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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
CONFLITOS TERRITORIAIS E AMBIENTAIS NA PROPOSTA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA FAVELA NO BAIRRO NOVO
UMUARAMA EM ARAÇATUBA, SP.
ATAÍDE, NATÁLIA G. (1); FRANCISCO, ARLETE M. (2)
1. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Departamento de Planejamento,
Urbanismo e Ambiente Rua Roberto Simonsen, 305, Cep 19060-900, P. Prudente, SP
2. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente
Rua Roberto Simonsen, 305, Cep 19060-900, P. Prudente, SP [email protected]
RESUMO
Os cursos d’água, durante o processo de urbanização das cidades brasileiras, foram vistos como barreiras geográficas e, portanto, como obstáculos para o desenvolvimento urbano. Mesmo protegidos pela legislação, de modo geral, não são protegidos pela população. Deste modo, as áreas de preservação permanente tornam-se áreas frágeis, do ponto de vista da produção da cidade, pois nem o poder público nem a iniciativa privada tem interesse sobre elas. Este trabalho aborda os conflitos territoriais e ambientais na ocupação ilegal pela população de baixa renda nas margens do ribeirão Baguaçu, mais especificamente, o caso da favela do bairro Novo Umuarama, na cidade de Araçatuba, São Paulo, e as condições para a regularização fundiária das habitações. O trabalho se divide em duas partes: na primeira, é abordada a expansão territorial na cidade e a política pública na implantação dos conjuntos habitacionais e loteamentos populares, bem como o motivo que levou a população a se estabelecer em favelas e ocupações ilegais. Na sequencia, é apresentada a análise urbana do bairro Novo Umuarama, a partir da sua infraestrutura urbana, das suas características ambientais e dos aspectos econômicos e sociais, e a discussão acerca das possibilidades da realização da regularização fundiária destas habitações.
Palavras-chave: Área de Preservação Permanente. Ocupação Ilegal. Regularização Fundiária.
Ribeirão Baguaçu. Araçatuba.
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INTRODUÇÃO
Na história das civilizações, os cursos d’água foram fundamentais na
estruturação do núcleo urbano, tanto do ponto de vista funcional, para o abastecimento,
quanto do ponto de vista da construção da paisagem e da singularidade das cidades. Com o
processo de industrialização, urbanização e expansão das cidades, córregos e rios foram
sendo, paulatinamente, retificados, canalizados e, alguns, aterrados. Habitações e indústrias
ocuparam as suas várzeas, contribuindo para a degradação ambiental e, por vezes, para a
ocultação da água da paisagem, além de obstruírem o acesso público às orlas e seu
aproveitamento como espaços livres urbanos. Deste modo, de marcos paisagísticos
passaram a se constituir em áreas de conflito (FRANCISCO, 2012).
No Brasil, além de passarem a ser vistos como entraves ao desenvolvimento
urbano e barreiras geográficas a serem superadas, passaram a ser utilizados como
receptáculo de boa parte daquilo que a sociedade descarta. Consolidou-se o modelo de
ação de retificação do rio, sua canalização e aterramento, com a construção de avenidas
expressas de fundo de vale para solucionar problemas de tráfego e o loteamento das áreas
de várzea para serem vendidas. Outras vezes, estas áreas foram ocupadas pela população
excluída que, sem alternativas, passa a viver em condições precárias e, muitas vezes,
colocando as suas vidas em risco (FRANCISCO, 2012).
Estas práticas predatórias de apropriação da natureza resultaram em destruição
das Áreas de Preservação Permanentes (APP); na degradação ambiental e,
conseqüentemente, em problemas ambientais, tais como: poluição, enchentes, ilhas de
calor, dentre tantos outros; no afastamento da oportunidade de acesso às áreas de várzea
para a prática de lazer e de esporte; além de contribuírem para a feiúra generalizada das
cidades, na medida em que impediram uma relação mais harmoniosa entre o meio urbano e
a natureza.
Portanto, o modelo de produção e apropriação das áreas adjacentes aos cursos
d’água é fundamentado em relações de conflito entre o homem e a natureza, desprezando
as características específicas do sítio urbano. Isso pode ser observado tanto nas cidades
grandes, com maiores impactos, mas, também em cidades médias e pequenas. A reversão
desse processo nas cidades médias, como Araçatuba, se coloca como um desafio ao
planejamento urbano.
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Este trabalho tem como abordagem o estudo das moradias ilegais da cidade de
Araçatuba-SP e, mais especificamente, o caso da favela do bairro Novo Umuarama,
localizado às margens do ribeirão Baguaçu. Ao analisar o histórico da habitação em
Araçatuba, foi visto que, em 2007, cerca de duas mil pessoas viviam em áreas irregulares,
de acordo com dados da prefeitura divulgados no jornal local Folha da Região (Gomes,
2007) - boa parte em Áreas de Preservação Permanente (APP) e áreas de risco.
Segundo informações da Prefeitura Municipal de Araçatuba1, ao longo dos anos,
parte das favelas foi extinta e houve a doação de casas em conjuntos habitacionais para as
famílias removidas. No caso da área estudada, parte das casas foi destruída, contudo,
outras não. Assim, novas famílias ocuparam estas casas, dando continuidade à situação
irregular. Com o tempo, outras famílias se juntaram àquelas, algumas invadindo a área de
preservação permanente do ribeirão, algumas em completo estado de risco.
Através do levantamento da área, da análise do histórico do local e da cidade,
da transformação e evolução ao longo dos anos e das políticas públicas envolvidas no
processo de desfavelização da cidade, foi possível conhecer a realidade da área, de modo
que o objetivo do trabalho é discutir os conflitos territoriais e ambientais na ocupação ilegal
pela população de baixa renda nas margens do ribeirão Baguaçu, no bairro Novo
Umuarama, e as condições para a regularização fundiária das habitações.
1. EXPANSÃO TERRITORIAL URBANA
Araçatuba teve seu desenvolvimento relacionado com a expansão da cafeicultura
no interior do estado, no início do século XX, bem como com a construção da Estrada de
Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB). Diferentemente do que ocorreu na implantação de
outras ferrovias no estado de São Paulo, tais como a Paulista e a Araraquarense que
seguiam a localização dos núcleos urbanos, a CEFNOB foi construída antes da existência
dos aglomerados urbanos. Assim, a estação ferroviária de Araçatuba foi inaugurada em
1908, dando impulso para o surgimento do povoado, mas, apenas em 1921, foi
municipalizada. A linha de ferro, portanto, determinou o eixo de ocupação e atuação das
empresas loteadoras (Ghirardello, 2002 e Pinheiro et al., 1997).
Até a década de 1920, Araçatuba foi ponta dos trilhos da CEFNOB, fazendo com
que o povoado pouco se expandisse. Porém, a sua existência próxima à estação ferroviária
1 Entrevista realizada em maio de 2013 com a arquiteta da Prefeitura Municipal Selma Rico.
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significava a valorização das áreas ao seu redor, impulsionando o comércio de terras,
primeiramente as rurais e, depois, as urbanas.
Nas décadas de 1920 e 1930, a cidade viveu seu primeiro crescimento territorial
urbano ao longo da linha férrea, ocupando, segundo Pedon (2005, p. 21), a colina
tabuliforme que demarca as linhas de drenagem do ribeirão Baguaçu e dos córregos
Machado de Melo e Bela Vista (Figura 1). Somente a partir da década de 1950, o
crescimento ultrapassou os limites da colina central e a cidade se estende para norte, oeste
e sul.
Esta década marcou uma nova etapa do processo de urbanização da cidade
caracterizada por uma maior dinamização dos agentes produtores - empresários de
diferentes setores - agrícola, industrial e comercial - que se organizaram entorno da
comercialização de loteamentos urbanos. É também um período de grande crescimento
populacional urbano (quadro 1) que coincide com a implantação do primeiro distrito
industrial da cidade (Pedron, 2005, p.22-3).
Quadro 1 - Evolução da população em Araçatuba
Décadas População
1940 17.013
1950 59.452
1960 81.263
1970 108.512
1980 129.367
1990 152.549
2000 169.254
2010 181.579
Fonte: Dados censitários do IBGE. Elaborado pelas autoras.
Na década de 1960, a malha urbana ultrapassa as barreiras no ribeirão Baguaçu
e, neste momento, começa a se desenhar o lugar de cada um na malha urbana, quando se
verifica a abertura de dois importantes loteamentos, o Jardim Nova Iorque, destinado às
classes mais abastadas da população, na continuidade da malha urbana e o Bairro
Alvorada, o primeiro bairro popular. Um do lado da “cidade” e o outro “além linha”.
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Figura 1: Evolução da malha urbana Araçatuba.
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Diferentemente de outras cidades médias como São José do Rio Preto
(Francisco, 2008) e Presidente Prudente (Sposito, 1982) cujos loteamentos, nesta fase de
expansão urbana, foram frutos de iniciativas individuais; em Araçatuba, predominava a ação
do capital externo, visto que as duas maiores imobiliárias atuantes na produção de
loteamentos na cidade - Imobiliária Mauá e a Imobiliária Paulista - tinham como
proprietários, moradores recém chegados de São José do Rio Preto (Pedron, 2005, p.31).
Na década de 1970, a malha urbana ultrapassou a barreira da rodovia Marechal
Rondon e novos bairros são implantados: Jussara, Guanabara e Iporã, definindo um dos
vetores de crescimento dos bairros populares da cidade. Outro vetor corresponde a porção
leste, além do ribeirão, com os bairros Umuarama e Jardim Pinheiros. Como contraponto à
expansão horizontal periférica, assistimos, nesta década, o início do processo de
verticalização da cidade - movimento característico da urbanização das cidades médias
brasileiras.
Vale ressaltar que os promotores imobiliários foram os agentes com maior
atuação nas décadas de 50 e 60, e o Estado, na década de 80, 90 e 2000 com a
implantação de conjuntos habitacionais e loteamentos populares os quais constituem
grandes ocupações urbanas.
Um importante promotor imobiliário foi a Imobiliária e Construtora Paulista,
fundada em 1944 por Elísio Gomes de Carvalho, responsável por aproximadamente 40% do
crescimento urbano da cidade no período de 1950 a 1970, segundo o Jornal O Estado de
São Paulo, em artigo de 16 de junho de 1996. A companhia loteou 12 milhões de metros
quadrados distribuídos em 15 loteamentos localizados ao sul e sudeste da cidade, em áreas
adjacentes ao centro comercial - mais de 5 mil lotes destinados em sua grande maioria às
classes mais abastadas. Destaca-se, nesse universo, o loteamento Jardim Nova Iorque, de
1952, com 2.606 lotes, em uma área de 1.289.780,32 m², próximo da área central, com toda
infra-estrutura e equipamentos urbanos - água, esgoto, luz, guias, sarjetas, arborização,
asfalto, escola e praça.
Como nesta época não havia políticas públicas eficientes para habitação de
interesse social, a Imobiliária Paulista foi responsável pelo abastecimento habitacional de
parte desta demanda, através de um plano de casas populares, vendidas em até 100 vezes,
quase todos localizados na zona sul, nas bordas da malha urbana (Pedon, 2005, p. 27).
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Entretanto, a Imobiliária Paulista esteve responsável por investimentos,
sobretudo, voltados para as classes mais abastadas. Na oferta de moradias populares, a
principal atuação foi da Imobiliária Mauá, principalmente na porção sudeste da cidade, com
os bairros, Alvorada, Umuarama e Panorama (figura 1). É esta empresa que empreende o
loteamento objeto deste trabalho, o bairro Novo Umuarama, em 1969, que, apesar de se
localizar antes do ribeirão, é um bairro "além linha" e, portanto, destinado às classes
populares, pois estas áreas são menos valorizadas.
O Estado, importante agente responsável pela incorporação e promoção
imobiliária na cidade, tem sua atuação apenas a partir da década de 1970, com a
implantação de conjuntos habitacionais populares, promovendo a expansão da malha
urbana da cidade, com forte tendência a se concentrar em áreas periféricas.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS EM HABITAÇÃO
Em 1973, a Cooperativa Habitacional Sindical de Araçatuba entregou dois
conjuntos com financiamento do Banco Nacional de Habitação (BNH): o Núcleo Habitacional
Dr. Bartolomeu Bueno Miranda e o Núcleo Presidente Garrastazu Médici. No entanto, foi a
Companhia Regional de Habitações de Interesse Social (CRHIS) que mais produziu
loteamentos na cidade, expandindo ainda mais a malha urbana, já que todos foram
implantados nos limites do perímetro da cidade (Araçatuba..., 1973).
A empresa de capital privado, a COHATUBA, participou nos programas de
desfavelamento da Prefeitura, no qual resultou no Conjunto Habitacional Jardim São José,
com 153 unidades e o conjunto Mão Divina com 110 unidades, no ano de 1990. A partir
desta década, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) passou a
atuar mais significantemente no espaço com a implantação de 15 conjuntos habitacionais,
até o ano de 2003.
A partir deste ano, a ocupação da cidade seguiu, predominantemente, a
orientação das rodovias, onde se concentram as indústrias da cidade, se aproximando da
antiga lógica de desenvolvimento a partir do traçado da principal via de escoamento da
produção.
A Prefeitura Municipal junto ao governo federal implantou pelo menos dois
conjuntos habitacionais na cidade, o Porto Real e o Jardim Atlântico, além dos conjuntos
implantados para receber os moradores de programas de desfavelamento, tais como o
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Condomínio Vitória, para as 38 famílias da favela Beco da Esperança localizado na região
oeste da cidade; e os residenciais Água Branca I e II, para as famílias das demais favelas,
como exemplo do bairro Novo Umuarama, objeto deste estudo, e moradias em condições
precárias.
Atualmente, os maiores investimentos se fazem através do programa Minha
Casa Minha Vida (MCMV) do governo federal, que atua no financiamento de habitações
para a população na faixa 1 (de 0 a 3 salários mínimos). De acordo com a Prefeitura, em
seu site, mais de 50% do déficit habitacional foi reduzido com o apoio do programa.
3 OCUPAÇÕES ILEGAIS E MORADIAS PRECÁRIAS NO JARDIM NOVO UMUARAMA
Tendo em vista o problema crônico brasileiro da habitação (Maricato,1987) que
depois de muitas iniciativas governamentais e privadas não foram suficientes para suprir a
demanda de moradia da população, principalmente das faixas inferiores de renda, a favela
se torna, muitas vezes, a única alternativa, levando a população a se submeter a condições
precárias de habitação. Em grandes cidades, as favelas são mais visíveis e consolidadas, já
em cidades de porte médio, como Araçatuba, podem ter outras configurações, sem o
estigma visível de uma favela, mas existem sob as mesmas condições.
A ocupação de forma ilegal é considerada uma favela caracterizada como: local
com excesso de população, ocupação e construção individual e constante, precariedade,
insalubridade devido à carência de infraestrutura e serviços básicos, irregularidade perante
as normas urbanísticas, ilegalidade na posse da moradia e, principalmente, sua constante
mutação (Silva, 2009).
Analisando o histórico da habitação em Araçatuba, foi visto que, em 2007, cerca
de duas mil pessoas viviam em áreas irregulares, de acordo com dados da prefeitura,
divulgado no jornal local Folha da Região (Gomes, 2007). Esses dados se remetem às
favelas instaladas na cidade, principalmente, ocupações em áreas de preservação
permanente e áreas de risco.
A Prefeitura, no ano de 2002, concluiu a formulação do Programa de
Desfavelamento, mas, no entanto, a implantação demorou a iniciar, pois dependia de verba
do Estado para sua concretização. Devido a isto, o programa que fez parte da gestão do
prefeito Jorge Maluly Netto (PFL) não foi totalmente concluído após o término do seu
mandato.
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Pelos dados da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, no
ano de 2007, foram registrados 1.505 domicílios em situação precária em Araçatuba, dos
quais 1.130 em situação de risco. Ainda de acordo com a Secretaria, 94% dessas moradias
estavam localizadas em favelas (Rocha, 2007). Portanto, pode-se concluir que os
investimentos vindos para o programa de desfavelamento da cidade não foram suficientes
para a solução do problema, que se posterga até os dias atuais. É o caso da favela do bairro
Novo Umuarama.
O bairro teve sua aprovação em 12 de agosto de 1969, pela empresa Imobiliária
Mauá. Seu traçado original dispunha das áreas institucionais, arruamento e área de lazer,
conforme planta original disponível na prefeitura (Figura 2).
Figura 2: Planta original do bairro Novo Umuarama em Araçatuba. Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Araçatuba.
Em 2006, pelos dados contidos no Plano Diretor Municipal (Araçatuba, 2006), o
bairro apresentava população estimada em 567 habitantes, com densidade de 70,10 hab/ha
que, se comparada com outros bairros, é considerada de média alta densidade. O
rendimento das famílias que moravam no bairro, contemplando a média do rendimento
normal mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes era de 3
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a 10 salários mínimos2. A taxa de analfabetismo no bairro chegava a 13,05%, umas das
mais altas da cidade. Vale destacar que esses dados não englobam a população das
moradias ilegais do bairro, o que, provavelmente, agravaria estes índices.
A porção do loteamento que deveria contemplar a área de lazer próxima ao
ribeirão não foi efetivamente construída, logo esta foi ocupada com a instalação de
residências, de modo ilegal, pelas famílias carentes movidas pela necessidade de moradia,
a partir da década de 1980. No entanto, a prefeitura, no ano de 2002, através do Programa
de Desfavelamento da cidade, promoveu a remoção da população do local para outro bairro,
com casas cedidas pela própria prefeitura, que hoje constitui os Residenciais Água Branca.
Cumpre destacar que não foi realizado no local nenhuma benfeitoria ou intervenção
urbanística para que as quadras desocupadas cumprissem sua função de área de lazer,
conforme o projeto original. Simplesmente a prefeitura removeu a população e deixou as
casas desocupadas no local. Por conseguinte, novas famílias passaram a ocupar essas
residências que estavam abandonadas, permanecendo o local com área de ocupação ilegal
em que as habitações são demasiadamente precárias.
3.1 Caracterização urbana do bairro Novo Umuarama
O bairro Novo Umuarama está localizado a 1,8 quilômetros do centro da cidade,
na direção leste. O bairro se encontra à margem esquerda do ribeirão Baguaçu. É uma área
de grande importância para o fluxo viário da cidade, limitado pela Avenida dos Estados, que
faz a ligação com o centro, e a Rua dos Fundadores, que faz o acesso aos bairros da zona
leste (Figura 3).
Analisando o zoneamento da cidade, vimos que a área de estudo se encontra
numa zona de ocupação controlada. O plano diretor da cidade não preve indices
urbanísticos sobre esta área. A região de ocupação dos moradores ilegais não contempla
infraestrutura urbana, que se trata dos sistemas de água e esgoto, asfalto, além da coleta de
lixo.
As figuras 3 e 4 mostram as condições do bairro. A figura 3 apresenta uma
síntese de vários fatores urbanísticos que incedem no bairro e na área de ocupação ilegal.
Podemos perceber a quantidade significativa de lotes vazios, principalmente os que se
concentram nas quadras próximas à pedreira, devido à topografia muito acentuada que
dificulta a construção no local. Se trata de região ambientalmente fragilizada, devido à
2 Salário mínimo nacional em 2013 é de R$ 678,00.
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proximidade com o sítio das escavações da antiga pedreira, além de não ter infraestrutura
viária.
Figura 3: Mapa Síntese da análise urbana do Jardim novo Umuarama.
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Figura 4: Fotos da ocupação ilegal no bairro Novo Umuarama. Fonte: Arquivo pessoal, 2012.
É possivel perceber a grande influencia que a antiga pedreira tem sobre a
ocupação de lotes do bairro, conforme visto na figura 3 acima, bem como a declividade
acentuada nas margens do ribeirão, na margem esquerda. A vegetação está concentrada
no entorno das margens do ribeirão, conquanto que no interior do bairro e na antiga
pedreira, tem-se uma vegetação mais escaça.
Todos este fatores são impressindíveis para ter-se um entendimento maior da
problemática que envolve esta ocupação ilegal, juntamente com sua inserção na cidade de
Araçatuba, devido sua localização privilediada com limite de duas importantes ruas e do
ribeirão Baguaçu.
Dessa forma, uma vez consolidada a favela, deve-se analisar o Estatuto da
Cidade, lei esta que foi concebida com intuito de reaver a função social da cidade e da
propriedade. Nele, está contido um grupo de princípios e instrumentos, dos quais, cada
município pode se utilizar mediante um Plano Diretor estabelecido. Com isso, tem-se um
gama de possibilidades de intervenção na cidade, no seu planejamento e gestão.
4. CONFLITOS AMBIENTAIS E TERRITORIAIS URBANOS
Como destacado em Brasília (2001), as prefeituras enfrentam o grande desafio
“de incorporar, a conta gotas, essas áreas à cidade, regularizando, urbanizando, dotando de
infraestrutura”. Neste sentido, a gestão atual em Araçatuba, diante da situação consolidada
da ocupação da área, está realizando a regularização fundiária urbana com base na Lei
Federal n° 11.977/2009 que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e sobre a
regularização fundiária em assentamentos localizados em áreas urbanas. O art. 54 § 1o se
refere às Área de Preservação Permanente:
O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das
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condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior. (Brasil, 2009).
O projeto da prefeitura pretende regularizar todos os 67 lotes, conforme a
implantação das residências existentes, de acordo com os documentos fornecidos pela
prefeitura (Governo Estadual de São Paulo. Analise técnica e diagnóstico, Programa Cidade
Legal, 2010). O projeto encontra-se em andamento, a fim de se enquadrar nas exigências
da lei, incluindo as melhorias das condições ambientais da área, o que ainda não foi
elaborado.
Ao analisar outra legislação sobre a ocupação em Área de Preservação
Permanente, o Código Florestal Brasileiro - Lei n°12.651/12, verificamos que o Art. 65 §
2o dispõe:
Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.
§ 2o Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos
rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado. (Brasil, 2012)
No entanto, alguns lotes que serão regularizados localizam-se na área de
preservação mínima de quinze metros, bem como o acesso a alguns lotes fica em local
crítico. Embora a prefeitura esteja elaborando um projeto de acordo com a lei, o ribeirão
Baguaçu3 é uma das fontes de abastecimento de água da cidade, o que torna esta faixa
demasiadamente estreita, podendo causar prejuízos ao meio ambiente e à qualidade da
água.
Se, por um lado, o projeto de regularização fundiária atende aos princípios da lei
e do Estatuto da Cidade, ao considerar a cidade real, as condições de bem estar de uma
população que está esquecida há anos pelo poder público, por outro, é preciso considerar
as questões ambientais ligadas à preservação do ribeirão, como também a possibilidade de
deslocar algumas famílias para habitações no próprio bairro, haja visto o número de lotes
vazios (Figura 3).
Há que se considerar, também, que parte desta área era destinada ao lazer da
população local. Isto deve ser contemplado na regularização fundiária através da
3 O Ribeirão Baguaçu corta ainda as cidades de Braúna, Bilac e Birigui e sua nascente se localiza na divisa das
cidades de Braúna e Coroados.
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compensação de áreas. Assim, segundo Bueno (2009: 2), é preciso partir de "princípios
para a regularização que articulem justiça social e qualidade ambiental, ou seja, a
regularização entendida como ação de recuperação urbana e ambiental", uma ação com
dois objetivos integrados.
Com relação à qualidade ambiental, Bueno e Monteiro (2006, p. 198) apud
Oliveira e Bueno (2009) apontam três ações que devem pautar a regularização dos
assentamentos em áreas ambientalmente sensíveis: Ações Reparatórias, Ações
Compensatórias e Ações Mitigadoras, definidas por:
Ações reparatórias – medidas tomadas para proceder à remoção do poluente do meio ambiente, bem como restaurar o ambiente que sofreu degradação resultante dessas medidas; ou seja, o meio ambiente deve voltar o mais próximo do status quo anterior;
Ações compensatórias – medidas tomadas pelos responsáveis, pela execução de um projeto, destinadas a compensar impactos ambientais negativos, notadamente alguns custos sociais que não podem ser evitados ou uso de recursos ambientais não renováveis;
Ações mitigatórias – aquelas destinadas a prevenir impactos negativos ou reduzir sua magnitude. Nesses casos, é preferível usar a expressão ‘medida mitigadora’, em vez de ‘medida corretiva’, pois a maioria dos danos ao meio ambiente, quando não podem ser evitados, pode apenas ser mitigada ou compensada. (Oliveira e Bueno, 2009)
Assim deve-se considerar que quando as margens dos cursos d´água são
ocupadas sem medidas para minimizar o impacto negativo causado ao meio ambiente, há o
comprometimento de todo o ecossistema, incluindo o bem estar do homem que vive na área
e nas circunvizinhanças.
5. CONCLUSÕES
Há uma estreita relação do ribeirão Baguaçu com a malha urbana de Araçatuba,
desde a sua formação. Contudo, existe uma razoável preservação do seu leito natural, com
suas curvas e áreas de várzea, e também de sua mata ciliar. Mas, de qualquer forma, não
se pode eliminar a preocupação com a urbanização se aproximando do ribeirão, podendo
fragilizar sua natureza, necessitando de diretrizes de ocupação mais severas, além de um
tratamento urbanístico de suas margens.
Nesse trabalho, procurou-se esclarecer as condições de ocupação da favela do
bairro Novo Umuarama e as suas condições para a regularização fundiária,
empreendimento que vem sendo realizado pela gestão municipal. Neste caso, não há como
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ignorar a presença do ribeirão Baguaçu - elemento importante para a cidade, já que é uma
das fontes de abastecimento de água. É preciso incorporá-lo à proposta, de maneira a dar
notação da sua presença para os moradores da cidade ao mesmo tempo em que é preciso
preservá-lo. A legislação é apenas um parâmetro a ser seguido. Associado a ela, é preciso
compreender a dinâmica da cidade e pensar soluções criativas que articulem justiça social e
qualidade ambiental.
REFERÊNCIAS
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