto à possibilidade ou não dos árbitros decidirem sobre a sua pró-

pria competência. O Professor José Carlos Magalhães entende que os árbitros são compe-

tentes para julgar de sua investitura se as partes assim o determinarem na cláusula

compromissória21. Esta posição é contestada pelo Prof. Carlos Alberto Carmona que, por

sua vez, afirma que: “…à falta de previsão legal, parece insustentável atribuir ao árbitro o

poder de averiguar sua própria competência22.” Mesmo que se a vontade das partes exerça

uma influência inegável na arbitragem, a primeira posição é criticável, pois “não é a conven-

ção de arbitragem que fundamenta a compétence-compétence, mas o direito de arbitragem do

Estado sede da arbitragem e, mais généralement, o conjunto de Estados suscetíveis de reco-

nhecer uma sentença proferida pelos árbitros sobre a sua própria competência23”.

11. Todavia, a polêmica quanto à validade do princípio da “compétence-compétence” parece não

mais subsistir, pois o parágrafo único do art. 8o da Lei de Arbitragem assim dispõe:

57

“Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes as questões acerca da

existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha

cláusula compromissória.”

12. O novo regime brasileiro da arbitragem proíbe o recurso contra a decisão do árbitro

sobre a sua competência, sob reserva de uma análise posterior do judiciário em caso de ação

anulatória. Este sistema tem como vantagem evitar as manobras dilatórias, respeitando

assim a celeridade do processo arbitral24.

13. O princípio da “compétence-compétence” do árbitro também se manifesta no caso em que o

árbitro, no curso do procedimento arbitral, depara-se com uma questão inarbitrável. O art.

25 estabelece que sobrevindo controvérsia em relação de direitos indisponíveis, o árbitro

remeterá esta questão ao poder judiciário, estando suspenso o processo arbitral. No entan-

to, o árbitro tem a faculdade de analisar a matéria, para aí então se declarar incompetente.

Se uma das partes recorrer ao judiciário, antes que o árbitro tenha se manifestado, o juiz

competente deve se considerar incompetente, pois cabe ao árbitro, a priori, a análise da

arbitrabilidade da matéria controvertida.

b) o princípio da autonomia do árbitro na escolha do procedimento arbitral

14. A nova lei incorpora o princípio da autonomia do procedimento arbitral. As partes po-

dem assim determinar as normas aplicáveis ao procedimento da arbitragem, referindo-se a

um regulamento arbitral ou ainda conferir aos árbitros o poder de regulamentar este proce-

dimento (art. 21).

15. Ao contrário da legislação argentina – que na ausência de manifestação das partes quan-

to às normas aplicáveis ao procedimento arbitral, aplica o procedimento sumário25 –, o novo

direito brasileiro da arbitragem reserva aos árbitros o poder de determinar as normas que

serão aplicadas ao processo arbitral. O sistema brasileiro se integra ao movimento legislativo

que atribui aos árbitros a autonomia de decidir sobre o procedimento arbitral26.

16. Esta autonomia dos árbitros encontra como limite o respeito aos princípios do contradi-

tório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento

(art. 21, § 2°) que compõem a ordem pública procedural27. O desrespeito destes princípios

reveste a sentença arbitral de nulidade (art. 32, VIII).

17. Estes princípios incorporados ao Direito Brasileiro de Arbitragem são fatores incontes-

táveis do progresso realizado pela nova lei. Entretanto, outras inovações demonstram os

limites do método legislativo.

B. Os limites do método

18. Algumas disposições da nova lei levam implicitamente em consideração a arbitragem

internacional. Falta de distinção entre arbitragem interna e arbitragem internacional, tais

regras são contudo criticáveis quando a arbitragem é puramente interna. Esta incompatibi-

58

lidade legislativa é manifesta em duas situações: a primeira quando da determinação do

direito aplicável ao mérito (1) e a segunda em relação à escolha do local da arbitragem (2).

1) Do direito aplicável ao mérito

19. O § 1° do art. 2o da nova lei estabelece:

“Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitra-

gem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.”

Podem ainda as partes acordarem que a arbitragem “se realize com base nos princípios

gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio” (§ 2o do art.

2o).

20. Destarte, o Direito Brasileiro da Arbitragem reconhece, de um lado, o princípio da

autonomia da vontade das partes e autoriza, de outro lado, as partes escolherem a lex mercatoriacomo norma aplicável à arbitragem.

21. Todavia, segundo o Prof. Paulo Borba Casella, “adiantou-se excessivamente o novo

diploma legal, instaurando diversidade de regência legal, conforme se trate de cláusula

arbitral ou de eleição de foro judicial, mesmo em contratos regidos pelo direito interno, o

que se afigura excessivo e descabido28”.

Realmente a opção do legislador é excessiva e descabida. Em caso de arbitragem interna,

impõe-se o direito interno29. Outorgar às partes a possibilidade de escolher um direito

estrangeiro no caso de uma arbitragem interna configura uma violação da ordem pública30,

nos termos do § 1°, do art. 2o.

Propôs-se porém que “sendo pouco provável a adoção de direito estrangeiro em arbitragens

nacionais, a solução e melhor possibilidade são normas neutras, de caráter internacional,

desvinculadas de ordenamentos nacionais, tais como os princípios UNIDROIT”31. A pro-

posta é “séduisante”32 : aplicar à arbitragem interna os princípios e regras do comércio inter-

nacional. Entretanto, a aplicação da lex mercatoria e/ou dos “princípios uniformes dos con-

tratos internacionais” do UNIDROIT33 está condicionada à própria internacionalidade da

arbitragem34. Desta forma, aplica-se imperativamente à arbitragem interna o direito inter-

no de sua sede. E como ensinam os Professores Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e o

saudoso Berthold Goldman: “Um primeiro ponto é incontestável. Se todos os pontos de

contato conduzem a um só país, a arbitragem em questão não será nada além que uma

arbitragem nacional, submetida ao direito interno deste país…”35.

2) O local da arbitragem

22. O art. 10o, inciso IV da nova Lei de Arbitragem elenca como elemento obrigatório do

compromisso, entre outros, “o lugar onde será proferida a sentença arbitral”. Poderá ainda

constar facultativamente no compromisso o “local, ou locais, onde se desenvolverá a arbi-

tragem” (art. 11, inciso I).

59

Assim, o legislador confere às partes completa liberdade de escolha da sede da arbitragem

bem como do local de proferimento da sentença arbitral. Esta autonomia não encontra

nenhum limite territorial.

23. Ora, a priori, uma arbitragem qualificada como interna, isto é, não apresentando ne-

nhum elemento “d’extraneité”, deverá se desenvolver no seu território nacional e a sentença

deverá igualmente ser proferida neste território. No entanto, sob a nova lei, as partes pode-

rão, mesmo quando se tratar de uma arbitragem interna, optar por um país outro que o

nosso. Mas quais seriam as conseqüências de tal deslocalização?

A principal conseqüência é a submissão da arbitragem às regras de um país terceiro. As

partes realizariam uma espécie de “forum shopping”, escolhendo um país de lei mais liberal

para reger a arbitragem. Um exemplo concreto seria a nulidade da sentença arbitral. A nova

lei brasileira, apesar do seu liberalismo, ainda prevê casos de nulidade da sentença arbitral.

Existem, porém, alguns sistemas jurídicos que eliminaram o recurso de anulação contra a

sentença arbitral. Neste caso encontra-se o direito belga que exclui a possibilidade de

nulidade da sentença arbitral quando as partes não forem de nacionalidade belga ou não

residirem neste país36. Ainda, no direito suíço o “recours en annulation” pode ser descartado

sob dupla condição: se as partes não tiverem domicílio, residência ou estabelecimento nes-

te país e se elas declararem expressamente renunciar a todo recurso contra a sentença

arbitral37.

24. A nova lei, apesar de beneficiar a arbitragem interna com regras materiais da arbitragem

comercial internacional, apresenta problemas de articulação. Tais dificuldades são também

encontradas quando analisamos a especificidade da arbitragem comercial no novo diploma

legal.

II. Da Especificidade da Arbitragem Comercial Internacional

25. Num comentário sobre o projeto de lei, um dos membros da comissão de elaboração

deste texto legal ressalta que “cientes das potenciais dificuldades que poderiam obstaculizar

a tramitação e implementação da arbitragem no País, procurou a Comissão Relatora não

evoluir demais nas inovações, mantendo-se no mais das vezes atrelada aos conceitos e re-

gras difundidas e já incorporadas às malhas legislativas de outros países”38. Mas até onde a

nova lei deixou de inovar? Ou ainda, teria ela incorporado todos os preceitos requeridos à

especificidade da arbitragem comercial internacional?

A própria adoção de um sistema unificado para todas as arbitragens sugere uma resposta

negativa. Da mesma maneira que a Lei 9.307/96 contribuiu para liberalizar a arbitragem

interna, o novo estatuto legal da arbitragem estabelece regras inadaptadas à arbitragem

internacional (A). E as lacunas da nova lei caracterizam o receio de “não evoluir demais nas

inovações” (B).

A. Das regras

26. Apesar do esforço do legislador, a nova lei ainda apresenta certas características que são

60

influências do direito interno anterior. Tais peculiaridades não são criticáveis nas arbitra-

gens internas, mas tornam-se perniciosas quando se trata de arbitragens internacionais.

Assim, o legislador limitou a auto-suficiência da cláusula compromissória (1). E na mesma

perspectiva, o novo diploma legal, numa tentativa de simplificar a utilização da arbitragem,

aproximou a arbitragem do processo jurisdicional, num fenômeno denominado de

“jurisdicionalidade da arbitragem”39.

1) A auto-suficiência da cláusula arbitral

27. O direito brasileiro anterior à nova lei não reconhecia a validade da cláusula

compromissória, o que nos colocava na posição do “único país sul-americano cujo direito

nacional” não considerava “a cláusula arbitral para litígios futuros”40. O Código Civil assim

como o Código de Processo Civil de 1973 só tratavam do compromisso arbitral. A doutrina

considerava a cláusula arbitral como sendo uma promessa de contratar, que em caso de

descumprimento não teria como conseqüência nenhuma obrigação específica41. Neste sen-

tido ensina Clóvis Beviláqua:

“A cláusula compromissória, no direito pátrio, cria apenas uma obrigação de fazer. É um

pacto preliminar, cujo objeto é a realização de um compromisso. E como obrigação de fazer,

desde que nemo potest precise cogi ad factum não obriga as partes à celebração do compromisso,

embora o não celebrá-lo constitua infração do contrato, que dará lugar à responsabilidade

civil42.”

28. O Supremo Tribunal Federal, numa decisão de 2 de junho de 1967, confirmou esta

concepção da cláusula arbitral43. A autora, a empresa brasileira Insubra S.A. Intercomercial,

ajuizou uma ação de perdas e danos pela infração de um contrato de comissão mercantil

pela ré Bueromaschinen-Export G.m.b.H. Esta última, por sua parte, argumentou que a

jurisdição brasileira era incompetente, tendo em vista uma cláusula arbitral inserida no

contrato. A Corte Suprema, confirmando a decisão do TJSP, decidiu que:

“Cláusula compromissória (pactum de compromitendo) ainda não é o compromisso constitutivo

do juízo arbitral, mas a obrigação de o celebrar.

Trata-se de uma obrigação de fazer, que se resolve em perdas e danos e que, como pacto de

ordem privada, não torna incompetente o juiz natural das partes, se a ele recorrem44.”

Esta posição inflexível dos nossos tribunais em relação à cláusula arbitral não impediu que

os tribunais arbitrais adotassem uma concepção diferente. Numa sentença arbitral da Cor-

te Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional n° 4.69545, as partes

contratantes, associadas por uma joint-venture, forneciam matérias-primas brasileiras a em-

presas americanas. Este contrato continha uma cláusula CCI, e uma disposição aplicando a

lei brasileira ao mérito do litígio. Ora, a ré brasileira defendeu a tese de que a cláusula

arbitral não seria válida no direito brasileiro. O tribunal arbitral, depois de distinguir o

direito aplicável ao mérito daquele aplicado ao procedimento arbitral, decidiu, fundamen-

tando-se no Regulamento da CCI, que o juízo arbitral pode ser constituído por uma cláusu-

la compromissória, rejeitando assim a posição do direito brasileiro46.

61

29. Com o advento da nova lei, a validade da cláusula arbitral é finalmente reconhecida. O

seu art. 4o a define como sendo “a convenção através da qual as partes em um contrato

comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente

a tal contrato”. No entanto, como podemos classificar a cláusula arbitral sob a perspectiva

da nova lei?

30. Segundo uma classificação do Prof. Albert J. Van den Berg, os países latino-americanos

podem ser divididos em três grupos, no que se refere à validade da cláusula compromis-

sória47: aqueles que não reconhecem a validade da cláusula compromissória; aqueles que

consideram a cláusula compromissória como um acordo visando a conclusão de um compro-

misso48; e enfim, aqueles que admitem a validade e o efeito vinculante da cláusula sem

exigir a conclusão do compromisso uma vez o litígio surgido49. Em qual categoria estaria o

Brasil inserido?

31. O novo regime brasileiro de arbitragem não pode ser colocado na primeira classificação,

pois a validade da cláusula arbitral é reconhecida. No entanto, parece-nos que o Brasil

apresenta um sistema híbrido, pois a nova lei prevê duas hipóteses: a auto-suficiência da

cláusula arbitral (a) e a sua execução específica (b).

32. a) A cláusula compromissória, apesar de ainda ser denominada de pré-contrato de com-

promisso por alguns autores50, é auto-suficiente, isto é, institui por si só o juízo arbitral,

quando as partes estabelecerem a forma de instituição da arbitragem ou designarem as

regras de “algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada” (art. 5o). Nestes

casos, a conclusão de um compromisso arbitral é dispensada51.

33. Entretanto, deve-se distinguir os dois casos previstos pela lei de auto-suficiência da

cláusula compromissória: a arbitragem institucional e arbitragem ad hoc. A primeira é aque-

la administrada por uma instituição arbitral de acordo com o seu regulamento. No caso de

uma arbitragem submetida à Cour Internationale d’Arbitrage da CCI, ela será instituída mes-

mo que uma das partes se recuse a participar da instância arbitral52. Nesta hipótese, o

compromisso não é necessário53. Neste sentido pronuncia-se Roque J. Caivano: “cuando elarbitraje escogido por las partes es institucional, el compromiso resultará superfluo, porque la propriainstitución a la que las partes confían la administración del arbitraje prevé la solución a los puntos queson habitualmente materia de compromiso54.”

A arbitragem ad hoc, por sua vez, é aquela organizada pelas próprias partes. Estas podem

fazer referência a um regulamento, como por exemplo o da UNCITRAL, ou ainda estabe-

lecerem elas mesmas o procedimento arbitral. E de acordo com a nova lei, prevendo as

partes as formas de instituição da arbitragem, a cláusula arbitral seria auto-suficiente. No

entanto, se uma das partes recusar a competência do juízo arbitral, estaria a outra parte

constrangida a acionar o processo de execução previsto no art. 7o? Se as partes consignarem

na cláusula compromissória uma autoridade nomeadora do tribunal arbitral, esta poderá

designar o(s) árbitro(s), o que evitaria o processo de execução do art. 7o55. Este é o caso, por

exemplo, do Regulamento da UNCITRAL: em caso de desacordo entre as partes sobre a

autoridade nomeadora do tribunal arbitral, caberá ao Secretário-Geral da Corte Permanen-

62

te de Arbitragem da Haia designá-la (arts. 6o e 7o do Regulamento). Todavia, se a cláusula

arbitral nada prever, a parte interessada para instituir a arbitragem deverá processar a exe-

cução judiciária da cláusula compromissória que leva à conclusão de um compromisso.

34. b) A Lei 9.307/96, com exceção dos casos supracitados, exige a conclusão de um com-

promisso56. Assim, nem sempre a cláusula arbitral será por si só suficiente para instituir a

arbitragem. Se as partes não previrem o modo de instituição da arbitragem, a parte mais

diligente convidará a outra parte a concluir um compromisso. Se esta, por sua vez, se recu-

sar a firmá-lo, deverá a outra parte seguir o procedimento previsto no art. 7o para instituir a

jurisdição arbitral através de um compromisso judicial57.

35. O sistema de execução específica da cláusula compromissória, além de conferir impli-

citamente uma auto-suficiência limitada a esta cláusula58, fere o princípio da autonomia do

árbitro59, consagrado no parágrafo único do art. 8o. Desta forma, em caso de desacordo das

partes sobre o conteúdo do compromisso ou se a ré não comparece à audiência, o juiz

deverá estabelecer o compromisso. E neste momento, o magistrado analisará as questões

que serão objeto da arbitragem, pois estas são elementos obrigatórios do compromisso (art.

10o, III)60. Ora, segundo o princípio da “compétence-compétence”, cabe ao árbitro decidir sobre

a existência, a validade e a eficácia da convenção de arbitragem, e por conseguinte, sobre as

matérias que serão objeto da arbitragem. Destarte, no processo de execução específica, o

árbitro será privado de sua autonomia, que, em princípio, ele deveria exercer de ofício.

36. A nova lei poderia ter adotado, no lugar de um processo de execução específica, um

sistema que conferiria à cláusula compromissória uma auto-suficiência completa. A exem-

plo do direito francês61, se a constituição do tribunal arbitral encontrasse dificuldades, por

motivo de ausência de regras para a sua instauração ou por reticência de uma das partes, o

juízo originariamente competente “teria como única competência resolver os problemas

derivados da constituição do tribunal arbitral, deixando à jurisdição arbitral a atribuição de

decidir sobre os outros aspectos do procedimento”62.

37. Enfim, algumas disposições da lei fazem menção ao compromisso, não utilizando o

termo Convenção de Arbitragem. Neste sentido dispõe o art. 16, que no caso de recusa ou

impossibilidade do árbitro de exercer sua missão, “assumirá seu lugar o substituto indicado

no compromisso”. Mais grave ainda é o disposto no art. 32, que trata dos casos de nulida-

de da sentença arbitral. O inciso I deste artigo prevê que a sentença arbitral é nula se “for

nulo o compromisso”. Como interpretar este dispositivo? Poderíamos argumentar que

uma sentença arbitral oriunda de uma arbitragem instituída por uma cláusula compromissória

não poderia ser atacada de nulidade, mesmo se a cláusula for nula. Esta posição é pouco

sustentável. Mais apropriado seria uma interpretação extensiva do termo “compromisso”,

assimilando-o à Convenção de Arbitragem. Do contrário, adotando uma posição mais infle-

xível, assumiríamos que o compromisso é um pré-requisito obrigatório para todas as arbi-

tragens.

38. Parece o compromisso ainda ser um elemento indispensável à uma arbitragem subme-

tida à lei brasileira. Poderiam os mais otimistas defender que a maioria das cláusulas

63

compromissórias designa um regulamento de um centro de arbitragem, o que elimina a

obrigação de concluir um compromisso63. Mesmo que esta afirmação seja correta, ainda

restam as cláusulas que nada prevêm além de uma referência à arbitragem. Destarte, a

obrigação de firmar um compromisso pode significar um entrave para as necessidades de

celeridade do comércio internacional, além de ser um handicap suplementar para uma legis-

lação que se pretende moderna64.

B. A jurisdicionalidade da arbitragem

39. A aproximação da arbitragem ao processo jurisdicional estatal tem como principal virtu-

de a assimilação da sentença arbitral à sentença judiciária. Assim, a sentença arbitral é

dispensada de homologação judicial e equivale a um título executivo judicial.

40. O legislador procurou também assimilar a função do árbitro ao juiz. Assim, a nova lei

estabeleceu um verdadeiro código de ética do árbitro65 (art. 13, § 3o). O art. 14 dispõe que

os mesmos motivos de suspeição e de impedimento dos juízes são aplicáveis aos árbitros.

Finalmente, quando no exercício de sua função ou em razão delas, o árbitro equiparar-se-á

ao funcionário público no que concerne à legislação penal (art. 17).

Este fenômeno de assimilação do árbitro ao juiz permite atribuir ao primeiro imunidade

que é inerente de sua missão jurisdicional66. Todavia, esta assimilação é inapropriada e

excessiva. De um lado, os motivos de impedimento e suspeição previstos aos juízes nem

sempre são apropriados aos árbitros67. É o caso do art. 134, inciso III do CPC que considera

como impedido o juiz que, conhecendo do litígio, tenha proferido sentença de primeira

instância. De outro lado, mais grave é a equiparação, para efeitos penais, do árbitro ao juiz.

Mesmo podendo o árbitro se beneficiar deste estatuto68, a equiparação do árbitro ao funcio-

nário público é excessiva. O poder jurisdicional que o árbitro exerce é de origem privada e

sua missão é “éphémère”69. O árbitro não é um magistrado, e como ensina Henry Motulsky,

“demeure un particulier”70. No mesmo sentido pronuncia-se o Prof. Charles Jarrosson: “l’arbitren’est q’un juge privé, il ne statue pas au nom de l’Etat…”71. Parece evidente então que o árbitro é

um simples particular, não tendo nada de um funcionário público.

41. Esta equiparação poderia ser compreendida numa arbitragem interna, regida pelo di-

reito interno. No entanto, quando se trata de arbitragem internacional, o árbitro não tem

foro e é independente em relação à sede da arbitragem72. Impor ao árbitro internacional um

estatuto penal equivalente a um funcionário seria restringir a autonomia da arbitragem

comercial internacional.

42. Assim, podemos concluir com as palavras do Professor da Universidade de Harvard,

Arthur T. Von Mehren:

“…where a State seeks to discipline arbitral proceedings to the same degree as comparable judicialproceedings, the attractiveness and efficacy of arbitration as a dispute-resolution process is diminished ordestroyed73.”

64

C. Das lacunas

43. Ao não evoluir demais nas inovações, a nova lei de arbitragem apresenta algumas lacu-

nas. Seria pretensioso uma legislação conter as soluções para todas as dificuldades da arbi-

tragem comercial internacional. Assim, não se pode condenar que a nova lei nada disponha

sobre problemas como a arbitragem “multipartite”, por exemplo. Mas, outras lacunas são

mais graves, sejam elas de natureza metodológica (2) ou material (1).

1) Da escolha do direito aplicável ao mérito pelos árbitros

44. A escolha do direito aplicável ao mérito é um atributo exercido pelas partes contratan-

tes74. No entanto, nem sempre estas se manifestam expressa ou tacitamente. Destarte,

cabe aos árbitros designar a regra de direito que será aplicável ao mérito da causa.

Considerado pela doutrina como um dos pontos da especificidade da arbitragem comercial

internacional75, a lei brasileira o negligencia completamente.

45. A falta de norma que conceitue a determinação de direito aplicável pelo árbitro gera

diversas interpretações. O Prof. Vicente Marota Rangel, num trabalho sobre o antigo regi-

me de arbitragem no Brasil, que ignorava igualmente esta questão, considera que o árbitro

sediando no Brasil está obrigado a aplicar a regra de conflito brasileira76.

Num outro comentário, já sobre a nova lei, Paulo Cézar Pinheiro Carneiro assevera que:

“…deve-se consignar que não havendo convenção na cláusula compromissória acerca da

utilização da eqüidade, dos princípios gerais do direito, de usos e costumes ou das regras

internacionais do comércio, será aplicado o direito positivo do país onde se instaurar

o Juízo Arbitral77.” (grifou-se)

Estas proposições colocam a sede da arbitragem como ponto principal de localização78. O

árbitro ficaria vinculado às regras de conflito do foro ou, numa posição mais radical, ao

próprio direito material da sede da arbitragem.

46. Todavia, estas concepções são insustentáveis. Como já salientamos, o árbitro internacional

não tem foro, o que lhe confere autonomia quanto à escolha do direito aplicável ao mérito79.

Assim, para determinar o direito aplicável ao mérito, o árbitro pode recorrer a métodos

diferentes: aplicar uma regra de conflito que ele julgar apropriada80 ou proceder pela via

direta, isto é, a escolha do direito material sem utilizar nenhuma regra de conflito81.

47. A ausência de dispositivo na nova lei brasileira que regule esta questão é criticável. Esta

lacuna deverá ser suprida pela jurisprudência assim como o problema da qualificação.

2) Da qualificação

48. Ao adotar o sistema monista, o legislador deixa de qualificar a internacionalidade da

arbitragem82. Ora, nada mais normal para um regime jurídico uniforme, onde a distinção se

65

mostra inútil. No entanto, nos casos supramencionados, uma definição de arbitragem in-

ternacional parece se impor.

49. Além das hipóteses já estudadas, a definição de internacionalidade da arbitragem é

necessária para aplicação das convenções internacionais que regem a matéria83. É o caso do

Protocolo de Genebra de 1923 e da Convenção de Panamá de 1975.

Alguns poderiam dizer que o Protocolo de Genebra de 1923 não mais seria útil com a

entrada em vigor da Lei n° 9.307/96, pois esta reconhece a validade da cláusula

compromissória, sendo este o maior interesse do Protocolo. Todavia, como já exposto, a

cláusula compromissória nem sempre é auto-suficiente. A aplicação do Protocolo de Gene-

bra, que reconhece a auto-suficiência da cláusula arbitral, eliminaria a exigência do com-

promisso. Porém, esta convenção é aplicada quando as partes são originárias de Estados

contratantes e que a arbitragem seja comercial e internacional. No entanto, o Protocolo não

define a arbitragem internacional, o que leva a uma qualificação lex fori.

Quanto à Convenção do Panamá de 1975, além de dispor sobre o reconhecimento e a exe-

cução de sentenças arbitrais estrangeiras, contém disposições relativas à organização da

arbitragem84. O art. 3o desta convenção estabelece que se as partes não escolherem o direi-

to aplicável ao procedimento arbitral, a arbitragem será submetida ao Regulamento da Co-

missão Interamericana de Arbitragem Comercial Internacional, sob pena de nulidade da

sentença arbitral. Ora, este artigo mostra o interesse da aplicação da Convenção de Pana-

má, que por sua vez, é aplicada às arbitragens comerciais internacionais85.

50. Mostra-se assim que se faz necessário uma definição da internacionalidade da arbitra-

gem. Como a nova lei é silente, cabe à doutrina e à jurisprudência defini-la.

51. A Arbitragem Comercial Internacional pode ser definida segundo critérios jurídicos ou

econômicos. Os primeiros têm como base pontos de contato objetivos como a nacionalida-

de ou residência das partes ou do(s) árbitro(s), a sede da arbitragem, o lugar de conclusão

ou execução do contrato objeto do litígio, etc.86

O segundo critério considera como internacional a arbitragem que coloca em jogo os inte-

resses do comércio internacional. É a concepção do direito francês (art. 1.492 do NCPC):

“Est international l’arbitrage qui met en cause des intérêts du commerce international.”

O Prof. Carlos Alberto Carmona, depois de criticar o critério adotado pelo direito francês,

parece preferir o critério objetivo87. O Prof. José Alexandre Tavares Guerreiro defende, por

sua vez, que “a internacionalidade da lei francesa conflui para o reconhecimento da arbitra-

gem como procedimento integralmente desconectado de qualquer quadro jurídico esta-

tal” e conclui que “resulta claro que os critérios de nacionalidade, dizendo respeito às

partes, ao próprio foro arbitral ou aos árbitros, não servem como critério definitivo para a

determinação do caráter internacional da arbitragem88”.

A jurisprudência também parece se inclinar por esta concepção econômica da inter-

66

nacionalidade da arbitragem. No já citado acórdão do STJ que aplica o Protocolo de Gene-

bra de 1923, o então Ministro Cláudio Santos, relator deste acórdão, que apesar de emitir

voto contrário à aplicação desta convenção, admite a internacionalidade do contrato e afir-

ma que:

“Não são fatores geográficos ou relativos ao domicílio das partes que o caracterizam como

contrato internacional, em oposição aos contratos internos, mas sobretudo, a finalidade

do contrato, ou seja, o transporte marítimo de país a país, portanto, transnacional,

atividade econômica de apoio, principalmente, aos contratos de compra e venda entre

pessoas de nacionalidades diversas, sujeitas a sistemas jurídicos diferentes, que acabam

por vincular-se pela vontade das partes.” (grifou-se)

É verdade que poucos são os países que adotaram o modelo francês de internacionalidade89,

outros preferindo os critérios ditos objetivos. No entanto, estes critérios são rígidos, limita-

dos e mesmo artificiais. Eles limitam a qualificação e excluem arbitragens que seriam inter-

nacionais.

O critério econômico não é contudo, imune às críticas. O fator “comercial” exclui as arbi-

tragens internacionais que não apresentam esta característica90. Alguns autores consideram

esta fórmula “élastique et génératrice d’incertitude”91, além de apresentar dificuldades de inter-

pretação.

Poder-se-ia sugerir a aplicação cumulativa dos dois critérios. É o caso do direito argelino

que exige que uma das partes tenha o seu domícilio no estrangeiro e que a arbitragem

tenha como objeto um litígio relativo aos interesses do comércio internacional92. Este siste-

ma cumulativo é, no entanto, mais rígido e não resolve os problemas supramencionados.

As necessidades do comércio internacional e da própria Arbitragem Comercial Internacio-

nal requerem um sistema mais liberal. Assim, propõe-se uma aplicação altenativa dos crité-

rios objetivos e econômicos, isto é, a arbitragem será internacional quando uma das partes

residir ou tiver o seu estabelecimento no estrangeiro, ou se o litígio puser em jogo os inte-

resses do comércio internacional. Este método alternativo, adotado pela Lei Modelo da

UNCITRAL e pela lei italiana de 199493, tem como vantagem apresentar uma definição

flexível da arbitragem internacional, eliminando assim os inconvenientes de cada critério.

Conclusão

52. A unificação das arbitragens num mesmo texto conduz ao seu tratamento uniforme.

Todavia, segundo certos autores, “a distinção arbitragem interna/arbitragem internacional

constitui a summa divisio do direito da arbitragem”94, sendo que “a especificidade da arbitra-

gem internacional não pode jamais ser totalmente eliminada95.”

53. A adoção de um sistema que, apesar de monista, dedicasse regras específicas à arbitra-

gem internacional, definindo o seu âmbito de aplicação, teria implementado uma melhor

coordenação legislativa.

67

Na ausência de tais dispositivos, cabe à jurisprudência completar as lacunas e sanar as

contradições, para que a arbitragem se desenvolva e encontre, na prática, o respaldo tão

almejado. Uma interpretação jurisprudencial severa da nova lei pode ter efeitos perversos,

principalmente na escolha do Brasil como sede de arbitragem96.

À doutrina atribui-se o papel de analisar e propor soluções aos problemas apresentados pelo

novo texto legal, pois como conclui René David: “Les textes de lois, les arrêts de jurisprudence neméritent pas d’être considérés comme des fétiches; notre mission est de contribuer de façon constante àaméliorer un droit qui est toujours ménacé de sclérose et qui, à notre époque spécialement, demandeimpérativement à être renouvelé97.”

Paris, dezembro de 1997.

Notas

1 Y. Derains, Droit et pratique de l’arbitrage international en France, Paris, FEDUCI, 1984, p. 2.

Segundo este autor: “alors qu’au plan interne l’arbitrage reste une procédure d’exception, il est larègle au plan international…”

2 J. Paulsson, “Le Tiers-Monde dans l’arbitrage commercial international”, Revue del’arbitrage, 1983.3; M. Sornarajah, “The UNCITRAL Model Law: A Third World Viewpoint”,

6 Journal of International Arbitration 7 (Dec. 1986); Ph. Leboulanger, “L’arbitrage international

Nord-Sud”, Etudes offertes à Pierre Bellet, Paris, Litec, 1991, p. 323; M. Rubino-Samartano,

“Developing Countries vis-à-vis International Arbitration”, 13 Journal of InternationalArbitration 21 (March 1996).

3 A. J. Van Den Berg, “L’arbitrage commercial en Amérique Latine”, Revue de l’arbitrage,1979.123.

4 Os países latino-americanos que ratificaram esta convenção são: Argentina, Bolívia, Chi-

le, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, México, Panamá,

Peru, República Dominicana, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.

5 Colômbia, Decreto 2.279/89, v. comentário de F. Mantilla-Serrano, “La nouvelle législation

colombienne sur l’arbitrage”, Revue de l’arbitrage, 1992.41, a Lei de 21 de março de 1991, 18

Yearbook Commercial International 451 (1994) e a Lei 315 de 12 de setembro de 1996, comen-

tário de F. Mantilla-Serrano, “La législation colombienne sur l’arbitrage”, in L’arbitragecommercial international en Amérique Latine, suplemento especial do Bulletin de la Courinternationale d’arbitrage de la CCI, dezembro de 1996, p. 21; México, Lei de 22 de julho de

1993, v. comentário de I. Zivy, “La nouvelle loi sur l’arbitrage au Mexique”, Revue de l’arbitrage,1994.295; v. também J. Trevino, 11 Journal of International Arbitration 5 (Dec. 1994); S.

68

Gravel, “L’arbitrage sur le territoire de l’ALENA (Canada, États-Unis, Mexique) – Ecueil

et perspectives”, Bulletin de la Cour internationale d’arbitrage de la CCI, outubro de 1993,

p. 23; Paraguai, Lei n° 1.337 de 4 de novembro de 1988, que promulga o novo Código de

Processo Civil Paraguaio, v. comentário de C.A. Mersan, “L’arbitrage international au

Paraguay”, in L’arbitrage commercial international en Amérique Latine, op. cit., p. 69; Peru, Decre-

to-Lei n° 25.935 de 7 de novembro de 1992, 18 Yearbook Commercial Arbitration 460 (1994),

v. comentário de U. Montoya A., “L’arbitrage au Pérou”, in L’arbitrage commercial internationalen Amérique Latine, op. cit., p. 74; Venezuela, Código de Processo Civil de 1987, v. comentário

de R. Alvíns, no seminário sobre “International Arbitration in Latin America”, 6 WorldArbitration and Mediation Report 249 (1995, n° 11) e J.O. Rodner, “L’arbitrage au Venezuela”,

in L’arbitrage commercial international en Amérique Latine, op. cit., p. 90. Para uma análise compa-

rativa das legislações sobre a arbitragem nos países do Mercosul, v. A.N. Pucci, Arbitragemcomercial nos países do Mercosul, prefácio de L.O. Baptista, São Paulo, LTr, 1997.

6 Na realidade, o movimento de reforma legislativa começou no início da década de 80.

Assim, três anteprojetos de lei sobre arbitragem foram sucessivamente arquivados. Para um

comentário do anteprojeto de 1981, v. L.C. Ramos Pereira, “O juízo arbitral e o projeto de

lei sobre arbitragem”, RT, vol. 564, outubro/1982, p. 275; e sobre o de 1986, v. J.U. Pestalozzi,

“Arbitration and its New Prospect in Brazil”, 4 Journal of International Arbitration 131 (Sept.

1987). Para uma análise comparativa destes anteprojetos v. G.F. Silva Soares, “Arbitragens

Comerciais Internacionais no Brasil. Vicissitudes”, RT, vol. 641, março/1989, p. 29; C.A.

Carmona, A arbitragem no processo civil brasileiro, São Paulo, Malheiros Editores, 1993, p. 124

e s. e do mesmo autor “A arbitragem no Brasil: em busca de uma nova lei”, Revista de Proces-so, vol. 72, out-dez. 1993, p. 53.

7 REsp 616/RJ, Superior Tribunal de Justiça de 24 de abril de 1990, publicado no Diário de

Justiça da União de 13 de agosto de 1991 e de 3 de setembro de 1991 e na LEX, vol. 18, p.

108. Ver P.B. Casella, “Arbitragem Internacional e Boa-Fé das Partes Contratantes”, RT, vol.

668, junho/1991, p. 239; C. Nehring Netto, S. Avellar Fonseca e I. Zivy, “Une décision

judiciaire très importante en matière d’arbitrage international”, Revue de Droit des AffairesInternationales, 1992, n° 7, p. 872; J. Samtlebem, “Procedimento Arbitral no Brasil - O Caso

Lloyd Brasileiro contra Ivarans Rederi do Superior Tribunal de Justiça”, RT, vol. 704, ju-

nho/1994, p. 276; J.B. Lee, “La reconnaissance de la clause compromissoire en droit brésilien,

note sous Trib. sup. de justice du Brésil, 24 avril 1990”, Revue de l’arbitrage, 1995.137.

8 Decreto Legislativo n° 90/95. Esta convenção foi ratificada por 16 países: Argentina,

Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Estados Unidos da América,

Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

9 A nova lei brasileira não pode porém ser considerada como uma lei que incorpora comple-

tamente a Lei Modelo da UNCITRAL. Entretanto, num comentário sobre os métodos de

adoção da Lei Modelo, o Prof. Pieter Sanders afirma que “the impact of the Model Law isbroader as States, even when modernizing their arbitration laws without adopting the Model Law, willtake the Model Law into account” [“Unity and Diversity in the Adoption of the Model Law”,

11 Arbitration International 1 (1995)].

69

10 C.A. Carmona, “A arbitragem no Brasil…”, op. cit., p. 57.

11 Arbitration Act de 17 de junho de 1996, que entrou em vigor em 31 de janeiro de 1997. A

nova lei inglesa, ao contrário de outras legislações, havia previsto disposições especiais para

a arbitragem interna (arts. 85 a 87). O art. 85, para determinar se a arbitragem era interna

ou internacional, recorria ao critério de domicílio ou estabelecimento das partes. Este dis-

positivo, no entanto, poderia causar uma certa discriminação, conferindo um status mais

favorável aos residentes ingleses, o que seria contrário às regras da União Européia. Assim,

os arts. 85 a 87 não entraram em vigor e serão revogados posteriormente. Para uma análise

da lei inglesa de arbitragem de 1996 ver a Revue de l’arbitrage, 1997, n° 1 e o ArbitrationInternational, 1997, n° 3 que dedicam edições especiais para esta nova legislação. O texto

original do Arbitration Act 1996 está publicado no 36 International Legal Material 155 (Jan.

1997).

12 “Certains systèmes juridiques ignorent un tel dualisme, dont beaucoup d’auteurs ne voient pas lanécessité. Pour eux, ce qui est bon pour l’arbitrage international est bon pour l’arbitrage interne, et vice-e-versa” (Ph. Fouchard, “La Loi type de la CNUDCI sur l’arbitrage commercial

international”, Journal de Droit International, 1987.861, em especial p. 872).

13 V. J.B. Lee, “Le nouveau régime de l’arbitrage au Brésil”, Revue de l’arbitrage, 1997.199,

em especial p. 228. O Prof. Charles Jarrosson considera que “du point de vue de l’arbitrage,l’ordre international a sans doute davantage apporté à l’ordre interne que l’inverse” (“L’apport de

l’arbitrage international à l’arbitrage interne”, in L’internationalité dans les institutions et le droit- Convergences et défis. Études offertes à Alain Plantey, Paris, Pedone, 1995, p. 233, em especial

p. 234).

14 “L’arbitrage international n’est donc pas simplement le moyen de déclencher une réforme de l’arbitrageinterne, mais apparaît également, du point de vue qualitatif, comme un instrument d’amélioration et demodernisation des règles internes” (idem, p. 235).

15 Podemos citar, entre outras legislações: art. 1.697 du Code Judiciaire belga na sua redação

de 4 de julho de 1972; art. 1.053 do CPC holandês de 1986; art. 178 da Loi Fédérale de DroitInternational Privé Suíça de 1987; art. 8o da Lei espanhola de 1988; art. 458 bis 1, inciso 4 do

CPC argelino. A Lei Modelo da UNCITRAL de 1985, art. 16, § 1° dispõe que: “uma cláu-

sula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como uma convenção

distinta das outras cláusulas do contrato. A decisão do tribunal arbitral que considere nulo

o contrato não implica automaticamente a nulidade da cláusula compromissória.”

16 Art. 6o, § 4° do novo Regulamento de Arbitragem da CCI de 1998; art. 21, § 2° do

Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 1976.

17 Termo empregado pelo Conseiller da Corte de Cassação francesa, Jean-Pierre Ancel, no

seu artigo intitulado “L’actualité de l’autonomie de la clause compromissoire”, Travaux duComité français de Droit international privé - 1991-1992, Paris, Pedone, 1994, p. 75, em especial

p. 76.

70

18 Ph. Fouchard, E. Gaillard e B. Goldman, op. cit., p. 234.

19 “en vertu d’une règle matérielle du droit international de l’arbitrage, la clause compromissoire estindépendante juridiquement du contrat principal qui la contient directement ou par référence et que sonexistence et son efficacité s’apprécient, sous réserve des règles impératives du droit français et de l’ordrepublic international, d’après la commune volonté des parties, sans qu’il soit nécessaire de se référer à uneloi étatique” (Cour de Cassation, 1re civ., 20 de dezembro de 1993, Dalico, Journal de DroitInternational, 1994.432, nota E. Gaillard e p. 690, nota de E. Loquin; Revue de l’arbitrage,1994.116, nota H. Gaudemet-Tallon; Revue Critique de Droit International Privé, 1994.663,

nota P. Mayer). Esta autonomia material da cláusula arbitral foi objeto de críticas pela dou-

trina francesa. A Profa. Hélène Gaudemet-Tallon, da Universidade de Paris II, comenta

que: “un acte ne peut être “en principe valide”: il n’est valable que s’il remplie des conditions de forme etde fond posées par une norme logiquement première par rapport à cet acte; ces conditions peuvent êtrepeu sévères, elles ne sauraient être inexistantes” (Cour d’appel de Paris, 26 de março de 1991, Dalico,Revue de l’arbitrage, 1991.456, em especial p. 469). V. também as críticas de C. Blanchin,

L’autonomie de clause compromissoire: un modèle pour la clause attributive de juridiction?, préface H.

Gaudemet-Tallon, Paris, LGDJ, 1995, p. 28 e s.

20 Voir infra n° 10.

21 “Arbitragem Internacional Privada”, in Arbitragem Comercial, Rio de Janeiro, Biblioteca

Jurídica Freitas Bastos S.A., 1986, p. 7, em especial p. 24.

22 C.A. Carmona, A arbitragem no processo civil brasileiro, op. cit., p. 92.

23 “…ce n’est pas la convention d’arbitrage qui fonde la compétence-compétence, mais le droit de l’arbitragede l’Etat du siège de l’arbitrage et, plus généralement, de l’ensemble des Etats susceptibles de reconnaîtreune sentence rendue par des arbitres sur leur propre compétence” (Ph. Fouchard, E. Gaillard et B.

Goldman, op. cit., p. 414).

24 O Prof. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, num comentário sobre a nova lei, afirma que:

“Caso se entenda que o legislador erigiu como condição necessária para possibilitar a ação

anulatória – qualquer que seja a hipótese – a existência da sentença arbitral, deve-se admi-

tir a possibilidade da utilização, pela parte interessada, de Mandado de Segurança nos

casos de decisões interlocutórias de cunho teratológico, que tenham por objeto uma das

hipóteses previstas no art. 32, da nova Lei” (“Aspectos processuais da nova lei”, in Arbitra-gem - a nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional, coordenação de P.B. Casella, São

Paulo, Ltr, 1997, p. 154). Ora, a impetração de mandado de segurança presume que uma

autoridade pública ameace ou cometa uma lesão contra um direito subjetivo, líquido e

certo do impetrante. O árbitro, apesar da lei equipará-lo ao funcionário público para efeitos

penais (v. crítica infra n° 40), não é uma autoridade pública, não podendo assim o mandado

de segurança ser aplicado numa decisão proferida por um particular, no caso, o árbitro.

25 Art. 751 do Código Procesual Civil e Comercial de la Nación.

26 V. P. Mayer, “Le pouvoir des arbitres de régler la procédure. Une analyse comparative des systèmes

71

de civil law et de common law”, Revue de l’arbitrage, 1995.163. O autor afirma que: “Quelle que soitla fonction exacte de la justice arbitrale, il est nécessaire d’affranchir l’arbitre d’un formalisme étroit, etde lui laisser la liberté de s’adapter à la diversité des litiges” (p. 167).

27 S.M. Ferreira Lemes, “Arbitragem. Princípios Jurídicos Fundamentais. Direito Brasileiro

e Comparado”, RT, vol. 686, dezembro/1992, p. 73.

28 P.B. Casella, “Arbitragem: entre a praxe internacional, integração no Mercosul e o direito

brasileiro”, in Arbitragem - a nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional, op. cit., p. 171.

29 Neste sentido ver P.B. Casella, idem, p. 172 e J.B. Lee, “Le nouveau…”, op. cit., pp. 216-

217. A Cour d’appel de Lyon, num acórdão de 19 de abril de 1977, julgou que “la mise en jeu desrègle de conflit suppose un contrat international, c’est-à-dire un contrat qui par ses éléments est susceptiblede justifier l’application de législations concurrentes” (Revue Critique de Droit International Privé,1979.788, nota de B. Ancel. Ver ainda H. Batiffol e P. Lagarde, Droit International Privé,tomo II, 7a edição, Paris, LGDJ, p. 274 e s. No entanto, parece a Convenção de Roma de 19

de junho de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais admitir a aplicação de lei

estrangeira num contrato puramente interno, mas que comporta conflito de leis. Neste

sentido afirma o Prof. Paul Lagarde: “La convention [de Rome] pourra de cette façon s’appliquer àun contrat purement interne à un pays mais qui, par le hasard des règles de compétence judiciaire, parexemple à la suite du changement de domicile d’une partie, vient à être soumis aux tribunaux d’un autrepays. Ou encore à un contrat purement interne, mais comportant le choix d’une loi étrangère. Dans touteces situations, le tribunal saisi doit se demander s’il applique sa propre loi ou une autre loi. La situationcomporte donc un conflit de lois et tombe dans le domaine de la convention” (“Le nouveau droit

international privé des contrats après l’entrée en vigueur de la Convention de Rome du 19

juin 1980”, Revue Critique de Droit International Privé, 1991.287, em especial pp. 293-294). O

critério da aplicação da Convenção de Roma a um contrato é a presença de um conflito de

leis. Todavia, este critério é reservado à aplicação da Convenção de Roma, que exclui do

seu campo de aplicação a convenção de arbitragem. No caso da lei brasileira, considerar que

a escolha de uma lei estrangeira pelas partes constitui um critério de internacionalidade

seria confundir a qualificação com a norma. Na realidade, a possibilidade da escolha de uma

lei estrangeira está condicionada à internacionalidade da situação, e não pode ser conside-

rada como fator de internacionalização do contrato. Assim, reiteramos a nossa posição que

numa arbitragem interna, aplica-se o direito interno, sem possibilidade de escolha de direi-

to estrangeiro.

30 Os Professores Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman, ao critica-

rem os critérios de internacionalidade de uma arbitragem estabelecidos pela Lei Modelo

da UNCITRAL, especialmente as alíneas b) (i) e c) do § 3° do art. 1°, comentam que a

vontade das partes de internacionalizar uma arbitragem, escapando assim da lei interna,

seria uma autorização “sinon la fraude à la loi normalement compétente, du moins une évasion devantcette loi qui n’est pas justifiée objectivement par les nécéssités du commerce international” (op. cit., p. 56).

Analogicamente, autorizar as partes, numa arbitragem interna, a submeter o litígio a um

direito estrangeiro poderia constituir também uma fraude à lei.

72

31 P.B. Casella, “Arbitragem: entre a praxe internacional, integração no Mercosul e o direito

brasileiro”, op. cit., p. 173. Neste mesmo sentido, pronuncia-se a Profa Nádia de Araújo:

“…com a Lei de Arbitragem, incorpora-se ao ordenamento jurídico pátrio, de forma ex-

pressa, a autonomia da vontade, e não só nos contratos internacionais, permitindo-se,

desnacionalizá-los, através da utilização da lex mercatoria codificada nos Princípios” (“A nova

lei de arbitragem brasileira e os princípios uniformes dos contratos internacionais” elabora-

dos pelo UNIDROIT”, in Arbitragem - a nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional, op.cit., p. 115).

32 J. B. Lee, “Le nouveau…”, op. cit., pp. 216-217.

33 A primeira frase do Preâmbulo, que delimita os objetivos dos Princípios do UNIDROIT,

estabelece que: “These principles set forth general rules for international commercial contracts.”(grifou-se)

34 Para uma aplicação dos Princípios UNIDROIT pela jurisprudência arbitral v. a sentença

CCI no caso n° 8.128 de 1995, Journal de Droit International, 1996.1024, observações de D.

Hascher. No que se refere às jurisdições estatais, cabe ressaltar a decisão da Cour d’appel deGrenoble, num julgamento de 24 de janeiro de 1996, que se fundamenta nos Princípios

UNIDROIT: “Or, il est de principe, en droit du commerce international, qu’en cas d’incompatibilitéentre une clause-type et une clause qui ne l’est pas, cette dernière l’emporte (Principe UNIDROIT, art.2.21) et que “en cas d’ambigüité, les clauses d’un contrat s’interprètent de préférence contre celui qui les aproposées’ (Principe UNIDROIT, art. 4.6)” (Revue de l’arbitrage, 1997.87, nota Y. Derains).

35 “Un premier point est incontestable. Si tous ces points de contact conduisent à un seul pays, l’arbitrageen cause ne sera qu’un arbitrage national, soumis au droit interne de ce pays…” (op. cit., pp. 49-50).

36 Code Judiciaire Belga, art. 1.717, inciso IV.

37 Loi Fédérale de Droit Internacional Privé Suíça de 1987, art. 192.

38 P.B. Martins, “Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o projeto de Lei do Senado 78/

92”, Revista de Processo, vol. 77, jan.-março 1995, p. 39. Neste mesmo sentido v. C.A. Carmona,

“A arbitragem no Brasil…”, op. cit., p. 58.

39 C.A. Carmona, idem, p. 65.

40 Jurgen Samtlebem, “Questões Atuais da Arbitragem Comercial Internacional no Bra-

sil”, RT, vol. 712, p. 51-52.

41 V. entretanto o estudo do Prof. Celso Agrícola Barbi Filho, “Execução específica de

cláusula arbitral”, Revista de Direito Mercantil, vol. 97, 1995, p. 29. Adde C.A. Carmona, Aarbitragem no processo civil brasileiro, op.cit., p. 87.

42 C. Beviláqua, Comentários ao Código Civil, São Paulo, Francisco Alves, 1958, vol. 4, p. 154.

73

43 RTJ, vol. 42, p. 212.

44 Esta decisão foi reiterada em outras ocasiões: TJSP de 3/10/67, RT, vol. 309, p. 180; STF

de 22/4/82, RTJ, vol. 103, p. 530.

45 11 Yearbook Commercial Arbitration 149 (1986); S. Jarvin, Y. Derains e J.-J. Arnaldez, Collectionof ICC Awards, Recueil des sentences arbitrales de la CCI, 1986-1990, Kluwer, Publication CCI n°

514, p. 33.

46 V. entretanto a crítica do Prof. Pierre Mayer, “L’autonomie de l’arbitre international”,

Recueil de Cour de l’Académie de Droit International, Haia, tomo 217, 1989, p. 388 e s.

47 “L’arbitrage commercial en Amérique Latine”, op. cit., p. 136-137.

48 É o caso por exemplo da Argentina, art. 742 do Código Procesual Civil e Comercial de la

Nación, e do Uruguai, art. 538 do CPC.

49 Colômbia, art. 2, al. 1 do Decreto 2.279/89; México, art. 1.423 da Lei de 22 de julho de

1993; e Paraguai, art. 776 do CPC.

50 C.A. Carmona, “A arbitragem no Brasil…”, op. cit., p. 59. Neste mesmo sentido se pro-

nuncia Alexandre Freitas Câmara: “A cláusula compromissória é, em verdade, um contrato

preliminar, ou seja, uma promessa de celebrar o contrato definitivo, que é o compromisso

arbitral.” (Arbitragem - Lei n° 9.307/96, Rio de Janeiro, Editora Lume Juris, 1997, p. 23). V.

ainda L.M. Uiraçaba Machado, “Juízo Arbitral - Comentários sobre a Lei n° 9.307/96”,

conferência proferida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 31 de outubro de

1996; J.C. Barbosa Moreira, “La nuova leggi brasiliana sull’arbitrato”, Rivista dell’arbitrato,

1997.1, em especial p. 5.

51 Todavia Carlos Nehring Netto considera que o compromisso é obrigatório mesmo na

arbitragem institucional: “En cas de différend, la partie demanderesse invitera l’autre, directementou par l’intermédiaire de l’institution contractuellement désignée, à signer un compromis en bonne et dueforme…” (“La nouvelle loi brésilienne sur l’arbitrage”, in L’arbitrage commercial internationalen Amérique Latine, op. cit., p. 11). Maruska Guerreiro Lopes, por sua vez, escreve que, se-

gundo a nova lei brasileira, “la mise en œuvre de l’arbitrage est toujours subordonnée à la conclusiondu compromis, même en présence d’une clause compromissoire, ce qui est regrettable” (“La nouvelle loibrésilienne sur l’arbitrage”, Dalloz Affaires, n° 37, 1997, p. 1.205, em especial p. 1.206).

52 Art. 6o, § 3° do novo Regulamento de arbitragem da CCI de 1998 que dispõe: “Si l’une desparties refuse ou s’abstient de participer à l’arbitrage et à tout stade de celui-ci, l’arbitrage a lieu nonobstantce refus ou cette abstention.”

53 Existe uma discussão sobre a possibilidade do acte de mission, previsto no art. 18 do novo

Regulamento de arbitragem da CCI de 1998, substituir o compromisso. Mesmo se na dou-

trina existem opiniões diversas (a favor de uma qualificação positiva do “ato de missão”

como compromisso v. Eric Loquin, nota sobre Cour d’appel de Paris, 1ere Ch. Civ., 28 de

74

fevereiro de 1980, Revue de l’arbitrage, 1980.538, e a posição contrária de Berthold Goldman,

nota sobre Cour de Cassation, Civ. 1ere, 6 de janeiro de 1987, Plateau des Pyramides, Journal deDroit International, 1987.638), a jurisprudência francesa parece ter limitado esta assimila-

ção. Assim, na ausência de cláusula compromissória, e tendo as partes assinado o acte demission, este vale compromisso (neste sentido Cour d’appel de Paris, 1ere Ch. Suppl., 19 de

março de 1987, Revue de l’arbitrage, 1987.498, nota L. Zollinger). No entanto, se uma das

partes contestar a existência da convenção arbitral, o acte de mission não pode ser considera-

do como compromisso (Cour de Cassation, Civ. 1ere, 6 de janeiro de 1987, Plateau des Pyramides,nota supracitada; Revue de l’arbitrage, 1987.469, nota Ph. Leboulanger). Desta forma, o actede mission só valerá compromisso que “dans la mesure où aucune contestation n’est soulevée quant àla compétence de l’arbitre” (J.-J. Arnaldez, “L’acte determinant la mission de l’arbitre”, Etudes

offertes à P. BELLET, op. cit., p. 23). Ver ainda R. Layton, “Changing Attitudes Toward

Dispute Resolution in Latin America”, 10 Journal of International Arbitration 123 (June 1993);

A. Kassis, Réflexions sur le Règlement d’arbitrage de la Chambre de Commerce Internationale, Paris,

LGDJ, 1988, p. 234; D. Arroyo.

54 R.J. Caivano, Arbitraje: su efficacia como sistema alternativo de resolución de conflictos, Buenos

Aires, AD HOC, 1993, p. 136.

55 Neste sentido J.B. Lee, “Le nouveau…”, op. cit., p. 207.

56 V. todavia a posição da Profa. Maristela Basso que entende que “não se exige mais como

condição de validade do juízo arbitral nacional a existência do ‘compromisso arbitral’ cele-

brado pelas partes” (“Lei nova revitaliza a arbitragem no Brasil como método alternativo-

extrajudicial de solução de conflitos de interesses”, RT, vol. 733, novembro 1996, p. 17). A

autora conclui que “a partir dessa Lei não se faz mais distinção entre cláusula arbitral e

compromisso, e tanto a primeira como o segundo são suficientes para constituir validamente

o juízo arbitral. Não há mais, portanto, a imprescindibilidade do compromisso arbitral”

(p. 19). Esta opinião é partilhada por Eduardo D. Gonçalves, no seu excelente trabalho

intitulado La libéralisation du droit de l’arbitrage au Brésil: mythe ou réalité?, Mémoire DEA de

Droit international privé, Paris II, 1997, p. 39.

57 A nova lei se alinha então à posição do Prof. Celso Barbi Filho: “a solução técnico-proces-

sual para o cumprimento compulsório da cláusula compromissória inadimplida é a sua exe-

cução específica, com vistas ao suprimento judicial da manifestação de vontade necessária

à instituição do juízo arbitral. E esse suprimento jurisdicional de vontade é que produzirá o

mesmo efeito do compromisso” (op. cit., p. 34).

58 A Dra. Selma M. Ferreira Lemes, membro da comissão de redação da nova lei, comenta

que: “In some instances, the Arbitration Bill is somewhat conservative, as for instance, in its requirementthat specific enforcement of the arbitral clause be sought before the Judiciary” [“Principles and

Characteristics of Brazil’s Bill on Arbitration”, 1 Focus Americas 21 (1993, n° 3)]. O Exmo.

Ex-Ministro do STJ Dr. Cláudio de Almeida Santos, ao comentar o processo de execução

específica da cláusula compromissória, afirma que: “A medida ainda não é a ideal, mas,

de qualquer forma quem firmar um pacto de futura arbitragem não poderá escapar dela,

75

salvo desistência desse juízo pela outra parte” (grifo nosso) (“Considerações gerais sobre a

arbitragem e seu reordenamento”, a ser publicado na Revista de Processo, n° 95).

59 H. Grigera Naón, “La ley modelo sobre arbitraje comercial internacional y el derecho

argentino”, La Ley, t. 1989-A, Sec. Doctrina, p. 1.034.

60 Assim se pronuncia o Secretário-Geral da Corte Internacional de Arbitragem da CCI,

Dr. Horácio Grigera Naón: “if it is understood that the court has to determine, before making the‘compromiso’ despite the unwillingness of one the parties, whether there is a dispute falling within thescope of the arbitral agreement, then it is also obviously implied that the courts is deciding for the arbitratorsif the dispute arises within the boundaries of their jurisdiction.” (“Arbitration in Latin America:

Overcoming Traditional Hostility”, 5 Arbitration International 144 (1989).

61 Art. 1.493, 2 do Nouveau Code de procédure civile francês.

62 J.B. Lee, “Le nouveau…”, op. cit., p. 208.

63 Esta afirmação é de difícil comprovação, pois é impossível recensear as cláusulas arbitrais

inseridas em contratos internacionais (A. Plantey, “Une politique générale de l’arbitrage

international est-elle possible?”, Bulletin de la Cour internationale d’arbitrage de la CCI, vol. 7,

n° 1, maio 1996, p. 16).

64 No Traité de l’arbitrage commercial international, Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e

Berthold Goldman, quando analisam as fontes da arbitragem comercial internacional, mais

especificamente as convergências das reformas legislativas realizadas pelos diferentes paí-

ses sobre a matéria, entendem que: “Le premier but de toutes ces réformes est d’assurer ou derenforcer l’efficacité de la convention d’arbitrage” (op. cit., p. 111). A reforma brasileira, ao optar

pela execução específica da cláusula compromissória, que tem como objetivo final a con-

clusão de um compromisso, não assegura contudo uma eficácia máxima da convenção de

arbitragem.

65 Sobre a questão v. O. Glossner, “Código de Ética para o Juízo Arbitral”, in Direito e Comér-cio Internacional. Tendências e Perspectivas. Estudos em Homenagem a Irineu Strenger, São Paulo,

LTr, 1994, p. 139; Ph. Fouchard, E. Gaillard e B. Goldman, op. cit., p. 575 e s.; Le statut del’arbitre, Bulletin de la Cour internationale d’arbitrage de la CCI, suplemento especial, 1995; Ph.

Fouchard, “Le statut de l’arbitre dans la jurisprudence française”, Revue de l’arbitrage,1996.325; S.M. Ferreira Lemes, “Árbitro: padrão de conduta ideal”, in Arbitragem - a nova leibrasileira (9.307/96) e a praxe internacional, op. cit., p. 243.

66 V. J.B. Lee, “Le nouveau…”, op. cit., p. 211.

67 V. as críticas formuladas no direito francês pelo Prof. Philippe Fouchard, em relação à

aplicação do art. 341 do Nouveau Code de procédure civile à recusa dos árbitros (“Le statut…”,

op. cit., p. 349 e s.).

68 Alexandre Freitas Câmara entende que esta equiparação permite “que o árbitro seja

76

vítima daqueles delitos que só podem ser cometidos contra o funcionário público, como a

corrupção ativa ou crime contra a honra qualificado por ser a vítima funcionário público, o

qual é caluniado, difamado ou injuriado em razão de suas funções” (op. cit., p. 49).

69 Ch. Jarrosson, La notion d’arbitrage, préface B. Oppetit, Paris, LGDJ, 1987, p. 104 e s.

70 H. Motulsky, Écrits. Études e notes sur l’arbitrage, préface B. Goldman e Ph. Fouchard,

Paris, Dalloz, 1974, p. 15. Neste mesmo sentido escreve Aclibes Burgarelli: “o juízo arbitral

não é Poder Judiciário e seus membros não são magistrados” (“Juízo arbitral. Instituto exis-

tente há 2000 anos”, Revista da Escola Paulista da Magistratura, n° 1, set.-dez. 1996, p. 52).

71 Ch. Jarrosson, op. cit., p. 103.

72 Já escrevia Berthold Goldman: “à moins de s’en tenir à la référence rationnellement injustifiableau système de rattachement du siège arbitral (et sans parler d’autres choix a priori, encore moins justifiableset plus difficilement applicables dans l’arbitrage inernational), comme le serait, par exemple celui dusystème de rattachement du pays dont l’arbitre unique ou le troisième arbitre est ressortissant), touterecherche d’un système de rattachement correspondant à la nature de l’arbitrage international débouchesur l’inéluctable nécessité d’un système autonome, et non national” (“Les conflits de lois dans l’arbitrage

international de droit privé”, Recueil des Cours de l’Académie de Droit International, Haia, tomo

109, 1963, p. 380).

73 A.T. Von Mehren, “To what Extent Is International Commercial Arbitration

Autonomous?” Le droit des relations économiques internationales: Etudes offertes à Berthold Goldman,

Paris, Litec, 1987, p. 217, em especial p. 222.

74 O Prof. Irineu Strenger ensina que: “A vontade das partes é…ao mesmo tempo elemen-

to essencial, porque suscita um procedimento arbitral, e sua fonte reguladora da lei proces-

sual e substancial” (Arbitragem Comercial Internacional, São Paulo, LTr, 1996, p. 94).

75 Ph. Fouchard, E. Gaillard e B. Goldman, op. cit., pp. 106-107. Mesmo as legislações que

adotam um sistema monista regulamentam esta questão. V. por exemplo art. 1.054 do C.P.C.

holandês.

76 V. Marota Rangel, “Brazil”, 3 Yearbook Commercial Arbitration 31 (1978), em especial

p. 41.

77 P.C. Pinheiro Carneiro, op. cit., p. 135.

78 Neste sentido se pronunciou o Instituto de Direito Internacional, na resolução de Ames-

terdã, em 1957, no relatório de Sauser-Hall: “Les règles de rattachement de l’Etat du siège

du tribunal arbitral doivent être suivies pour déterminer la loi applicable au fond du litige”

(Annuaire de l’Institut de Droit International, 1957.II.484). Esta posição também foi defendida

por F.A. Mann, “Lex Facit Arbitratrum”, Liber Amirocum Martin Domke, Haia, 1967, p. 157,

reproduzido no 2 Arbitration International 241 (1986).

77

79 Esta autonomia é limitada pela ordem pública e pelas leis de polícia.

80 É a solução da Convenção de Genebra de 21 de abril de 1961 sobre arbitragem comercial

internacional, art. VII, § 1° e do art. 29, § 2° da Lei Modelo da UNCITRAL. Na procura da

lei aplicável ao mérito através de uma regra de conflito, o árbitro pode adotar diversos

métodos: método cumulativo, método dos princípios gerais do Direito Internacional Priva-

do ou método da livre seleção de uma regra de conflito. Para um estudo sistemático destes

métodos v. M de Boisseson, Le droit français de l’arbitrage interne et international, Paris, GLN

Joly Éditions, 1990, p. 580 e s.; D. Moura Vicente, Da arbitragem comercial internacional. Direi-to aplicável ao mérito da causa, Coimbra, Coimbra Editora, 1990, p. 231 e s.; H. Grigera Naón,

Choice-of-law Problems in International Commercial Arbitration, Tübingen, J.C.B. Mohr, 1992;

Ph. Fouchard, E. Gaillard e B. Goldman, op. cit., p. 884 e s.

81 Dário Moura Vicente critica esta possibilidade e afirma que: “Na falta de escolha pelas

partes do direito aplicável ao mérito da causa na arbitragem comercial internacional, cabe

aos árbitros determiná-lo, de acordo com o que dispõem as normas de conflitos do estatuto

da arbitragem” (op. cit., p. 292).

82 A Índia, que promulgou o Arbitration and Conciliation Act 1996, também não difere arbitra-

gem interna da arbitragem internacional. No entanto, esta lei reconhece a especificidade

da arbitragem internacional e a define como sendo o processo implicando ao menos uma

parte estrangeira [seção 2 (f)]. Para um comentário desta lei v. J. Paulsson, “La réforme de

l’arbitrage en Inde”, Revue de l’arbitrage, 1996.597; F.S. Nariman, “La nouvelle loi indienne

sur l’arbitrage”, Bulletin de la Cour internationale d’arbitrage de la CCI, vol. 8/n° 1, maio 1997, p.

38.

83 A supremacia dos tratados internacionais sobre o direito interno é uma matéria contro-

vertida no direito brasileiro. Falta de dispositivo constitucional, a jurisprudência do Supre-

mo Tribunal Federal “se limita a dar o mesmo tratamento à lei e ao tratado, prevalecendo a

norma posterior…” (J. Dolinger, Direito Internacional Privado, Parte Geral, 3a edição, São

Paulo, Renovar, p. 103. V. também A.A. Mercadante, “A Processualística dos Atos Internacio-

nais: Constituição de 1988 e Mercosul”, in Contratos Internacionais e Direito Econômico noMercosul, coordenação de P.B. Casella, São Paulo, Ltr, 1996, p. 458. Todavia, a nova lei esta-

belece que os tratados internacionais serão aplicados prioritariamente sobre a lei interna,

quando do reconhecimento e da execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Por analogia,

esta interpretação deve ser extendida às convenções internacionais que tratam de outros

pontos da arbitragem.

84 Sobre a Convenção do Panamá ver Ph. Fouchard, “La Convention interaméricaine sur

l’arbitrage commercial international”, Revue de l’arbitrage, 1977.203; Ch. R. Norberg, “Ge-

neral Introduction to Inter-American Commercial Arbitration”, 3 Yearbook CommercialArbitration 1 (1978); A.J. Van den Berg, “L’arbitrage commercial en Amérique Latine”,

op. cit.; L. Kos-Rabcewicz-Zubkowski, “Les conventions interaméricaines sur l’arbitrage et

la commission interaméricaine d’arbitrage commercial”, Revue de l’arbitrage, 1983.411; U.G.

Pitti, “Ambito de aplicación del Convenio Interamericano sobre Arbitraje Comercial Inter-

78

nacional”, Revista de la Corte Española de Arbitraje, 1985.121; H. Caminos, “The Inter-American

Convention on International Commercial Arbitration”, 3 ICSID Review 107 (1988); A.J.

Van den Berg, “The New York Convention 1958 and Panama Convention 1975: Redundancy

or compatibilty?”, op. cit.; R.S. Belandro, Arbitraje Comercial Internacional, op. cit., p. 177; H.P.

Lowry, “The United States joins the Inter-American Arbitration Convention”, 7 Journal ofInternational Arbitration 83 (Sept. 1990); Ch. R. Norberg, “U.S. Ratification and

Implemenation of the Inter-American Convention: a Commentary”, 1 American Review ofInternational Arbitration 588 (1990); J. Jackson Jr., “The 1975 Inter-American Convention

on International Commercial Arbitration: Scope, Application and Problems”, 8 Journal ofInterantional Arbitration 91 (Sept. 1991). Para uma aplicação jurisprudencial da Convenção

do Panamá v. US Court of Appeals (second circuit), 18 de abril de 1994, Productos Mercantilese Industriales S.A. v. Faberge USA Inc., publicado no 19 Yearbook Commercial Arbitration 955

(1995); e os comentários de N. E. MacDonnel, “Obtaining Arbitral Awards under the Inter-

American Convention”, 50 Dispute Resolution Journal 19 (Jan. 1995) e de J.B.Lee na Revue del’arbitrage, 1996.553. V. ainda Progressive Cas. Ins. Co. v. C. A. Reaseguradora Nacional de Venezuela,

802 F. Supp. 1069, 1073 (S.D.N.Y.); Anderra Energy Corp. et Petro Anderra S.A. v. SapetDevelopment Corp., Chanse Petroleum Corp. et Kai Chang (3:94-CV-2683-P, N.D. Texas, Dallas

Div.) 10 International Arbitration Report 7 (Nov. 1995).

85 Ao contrário da Convenção de Nova Iorque de 1958, a Convenção do Panamá de 1975

não define o seu campo de aplicação, causando problemas de interpretação. Primeiramente

no que se refere ao problema da reciprocidade. A Convenção do Panamá não a exige, o que

implicaria na sua aplicação para todas as arbitragens e todas as sentenças arbitrais indepen-

dentemente de as partes serem ou não originárias de Estados partes da convenção ou se o

país onde a sentença arbitral for proferida seja também signatátio da mesma (neste sentido

ver Ph. Fouchard, “La Convention interaméricaine sur l’arbitrage commercial international”,

op. cit., p. 205; U.G. Pitti, “Ambito de Aplicación…”, op. cit., p. 123; F. Mantilla-Serrano,

“Nouvelles de l’Amérique Latine”, Revue de l’arbitrage, 1995.552, em especial p. 554). O

Prof. Albert J. Van den Berg considera contudo que a reciprocidade será aplicada pelos

tribunais dos países latino-americanos “in view of the traditional Latin American tendency toprotect national interests and to require reciprocity” (“The New York Convention 1958 and Panama

Convention 1975: Redundancy or compatibilty?”, op. cit., p. 221). O segundo problema

concerne à possibilidade da convenção se aplicar às sentenças anacionais proferidas dentro

do território nacional. Os tribunais americanos se manifestaram a favor desta aplicação (US

Court of Appeals (second circuit), 18 de abril de 1994, pré-citado). No caso de uma sen-

tença arbitral proferida no Brasil, a aplicação da Convenção do Panamá não apresenta inte-

resse prático, pois esta convenção prevê um processo de homologação da sentença arbitral,

processo este não mais exigido segundo a nova lei (art. 31) (neste sentido ver J.B. Lee, “Le

nouveau…”, op. cit., p. 222).

86 É o critério por exemplo adotado pela Loi Fédérale de Droit International Privé Suíça de

1987 que em seu artigo 176 adota um critério que se expressa pela necessidade de que no

momento da conclusão da claúsula arbitral ao menos uma das partes não tenha nem domi-

cílio nem residência habitual na Suíça.

79

87 C.A. Carmona, A arbitragem…, op. cit., pp. 27-28.

88 J.A. Tavares Guerreiro, Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, São Paulo, Sa-

raiva, 1993, p. 122.

89 P.ex. a Argélia, a Tunísia e a Costa do Marfim.

90 C.A. Carmona, A arbitragem no processo civil brasileiro, op. cit., p. 28. No mesmo sentido v. P.

Bellet e E. Mezger, “L’arbitrage international dans le nouveau code de procédure civile”,

Revue Critique de Droit International Privé, 1981.611, em especial pp. 617 a 619.

91 P. Bellet e E. Mezger, idem, p. 615.

92 Art. 455 bis CPC argelino. O texto em francês está reproduzido na Revue de l’arbitrage,1993.479 e o seu comentário por M. Issad, p. 377 na mesma revista.

93 A nova lei italiana de 5 de janeiro de 1994 adota o critério da nacionalidade ou da resi-

dência das partes, mas acrescenta que a arbitragem é internacional se uma parte substan-

cial da relação litigiosa se executa no estrangeiro (art. 832 do CPC italiano), o que poderia

representar um reconhecimento implícito da concepção econômica da internacionalidade.

94 “…la distinction arbitrage interne/arbitrage international constitue la summa divisio du droit del’arbitrage” (S. Crépin, Les sentences arbitrales devant le juge français, prefácio de Ph. Fouchard,

Paris, LGDJ, 1995, p. 12).

95 “…la spécificité de l’arbitrage international ne peut jamais être totalement éliminée” (Ph. Fouchard,

E. Gaillard e B. Goldman, op. cit., p. 106). Para um comentário da especificidade da arbitra-

gem no contexto do Decreto francês n° 81-500 de 12 de maio de 1981, v. Ph. Fouchard,

“Specificité de l’arbitrage international”, Revue de l’arbitrage, 1981.449.

96 No momento em que escrevo este artigo, o Supremo Tribunal Federal está julgando o

primeiro caso (SE n° 5.206) envolvendo a constitucionalidade da nova lei. Assim, no dia 8

de maio de 1997, o Ministro Sepúlveda Pertence considerou inconstitucional o parágrafo

único do artigo 6o e os artigos 7o, 41 e 42 da Lei n° 9.307/96, eliminando assim a execução

específica da cláusula arbitral, o que a torna completamente ineficaz. Trata-se, no entanto,

do primeiro voto pois o Ministro Nelson Jobim pediu vistas do processo. Esperamos que os

outros ministros se pronunciem a favor da constitucionalidade destes artigos e que a nova

lei não seja “mutilada” (para utilizar a expressão empregada pela Dra. Selma Ferreira Le-

mes, na sua comunicação no seminário “Investir au Brésil: Libéralisation, Ouverture et

Réformes”, realizado no dia 4 de junho de 1997, no Conseil National du Patronat Français).

97 R. David, L’arbitrage dans le commerce international, op. cit., p. 573.

80

Palestrante: PEDRO A. BATISTA MARTINS

Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2002

Tema: AS DECISÕES JUDICIAIS NO TOCANTE À LEI DEARBITRAGEM

Liberdade: Eis o temor da contracultura arbitral.

Não é sem reação que vemos reaparecer, fulgurante, o princípio da autonomia da vontade.

Se esse surgimento se justifica na medida do retorno do Estado as suas aptidões básicas e

necessárias, suas agruras resultam dessa mesma situação ou causa.

Órfãos do estatismo, seja por impertinência, misoneísmo ou insegurança, negam-se a en-

xergar o exaurimento da proteção social pela via do Estado–Providência. Com isso, tornam-

se incapazes de detectar o florescer de nova era pautada pela valorização do ser humano e

naquilo que lhe é mais profundo: a fraternidade, a solidariedade.

Em suma, como vítima do intervencionismo estatal, reclama efetiva e ampla participação e,

como usuário dos seus serviços, repele a inatividade do Estado.

O recuo da intervenção estatal, através da desregulamentação de vários setores de nossa

economia e da desestatização operada no seio dos entes corporativos, coaduna-se com essa

perspectiva social ao ampliar, conseqüentemente, o campo de atuação dos interesses parti-

culares.

Com essa abertura, ao cidadão foram conferidos maiores direitos e deveres, mas, sobretu-

do, assegurado-lhe ganho na liberdade.

Mas essa realidade, per se, não basta para clarear a visão turva daqueles que viveram suas

vidas sob o manto do estado-pai-de-todos. Apesar de insólita, essa falta de percepção às

conseqüências dos atos e fatos correntes não é de se estranha. A barreira psicológica não se

põe em razão do surgimento de nova hegemonia principiológica mas, sim, na convivência

com a liberdade.

Saber ser livre, ao que parece, é um dom. Se, por um lado, o conceito de liberdade se alarga

81

para açambarcar a privacidade e a intimidade (tidas como o moderno direito natural), de

outro, resistências persistem em aplicar esse princípio no campo da cidadania, da participa-

ção e da prestação.

Reduzindo o foco da questão à arena do acesso e administração da justiça, é transparente a

crise que os povos enfrentam nesse setor dos serviços públicos. Não obstante, a altiva

busca na solução desse grave problema social trilha, de tapa-olhos, o caminho estatal onde

as próprias instituições desaparelhadas seriam os veículos únicos para a viabilização desse

direito individual natural.

Nesse momento, ressalta aos olhos a inexperiência do indivíduo em administrar a própria

liberdade. Ademais, não há que se falar que é o Estado que está a impor essa solução, haja

vista a amplitude que hoje se confere à jurisdição, não mais vista somente pela ótica jurídi-

ca (estatizante), mas, também, pelo seu foco social (pacificação do conflito) bem como

pela publicização da justiça que se vislumbra.

De fato, há um nódulo de desconforto no trato da liberdade. Há, de resto, uma completa e

retrógrada mesmice que busca manter arraigada a velha cultura do Estado supridor dos

anseios da sociedade.

Está aí o obstáculo ao pleno implemento dos meios alternativos no Brasil, como a arbitra-

gem.

Este instituto tem, em sua essência, a tônica que está, inclusive, assegurada por lei ao

cidadão.

Esse espaço liberal é reserva legal de manifestação voluntária da vontade individual que o

regula, de acordo com o consenso, e se sobrepõe – e se contrapõe – ao poder estatal, justa-

mente por tratar-se de interesses disponíveis, renunciáveis in totum pelo cidadão.

Contudo, de bom alvitre salientar que a salvaguarda do direito à liberdade, na arbitragem,

está bem delimitada em seu escopo e não é princípio absoluto, pois cede aos interesses

maiores do Estado nos casos de violação dos princípios de ordem pública e dos direitos

indisponíveis.

Essa linha de distinção entre a liberdade e os direitos da sociedade se realça na vedação de

adoção desse instituto quando se tratar de questão de caráter indisponível ou nos casos em

que o ajuste é imposto via contrato de adesão.

Vê-se que a arbitragem une os valores da liberdade e os conceitos do Estado soberano.

Esse campo de liberdade se alia à garantia de confidencialidade e ao direito à privacidade,

elementos implícitos ao contemporâneo princípio do due process of law.

Informação é poder – que liberta ou aprisiona – daí estar elevada à categoria dos direitos

individuais elencados em nossa Constituição. Não é sem razão que a confidencialidade é

da própria natureza do instituto arbitral.

82

Entendemos que a rédea negativa da liberdade deve ser dosada com o grau de

hipossuficiência que envolve o indivíduo.

Se o conhecimento é suficiente e as forças são razoavelmente equilibradas, descabe inter-

ferência do Estado na regulamentação direta nas relações jurídicas privadas.

Já é momento de liberarmos a sociedade dos dogmas passados e paternalistas onde sobre-

pujava o Estado–Providência para que o indivíduo adentre, com direitos e deveres, o campo

da liberdade onde se aflora a autonomia da vontade. Até porque o Estado contemporâneo

desenvolve-se com a cidadania exercida por seus nacionais e a participação destes nos des-

tinos sociais, inclusive no que tange à administração da justiça.

A comunidade moderna não convive com a inatividade estatal e clama por maior participa-

ção, levando o Estado a exercer papel de supervisor das práticas cidadãs e a ampliar a dele-

gação dos poderes jurisdicionais.

As Decisões Judiciais sobre Arbitragem

Enquanto se eterniza no Supremo Tribunal a ultrapassada discussão sobre a pseudo-

inconstitucionalidade da arbitragem no Brasil1, a sociedade, os estudiosos e o próprio Poder

Judiciário não se cansam de apoiar a prática do instituto no Brasil.

Em recente pesquisa junto às instituições brasileiras de arbitragem, divulgada pelo Conse-

lho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA, foram registradas

885 arbitragens comerciais e 13.463 arbitragens trabalhistas, de 1999 a março de 20012.

Em linha com tais dados, somam-se centenas de artigos, conferências, cursos e livros

disponibilizados aos interessados, em conseqüência da nova roupagem jurídica dada à arbi-

tragem pela Lei no 9.307/96.

Paralelamente, várias questões quanto à interpretação e à eficácia da Lei Marco Maciel

foram postas à prova perante o Poder Judiciário.

E esse é um dado de extremo relevo, pois, ao mesmo tempo em que demonstra a crescente

demanda por essa modalidade de resolução de conflito, essa análise pelo órgão estatal tam-

bém conduz a um conforto jurídico no emprego do instituto.

E, a bem da verdade, o Judiciário não se tem furtado a sustentar a melhor doutrina arbitralista.

Com efeito, as decisões judiciais têm dado guarida às eficácias positiva e negativa da cláu-

sula compromissória3.

A marcante sistemática jurídica com que essa cláusula foi disciplinada na lei de arbitragem

não deixa qualquer margem de dúvida ao operador.

83

Constando do contrato essa espécie de convenção, deverão as partes submeter-se, sine quanon, ao juízo arbitral.

O requerimento de invalidade da cláusula compromissória é rechaçado pela justiça comum

com a extinção do processo, sem julgamento do mérito (efeito negativo).

De outro modo, renitente uma das partes em instituir a arbitragem, a cláusula compro-

missória opera seus efeitos positivos, cabendo ao juízo togado concretizar a vontade do

credor. Conseqüentemente, a decisão judicial de primeira instância, de natureza constitutiva,

remeterá as partes ao juízo arbitral.

Aqui, uma particularidade: a instituição do tribunal arbitral pode ser opcionalmente efeti-

vado pela própria entidade arbitral indicada pelas partes.

Isso mesmo! Constando disposição expressa no regulamento, é o órgão escolhido pelas

convenentes competente para instaurar o processo arbitral, independentemente da ausên-

cia ou renitência de uma das partes.

O cotejo dos artigos 5º, 6º e 7º da Lei no 9.307/96 demonstra que a ação para cumprimento

de obrigação de fazer (i.e. instituir a arbitragem), exposta no art. 7º, é de caráter supletivo.

Há de ser acionado nas peculiariedades da cláusula compromissória branca4.

Também a sentença arbitral tem sido encarada pelo Judiciário nos seus exatos e extensos

limites. Tem a natureza de ato jurisdicional e, conseqüentemente, produz os mesmos efei-

tos de uma decisão judicial.

Várias são as decisões judiciais que extinguem o processo pela existência de sentença arbitral

proferida, inclusive quando em disputa trabalhista.

Mesmo aquelas de função mandamental hão de ser acatadas, como as que determinam a

liberação do FGTS do empregado cuja rescisão do vínculo laboral foi resolvido por arbitra-

gem. Ocorrendo descumprimento pela Caixa Econômica da determinação exarada na sen-

tença arbitral, pode o prejudicado valer-se de mandado de segurança para a defesa de seu

direito líquido e certo5.

No tocante à vetusta discussão quanto à imperatividade da chancela da decisão arbitral

pelo órgão estatal do País de origem, o Pleno do Supremo Tribunal já se manifestou unani-

memente pela desnecessidade do chamado “duplo exequatur” das sentenças arbitrais es-

trangeiras6.

Também o Supremo Tribunal, confirmando os efeitos processuais da cláusula

compromissória, já decidiu por seu Pleno pela incidência imediata da Lei no 9.307/96, nos

casos pendentes de julgamento7.

Por fim, na seara do direito público, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito

Federal, pelo lúcido voto condutor da então desembargadora Nancy Andrighi, fortaleceu o

84

campo de arbitrabilidade das disputas ao decidir pela validade da cláusula compromissória

inserida em contrato administrativo de prestação de serviços de adaptação e ampliação da

Estação de Tratamento de Esgotos de Brasília, firmado com a Companhia de Água e Esgoto

local8.

Tal decisão se ajusta à jurisprudência do Supremo Tribunal e do Superior Tribunal de Jus-

tiça, que pôs por terra a tese da imunidade absoluta de jurisdição dos entes de direitos

públicos.

Notas

1 No momento, seis x dois a favor da constitucionalidade, restando três votos para o térmi-

no do julgamento.

2 A mediação também tem registrado elevação nos índices de utilização. Foram 7.164 me-

diações de natureza comercial, 2.100 de origem trabalhista e 638 de natureza diversa. Res-

salte-se que tais registros servem como fotografia preliminar da evolução dos institutos da

mediação e da arbitragem, carecendo de reanálise mais profunda e acurada.

3 Ambas as eficácias já foram testadas em juízo, sendo mais freqüentes, por tradição do

instituto, as disputas que procuram afastar a jurisdição togada em favor da convencional

(efeito negativo) cf. Autos 3.521 e 3.237/99, 27ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo,

Tasa Participações Ltda.

4 5ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Ag. Inst. no 124.217.4/0, Renault do Brasil S/A. Na

mesma linha, o voto do Min. Nelson Jobim no AgReg em Sentença Estrangeira 5.206/7,

Reino da Espanha.

5 MS no 2000.61.00.013042-5/024, 24ª Vara Federal de São Paulo, liminar concedida em

27.04.2000.

6 Sentenças Estrangeiras Contestadas nos 5.828-7 (Reino da Noruega – D.J. 23.2.2001) e

5.847.1 (Reino da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte – D.J. 17.12.1999).

7 Sentenças Estrangeiras Contestadas ns. 5.378-1 (República Francesa – D.J. 25.2.2000) e

5.847-1 (cf. nota 6).

8 MS 1998002003066-9, D.J. 18.08.1999.

85

Palestrante: SELMA LEMES

Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2002

Tema: ARBITRAGEM APLICADA – ARBITRAGEMINSTITUCIONAL E AD HOC

Discorrer sobre a arbitragem aplicada revela-se tema de muita oportunidade em um

evento como esse, em que a platéia vem em busca de informações objetivas e práti-

cas, no afã de incorporar a arbitragem na sua labuta diária ou pelo menos para conhecer este

antigo e ao mesmo tempo novo instituto jurídico. Antigo, pois desde tempos remotos a

arbitragem é utilizada, haja vista ser predecessora da Justiça Estatal. E nova, pois foi com o

advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem – LA), que passou

a ser impulsionada e definitivamente incorporada como uma nova ferramenta de solução

de controvérsias extrajudiciárias, considerando seus conceitos inovadores, conferindo-lhe a

garantia jurídica necessária à sua utilização.

Iniciando, cumpre-nos expor a fotografia de um quadro que retrata todas as fases de uma

arbitragem, desde a estipulação de uma correta cláusula arbitral até a prolação da sen-

tença arbitral. Ao final, exporemos quadro estatístico da Câmara de Mediação e Ar-

bitragem de São Paulo, que funciona no Centro e Federação das Indústrias do Estado

de São Paulo – CIESP/FIESP (Regulamento FIESP), nos seus sete anos de existência

(www.camaradearbitragem.org.br).

Encontramos a definição de arbitragem na doutrina e sob a pena de René David anotamos

que “A arbitragem é uma técnica que visa dar a solução de uma questão, que interessa às relações entreduas pessoas, por uma ou mais pessoas – o árbitro ou os árbitros – que detêm os seus poderes de umaconvenção, sem serem investidos dessa missão pelo Estado”.

No artigo 1º da LA está disposto que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitra-gem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Dois conceitos vitais para a

arbitragem defluem deste dispositivo: a arbitrabilidade objetiva e a arbitrabilidade subjeti-

va. A primeira, refere-se a direitos patrimoniais disponíveis, somente bens que possam ser

transacionados, que possam ser livremente dispostos em contratos podem ser suscetíveis

de serem solucionados por arbitragem. A segunda, a arbitragem subjetiva, refere-se à capa-

cidade em se submeter à arbitragem, ou seja, somente as pessoas capazes de contratar

podem valer-se da arbitragem.

86

O art. 3º da LA traz um conceito novo, qual seja, o da Convenção de Arbitragem. Assim, a

Convenção de Arbitragem é considerada gênero e a cláusula de arbitragem e o compromis-

so arbitral espécies.

Para que tenha curso um procedimento arbitral é necessário que as partes, ao firmarem um

contrato, estabeleçam que as controvérsias oriundas daquele contrato sejam, no futuro,

quando surgir, solucionadas por arbitragem. Isto é, as partes devem estipular no contrato a

convenção de arbitragem, ou melhor, a cláusula arbitral, tal como disposto no artigo 4º da

Lei de Arbitragem. Igualmente, a cláusula de arbitragem pode ser estipulada em docu-

mento apartado ou, surgida a controvérsia e não existindo cláusula compromissória, haven-

do consenso das partes, firmarem (as partes) o Compromisso Arbitral (art. 9o da LA).

A cláusula compromissória ou cláusula arbitral, para que a arbitragem seja instituída sem

percalços, deve ser da modalidade cheia ou completa, ou seja, que esteja redigida de ma-

neira que seja identificável a vontade das partes em se submeter a arbitragem, indicando

uma instituição arbitral que administrará o processo, podendo se valer da cláusula-tipo

redigida e sugerida pela instituição de arbitragem, ou dar a redação que desejar, mas indicar

corretamente a instituição nomeada, local e onde está localizada.1

Também, se optarem pela arbitragem ad hoc, a cláusula arbitral deve prever necessariamen-

te a forma de indicação de árbitro ou árbitros (tribunal arbitral) e de forma sintética, mas

clara, como dar início ao procedimento, prazos iniciais; enfim, as disposições mínimas e

imprescindíveis para que as partes, surgida a controvérsia, não precisem valer-se da ação

judicial para instituição da arbitragem, tal como disposto no art. 7º da LA, que se aplica para

a cláusula arbitral vazia, ou seja, aquela que não esclarece a forma de iniciar a arbitragem e

como indicar árbitros. Este conceito já está firmado pelo STF.

Para operacionalizar a arbitragem podemos entregar a administração do processo a uma

instituição arbitral que perfilhará o procedimento estabelecido no seu regulamento (arts.

5º,13, § 3º e 21 da LA). Por sua vez, a arbitragem ad hoc, é aquela em que as próprias partes

fixam as regras procedimentais a serem observadas pelas partes, para aquele caso específi-

co, em que não haverá a administração de nenhuma instituição ou Câmara Arbitral.

Na arbitragem institucional, as Câmaras e Centros de Arbitragem, muitas vezes possuem

regulamentos de arbitragem convencional e geralmente utilizado (prazo mais extenso,

geralmente ao redor de quatro meses, mas que observa com mais conforto a possibilidade

de defesa e contraditório) e a arbitragem expedita, que como o próprio nome reporta, é

a arbitragem rápida, fast track, em que alguns procedimentos, em nome da rapidez impos-

ta, são deixados de lado (mas isto não significa que as partes não tiveram a oportunidade de

exercer seu direito de defesa), e que geralmente trabalham com prazo de 60 dias.

Na escolha e indicação de uma arbitragem institucional convém sempre, ao se estar redi-

gindo um contrato, verificar a instituição quanto ao seu grau de idoneidade e profissionalismo

(credibilidade da instituição), as peculiaridades de seu regulamento quanto à forma de

indicar árbitros, prazos, etc.

87

A seguir, ao discorrermos sobre a arbitragem institucional, tomaremos como exemplo uma

arbitragem processada sob a égide do regulamento de arbitragem da Câmara de Mediação

e Arbitragem de São Paulo, que funciona no Centro e Federação das Indústrias do Estado

de São Paulo – CIESP/FIESP (Regulamento FIESP).

Poder-se-ia dizer que na arbitragem institucional temos três fases distintas do procedi-

mento. A primeira, seria a Fase Prévia, que consiste na apresentação do caso à instituição

e que se revela como providência das partes. O Regulamento FIESP estabelece que pode

ser individual ou as partes em conjunto e se trata de uma simples correspondência

endereçada à Câmara com indicação de todos os dados para intimar a outra parte (pessoa

para contato, endereço, telefone e e-mail). Caso seja a correspondência firmada por todas

as partes, estas podem indicar os possíveis árbitros e substitutos (informar qualificação,

end., fone/fax, e-mail). As partes devem anexar uma cópia do contrato, esclarecer a contro-

vérsia (simples resumo), notando que não se trata de uma petição inicial e, portanto, não

deve antecipar os argumentos, bem como recolher uma Taxa de Registro que variável em

razão do valor da demanda, que pode ser de R$ 500,00 a R$ 3.000,00.

A seguir, a Câmara verificará prima facie a existência da Cláusula Arbitral, isto é, se realmen-

te tem competência para auxiliar as partes na administração do processo arbitral, se está

perfeitamente esclarecido na cláusula contratual que aquela é a instituição arbitral eleita

para administrar o processo. Após, expede solicitação individual às partes intimando-as a

indicar árbitros e substitutos em 15 dias (art. 2.2 do Regulamento FIESP), encaminhando

anexa a relação de árbitros da Câmara para possível indicação. Este procedimento é adota-

do seja para a composição de tribunal arbitral ou de árbitro único.

Ao receber a indicação de árbitros a Câmara encaminha-lhes um questionário para aferir a

independência do árbitro e suplente, e que é enviada por fax, com dois dias para responder.

A Câmara avaliará o documento e, se for o caso, dará ciência para as partes, quando exista

qualquer possibilidade de um árbitro vir a ser recusado, mesmo que possa não ser relevan-

te, esse fato deve ser do conhecimento de todos, para que decidam se seria caso de objetar

a indicação. Existindo qualquer fator impeditivo, automaticamente, a Câmara solicita que

a parte indique outro árbitro, ou poderá mantê-lo, a seu juízo (mas geralmente não haven-

do consenso quanto ao fator impeditivo a Câmara solicita que a parte efetue outra indica-

ção). Em seguida, ele assina um Termo de Independência em que se responsabiliza civil e

penalmente por suas informações.

Atente-se que o árbitro está adstrito ao código de ética estabelecido na LA, art. 13 § 6º,

devendo ser independente, imparcial, discreto, competente e diligente. O próprio advoga-

do, as partes, podem consultar a pessoa a ser indicada, só que essa pessoa que vai ser

consultada, para ser o provável árbitro indicado no documento comum apresentado à Câ-

mara ou, posteriormente, no mencionado prazo de 15 dias, não pode fazer nenhuma avali-

ação prévia do caso. Tem que escutar a explanação do caso, a controvérsia, mas não pode

dizer: “Olha, eu estou entendendo que o seu cliente tem razão”. Esse provável árbitro já

não poderá atuar como árbitro. Ele não pode fazer nenhum julgamento prévio da questão.

88

Estará impedido de atuar, pois já efetuou um pré-julgamento da questão. Quando se esti-

ver consultando o provável árbitro não se deve solicitar a opinião dele a respeito da contro-

vérsia. Esses princípios devem ser observados, pois na instituição arbitral ele responderá ao

mencionado questionário, sendo-lhe indagado “se ele expressou alguma opinião prévia so-

bre o assunto para as partes? se ele conhece aquela parte? se tem algum envolvimento

profissional com ela? se ele tem interesse na controvérsia? se ele já atuou como consultor

daquela parte ou de uma empresa que aquela parte integra?” Note-se, ademais, que depois

da indicação do árbitro e sendo ele investido, inclusive exarando sua aceitação, nenhum

contato direto deve ser efetuado com ele. Nós temos um caso de uma arbitragem – nesse

caso eu estou atuando como advogada –, e o árbitro está fazendo uma viagem, e nessa

viagem ele poderia hospedar-se num hotel que pertence a uma das partes na arbitragem.

O árbitro, brincando, falou na reunião: “Estou indo para tal lugar, mas tomei o cuidado de

não ficar no seu hotel”. Essas pequenas coisas, parecem insignificantes mas não são. Nós

sabemos que não são, porque a questão da independência, da imparcialidade, tem que ser

muito preservada.

Voltando à nossa questão. Esses 15 dias para indicar é prazo comum para árbitro e substitu-

to. Veja que estamos sempre falando de Tribunal Arbitral, mais de um árbitro; cada parte

indica o seu árbitro e os dois lados indicam um terceiro. Mas, também, podemos trabalhar

com a arbitragem com árbitro único e as partes vão ter que entrar em acordo com a indica-

ção desse árbitro e o substituto (art. 2º do Regulamento FIESP).

Após essas providências pregressas e estando tudo certo esse árbitro é considerado aceito.

Neste momento é que está instituída a arbitragem, consoante disposição legal (artigo 19).

Os dois árbitros nomeados indicarão o presidente do tribunal arbitral, que se submeterá ao

citado processo verificador da Instituição.

Observamos que o não comparecimento de uma parte para instituir a arbitragem, numa

arbitragem institucional, não é elemento para obstar o curso da arbitragem, porque os regu-

lamentos estabelecem que se a parte não comparecer a instituição nomeia árbitro em nome

dela e o processo continua. Note-se que não estamos diante da revelia do processo judicial.

A parte ausente será durante todo o processo, mesmo que ela não compareça, intimada.

Receberá todos os documentos. Neste ponto reside uma sutil peculiaridade das institui-

ções arbitrais. Estas devem proceder de modo que todos os documentos que são enviados

à Câmara pelas partes, por exemplo, num Tribunal Arbitral de três árbitros, devem ser em

cinco vias; todos os documentos em cinco vias, porque todo mundo recebe tudo, inclusive

a parte que não está comparecendo à arbitragem.

Conforme salientado acima, não há de se falar aqui da instituição da arbitragem pelo artigo

7°, que regula a cláusula arbitral vazia. Quando estamos diante de uma cláusula arbitral

institucional é uma cláusula arbitral cheia. Deve-se dirigir à instituição arbitral, que dará

início ao procedimento. Caso a parte abstenha-se de indicar árbitro, a instituição indicará.

Está disposto nas regras do regulamento da instituição que ela aceitou ao assinar o contrato.

Em seguida entramos na segunda fase, denominada de Fase Secundária, que é a da ela-

89

boração do Termo de Arbitragem. Nós temos, digamos assim, duas partes na arbitragem

que são as mais delicadas em termos de constituição: a indicação dos árbitros e a redação do

Termo de Arbitragem, em que as partes devem delimitar a controvérsia, em que irão

exteriorizar para os árbitros o que eles terão que resolver. Como vocês sabem, o princípio da

autonomia da vontade prepondera na arbitragem. As partes têm a liberdade de dizer tudo;

de escolher o árbitro, de escolher as regras a serem observadas, etc. É nesse documento,

Termo de Arbitragem, que as partes podem efetuar alterações no regulamento em termos

de prazos e tudo mais o que seja oportuno e que não diga respeito à norma imperativa. Na

elaboração desse documento participam as partes, advogados, árbitros, que recebem a mi-

nuta do Termo elaborado pela instituição.

Nós sabemos que na arbitragem não é obrigatória a figura do advogado, mas é muito raro ter

uma arbitragem sem advogado, a não ser em arbitragens de pequenas causas ou trabalhis-

tas, mas geralmente há a indicação de advogado nomeado pela instituição, como ocorre no

Conselho Arbitral do Estado de São Paulo – CAESP (www.caesp.org.br). A experiência tem

mostrado que a figura do advogado é fundamental, pois sem a presença desse profissional

as partes fazem muita confusão, dificultam o trabalho da instituição e trazem fatos

irrelevantes para a instrução da causa. É sempre aconselhável a presença do advogado.

No Termo de Arbitragem haverá a descrição e delimitação da controvérsia, o que as partes

pedem. Os árbitros ao verificarem a minuta elaborada pelas partes, às vezes, fazem

complementações e pedem esclarecimentos, pois entendem que não está claro o que eles

devem resolver e retificam o documento, que ao final é assinado por todos, árbitros, su-

plentes e partes, além de duas testemunhas devendo constar a qualificação das partes, o

nome do presidente do Tribunal Arbitral, dos árbitros, o local em que será proferida a

sentença arbitral, autorização para os árbitros decidirem por eqüidade, etc. Esta é uma

característica muito interessante na arbitragem. Os árbitros não estão jungidos à letra da

lei, se assim autorizarem as partes. O que queremos dizer com isso? Que elas podem auto-

rizar os árbitros a decidir por eqüidade, resolver a questão de acordo, com o seu real saber e

entender, podendo mitigar os efeitos da lei. Esta é uma característica importante da arbi-

tragem; nós já temos arbitragens sendo solucionadas por eqüidade, por princípios gerais de

direito, que mitigam os efeitos por lei. Continuando, o objeto do litígio; o seu valor aproxi-

mado; responsabilidade pelo pagamento das custas processuais, honorários dos árbitros e

peritos. Neste documento deve estar tudo esclarecido, sendo que as partes podem estabe-

lecer que cada parte assuma suas custas, que cada parte vai fazer o pagamento dos honorá-

rios de seus advogados, ou que o tribunal arbitral decida a respeito. Os regulamentos in-

cluem disposições sobre os pagamentos de custas, mas as partes podem esclarecer de modo

diferente quanto à sucumbência. No final da decisão arbitral e, também, de acordo com o

que foi estabelecido pelas partes, é efetuada a verificação e o rateio das custas, pagamento

por quem de direito.

Consoante o Regulamento FIESP, no momento da assinatura do Termo da Arbitragem ha-

verá o recolhimento da taxa de administração para a Câmara. Duas taxas são devidas à

Câmara. A taxa de registro já mencionada e a taxa de administração equivalente a 2% do

valor da causa e que nunca poderá ultrapassar R$ 50 mil. A título de exemplo e comparação

90

note-se que no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, em São Pau-

lo, é fixado o valor de R$ 2 mil, para cada parte durante o período da arbitragem. Observe-

se que estamos tratando de instituições arbitrais voltadas para a área comercial e os valores

são mais altos. Mas temos sempre que analisar a relação custo/benefício da arbitragem,

porque o que é mais caro na arbitragem, o que realmente pesa, é a questão dos honorários

dos árbitros, que geralmente são fixados a razão de R$ 350,00 a hora e solicita-se um adian-

tamento de 100 horas para cada árbitro. Geralmente as arbitragens, mesmo complexas,

dificilmente ultrapassam 100 horas.

Nós tivemos a primeira fase, aquela Fase Preambular referente à constituição do Tribunal

Arbitral, a fase de escolha dos árbitros. A segunda fase, a Fase Secundária de redação do

Termo de Arbitragem. Passemos, então à terceira fase, a Fase Tribunal Arbitral Consti-

tuído, oportunidade de as partes apresentarem a suas razões e provas.

Inicia-se com uma audiência preliminar. É dispositivo que tem nos regulamentos, mas é

opcional e presta-se para um contato prévio entre os árbitros, as partes e advogados. É uma

reunião informal. Por exemplo, se delibera a respeito de provas, se delibera a respeito de

como vão proceder, que documentos em idioma estrangeiro não precisam ser vertidos para

o português, pois todos os árbitros possuem conhecimento desse idioma, ou que efetuarão

tradução simples, e demais providências de caráter prático. Essa audiência mostra-se mui-

to profícua também do ponto de vista psicológico, pois demonstra às partes e advogados a

informalidade e singeleza do processo, que colaboram para sua celeridade. Não se verifica

o formalismo do Judiciário, rompem-se resistências, as pessoas ficam mais à vontade, sem

que com isso represente a não observância dos princípios e normas legais atinentes.

Depois dessa audiência o que acontece? Início da apresentação da demanda. No Termo da

Arbitragem já foi esclarecido que a partir da sua assinatura as partes terão dez dias para

apresentar suas alegações. Este prazo é comum para ambas as partes. A instituição recebe

as razões e documentos das partes – e veja, como é importante estarmos trabalhando com

instituição arbitral idônea, uma instituição arbitral que tenha profissionalismo e compe-

tência –, se uma das partes antecipou e protocolizou as suas alegações no oitavo dia, a

instituição não vai mandar para a outra parte a alegação dela, para a réplica. A instituição de

arbitragem espera completar o prazo comum e a outra parte protocolizar suas alegações e

documentos, para, então, encaminhar em prazo comum, para que as partes apresentem

suas considerações posteriores (réplicas). Isso é muito importante de ser observado na

prática, a instituição arbitral trabalhar com profissionalismo e respeitar a igualdade de tra-

tamento das partes; é fundamental. Em seguida, os árbitros deliberarão a respeito das pro-

vas, perícias, agendamento de reunião para oitiva de testemunhas, etc. Há arbitragens que

não demandam provas suplementares, como por exemplo, quando se trata de o tribunal

arbitral decidir sobre a interpretação contratual. Neste caso, imediatamente após conce-

dem o prazo para as alegações finais das partes e ditam a decisão, em seguida. A sentença

arbitral deve ser líquida. Deve, portanto, ter todos os requisitos para ser cumprida, esclare-

cendo quanto à procedência ou improcedência, valor a ser pago, como, incidência de juros,

etc. Divulgada a sentença arbitral para as partes, estas terão cinco dias para solicitar escla-

recimentos (“embargos declaratórios”) e, após, estará encerrada a instância arbitral.

91

Discussões posteriores serão levadas ao Judiciário, por meio da ação de anulação, se for o

caso de estarem presentes os motivos relacionados taxativamente no art. 32 da LA. Em

seguida à prolação da sentença arbitral a instituição efetuará o levantamento das custas

processuais, verificará se há valores a serem ressarcidos às partes ou pagamentos suplemen-

tares, adequando-os ao decidido na sentença arbitral.

Conforme mencionado, antes de finalizar nossa explanação, trazemos aos senhores dados

estatísticos da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, que funciona junto ao

Centro e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – CIES/FIESP, à qual contribuí-

mos com a sua instituição e com a redação dos estatutos e regulamentos e exercemos o

cargo de diretora por sete anos. Ontem, em palestra realizada na Câmara de FIESP, em São

Paulo tivemos a oportunidade de expor o que segue. Mas antes, para concluir, devemos

observar que é muito comum a indagação de como proceder: arbitragem institucional ou adhoc? Evidentemente a melhor solução é avaliar a situação do caso, no momento da discussão

e redação do contrato. Quando se trata de arbitragens entre empresas ou de outros tipos

em que o relacionamento das partes é bom, pode-se propor a arbitragem ad hoc, pois os

custos seriam minimizados. Mas a cláusula de arbitragem deve ser bem redigida e estar

completa, para facilitar a instauração da arbitragem e evitar a necessidade de socorrer-se do

Judiciário (art. 7º da Lei de Arbitragem), conforme anteriormente observado. As partes

podem até seguir o regulamento de uma instituição arbitral, mas o processo será inteira-

mente administrado pelas próprias partes e árbitros. Por sua vez a arbitragem institucional

tem a vantagem de oferecer uma estrutura já montada e com pessoas habilitadas no trato

da questão. Com efeito, nesta fase da arbitragem no Brasil recomenda-se a arbitragem

institucional; sem, contudo, poder afirmar que uma é melhor que a outra. Ambas as formas

de operacionalizar a arbitragem são úteis e se prestam para solucionar as controvérsias.

Vejamos, agora, os dados estatísticos anunciados. A Câmara de Mediação e Arbitragem da

Fiesp existe desde 1995. Portanto, antes da vigência da lei, que é de 1996 (Lei nº 9.307, de

23.09.96). De maio de 1995 até setembro de 1996, só tivemos dois casos apresentados na

Câmara: uma mediação internacional, que não logrou êxito e, também, uma arbitragem,

em contrato com cláusula compromissória. A lei anterior não concedia o efeito vinculante à

cláusula compromissória, ou seja, não tinha o condão de obrigar a parte a instituir a arbitra-

gem. A outra parte simplesmente não compareceu e a arbitragem não foi adiante. A pri-

meira arbitragem foi apresentada em 1998. Em 1999 houve quatro casos, em 2000/2001

cinco em cada ano e em 2002 6 casos, perfazendo o total de 21 casos.

Valores envolvidos nas demandas que foram submetidas à arbitragem na Câmara: O menor

valor foi de R$ 18 mil. O maior valor R$ 70 milhões. A média, portanto, foi R$ 4,9 milhões

e o total já discutido na instituição gira em torno de R$ 104 milhões.

Tipos de controvérsias levadas à instituição: dissolução da sociedade, construção de planta

industrial, divergência com interpretação de contrato, construção de uma indústria no Bra-

sil de uma empresa multinacional, divergência quanto à execução de contrato, alienação de

participações societárias, seguros, lucros cessantes, locação e comodato, serviços

terceirizados, representação comercial, contratos de empreitada, consórcios, etc. Observe-

92

se que a descrição é genérica, pois se tem que zelar pela confidencialidade das questões

discutidas. Esse é um problema por um lado e, por outro, um benefício. É um benefício no

sentido de que as partes mantêm a privacidade e confidencialidade desejáveis no processo

arbitral. Há casos, por exemplo, de discussões entre empresas que têm ações no mercado.

Uma divulgação ampla do que está acontecendo, um litígio, isso prejudica a empresa. Sob

essa ótica, o sigilo é muito importante. Mas, pela ótica acadêmica e científica, isso é ruim.

Por que o que precisamos? Queremos saber de números, queremos conhecer os casos,

queremos formar a jurisprudência arbitral, como acontece no âmbito internacional. A juris-

prudência arbitral é fundamental. Ela não tem nenhum efeito vinculante, mas serve como

paradigma e contribui para a fixação de conceitos afeitos ao direito arbitral e ser importante

norte orientador. No âmbito internacional vamos verificar, freqüentemente, decisões da

CCI e de outros Centros de Arbitragem, invocando casos julgados em que questões simila-

res foram decididas. Os regulamentos das instituições de arbitragem geralmente possuem

previsão de divulgação da essência dos julgados, sem identificação das partes.

Indicação de árbitros. O regulamento determina 15 dias para indicar o árbitro. Mas com

processo de aferição e verificação do árbitro, o que se observa na prática, é que o prazo

entre a propositura da demanda e a indicação de árbitros pelas partes, quer dizer, o árbitro

foi aceito, houve um interregno de 37 dias, em média.

Indicação prévia pelas partes. Houve dois casos em que as partes deram início à arbitragem

em comum, isto é, as partes firmaram documento conjunto e já indicaram os árbitros.

Indicação de árbitro pelas partes: A Câmara em cinco casos indicou árbitros pelas partes,

inclusive quando a parte foi revel.

Prazo entre a constituição do Tribunal Arbitral e assinatura do Termo de Arbitragem. Con-

forme mencionado anteriormente são as duas fases em que a arbitragem demora um

pouquinho, que é a parte de escolha dos árbitros e, depois, a parte, quando já constituído o

Tribunal Arbitral, assinatura do Termo que é a de delimitação da controvérsia, aquele docu-

mento que também demora um pouco, em face da divergência das partes. Vejam, o menor

prazo obtido na Câmara foi de 10 dias. Era uma arbitragem em que as partes estavam com

pressa e os advogados eram competentes e práticos. Isso é importante de ressaltar: o advo-

gado que vai trabalhar com arbitragem tem que ter sempre em mente que está priorizando

o tempo, não é para levantar fatos ou questões que obstaculizam o processo, porque a

arbitragem não se presta para isso; se foram para a arbitragem é porque querem resolver a

questão com celeridade e justiça. O que queremos dizer é que não temos o antagonismo

das liças forenses, o advogado dever estar ciente que o processo arbitragem é diferente.

Então vejam, em dez dias tínhamos um Termo de Arbitragem assinado. O que mais demo-

rou foi 134 dias. Portanto, a média é de 69 dias.

Prazo entre a assinatura do Termo de Arbitragem e a Prolação da Sentença Arbitral. Apre-

sentação das alegações, manifestações e provas: o menor prazo foi 120 dias. O maior prazo

foi um ano e um mês. Portanto, a média para termos a sentença arbitral prolatada foi de

sete meses. Evidentemente que estamos falando de questões que demoraram sete meses;

93

poderiam ser mais céleres? Sim. Nós tivemos uma arbitragem recentemente versando so-

bre questão complexa de seguros que durou quatro meses. Mas, o que estamos demons-

trando no momento é a média verificada.

Acordos: É interessante notar o seguinte. Do ponto de vista prático, no momento em que

as partes vão ter que redigir aquele Termo de Arbitragem, delimitar a controvérsia, o que

tem demonstrado a experiência é que nesse momento da instalação da arbitragem ou então

logo em seguida, começa a ficar um pouco diferente a situação das partes. Por quê? Porque,

de repente, elas descobrem que a controvérsia não era tão grande assim, que têm tantos

outros elementos que são irrelevantes para aquele assunto. Discutem em comum e fazem

um acordo, que pode ser declarado por sentença arbitral ou simplesmente desistem con-

juntamente da arbitragem. Houve quatro casos de acordos, sendo entabulados em média

dois meses a partir da notificação da instauração da arbitragem e um caso no prazo de oito

meses, após a assinatura do termo de Arbitragem.

Finalizo agradecendo a atenção dos senhores, esperando que minha explanação tenha sido

útil, pois o objetivo foi o de trazer aspectos realmente práticos da arbitragem. Espero que

os senhores, após observarem esta fotografia de uma arbitragem, possam, em futuro próxi-

mo, deixar de ser expectadores para serem atores neste novo cenário que se apresenta para

os profissionais do direito, na certeza que estarão utilizando uma ferramenta útil, profícua

e justa de solução de litígios. Obrigada.

SR. JORGE MENDONÇA – Meu nome é Jorge Mendonça. A minha pergunta é de

ordem prática, mas um pouco ampla. Espero que a senhora tenha sensibilidade de enten-

der o que estou objetivando.

Qual seria o patamar, do ponto de vista prático, quantitativo, para cogitarmos em optar por

um Tribunal Arbitral? Quer dizer, o que deveria estar em jogo para se recorrer a um Tribu-

nal Arbitral? O mínimo em jogo, digamos, R$ 10 mil seria um valor para se recorrer a um

Tribunal Arbitral, R$ 1.000, R$ 50 mil?

DRA. SELMA LEMES – Isso é muito relativo. Se fizermos uma análise da relação

custo/benefício, a arbitragem é vantajosa até para uma questão pequena, porque cada caso

é um caso. Eu tenho uma arbitragem, que estou atuando como advogada, o valor envolvido

é de R$ 120 mil, mas a repercussão desse valor ultrapassa a casa de um milhão, não dá nem

para quantificar, é algo maior, porque foi uma divergência num empreendimento comum.

As duas empresas têm um empreendimento comum, continuam trabalhando, continuam

investindo juntas, só que surgiu um problema na interpretação de uma cláusula no contra-

to, que um entende que é de um jeito e o outro entende ao contrário. Só que na repercus-

são, no contexto, isso é uma pedra no sapato para eles. A questão estava no Judiciário.

Desistiram das demandas judiciais para resolver por arbitragem. Então, isso é muito relati-

vo. Evidentemente que no momento em que você está redigindo o contrato, ninguém tem

uma bola de cristal para descobrir se o contrato será cumprido a contento. Mas se estamos

falando de empresas, em aspectos comerciais, de envergadura e técnica, não tenha dúvida

em colocar uma cláusula compromissória, de jeito nenhum; uma cláusula nomeando uma

instituição arbitral, ou arbitragem ad hoc, dependendo da situação.

94

Quando você estiver trabalhando no contrato, até a postura do advogado da outra parte já

pode ser um prenúncio indicativo, pois se for um colega que não se mostra familiarizado

com o instituto da arbitragem e tem uma atitude flagrantemente beligerante, ele pode

emprestar outra interpretação à cláusula arbitral e indevidamente levar a questão ao judiciá-

rio, não obstante a cláusula arbitral. Neste caso, pode acontecer de a questão tramitar nas

duas esferas, arbitral e judicial, até o judiciário se manifestar em face do art. 301, inciso IX

(extinção do processo sem julgamento de mérito, art. 41 da Lei nº 9.307/96). Então todos

os fatos devem ser observados. Agora, não é possível afirmar: somente disponha sobre arbi-

tragem em contratos de valores superiores a R$ 1 milhão, por exemplo. Evidente que colo-

car cláusula de arbitragem em contrato, por exemplo, para menores valores, não vou dizer

que não possa se colocar. Entendo que o ideal é, primeiro, indicar uma instituição que

tenha taxas mais flexíveis e menos onerosas, tais como, por exemplo, o Conselho Arbitral

de São Paulo – CAESP, que tem uma boa infra-estrutura. Por sua vez, levar uma demanda

pequena na FIESP, por exemplo, pode não ser producente, pois para iniciar a demanda irá

arcar com R$ 16 mil. Recentemente houve uma demanda cujo valor era de aproximada-

mente R$ 6 mil. Imediatamente as partes foram convocadas para uma possível mediação,

pois era evidente que a arbitragem na Câmara não seria vantajosa. As partes fizeram um

acordo. Certa feita, estávamos conversando no Sebrae e fomos indagada se a “arbitragem

era somente para as grandes empresas, para ricos, devido aos custos incorridos”, e respon-

demos: não, apenas indique a instituição arbitral certa.

SR. MARCELO RANGEL – Tenho duas perguntas. A primeira, o que o regulamento

da Câmara da FIESP prevê no caso de haver um impasse na discussão do termo de referên-

cia ou Termo de Arbitragem? Pela experiência da CCI, é um momento que, muitas vezes,

inviabiliza a arbitragem; as partes não chegam a um acordo para delimitar o objeto da con-

tenda e outros aspectos, às vezes, processuais.

Segunda: nesses 21 casos, havidos na Câmara, se algum deles passou pela circunstância de

uma das partes pretender requerer uma medida de emergência ou junto ao Colégio Arbitral,

se já instalado, ou se não instalado ao poder judicial?

DRA. SELMA LEMES – Com referência ao Termo de Arbitragem, ou Termo de Refe-

rência da CCI, o que acontece é o seguinte: há uma pequena diferença. Na nossa versão

brasileira do roteiro de arbitragem, quem redige o Termo de Arbitragem são as partes em

conjunto com seus advogados e os árbitros. Na CCI, por exemplo, quem redige esse termo,

a princípio são os árbitros e, posteriormente discute com as partes. No final ele usa do seu

poder de mando, até a própria CCI determina. Nesta instituição arbitral (FIESP) procura-

se sempre chegar a um acordo. Quando não há consenso redige-se o documento de forma

mais genérica, mas observamos que os árbitros também verificam o documento e, geral-

mente, solicitam que as partes esclareçam o que for de mister.

A segunda pergunta. Nunca houve na nossa Câmara esse caso. Mas existem outros casos

em que houve a necessidade da tutela de emergência, antes da instituição da arbitragem.

Recentemente exarei parecer a respeito. Por exemplo, você precisa de uma medida de

urgência e o Tribunal Arbitral ainda não está instaurado. Pode-se dirigir diretamente ao

Judiciário, obtém a liminar necessária. A respectiva ação principal terá sede na arbitragem.

95

SRA. RENATA LISBOA – Eu queria saber se tem a possibilidade do processo arbitral

correr em sigilo?

DRA. SELMA LEMES – Devemos diferenciar a privacidade do sigilo (ou confiden-

cialidade). A privacidade refere-se aos documentos anexados ao processo, às audiências e

reuniões, por sua vez o sigilo ou confidencialidade refere-se à decisão arbitral prolatada. As

únicas pessoas que conhecem o processo são as partes, os advogados e a instituição arbitral,

pois assim está disposto geralmente nos regulamentos. Mas advirta-se, não existe disposi-

ção legal a esse respeito. É uma prática desejável na arbitragem; aliás, um de seus atributos.

Mas a lei brasileira apenas faz menção à discrição como um dever do árbitro (art. 13, § 6º ).

Assim, é de todo conveniente, que as partes estabeleçam a respeito no contrato que firma-

rem, ou verificar se tal previsão se encontra no regulamento da instituição a ser indicada.

SR. CARLOS NOGUEIRA – Tenho duas perguntas. A primeira, a senhora mencio-

nou que os árbitros, indicados pelas partes, são aqueles que nomeiam o presidente do

Tribunal Arbitral. Há algum caso de controvérsia na escolha do presidente arbitral e como

a entidade arbitral, nesse caso, se comportaria? As partes teriam alguma influência nessa

escolha?

A segunda pergunta: a senhora mencionou também que não há vinculação jurisprudencial

das sentenças arbitrais. Existe algum caso, mesmo dentro da CCI, em que um caso seme-

lhante tenha sido levado à apreciação pela Câmara e a decisão tenha sido tomada com base

numa decisão anterior, um caso semelhante?

DRA. SELMA LEMES – Com referência à escolha do presidente, o que as partes

podem fazer é o seguinte: na elaboração da cláusula arbitral, pode já dar um perfil do árbitro

e até do presidente. Quer dizer, tem que ser uma pessoa com mais de 40 anos, com habili-

dade em tal assunto. Nesse momento pode deliberar e já dar um norte orientador na esco-

lha desse futuro presidente pelos árbitros indicados. Agora, se não houver consenso, quem

escolhe é o presidente da instituição arbitral. Recordo que nas estatísticas apresentadas

em cinco oportunidades a Câmara interveio na indicação de árbitros. Na arbitragem espe-

cializada sempre é bom que um dos árbitros seja advogado a compor o tribunal arbitral. Por

quê? Porque no momento de redigir o laudo, a sentença arbitral, o advogado sabe, tem mais

condições, tem mais habilidade do que um engenheiro. Estes se incumbem mais da parte

técnica, tal como um contador que observa com mais acuidade a parte referente aos cálcu-

los da sentença na quantificação do quantum devido, um ajuda o outro. Assim agem, inde-

pendentemente de interferir na decisão, ou seja, cada árbitro decidi conforme entender

correto, de acordo com seu livre convencimento. Há um caso na referida instituição paulista

que já está na quinta indicação de árbitro, porque é área muito específica, uma atividade

econômica com muito poucos especialistas no Brasil e quando um candidato a árbitro é

indicado, ocorre que já foi consultor de uma das partes ou trabalhou para a outra parte.

Nesse processo ocorreu que uma pessoa que foi indicada, nem sabia que a empresa em que

trabalhava fazia parte de uma holding, na qual uma das postulantes é detentora de 98% do

capital. A parte que tomou conhecimento desse fato, apesar de entender que talvez não

fosse um fator impeditivo, trouxe ao conhecimento para evitar qualquer problema futuro.

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Diante dessa situação o que fez a Câmara? Foi elaborado outro questionário para o árbitro,

perguntando se ele conhecia essa relação societária? Você se sente com total liberdade de

decidir de acordo com o seu entendimento livre de influências externas, com a sua livre

convicção para decidir essa questão? Porque, apesar de distante, havia uma vinculação

societária. Ele disse que não via nenhum impedimento em atuar, que se sentia livre para

decidir. A Câmara solicitou que as partes se manifestassem. Caso uma das partes não acei-

te, esse árbitro será substituído. Caso aceitem, será firmado um documento, e esse motivo

não poderá mais ser alegado para anular a sentença no Judiciário.

A segunda pergunta, com referência ao elemento vinculativo da decisão da CCI, o que

notamos é o seguinte: os precedentes jurisprudenciais são ricos em conceitos teóricos e

fixam importantes princípios balizadores. Por exemplo, o princípio da boa-fé, freqüente-

mente é invocado em decisões exaradas no âmbito da CCI, quanto à interpretação da von-

tade das partes em questões envolvendo uma cláusula patológica. Verificaremos que tem

um precedente jurisprudencial de 1983, ditado numa decisão do ICSID, que firmou um

conceito clássico sobre esse assunto. Você vai encontrar reiteradas decisões da CCI, mencio-

nando esse caso.

SRA. OLINDA MARINHO – Eu gostaria de fazer uma pergunta. Seria possível,

concomitantemente, se utilizar um processo arbitral com um processo antidumping? Have-

ria algum impeditivo para isso?

DRA. SELMA LEMES – Inicialmente cumpre observar se a questão envolve matéria

arbitrável. Há de ser verificado o conceito de arbitrabilidade objetiva. Nós sabemos que há

determinadas questões que não podem ser solucionadas por arbitragem, porque não se

referem a direitos patrimoniais disponíveis. Na questão do antidumping, precisamos verifi-

car o que será arbitrável. Trata-se de uma relação privada, um contrato de compra e venda

internacional. As controvérsias referentes à relação privada, divergências quanto ao contra-

to firmado entre as partes pode ser solucionada por arbitragem. Por sua vez se esse negócio

viola a legislação internacional de antidumping (OMC), então o foro competente será a aber-

tura de investigação instaurada pelo governo. São duas esferas diferentes, e que podem

tramitar concomitantemente. Uma versará sobre a questão surgida no âmbito privado e, a

outra, discutirá as repercussões no âmbito do direito internacional público. Avançando um

pouco mais na pergunta formulada, note-se que questões envolvendo a concorrência po-

dem ser discutidas em sede arbitral. Há precedentes famosos no âmbito internacional,

como o caso Mitsubishi, nos Estados Unidos. Recentemente um caso da Beneton com a

Bulowa, que está publicado nos repertórios internacionais de arbitragem trata da questão

concorrencial em contratos que dispõem sobre a propriedade intelectual (licença para uso

da marca) e distribuição.

SRA. OLINDA MARINHO – Por que o processo de dumping leva muito tempo e en-

quanto isso as empresas estão se prejudicando, leva de um ano a um ano e meio e estou

vendo que através da arbitragem poderia se chegar a um acordo com um prazo até muito

mais reduzido.

97

DRA. SELMA LEMES – É que o processo de dumping analisa a violação das regras

internacionais na área do Estado, tem um procedimento administrativo próprio (18 me-

ses). Por sua vez na arbitragem a relação é privada e discute desavenças entre os contratan-

tes, sem a ingerência do Estado. Mas note-se, que se fosse o caso, poder-se-ia dispor de

resolvê-los por arbitragem, mas na seara pública (direito internacional público), à luz do

disposto no Tratado de Marrakech, que instituiu a OMC, pois no sistema de solução de

controvérsias, denominado Entendimentos sobre Solução de Disputas, Anexo 2 do Trata-

do, artigo 25 (em vigor no Brasil – decreto nº 1.355, de 29.12.94) estabelece a possibilidade

de países membros, de comum acordo submeterem-se à arbitragem para solucionar

diferendos decorrentes da violação do disposto na regras da OMC, no caso mencionado são

os códigos antidumping. Todavia, acredito que este não é o objetivo de sua pergunta.

SR. DANIEL – Também tenho duas perguntas para fazer. Uma primeira curiosidade: as

decisões dos tribunais arbitrais são unânimes ou a grande maioria das decisões é por voto

vencido?

A segunda pergunta é se seria possível eleger as regras de Câmaras Arbitrais estrangeiras

para arbitragens no Brasil. Então seria possível você utilizar essas regras estrangeiras sem

eleger nenhuma organização no Brasil, institucional, como você explicou, para dirimir o

processo de arbitragem e se fosse utilizado alguma instituição no Brasil, como seria eleita

essa instituição, e as suas regras, se conflitantes com as regras eleitas pelo contrato, como

ficaria esse conflito?

DRA. SELMA LEMES – Com referência à decisão por unanimidade, no Tribunal Arbitral

isso não é regra. Mas, normalmente, eles decidem de uma maneira unânime. Nós tivemos

um caso que teve um voto vencido.

Com referência à instituição da arbitragem, arbitragem ad hoc com regulamentos interna-

cionais, pode; você pode eleger, por exemplo, o regulamento da CCI, que é um regulamen-

to muito bom. Um regulamento que serve para ser utilizado nos países do sistema do CommomLaw e do Civil Law, porque são regras abertas, flexíveis. Esses regulamentos observam os

princípios fundamentais de direito que devem ser observados. Eventual conflito quanto ao

disposto pelas partes e as regras procedimentais previstas no regulamento, terá prevalência

o disposto pelas partes, salvo se violar preceito de ordem pública ou determinação na qual

a Instituição Arbitral não aceita alterações (quando estivermos diante de arbitragens admi-

nistradas). Explico-me. Por exemplo, o contrato fixado pelas partes estabelece que somen-

te uma das partes pode indicar árbitro. É evidente que essa disposição não pode prevalecer

frente às regras do regulamento que determina que cada parte indique seu árbitro, mesmo

porque referida disposição não se sustentaria sequer frente à lei, pois violaria o princípio da

igualdade, previsto no art. 21, § 2º da LA. Por outro lado, por exemplo, a CCI nunca aceitará

a previsão das partes de que o laudo arbitral não será, quanto à forma, revisado pela Insti-

tuição. Há de ser observado também que quando se está elegendo uma instituição interna-

cional, as partes estão cientes dos custos para operacionalizar a arbitragem, quando a insti-

tuição for chamada para intervir. Mas acredito que sua pergunta foi no sentido de utilizar

98

um regulamento de uma instituição internacional apenas como referência de regras

procedimentais para uma arbitragem ad hoc no Brasil.

SRA. LUCIANA – Queria saber se quando tem um contrato que elege o foro do contra-

to e tem uma cláusula compromissória arbitral, se é possível que ocorra uma questão tanto

na arbitragem quanto no Judiciário?

DRA. SELMA LEMES – Não.

SRA. LUCIANA – Mesmo que a questão seja diferente? São questões diferentes?

DRA. SELMA LEMES – Veja, a questão é a seguinte. Se você tem um contrato, tem

uma cláusula compromissória para solucionar e dirimir as questões que surgirem desse

contrato e se nesse contrato também tem uma cláusula de eleição de foro, estaremos dian-

te de uma cláusula arbitral patológica (doente), pois ela gera conflito com a cláusula de

eleição de foro. O que deve preponderar é um pouco difícil de se saber porque você vai ter

que perquirir qual foi a vontade das partes. As cláusulas de eleição de foro e de arbitragem

são incompatíveis. Uma exclui a outra. Deve-se pesquisar para verificar o que as partes

queriam quando colocaram naquele contrato aquela cláusula. Demandará pesquisa para

verificar a real intenção das partes. A arbitragem está alicerçada no princípio da autonomia

da vontade das partes. Você tem uma cláusula num contrato assim, temos que ver o que

elas pretendiam ao dispor a respeito. Todavia, você pode discriminar num contrato que

determinados assuntos sejam solucionados por arbitragem e outros no foro. Neste caso não

estaríamos diante de cláusulas conflitantes. Ambas seriam válidas para os fins pretendidos.

SR. GUILHERME DUBINS – Fiquei com a seguinte dúvida: durante a exposição a

senhora disse, expondo sobre essa questão da patologia da cláusula, enfim, não seria talvez

a eleição do foro para ser usada numa questão, por exemplo, de medida emergencial ou,

eventualmente, numa questão que foi discutida aqui na outra palestra com o Dr. Pedro,

quando você tem a arbitragem ferindo o interesse de terceiros, por exemplo. Quer dizer, a

partir do momento que você não pode entrar na arbitragem ou você vai ter que discutir

aquilo em algum outro lugar, ou você vai ter que impor uma medida coercitiva por algum

motivo, quer dizer, ela ficaria complementar, a senhora não acha?

DRA. SELMA LEMES – Eu acho que sim, mas tem que deixar bem claro que é com

essa finalidade. Também pode estar previsto quanto ao foro para a execução da sentença

arbitral, mas deve ficar perfeitamente esclarecido que é essa a finalidade, pois não pode-

mos ter cláusulas dúbias. A partir do momento que você tem uma cláusula de eleição de

foro e uma cláusula de arbitragem, o que preponderará? Assim, seria necessário esclarecer,

por exemplo, que a cláusula de eleição de foro é para medidas cautelares ou de algum

problema com referência à interferência de terceiros, bem claro. Aliás, isso existe muito na

prática. Inclusive, o próprio regulamento da CCI estabelece que se alguma das partes ne-

cessitar adotar uma medida emergencial e se dirigir diretamente ao Judiciário, isso não

consubstancia renúncia à arbitragem.

99

SR. GUILHERME – E uma outra curiosidade que tenho, só que com outro gancho, os

casos que foram apresentados da Câmara da Fiesp, se algum deles, dos 21, houve um recur-

so ao final ao Judiciário para tentar uma anulação, alguma coisa, na discussão de algum?

Porque percebi que no decorrer, quer dizer, pegando um exemplo mais objetivo, quando

você tem o questionário feito aos árbitros, quer dizer, talvez uma resposta que não seja

totalmente verdadeira e aquilo passou em branco, foi-se, confiou e aquilo venha a ser um

argumento para uma eventual nulidade ou anulabilidade da arbitragem. Alguns desses ca-

sos teve uma repercussão dessas?

DRA. SELMA LEMES – Não. Houve ação de anulação da decisão arbitral, não por

questão de postura de árbitros, mas por entender que a matéria não era arbitrável. As

instituições arbitrais têm um cuidado todo especial quanto à aferição dos critérios de inde-

pendência e imparcialidade dos árbitros. A Instituição deve dar total transparência. Quan-

do mencionamos o questionário que os árbitros respondiam, há um tempo atrás, a institui-

ção via, avaliava e guardava. Agora a instituição vê, avalia e passa para as partes, porque a

transparência é fundamental no processo. Num desses casos, uma parte demonstrou com

certidão da Junta Comercial que aquela sociedade era sócia da outra. Não é uma alegação

leviana. É fator preponderante? Depende. Essa questão de o árbitro poder ou não poder

atuar, são as partes que vão dizer, porque o conceito da suspeição é variável na arbitragem.

As partes podem ter ciência de que aquele árbitro poderia ser considerado impedido, mas

abrem mão porque confiam naquela pessoa. Isso tem que estar bem esclarecido para evitar

problemas no futuro. Há uma flexibilidade no conceito da suspeição do árbitro na arbitra-

gem. Mas as partes têm que estar cientes, posto que a ausência de conhecimento pode até

gerar a anulação da sentença. Aliás, essa matéria foi objeto de estudo acadêmico que em-

preendi na Faculdade de Direito da USP para obtenção do título de mestre em Direito.

Discorri sobre os princípios da independência e da imparcialidade do árbitro. Naquela opor-

tunidade, analisei a jurisprudência internacional a respeito e trouxe vários casos interes-

santes. Este trabalho está publicado no livro Árbitro, editado pela LTr, São Paulo.

Notas

1 CF nosso artigo Cláusulas arbitrais ambíguas ou contraditórias e a interpretação da vontade daspartes, “Reflexões sobre Arbitragem - In Memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de

Lima”, Pedro Batista MARTINS e José M. Rossani GARCEZ (orgs.) São Paulo, LTr, 2002

p.188/208.

100

Palestrantes: CARLOS MAFRA DE LAET ELUIZ FERNANDO TEIXEIRA PINTO

Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2002

Tema: MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM NA CCI

O SR. RENATO (DIVISÃO SINDICAL – CNC) – Nós temos, hoje, a honra de

receber dois ilustres palestrantes: o Dr. Carlos Maximiamo Mafra de Laet, advoga-

do-sócio do Escritório de Advocacia Gouvêa Vieira, responsável pela Área Cível, membro

suplente da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, mem-

bro da Comissão de Arbitragem Internacional da CCI, vice-presidente do Comitê Brasilei-

ro da CCI, membro da Câmara de Comércio França/Brasil; e o Dr. Luiz Fernando Teixeira

Pinto, sócio membro do Comitê Diretivo de Pinheiro Neto – Advogados, membro da Corte

Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional CCI, vice-presidente

do Comitê Brasileiro da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Inter-

nacional, membro LCIA, London Court of International Arbitration, vice-presidente da

CAMARGE – Câmara de Mediação, Arbitragem do Rio de Janeiro da Câmara de Comércio

Americana, diretor conselheiro do Comitê Brasileiro de Arbitragem, membro da ARBITAC,

Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná, membro do Institu-

to ARBITRA, Resolução Privada das Disputas, membro da Sociedade Internacional de

Mediação e Arbitragem, coordenador da Comissão de Assuntos Jurídicos da Câmara de

Comércio França/Brasil, consultor jurídico da Câmara Americana do Comércio do Rio de

Janeiro, diretor vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro.

A palestra que teremos hoje será sobre Mediação e Arbitragem na CCI. Com a palavra o Dr.

Carlos de Laet.

O SR. CARLOS MAFRA DE LAET - Bom-dia a todos.

O SR. RENATO (Divisão Sindical) – Normalmente, em seguida à palestra, damos um

tempo para perguntas, mas proponho, nesta oportunidade, em que existem dois palestrantes,

vou conceder a palavra ao Dr. Luiz Fernando e as perguntas ficariam para o final.

O SR. LUIZ FERNANDO TEIXEIRA PINTO – Renato, muito obrigado. É um

prazer voltar a essa casa, que sempre me acolheu de forma amistosa e dinâmica, e onde

101

sempre pude compartilhar com a platéia, com os advogados e com o pessoal da mesa mo-

mentos muito interessantes de discussão de temas que nos preocupam, entre eles, princi-

palmente, a Arbitragem.

Queria, também, saudar a Patrícia Duque e a Inez Balbino (que hoje não está aqui por

motivo de saúde), que são as grandes “empurradoras”, dentro do Centro de Mediação do

Conselho de Câmaras de Comércio do Mercosul, e que têm feito uma divulgação muito

importante de tudo que diz respeito à mediação e à arbitragem, seja no Brasil ou no exte-

rior. Tivemos palestras excepcionais. Rendo homenagem ao Dr. Garcez, que está presente,

que fez uma palestra importantíssima, a convite do Centro de Mediação, sobre a Ética do

Árbitro, e à Professora Selma Lemes, que recentemente também aqui esteve. Em suma, a

qualidade das palestras tem sido uma tônica nessas reuniões que a Patrícia e a Inez têm

feito, e fico muito feliz de estar de volta.

Escolhi falar um pouco sobre a arbitragem da CCI, focando-a mais na sua mecânica e na

sua processualística.

O que é a CCI? O que é a Câmara de Comércio Internacional? A Câmara de Comércio

Internacional é uma organização mundial, conhecida e reconhecida internacionalmente,

que tem 78 comitês nacionais, distribuídos por 130 países, com mais de 7 mil membros em

todo mundo.

Qual é o efetivo objeto da Câmara de Comércio Internacional? Primeiro, propagar um co-

mércio internacional livre e sem qualquer tipo de restrição ou embaraço, promover investi-

mentos internacionais, tudo isso dentro de um sistema de economia de mercado.

Entre os serviços principais que a CCI dá a todos os seus membros, cito, por exemplo, o

INCOTERMS, que é um dicionário técnico de termos comerciais e que é uma das princi-

pais publicações da CCI, por ela montada e divulgada internacionalmente, assim como os

créditos documentários e uma série de guias de investimentos que também são preparados

internamente pela CCI.

Mas, no meu entender (e no entender também de muita gente), o principal instrumento

de trabalho da CCI é a sua Corte Internacional de Arbitragem, que já tem quase 80 anos de

existência e é a pioneira na arbitragem comercial internacional. Desde a sua criação, a

Corte já examinou, estudou e administrou aproximadamente onze mil arbitragens, envol-

vendo, de acordo com as estatísticas, cerca de 170 países. A Corte também oferece outros

serviços de solução de controvérsias. O Carlos de Laet acabou de falar sobre as ADR’s, e

existe também um outro instituto, dentro da Câmara de Comércio Internacional, que é o

International Center for Expertise, um centro específico que congrega um determinado nú-

mero de peritos, e que pode ser utilizado, por solicitação das partes, em qualquer procedi-

mento arbitral, ou também em qualquer procedimento ADR.

Qual é a função principal da Corte? A Corte Internacional de Arbitragem tem como função

principal a adoção de medidas necessárias para a solução de disputas. Tais disputas são

sempre de caráter comercial e internacional, cuja resolução se dá através da arbitragem.

102

O que faz a Corte Internacional de Arbitragem? Ela administra os procedimentos arbitrais.

Isso é uma coisa única nas instituições arbitrais, porque não só existem as regras de arbitra-

gem efetivas da Corte, como ela também dispõe de um corpo técnico especial que faz a

administração de cada arbitragem. Eis aí o diferencial da Corte de Arbitragem, que é o

chamado controle de qualidade de todos os procedimentos, decisões e sentenças arbitrais.

Esse controle de qualidade é único, porque não me parece que algum outro instituto o faça

ou que proceda da mesma forma, acompanhando e examinando o procedimento arbitral,

em todas as suas diferentes etapas e, principalmente, ao final, quando a decisão, a sentença

arbitral deve ser proferida e quando ela passa por um processo de minuciosa revisão pelos

integrantes da Corte.

O atual presidente da Corte Internacional de Arbitragem, Sr. Robert Briner (que é de

origem suíça) está no cargo há seis anos. A Corte tem dez vice-presidentes (temos a satis-

fação de ter aqui presente o vice-presidente brasileiro, Dr. Carlos Henrique Froes), um

secretário-geral e setenta membros. Esses membros são escolhidos pelos diferentes comi-

tês nacionais, de diferentes países, e aprovados, posteriormente, pelo Conselho-Geral da

Câmara de Comércio Internacional. Possui também um conselheiro jurídico e sete grupos

de advogados internos. Esses grupos são compostos, se não me engano, de três ou quatro

advogados cada um, e permitem, portanto, que o acompanhamento e a administração dos

procedimentos arbitrais sejam feitos com uma expressiva qualidade.

Vou procurar mostrar a vocês um pouco do que tem acontecido em termos estatísticos com

relação à arbitragem da CCI nas próximas transparências.

Vocês podem observar que, de 96 a 2001, tivemos um aumento de mais de 30% do número

de arbitragens ditas CCI. Vou chamá-las daqui para frente de “Arbitragens CCI”.

Os montantes em litígio mostram que não procede a crítica feita constantemente às arbi-

tragens CCI de serem arbitragens caras, custosas. Os montantes em litígio são valores razoá-

veis porque estamos falando sempre de arbitragens internacionais, mas os valores efetiva-

mente altos são muito poucos comparados com os valores até um milhão e até dez milhões

de dólares como valores em litígio.

É importante notar também o quadro da chamada origem das partes, que tem se modifica-

do pouco a pouco, principalmente com um aumento, mais do que razoável, das arbitragens

com partes da Europa Central e do Leste, que em 98 eram 7.1%, e que em 2001 passaram

a 11.8%.

Na parte de América Latina e Caribe, na qual o Brasil está incluído, lembro-me de que em

99/2000, logo quando a nossa Lei de Arbitragem já estava começando (com diria o Carlos

Laet) “a decolar”, algumas arbitragens brasileiras apareceram. No ano passado o percentual

não foi tão grande, mas sempre devemos levar em consideração que não é necessário que

tenhamos uma quantidade muito grande de arbitragens brasileiras em andamento, mas sim

que, de algum tempo para cá, as partes têm aceito incluir em seus contratos comerciais as

chamadas cláusulas arbitrais, e cláusulas arbitrais com resolução de controvérsias através de

103

regras da CCI. Isso não significa que a controvérsia já exista, mas sim que poderá ocorrer

num futuro próximo e, em ocorrendo, as regras da CCI serão usadas. Então, eu posso quase

que afirmar que, em mais dois ou três anos, o número de arbitragens com partes brasileiras

aumentará consideravelmente.

Quais são as grandes vantagens da arbitragem CCI? Inicialmente, a neutralidade, porque as

partes têm total liberdade na indicação dos árbitros. E eis um ponto que levanto a vocês: o

regulamento da CCI fala sempre em número ímpar de árbitros (sempre um ou três). Mui-

tas vezes, tem-se numa controvérsia partes diferentes, às vezes com interesses diferentes,

seja na parte do lado do autor ou da parte ré, principalmente nos chamados contratos mul-

tilaterais ou com muitas partes, e que podem, de alguma forma, criar dificuldades quanto à

indicação de árbitros. O regulamento da CCI é muito claro quanto a isso: não havendo

acordo entre as partes na indicação daquele que será o árbitro daquela parte, seja da parte

demandante ou da parte demandada, o regulamento estipula que então a Corte de Arbitra-

gem decidirá qual o árbitro a ser escolhido e esse árbitro terá que ser aceito pelas partes.

Lembro, também, de uma reunião da Corte de Arbitragem em que se levou, para discussão

em plenário, uma cláusula arbitral, dentro de um contrato comercial, se não me engano

entre uma parte francesa e uma outra africana, em que as partes apresentaram a cláusula

arbitral perfeitamente em ordem, só que dispondo que a controvérsia seria dirimida por

dois árbitros. Discutiu-se muito na Corte, naquela ocasião, se essa cláusula era uma cláusu-

la CCI ou não, e a decisão que se tomou na ocasião foi a de se considerar que havia uma

infração clara de um dispositivo do regulamento, que estabelecia o número ímpar de árbi-

tros e que, portanto, essa cláusula não poderia ser aceita como cláusula CCI. Eu não sei daí

o que efetivamente aconteceu, porque o assunto foi levado às partes, e não sei se as partes

resolveram modificar a cláusula e fazê-la com três árbitros. Mas o fato é que essa decisão foi

bem debatida dentro da Corte de Arbitragem.

Mas, dentro dessa parte de neutralidade, dispõe-se também da indicação do presidente do

Tribunal Arbitral, que no caso de não haver acordo entre as partes, é indicado pela Corte de

Arbitragem. As partes também são livres para estabelecer o local onde se processará a arbi-

tragem, bem como estabelecer o idioma que será usado pelos árbitros e pelas partes naque-

le procedimento arbitral.

Entre outras vantagens, também temos a flexibilidade na escolha dos árbitros. Muitas ve-

zes se tem uma questão eminentemente técnica, em que a presença do advogado, se faz,

sim, mais necessária sobre o aspecto secundário, para dar subsídios às partes, do que, espe-

cificamente, para os árbitros; muitas vezes há situações envolvendo uma questão téc-

nica, como, por exemplo, cálculos de engenharia, em que é muito mais lógico que se tenha

um engenheiro indicado como árbitro do que um advogado propriamente dito. E a arbitra-

gem CCI tem essa grande vantagem, essa flexibilidade de se poder indicar quem se consi-

dera que seja a pessoa mais apropriada para resolver aquela controvérsia.

Entre outras vantagens, dentro desse item de flexibilidade, temos também os poderes que

são outorgados aos árbitros. As partes podem acordar em dar aos árbitros ou indicar aos

104

árbitros que aquela arbitragem será feita através de interpretação e aplicação da lei ou,

também, o que se chama em francês e é usado também no próprio inglês, amiable compositeur,

que é a faculdade de julgar por eqüidade.

Volto a enfatizar, também, que a arbitragem CCI – pela minha experiência nessa área – tem

outra vantagem: ela propicia soluções amigáveis durante o curso do processo arbitral. Isso já

pude observar em algumas das arbitragens das quais participei como advogado, principal-

mente como advogado de parte, que, em função da informalidade com que freqüentemente

as audiências e reuniões se processam, as partes acabam, espontaneamente, preferindo um

acordo que, em muitos casos, é benéfico para os dois lados.

A arbitragem CCI propicia também a execução espontânea das sentenças. É muito raro

que se veja, numa arbitragem CCI, uma decisão arbitral que não seja cumprida esponta-

neamente pelas partes. Um dado interessante que não indiquei a vocês é que, quando a

parte indica um árbitro, pode pensar, equivocadamente, que esse árbitro vai atuar um pou-

co como seu advogado naquela causa. De modo algum. Os árbitros são totalmente indepen-

dentes das partes e, em função disso, têm muito mais condições de julgar de uma forma

isenta e livre aquela controvérsia que a eles é entregue. É interessante observar que, com

relação às sentenças arbitrais, proferidas de acordo com as regras da CCI, a última estatís-

tica mostrava que alguma coisa em torno de 80%, aproximadamente, são proferidas por

unanimidade dos árbitros. São decisões unânimes, nas quais os três árbitros (portanto, um

árbitro indicado por uma parte, o outro indicado por outra, e um terceiro indicado por

ambos os árbitros) partilham do mesmo julgamento; percebe-se claramente que não há

fundamento em uma parte achar que o árbitro de sua escolha possa ser um pouco seu

advogado naquele procedimento.

A arbitragem propicia também uma confidencialidade que dá proteção às partes, e que

também protege muito mais a atuação dos árbitros, porque os torna mais livres para, infor-

malmente, decidir como proceder àquela arbitragem.

O que temos, nas transparências seguintes, é a mecânica processual da arbitragem. O que

é uma arbitragem CCI? Como ela se processa? De que forma ela é conduzida? Inicialmen-

te, é qualquer controvérsia de caráter comercial que decorra de um contrato, contrato esse

que tenha uma cláusula de arbitragem prevendo solução através de regulamento da CCI. O

que faz a parte nesse momento, em que a controvérsia se estabelece, e se não houve possi-

bilidade anterior de se resolvê-la amigavelmente? A parte deve preparar uma petição de

arbitragem à CCI. O regulamento, em seu artigo 4°, estabelece que essa petição precisa

conter a identificação completa das partes, a descrição do litígio, o objeto do pedido e, na

medida do possível, especificação do valor que está sendo demandado. É necessário, tam-

bém, que se apresentem todos os contratos relevantes, e, com ênfase, também, que seja

feita a Convenção de Arbitragem, ou seja, a cláusula compromissória propriamente dita,

que deve conter o número de árbitros que irá dirimir aquela controvérsia; pode ser que a

cláusula diga que será apenas um árbitro ou que serão três, ou, muitas vezes, que transfira

essa incumbência de indicação para a Corte de Arbitragem.

105

O pedido também deve conter as observações que a parte deve fazer quanto ao local e ao

idioma da arbitragem. Também esse pedido deve ser entregue em determinado número de

cópias, o que permitirá à Secretaria da Corte fazer, em seguida, a distribuição à parte ou às

partes que sejam demandadas.

Para qualquer arbitragem CCI há uma tabela de custas e essa tabela pode ser encontrada ao

final dos regulamentos; se não me engano, para o início de uma arbitragem deve ser feito

um depósito de US$ 2.500. Também segue-se uma tabela que varia em função do valor

envolvido na demanda, e a parte deverá também fazer depositar o valor correspondente

para cobrir os custos de administração da arbitragem e do pagamento que será feito aos

árbitros, seja no curso do processo arbitral, seja ao final, da forma como os árbitros e a Corte

determinarem.

Quais são as ações que a Secretaria toma após receber um pedido de arbitragem? Ela con-

firma, inicialmente, o depósito inicial, e, em seguida, envia à parte ou às partes demanda-

das uma via do pedido, dando sempre o prazo de 30 dias para que a parte demandada o

conteste, se assim quiser. Nessa contestação, a parte demandada poderá reconvir, se assim

o quiser. E, da mesma forma como vimos para o pedido, essa contestação e/ou reconvenção

tem que atender a determinados requisitos. É necessário apresentar os dados completos da

parte, especificações quanto à natureza e às circunstâncias da controvérsia, e alegações,

claro, contra a demanda feita; eventualmente, pode-se questionar o número de árbitros,

caso a cláusula arbitral não seja clara a respeito, com indicação também do local e da norma

jurídica aplicada ao idioma. E sem esquecer, também, que, na reconvenção, a parte, obriga-

toriamente, tem que indicar os motivos, o objeto do pedido e o valor. E sobre essa contes-

tação a parte demandante tem o prazo de 30 dias para se pronunciar. Muitas vezes, esse

prazo torna-se exíguo em função da complexidade da controvérsia, e a pedido devidamente

justificado, a Corte de Arbitragem tem dado um prazo adicional de 15 a 30 dias para que a

parte se pronuncie a respeito. Da mesma forma, em havendo reconvenção, a parte

demandante terá um prazo de 30 dias para apresentar suas alegações a respeito. Volto a

dizer: as partes, num procedimento CCI, não se comunicam diretamente; podem, quando

muito, enviar cópias dos pedidos, documentos e petições a outra parte, mas, obrigatoria-

mente, isso tem que ser feito através da Secretaria da Corte, que tem que receber sempre

uma via de qualquer documento que tenha que ser apresentado às partes, bem como coor-

denar a comunicação entre as partes e os árbitros.

Quanto à nomeação dos árbitros, como eu falei há pouco, temos sempre um número ímpar,

que é de um ou três. Em caso de divergência, a indicação é feita pela Corte. Dispõe o artigo

8° do regulamento, no seu item III: quando as partes tiverem convencionado que a contro-

vérsia será solucionada por árbitro único, as mesmas poderão, em comum acordo, designá-

lo para confirmação. Se não houver acordo para a sua nomeação dentro de 30 dias, contados

da data de recebimento do requerimento pelo requerido, o árbitro único será nomeado pela

Corte em qualquer novo prazo concedido pela Secretaria. Da mesma forma, no caso de um

Tribunal Arbitral composto de três árbitros, caso uma das partes deixe de indicar ou não

queira indicar o árbitro, a Corte fará essa indicação em nome daquela parte.

106

Múltiplas partes. Às vezes, pode representar um problema, na medida em que haja interes-

ses divergentes das partes demandantes ou demandadas envolvidas. Mas convém ressaltar

que, desde que as partes apresentem as suas alegações de forma correta e eficiente, os

árbitros (neste caso, sempre três) terão condições de examinar com propriedade se essa

divergência de posições terá alguma relevância ou não.

Os árbitros podem ser nomeados pela Corte no caso de não haver acordo entre as partes

quanto a seu número e também se houver ausência de indicação por qualquer parte.

Todos os árbitros, depois de sua indicação, são confirmados posteriormente, pela Corte, e

são obrigados a assinar um documento chamado “declaração de independência”. A assina-

tura desse documento é muito importante dentro do procedimento CCI de arbitragem, e

está descrita no artigo 9° do regulamento.

Aliás, com relação ao regulamento, para aqueles que tiverem interesse, há pouquíssimo

tempo atrás ficou pronta uma versão atualizada do regulamento, em português, que se

encontra facilmente no site da CCI.

http://www.iccwbo.org/home/menu_international_arbitration.asp.

Como eu dizia, no site da CCI encontra-se a tradução do regulamento em diferentes lín-

guas, entre elas, o português brasileiro. Eu digo “português brasileiro” porque houve uma

tentativa de se fazer uma única versão, para Brasil e Portugal, do regulamento, partindo-se

de uma versão feita em português do Brasil. Entretanto, as discussões com os nossos cole-

gas lusitanos foram infrutíferas, pois teriam que ser utilizadas na citada versão determina-

das frases e palavras que não são usadas no Brasil. Enfim, não se chegou a um consenso. De

qualquer forma, deverá sair, dentro de pouco tempo, a versão das regras da CCI em portu-

guês de Portugal. Mas as regras em “português brasileiro” lá estão, com revisão atualizada

em setembro de 2002.

Voltando à nomeação e confirmação dos árbitros, quando o árbitro firma a declaração de

independência, ele atesta que é totalmente desvinculado das partes e que com elas não

tem qualquer relacionamento, o que lhe propiciará uma isenção no exame e julgamento

daquela questão. Muitas vezes, nós, na Corte, somos obrigados a examinar as contestações

e as impugnações que são feitas com relação aos árbitros. Na grande maioria, essas

impugnações são infundadas e, portanto, não são aceitas. Mas, em alguns casos, a Corte

tem entendido, sim, que o árbitro ou os árbitros indicados mantinham, de alguma forma,

ligação com uma das partes, o que fazia com que a declaração de independência não fosse

correta.

O artigo 17 do regulamento estabelece qual é a legislação aplicável ao mérito. É um artigo

curto (que vou me permitir ler a vocês), e diz o seguinte: “As partes terão liberdade para

escolher as regras jurídicas a serem aplicadas pelo Tribunal Arbitral ao mérito da causa. Na

ausência de acordo entre as partes, o Tribunal Arbitral aplicará as regras que julgar apropria-

das”. Ou seja, o próprio Tribunal Arbitral é que decidirá, caso as partes não estejam de

acordo sobre as regras que ele, Tribunal, irá aplicar no exame daquela controvérsia.

107

Em todos os casos, o Tribunal Arbitral levará em consideração os termos do contrato e as

práticas comerciais pertinentes. E o Tribunal Arbitral assumirá os poderes de amiablecompositeur ou decidirá ex aequo et bono somente se as partes tiverem acordado em lhe confe-

rir tais poderes.

Portanto, o julgamento por eqüidade é algo que os árbitros não podem fazer por vontade

própria, eles dependem especificamente do acordo das partes, e, portanto, não adianta

apenas uma delas entender que o Tribunal deva assim proceder. Esse tema nos leva a uma

outra questão de difícil resposta, que eu deixo aqui com vocês: quando se atribui poderes

ao Tribunal Arbitral para decidir por eqüidade, podemos nos deparar com uma situação

diferente. Digamos que se esteja questionando, por exemplo, um contrato entre partes

brasileiras, com a cláusula arbitral, o qual preveja uma correção dos pagamentos feitos de

uma parte a outra em moeda forte, em dólar, por exemplo, e não em real. Sabemos que

existe uma lei que determina que a correção de contratos deva ser feita sempre anualmen-

te e sempre levando-se em conta as correções do IGPM ou de outro índice governamental.

Nesse caso, atribuindo-se aos árbitros os poderes de julgar por eqüidade, poderão eles –

examinando o contrato e verificando que naquele momento era vontade das partes ter

uma correção vinculada, sim, a um outro índice – aceitar a vontade das partes? Será que

essa decisão que os árbitros irão proferir aceitando, digamos, que a correção seja feita por

um índice diferente daquele estabelecido na legislação vigente? Será essa decisão uma

decisão chamada juridicamente perfeita? Poderá a parte, posteriormente, questionar aque-

la decisão, e recusar-se a cumpri-la espontaneamente? Poderá o juiz questioná-la, mesmo

levando em conta a própria lei brasileira de arbitragem, que diz que a decisão arbitral cons-

titui título executivo extrajudicial, sendo, portanto, uma decisão não sujeita a qualquer

tipo de recurso? Poderá o juiz entender que, em se tratando de um título executivo

extrajudicial, ele não pode mais entrar no mérito da causa e reexaminar aquela questão? Eu

deixo a interrogação com vocês. Se alguém tiver alguma idéia um pouco melhor sobre como

dirimir um conflito desse tipo... eu sei que há princípios de ordem pública que devem ser

considerados, mas, esse é o exemplo que me veio à cabeça, com relação a se atribuir aos

árbitros poderes de julgar por eqüidade.

Então, dentro dessa arbitragem CCI, já vimos que houve o pedido ou terá havido uma

contestação ou uma reconvenção, os árbitros foram indicados, os nomes deles foram apro-

vados pela Corte e os árbitros firmaram a chamada declaração de independência; e agora, o

que faz aquele Tribunal Arbitral? Ele se reúne e prepara o que é chamado, em francês, acte

de mission; em inglês, é chamado de terms of reference e a tradução que se encontrou mais

apropriada para isso foi traduzir do francês como “ata de missão”. Ou seja, os árbitros

devem preparar o documento que será o balizador da atuação deles, previsto no artigo 18, e

que é o documento que vai definir a atuação desse Tribunal Arbitral. A ata de missão preci-

sa ter conteúdo claro, objetivo, com a descrição da controvérsia que está sendo levada a

exame por aquele Tribunal Arbitral; e os árbitros, de acordo com o regulamento, têm o

prazo de dois meses para preparar esse documento. Mas, da mesma forma, esses prazos são

flexíveis e podem, a pedido, sempre justificado, do árbitro ou dos árbitros, ser prorrogado

por mais algum tempo.

108

Junto com essa ata de missão, os árbitros são obrigados a preparar um anexo que é o chama-

do “cronograma do procedimento”, no qual vai ser indicado, de forma clara, o que os árbi-

tros pretendem fazer para dirimir aquela controvérsia, ou seja, se e quando haverá audiên-

cias com as partes, se e quando haverá oitiva de testemunhas, se haverá ou não reuniões

formais ou informais entre as partes, a pedido do Tribunal Arbitral; enfim, é um cronograma

efetivo de procedimento que precisa ser anexado à ata de missão.

A recusa eventual da parte na elaboração ou assinatura da ata de missão não prejudica a sua

preparação pelo Tribunal Arbitral. O que acontece é que se a parte se recusar a assiná-la, a

Corte supre essa atuação da parte e examina se a ata de missão foi preparada de maneira

correta, se as alegações, sejam da demandante ou da demandada, estão claramente

especificadas no documento, se o raio de atuação dos árbitros está perfeitamente em sintonia

com o que foi pedido. Enfim, essa atuação, digamos, supletiva da Corte está estabelecida

no artigo 18, item III. A partir do momento que a ata de missão esteja assinada pelas partes

ou aprovada pela Corte de Arbitragem, a arbitragem pode prosseguir, podendo o Tribunal

Arbitral estabelecer como se processará toda a instrução daquele procedimento, através de

audiências e oferecimento de provas testemunhais, documentais ou periciais.

Então, o Tribunal Arbitral terá feito as suas audiências, já terá obtido todas as provas teste-

munhais, documentais ou periciais, mas, por um motivo qualquer, terá sido necessário, no

correr da arbitragem, tomar algum tipo de medida cautelar ou provisória. Interessante que

o regulamento prevê, no seu artigo 23, que a execução de medidas similares, ou seja, medi-

das provisórias ou cautelares, ordenadas por um Tribunal Arbitral poderão ser feitas a uma

autoridade judicial para obter tais medidas. Muitas vezes o Tribunal não consegue, de for-

ma amistosa, fazer, por exemplo, que uma pessoa compareça para depor. Nessas horas, o

Tribunal Arbitral pode solicitar a ajuda de um tribunal judicial, que seria o tribunal que

normalmente examinaria esse tipo de questão, para fazer com que essa pessoa compareça

àquela audiência. Isso está perfeitamente conjugado, inclusive, com a própria lei brasileira

de arbitragem, que no seu artigo 22, parágrafo 4°, determina que havendo necessidade de

medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciá-

rio que seria originariamente competente para julgar a causa. Enfim, os árbitros, dentro de

uma arbitragem CCI, têm também essa possibilidade de pedir auxílio a um juiz togado.

O tempo geralmente dado aos árbitros, dentro de uma arbitragem CCI para chegarem a

uma decisão é de seis meses. Esse prazo de seis meses, confesso a vocês, não é sempre

obedecido, e, o Tribunal Arbitral tem a possibilidade de pedir à Secretaria da Corte de

Arbitragem a prorrogação do prazo para apresentação da decisão, e esse pedido deve, obriga-

toriamente, ser justificado. Sabemos que, muitas vezes, em função da própria natureza do

caso e da complexidade da demanda, o prazo original de seis meses não consegue ser obede-

cido, tanto que, hoje em dia, a média de uma arbitragem CCI está entre 18 e 20 meses. De

qualquer forma, é um prazo muito mais curto do que qualquer outro procedimento judicial

que se queira enfrentar, para se conseguir, ao final, uma decisão definitiva e inapelável.

Enfim, o que faz a Corte de Arbitragem? Como falei no início, faz ela o controle de qualida-

de. Diferentemente do que acontece em qualquer outra instituição, em uma arbitragem

109

CCI a decisão proferida por um Tribunal Arbitral não é imediatamente entregue às partes,

mas sim, submetida, ainda em forma de minuta, ao escrutínio da Corte. A Corte tem toda

a liberdade de, naquele momento, sugerir quaisquer modificações, sejam essas formais ou

não; no que se refere às modificações formais, os árbitros são obrigados a acatá-las; quando

se tratar de questões ligadas especificamente ao mérito da demanda, a Corte pode reco-

mendar aos árbitros que examinem de uma forma mais abrangente ou mais específica um

determinado ponto, que, ao entender da Corte, deva ser melhor examinado. De uma forma

geral, em 99% dos casos o Tribunal Arbitral aceita as sugestões feitas pela Corte. E quando

falo em sugestões feitas pela Corte, refiro-me a sugestões feitas após o exame bem detalha-

do, por parte daqueles grupos de advogados internos que a Corte de Arbitragem tem, e

também do exame que é feito pelos membros da Corte, já que, entre seus membros é

nomeado um relator para examinar o procedimento, verificar se ele está em ordem, se os

árbitros seguiram, efetivamente, o que havia sido determinado na ata de missão, se foram

cumpridas todas as etapas de forma correta, e, principalmente, se o direito foi bem aplica-

do. Essa variedade de membros que existem dentro da Corte de Arbitragem, representan-

do diferentes países, faz com que o exame dessas decisões arbitrais, ainda sob a forma de

minuta, possa ser feito por alguém que tem, efetivamente, conhecimento de causa.

Proferida a decisão, após o exame prévio pela Corte, que dá esse selo de qualidade à decisão

arbitral, as partes, obviamente, podem pedir a correção ou interpretação do laudo arbitral,

de acordo com o disposto no artigo 29 do regulamento, e essa correção ou interpretação do

laudo arbitral também terá que passar pelo prévio escrutínio da Corte e, em sendo por ela

aceita, será obrigatoriamente proferida em forma de um aditivo àquela decisão, e, então,

entregue às partes.

Para terminar, a executoriedade da decisão arbitral. A nossa Lei de Arbitragem está em

perfeita sintonia com o regulamento de arbitragem da CCI, que, em seu artigo 28, parágra-

fo VI, determina que toda decisão obriga às partes, obrigando-se elas a cumprir a decisão

com presteza, renunciando a todos os recursos a que poderiam validamente renunciar. Como

eu disse, há uma perfeita sintonia com a nossa lei, em que no seu artigo 31 determina que

a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença

proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e sendo condenatória constitui título executivo.

Enfim, era isso que queria transmitir a vocês, um pouco da minha experiência como mem-

bro da Corte de Arbitragem e elucidar, de uma forma muito mais abrangente, como funcio-

na uma arbitragem CCI, e a sua mecânica processual. Eu permaneço à disposição de vocês

para responder a quaisquer perguntas que tenham. Muito obrigado pela atenção.

CARLOS MAXIMILIANO MAFRA DE LAET

As Novas Formas de Solução dos Conflitos e a Arbitragem

Há quase um ano, aqui na CNC, tive a oportunidade de comentar o que a Câmara de

Comércio Internacional de Paris, a CCI, vinha fazendo no campo dos Meios de Solução

Amigável de Conflitos ou, como se diz em inglês, Amicable Dispute Resolution conhecida pela

110

famosa sigla ADR, que já começa a ser utilizada também entre nós, aqui no Brasil.

Na verdade, a ADR pode ser Amicable Dispute Resolution ou Alternative Dispute Resolution.

Por que esta duplicidade de expressão?

Para os americanos as ADR são Alternative Dispute Resolution, ou seja, meios alternativos de

solução, que compreendem não só os meios amigáveis de solução de conflitos – como a

conciliação, mediação e tantos outros, mas também a arbitragem. Os europeus se dividem.

Para os franceses, especialmente para a CCI, as ADR são os meios amigáveis de solução de

conflitos, que não incluem, é claro, a arbitragem.

Para a CCI a arbitragem não pode e não deve ser considerada como meio alternativo de

solução de conflitos. A arbitragem e o processo judicial são meios contenciosos de solução

de conflitos que devem se situar no mesmo patamar de importância.

A Formação de Uma Cultura

Com razão a CCI!

A arbitragem já faz parte da cultura dos países mais avançados do mundo. Não é mais uma

alternativa. Ela é o meio mais importante para solução de conflitos.

A arbitragem já se tornou tão importante no mundo dos negócios internacionais, que por

vezes contratos deixaram de ser assinados com partes brasileiras, porque o Brasil não havia

assinado a Convenção de Nova Iorque, nem tinha uma lei moderna e adequada, como a

atual que acaba de completar seu 6º aniversário.

Isto, em termos práticos, significava, por exemplo, o seguinte: Uma decisão arbitral profe-

rida no Exterior, em um país onde tal decisão prescindia de homologação pelo Poder Judi-

ciário, não poderia ou pelo menos não vinha sendo homologada pelo STF por não se tratar

de sentença judicial e, desse modo, não poderia ser executada no Brasil.

Em termos práticos ainda, a falta de uma legislação moderna dentro dos padrões internacio-

nais e a falta de uma cultura arbitral entre nós impediam até mesmo que investimentos

importantes fossem feitos no Brasil.

Finalmente mudamos e estamos conseguindo adquirir esta cultura. Mas o caminho da arbi-

tragem no Brasil foi longo até chegarmos ao ponto em que chegamos.

Desde o tempo da colonização portuguesa a arbitragem é prevista no Brasil, remontando às

Ordenações Felipinas.

Na Constituição Federal de 1824 ela também estava prevista.

Em nosso Código Comercial a arbitragem foi inserida, inclusive como solução obrigatória,

111

como nas questões resultantes do contrato de locação mercantil (1850).

Após a Proclamação da República alguns estados da Federação também editaram leis, regu-

lando a arbitragem obrigatória.

Mas a verdade é que a arbitragem não “decolava”. Por essa razão, os dispositivos legais

prevendo a arbitragem obrigatória acabaram sendo revogados.

Em 1916, ela passa a ser tratada pelo Código Civil, como solução voluntária para solução de

conflitos. O Código previa o compromisso, mas não a cláusula compromissória.

As partes podiam prever em um contrato que a arbitragem seria adotada como meio de

solução de conflitos, mas ela não tinha realmente o condão de obrigar as partes. Assim, em

caso de recalcitrância da parte demandada, ficava ela sujeita apenas ao pagamento de inde-

nização por perdas e danos em razão do descumprimento de obrigação ou ao pagamento de

multa, se prevista.

O Código de Processo Civil de 39 disciplinava a matéria, assim como o de 73.

Em 1932 demos um passo importante. Ratificamos o Protocolo de Genebra de 1923, relati-

vo às cláusulas da arbitragem. Mas o Protocolo de Genebra não continha regras específicas

sobre a homologação e o reconhecimento das sentenças arbitrais. Aplicava-se a lei do país

onde a sentença seria executada.

Em 1995 demos mais passo e um passo importante no campo da arbitragem internacional.

Ratificamos a Convenção do Panamá de 75 e a de Montevidéu de 79. Essas convenções,

que se complementam, continham regras claras sobre a homologação das sentenças arbitrais

estrangeiras, mas estavam restritas aos países da Organização dos Estados Americanos.

A Convenção de Nova Iorque de 58 ainda não havia sido ratificada pelo Brasil. Continuáva-

mos sem uma lei moderna que assegurasse a prática da arbitragem no Brasil.

Finalmente em 96 foi publicada e entrou em vigor nossa lei.

A arbitragem uma vez convencionada passa a ser obrigatória.

A sentença arbitral deve ser homologada, independentemente de sua homologação no país

de origem.

Também a citação pode ser feita de acordo com a Convenção de Arbitragem ou da lei

processual do país onde se realizou a arbitragem.

Continuávamos sem ratificar a Convenção de Nova Iorque, mas os dispositivos de nossa lei

sobre reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira eram os mesmos.

Podíamos respirar aliviados, mesmo sem ter ratificado a Convenção de Nova Iorque.

112

Não! Começa o processo de discussão sobre a inconstitucionalidade, que vai até final do

ano passado.

Acabou finalmente. Ratificamos a Convenção de Nova Iorque.

Não somos mais a Ilha de Resistência como se referiu um dia a nós o jurista René Davi,

nem os patinhos feios da arbitragem internacional.

Nossa cultura arbitral vai se formando rapidamente.

Aparentemente, sai um pouco do meu tema, mas a mensagem que pretendi passar foi a da

importância da formação de uma cultura, quando se pretende mudar o sistema. A cultura

arbitral, como disse, é uma realidade em vários países e está se tornando uma realidade

entre nós.

Soluções Amigáveis de Conflito na CCI e no Exterior

Chegou agora a vez dos meios amigáveis de solução dos conflitos, que começam a ocupar

um espaço muito importante, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa. Na Améri-

ca do Sul já tem tido muito sucesso na Argentina e, finalmente, vai chegando ao Brasil.

Voltando à CCI, aquela Câmara de Comércio lançou no dia 1º de julho de 2001, o seu

Regulamento e um Guia para as ADR. Este Regulamento veio a substituir as Regras de

Conciliação da CCI, adotadas desde 1923.

Com um novo Regulamento a CCI indicou ou reconheceu a importância cada vez maior das

ADR, o que já havia sido reconhecido por outras instituições arbitrais.

Para a CCI e dentro, aliás, de um conceito adotado na maioria dos países, uma ADR é um

procedimento voluntário, controlado pelas partes e extremamente flexível, que tem por

objetivo fazer com que as partes atinjam uma solução amigável do litígio ou do seu desen-

tendimento. Na ADR da CCI as partes têm sempre o direito de se retirar do procedimento

a qualquer momento. Têm também a liberdade de escolher o Terceiro que as ajudará a

encontrar a solução amigável. Se as partes não conseguirem indicar em conjunto o Terceiro,

a CCI, então, neste caso, o fará. Outro aspecto que foi levado em consideração no Regula-

mento ADR da CCI foi a possibilidade das partes concordarem sobre a adoção da ADR, a

qualquer tempo. Poderá ser antecipadamente, através da inserção de cláusula contratual

específica, ou depois da assinatura do contrato, inclusive depois de iniciada a arbitragem.

Têm ainda as partes a liberdade para escolher o método ADR que bem entenderem. Den-

tre os diversos métodos, os mais conhecidos são os da conciliação e da mediação.

Embora o Regulamento ADR da CCI deixe as partes absolutamente livres para a escolha do

método ADR e para o estabelecimento das regras a serem aplicadas, ela prestigia a MEDIA-

ÇÃO como tipo de ADR, na falta de acordo entre as partes sobre determinado método.

113

Já o guia das ADR nos fala, além da Mediação, na Avaliação do Terceiro e no Minijulgamento

ou Minitrial.

Vale aqui darmos uma olhada em cada um desses conceitos:

Mediação

Para os fins do Regulamento, a mediação constitui a técnica de solução amigável em que o

Terceiro atua como agente facilitador para ajudar as partes a tentarem chegar a uma solução

negociada de seu conflito. Não cabe ao Terceiro dar qualquer parecer quanto ao mérito do

conflito.

Para facilitar uma solução amigável, o Terceiro em geral realiza reuniões conjuntas, com

todas as partes presentes, mas também pode realizar reuniões separadas com cada uma das

partes, freqüentemente denominadas caucuses. Essas reuniões permitem que o Terceiro

crie uma atmosfera apropriada para as negociações, obtenha informações úteis, identifique

os interesses de cada parte e ajude as partes a encontrarem bases comuns para a resolução

do seu conflito. Quaisquer declarações verbais prestadas ou documentos escritos forneci-

dos ao Terceiro por uma das partes, durante uma reunião em separado ou de outro modo,

não serão transmitidos à outra parte, a menos que a primeira parte haja explicitamente

autorizado o Terceiro a fazê-lo.

Eu acabei de usar aqui a palavra em inglês caucuses, que consta do Guia ADR. Quando fui

traduzir o Guia e o Regulamento das ADR da CCI para o português, antes de recorrer ao

dicionário fui ao texto em francês onde a expressão caucuses é repetida entre aspas. Fui,

então, ao dicionário que traduz caucuses por conchavo. Apesar de ter entendido a tradução,

mas dada a conotação negativa da palavra, fiz como os franceses e mantive a expressão

inglesa.

Avaliação do Terceiro

De acordo com essa técnica de solução amigável, as partes pedem ao Terceiro que forneça

uma avaliação ou um parecer não vinculatório no que diz respeito a uma ou mais questões,

tais como:

uma questão de fato;

uma questão técnica de qualquer natureza;

uma questão de direito;

uma questão relativa à aplicação do direito aos fatos;

uma questão relativa à interpretação de uma disposição contratual;

114

uma questão relativa à alteração de um contrato.

Minijulgamento

O minijulgamento consiste na técnica de solução amigável em que se constitui um painel

composto do Terceiro, como agente facilitador, e um administrador de cada uma das partes

do conflito. Cada administrador, em princípio, precisa ter autoridade para obrigar a parte

que o escolheu e não deve estar diretamente envolvido no conflito. Cada parte apresenta a

sua posição ao painel, de maneira breve e concisa, após o que, dependendo da situação, o

painel procura uma solução aceitável para todas as partes ou emite um parecer acerca das

posições de cada um dos lados.

Bem até agora, nós tratamos da importância cada vez maior dos meios amigáveis para solu-

ção dos conflitos lá fora. Vimos que esses meios constituem em geral, um processo voluntá-

rio onde as partes têm plena liberdade na escolha do Terceiro e do método. É um processo

ágil, confidencial e de custo razoável e que tem evitado o recurso ao contencioso, seja via

arbitragem, seja através do Poder Judiciário.

Vamos ver agora o que já aconteceu no Brasil e o que está acontecendo no momento, quan-

do temos um anteprojeto de lei sobre mediação.

O Brasil e as Adr – do Código de Processo Civil até o Anteprojeto da Leisobre Mediação

Em nosso direito, a conciliação foi adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, que em

seus artigos 447 e 448 previa uma audiência de conciliação, que antecedia o início da audiên-

cia de instrução e julgamento. Diz o artigo 447:

“Quando o litígio versar sobre direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz, de ofício, determinará ocomparecimento das partes ao início da audiência de instrumento e julgamento.

§ único. Em causas relativas à família, terá lugar igualmente a conciliação, nos casos e para os fins emque a lei consente a transação.”

Já o art. 331 caput, também do Código de Processo Civil, na redação da Lei 8.952 de 13.12.94,

instituiu a audiência de conciliação anterior ao saneamento e à audiência de instrução e

julgamento.

Na verdade, esta atual redação do art. 331 veio a substituir a dos arts. 447 e 448.

Art. 331 – “Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versarsobre direitos disponíveis, o juiz designará audiência de conciliação a realizar-se no prazo máximo de30 dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.

§ 1º. Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.

115

§ 2º. Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designandoaudiência de instrução e julgamento, se necessário.”

Por sua vez, o art. 125 IV do nosso CPC, com redação igualmente dada pela Lei 8.952 de 94,

diz que:

“O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

V - tentar a qualquer tempo conciliar as partes.”

A Lei 9.099 de 26.9.95, que dispõe sobre os Juizados especiais cíveis e criminais, dá espe-

cial atenção à conciliação.

De seus artigos 7º e 22º, lemos o seguinte:

“Art. 7º – Os conciliadores e juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferen-temente, entre os bacharéis em direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiên-cia.

Parágrafo único – Os juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Espe-ciais, enquanto no desempenho de suas funções.

Art. 22º – A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.”

Além disso, em ato Executivo Conjunto nº 7, de dezembro de 96, firmado pelo Tribunal de

Justiça com a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi instituído o

Juizado informal de Conciliação cuja a competência, determinada pelo artigo 1º, é a de

promover as conciliações nos juízos Cíveis e de Família.

A instituição do Juizado de Conciliação foi embasada no artigo 98, I da Constituição Fede-

ral, artigo 57 da Lei nº 9.009/95 e artigos 12, § 4º e 13, da Lei 2.556/96 do Estado do Rio de

Janeiro.

Vamos ver agora o que está acontecendo no Brasil neste momento, para depois traçarmos

um paralelo entre a abordagem internacional das ADR e a maneira como estamos tratando

aqui os meios de solução amigável de conflito.

Atualmente existe um anteprojeto de lei sobre a “Mediação e outros meios de pacificação”

que cuida sobretudo da MEDIAÇÃO PARAPROCESSUAL e que está sendo encaminhado

pela Escola de Magistratura ao Ministro da Justiça.

Vamos analisar esse anteprojeto, que contou com a participação não só de advogados mas

também dos magistrados. Ele foi idealizado pela ESCOLA NACIONAL DA MAGISTRA-

116

TURA, contando com a participação da Ministra do STJ Fátima Nancy Andrigui, Dr. Sidney

Benetti do TJ de São Paulo e juristas de renome como: Carlos Alberto Carmona, José Ma-

nuel Arruda Alvim que redigiram a anteprojeto, também contando com a participação da

OAB.

Os motivos de tamanho empenho são, com certeza, a sobrecarga do judiciário e uma tenta-

tiva de melhorar as formas de solução de litígio. Melhorar para tornar a solução mais rápida,

mais barata e buscar instrumento de pacificação do conflito. Toda vez que um juiz dá uma

sentença uma a parte que perdeu fica insatisfeita, o juiz só resolveu o conflito. Se as partes

conseguem resolver o litígio por meio de mediadores, são as próprias partes que saem mais

satisfeitas.

O projeto prevê duas formas de mediação:

Mediação Prévia

A mediação prévia é sempre facultativa, devendo o requerimento ser instrumentalizado

por meio de formulário padronizado, que será subscrito pela parte e seu advogado.

se frutífera lavra-se termo de transação

se infrutífera consigna-se a impossibilidade e informa-se ao distribuidor do fórum o acon-

tecido.

Mediação Incidental

A mediação incidental é OBRIGATÓRIA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO (sal-

vo se as partes já tiverem tentando a prévia nos 180 dias anteriores ao ajuizamento da ação

e hipóteses elencadas nos itens do artigo 5o).

Petição inicial será distribuída a um mediador sorteado, que é necessariamente um advoga-

do - art. 7º; tenta-se a mediação por 60 dias quando então qualquer das partes poderá

solicitar a retomada do processo.

Mediadores

Advogados com 3 anos de experiência;

podem ser auxiliados por co-mediadores a pedido de qualquer litigante ou a critério do

mediador;

nas causas de família é obrigatória a co-mediação;

formados e selecionados pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL e pelo Tribunal

117

de Justiça;

Tribunal de Justiça local manterá um registro de mediadores;

Fiscalização da atuação pela OAB e pelos magistrados.

A previsão de honorários no primeiro anteprojeto variava de 0,5 a 20 salários mínimos de

acordo com o valor da causa, se obtida a transação. Pelo anteprojeto que está sendo encami-

nhado ao Ministro da Justiça, os critérios para fixação dos honorários do mediador serão

fixados pelo Tribunal de Justiça local.

O mediador somente fará jus aos honorários no caso de ser obtida a transação.

Características do Mediador

– imparcialidade

– confidencialidade

– facilitador de comunicação

Pelo que já se pode deduzir, o empenho do Judiciário e da OAB em relação a este antepro-

jeto de mediação pode significar também um esforço do judiciário para de um outro modo

controlar a Mediação e da Ordem dos Advogados para prestigiar os advogados.

Este anteprojeto tem com certeza alguns pontos bem polêmicos, tais como a mediação

obrigatória e o fato de apenas os advogados poderem ser mediadores.

Além disso, o anteprojeto prevê a modificação do art. 331 do CPC para reforçar a importân-

cia de conciliação e de outros meios amigáveis de solução dos conflitos. Vale registrar a

redação proposta para um § 5º do art. 331.

“§ 5º. O juiz deverá buscar, prioritariamente, a pacificação das partes, ao invés da solução adjudicadado conflito, sendo sua dedicada atuação nesse sentido reputada de relevante valor social e consideradapara efeito de promoção por merecimento.”

Na verdade, o anteprojeto varia bastante do conceito das soluções amigáveis de conflito

adotado pela CCI e pela maioria dos países do mundo.

Análise e Crítica do Anteprojeto em Comparação com as ADR da CCI

– Pela CCI a ADR deve ser voluntária, embora se contratada, as partes devem pelo menos

fazer uma tentativa para chegar a uma solução amigável. Pelo anteprojeto a mediação

incidental é obrigatória. Acho válido que a mediação incidental seja obrigatória. É uma

maneira de se acelerar a formação de uma cultura.

118

Quero registrar aqui, pela sua importância, a posição do CONIMA, que congrega Câmaras

de Arbitragem e Mediação. O CONIMA entende que a obrigatoriedade se choca com a

natureza do instituto, que é voluntária.

O nosso projeto inspirou-se na bem-sucedida experiência argentina na província de Buenos

Aires, que por sua vez inspirou-se na experiência de alguns estados norte-americanos. Na

Argentina criou-se também a figura da Mediação obrigatória a qual foi implantada através

de um Plano Piloto de duração de 5 anos, já prorrogado por um novo período de 5 anos.

Quando nos deparamos com os índices apresentados na Argentina, o resultado é surpreen-

dente. Somente 1,8% dos acordos que decorreram de mediações bem-sucedidas não são

cumpridos voluntariamente.

Os resultados na Argentina foram ainda:

Surgimento, pouco a pouco, de uma cultura de mediação, cultura do diálogo e, conse-

qüentemente, redução de litigiosidade. Atualmente um advogado de lá já pensa, antes de

ingressar com uma ação, em recorrer a um procedimento de mediação perante uma Câma-

ra de Mediação.

Rebaixamento do número de casos em juízo;

Diminuição do tempo de julgamento de ações.

– O Terceiro, pelo Regulamento da CCI, pode ser qualquer profissional competente. O

anteprojeto exige que o Terceiro seja advogado, embora este possa chamar outro profissio-

nal. Também aqui o anteprojeto segue a lei argentina. Esta obrigação vai acabar encarecen-

do o procedimento sempre que o advogado tiver que chamar outro profissional.

– No Regulamento das ADR da CCI as partes estão livres para a escolha do método de

solução amigável de conflito, embora a mediação seja o método mais prestigiado como já

vimos. O primeiro anteprojeto cuidava apenas da mediação tendo agora, porém, aberto as

portas para outros meios de solução de conflitos assemelhando-se, portanto, ao regulamen-

to ADR da CCI. É o caso do art. 20 e dos § 3º e 4º propostos para o art. 331 do CPC.

“Art. 20. As disposições desta Lei não excluem outras formas de mediação extrajudicial vinculadas aórgãos institucionais ou realizadas através de mediadores independentes, constituindo a transação títuloexecutivo, segundo o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 1º desta Lei.

§ 3º. Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas de solução do conflito poderão sersugeridas pelo juiz, inclusive a arbitragem, na forma da lei, a mediação e a avaliação neutra de terceiro.

§ 4º. A avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive paraeste, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa decomposição amigável do conflito.”

119

De todo modo, repito, a mediação é o método mais prestigiado. Lembro-me de um artigo

do Sérgio Tostes na Brazilian Business, revista da Câmara de Comércio Americana para o

Brasil, onde me deparei com o seguinte comentário, que veio bem a calhar:

“O instituto da Mediação tem futuro promissor no Brasil porque está em consonância com o espíritobrasileiro de achar uma solução satisfatória para todos. O “jeitinho brasileiro” tão criticado e deprecia-do é uma característica nossa. E, como toda característica, é boa ou má dependendo de como é explorada.Já era, portanto, de se estar utilizando adequadamente, para o bem, o jeitinho brasileiro. Dentro destecontexto a Mediação tem todo potencial para se desenvolver.”

Em conclusão, caminhamos no campo da arbitragem e estamos caminhando no campo de

meios amigáveis para solução dos conflitos, esperando que a justiça possa se fazer de forma

rápida e eficaz.

120

Palestrante: CARLOS ALBERTO CARMONA

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2002

Tema: PROCESSO ARBITRAL

1 O tema que me foi atribuído – processo arbitral – evidentemente envolve uma série de. premissas a respeito da visão que tenho sobre a Lei de Arbitragem, abrangendo ques-

tões que vão desde a intenção de eventualmente levar a julgamento arbitral um litígio que

ainda não existe (inserção no contrato de uma cláusula compromissória) até o cumprimen-

to da sentença arbitral (ou a eventual impugnação da decisão dos árbitros).

2. Nosso diálogo começa com uma abordagem sobre as modalidades de instituir a arbitra-

gem, ou seja, com uma rápida visão sobre a cláusula arbitral e sobre o compromisso (desig-

nados em conjunto, pela Lei de Arbitragem, como convenção de arbitragem), para verificar,

a partir dali, como se desenrola o processo arbitral. Vou tratar então de uma fase que é,

verdadeiramente, pré-arbitral, de uma fase tipicamente arbitral e de uma fase pós-arbitral:

tudo isto constitui o que denomino de processo arbitral. Notem que não falei em procedi-mento arbitral, mas sim em processo arbitral, porque minha visão é de perfeita equivalência

entre a arbitragem (mecanismo jurisdicional) e o processo estatal (mecanismo também

jurisdicional): em outras palavras, o árbitro faz, efetivamente, o papel de juiz, de fato e de

direito, e por isso, a própria natureza jurídica do instituto responde a esta idéia de

jurisdicionalidade. Trata-se não só de localização propedêutica da arbitragem, mas também

de um correto entendimento do instituto e das escolhas do legislador, tudo para que se

possa conferir se a Lei de Arbitragem alcançou as metas propostas pelo legislador de 1996,

pois quando a Lei 9.307/96 foi idealizada, a proposta foi no sentido de fazer reviver a arbi-

tragem no Brasil, com uma entonação completamente distinta daquela propiciada pelo

Código de Processo Civil de 1939, basicamente repetida pelo Código de Processo Civil de

1973. Quer dizer, a idéia do reformador de 1996 foi, realmente, montar uma fórmula eficaz

de resolver controvérsias que tivessem um respaldo importante do Estado. Este respaldo

fez-se sentir no prestígio que o legislador emprestou à cláusula compromissória, como se

verá mais adiante.

3. A Lei de Arbitragem está centrada numa pilastra importantíssima que é a autonomia da

vontade. Mas autonomia com responsabilidade, o que tem preço. Em termos vulgares,

121

quem disser: “quero arbitragem”, não se livra mais dela, a não ser que os dois contratantes

resolvam, consensualmente, abandonar a via arbitral em prol da solução negociada ou da

solução judicial. Em termos mais técnicos, importa reconhecer que a Lei 9.307/96

supervalorizou a cláusula compromissória, a ponto de reconhecer sua eficácia – como fator

de afastamento do juiz togado – mesmo quando tal cláusula for “vazia”, ou seja, quando as

partes não tiverem sequer mencionado a forma de nomear árbitro. É sempre desejável, é

claro, que as cláusulas sejam “cheias”, isto é, indiquem de modo exaustivo (ou, pelo me-

nos, claro e completo) como querem as partes fazer resolver suas eventuais e futuras dispu-

tas. Assim, se não optarem pela arbitragem institucional (quando bastará reportar-se a cláu-

sula ao regulamento de um órgão arbitral) e estipularem a resolução de controvérsia através

da arbitragem ad hoc, devem as partes especificar, em primeiro lugar, como deve ser escolhi-

do ou indicado o árbitro, estipulando, depois, que normas deve o árbitro aplicar (ou se pode

julgar por eqüidade), o local onde os atos deverão ser praticados, a remuneração dos árbi-

tros, etc. Importante mesmo é a previsão da forma de nomear o árbitro, pois todos os outros

elementos poderão ser deixados a critério do próprio árbitro se as partes nada disserem a

respeito. Mas quanto mais vaga for a cláusula, mais problemas haverá para resolver: se as

partes nada avençarem sobre os honorários do árbitro, certamente haverá disputa sobre o

tema; se nada ficar convencionado sobre o lugar para a prática dos atos processuais, haverá

sempre espaço para ocupar o árbitro com a questão; se nada ficar convencionado sobre o

procedimento, será o árbitro atormentado por alegações acerca de cerceamento de defesa...

Enfim, vale aqui a máxima popular: o combinado não sai caro! Estejam pois os advogados

atentos ao problema para que o árbitro foque sua atenção sobre o que realmente conta, ou

seja, dirija seus esforços para a solução do litígio, ao invés de ocupar-se com quizilas proces-

suais.

4. Note-se, de qualquer forma, que a arbitragem pode ser instituída apenas por conta da

cláusula, sem necessidade de qualquer outra providência. Vale dizer, então, que a cláusula

compromissória não é ato preparatório ou preliminar do compromisso arbitral, como enten-

dem – erroneamente – alguns. A cláusula, por si só, é suficiente para que o árbitro assuma

sua função e dê início ao processo arbitral, sem que haja necessidade de qualquer outra

providência. Manda a prudência, de qualquer forma, que, instituída a arbitragem por cláu-

sula arbitral, o árbitro convoque as partes para a assinatura do termo de arbitragem de que

trata o art. 19, parágrafo único, da Lei de Arbitragem: neste termo serão melhor esclarecidas

todas as eventuais lacunas deixadas pela convenção arbitral, de sorte a evitar futuras quei-

xas dos contendentes. É preciso entender de uma vez por todas que a liberdade concedida

aos litigantes tem que ser bem aproveitada, de tal modo que a forma de resolver o litígio

seja a mais ágil e a mais adequada ao caso concreto. A oportunidade que se abre ao árbitro é

valiosa, na medida em que na convenção de arbitragem muitas vezes estipulam as partes

algo que desde logo já se percebe ser supérfluo, excessivo e completamente desnecessário,

podendo os litigantes, alertados sobre o tema, mudar a avença anterior. Repito: a liberdade

das partes é total, nada impedindo que, pelo termo de arbitragem de que trata o parágrafo

em questão, resolvam as partes alterar o que ficou estipulado na convenção de arbitragem

(seja na cláusula compromissória, seja no compromisso arbitral).

A prática da arbitragem mostra a importância do termo em questão: em determinado pro-

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cedimento arbitral instaurado em São Paulo, haviam as partes convencionado a aplicação de

procedimento totalmente inconveniente para a solução do litígio que expunham aos árbi-

tros; designada audiência inicial para firmar o termo de arbitragem de que trata o art. 19,

parágr. único, da Lei de Arbitragem, mostraram os árbitros aos litigantes a inconveniência

de processar-se a arbitragem segundo o procedimento; as partes, alertadas, concordam em

adotar procedimento diverso. Da mesma forma, convém lembrar que o procedimento dos

órgãos arbitrais institucionais podem sofrer adaptações, a critério das partes: prazos podem

ser reduzidos ou aumentados, audiências podem ser suprimidas, debates podem ser dis-

pensados, etc. Mais uma vez, o termo de arbitragem pode configurar remédio adequado

para modelar melhor o procedimento adequado a cada causa, com a ativa participação dos

interessados.

5. Como disse no início desta breve digressão, a Lei de Arbitragem estabelece, no art. 3o, o

conceito de Convenção de Arbitragem, englobando a cláusula compromissória e o compro-

misso, mas continua a manter a distinção entre os dois. O legislador perdeu, talvez, oportu-

nidade de ouro de acabar de vez com tal distinção, como fizeram, em passado não muito

distante, os espanhóis e os paraguaios. Apegou-se demasiadamente o legislador à história

da arbitragem no Brasil, sem conseguir afastar-se do antigo sistema francês, de tal sorte que

a lei curvou-se à tradição. Assim, continuamos a ter a cláusula como avença através da qual

as partes inserem em determinado contrato a decisão de submeter eventuais e futuras

controvérsias à solução de árbitros, enquanto o compromisso arbitral é o negócio jurídico

processual através do qual as partes submetem desde logo um litígio – concreto e atual – à

solução de árbitros. A distinção primeira, bem se vê, é meramente temporal: a cláusula

trata de situação futura e eventual, enquanto o compromisso lida com questão concreta e

atual. Mas não é só: o legislador, aproveitando-se do fato de estar criando, ex novo, a discipli-

na da cláusula compromissória, que até o advento da lei de arbitragem não tinha tratamen-

to legislativo (para ser preciso, apenas tratados internacionais, ratificados ou apenas assina-

dos pelo Brasil, lidavam com o tema) liberou-se de formalismos inúteis, não se preocupan-

do em estabelecer forma rígida. Por isso mesmo, o art. 4o, parágr. 1o, da Lei de Arbitragem

aponta uma única exigência para a cláusula: que seja redigida por escrito. Com o compro-

misso, a situação foi bem outra: estando o legislador impressionado, historicamente, com a

disciplina formal voltada ao compromisso arbitral, a lei de 1996 foi pouco menos rigorosa –

mas igualmente formalista – que o Código de 1973, de modo que o compromisso continuou

a ter sua forma rigidamente regulada em lei (documento público, documento particular

firmado por duas testemunhas, ou termo nos autos). E mais: além da forma rigorosa, o

conteúdo deste negócio jurídico processual é inflexivelmente controlado em lei, estabele-

cendo o legislador (art. 10o) seus elementos essenciais (obrigatórios) e (art. 11) seus ele-

mentos acidentais (facultativos).

De qualquer modo, uma coisa é certa: existindo cláusula compromissória, não haverá ne-

cessidade de firmar posteriormente compromisso arbitral.

É bem verdade que o art. 7o da Lei de Arbitragem dá margem a alguma dúvida, especial-

mente no parágrafo 7o desde dispositivo legal, pois o legislador estipulou, para as cláusulas

vazias, que a parte interessada em instituir a arbitragem pudesse promover demanda judi-

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cial com o objetivo único de ver instituída a arbitragem (cumprimento específico da cláu-

sula compromissória vazia). Disse o legislador no parágrafo referido que a sentença que der

pela procedência do pedido “valerá como compromisso arbitral”, deixando transparecer

que, apesar da cláusula seria necessário o complemento (compromisso). O texto talvez não

tenha sido o mais feliz e a impressão que a norma deixa vazar é falsa: a sentença do juiz em

verdade institui a arbitragem, completando a vontade das partes que, por não ter sido

manifestada, impedia o início da arbitragem.

Insisto neste ponto: a demanda prevista no art. 7o da Lei 9.307/96 (que trata da instituição

forçada da arbitragem) só diz respeito à cláusula compromissória “vazia”. Se a cláusula for

“cheia”, isto é, se indicar pelo menos a forma de nomear o árbitro, não será necessário o

recurso ao Poder Judiciário. Basta pensar na hipótese de as partes terem convencionado

arbitragem institucional e uma delas, ocorrendo litígio, recusar-se a indicar árbitro ou a

comparecer em sessão designada pelo árbitro. Nenhuma dificuldade poderá causar tal

recalcitrância da parte: a arbitragem será instituída, o árbitro faltante poderá ser indicado

pelo presidente do órgão arbitral institucional e a eventual ausência da parte não impedirá

que seja a causa decidida (o legislador tomou o cuidado de estipular, de qualquer forma,

que a revelia da parte – rectius, contumácia – não impedirá que seja proferida a sentença

arbitral, conforme art. 22, parágr. 3o).

6. O artigo 301, IX, do Código de Processo Civil, por outro ângulo, acaba mostrando elo-

qüentemente a extensão da escolha do legislador quanto à eficácia da cláusula

compromissória (e sua aberta, escancarada, preferência por este mecanismo de instituição

da arbitragem). O art. 301 relaciona as questões que o réu deve alegar antes de iniciar a

tratativa do mérito na sua petição de contestação, matérias que, diz o parágr. 4o do mesmo

artigo, podem ser conhecidas de ofício pelo juiz, exceção feita ao compromisso arbitral. O

inciso IX do dispositivo trata da Convenção de Arbitragem como matéria que o réu deve

alegar antes de discutir o mérito, Convenção de Arbitragem que, nos termos art. 3o da Lei

de Arbitragem, engloba a cláusula arbitral e o compromisso. Uma interpretação sistemática

do dispositivo conduz à seguinte conclusão: o juiz pode conhecer de ofício da existência de

cláusula compromissória inserida em documento juntado aos autos pelo autor (o que levará

à inexorável extinção do processo sem julgamento do mérito) mas não pode conhecer de

ofício da existência de compromisso arbitral (matéria de exceção processual). Alguns, en-

tretanto, viram uma contradição (que não há!) entre o inciso IX e o parágrafo 4o, afirmando

que teria havido erro do legislador, de sorte que onde se lê, no parágrafo 4o, “compromisso

arbitral” deveria figurar “Convenção de Arbitragem”. Nada mais inexato: quem assim pen-

sa não percebeu que o legislador, mais uma vez valorizou a cláusula compromissória, permi-

tindo ao juiz que se afaste do processo (extinguindo-o, em verdade) diante da vontade

manifestada pelas partes de resolver futuras controvérsias através do julgamento arbitral.

Insisto: trata-se de mais um reforço à arbitragem (e à vontade manifestada pelas partes de

resolver disputas através deste meio alternativo de solução de litígios) e não de um equívo-

co do legislador.

Em conclusão, a cláusula e o compromisso diferem-se, hoje, basicamente pelo critério tem-

poral. A cláusula é avença para a eventualidade futura de um litígio; é uma mera possibi-

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lidade; o litígio ainda não ocorreu, talvez nunca ocorra. Já o compromisso diz respeito a um

litígio concreto, a um litígio atual e as partes estão tratando de um problema que já existe.

O legislador apostou na cláusula compromissória, baseando-se especialmente na experiên-

cia européia, que atesta ser a cláusula compromissória responsável pela instituição da maior

parte das arbitragens. Em um país onde não havia cultura alguma sobre arbitragem, preci-

sávamos apostar naquilo que provavelmente desse certo, tendo por base experiência alheia.

Tudo leva a crer que a aposta foi vencedora!

7. O primeiro passo para o sucesso de uma arbitragem está ligado à redação da convenção

de arbitragem. O segundo passo diz respeito ao cuidado na escolha do árbitro ou do órgão

arbitral, conforme o caso. Passo então a tratar da cláusula compromissória sob este prisma,

ou seja, sob a visão dos contratantes que, durante a discussão de cláusulas contratuais de-

vem preocupar-se, também, com a eventualidade de haver litígio.

Optando as partes pela inserção de cláusula compromissória (“cheia”, sempre, como con-

vém!), é preciso discutir sobre a melhor forma de resolver conflitos futuros e hipotéticos.

Note-se que a cláusula arbitral tem esta vantagem: os contratantes discutem sua redação

sem a aflição e a desconfiança presentes quando já existe um litígio. Se as partes optarem

pela arbitragem ad hoc deverão explicitar desde logo o que pretendem: árbitro único ou

colégio arbitral? Quem indicará os árbitros? Qual a especialidade exigida de cada árbitro?

Qual o procedimento que adotarão? Que normas usará o árbitro para julgar? O rol de ques-

tões é bastante amplo, mas quanto mais especificarem os contendentes, melhor será o

atendimento que receberão do árbitro escolhido. Devem recordar os futuros contendentes

que não poderão escudar-se na organização de uma câmara ou de um centro de arbitragem,

de tal sorte que caberá ao árbitro que escolherão armar uma secretaria que possa convenien-

temente atender os litigantes. Todos estes temas devem estar bem equacionados se a es-

colha recair sobre a arbitragem ad hoc.

Se as partes concluírem que a melhor opção será apontar um órgão arbitral institucional (a

maior parte das cláusulas hoje inseridas nos contratos faz esta escolha), deverão os contra-

tantes levar em conta o quadro de árbitros e a experiência do órgão arbitral na solução dos

eventuais e futuros problemas que podem assolar o contrato em discussão. Assim, se as

partes estão contratando serviço ligado ao mercado de capitais, nada mais natural que pro-

curem órgão arbitral especializado em tais relações jurídicas; se estão comprando e venden-

do gado, é crucial que procurem órgão arbitral que seja capaz de lidar com eventuais pro-

blemas que possam ocorrer neste tipo de relação jurídica. Considerando que a arbitragem

só agora entra em sua adolescência em nosso país, é bem provável que não haja tantos

órgãos arbitrais de porte que possam dar às partes a garantia de um excelente trabalho,

ainda mais quando o grau de especialidade do contrato possa gerar controvérsias pontuais e

tecnicamente requintadas. É preciso, então, certificarem-se os contratantes (e eventuais

futuros litigantes) da capacidade do órgão arbitral de indicar árbitros de reconhecida capa-

cidade técnica, versados nas questões que a relação jurídica em que se envolveram pode

suscitar. Em síntese, o que quero ressaltar é a necessidade de que as partes (e, naturalmen-

te, a advertência é dirigida aos advogados das partes!) conheçam a especialidade, a capaci-

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dade, as instalações e a experiência do órgão arbitral que pretendam indicar, evitando uma

indicação cega e precipitada que tende a causar dissabor.

Last, but not the least: é importante também conhecer a tabela de custas e de honorários do

órgão arbitral antes de indicá-lo, pois há excelentes câmaras e centros arbitrais, mas cujo

custo pode estar acima da expectativa de gastos dos futuros e eventuais litigantes. O custo

da arbitragem é uma preocupação efetivamente importante. Neste tema, convém lembrar

que o número de árbitros é um fator ponderável no orçamento que as partes farão na esco-

lha da fórmula que lhes convém: a lei determina apenas que os árbitros sejam em número

ímpar, de modo que poderão as partes estabelecer que o litígio será resolvido por um único

árbitro, ou optar pela fórmula – que a esta altura ouso denominar de tradicional – de um

colégio composto de três árbitros, cabendo a cada um dos litigantes a indicação de um

árbitro (cujo nome é escolhido, normalmente, dentre aqueles constantes da lista do órgão

institucional); os árbitros indicados pelas partes, por sua vez, escolherão o terceiro árbitro,

que assumirá a presidência do painel. Considerando que os árbitros, em regra, recebem

honorários de conformidade com as horas despendidas, e tendo em conta que, nos órgãos

arbitrais de maior porte que atuam no eixo Rio–São Paulo a hora técnica está cotada na faixa

de R$ 300,00 a R$ 500,00, é possível fazer desde logo uma estimativa sobre a conveniência

ou não de ter um colégio arbitral ou um árbitro único (trata-se de avaliar a questão do

custo-benefício: uma causa complexa e que envolva valores importantes comportará um

órgão plúrimo; uma causa menos densa e de valor mais modesto provavelmente recomen-

dará a decisão por um árbitro único).

8. Aceitando os árbitros a função, tem início a arbitragem propriamente dita (diz o artigo 19

da Lei 9.307/96, com precisão técnica, que a arbitragem está instituída tão logo os árbitros

aceitem a nomeação para o cargo).

A partir daí, serão seguidas as normas procedimentais estipuladas pelas partes (se a arbitra-

gem for institucional, serão seguidas as regras da respectiva câmara ou centro de arbitra-

gem; se as partes nada avençarem sobre o procedimento, caberá ao árbitro estabelecer as

regras que pretende seguir).

Diversos órgãos arbitrais optaram por um procedimento já testado que vem funcionando

bastante bem: as partes são chamadas para uma audiência inicial, a fim de firmarem o

termo de arbitragem; após, as duas deverão apresentar, no mesmo prazo, suas razões ini-

ciais; em seguida, em prazo comum, deverão manifestar-se sobre as razões do adversário;

ato contínuo, os árbitros reúnem-se com as partes (ou apenas com seus advogados) para

tratar da instrução processual, quando for necessária a produção de outras provas além

daquelas já produzidas. Muitos órgãos arbitrais já abandonaram o conceito da reconvenção:

as partes fixam o objeto da controvérsia e formulam livremente seus pedidos em torno do

objeto litigioso. Para evitar desnecessária (e reprovável) processualização da arbitragem, é

conveniente que, no termo de arbitragem (art. 19, parágr. único da Lei de Arbitragem)

sejam os litigantes instados a formular todos os pedidos que podem decorrer do litígio que

submetem a decisão dos árbitros. Tal fórmula certamente tenderá a evitará alegação futura

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de julgamento extra petita, ultra petita ou citra petita, vícios capazes de anular a sentença

arbitral (art. 32, IV e V, da Lei de Arbitragem).

9. A instrução processual, em sede arbitral, será bastante flexível, até porque o árbitro não

está ligado às regras do Código de Processo Civil, regras que empecem – e empobrecem –

a atividade do juiz togado. Assim, nada impede que o árbitro determine a oitiva de depoi-

mento técnico – ouvindo testemunha não sobre fatos ligados à causa, mas sim sobre deter-

minada matéria técnica, funcionamento de um mercado, usos e costumes de determinado

setor – ou que faculte perguntas formuladas diretamente às partes e testemunhas (sem

que haja a conhecida triangularização parte-juiz-testemunha). Melhor que isso, depen-

dendo da capacidade do órgão arbitral (quando a arbitragem for institucional) a prova peri-

cial poderá ser agilizada com a transmissão de informações (ou do próprio laudo) por via

eletrônica, poderão ser tomados os depoimentos com serviços de estenotipia (com degravação

imediata). Como a vontade das partes impera, os árbitros podem até mesmo substituir a

figura do perito (com a nomeação de assistentes técnicos) por uma empresa de auditoria,

escolhida de comum acordo pelos litigantes para determinada averiguação econômico-fi-

nanceira ou até mesmo contábil. Em apertada síntese, o árbitro pode valer-se de mecanis-

mos desconhecidos (porque o Código de Processo Civil não contempla), pouco conhecidos

ou inacessíveis (porque a estrutura do Pode Judiciário tem conhecida deficiência econômi-

ca) ao juiz togado, de modo que o julgamento tenderá a ser de melhor qualidade.

10. Tomados os depoimentos, quando necessários – e não está descartada a realização de

audiência à distância (teleconferência) se o procedimento escolhido pelas partes assim

admitir – os árbitros estão prontos para proferir a sentença, e as sentenças arbitrais têm a

mesma moldura das sentenças estatais: deve haver relatório, motivação e dispositivo. A

única diferença, em termos formais, é que a sentença proferida pelo árbitro deve conter –

além daqueles requisitos do artigo 458 do Código de Processo – também o lugar e a data em

que a sentença é proferida. Isto apenas por uma exigência legal de qualificar a arbitragem

como nacional ou estrangeira (se o laudo for proferido no Brasil, a arbitragem é nacional; se

o laudo for proferido fora do território nacional, a arbitragem é estrangeira, pouco importan-

do onde os atos foram realizados, e sim onde a sentença foi proferida, nos termos do artigo

34 da Lei de Arbitragem). Importa frisar que o lugar em que a sentença arbitral foi proferi-

da é relevante: se o laudo for produzido fora do território nacional, terá que ser homologado

no Supremo Tribunal Federal para ter eficácia no País. Mostra-se assim mais um item que

revela a flexibilidade permitida pela arbitragem: se a sentença arbitral for proferida em

território nacional, ainda que todos os atos sejam praticados fora do território nacional, a

arbitragem será brasileira e a respectiva sentença produzirá desde logo seus efeitos.

Da mesma forma que a sentença estatal, pode ocorrer que a sentença arbitral padeça de

obscuridade, contradição ou omissão, causando assim dúvida aos interessados. A Lei de

Arbitragem, independentemente do procedimento que as partes tenham escolhido, per-

mite o manejo de remédio semelhante aos embargos de declaração (art. 30).

11. A arbitragem permitirá – seja na fase pré-arbitral, seja durante o processo arbitral, seja

após a arbitragem – o contato entre o árbitro e o juiz togado. Neste sentido, não posso

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deixar de tratar, ainda que de forma superficial, este relacionamento entre árbitro e juiz

togado (relacionamento de coordenação, não de subordinação!).

De fato, na fase pré-arbitral poderá ser necessário o concurso do Poder Judiciário quando a

cláusula compromissória que liga as partes for “vazia”, havendo resistência quanto à insti-

tuição da arbitragem: caberá então ao juiz togado, através da demanda de que trata o art. 7o

da Lei 9.307/96, instituir a arbitragem. Do mesmo modo, pode ser instado o magistrado

estatal a intervir, quando, antes da instituição da arbitragem, houver necessidade de exa-

minar a concessão de medida de urgência (cautelar ou antecipatória de tutela): com efeito,

não existindo ainda tribunal arbitral constituído (imagine-se que os árbitros ainda não fo-

ram indicados ou ainda não aceitaram a nomeação para o cargo) toca ao juiz togado deliberar

em caráter de emergência, ainda que a decisão – proferida em caráter precário – seja poste-

riormente, quanto regularmente instituído o tribunal arbitral – reexaminada pelos árbitros.

Já no curso do processo arbitral, o concurso do Poder Judiciário poderá ser necessário tanto

para medidas instrutórias como para decisão a respeito de tutela de urgência.

Deferida a produção de prova testemunhal, será o depoente instado a comparecer à sede

do tribunal arbitral. Em caso de resistência injustificada, caberá ao árbitro solicitar o auxílio

do juiz togado para que a testemunha resistente seja conduzida à presença daquele (do

árbitro, portanto) a fim de que seja interrogada. De modo semelhante, havendo necessida-

de de cogitar-se de tutela de urgência, as partes dirigir-se-ão ao árbitro (não ao juiz togado)

e pleitearão dele a medida necessária; decretada a medida de urgência e havendo resistên-

cia, o árbitro solicitará ao juiz estatal a concessão de seu auxílio (força) para a implementação

da medida determinada.

12. Nada estipula a Lei de Arbitragem acerca da forma de o árbitro solicitar o concurso do

Poder Judiciário. É preciso, de qualquer modo, lembrar que árbitro e juiz togado estão em

posição de colaboração (coordenação, portanto) e não de subordinação. Isto explica porque

o juiz togado não poderá, por exemplo, examinar o mérito da decisão do árbitro relativa-

mente à necessidade e conveniência de ouvir uma testemunha que se recuse a comparecer

à audiência por ele, árbitro, designada; do mesmo modo, se o árbitro antecipar tutela ou

conceder medida cautelar, não caberá ao juiz reexaminar a presença dos requisitos para a

concessão da tutela de urgência. Em outros termos, a função jurisdicional será dividida

entre árbitro e juiz, segundo a competência de cada um: ao árbitro toca decidir, ao juiz toca

executar, sem que se possa imaginar qualquer demérito para o juiz estatal ou subordinação

este ao árbitro. Afirmo, portanto, que o árbitro – sendo necessário o concurso do Poder

Judiciário – dirigir-se-á ao juiz togado por mero ofício, sem necessidade de qualquer fórmu-

la fantasiosa, comprovando sua investidura (apresentará cópia do compromisso ou do docu-

mento que contém a cláusula compromissória) e é o quanto basta!

13. Por derradeiro, proferida a sentença arbitral – e havendo resistência quanto ao seu

cumprimento – tocará ao juiz togado sua execução, eis que a decisão tomada pelos árbitros

constitui título executivo judicial. Sendo então condenatória a sentença arbitral, deverá ser

iniciada a execução. Neste ponto resta dúvida sobre o modo de fazer cumprir o laudo

128

condenatório de obrigação de fazer, não fazer e de entregar coisa: a recente reforma do

Código de Processo Civil estabeleceu que as sentenças condenatórias relativas a tais obri-

gações (bem como os demais títulos executivos judiciais) não serão mais executadas de

conformidade com o figurino do Livro II, mas serão objeto de medidas que levarão ao seu

cumprimento. Assim, se o Código de Processo Civil fosse interpretado literalmente, uma

sentença arbitral (título executivo judicial, ex vi do art. 585, VI, do Código de Processo

Civil) que determinasse a entrega de um determinado bem não poderia ser objeto de ação

de execução, já que o art. 621 do mesmo Código atesta que apenas os títulos executivos

extrajudiciais estão sujeitos ao procedimento que descreve. Neste passo, cumpre interpre-

tar as novas normas cum grano salis: a sentença arbitral, mesmo sendo título executivo judi-

cial, será executada nos termos do art. 621 (obrigação de entregar coisa) e 632 (execução

das obrigações de fazer e não fazer). E isto não ocorrerá apenas com a sentença arbitral, mas

também com a sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 584, II) e com a

sentença condenatória estrangeira (que dependerá de homologação pelo Supremo Tribu-

nal Federal e será executada perante a Justiça Federal de primeiro grau).

14. A sentença arbitral – em tema de execução – não tem mais vantagens que a sentença

arbitral: havendo resistência do vencido, impõe-se a execução civil, perante o juiz togado,

como ocorreria (em princípio) com a sentença condenatória estatal. Mas há alguns meca-

nismos (de coerção) à disposição do árbitro com os quais não conta o juiz togado: alguns

órgãos arbitrais têm estipulações especiais para a hipótese de descumprimento da senten-

ça arbitral. Eis dois exemplos eloqüentes: em São Paulo, um centro de arbitragem especia-

lizado em contratos de bolsa de mercadorias e futuros tem dispositivo expresso determi-

nando que a parte que não cumprir decisão arbitral será proibida de continuar a operar no

respectivo mercado (o centro de arbitragem está ligado à Bolsa de Mercadorias e Futuros);

alguns centros arbitrais ligados a câmaras de comércio determinam que sejam comunicados

os demais membros da câmara a eventualidade de um de seus associados deixar de cumprir

sentença arbitral (a comunicação transmite aos pares a informação de verdadeira

inidoneidade daquele que, concordando submeter-se ao julgamento arbitral, recusa-se a

cumprir a respectiva sentença). Como se pode perceber, mecanismos de pressão como

estes lembrados podem contribuir para evitar resistência infundada à sentença arbitral,

funcionando como verdadeiros meios de execução indireta para forçar a boa vontade do

vencido!

15. Para encerrar esta brevíssima exposição, cumpre lembrar que a sentença arbitral produz

efeitos desde logo e – como expresso no art. 585, VI, do Código de Processo Civil, constitui

título executivo judicial, independentemente de qualquer outra providência além da co-

municação às partes.

Isto não significa que não possa a deliberação dos árbitros ser atacada perante o Poder

Judiciário: o art. 33 da Lei de Arbitragem estabelece as hipóteses que permitem a

impugnação à sentença arbitral, sendo certo que, quanto ao mérito, não haverá possibilida-

de de revisão, sendo possível apenas ataque relativo à forma (falha da convenção de arbitra-

gem, da sentença arbitral, do processo arbitral).