CONFLITO DE PRINCÍPIOS E O PRINCÍPIO DA … · do fato de serem os direitos fundamentais alvo de...

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Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 9, V. 18, p. 187 – 207, jul./dez. 2001. 187 CONFLITO DE PRINCÍPIOS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Sérgio Domingos Professor Universitário, Defensor Pú- blico no Distrito Federal, Mestre em Di- reito Público pela Universidade Federal de Pernambuco 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por meta apontar a evolução e distinção de regras e princípios, e, ao final, indicar possíveis conflitos entre ambos, apresentando uma solução aplicável ao caso. Para tanto, deve ser observado o critério diferenciador das normas de direito fundamental em nível abstrato e concreto. Preleciona ROBERT ALEXY que: “(...) abstractamente cuando se pregunta sobre la base de cuáles criterios una norma, indepedientemente de su pertenencia a un determinado orden jurídico o Constitución, puede ser identificada como norma de derecho fundamental, (...) concretamente cuando se pregunta cuáles normas de un determinado orden jurídico o de una determinada Constitución son normas de derecho fundamental y cuáles no.” 1 Todavia, cumpre indagar o que caracteriza uma norma como direito fundamental. A resposta para essa pergunta foi disposta por CARL SMITH, conforme aponta ALEXY, tomando-se os aspectos estrutural e formal, em que o primeiro se refere à estrutura estatal, enquanto o segundo aponta a forma da positivação dos princípios. Entretanto, tal classificação é condenada pelo próprio 1 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 62.

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CONFLITO DE PRINCÍPIOS E O PRINCÍPIO DAPROPORCIONALIDADE

Sérgio DomingosProfessor Universitário, Defensor Pú-blico no Distrito Federal, Mestre em Di-reito Público pela Universidade Federalde Pernambuco

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por meta apontar a evolução e distinção de regrase princípios, e, ao final, indicar possíveis conflitos entre ambos, apresentandouma solução aplicável ao caso.

Para tanto, deve ser observado o critério diferenciador das normas dedireito fundamental em nível abstrato e concreto.

Preleciona ROBERT ALEXY que:

“(...) abstractamente cuando se pregunta sobre la base de cuálescriterios una norma, indepedientemente de su pertenencia a undeterminado orden jurídico o Constitución, puede ser identificadacomo norma de derecho fundamental, (...) concretamente cuandose pregunta cuáles normas de un determinado orden jurídico o deuna determinada Constitución son normas de derecho fundamentaly cuáles no.”1

Todavia, cumpre indagar o que caracteriza uma norma como direitofundamental. A resposta para essa pergunta foi disposta por CARL SMITH,conforme aponta ALEXY, tomando-se os aspectos estrutural e formal, em queo primeiro se refere à estrutura estatal, enquanto o segundo aponta a forma dapositivação dos princípios. Entretanto, tal classificação é condenada pelo próprio

1 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, Madrid : Centro de Estudios Constitucionales,1997, p. 62.

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ALEXY, haja vista que a existência de direitos subjetivos fundamentais não seriacontemplada como tal.

Essa crítica oferecida pelo constitucionalista germânico é louvável diantedo fato de serem os direitos fundamentais alvo de constantes evoluções e porqueas Constituições dos Estados democráticos devem ser permeáveis à introduçãode novos direitos no ordenamento jurídico interno.

Ratificando, em nova oportunidade, o já afirmado anteriormente, aConstituição brasileira no § 2º, art. 5º, expressamente permite a incorporaçãode outros direitos fundamentais. Atesta dessa forma, que o rol desses direitosnão é exaustivo.

Assim, tomando-se o aspecto apenas material, certamente os direitossubjetivos ficariam marginalizados do sistema.

O ponto nodal da discussão reside no fato da preocupação de osconstitucionalistas tomarem como direitos fundamentais apenas aquelespositivados pelo ordenamento jurídico, quando a preocupação deve ser no sentidode protegê-los, conforme acentua NOBERTO BOBBIO.2

Para ALEXY;

“(...) las normas de derecho fundamental pueden, por ello, dividir-se en dos grupos: en las normas de derecho fundamentaldirectamente estatuidas por la Constitución y las normas dederecho fundamental a ellas adscriptas, (...) una norma adscriptavale y es una norma de derecho fundamental si para su adscripcióna una norma de derecho fundamental estatuida directamente esposible dar una fundamentación iusfundamental correcta.”3

Há, contudo, divergência acerca da conclusão feita por ALEXY, já quenão é a positivação que irá conferir a fundamentalidade da norma, mas anecessidade de sua proteção.

2 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho., Rio de Janeiro :Campus, 1992, p. 25.

3 ALEXY, op. cit., p. 70, 71.

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Não pode ser esquecido que é o direito natural o sustentáculo dos direitosfundamentais enquanto positivados, o que permite concluir que a necessidadesocial constitui o imperativo maior a fundamentar uma norma.

ALEXY, ao citar MÜLLER, aponta que “(...) la norma jurídica há deser entendida como un proyecto vinculante que abarca tanto lo reglantecomo lo que há de ser reglado”.4

Mesmo com a refutação feita por ALEXY de que essa teoria é inconciliávelcom a teoria semântica da norma, fica patenteada uma visão extremamentepositivista, descaracterizando por completo a existência dos direitos naturais.Olvida-se, assim, que os direitos do homem são produto de um fenômenosocial e, por conseqüência, produto dos direitos naturais, fato que foi destacadopor BOBBIO.5

2 REGRAS E PRINCÍPIOS : DISTINÇÃO

Inicialmente, cumpre marcar que os princípios fundamentais são normasembasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, ou como explicitaINGO WOLFGANG SARLET, são o núcleo essencial da Constituição material6.

Nesse ponto, já pode ser afirmado que os princípios fundamentais sãoinsuscetíveis de alteração pelo legislador, ou, como chamam alguns, são “cláusulaspétreas”.

CANOTILHO indica que princípios jurídicos fundamentais são “osprincípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos naconsciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita notexto constitucional”7.

Essa colocação do constitucionalista português não pode afastar qualquerpretensão de desvincular os direitos positivados aos naturais, dada sua íntima

4 Idem, ibidem, p. 75.5 Idem, ibidem, p. 68.6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre : Livraria do Advogado,

1998, p. 99.7 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra : Almedina,

1999, p. 1090.

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correlação, pois direitos e princípios fundamentais são bases caracterizadorasdo Estado democrático e social de direito.

Contudo, regras e princípios estão atrelados um ao outro, haja vista que,em determinadas hipóteses, não há como impor uma solução ao conflito semque se lance mão dos princípios.

Isso é verdade na medida em que as regras se reportam a hipóteses fáticas,enquanto os princípios estão projetados dentro de uma maior abstração, razãopela qual as soluções dos chamados hard cases só são possíveis com o auxíliodos princípios.

Deve-se imaginar uma pirâmide, em um paralelo com a teoria kelseniana,que no topo da pirâmide estão os princípios, pois como aduz WILLISSANTIAGO GUERRA FILHO, “(...) o grau de abstração vai entãocrescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princípios.” 8

Corroborando essa tese, vê-se em CANOTILHO a indicação de que osprincípios “(...) vinculam o legislador no momento legiferante, de modo apoder dizer-se a liberdade de conformação legislativa positiva enegativamente vinculada pelos princípios jurídicos gerais.” 9

Entretanto, ALEXY sustenta que:

“en la medida en que se adoptan determinaciones a nivel de lasreglas, se decide más que a través de la decisión por principios.Pero, la sujeción a la Constitución significa la sujeción a todas lasdecisiones del legislador constitucional. Por lo tanto, lasdeterminaciones adoptadas a nivel de las reglas preceden a lasdeterminaciones alternativas que, tomando sólo en cuenta losprincipios, son igualmente posibles.”10

8 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, São Paulo :Celso Bastos, 1999, p. 53.

9 CANOTILHO, op. cit., p. 1091.10 ALEXY, op. cit., p. 134.

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Mas essa posição de ALEXY comporta divergências, haja vista que, muitasvezes, as regras por si só não conseguem apontar uma solução plausível para oshard cases.

Dessa forma, como aduz ZAGREBELSKY, “Los princípios deberíandesempeñar el mismo papel que los axiomas en los sistemas de lógicaformal” 11.

Em um passo mais adiante já se pode tocar no problema da distinçãoentre regras e princípios. Partindo-se de uma definição simplista e inicial, adiferença entre regras e princípios pode ser tomada na medida em que as normaslegislativas são predominantemente regras enquanto as normas constitucionaissobre direitos e justiça são princípios.

Ainda nessa visão simplista, as regras trazem a descrição de uma situaçãofática, ao passo que princípios fazem referência direta a valores. Por isso, WILLISSANTIAGO GUERRA FILHO assenta que “(...) as regras se fundamentamnos princípios, os quais não fundamentariam diretamente nenhuma ação,dependendo para isso da intermediação de uma regra concretizadora”.Conclui que o grande traço distintivo seria a relatividade dos princípios, poisnenhum princípio pode ser observado sob o campo do absolutismo 12.

Já para ROBERT ALEXY,

“(...) numerosos son los criterios propuestos para la distinciónentre reglas y principios. El de generalidad es el más frecuentementeutilizado. Según él, los principios son normas de un grado degeneralidad relativamente alto, y las reglas normas con un nivelrelativamente bajo de generalidad”13.

Segundo ele, os princípios são “mandatos de optimización”14, Em outraspalavras, devem ser cumpridos ou realizados na maior medida do possível dentro

11 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Valladolid : Simancas Ediciones, 1997, p. 124.12 GUERRA FILHO, op. cit., p. 44.13 ALEXY, op. cit., p. 83.14 Idem, ibidem, p. 86.

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das possibilidades jurídicas reais existentes, enquanto as regras são normas quesó podem ser cumpridas conforme sejam elas válidas ou não, razão pela qual agrande diferença entre regra e princípio é de qualidade, e não apenas de grau.15

Assim, os princípios não contêm mandatos definitivos, pois não determinamcomo será resolvida determinada relação, ao passo que as regras exigem que sefaça exatamente o que elas ordenam.

ZAGREBELSKY, por sua vez, vem apontando diferenças básicas entreprincípios e regras. Afirma que somente os princípios desempenham um papelpropriamente constitucional, contando com pouco a ser interpretado, pois seuconteúdo lingüístico é auto-evidente; a eles se presta adesão; indicam critériosde posição a ser tomada, exigem dos cidadãos uma reação. As regras, poroutro lado, são passíveis de interpretação jurídica, pois indicam o critério denossas ações, além do que somente elas podem ser aplicadas mecânica epassivamente. 16

Todavia, os traços diferenciadores entre regras e princípios não se resumemapenas ao acima exposto.

Os princípios, por si só, não esgotam em absoluto sua eficácia com apoioem regras jurídicas, haja vista contarem com uma razão autônoma frente arealidade fática, ou como ZAGRABELSKY,“(...) el ‘ser’ iluminado por elprincipio aún no contiene en sí el ‘dever ser’, la regla para no contravenirel valor contenido en el principio”17.

Outro ponto entre regras e princípios merecedor de destaque é apossibilidade da ocorrência de conflitos: regra vesus regra, princípio versusprincípio. Segundo o entendimento de ZAGRABELSKY:

“(...) desde el punto de vista de su carácter relativizable, losprincipios se distinguen de las reglas. Las reglas son aplicables a

15 Idem, ibidem, p. 87.

16 ZAGREBELSKY, op. cit., p. 110-111.

17 Idem, ibidem, p. 110-111.

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la manera del ‘todo o nada’. (...) No sucede así con los principios,

porque éstos presentan una dimensión que las reglas no poseen:

la del peso e la importancia.”18

Isso siginifica que os princípios comportam a aplicação de um ou outrona análise de um caso concreto, fazendo-se incidir a proporcionalidade queprima não pelo menosprezo de um princípio em detrimento de outro, mas pelasolução de um possível conflito entre princípios, fazendo prevalecer o que melhorse ajusta à hipótese concretamente discutida.

Sobre o conflito de regras, a solução apresenta-se com complexidadeinferior, pois, diante do conflito, aplica-se a “(...) cláusula de exceção”19 defendidapor ALEXY, permitindo-se que, dentro de uma determinada proibição, existauma exceção. Como exemplo, cite-se aquele indicado por esse constitucionalistagermânico: proíbe-se deixar a classe de aula antes do sinal final, e uma segundaordem determina a saída ao toque de incêndio. Assim, soado o sinal de incêndio,mesmo antes do final da aula há um permissão para sai, ocorrendo uma cláusulade exceção. Em um segundo momento, restando prejudicada a hipótese daaludida cláusula, deve-se declarar a invalidade de pelo menos uma das normaspor critérios que, em geral, são fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, afim de manter coerência e unidade.

Porém, com a ocorrência de conflitos de princípios, não se falará eminvalidade de um destes, mas haverá a necessidade da preponderância deum sobre o outro, sem que isso imponha o desrespeito àquele que formitigado, fazendo-se uma observância ao princípio da proporcionalidade.

3 CONFLITO DE PRINCÍPIOS

O alargamento do âmbito de atuação e da proteção dos direitosfundamentais levou a que se vislumbrassem hipóteses de conflitos entre pricípios.

18Idem, ibidem, p. 125.

19ALEXY,op. cit., p. 88.

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Tal fato se observa diante dos novos contornos oferecidos ao direito de liberdade,quer no campo econômico, quer no campo social, ao passo que a sociedadecontinua vivendo dentro do espaço anteriormente delimitado.

Assim, inúmeras são as hipóteses de conflitos de princípios, v.g., oexercício de um direito fundamental individual conflitando com a necessidade depreservação de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente(conflitos entre direitos fundamentais e outros valores constitucionais).20

De início, deve-se ter em mente que não existem princípios absolutos, eque a pluralidade de valores merece uma compatibilização, que não se faz viaaplicação de uma escala de prioridades, ou como acentua VIEIRA DEANDRADE, “(...) os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados”21.Entretanto, reside o problema em conferir uma preferência a um princípio emrelação ao outro, diante de um conflito prático, havendo muitas vezes limitesimanentes, pois os próprios direitos fundamentais já nascem com fronteirasestipuladas pela Constituição que os cria ou os recebe.

VIEIRA DE ANDRADE indica que há limites imanentes largamenteaplicados na doutrina e jurisprudência alemã de direitos fundamentais que só sãodetermináveis por interpretação, haja vista a existência de outros valores tambémconstitucionalmente protegidos. A Isso ele nomina como “conflito entre direitos evalores constitucionais ou como colisões de direitos”22.

Esses limites imanentes, segundo alguns doutrinadores, seriam dados pelanão pertubação: cada direito não pode ser abusivo em relação a outro, quer sejapor exigências mínimas da vida em sociedade, quer por leis gerais, quer pornormas ordinárias imperativas.

Contudo, havendo o conflito, ele deve ser resolvido pela “interpretaçãodos preceitos constitucionais que prevêem cada um dos direitos fundamentais”,

20FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos : a honra, a intimidade, a vida privada e a imagemversus a liberdade de expressão e informação, Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris, 1996, p. 93.

21ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.Coimbra : Almedina, 1987, p. 213.

22Idem, ibidem, p. 216.

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como ressalta VIEIRA DE ANDRADE 23. Para esse autor, não se pode admitirfórmulas discriminatórias que venham segregar ou menosprezar alguns dos valoresfundamentais envolvidos, sob o pretexto de decorrerem de meros princípiospolíticos e não jurídico-constitucionais, simples princípios programáticos nãovinculantes ou princípios de grau inferior em relação antinômica com outro ououtros princípios de grau superior.24

Para WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, a existência de conflitoou conflitos de princípios tem por fim “(...) apenas em que se privilegie oacatamento de um, sem que isso implique no desrespeito do outro”25.

GILMAR FERREIRA MENDES, em linha idêntica, vem aduzindo que:

“(...) no processo de ponderação desenvolvido para solucionar oconflito de direitos individuais não se deve atribuir primaziaabsoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas conflitantes,ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação.”26

Oras isso, como destaca ROBERT ALEXY, “(...) no significa declararinválido al princípio desplazado ni que en el principio desplazado haya queintroducir una cláusula de excepción”27.

Todavia, a solução de conflitos tem sua eficácia plena tão só diante decasos concretos em que se poderá estabelecer a ponderação dos princípios,conferindo-se a um deles uma relevância maior.

Para situar a colocação que se aponta, basta tomar dois direitos: liberdadedo indivíduo e o direito do Estado de aplicar a lei penal ao infrator. Tomados os

23Idem, ibidem, p. 218-219.

24 Idem, ibidem, p. 110-111.

25GUERRA FILHO, op. cit., p. 45.

26MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de direitos fundamentais : liberdade de expressão e de comunicaçãoe direito à honra e à imagem. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 31, n. 22, abr./jun. 1994,p. 301.

27ALEXY, op. cit., p. 89.

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dois princípios de forma isolada, ocorre uma aparente contradição, em que umestaria a limitar a possibilidade jurídica de cumprimento do outro. Verifica-se,contudo, que a contradição é apenas aparente e conflito de princípios algumestá a ocorrer, haja vista que os dois contam com a garantia constitucional daproteção, e a solução para o caso não pode ser apresentada com a prevalênciaabsoluta de um princípio sobre o outro. De fato “(...) de lo que se trata es de laponderación de cuál de los interesses, abstractamente del mismo rango,posee mayor peso en el caso concreto”28.

Para a solução do conflito, ALEXY indica o conceito de uma “(...) relaciónde precedencia condicionada”29, segundo o qual, diante do caso concretoserão indicadas as condições sob as quais um princípio precede ao outro.

Essa tese reforça ainda mais a idéia de que não existem princípios absolutos,mas que deve existir uma ponderação entre eles. Observe-se que aqui, não sefala na aplicação da cláusula de exceção, fato que somente se observa no conflitode regras, mas na cláusula de otimização.

Também CANOTILHO sustenta que “(...) a pretensão de validadeabsoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criaçãode princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruiçãoda tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental”30.

Compartilhando dessa linha de raciocínio, ZAGRABELSKY indica que“(...) para que la coexistencia de los principios y valores sea posible esnecesario que pierdan su carácter absoluto, esto es, la condición queeventualmente permitirá construir un sistema formal cerrado a partir deuno sólo de ellos”31, pois, conforme o próprio constitucionalista aponta, concebidosos princípios em termos absolutos, rapidamente serão inimigos entre si.

28ALEXY, op. cit., p. 90.

29Idem, ibidem, p. 92.

30CANOTILHO, op. cit., p. 1108.

31ZAGREBELSKY, op. cit., p. 125.

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Sob essa ótica, não há que falar em conflito diretamente de princípios,mas de compatibilização entre eles, não obstante existir sempre “um estado detensão conflitiva”32.

ALEXY reforça sua tese de que nenhum princípio pode pretender umaprecedência absoluta, dado que, do contrário, existiria a “tiranía de losvalores”33, devendo haver sempre uma relação de preferência condicionada.

Dentro de uma visão empírica, podem ser indicados dois julgados doSupremo Tribunal Federal nos quais aparentemente existiram conflitos deprincípios. O primeiro deles versa sobre a ADIN n. 1.655-5 – Amapá, cujaementa assim se materializou:

“EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Tributário.IPVA. Isenção concedida a veículos destinados à exploração dosserviços de transporte escolar, devidamente regularizados junto àcooperativa de transportes escolares do Município de Macapá.Lei n. 351 do Estado do Amapá, de iniciativa parlamentar.Inconstitucionalidade: art. 150, II, da Constituição Federal.Plausibilidade da tese jurídica sustentada. Liminar deferida.

Isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotoresconcedida pelo Estado-Membro aos proprietários de veículosdestinada à exploração dos serviços de transporte escolar no /Estado do Amapá, devidamente regularizados junto à Cooperativade Transportes Escolares do Município de Macapá – COOTEM.Tratamento desigual entre contribuintes que se encontram emsituação equivalente. Violação ao principio da igualdade e daisonomia tributária. Art. 150, II da Constituição Federal. Medidaliminar deferida”.

Fica evidenciada uma hipótese em que direitos se conflitam, ocorrendo,de um lado, o direito daqueles que usufruiriam da aludida isenção, enquanto, naoutra extremidade, estariam aqueles que, por não estarem associados, seriamexcluídos da isenção fiscal.

32GUERRA FILHO, op. cit., p. 54.

33ALEXY, op. cit., p. 154.

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Há uma indicação de um conflito entre os princípios da igualdade e daisonomia de um lado e, do outro, o princípio da isenção fiscal conferido aosEstados-membros, havendo, dessa forma, a necessidade da aplicação do princípioda proporcionalidade.

O segundo julgado diz respeito ao RE n. 203954-3 – Ceará, cuja ementaassim ficou configurada:

EMENTA: Importação de automóveis usados. proibição ditadapela portaria nº 08, de 13.05.91 do ministério da fazenda. alegadaafronta ao princípio constitucional da isonomia, em pretensoprejuízo das pessoas de menor capacidade econômica.

Entendimento inaceitável, porque não demonstrado que a aberturado comércio de importação aos automóveis tenha o fito depropiciar o acesso da população, como um todo, ao produto deorigem estrangeira, única hipótese em que a vedação da importaçãoaos automóveis usados, poderia soar como discriminatória, nãofosse certo que, ainda assim, considerável parcela dos indivíduoscontinuaria sem acesso aos referidos bens.

Discriminação que, ao revés, guarda perfeita correlação lógicacom a disparidade de tratamento jurídico estabelecida pela normaimpugnada, a qual, ademais, se revela consentânea com osinteresses fazendários nacionais que o art. 237 da CF teve em miraproteger, ao investir as autoridades do Ministério da Fazenda nopoder de fiscalizar e controlar o comércio exterior. Recursoconhecido e provido”.

Há uma indicação de conflito entre o princípio da não-discriminação, daigualdade e da isonomia de um lado, e, de outro, o princípio da legalidade tributária.

Observa-se que o princípio da igualdade tem por meta primeira impedirdiscriminações injustificadas, ou proibir privilégios odiosos, e nunca indicarprivilégios sobre taxação de produtos, pois a importação de veículos usadosestrangeiros não indica qualquer isonomia entre as pessoas, ou mesmo indicaráque todas as pessoas poderão vir a adquirir tal patrimônio.

Deve-se apontar que os conceitos de igualdade e de desigualdade sãosubjetivos, o que leva necessariamente a uma confrontação diante de um casoconcreto, impedindo qualquer análise precipitada de tratamento igual oudiscriminatório.

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Considere-se, porém, o princípio da legalidade tributária invocado paraafastar a cobrança do tributo, sob o pálio de que a competência administrativapressupõe a existência de lei e portaria não seria ato válido e inibidor daimportação. Todavia, a edição da portaria dita inválida tem sua eficácia centradana Constituição de 1988, especificamente no art. 237, em que está expressoque “a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesados interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.Como, para materializar seus atos de fiscalização, a referida pasta Ministerialvale-se, preponderantemente, de portarias, a alegação de inconstitucionalidadenão subsiste. Assim, o conflito de princípios ficaria resolvido, dando-sepreponderância à legalidade da portaria.

Diante dos exemplos citados, fica evidenciada a necessidade de buscarum critério de proporcionalidade entre os valores discutidos no caso concreto,tomando-se o núcleo essencial de proteção máxima de cada princípio, econvergindo para um centro comum, em que haverá a prevalência de um sobreo outro sem, contudo, desprezar um princípio pelo outro.

Esse sacrifício se impõe, é necessário e adequado para salvaguardar osoutros princípios, pois, como fala VIEIRA DE ANDRADE, se assim não ocorrer,sequer se poderá falar de um verdadeiro conflito de princípios.34

Dessa forma, para evitar a destruição de um princípio por outro, faz-seimperiosa a busca de uma solução jurídica para o caso concreto, em que sedeve lançar mão do caminho da proporcionalidade, ponto que será abordadono tópico seguinte.

4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Os direitos ou princípios estão em um estado de conflito permanente,merecendo uma atenção especial, haja vista que a preponderância de um nãopode colocar o outro em grau de desprezo.

34ANDRADE, op. cit., p. 223.

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Sob esse aspecto, impõe-se a existência de um equilíbrio, ou mesmo deum divisor para que, em determinados casos, prevaleça um princípio sem queisso importe na negação do outro. É preciso que haja um balanceamento efetivodos direitos em conflito.

Nesse sentido, ganhou grande força o princípio da proporcionalidade que,em um primeiro momento, foi utilizado para preservar a liberdade individualdiante das ingerências do Poder Executivo. Mas, em um segundo momento, foiincorporado pelo direito administrativo como princípio geral do poder de polícia,e, finalmente, tomado em seu sentido amplo, foi erigido a princípio constitucional,cuja elevação, segundo CANOTILHO, coube à doutrina alemã.35

Todavia, deve-se tomar o caminho da proporcionalidade em seus trêssentidos: adequação, exigibilidade e estrito. Assim, na análise de um caso concreto,em que se dará a preponderância de um princípio sobre o outro, primeiramentedeve-se fazer uma relação de adequação entre a medida a ser adotada e o fimbuscado. Em seguida, esse fim pretendido deverá impor os menores gravamespossíveis ao cidadão, a menor desvantagem (exigibilidade). Finalmente, no sentidoestrito, faz-se uma avaliação se o meio utilizado é proporcional ao fim buscado,pesam-se as vantagens e desvantagens do escopo pretendido pelo Poder Público.

Como preceitua ALEXY,

“(...) la máxima de la proporcionalidad, com sus tres máximasparciales de la adecuación, necesidad (postulado del medio másbenigno) y de la proporcionalidad en sentido estricto (el postuladode ponderación propriamente dicho) se infiere lógicamente delcarácter de principio, es decir, es deducible de él”36.

Nessa linha, VIEIRA DE ANDRADE pondera que “o sacrifício de cadaum dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dosoutros”37, o que enfatiza os sentidos acima apresentados.

35CANOTILHO, op. cit., p. 263.

36ALEXY,op. cit., p. 111.

37ANDRADE, op. cit., p. 223.

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Salta aos olhos a importância desse princípio. Tanto é assim que o TribunalConstitucional Espanhol perfilha o entendimento de que uma sentença deve serrazoável aos fins perseguidos, conforme relata FRANCISCO FERNÁNDEZSEGADO;

“El princípio de proporcionalidad, esto es, la existencia de unarazonable relación de proporcionalidad entre los medios empleadosy la finalidad perseguida, ha sido asimismo insistemente invocadopor el Juez de la Constitución, quien ya en su Sentencia 62/1982razonaba que para determinar si las medidas limitadoras aplicadaseran necesarias para el fin perseguido, era preciso examinar si sehabían ajustado o si habían infringido el principio deproporcionalidad38".

Importante alerta apresenta WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO,ao aludir que os constituintes brasileiros passaram ao largo da fase vigente doconstitucionalismo mundial, pois sequer fizeram insertar na Carta de 1988 aprevisão desse princípio, deixando um vazio constitucional que aponta em sentidocontrário à evolução da sociedade39.

Essa observação é oportuna, portanto a sociedade brasileira conta comuma Constituição moderna, intitulada “Constituição Cidadã”, que não poderiater deixado de inserir esse princípio em seu bojo, dada a importância dele nocontexto social e político de um povo. Entretanto, não se pode olvidar que aConstituição brasileira está aberta para a incorporação de outros princípiosfundamentais, consoante o § 2º, art. 5º, e, por via de conseqüência, a incorporaçãodesse princípio é perfeitamente factível.

Contudo, a grande discussão que se trava sobre a aplicabilidade doprincípio da proporcionalidade está no grau de subjetividade de uma decisão aser proferida em um caso concreto, porque o julgador poderia pender mais paraum princípio ou direito que para outro segundo sua livre convicção, e daí nãomais se falaria em ponderação adequada.

38FERNANDÉZ SEGADO, Francisco. La teoría jurídica de los derechos fundamentales en la ConstituciónEspañola de 1978 y en su interpretación por el Tribunal Constitucional. Revista de InformaçãoLegislativa, Brasília, a. 31, n. 121, jan./mar. 1994, p. 100.

39 GUERRA FILHO, op. cit., p. 61.

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Tal problema foi enfrentado por SUZANA DE TOLEDO BARROS aoassentir que “a questão da ponderação radica na necessidade de dar a esseprocedimento um caráter racional e, portanto, controlável”40. dessa forma, ficaafastada a hipótese da interferência subjetiva do julgador, pois é preciso conformaro processo aos ditames dos direitos fundamentais, pilar do Estado Democráticoe Social.

Afastada a hipótese da subjetividade do julgador ao analisar um casoconcreto, o princípio da proporcionalidade deve conduzir a uma harmonizaçãodos valores tendo como fim atingir o respeito e a proteção da dignidade humana.Lembre-se que estes vêm sendo o “fio condutor de toda a ordem constitucional”,como assentou INGO WOLFGANG SARLET41.

Reside aí o ponto fulcral do princípio da proporcionalidade, porque asmudanças sociais cada vez mais céleres demandam o surgimento de novos direitosfundamentais que entram em conflito com outros já existentes, exigindo umacrescente necessidade de uma ponderação.

Nesse contexto, o juiz ganhou um papel preponderante na avaliação dosdireitos em discussão, mas dentro de um aspecto racional, o que não escapou àvisão de PAULO BONAVIDES. Ela afirma que “(...) a regra deproporcionalidade produz uma controvertida ascendência do juiz (executorda justiça material) sobre o legislador, sem chegar todavia a corroer ouabalar o princípio da separação de poderes”42.

Com reforço às colocações feitas por PAULO BONAVIDES, para ofato de que a ponderação e a avaliação dos direitos fundamentais feitas pelo juiznão levam à conclusão de um atropelo à separação de poderes, vale lembrarque o próprio princípio da efetividade dos direitos fundamentais proíbe a suainexeqüibilidade ou ineficácia por falta de meios judiciais.

40BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle das leis restritivas dedireitos fundamentais. Brasília : Brasília Jurídica, 1996, p. 169.

41SARLET, op. cit., p. 374.

42BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo : Malheiros, 1993, p. 321.

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As ponderações dos direitos fundamentais são inevitáveis, pois existemtitulares de direitos igualmente protegidos pela Constituição, havendo anecessidade de estabelecer uma relação de precedência ou, como nominaALEXY, “ relación de preferencia condicionada” 43.

Essa ponderação deve ser tomada sob um aspecto de relatividade, umavez que não existem princípios ou direitos absolutos em si mesmo, mas sempredentro de uma racionalidade objetiva, o que afasta procedimentos abstratos ougerais. Em outros termos, “la ley de la ponderación dice qué es lo que tieneque ser fundamentado racionalmente”44.

Fato que não pode ficar esquecido é que a aplicação do princípio daproporcionalidade deve ter como fim a promoção e o respeito a todos osprincípios e direitos fundamentais envolvidos, razão pela qual o meio empregadopara o exame do conflito deve ser o mais suave. Assin, no caso concreto, aoconferir a prevalência ou a preponderância de um princípio sobre o outro, nãopoderá haver desprezo ou a negação de qualquer um deles. Permanecem todosintactos.

Para VIEIRA DE ANDRADE, “(...) a proporcionalidade da restriçãodos direitos fundamentais deve ser avaliada à luz do direito restringido e dasua garantia constitucional”45. Essa colocação remete ao fato de que o núcleoessencial dos direitos fundamentais não pode ser afetado, entendido bem que talessência não diz respeito ao direito em si, mas ao preceito constitucional que oprotege.

Isso impende reforçar que a análise dos direitos em conflito não podesofrer uma avaliação subjetiva do julgador. Deve ser racional para evitar quehaja a prevalência de um direito sobre o outro apenas por questões de foroíntimo do julgador, posto que os princípios podem se contradizer, o que não lhesretira a validade jurídica ou mesmo induz a uma ab-rogação.

43ALEXY, op. cit., p. 158.

44Idem, ibidem.

45ANDRADE, op. cit., p. 234.

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Contudo, deve o princípio da proporcionalidade ser entendido como ummandamento de otimização onde exista uma observância aos direitos fundamentaisem conflito dentro de um aspecto fático-jurídico.

Segundo ZAGRABELSKY, “la pluralidad de principios y la ausenciade una jerarquía formal entre ellos hace que no pueda existir una cienciasobre su articulación, sino un prudencia en su ponderación”46. trata-se, naspalavras de WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO,

“(...) a busca de uma ‘solução de compromisso’, na qual se respeita

mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito,

procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s)

faltando minimante com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu ‘núcleo

essencial’ ”47.

Questão interessante levantada por SUZANA DE TOLEDO BARROSé a aplicação do princípio da proporcionalidade para afastar leis casuísticas,entendidas como as que não atendem às características de generalidade eabstração. Ela sustenta que esse vício de inconstitucionalidade pode ser afastadosem a apresentação dosmotivos que levaram o legislador a editar aquela normae conclui que bastaria apenas indicar que o meio utilizado individualiza certapessoa.48

Em parte, conta com razão a autora acima mencionada, pois – sejatentadora a posição de tolher a inconstitucionalidade de uma lei casuística pelaaplicação do princípio da proporcionalidade – acolher essa generalização e, porconseguinte, não apresentar fundamentação ou explicitação dos motivos quelevariam à declaração de inconstitucionalidade de determinada lei é, no mínimo,destoante do contexto constitucional brasileiro, haja vista a afronta ao art. 93,IX, da Constituição Federal de 1988.

46ZAGRABELSKY, op. cit., p. 125.

47GUERRA FILHO, op. cit., p. 59.

48BARROS, op. cit., p. 199-200.

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Não obstante a importância deferida ao princípio da proporcionalidade,este recebe algumas críticas assim arroladas por RAQUEL DENIZE STUMM:

“Dificuldade em precisar o real conteúdo do princípio; ainsegurança jurídica que decorre de seu reconhecimento eaplicação, pois o juiz pode converter-se em legislador,principalmente pela crescente importância que vem conquistandona aplicação de Direitos fundamentais; não se pode transferirnoções de Direito Administrativo ao campo do DireitoConstitucional; o risco que se corre com a indeterminação de umDireito fundamental em convertê-lo em Direito fundamentalgenérico; a instabilidade jurídica gerada pela aplicação do princípioao Direito do Trabalho, para fundamentar a criação judicial,desautorizando a lei; a instabilidade no processo penal; o princípioacenaria para o perigo em converter-se em um limite aos própriosdireitos fundamentais e não um limite às limitações impostas aeles; redução do conteúdo das liberdades; e, por fim, causaria oabalo do equilíbrio constitucional dos poderes” 49.

GILMAR FERREIRA MENDES, nessa direção, vem apontando que:

“(...) a utilização do princípio da proporcionalidade ou da proibiçãodo excesso pode estimular o constitucionalista e, mormente, aCorte Constitucional ou o órgão que desempenhe função análogaa arrogar poderes que, efetiva ou aparentemente, afetam a esferade competência dos demais órgãos constitucionais”50.

Entretanto, GIMAR MENDES reconhece expressamente a importânciada ponderação dos princípios, ao assentar que “no processo de ponderaçãodesenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deveatribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito”51. Isso afastaa colocação do próprio autor de que haverá ingerência de um poder sobre ooutro.

49STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 83.

50MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo :Celso Bastos, 1998, p. 40.

51MENDES, Colisão de direitos ..., op. cit., p. 301.

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Sob o que se apresenta, a conclusão deve ser diametralmente oposta dodesenvolvimento feito pelos dois últimos constitucionalistas acima mencionados,pois na decisão de um conflito de direitos não deve haver qualquer ingerência dairracionalidade ou mesmo da subjetividade do julgador, mas da racionalidadeobjetiva. nesta, não há qualquer ingerência de poderes, até porque, como sustentaRAQUEL DENIZE STUMM, “(...) o juiz exerce essa função, queconstitucionalmente lhe é atribuída, devido a sua vinculação aos direitosfundamentais”52.

A melhor alternativa, portanto, é a indicada por PAULO BONAVIDES,que afirma ser esse princípio notável “para conciliar o direito formal com odireito material em ordem a prover exigências de transformações sociaisextremamente velozes, e doutra parte juridicamente incontroláveis casofaltasse a presteza do novo axioma constitucional”53.

Assim, deve-se ser observar o princípio da proporcionalidade sob doisaspectos: primeiro, como protetor da liberdade, pois impede que o Estado afasteou mesmo impeça o exercício dos direitos fundamentais; segundo, como limite àliberdade de atuação do legislador em eleger valores que imporão graves mazelasaos cidadãos, fazendo com que haja a observância à adequação, à exigibilidadede que os meios utilizados sejam proporcionais aos fins pretendidos. Em síntese,que haja observância ao princípio da “justa medida” defendido por Canotilho54,que não comporta desproporção entre o meio utilizado e o fim a ser alcançado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, Madrid : Centrode Estudios Constitucionales, 1997.

2 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais naConstituição Portuguesa de 1976. Coimbra : Almedina, 1987.

3 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controledas leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília : Brasília Jurídica,1996.

52STUMM, op. cit., p. 83

53BONAVIDES, op. cit., p. 320-321.

54CANOTILHO, op. cit., p. 265.

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4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos NelsonCoutinho., Rio de Janeiro : Campus, 1992.

5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo :Malheiros, 1993.

6 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria daConstituição, 3ª ed., Coimbra : Almedina, 1999.

7 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos : a honra, a intimidade, avida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação,Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris, 1996.

8 FERNANDÉZ SEGADO, Francisco. La teoría jurídica de los derechosfundamentales en la Constitución Española de 1978 y en su interpretaciónpor el Tribunal Constitucional. Revista de Informação Legislativa,Brasília, a. 31, n. 121, jan./mar. 1994.

9 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitosfundamentais, São Paulo : Celso Bastos, 1999.

10 MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de direitos fundamentais : liberdade deexpressão e de comunicação e direito à honra e à imagem. Revista deInformação Legislativa, Brasília, a. 31, n. 22, abr./jun. 1994.

11 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle deconstitucionalidade. São Paulo : Celso Bastos, 1998.

12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, PortoAlegre : Livraria do Advogado, 1998.

13 STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direitoconstitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

14 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Valladolid : SimancasEdiciones, 1997.

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