ConJur - Novo CPC Deixou Pendente Garantia de Duração Razoável Do Processo

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DIREITO CIVIL ATUAL 13 de abril de 2015, 8h01 Por Luiz Guilherme Marinoni Afirma-se que o novo Código de Processo Civil cumpriu a “promessa” constitucional de duração razoável do processo, estabelecida no art. 5°, LXXVIII da Constituição Federal. É indiscutível que o legislador tem o dever de tutelar os direitos fundamentais e, portanto, inclusive o direito fundamental à duração razoável do processo. Esqueceu-se, porém, que a “duração razoável” não pode ser alcançada em um sistema em que o duplo juízo sobre o mérito é visto como dogma e a sentença, em regra, só tem valor depois de reafirmada pelo tribunal, bem como se ignorou que as tutelas antecipatória e de evidência logicamente pressupõem a execução provisória. É preciso lembrar que o duplo juízo não é garantia constitucional nem muito menos princípio fundamental de justiça. Muito mais importante do que obrigar o tribunal a fingir que analisa sentenças que definem casos sem qualquer complexidade é o direito de acesso à Justiça, que tem como corolários os direitos à efetividade da tutela jurisdicional e à duração razoável do processo, os quais evidentemente não poderão ser tutelados enquanto se tiver como necessário dois juízos repetitivos sobre o mérito em qualquer tipo de causa civil, inclusive para que a sentença possa ter algum efeito prático. Note-se que, quando a sentença é sempre objeto de análise por parte do tribunal, inclusive para ter efeitos, ela deixa de ser decisão no sentido de afirmação do poder do Estado e passa a ser espécie de projeto da decisão do tribunal. Desse modo, bem vistas as coisas, o juiz é transformado em instrutor Novo CPC ainda deixou pendente garantia sobre duração razoável do processo

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  • 11/05/2015 ConJurNovoCPCdeixoupendentegarantiadeduraorazoveldoprocesso

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    DIREITO CIVIL ATUAL

    13 de abril de 2015, 8h01

    PorLuiz Guilherme Marinoni

    Afirma-se que o novo Cdigo de Processo Civilcumpriu a promessa constitucional de duraorazovel do processo, estabelecida no art. 5,LXXVIII da Constituio Federal. indiscutvel queo legislador tem o dever de tutelar os direitosfundamentais e, portanto, inclusive o direitofundamental durao razovel do processo.

    Esqueceu-se, porm, que a durao razovel nopode ser alcanada em um sistema em que o duplojuzo sobre o mrito visto como dogma e asentena, em regra, s tem valor depois dereafirmada pelo tribunal, bem como se ignorou queas tutelas antecipatria e de evidncia logicamente pressupem a execuoprovisria.

    preciso lembrar que o duplo juzo no garantia constitucional nem muitomenos princpio fundamental de justia. Muito mais importante do queobrigar o tribunal a fingir que analisa sentenas que definem casos semqualquer complexidade o direito de acesso Justia, que tem comocorolrios os direitos efetividade da tutela jurisdicional e durao razoveldo processo, os quais evidentemente no podero ser tutelados enquanto setiver como necessrio dois juzos repetitivos sobre o mrito em qualquer tipode causa civil, inclusive para que a sentena possa ter algum efeito prtico.

    Note-se que, quando a sentena sempre objeto de anlise por parte dotribunal, inclusive para ter efeitos, ela deixa de ser deciso no sentido deafirmao do poder do Estado e passa a ser espcie de projeto da deciso dotribunal. Desse modo, bem vistas as coisas, o juiz transformado em instrutor

    Novo CPC ainda deixou pendente garantiasobre durao razovel do processo

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    e o tribunal submetido a um trabalho que no deveria ser dele. No poroutro motivo que os recursos de apelao tm sido julgados em cestos, semqualquer discusso, e os desembargadores, como no poderia ser de outraforma, valem-se de assessores para a elaborao dos seus votos.

    Porm, o realmente perverso que esse estado de coisas no apenas faz comque a populao desacredite na justia, mas tambm retira o poder e adignidade do juiz de primeiro grau e do tribunal. O juiz, para exercer poder,deve produzir uma deciso que tenha efeitos na vida das pessoas. Quando olitigante est no aguardo do pronunciamento do juiz, imagina que a sentenano ser um arremedo de soluo do litgio, que ficar no aguardo da decisodo tribunal. Espera-se que a sentena tutele o direito material! No se supeque o juiz est presente na audincia para colher prova e, aps, elaborar umprojeto de deciso sem qualquer valor prtico.

    Do mesmo modo, o litigante que olha ao tribunal no dificilmente percebe queest submetido a um teatro em que se finge julgar, em que as decises sotomadas antecipadamente s sesses, em total desrespeito ao direito de influir.A situao s mais grave quando se toma conscincia de que as decisesesto sendo proferidas por assessores destitudos de poder para decidir.

    Como bvio, no h nessas situaes qualquer culpa dos magistrados. Aocontrrio, a magistratura est sendo exposta a dificuldades insuperveis porfalta de uma melhor organizao da justia civil, o que faz ressurgir a ideia deque, na essncia, a justia nunca efetiva ou inefetiva, mas sempre tem umaimagem ao gosto daqueles que possuem o poder, inclusive social, paramodificar a estrutura tcnica e organizacional das formas de prestao datutela jurisdicional, o que simplesmente quer dizer que uma justia inefetivapara a maioria da populao pode ser adequada para aqueles que realmentepodem modific-la.

    O novo Cdigo de Processo Civil no foi capaz de corrigir a principal disfunodo Cdigo de 1973, quando, preciso lembrar, essa foi a principal razo eleitapara desculpar a sua criao. Recorde-se que todos viam como grave eimperdovel contradio, diante do instituto da tutela antecipada surgido em1994, a falta de executividade imediata da sentena na pendncia da apelao.Ocorre que o legislador, pressionado por setores ignorantes e reacionrios,manteve a sentena na mesma condio de inefetividade em que estava noCdigo de 1973.

    Ressalte-se que a tutela da evidncia pressupe um sistema de tutela dosdireitos aberto execuo imediata da sentena. A primeira sem a segunda

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    uma contradio em termos. Ora, a tutela da evidncia nada mais do queuma tcnica de distribuio do nus do tempo do processo. O tempo doprocesso, assim como a produo da prova, deve ser visto como um nus, que,bem por isso, no pode ser jogado nas costas do autor como se esse tivesseculpa pela demora inerente discusso da causa.

    O tempo do processo, para que violada no seja a igualdade, deve serdistribudo entre os litigantes de acordo com a evidncia do direito[1]. Assim,por exemplo, no h racionalidade em obrigar o autor a esperar o tempo deinstruo da causa quando os fatos constitutivos do direito esto provadosmediante documento. Nesse caso, em que a instruo dir respeito apenas aosfatos cujo nus da prova incumbe ao ru, s a esse pode ser racionalmenteatribudo o nus do tempo.

    Pouca coisa mais irracional, quando se pensa na necessidade de distribuiodo tempo do processo, do que obrigar o autor a esperar o tempo que serveunicamente para o ru demonstrar a falta de consistncia da sentena.Lembrar que a sentena , em princpio, um ato legtimo e justo, deveria sersuficiente para fazer ver a sua autoridade e, portanto, a irracionalidade emobrigar aquele que teve o seu direito reconhecido a suportar o tempo dorecurso, o que no pode gerar outra coisa seno o abuso do direito de recorrer,que tantos males causa administrao da justia nos tribunais de Justia etribunais regionais federais.

    De qualquer forma, o que agora importa iniciar o trabalho de reconstruodo Direito, tomando-se o novo Cdigo de Processo Civil, como no poderia serde outro modo, como a base inacabada do sistema processual. H de setrabalhar para a elaborao de construes dogmticas capazes de colaborarpara o desenvolvimento do Direito processual e suficientes para garantir aosjuzes, advogados e membros do Ministrio do Pblico a possibilidade doexerccio profcuo das suas funes, todas indispensveis para que os cidadosbrasileiros possam estar seguros e livres para viver numa sociedade querespeita o Direito.

    Esta coluna produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa deDireito Civil Contemporneo (USP, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE,UFF, UFC e UFMT).

    [1] Sobre a tutela da evidncia escrevi longamente em livro publicado em 1996(Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatria, julgamento antecipado eexecuo imediata da sentena, So Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1996) e em

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    outro publicado em 2008 (Luiz Guilherme Marinoni, Abuso de defesa e parteincontroversa da demanda, So Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2008).

    Luiz Guilherme Marinoni professor titular da Faculdade de Direito da UFPR eadvogado em Curitiba e em Braslia.

    Revista Consultor Jurdico, 13 de abril de 2015, 8h01