ConJur - Provas Colhidas Acidentalmente São Aceitas Pela Jurisprudência Do STJ

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PRINCÍPIO DA SERENDIPIDADE 26 de abril de 2015, 18h04 A colheita acidental de provas, mesmo quando não há conexão entre os crimes, tem sido admitida em julgamentos mais recentes. Esse descobrimento casual de novas informações que pode levar a novos crimes é chamado de serendipidade. A expressão vem da lenda oriental sobre os três príncipes de Serendip, que eram viajantes e, ao longo do caminho, fizeram descobertas sem ligação com seu objetivo original. A validade dessas provas encontradas casualmente já foi discutida inúmeras vezes pelo Judiciário e pela doutrina jurídica. Inicialmente, a orientação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal era validar o fato descoberto acidentalmente, desde que houvesse conexão com a investigação original. Hoje, a colheita acidental de provas mesmo quando não há conexão entre os crimes já tem sido admitida. Por exemplo, o ministro João Otávio de Noronha abordou o tema em uma sessão em que a Corte Especial recebeu denúncia contra envolvidos em um esquema de venda de decisões judiciais no Tocantins (APn 690). Durante o caso, que apurava o uso de moeda falsa, a Justiça Federal no Tocantins percebeu que as escutas telefônicas revelavam que decisões judiciais estavam sendo negociadas por desembargadores. A investigação foi então remetida ao STJ, por conta do foro privilegiado das autoridades. O ministro ponderou que a serendipidade “não pode ser interpretada como ilegal ou inconstitucional simplesmente porque o objeto da interceptação não era o fato posteriormente descoberto”. Com isso, o magistrado determinou a abertura de um novo procedimento específico. Segundo ele, seria impensável entender como nula toda prova obtida ao acaso. Anteriormente, em 2013, Noronha já havia apresentado o mesmo Provas colhidas acidentalmente são aceitas pela jurisprudência do STJ

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    PRINCPIO DA SERENDIPIDADE

    26 de abril de 2015, 18h04

    A colheita acidental de provas, mesmo quando no h conexo entre oscrimes, tem sido admitida em julgamentos mais recentes. Esse descobrimentocasual de novas informaes que podelevar a novos crimes chamado deserendipidade. A expresso vem da lenda oriental sobre os trs prncipes deSerendip, que eram viajantes e, ao longo do caminho, fizeram descobertas semligao com seu objetivo original.

    A validade dessas provas encontradas casualmente j foi discutida inmerasvezes pelo Judicirio e pela doutrina jurdica. Inicialmente, a orientao doSuperior Tribunal de Justia e do Supremo Tribunal Federal era validar o fatodescoberto acidentalmente, desde que houvesse conexo com a investigaooriginal.

    Hoje, a colheita acidental de provas mesmo quando no h conexo entre oscrimes j tem sido admitida. Por exemplo, o ministro Joo Otvio de Noronhaabordou o tema em uma sesso em que a Corte Especial recebeu dennciacontra envolvidos em um esquema de venda de decises judiciais no Tocantins(APn 690).

    Durante o caso, que apurava o uso de moeda falsa, a Justia Federal noTocantins percebeu que as escutas telefnicas revelavam que decisesjudiciais estavam sendo negociadas por desembargadores. A investigao foiento remetida ao STJ, por conta do foro privilegiado das autoridades.

    O ministro ponderou que a serendipidade no pode ser interpretada comoilegal ou inconstitucional simplesmente porque o objeto da interceptao noera o fato posteriormente descoberto. Com isso, o magistrado determinou aabertura de um novo procedimento especfico. Segundo ele, seria impensvelentender como nula toda prova obtida ao acaso.

    Anteriormente, em 2013, Noronha j havia apresentado o mesmo

    Provas colhidas acidentalmente so aceitaspela jurisprudncia do STJ

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    entendimento sobre o assunto. O encontro fortuito de notcia de prticadelituosa durante a realizao de interceptaes de conversas telefnicasdevidamente autorizadas no exige a conexo entre o fato investigado e onovo fato para que se d prosseguimento s investigaes quanto ao novofato, disse.

    Tambm em 2013, no HC 187.189, o ministro Og Fernandes afirmou que legtima a utilizao de informaes obtidas em interceptao telefnica paraapurar conduta diversa daquela que originou a quebra de sigilo, desde que pormeio dela se tenha descoberto fortuitamente a prtica de outros delitos. Casocontrrio, significaria a inverso lgica do prprio sistema.

    O caso julgado tratava de denncia formulada pelo MPF a partir dedesdobramento da operao Bola de Fogo, cujo objetivo era apurar a prticade contrabando e descaminho de cigarros na fronteira. No entanto, a dennciafoi por outros crimes formao de quadrilha e lavagem de dinheiro. Por isso,a defesa sustentava a ilegalidade das provas e queria o trancamento da aopenal.

    Em seu entendimento, Og Fernandes asseverou que no houve irregularidadena investigao. No se pode esperar ou mesmo exigir que a autoridadepolicial, no momento em que d incio a uma investigao, saiba exatamente oque ir encontrar, definindo, de antemo, quais so os crimes configurados,afirmou.

    Logo, muito natural que a autoridade policial, diante de indcios concretosda prtica de crimes, d incio a uma investigao e, depois de um tempocolhendo dados, descubra algo muito maior do que supunha ocorrer,concluiu.

    Incluso de novos acusados

    A jurisprudncia tambm aceita a possibilidade de se investigar um fatodelituoso de terceiro descoberto fortuitamente, desde que haja relao com oobjeto da investigao original. Esse foi o entendimento da Quinta Turma doSTJ ao julgar o RHC 28.794. O caso envolvia a interceptao de um corru eresultou em denncia por corrupo passiva contra esse terceiro, que no erao objetivo da investigao.

    A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, destacou em seu voto que talcircunstncia no invalida a utilizao das provas colhidas contra essesterceiros. A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento

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    judicialmente autorizado pode resultar na identificao de pessoasinicialmente no relacionadas no pedido da medida probatria, mas quepossuem estreita ligao com o objeto da investigao, disse.

    Em outro caso, referente ao HC 144.137, o ministro Marco Aurlio Bellizzetambm reconheceu que a interceptao telefnica vale tambm para outroscrimes ou pessoas, at ento no identificados, que vierem a se relacionar comas prticas ilcitas. Segundo ele, tudo o que for obtido por escutasjudicialmente autorizadas ser lcito, e novos fatos podero envolver terceirosinicialmente no investigados. Ora, a autoridade policial, ao formular opedido de representao pela quebra do sigilo telefnico, no poderiaantecipar ou adivinhar tudo o que est por vir, disse.

    A investigao apurava um esquema de corrupo no Ibama e as escutasrecaram sobre um servidor do rgo. Porm, o Ministrio Pblico ofereceudenncia por corrupo ativa contra um empresrio, supostamentebeneficiado pelo esquema.

    Prtica futura de crimeEm relao informaes que comprovem prtica futura de crime, hprecedente do STJ que delimita no ser necessrio exigir a demonstrao deconexo entre o fato investigado e aquele descoberto por acaso em escutaslegais.

    Para o relator do caso referente ao HC 69.552, ministro Felix Fischer, alm de aLei 9.296/96 no exigir tal conexo, o estado no pode ficar inerte diante dacincia de que um crime vai ser praticado. O juiz tambm ressaltou que aviolao da intimidade foi realizada com respaldo constitucional e legal.

    Na investigao, as interceptaes eram direcionadas a terceiro alheio aoprocesso, mas revelaram que uma quadrilha pretendia assaltar instituiesbancrias. Felix Fischer esclareceu que nem sempre so perfeitas acorrespondncia, a conformidade e a concordncia previstas na lei entre o fatoinvestigado e o sujeito monitorado. De acordo com o ministro, pode ser,tambm, que haja a descoberta da participao de outros envolvidos no crime.Enfim, inmeras possibilidades se abrem.

    Para Fischer, a exigncia de conexo entre o fato investigado e o fatoencontrado fortuitamente s se coloca para as infraes penais passadas.Quanto s futuras, o cerne da controvrsia se dar quanto licitude ou nodo meio de prova utilizado, a partir do qual se tomou conhecimento de talconduta criminosa.

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    Novas investigaesA utilizao da interceptao telefnica como ponto de partida para novainvestigao tambm possvel. De acordo com entendimento do ministroJorge Mussi, perfeitamente possvel que, diante da notcia da prtica denovos crimes em interceptaes telefnicas autorizadas em determinadoprocedimento criminal, a autoridade policial inicie investigao para apur-los, no havendo que se cogitar de ilicitude.

    A deciso acima aborda o julgamento do HC 189.735, referente operaoTurquia. Nesse caso foram investigadas irregularidades na importao demedicamentos, mas, aps meses de monitoramento, foi percebido que ossuspeitos haviam desistido da ao.

    Apesar disso, as interceptaes revelaram relaes promscuas de servidorespblicos com a iniciativa privada. Desse modo, foi efetuado odesmembramento do inqurito para a apurao dessas outras condutas,resultando na operao Duty Free.

    Sigilo bancrio e fiscalEm relao s descobertas inesperadas decorrentes da quebra de sigilobancrio e fiscal. A Sexta Turma do STJ, no HC 282.096, reconheceu alegalidade das provas que levaram a uma denncia por peculato, crime queno havia originado a solicitao dos dados financeiros em questo.

    O relator, ministro Sebastio Reis Jnior, mencionou que as medidas dequebra do sigilo bancrio e fiscal no terem como objetivo inicial investigar ocrime de peculato no retira a importncia dos elementos indicirios acerca docrime.

    Busca e apreensoNo RHC 45.267, a Sexta Turma analisou a serendipidade no cumprimento demandado de busca e apreenso. O mandado autorizava a apreenso dedocumentos e mdias em determinado imvel pertencente investigada,suspeita de receber propina em razo de cargo pblico.

    No cumprimento da medida, a polcia acabou apreendendo material que foiidentificado como do marido da investigada. Ao analisar o contedo, a polciaconstatou diversos indcios de que ele tambm teria participao no supostoesquema. Com isso, o novo envolvido passou a ser investigado e buscou, pormeio de habeas corpus, o reconhecimento da ilegalidade da prova colhida nolocal onde foi feita a busca.

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    Na deciso da Sexta Turma, por maioria (trs a dois), a desembargadoraconvocada Marilza Maynard, ponderou sobre a dificuldade da polcia emidentificar a propriedade de cada objeto apreendido, pois o local era comumdo casal, onde ambos habitavam e trabalhavam. Ela tambm comentou que,em virtude de a percia ter encontrado nos documentos apreendidos indciosde envolvimento do marido, era possvel indici-lo com base nessas provas.

    FlagranteEm outro julgamento, tambm na Sexta Turma, os ministros analisaram umcaso (RHC 41.316) em que, no cumprimento de mandado de busca e apreenso,foram encontrados armas e cartuchos na residncia do investigado, dandoincio a uma nova ao penal.

    A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, destacou em seu voto que,como o delito do artigo 16 da Lei 10.826/03 permanente, o flagrante persisteenquanto as armas e munies estiverem em poder do agente. As provasencontradas fortuitamente foram consideradas legais.Com informaes daAssessoria de Imprensa do STJ.

    Revista Consultor Jurdico, 26 de abril de 2015, 18h04