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II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 CONFLITOS TERRITORIAIS E AMBIENTAIS NA PROPOSTA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA FAVELA NO BAIRRO NOVO UMUARAMA EM ARAÇATUBA, SP. ATAÍDE, NATÁLIA G. (1); FRANCISCO, ARLETE M. (2) 1. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente Rua Roberto Simonsen, 305, Cep 19060-900, P. Prudente, SP [email protected] 2. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente Rua Roberto Simonsen, 305, Cep 19060-900, P. Prudente, SP [email protected] RESUMO Os cursos d’água, durante o processo de urbanização das cidades brasileiras, foram vistos como barreiras geográficas e, portanto, como obstáculos para o desenvolvimento urbano. Mesmo protegidos pela legislação, de modo geral, não são protegidos pela população. Deste modo, as áreas de preservação permanente tornam-se áreas frágeis, do ponto de vista da produção da cidade, pois nem o poder público nem a iniciativa privada tem interesse sobre elas. Este trabalho aborda os conflitos territoriais e ambientais na ocupação ilegal pela população de baixa renda nas margens do ribeirão Baguaçu, mais especificamente, o caso da favela do bairro Novo Umuarama, na cidade de Araçatuba, São Paulo, e as condições para a regularização fundiária das habitações. O trabalho se divide em duas partes: na primeira, é abordada a expansão territorial na cidade e a política pública na implantação dos conjuntos habitacionais e loteamentos populares, bem como o motivo que levou a população a se estabelecer em favelas e ocupações ilegais. Na sequencia, é apresentada a análise urbana do bairro Novo Umuarama, a partir da sua infraestrutura urbana, das suas características ambientais e dos aspectos econômicos e sociais, e a discussão acerca das possibilidades da realização da regularização fundiária destas habitações. Palavras-chave: Área de Preservação Permanente. Ocupação Ilegal. Regularização Fundiária. Ribeirão Baguaçu. Araçatuba.

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Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

CONFLITOS TERRITORIAIS E AMBIENTAIS NA PROPOSTA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA FAVELA NO BAIRRO NOVO

UMUARAMA EM ARAÇATUBA, SP.

ATAÍDE, NATÁLIA G. (1); FRANCISCO, ARLETE M. (2)

1. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Departamento de Planejamento,

Urbanismo e Ambiente Rua Roberto Simonsen, 305, Cep 19060-900, P. Prudente, SP

[email protected]

2. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente

Rua Roberto Simonsen, 305, Cep 19060-900, P. Prudente, SP [email protected]

RESUMO

Os cursos d’água, durante o processo de urbanização das cidades brasileiras, foram vistos como barreiras geográficas e, portanto, como obstáculos para o desenvolvimento urbano. Mesmo protegidos pela legislação, de modo geral, não são protegidos pela população. Deste modo, as áreas de preservação permanente tornam-se áreas frágeis, do ponto de vista da produção da cidade, pois nem o poder público nem a iniciativa privada tem interesse sobre elas. Este trabalho aborda os conflitos territoriais e ambientais na ocupação ilegal pela população de baixa renda nas margens do ribeirão Baguaçu, mais especificamente, o caso da favela do bairro Novo Umuarama, na cidade de Araçatuba, São Paulo, e as condições para a regularização fundiária das habitações. O trabalho se divide em duas partes: na primeira, é abordada a expansão territorial na cidade e a política pública na implantação dos conjuntos habitacionais e loteamentos populares, bem como o motivo que levou a população a se estabelecer em favelas e ocupações ilegais. Na sequencia, é apresentada a análise urbana do bairro Novo Umuarama, a partir da sua infraestrutura urbana, das suas características ambientais e dos aspectos econômicos e sociais, e a discussão acerca das possibilidades da realização da regularização fundiária destas habitações.

Palavras-chave: Área de Preservação Permanente. Ocupação Ilegal. Regularização Fundiária.

Ribeirão Baguaçu. Araçatuba.

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INTRODUÇÃO

Na história das civilizações, os cursos d’água foram fundamentais na

estruturação do núcleo urbano, tanto do ponto de vista funcional, para o abastecimento,

quanto do ponto de vista da construção da paisagem e da singularidade das cidades. Com o

processo de industrialização, urbanização e expansão das cidades, córregos e rios foram

sendo, paulatinamente, retificados, canalizados e, alguns, aterrados. Habitações e indústrias

ocuparam as suas várzeas, contribuindo para a degradação ambiental e, por vezes, para a

ocultação da água da paisagem, além de obstruírem o acesso público às orlas e seu

aproveitamento como espaços livres urbanos. Deste modo, de marcos paisagísticos

passaram a se constituir em áreas de conflito (FRANCISCO, 2012).

No Brasil, além de passarem a ser vistos como entraves ao desenvolvimento

urbano e barreiras geográficas a serem superadas, passaram a ser utilizados como

receptáculo de boa parte daquilo que a sociedade descarta. Consolidou-se o modelo de

ação de retificação do rio, sua canalização e aterramento, com a construção de avenidas

expressas de fundo de vale para solucionar problemas de tráfego e o loteamento das áreas

de várzea para serem vendidas. Outras vezes, estas áreas foram ocupadas pela população

excluída que, sem alternativas, passa a viver em condições precárias e, muitas vezes,

colocando as suas vidas em risco (FRANCISCO, 2012).

Estas práticas predatórias de apropriação da natureza resultaram em destruição

das Áreas de Preservação Permanentes (APP); na degradação ambiental e,

conseqüentemente, em problemas ambientais, tais como: poluição, enchentes, ilhas de

calor, dentre tantos outros; no afastamento da oportunidade de acesso às áreas de várzea

para a prática de lazer e de esporte; além de contribuírem para a feiúra generalizada das

cidades, na medida em que impediram uma relação mais harmoniosa entre o meio urbano e

a natureza.

Portanto, o modelo de produção e apropriação das áreas adjacentes aos cursos

d’água é fundamentado em relações de conflito entre o homem e a natureza, desprezando

as características específicas do sítio urbano. Isso pode ser observado tanto nas cidades

grandes, com maiores impactos, mas, também em cidades médias e pequenas. A reversão

desse processo nas cidades médias, como Araçatuba, se coloca como um desafio ao

planejamento urbano.

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Este trabalho tem como abordagem o estudo das moradias ilegais da cidade de

Araçatuba-SP e, mais especificamente, o caso da favela do bairro Novo Umuarama,

localizado às margens do ribeirão Baguaçu. Ao analisar o histórico da habitação em

Araçatuba, foi visto que, em 2007, cerca de duas mil pessoas viviam em áreas irregulares,

de acordo com dados da prefeitura divulgados no jornal local Folha da Região (Gomes,

2007) - boa parte em Áreas de Preservação Permanente (APP) e áreas de risco.

Segundo informações da Prefeitura Municipal de Araçatuba1, ao longo dos anos,

parte das favelas foi extinta e houve a doação de casas em conjuntos habitacionais para as

famílias removidas. No caso da área estudada, parte das casas foi destruída, contudo,

outras não. Assim, novas famílias ocuparam estas casas, dando continuidade à situação

irregular. Com o tempo, outras famílias se juntaram àquelas, algumas invadindo a área de

preservação permanente do ribeirão, algumas em completo estado de risco.

Através do levantamento da área, da análise do histórico do local e da cidade,

da transformação e evolução ao longo dos anos e das políticas públicas envolvidas no

processo de desfavelização da cidade, foi possível conhecer a realidade da área, de modo

que o objetivo do trabalho é discutir os conflitos territoriais e ambientais na ocupação ilegal

pela população de baixa renda nas margens do ribeirão Baguaçu, no bairro Novo

Umuarama, e as condições para a regularização fundiária das habitações.

1. EXPANSÃO TERRITORIAL URBANA

Araçatuba teve seu desenvolvimento relacionado com a expansão da cafeicultura

no interior do estado, no início do século XX, bem como com a construção da Estrada de

Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB). Diferentemente do que ocorreu na implantação de

outras ferrovias no estado de São Paulo, tais como a Paulista e a Araraquarense que

seguiam a localização dos núcleos urbanos, a CEFNOB foi construída antes da existência

dos aglomerados urbanos. Assim, a estação ferroviária de Araçatuba foi inaugurada em

1908, dando impulso para o surgimento do povoado, mas, apenas em 1921, foi

municipalizada. A linha de ferro, portanto, determinou o eixo de ocupação e atuação das

empresas loteadoras (Ghirardello, 2002 e Pinheiro et al., 1997).

Até a década de 1920, Araçatuba foi ponta dos trilhos da CEFNOB, fazendo com

que o povoado pouco se expandisse. Porém, a sua existência próxima à estação ferroviária

1 Entrevista realizada em maio de 2013 com a arquiteta da Prefeitura Municipal Selma Rico.

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significava a valorização das áreas ao seu redor, impulsionando o comércio de terras,

primeiramente as rurais e, depois, as urbanas.

Nas décadas de 1920 e 1930, a cidade viveu seu primeiro crescimento territorial

urbano ao longo da linha férrea, ocupando, segundo Pedon (2005, p. 21), a colina

tabuliforme que demarca as linhas de drenagem do ribeirão Baguaçu e dos córregos

Machado de Melo e Bela Vista (Figura 1). Somente a partir da década de 1950, o

crescimento ultrapassou os limites da colina central e a cidade se estende para norte, oeste

e sul.

Esta década marcou uma nova etapa do processo de urbanização da cidade

caracterizada por uma maior dinamização dos agentes produtores - empresários de

diferentes setores - agrícola, industrial e comercial - que se organizaram entorno da

comercialização de loteamentos urbanos. É também um período de grande crescimento

populacional urbano (quadro 1) que coincide com a implantação do primeiro distrito

industrial da cidade (Pedron, 2005, p.22-3).

Quadro 1 - Evolução da população em Araçatuba

Décadas População

1940 17.013

1950 59.452

1960 81.263

1970 108.512

1980 129.367

1990 152.549

2000 169.254

2010 181.579

Fonte: Dados censitários do IBGE. Elaborado pelas autoras.

Na década de 1960, a malha urbana ultrapassa as barreiras no ribeirão Baguaçu

e, neste momento, começa a se desenhar o lugar de cada um na malha urbana, quando se

verifica a abertura de dois importantes loteamentos, o Jardim Nova Iorque, destinado às

classes mais abastadas da população, na continuidade da malha urbana e o Bairro

Alvorada, o primeiro bairro popular. Um do lado da “cidade” e o outro “além linha”.

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Figura 1: Evolução da malha urbana Araçatuba.

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Diferentemente de outras cidades médias como São José do Rio Preto

(Francisco, 2008) e Presidente Prudente (Sposito, 1982) cujos loteamentos, nesta fase de

expansão urbana, foram frutos de iniciativas individuais; em Araçatuba, predominava a ação

do capital externo, visto que as duas maiores imobiliárias atuantes na produção de

loteamentos na cidade - Imobiliária Mauá e a Imobiliária Paulista - tinham como

proprietários, moradores recém chegados de São José do Rio Preto (Pedron, 2005, p.31).

Na década de 1970, a malha urbana ultrapassou a barreira da rodovia Marechal

Rondon e novos bairros são implantados: Jussara, Guanabara e Iporã, definindo um dos

vetores de crescimento dos bairros populares da cidade. Outro vetor corresponde a porção

leste, além do ribeirão, com os bairros Umuarama e Jardim Pinheiros. Como contraponto à

expansão horizontal periférica, assistimos, nesta década, o início do processo de

verticalização da cidade - movimento característico da urbanização das cidades médias

brasileiras.

Vale ressaltar que os promotores imobiliários foram os agentes com maior

atuação nas décadas de 50 e 60, e o Estado, na década de 80, 90 e 2000 com a

implantação de conjuntos habitacionais e loteamentos populares os quais constituem

grandes ocupações urbanas.

Um importante promotor imobiliário foi a Imobiliária e Construtora Paulista,

fundada em 1944 por Elísio Gomes de Carvalho, responsável por aproximadamente 40% do

crescimento urbano da cidade no período de 1950 a 1970, segundo o Jornal O Estado de

São Paulo, em artigo de 16 de junho de 1996. A companhia loteou 12 milhões de metros

quadrados distribuídos em 15 loteamentos localizados ao sul e sudeste da cidade, em áreas

adjacentes ao centro comercial - mais de 5 mil lotes destinados em sua grande maioria às

classes mais abastadas. Destaca-se, nesse universo, o loteamento Jardim Nova Iorque, de

1952, com 2.606 lotes, em uma área de 1.289.780,32 m², próximo da área central, com toda

infra-estrutura e equipamentos urbanos - água, esgoto, luz, guias, sarjetas, arborização,

asfalto, escola e praça.

Como nesta época não havia políticas públicas eficientes para habitação de

interesse social, a Imobiliária Paulista foi responsável pelo abastecimento habitacional de

parte desta demanda, através de um plano de casas populares, vendidas em até 100 vezes,

quase todos localizados na zona sul, nas bordas da malha urbana (Pedon, 2005, p. 27).

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Entretanto, a Imobiliária Paulista esteve responsável por investimentos,

sobretudo, voltados para as classes mais abastadas. Na oferta de moradias populares, a

principal atuação foi da Imobiliária Mauá, principalmente na porção sudeste da cidade, com

os bairros, Alvorada, Umuarama e Panorama (figura 1). É esta empresa que empreende o

loteamento objeto deste trabalho, o bairro Novo Umuarama, em 1969, que, apesar de se

localizar antes do ribeirão, é um bairro "além linha" e, portanto, destinado às classes

populares, pois estas áreas são menos valorizadas.

O Estado, importante agente responsável pela incorporação e promoção

imobiliária na cidade, tem sua atuação apenas a partir da década de 1970, com a

implantação de conjuntos habitacionais populares, promovendo a expansão da malha

urbana da cidade, com forte tendência a se concentrar em áreas periféricas.

2. POLÍTICAS PÚBLICAS EM HABITAÇÃO

Em 1973, a Cooperativa Habitacional Sindical de Araçatuba entregou dois

conjuntos com financiamento do Banco Nacional de Habitação (BNH): o Núcleo Habitacional

Dr. Bartolomeu Bueno Miranda e o Núcleo Presidente Garrastazu Médici. No entanto, foi a

Companhia Regional de Habitações de Interesse Social (CRHIS) que mais produziu

loteamentos na cidade, expandindo ainda mais a malha urbana, já que todos foram

implantados nos limites do perímetro da cidade (Araçatuba..., 1973).

A empresa de capital privado, a COHATUBA, participou nos programas de

desfavelamento da Prefeitura, no qual resultou no Conjunto Habitacional Jardim São José,

com 153 unidades e o conjunto Mão Divina com 110 unidades, no ano de 1990. A partir

desta década, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) passou a

atuar mais significantemente no espaço com a implantação de 15 conjuntos habitacionais,

até o ano de 2003.

A partir deste ano, a ocupação da cidade seguiu, predominantemente, a

orientação das rodovias, onde se concentram as indústrias da cidade, se aproximando da

antiga lógica de desenvolvimento a partir do traçado da principal via de escoamento da

produção.

A Prefeitura Municipal junto ao governo federal implantou pelo menos dois

conjuntos habitacionais na cidade, o Porto Real e o Jardim Atlântico, além dos conjuntos

implantados para receber os moradores de programas de desfavelamento, tais como o

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Condomínio Vitória, para as 38 famílias da favela Beco da Esperança localizado na região

oeste da cidade; e os residenciais Água Branca I e II, para as famílias das demais favelas,

como exemplo do bairro Novo Umuarama, objeto deste estudo, e moradias em condições

precárias.

Atualmente, os maiores investimentos se fazem através do programa Minha

Casa Minha Vida (MCMV) do governo federal, que atua no financiamento de habitações

para a população na faixa 1 (de 0 a 3 salários mínimos). De acordo com a Prefeitura, em

seu site, mais de 50% do déficit habitacional foi reduzido com o apoio do programa.

3 OCUPAÇÕES ILEGAIS E MORADIAS PRECÁRIAS NO JARDIM NOVO UMUARAMA

Tendo em vista o problema crônico brasileiro da habitação (Maricato,1987) que

depois de muitas iniciativas governamentais e privadas não foram suficientes para suprir a

demanda de moradia da população, principalmente das faixas inferiores de renda, a favela

se torna, muitas vezes, a única alternativa, levando a população a se submeter a condições

precárias de habitação. Em grandes cidades, as favelas são mais visíveis e consolidadas, já

em cidades de porte médio, como Araçatuba, podem ter outras configurações, sem o

estigma visível de uma favela, mas existem sob as mesmas condições.

A ocupação de forma ilegal é considerada uma favela caracterizada como: local

com excesso de população, ocupação e construção individual e constante, precariedade,

insalubridade devido à carência de infraestrutura e serviços básicos, irregularidade perante

as normas urbanísticas, ilegalidade na posse da moradia e, principalmente, sua constante

mutação (Silva, 2009).

Analisando o histórico da habitação em Araçatuba, foi visto que, em 2007, cerca

de duas mil pessoas viviam em áreas irregulares, de acordo com dados da prefeitura,

divulgado no jornal local Folha da Região (Gomes, 2007). Esses dados se remetem às

favelas instaladas na cidade, principalmente, ocupações em áreas de preservação

permanente e áreas de risco.

A Prefeitura, no ano de 2002, concluiu a formulação do Programa de

Desfavelamento, mas, no entanto, a implantação demorou a iniciar, pois dependia de verba

do Estado para sua concretização. Devido a isto, o programa que fez parte da gestão do

prefeito Jorge Maluly Netto (PFL) não foi totalmente concluído após o término do seu

mandato.

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Pelos dados da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, no

ano de 2007, foram registrados 1.505 domicílios em situação precária em Araçatuba, dos

quais 1.130 em situação de risco. Ainda de acordo com a Secretaria, 94% dessas moradias

estavam localizadas em favelas (Rocha, 2007). Portanto, pode-se concluir que os

investimentos vindos para o programa de desfavelamento da cidade não foram suficientes

para a solução do problema, que se posterga até os dias atuais. É o caso da favela do bairro

Novo Umuarama.

O bairro teve sua aprovação em 12 de agosto de 1969, pela empresa Imobiliária

Mauá. Seu traçado original dispunha das áreas institucionais, arruamento e área de lazer,

conforme planta original disponível na prefeitura (Figura 2).

Figura 2: Planta original do bairro Novo Umuarama em Araçatuba. Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Araçatuba.

Em 2006, pelos dados contidos no Plano Diretor Municipal (Araçatuba, 2006), o

bairro apresentava população estimada em 567 habitantes, com densidade de 70,10 hab/ha

que, se comparada com outros bairros, é considerada de média alta densidade. O

rendimento das famílias que moravam no bairro, contemplando a média do rendimento

normal mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes era de 3

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a 10 salários mínimos2. A taxa de analfabetismo no bairro chegava a 13,05%, umas das

mais altas da cidade. Vale destacar que esses dados não englobam a população das

moradias ilegais do bairro, o que, provavelmente, agravaria estes índices.

A porção do loteamento que deveria contemplar a área de lazer próxima ao

ribeirão não foi efetivamente construída, logo esta foi ocupada com a instalação de

residências, de modo ilegal, pelas famílias carentes movidas pela necessidade de moradia,

a partir da década de 1980. No entanto, a prefeitura, no ano de 2002, através do Programa

de Desfavelamento da cidade, promoveu a remoção da população do local para outro bairro,

com casas cedidas pela própria prefeitura, que hoje constitui os Residenciais Água Branca.

Cumpre destacar que não foi realizado no local nenhuma benfeitoria ou intervenção

urbanística para que as quadras desocupadas cumprissem sua função de área de lazer,

conforme o projeto original. Simplesmente a prefeitura removeu a população e deixou as

casas desocupadas no local. Por conseguinte, novas famílias passaram a ocupar essas

residências que estavam abandonadas, permanecendo o local com área de ocupação ilegal

em que as habitações são demasiadamente precárias.

3.1 Caracterização urbana do bairro Novo Umuarama

O bairro Novo Umuarama está localizado a 1,8 quilômetros do centro da cidade,

na direção leste. O bairro se encontra à margem esquerda do ribeirão Baguaçu. É uma área

de grande importância para o fluxo viário da cidade, limitado pela Avenida dos Estados, que

faz a ligação com o centro, e a Rua dos Fundadores, que faz o acesso aos bairros da zona

leste (Figura 3).

Analisando o zoneamento da cidade, vimos que a área de estudo se encontra

numa zona de ocupação controlada. O plano diretor da cidade não preve indices

urbanísticos sobre esta área. A região de ocupação dos moradores ilegais não contempla

infraestrutura urbana, que se trata dos sistemas de água e esgoto, asfalto, além da coleta de

lixo.

As figuras 3 e 4 mostram as condições do bairro. A figura 3 apresenta uma

síntese de vários fatores urbanísticos que incedem no bairro e na área de ocupação ilegal.

Podemos perceber a quantidade significativa de lotes vazios, principalmente os que se

concentram nas quadras próximas à pedreira, devido à topografia muito acentuada que

dificulta a construção no local. Se trata de região ambientalmente fragilizada, devido à

2 Salário mínimo nacional em 2013 é de R$ 678,00.

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proximidade com o sítio das escavações da antiga pedreira, além de não ter infraestrutura

viária.

Figura 3: Mapa Síntese da análise urbana do Jardim novo Umuarama.

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Figura 4: Fotos da ocupação ilegal no bairro Novo Umuarama. Fonte: Arquivo pessoal, 2012.

É possivel perceber a grande influencia que a antiga pedreira tem sobre a

ocupação de lotes do bairro, conforme visto na figura 3 acima, bem como a declividade

acentuada nas margens do ribeirão, na margem esquerda. A vegetação está concentrada

no entorno das margens do ribeirão, conquanto que no interior do bairro e na antiga

pedreira, tem-se uma vegetação mais escaça.

Todos este fatores são impressindíveis para ter-se um entendimento maior da

problemática que envolve esta ocupação ilegal, juntamente com sua inserção na cidade de

Araçatuba, devido sua localização privilediada com limite de duas importantes ruas e do

ribeirão Baguaçu.

Dessa forma, uma vez consolidada a favela, deve-se analisar o Estatuto da

Cidade, lei esta que foi concebida com intuito de reaver a função social da cidade e da

propriedade. Nele, está contido um grupo de princípios e instrumentos, dos quais, cada

município pode se utilizar mediante um Plano Diretor estabelecido. Com isso, tem-se um

gama de possibilidades de intervenção na cidade, no seu planejamento e gestão.

4. CONFLITOS AMBIENTAIS E TERRITORIAIS URBANOS

Como destacado em Brasília (2001), as prefeituras enfrentam o grande desafio

“de incorporar, a conta gotas, essas áreas à cidade, regularizando, urbanizando, dotando de

infraestrutura”. Neste sentido, a gestão atual em Araçatuba, diante da situação consolidada

da ocupação da área, está realizando a regularização fundiária urbana com base na Lei

Federal n° 11.977/2009 que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e sobre a

regularização fundiária em assentamentos localizados em áreas urbanas. O art. 54 § 1o se

refere às Área de Preservação Permanente:

O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das

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condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior. (Brasil, 2009).

O projeto da prefeitura pretende regularizar todos os 67 lotes, conforme a

implantação das residências existentes, de acordo com os documentos fornecidos pela

prefeitura (Governo Estadual de São Paulo. Analise técnica e diagnóstico, Programa Cidade

Legal, 2010). O projeto encontra-se em andamento, a fim de se enquadrar nas exigências

da lei, incluindo as melhorias das condições ambientais da área, o que ainda não foi

elaborado.

Ao analisar outra legislação sobre a ocupação em Área de Preservação

Permanente, o Código Florestal Brasileiro - Lei n°12.651/12, verificamos que o Art. 65 §

2o dispõe:

Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.

§ 2o Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos

rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado. (Brasil, 2012)

No entanto, alguns lotes que serão regularizados localizam-se na área de

preservação mínima de quinze metros, bem como o acesso a alguns lotes fica em local

crítico. Embora a prefeitura esteja elaborando um projeto de acordo com a lei, o ribeirão

Baguaçu3 é uma das fontes de abastecimento de água da cidade, o que torna esta faixa

demasiadamente estreita, podendo causar prejuízos ao meio ambiente e à qualidade da

água.

Se, por um lado, o projeto de regularização fundiária atende aos princípios da lei

e do Estatuto da Cidade, ao considerar a cidade real, as condições de bem estar de uma

população que está esquecida há anos pelo poder público, por outro, é preciso considerar

as questões ambientais ligadas à preservação do ribeirão, como também a possibilidade de

deslocar algumas famílias para habitações no próprio bairro, haja visto o número de lotes

vazios (Figura 3).

Há que se considerar, também, que parte desta área era destinada ao lazer da

população local. Isto deve ser contemplado na regularização fundiária através da

3 O Ribeirão Baguaçu corta ainda as cidades de Braúna, Bilac e Birigui e sua nascente se localiza na divisa das

cidades de Braúna e Coroados.

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compensação de áreas. Assim, segundo Bueno (2009: 2), é preciso partir de "princípios

para a regularização que articulem justiça social e qualidade ambiental, ou seja, a

regularização entendida como ação de recuperação urbana e ambiental", uma ação com

dois objetivos integrados.

Com relação à qualidade ambiental, Bueno e Monteiro (2006, p. 198) apud

Oliveira e Bueno (2009) apontam três ações que devem pautar a regularização dos

assentamentos em áreas ambientalmente sensíveis: Ações Reparatórias, Ações

Compensatórias e Ações Mitigadoras, definidas por:

Ações reparatórias – medidas tomadas para proceder à remoção do poluente do meio ambiente, bem como restaurar o ambiente que sofreu degradação resultante dessas medidas; ou seja, o meio ambiente deve voltar o mais próximo do status quo anterior;

Ações compensatórias – medidas tomadas pelos responsáveis, pela execução de um projeto, destinadas a compensar impactos ambientais negativos, notadamente alguns custos sociais que não podem ser evitados ou uso de recursos ambientais não renováveis;

Ações mitigatórias – aquelas destinadas a prevenir impactos negativos ou reduzir sua magnitude. Nesses casos, é preferível usar a expressão ‘medida mitigadora’, em vez de ‘medida corretiva’, pois a maioria dos danos ao meio ambiente, quando não podem ser evitados, pode apenas ser mitigada ou compensada. (Oliveira e Bueno, 2009)

Assim deve-se considerar que quando as margens dos cursos d´água são

ocupadas sem medidas para minimizar o impacto negativo causado ao meio ambiente, há o

comprometimento de todo o ecossistema, incluindo o bem estar do homem que vive na área

e nas circunvizinhanças.

5. CONCLUSÕES

Há uma estreita relação do ribeirão Baguaçu com a malha urbana de Araçatuba,

desde a sua formação. Contudo, existe uma razoável preservação do seu leito natural, com

suas curvas e áreas de várzea, e também de sua mata ciliar. Mas, de qualquer forma, não

se pode eliminar a preocupação com a urbanização se aproximando do ribeirão, podendo

fragilizar sua natureza, necessitando de diretrizes de ocupação mais severas, além de um

tratamento urbanístico de suas margens.

Nesse trabalho, procurou-se esclarecer as condições de ocupação da favela do

bairro Novo Umuarama e as suas condições para a regularização fundiária,

empreendimento que vem sendo realizado pela gestão municipal. Neste caso, não há como

II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades

Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

ignorar a presença do ribeirão Baguaçu - elemento importante para a cidade, já que é uma

das fontes de abastecimento de água. É preciso incorporá-lo à proposta, de maneira a dar

notação da sua presença para os moradores da cidade ao mesmo tempo em que é preciso

preservá-lo. A legislação é apenas um parâmetro a ser seguido. Associado a ela, é preciso

compreender a dinâmica da cidade e pensar soluções criativas que articulem justiça social e

qualidade ambiental.

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