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CONSELHO TUTELAR E DEFESA DE DIREITOS DE CIDADANIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Maria Helena Goes Campelo1
[email protected] Denise Bomtempo Birche de Carvalho 2
Eje: Ciudadanía Mesa de trabajo: Democracia y legitimidad. Palabras claves: Cidadania, Participação, Controle Social, Conselho Tutelar, Comunidade.
Resumen Os Conselhos Tutelares constituem o objeto de análise deste trabalho. O enfoque centra-se no papel e nas ações desses conselhos na defesa de direitos e cidadania de crianças e adolescentes. Os atendimentos realizados pelos Conselhos Tutelares relacionam-se à ausência de convivência familiar, pela falta de condições materiais das famílias. Nas áreas da saúde e da educação estão concentrados na falta de atendimento médico especializado e pelo impedimento de acesso à escola. A maior parte da demanda está associada à condição de pobreza das famílias, com a busca de programas e organizações que proporcionem qualificação aos filhos adolescentes e vagas em creches para que as crianças sejam cuidadas enquanto as mães trabalham, objetivando melhorar a renda familiar. As ações pautam-se pelo atendimento das necessidades de saúde, educação, estudo social para constatar a situação das condições das famílias, inclusão em programas e projetos de promoção e assistência. A população desconhece a função dos Conselhos Tutelares e os procuram como órgãos prestadores de serviços . A eficácia das ações dos Conselhos Tutelares, está no exercício de sua legitimidade na comunidade, para promover uma mudança no imaginário social e político acerca dos direitos do cidadão e como viabilizá-los na prática. Introdução
O presente trabalho faz um resgate sobre a doutrina da proteção integral como
a fonte inspiradora do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para destacar que,
só recentemente a criança e o adolescente passaram a ser objeto de uma lei
diferenciada e reconhecida pela sociedade. O ECA, foi pioneiro nesse processo de
reconhecimento, e, sob a perspectiva da cidadania, propôs um poder compartilhado e
uma gestão participativa, com relação às políticas de proteção às crianças e
1 Assistente Social, Mestre em Política Social pelo Programa de Pós -graduação em Política Social - Departamento de Serviço Social (SER) – Universidade de Brasília (UnB). 2 – Orientadora da Pesquisa. Doutora em Sociologia. Investigadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq/Brasil, Professora do Departamento de Serviço Social (SER). Coordenadora do Programa de Mestrado em Política Social . Diretora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília.
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adolescentes. O ECA instituiu os Conselhos de Direitos e Tutelares para proteger e
garantir os direitos reconhecidos. Os Conselhos Tutelares como aparato jurídico-
institucional do ECA no Município de Cuiabá, em Mato Grosso se constituem como
objeto de análise deste trabalho, cujo enfoque centra-se no papel e nas ações desses
mediadores da relação Estado e sociedade, na defesa de direitos de cidadania de
crianças e adolescentes.
A análise está concentrada em quatro Conselhos Tutelares e pretende
demonstrar se os Conselhos zelam pelo cumprimento dos direitos preconizados no
ECA e /ou realizam atendimento para que os direitos sejam garantidos. A pesquisa foi
realizada por meio de dados quantitativos e qualitativos extraídos dos prontuários de
atendimento, a partir dos encaminhamentos às organizações governamentais e não-
governamentais, realizados no período de julho de 1998 a julho de 1999. Esta
pesquisa é parte da dissertação de Mestrado intitulada Conselhos Tutelares:
participação e poder na construção da cidadania de crianças e adolescentes.
1. A Doutrina da Proteção Integral: fonte inspiradora do Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA.
A criança e o adolescente, atualmente, estão respaldados por uma legislação
internacional e nacional, que assegura e defende seus direitos fundamentais como
seres humanos e merecedores da atenção do Estado, da Sociedade e da família
visando a sua proteção integral.
O termo Proteção Integral surgiu para caracterizar o conjunto de normas e
princípios estabelecidos em forma de doutrina, na Convenção Internacional da
Organização das Nações Unidas (ONU) Sobre os Direitos da Criança, aprovado na
Assembléia Geral da ONU em 1989. Tais preceitos alteram o Direito prescrito em cada
nação, quando estes forem omissos em relação as normas de proteção por abuso ou
violação de direitos (Sêda, 1995).
A doutrina da proteção integral trouxe em seu bojo a noção de que a cidadania
vai além das dimensões civis e políticas, devendo ser incluída também a “dimensão
social – poder que a pessoa exerce de manifestar vontades eficaz para ter atendidas
suas necessidades básicas sempre que elas forem ameaçadas ou violadas” (Sêda,
1995:16).
Para Sêda (1995), o exercício da cidadania está no direito das crianças e
adolescentes não terem seus direitos ameaçados ou violados. A cidadania manifesta-
se no direito da vontade de viver com saúde, ter educação, ter uma profissionalização
adequada, lazer e conviver com suas famílias, em condições dignas de moradia.
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A doutrina da proteção integral apontou à sociedade civil a direção da mudança
histórica das crianças e adolescentes. Ela possibilitou alterar as relações sociais, a
estrutura social e o exercício do poder, ao mostrar que não é suficiente declarar em
documentos que o ser humano tem direitos, mas que elas possam exercer esses
direitos.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 registrou tais princípios, sendo os
mesmos regulamentados na Lei 8.069 e aprovada em 13 de julho de 1990,
denominada Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA assegurou como dever do
Estado a proteção e a prioridade absoluta na efetivação de políticas públicas para
crianças e adolescentes e, sobretudo de que elas seriam articuladamente efetivadas
através de ações descentralizadas em todas as esferas do governo.
2. Descentralização, Municipalização e Participação: caminhos para a
construção da cidadania de crianças e adolescentes?
Os conceitos de “descentralização”, “municipalização” e “participação” têm
estado em evidência nos discursos e nas propostas dos dirigentes, desde a
promulgação da Constituição Federal (CF) em 1988, como alternativa de estratégia
para a melhoria na gestão de questões voltadas à área social, sobretudo às políticas
públicas no Brasil.
A descentralização, no cenário brasileiro, se instituiu como novo paradigma, ao
contemplar no artigo 18 da CF que diz: “...a organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição”.
Com relação ao tema descentralização, os estudos realizados pelos autores
Pereira (1996), Stein (1997) e Lustosa (1999) mostram que a utilização do termo e o
discurso não são tão recentes quanto parecem. Para os autores, o termo não surgiu
por acaso, nem como decorrência do processo de redemocratização brasileira, mas
como conseqüência de determinações histórico-estruturais que envolveram a
sociedade moderna. Além desses fatores, a instituição do paradigma da
descentralização, ocorreu para substituir o modelo centralizador/autoritário das
políticas sociais que se fez presente durante vinte anos do período ditatorial militar
(1964-1985) e que, de modo geral, sempre fez parte da história brasileira.
O termo “descentralização” tornou-se uma tendência mundial e emergiu com
mais intensidade num momento histórico e numa conjuntura social de crise econômica
e de mudanças político-ideológicas, a partir dos anos 60.
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Diversas experiências, nesse período, começaram a ser realizadas nos países
desenvolvidos. Vários países de capitalismo avançado buscaram a gestão
descentralizada e a participação da população, como mecanismo, para contornar os
problemas oriundos das transformações que vinham ocorrendo no sistema produtivo,
no mundo do trabalho, na estrutura familiar e nas relações sociais em geral. Essas
transformações resultaram do impacto gerado pelo processo de globalização, sobre o
papel do Estado-nação e, consequentemente, “sobre as estratégias de organização do
Estado e de suas relações com a sociedade” (Lustosa, 1999:237).
Segundo Lustosa (1999), a descentralização como tendência tem se colocado
sob duas formas. Na primeira, se constitui como uma das estratégias idealizadas pelos
governos neoliberais para diminuir a ação do Estado no campo social, com a
finalidade de reduzir os gastos públicos nesse setor. A segunda, contrapondo ao
ideário neoliberal apresenta propostas que ampliam a esfera pública, envolvendo
conjuntamente Estado/sociedade, possibilitando a efetivação de novas práticas sociais
e políticas, bem como a inserção de novos valores na sociedade contemporânea.
Na América Latina, em geral, e no Brasil, o debate em torno da
descentralização manifesta a preocupação com o crescimento econômico, ao mesmo
tempo que enfatiza a questão da equidade e da satisfação das necessidades básicas
dos cidadãos. Também procura ‘resgatar aspectos estruturais, institucionais e políticos
desprezados pelo neoliberalismo’. Essas questões, estão, principalmente, no plano da
relação Estado e sociedade, onde a descentralização pode favorecer ”maior
articulação da sociedade civil, por meio de organizações comunitárias e sindicatos,
desde que, no nível local, as instituições sejam representativas da comunidade e que
a participação seja uma realidade”. Stein (1997:92).
Pereira (1996:76 e 78), ao expor sobre o termo “descentralização” às políticas
sociais, diz que o tema é corretamente compreendido como um “processo de
redistribuição de poder em duas principais direções: a) da esfera federal para a
estadual e a municipal; e b) do Estado para a sociedade”. Para a autora, esse
processo também pode ser caracterizado como pluralismo, ou seja, como ”formas
plurais ou mistas de planejamento e ação (...)”. Estes conceitos, apontam para a nova
relação entre Estado e Sociedade civil, cuja estratégia centra-se na perspectiva de
cidadania, pois apresentam mudanças na estrutura do Estado; contribuem para a
formação de novos espaços institucionais de participação e deliberação popular e
propõem a gestão conjunta das políticas públicas.
Stein (1997:79-80), em sua reflexão conceitual sobre o termo descentralização,
ressalta que o mesmo se apresenta sob diferentes interpretações quando relacionados
às políticas públicas. Dentre as diversas interpretações, a autora diz que o processo
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de descentralização deve ser concebido ‘como status de meio, método ou tática’, mas
ela também admite que a definição do termo “descentralização” depende da visão e
das preocupações de cada ator social, diante do que pode ser identificado no contexto
social como problema a ser resolvido, com o objetivo que se deseja alcançar ou como
meio para solucionar outra questão. Sob essas diferentes concepções, a autora
conclui que a descentralização deve ser utilizada como um instrumento para atingir
determinados fins, já que existe uma inter-relação com as categorias democracia,
autonomia e participação.
A inter-relação do termo “descentralização” com tais categorias implica um
poder político, na medida que passa pela redefinição das relações de poder e
pressupõe um pluralismo, que se define como “a ação compartilhada do Estado, do
mercado e da sociedade” para efetivar serviços, prover bens que atendam às
necessidades básicas do ser humano, e de que o Estado desempenhe o seu papel de
assegurar direitos aos cidadãos (Stein, 1997:93).
Porém, o sucesso do processo de descentralização político-administrativa,
está, na efetivação conjunta do poder compartilhado e da gestão participativa entre
Estado e sociedade civil, objetivando realizar e remanejar as competências decisórias
e executivas, bem como dos recursos financeiros. Nesse processo, a sociedade civil
dispõe de uma autonomia que corrobora para o exercício do controle social e influi nas
definições e decisões nas diversas esferas de poder.
Pereira (1996) defende a descentralização na perspetiva de cidadania, a qual
denomina de “vertente progressista” ou de “esquerda”, como a que efetivamente
permite ao Estado promover uma relação articulada com a sociedade, quanto ao
planejamento das políticas públicas, em todas as esferas de governo, no sentido de
contribuir para a socialização da política e buscar modelos econômicos menos
excludentes e mais justos; ela lembra também que o conceito de descentralização
assume outras interpretações, em função das “diferentes vertentes ideológicas”, que
envolve as relações, demonstrando com isso, o confronto constante de idéias e
interesses no âmbito dessas relações, como a que autora chama de vertente
neoliberal e neoconservadora ou nova direita, para contrapor a vertente progressista
ou de esquerda.
Lustosa (1999:242-243) para explicar a distinção do termo descentralização
das políticas sociais brasileiras, sobretudo a descentralização “administrativa, política
e fiscal”, toma como referência duas concepções existentes: “Uma mais radical que
ele classifica de planejada e a segunda, que não segue alguns procedimentos lógicos
básicos, de caótica”. Na planejada, as funções nas esferas federal, estaduais e
municipais ‘sofrem mudanças qualitativas’ e os recursos vão sendo substituídos
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gradativamente de uma esfera para a outra. Como também vão se construindo
relações de complementariedade entre as esferas, dando a noção de um sistema,
onde a ação federal é fundamental para “corrigir as desigualdades sociais”. Na
caótica, existe uma tendência de reforçar ‘o grau de heterogeneidade do sistema’, haja
vista que a efetivação dos serviços ficam na dependência dos recursos da esfera
municipal ‘e, portanto, expostas às enormes diferenças sócio-econômicas aí
existentes’.
Nos países desenvolvidos, segundo os estudos de Lustosa (1999:243), a
descentralização se apresenta como estratégia, que possui um caráter gerencial e
administrativo, que permite responder melhor às demandas, pois propicia um sistema
mais ágil de decisão, ao possibilitar que outras instâncias decisórias do Governo
compartilhem o poder com a sociedade, através da participação popular.
Porém, a descentralização, como estratégia, não dá tanta ênfase à questão
política, por isso tem destaque apenas o aspecto técnico-administrativo, por meio da
gestão compartilhada e participativa. Já, nos países em desenvolvimento, a
descentralização está diretamente relacionada à autoridade e poder que se forma
como “um processo político-técnico de reconfiguração do espaço de ação popular e de
redefinição da relação Estado-cidadão” (Lustosa, 1999:245).
Diante dessas duas concepções o autor citado define a descentralização no
Brasil como um processo político-técnico “de reformulação da estratégia de gestão das
políticas sociais, fruto da interação permanente de diversos grupos de interesse dentro
e fora do aparelho do Estado”. Essa definição representa o envolvimento do aspecto
técnico e administrativo, em termos de gerenciamento, tal qual é desenvolvido nos
países avançados. Mas como estratégia, vem sendo implementada sem um
compromisso efetivo com os problemas sociais, dando um enfoque mais pragmático
ao processo, ao mesmo tempo, que se constitui, num instrumento que permite delegar
poderes, atribuições e responsabilidades às demais esferas do governo, bem como a
transferência de recursos para gerir as atribuições repassadas pelo Estado.
Todavia, a descentralização é também um processo político, porque está
diretamente associada ao processo de redemocratização do país, na década de 80,
quando a sociedade civil mais organizada e capacitada pressionou o Estado para
intervir e influenciar nos rumos das políticas públicas, através da participação via
representação, demonstrando com isso, a idéia de que este é um processo dinâmico,
contraditório, variando de acordo com o contexto, a conjuntura social e política, face
aos interesses de autoridade e poder dos atores envolvidos no processo.
A institucionalização do processo de descentralização político-adminisrativa,
desencadeou uma profunda modificação no aparato político-institucional, ao mesmo
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tempo que constituiu as bases para a construção de um novo formato de cidadania, ao
reconhecer o município como locus competente para elaborar e propor políticas
sociais como dever do Estado e direito de todos.
A mudança de paradigma vai juntar a categoria da descentralização ao
conceito de municipalização. Jovchelovitch (1993) ao versar sobre a municipalização
destaca que ela pode ser compreendida como um processo que permite uma
aproximação maior dos serviços à população, mediante a articulação das forças entre
a Prefeitura e as organizações locais, e não somente como modelo de repasse de
serviços e encargos das diversas instâncias para o município. Para Jovchelovitch, a
municipalização, do ponto de vista político, reforça a idéia de autonomia, pois se
encontra diretamente relacionada ao processo decisório, por apresentar as condições
reais de participação e de controle social sobre o papel do Estado, tanto na
elaboração, deliberação quanto na efetivação dos planos e políticas no âmbito local.
Além disso, a municipalização permite responder de forma mais ágil às demandas
postas pelos cidadãos e ao mesmo tempo reduz a responsabilidade do Estado na
execução das políticas sociais (1993:49).
Nesse sentido, a municipalização, tal como a descentralização, se constitui
como estratégia de consolidação democrática, por isso na ótica de Jovchelovitch
(1998:40) essas categorias envolvem a participação, mostrando “que a força da
cidadania está no município. É no município que o cidadão nasce, vive e constrói sua
história. É aí que o cidadão fiscaliza e exercita o controle social”.
Posta sob o ponto de vista da cidadania, a municipalização tem como respaldo
os seguintes princípios: ”descentralização; fortalecimento administrativo; participação
comunitária e enfoque da administração geral” (Jovchelovitch, 1993:50).
O caráter descentralizador e a autonomia dos municípios que estão contidos
nos artigos 29 e 30 da CF, garante-lhes, poder para organizarem-se, ao mesmo tempo
atribui-lhes competências específicas que permitem garantir e promover programas de
melhoria de vida local e combater os fatores geradores da desigualdade social.
Já a política de proteção à infância e juventude brasileira regulamentada no
ECA, ao assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, também estimula o
engajamento da sociedade na promoção de um desenvolvimento saudável, visando
prevenir contra a violação desses direitos e, principalmente por possibilitar as
condições sociais para que eles sejam respeitados quando estiverem em jogo os
interesses de crianças e adolescentes, pois o exercício da cidadania está no direito
das crianças e adolescentes de não terem seus direitos ameaçados ou violados
(Sêda, 1995).
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Contudo, com a globalização e a revolução tecnológica, de orientação
neoliberal, vem se instaurando novas formas de produção e gestão no trabalho, ao
mesmo tempo que reduz a demanda de trabalho como conseqüência do desemprego
e do subemprego, aumentando, assim, o excedente da população que vive do
trabalho. As transformações no sistema produtivo e no mundo do trabalho vêm
acelerando o processo de exclusão social, econômica, política e cultural dessas
famílias, cujas crianças e adolescentes vêm sendo alvo das mais variadas formas de
violência, na medida que não podem ter suas necessidades básicas atendidas e nem
mesmo o direito de exercer seu direito de cidadão.
O cenário contemporâneo, possibilitou à doutrina da proteção integral apontar à
sociedade civil a direção da mudança histórica das crianças de adolescentes através
da descentralização que desencadeou numa nova relação entre Estado e sociedade
civil, quando propôs uma reorganização, das funções de governo, conclamando as
comunidades a assumirem responsabilidades para garantir direitos. Nesse processo,
os municípios se constituem como instâncias dotadas de autonomia, poder e
responsabilidade, para formular, planejar, fiscalizar, buscar recursos e executar
políticas que atendam às necessidades vitais do segmento infanto-juvenil. Essa
responsabilidade fez com que a sociedade civil exercitasse a prática do direito,
transformando os seres humanos em sujeitos de direitos, ou seja, ampliou as
condições para que crianças e adolescentes possam exercer esses direitos, mesmo
diante de um contexto, cujas políticas visam valorizar o mercado como modelo de
regulação das oportunidades.
O ECA foi pioneiro nesse reconhecimento e, sob a perspectiva da cidadania,
garantiu como dever do Estado a proteção e a primazia na efetivação das políticas de
proteção ao segmento infanto-juvenil. Da mesma forma que instituiu as bases para a
construção de novas estratégias de gestão das políticas sociais direcionadas às
crianças e adolescentes, exigindo a institucionalização de um aparato legal, para
assegurar os direitos propostos no Estatuto.
O meios legais e institucionais previstos no ECA, para garantir e efetivar os
direitos e o exercício da cidadania das crianças e adolescentes foram: Os Conselhos
de Direitos das Crianças e Adolescentes (CDCAs) e os Fundos de Direitos das
Crianças e Adolescentes (FDCAs), nas três esferas de governo: federal, estaduais e
municipais, e os CTs, implantados somente no âmbito municipal.
Os Conselhos de Direitos (CDs), pressupõem a concretização do processo de
descentralização, pois se apresentam como espaços de articulação e “...de mediação
entre a sociedade civil e o Poder Executivo Municipal. Funcionam inclusive como
estratégia de divisão do poder no âmbito local” (Jovchelovitch, 1998:43).
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Dessa forma, os Conselhos se consituem como um dos principais elementos
do controle social do Estado. Por isso, quando se fala em descentralização,
imediatamente passa pelo imaginário de que, no Brasil, existe um Estado de direito
democrático, e isso requer soberania popular, mas a soberania popular não pode ser
expressa apenas através do voto e do direito de ir e vir. O voto e a liberdade são
componentes essenciais, porém exige-se um outro componente que pode ser
considerado básico como o controle social da política pública (Vieira, 1998).
Entretanto, em muitos municípios brasileiros, os Conselhos que estão em
exercício, não vêm revelando e nem representando os interesses da coletividade local.
Essa falta de representatividade impede que haja o controle por parte da sociedade,
pois este permanece na figura do prefeito e de seus assessores. Com isso, acabam
reforçando o clientelismo, a burocratização, enfim, a prefeiturização como denominam
Stein (1997) e Jovchelovitch (1998).
A atual realidade da maioria dos municípios brasileiros apresenta um alto
percentual de crianças e adolescentes privados do direito de manifestar seu direito, de
ter um convívio familiar saudável e com dignidade, haja vista que suas famílias
sobrevivem com uma renda insuficiente que não permite suprir as necessidades
imediatas de seus filhos. A exclusão social leva uma grande parcela de crianças e
jovens entre 5 e 14 anos, a deixarem as escolas, inserindo-se precocemente no
mercado de trabalho, para garantir a própria sobrevivência e ajudar a família. Assim, o
trabalho torna-se uma opção natural para aumentar a renda. A realidade, contradiz o
que estabelece a CF e o ECA. Ambas proíbem o trabalho remunerado para menores
de 14 anos, podendo haver exceção àquelas que trabalham na condição de aprendiz
(Art. 60 do ECA).
Existe, portanto, um grande contingente de crianças e adolescentes, que estão
sendo violados na sua condição de sujeitos de direitos e seres em formação. Essa
violação, decorre de uma política que exclui um grande percentual de famílias
trabalhadoras, ao mesmo tempo que agrava a desigualdade social, em virtude da
concentração de renda, das novas relações de trabalho, da ausência de políticas de
atendimento integral, visto que, o Poder Executivo, ao desenvolver políticas que
privilegiam o mercado e a redução de gastos, trazem embutido um processo de
desresponsabilização do Estado em relação aos direitos sociais, contrapondo-se à
universalização (Faleiros, 1996). Além disso, há outro fator que contribui para a
violação de direitos de crianças e adolescentes em desenvolvimento: a falta de
compreensão da sociedade de que o trabalho precoce não previne contra a
marginalidade (Carvalho, 1999). A falta de entendimento advém das condições sócio-
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histórico e culturais que sempre estiveram presentes na sociedade e dificultam uma
participação ativa de seus representantes nos respectivos Conselhos.
Assim, associado ao termo descentralização e municipalização, se encontra o
conceito de participação, que é concebido como um elemento qualitativo que engloba
os pressupostos básicos de democracia e cidadania. Tais pressupostos partem do
princípio de que a soberania popular é um processo de prática de direitos
conquistados, segundo a dialética histórica, uma relação de avanços e recuos, entre
Estado e sociedade civil. Esse regime político permite a concretização da participação
da população numa dimensão legítima e legitimada pela descentralização, via
municipalização, de modo a contribuir com a instituição de políticas de direitos
universais articuladas com a proteção de caráter educativo e libertador às crianças e
adolescentes brasileiros.
O debate sobre o termo participação tem se generalizado no contexto
internacional e nacional, e tem sido relacionado com mais freqüência à democracia.
Para os autores, adeptos dessa correlação, como Bordenave (1998:8): “...democracia
é um estado de espírito e um modo de relacionamento entre as pessoas. Democracia
é um estado de participação”.
Essa afirmação exprime as aspirações de diversos setores da sociedade
brasileira, sobre a necessidade de participar ativamente, não só do direito de votar ou
de ir e vir, mas de tomar decisões frente aos desafios sociais, nos quais estão
envolvidos cotidianamente.
Diante dessa necessidade, Bordenave (1998:12 e 17) coloca que a
participação faz parte da natureza humana, pois, desde suas origens, o homem vive
em grupos e a participação “...sempre tem acompanhado – com altos e baixos – as
formas históricas que a vida social foi tomando”.
O autor aponta duas vantagens da participação em uma sociedade
democrática. A primeira representa o caminho para a construção de uma consciência
mais crítica da população, na medida que fortalece seu poder de reivindicação e
prepara para adquirir mais poder na sociedade. Na segunda, a participação contribui
para garantir o controle das ações e do papel do Estado por parte da sociedade civil,
bem como fiscalizar os serviços públicos, para que melhorem em termos de qualidade
e oportunidade. Sob esse prisma, a participação popular, tal qual a descentralização
das decisões, se constitui “...como o caminho mais adequado para enfrentar os
problemas graves e complexos dos países em desenvolvimento”, como no Brasil.
O desafio da participação da sociedade está em promover a melhoria da
qualidade de vida, através do exercício da cidadania, junto aos espaços públicos, na
defesa de propostas concretas, face à conjuntura do país e diante do desmonte das
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políticas sociais. A política adotada pelo governo brasileiro tem gerado a
desagregação e a exclusão da população, ao desenvolver, sob o ideário neoliberal, o
ajuste estrutural da economia com todas as graves seqüelas sociais que ela produz,
principalmente nos cortes orçamentários das verbas destinadas às políticas públicas.
Mais grave ainda, são os desmontes das estruturas organizacionais que prestam
atendimento à população, cuja condição de vida vem se deteriorando aceleradamente.
O reconhecimento da participação popular no processo de descentralização
tem contribuído para buscar formas alternativas de enfrentamento conjunto com o
poder local, no combate das desigualdades sociais, na formulação e deliberação de
políticas que efetivem os direitos da criança e do adolescente e é nisso que configura
a importância da participação.
Por ser um termo que está diretamente vinculado à democratização política e
às dinâmicas de gestão descentralizadas, a participação pode ser compreendida como
um instrumento para o exercício da cidadania, não entendida como benesse ou como
concessão, mas sim como um processo de conquista sem fim, conforme afirma Demo
(1988:18): “...participação é conquista para significar que é um processo, no sentido
legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. Assim,
participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual”.
Esse processo de participação na concepção de Demo (1988:18) só se efetiva
como conquista a partir de três razões fundamentais:
“...de que participação não pode ser entendida como dádiva, como concessão,
como algo já preexistente. Não pode ser entendida como dádiva, porque não seria
produto de conquista, nem realizaria o fenômeno fundamental da autopromoção; seria
de todos os modos uma participação tutelada e vigente na medida das boas graças do
doador, que delimita o espaço permitido. Não pode ser entendida como concessão,
porque não é fenômeno residual ou secundário da política social, mas um dos seus
eixos fundamentais; seria apenas um expediente para obnubilar o caráter da de
conquista, ou de conceder, no lado dos dominantes a necessidade de ceder. Não
pode ser entendida como algo preexistente, porque o espaço de participação não cai
do céu por descuido, nem é o passo primeiro”.
As proposições do autor mostram que a participação é um processo histórico
de conquista do ser humano, que expressa o exercício ativo do pensamento e da ação
coletiva do poder, que se realiza com a ampliação das condições da cidadania, já que
na participação está implícita a questão política. Essa concepção permite
compreender que uma sociedade é participativa, quando os cidadãos produzem e
usufruem dos bens de forma equitativa, mas para que isso se torne possível, faz–se
necessário toda uma estrutura social organizada para tal processo. Nesse aspecto, tal
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pensamento sobre o ponto de vista político é fundamental, pois é a vontade política do
ser humano que norteia seus objetivos e interesses de liberdade, de democracia e de
cidadania.
Na mesma linha, Souza (1987:79) define este conceito como um processo
social, isto é, “...a participação é o próprio processo de criação do homem ao pensar e
agir sobre os desafios da natureza e sobre os desafios sociais, nos quais ele próprio
está situado”.
Para a autora, o fazer, ou ser parte, torna-se requisito essencial para a
realização do próprio ser humano, pois na medida em que as contradições sociais
instigam o homem a pensar e agir, ele toma consciência da realidade social e assume
posições de desafio e confronto. Essa tomada de consciência leva-o a um processo de
organização, que consequentemente contribua para a emancipação do ser humano
como sujeito, de modo que seja capaz de intervir nas definições e decisões da vida
social e política.
Sob essa perspectiva, a participação se constitui em um processo social
dinâmico e contraditório, que se constrói na correlação de forças presentes na
sociedade e, num determinado contexto sócio-econômico, político e cultural, como
ação humana que se desenvolve num espaço de conflitos e de luta pelo poder.
O conceito de participação é algo ainda bastante complexo, por ser um
fenômeno social que se encerra numa correlação de força e implicam posições de
interesses, em uma realidade que, para Demo (1988:18), sempre prevaleceu uma
“tendência histórica à dominação”, visto que a sociedade brasileira organiza-se de
cima para baixo e rege-se pelas hierarquias onde sempre houve uma minoria
dominadora e uma maioria submissa.
Na ótica de Faleiros (1997), é um processo social que envolve relações de
poder e sob essa perspectiva, não se pode pensar em participação sem relacioná-la
com a questão do poder. Para o autor, ela representa uma relação de poder entre os
atores sociais inseridos no processo, principalmente, porque envolve relações de
consenso e/ou de confronto, dominação e/ou resistência por parte dos cidadãos.
Existe nessa correlação um jogo político, podendo este, favorecer o fortalecimento de
determinadas forças, ou o desgaste das contrárias, tendo em vista que o Estado, pela
sua própria trajetória histórica de concentração de poder, tenta limitar a presença da
sociedade, para que esta, não interfira nos projetos políticos de seus dirigentes.
É nesse sentido que Faleiros (1997) ressalta a importância da organização
como componente essencial da participação. A organização dos sujeitos sociais
contribui para definirem estratégias e proposições que superem os conflitos sociais
gerados nas relações presentes nos espaços públicos. Caso isso não ocorra, as
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possibilidades de participação das comunidades nas decisões e no controle das ações
do Estado sobre as políticas públicas diminuem, bem como dificultam o exercício da
cidadania.
Constata-se, assim, que o conceito de participação constitui-se como o cerne
da democracia e da cidadania e não é possível haver democracia sem que tenha um
ator participando ativamente do processo, o cidadão. De acordo com Demo (1988:70)
“...cidadania é a qualidade social de uma sociedade organizada sob a forma de
direitos e deveres majoritariamente reconhecidos”. Segundo o autor, uma sociedade
organizada é aquela que compreende a cidadania como direitos e deveres, a
cidadania como uma conquista do cidadão de ter direitos e de exercê-los. Quanto aos
deveres, a sociedade torna-se co-responsável à efetivação do exercício desse direito e
de serem reconhecidos perante a lei.
Desse modo, a efetivação da cidadania, através da participação popular no
exercício do poder, significa forjar novos espaços públicos de discussão e formulação
de políticas sociais, como também de reclamações, de denúncias e de defesa, visando
a prevenção da violação desses direitos, sobretudo de crianças e jovens. Por isso, a
participação popular nos CDs, nas três esferas de governo e nos CTs, no âmbito local,
abre espaço para discussão, controle e defesa de políticas de proteção para a
infância.
2. Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares: espaços públicos de defesa e
proteção de crianças e adolescentes.
A Constituição Brasileira, a Doutrina da Proteção Integral e o ECA introduziram,
através do processo de descentralização político-administrativa, novas relações entre
Estado e sociedade civil, bem como instituiu responsabilidades à família, à sociedade,
com ênfase na participação das comunidades, e ao Estado, sobretudo nos municípios
e em relação ao seu efetivo atendimento e proteção.
Dentro dessa nova gestão descentralizada, cabe à União elaborar os princípios
e as regras gerais, como também a coordenação nacional da política de atendimento à
criança e adolescente. Esse trabalho, segundo o Estatuto, deve ser feito por uma
instância colegiada, ou seja, pelo CONANDA.
Aos Estados Federativos cabem aplicar tais princípios e regras à sua realidade,
numa relação de articulação entre Município, Estados e União, com o objetivo de unir
os esforços desenvolvidos por ambas as esferas de governo. Tal trabalho deve
também ser colocado em prática por uma instância colegiada, o Conselho Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA).
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Aos municípios competem a tarefa de suplementar a legislação federal e
estadual, no que couber, além de legislar sobre seus assuntos locais, bem como a
execução direta das políticas e programas em parceria com entidades não-
governamentais. Em cada município, a coordenação e execução é realizada por um
órgão colegiado, o CMDCA (Costa, 1993:76-77).
Com a descentralização, as ações da União ficaram delimitadas em desenhar
as políticas no plano nacional; as dos Estados ficaram restritas à intermediação entre
a esfera federal e municipal, entretanto, nesse processo, o papel dos municípios foi
ampliado, dando-lhes mais autonomia para atuar e legislar questões de interesse
local.
Para melhor esclarecimento, faz-se necessário um resgate histórico da
conformação dos Conselhos como espaço de participação popular, cujo processo
antecede a descentralização.
Com o advento do ECA, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente
(CDCAs) foram sendo instituídos como instâncias públicas, onde as organizações
populares vêm consolidando e tornando efetiva sua participação no processo de
gestão democrática, principalmente com relação às políticas, nas três esferas de
governo.
Contudo, a temática dos Conselhos, como prática social ou forma de
intervenção não surgiu com a descentralização ou com o ECA. Segundo Gohn
(1990:66) existem duas vertentes históricas que envolvem o termo: a primeira está
relacionada à “experiência de gestão através de Conselhos de operários ou
populares”, como a “Comuna de Paris, os sovietes russos e os Conselhos de Fábrica
italianos”. Os Conselhos operários ou populares, na ótica da autora, surgiram por
iniciativa da própria comunidade de participantes. A Segunda vertente é a da
“participação dos indivíduos através de Conselhos de cidadãos”. São experiências
desenvolvidas nos Estados Unidos. Esses Conselhos de Cidadãos estavam
empenhados na defesa dos direitos individuais e coletivos, como também em
combater os valores nocivos à comunidade.
Gohn (1990:66) em seu texto sobre Conselhos populares e participação
popular, mostra que historicamente várias sociedades desenvolveram tais práticas, ora
em Conselhos operários ou populares, ora em Conselhos de Cidadãos, mas ressalta
que o próprio termo trás embutida uma diferença política fundamental. Para a autora,
os Conselhos Operários ou Populares são compostos:
“...por trabalhadores, se originam e se articulam diretamente ao sistema de
produção (...) são agentes e atores centrais da política econômico-social do país”. Já
os Conselhos de Cidadãos são compostos de ”cidadãos e se constituem a partir do
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processo de consumo e distribuição, de bens, serviços e equipamentos,
principalmente públicos (...) são atores de políticas sociais determinadas ou
elaboradas por agentes governamentais”.
Nesse sentido, Gohn (1990:87) afirma que os Conselhos, diante de práticas ou
formas de intervenção tão díspares, podem ser descritos ou analisados como:
“...instrumentos de determinados processos. Estes processos podem ter diferentes
objetivos, contribuir para mudanças sociais significativas ou auxiliar a consolidação de
estruturas sociais em transição ou sob o impacto de fortes pressões sociais”.
Segundo a autora, a qualificação do processo onde procede a experiência de
Conselho é que vai mostrar a sua natureza. Por isso, os Conselhos poderão se
constituir como instrumentos valiosos para a formação “de um poder popular” quanto
poderão tornar-se um instrumento “de acomodação dos conflitos e de integração dos
indivíduos” em programas previamente estabelecidos. Em ambas perspectivas estão
implícitas a noção de cidadania. No primeiro caso, privilegia a participação dos
mesmos nos processos de gestão da vida pública. Nessa ótica, a cidadania torna-se
uma finalidade a ser conquistada, através da participação na elaboração e definição
de políticas que assegurem os direitos sociais coletivos. No segundo caso, a ênfase
recai sobre o indivíduo como cidadão, que participa apenas para ter acesso aos bens
de consumo, mas sem participar da gestão dos bens públicos ou da política. Por isso a
cidadania nessa ótica “é uma elaboração individual, constitucional” e não visa a
emancipação e sim a integração do indivíduo (Gohn, 199:76).
Na realidade brasileira, as experiências históricas sobre os Conselhos,
desencadeadas entre as décadas 60 até meados de 80, segundo os estudos de Gohn
(1990:77-83) apresentam dois modelos: os Conselhos populares e os Conselhos
Comunitários. O primeiro surgiu como resultado de um processo da organização
popular e de suas lutas nas relações que se estabelecem com o poder público. O
segundo é criado pelo poder público para intermediar suas relações com os
movimentos populares.
A autora aponta as experiências dos Conselhos de Saúde de São Paulo, como
aquelas que se aproximam mais dos Conselhos Populares, a existência da
legitimidade dos mesmos, no entanto, eles não tinham autonomia para gerir seus
recursos, como também não tinham poder de deliberar ações, dificultando sua função
principal que era de fiscalização e de controle.
O relato sobre as experiências dos Conselhos no Brasil permite constatar a
ausência de participação popular na gestão da coisa pública, de que à sociedade
restava apenas integrar-se às estratégias de participação, uma “participação
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outorgada”, haja vista que as normas para a composição e função dos Conselhos
eram formulados pelo Poder Público.
Liberati e Cyrino (1993:42), ao tratar do tema CDCA, busca percorrer, através
das experiências focalizadas por Gohn (1990), a trajetória dos Conselhos no cenário
internacional e nacional, para ressaltar que a política voltada para crianças e jovens
sempre foram elaboradas e definidas a partir de “...uma excessiva centralização e
verticalização, e ainda, alijando a participação popular”. Na história sobre as políticas
de atendimento para a infância não se vislumbra a participação efetiva da sociedade.
Somente a partir do ECA é que a “participação da comunidade”, foi explicitada,
bem como tornou-se claro o caráter permanente e deliberativo da sociedade na
formulação de estratégias, com o objetivo de elaborar e decidir sobre as políticas, via
Conselhos. Tem-se então, com a descentralização, municipalização e participação
popular, os instrumentos constitucionais fundamentais para a viabilização dos
Conselhos, com grande perspectiva de ocupar “...os espaços políticos,
descaracterizando o simples ‘controle social’ do Estado pela população e fazendo
dessa prática social uma ação interventiva no plano decisório das políticas (...)”
(Liberati e Cyrino, 1993:40).
Liberati e Cyrino (1993) conceituam os CDCA através das perspectivas:
sociológica, jurídico-legal e extrajurídico. Para os autores, sociologicamente os
Conselhos “são instrumentos de participação da sociedade civil na gestão política do
poder, afetos à questão do atendimento de crianças e adolescentes, onde a
representação da sociedade civil deverá buscar a hegemonia de suas posições frente
aos representantes do Poder Público. Pode-se também afirmar que, como
conseqüência dessa concepção de Conselho, suas deliberações, em face da
composição paritária (sociedade civil / governo), serão manifestações do Estado – por
isso, compulsórias” (1993:49). No aspecto jurídico-legal, proposto no artigo 88, inciso II
do ECA, os Conselhos são órgãos deliberativos e de controle das ações em todos os
níveis de governo, assegurada a participação popular paritária por meio de
organizações representativas. Extrajuridicamente, os Conselhos “são órgãos criados
pelo Poder Público, sem personalidade jurídica, mas com capacidade pública, atuar de
maneira descentralizada na formulação e controle das ações e programas ”
direcionados à infância e juventude. A natureza jurídica dos Conselhos está, no
entanto, referendada no artigo 172 do Decreto-lei 200/67 que dispõe sobre a
Administração Federal. Esse Decreto-lei também pode ser aplicado junto aos Estados
Federados e aos Municípios e, “...oferece embasamento jurídico para posicionar os
Conselhos como órgãos autônomos e especiais” (Liberati e Cyrino, 1993:74).
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Face à diversidade conceitual dos Conselhos de Direitos (CDs) constata-se,
que são órgãos especiais, com particularidades e especificidades e por isso podem
facilmente diferenciados dos demais órgãos públicos.
Essas particularidades e especificidades estão diretamente relacionadas à
composição paritária e ao caráter deliberativo. O termo paridade significa igualdade
numérica, evidenciando que a composição dos Conselhos deve ter um mesmo número
de representantes do governo e de representantes da sociedade civil.
Os Conselhos têm o poder de deliberar, o que implica em decidir sobre um
assunto e, neste caso, sobre as políticas aplicadas à criança e ao adolescente.
Portanto, a partir dessas duas especificidades, é que os CDs se diferenciam
dos demais órgãos públicos instituídos, na medida que assumem esse caráter de
órgão especial passam a ter autonomia para sua organização e funcionamento e, para
desempenhar ações descentralizadas mesmo sem possuir uma personalidade jurídica.
Liberati e Cyrino (1993), assim como Sêda (1995), tratam dessa questão
conceitual jurídica e não-jurídica que envolve os CDs destacando que ambos são
objetos da ciência da Administração. Na ótica dessa ciência, os Conselhos são órgãos
públicos compostos por um colegiado misto, para exercerem serviço público relevante
como agentes públicos, pois são nomeados pelo Poder Municipal, para um mandato
de representação de dois anos. Contudo, os Conselheiros não são remunerados, visto
que representam entidades públicas e privadas, haja vista o caráter deliberativo e não
executivo dos Conselhos. O vínculo do Conselhos Municipais com o Poder Municipal é
de natureza administrativa e estritamente relacionada à infra-estrutura. É esse vínculo
administrativo que o caracteriza como um órgão especial, mas sem se subordinar a
um administrador público.
Isso posto, torna-se imprescindível explicitar qual é o papel dos CDs entre as
diversas esferas de governo, bem como suas atribuições e competência com relação à
participação da sociedade civil na formulação das política públicas e no controle das
ações governamentais.
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Fundo, bem
como o Conselho Tutelar tornaram-se instituições legais, através de lei municipal e
vinculados ao Poder Executivo Municipal. Dentro dessa legalidade, os Conselhos
constituem-se em órgãos públicos, pois fazem parte de uma estrutura e personalidade
própria chamada de Município. Essa concepção advêm de que “no mundo dos direitos
e dos deveres, as pessoas ou são públicas, refletindo o a vontade do bem comum, ou
privadas, meras emanações da vontade particular de indivíduos e grupos (...). (Sêda,
1995:157). Nessa perspectiva, os Conselhos são organizações públicas, pois na
prática, estes órgãos devem buscar o “bem comum, que é o mesmo objetivo do
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município, em busca da cidadania”. O vínculo dos Conselhos Tutelares, na visão do
autor, se dá apenas para efeitos administrativos, em termos de infra-estrutura e
remuneração dos Conselheiros Tutelares. A remuneração é a mesma de um servidor
com cargo de confiança, já que, os Conselheiros, como agentes públicos, exercem
serviço público relevante.
Os Conselhos Tutelares vêm sendo tema de estudos nos últimos anos, quanto
ao seu papel e como tem se dado sua intervenção na defesa dos direitos da criança e
adolescente.
Face a essas questões qual é o papel do Conselho Tutelar? E como agir?
Segundo o art. 131 do ECA: “O Conselho Tutelar é órgão permanente e
autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento
dos direitos das crianças e adolescentes, definidos nesta lei”.
Sêda (1990) concebe o Conselho Tutelar como uma equipe, formada por
cidadãos, instituída pelo Município para zelar, caso a caso, pela garantia dos direitos
individuais de crianças e adolescentes e a cobrança eficaz dos deveres
correspondentes.
Autores como (Liberati e Cyrino,1993; e Faleiros, 1995) concordam com a
posição de Sêda e ampliam esse conceito, ao definirem que: o Conselho Tutelar é um
espaço democrático de participação e um instrumento jurídico-institucional que a
comunidade dispõe para proteger e garantir os direitos e a aplicação da lei, todas as
vezes que crianças e adolescentes se sentirem ameaçados ou violados em seus
direitos fundamentais. Por ter essa responsabilidade e ser um órgão colegiado, tem
estabilidade e independência funcional, pois sua função se volta para as questões
político-sociais, já que, não possui personalidade jurídica. O Conselho Tutelar assume
o encaminhamento do atendimento social das crianças e adolescentes anteriormente
realizado pela Justiça da Infância e da Juventude, cujas atribuições estão prescritas no
art. 136 do ECA.
O papel do Conselho Tutelar segundo a Lei 8069 é de zelar pelo cumprimento
e não, atender direitos. Kaminski ( 2000) ao refletir sobre essa função do Conselho
Tutelar ressalta que: o papel fundamental destes órgãos ”não é atender direitos; é
zelar para que os que devem cumprir os direitos das crianças e adolescentes,
efetivamente cumpram”. Para o autor, o Conselho Tutelar não deve agir para obter
direitos que devem ser efetivados pela família, pela sociedade ou pelo Estado, e que
estão contidos na doutrina da proteção integral, na Constituição Federal, no Estatuto,
e não são atendidos, cumpridos ou satisfeitos, por quem tem o dever de cumprir. O
papel do Conselho é provocar “mudanças sociais” que contribuam para que o sistema
amplie o atendimento e a proteção, apure a responsabilidade daqueles que
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descumprem seus deveres ou cumprem de forma irregular. Ao Conselho Tutelar cabe
o papel de apontar as falhas e as carências de programas de atendimento junto ao
CMDCA, buscar a mobilização da comunidade, da sociedade e do Poder Público,
participar ativamente de fóruns políticos para mostrar as prioridades, e propor
alternativas que garantam os direitos às crianças e adolescentes.
O papel do Conselho Tutelar está direcionado para questões político-sociais
como já foi mencionado, dessa forma as ações desenvolvidas pelos conselheiros
tutelares é mais político do que técnico, na posição de Kaminski. Para o autor, o
conselheiro “deve ser um líder, deve ser representativo, capaz de conseguir uma
alteração de comportamento, de visão e de trato com os direitos das crianças e
adolescentes; capaz de introduzir e firmar o novo paradigma deles enquanto cidadãos”
(Kaminiski, 2000). Essa postura do conselheiro, segundo o autor, possibilita maior
alcance e envolvimento da família, da sociedade e do Estado, para cumprir o que
preconiza a lei, mas nada impede que o conselheiro seja um técnico.
Essa discussão sobre o papel do Conselho Tutelar e da ação de seus
conselheiros, como político, é pertinente, tendo em vista que, a função do Conselho
proposto pelo Estatuto é zelar pela garantia de direitos. No entanto, o que se observa
junto a estes órgãos é o atendimento dos direitos das crianças e adolescentes.
De acordo com (Kaminski, 2000), se as crianças e adolescentes precisam de
creche e escola, não cabe ao Conselho Tutelar esse papel. Essa função cabe à
família. A criança e o adolescente têm direito de que os pais os matriculem e os
encaminhem à rede de ensino fundamental; “têm direito que a sociedade lhes respeite
através de seus educadores” e que o Estado lhes garanta o atendimento em creche e
escola da rede pública. O ECA prevê que ao Conselho Tutelar cabe receber
denúncias, reclamações e atender a todos aqueles que representem as crianças e
adolescentes, quando seus direitos estiverem sendo ameaçados ou violados, mas só
deve ser acionado quando os direitos não forem cumpridos por quem cabe fazê-los ou
faz de forma irregular.
Ainda na concepção de Kaminski (2000), o Conselho Tutelar não pode ser
considerado como pronto-socorro, se a criança ou adolescente precisa ser incluso
num programa de promoção de assistência social, “que se chame o pronto-socorro
técnico de serviço social”, ao Conselho Tutelar cabe a cobrança da responsabilidade
junto aos devedores para que ele tenha o direito de ser atendido. Essa posição do
autor encontra respaldo nas afirmações de (Sêda, 1995:179-180) quando diz que o
Conselho Tutelar ao atender direitos está desempenhando funções “que são dos
programas de atendimento”. Na realidade isso ocorre para suprir a ausência de
programas de atendimento. O Conselho Tutelar ao receber as denúncias, as
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reclamações e os pedidos de socorro, não deve assumir o papel das instituições que
deveriam atender, pois segundo Sêda “não cumprem nem a sua função e nem a dos
programas que não existem”.
Muitos municípios estão implantando os Conselhos Tutelares para realizar este
trabalho de pronto-socorro, e, muitas vezes, o conselheiro tem que transportar as
pessoas que os procuram, para as delegacias e abrigos, mas seu papel não é esse, e
sim, “intervir depois que o pronto-socorro cumpre sua tarefa, ou quando o pronto-
socorro ameaça ou viola direitos” (Sêda, 1995:180). O autor faz um paralelo entre
Conselho Tutelar e o Procon. Este também é um órgão encarregado de zelar pelos
direitos do consumidor, sempre que forem violados ou ameaçados.
Portanto, para os autores citados não há necessidade de se criar muitos
Conselhos Tutelares no mesmo município. O importante é a implementação de
programas de atendimento. O Conselho deve ficar restrito à correção dos desvios
desses serviços e na fiscalização para que o sistema funcione de forma eficiente. O
Conselho Tutelar só deve ser acionado, e utilizar seu poder de obrigar, de advertir e
requisitar serviços públicos, mediante o não cumprimento por parte dos devedores.
3 - Conselhos Tutelares e a defesa de direitos de cidadania de crianças e
adolescentes: a experiência no município de Cuiabá-MT - Brasil
Visando identificar qual tem sido o papel exercido pelos Conselhos Tutelares
do Município de Cuiabá, procedeu-se a realização do levantamento de dados nesse
município.
O Município de Cuiabá possui, atualmente, seis Conselhos Tutelares
desenvolvendo atividades. Destes, quatro constituem o universo desta pesquisa por
estarem localizados em regiões estratégicas, que permitem atender o maior número
de denúncias e reclamações relacionadas as crianças e adolescentes, cujos direitos
estejam sendo violados ou ameaçados.
Fazem parte do campo empírico: os Conselhos Tutelares da Região do Centro,
CPA, Coxipó e Santa Isabel. A técnica utilizada na pesquisa de campo foi a da
documentação direta, isto é, os prontuários dos atendimentos realizados pelos
Conselheiros, no período de julho de 1998 a julho de 1999. O critério utilizado para
selecionar os atendimentos foi o encaminhamento efetivado às organizações
governamentais e não-governamentais, no período estabelecido. O instrumental usado
para a coleta de dado foi o formulário. Os Conselhos Tutelares da região do Centro e
do CPA permitiram espontaneamente o acesso a documentação. Os demais, exigiram
autorização judicial para o manuseio dos prontuários de atendimento.
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Inicialmente, foi efetuada a identificação e contagem dos atendimentos
realizados em cada um dos Conselhos Tutelares do Município de Cuiabá, segundo a
sua natureza ou tipo. Em seguida, esses tipos de atendimentos foram agrupados de
acordo com a sua inclusão como envolvendo direitos violados por pais e familiares,
envolvendo direitos violados pelo Estado ou sociedade, envolvendo direitos violados
pelas próprias crianças ou adolescentes, e não envolvendo a violação de direitos.
Posteriormente, em cada grupo formado, os tipos de atendimentos foram classificados
na ordem decrescente do número de casos encontrados.
A fim de simplificar o trabalho de análise e torná-lo mais representativo,
procurou-se não analisar os tipos de atendimento configurados como esporádicos. O
critério utilizado para a escolha dos tipos representativos de atendimento foi o de
considerar aqueles incluídos entre os 30% mais numerosos, dentro de cada grupo.
De acordo com os dados observados na Tabela 1 verifica-se que os
atendimentos realizados pelos Conselhos Tutelares no período delimitado se encontra
relacionado à ausência de convivência familiar, sobretudo pela falta de condições
materiais das famílias. Na seqüência, estão os atos atentados ao exercício da
cidadania oriundos de dois fatores: pelo não reconhecimento da paternidade e do não
registro de nascimento.
Tabela 1. Atendimentos mais numerosos realizados nos Conselhos Tutelares do Município de Cuiabá, no período de julho de 1998 a julho de 1999.
Tipos de Atendimento
Conselhos Tutelares
Centro CPA Coxipó Sta. Isabel Total %
Violência física 5 1 3 9 2,35
Negligência 4 5 1 10 2,61
1. via Cert. de nascimento 14 7 10 31 8,09
Internação em abrigo 16 2 6 8 32 8,36
Negação de filiação 17 35 21 5 78 20,37
Não pag. de pensão alimentícia 51 81 71 20 223 58,22
TOTAL 102 135 109 37 383 100,00
A Tabela 2 mostra que os atendimentos sobre a violação nas áreas da saúde e
da educação estão concentrados na falta de atendimento médico especializado e
principalmente pelo impedimento de acesso à escola decorrente da falta de vagas e
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da retenção da transferência escolar. Este fatores violam o direito das crianças e
adolescentes ao exercício da cidadania, pois a falta de condições materiais das
famílias impedem que saldem seus débitos junto as escolas particulares.
Tabela 2. Atendimentos mais numerosos realizados nos Conselhos Tutelares do Município de Cuiabá, no período de julho de 1998 a julho de 1999.
Tipos de Atendimento
Conselhos Tutelares
Centro CPA Coxipó Sta. Isabel Total %
Negação de matrícula 10 3 5 18 15,65
Atend. Médico especializado 12 1 3 3 19 16,52
Retenção de transfer. Escolar 14 3 10 2 29 25,22
Vaga escolar 7 22 12 8 49 42,61
TOTAL 43 26 28 18 115 100,00
Na Tabela 3 pode-se verificar o desvio de conduta das crianças e
adolescentes, representa maior índice dos atendimentos e decorre da vulnerabilidade
social e do envolvimento com as drogas.
Tabela 3. Atendimentos mais numerosos realizados nos Conselhos Tutelares do Município de Cuiabá, no período de julho de 1998 a julho de 1999.
Tipos de Atendimento
Conselhos Tutelares
Centro CPA Coxipó Sta. Isabel Total %
Fuga do lar 5 5 5,55
Internação Tratamento de drogas 1 3 2 6 6,67
Desvio de conduta 43 11 14 11 79 87,78
TOTAL 44 19 14 13 90 100,00
A Tabela 4 apresenta os atendimentos de direitos realizados pelos Conselhos
Tutelares, sendo que, os maiores percentuais estão diretamente vinculados a
condição de pobreza das famílias, como a busca de programas e organizações que
proporcionem qualificação aos filhos adolescentes e vagas em creches para que as
crianças sejam cuidadas enquanto as mães trabalham, objetivando melhorar a renda
familiar. A situação de pobreza também dificulta e impede que os pais retirem
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documentos dos filhos e/ou tenham acesso a serviços jurídicos aos quais envolvem
problemas de relacionamento familiar que prejudicam o desenvolvimento saudável
dos filhos.
Tabela 04. Atendimentos mais numerosos realizados nos Conselhos Tutelares do Município de Cuiabá, no período de julho de 1998 a julho de 1999.
Tipos de Atendimento
Conselhos Tutelares
Centro CPA Coxipó Sta. Isabel Total %
Transporte escolar 1 4 3 8 1,50
Transferência escolar 2 1 4 3 10 1,88
Separação Judicial 3 3 6 12 2,25
Dificuldade de aprendizagem 13 13 2,44
Passagem p/ local de origem 11 2 2 15 2,81
Conflito familiar
Cesta Básica
Documentos
Consulta médica
Adoção/guarda
Má conduta do adolescente
Curso /emprego
Creche
Certidão Nascimento
Regularização de guarda
Total
3
7
1
10
4
12
8
40
31
23
166
13
6
20
9
3
22
38
20
23
33
193
3
1
15
6
2
4
38
42
124
1
3
4
9
2
6
3
8
50
16
2
22
23
26
49
50
70
95
106
533
3,00
3,38
4,13
4,32
4,88
9,19
9,38
13,13
17,82
19,89
100,00
Os dados representados nas tabelas permitem visualizar que os Conselhos
Tutelares no período pesquisado desenvolveram ambas ações no sentido de zelar
pelo cumprimento do Estatuto, encaminhando e requisitando serviços públicos que
garantam os direitos da criança e do adolescente. Entretanto, as ações também têm
se voltado para o atendimento direto das necessidades de saúde, de educação, de
estudo social para constatar a situação das condições das famílias, de inclusão em
programas e projetos de promoção e assistência, de serviços técnicos na área de
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psicologia, em virtude da necessidade da imposição de limites, rebeldia, mau
comportamento e problemas de aprendizagem das crianças e adolescentes.
A efetivação do atendimento de direitos provocam o enfraquecimento dos
Conselhos perante a sociedade, pois a necessidade de atendimento direto exige a
presença de profissionais especializados em diversas áreas do campo social e, na
medida que esses órgãos não possuem técnicos; não são programas; não possuem
espaços adequados e nem recursos para tais atendimentos, acabam sendo criticados
pelo não cumprimento de suas funções como expuseram Sêda e Kaminski. Além
disso, a população desconhece a real função dos Conselhos Tutelares e os procuram
como órgãos prestadores de serviços à criança e ao adolescente carente. A eficácia
das ações dos Conselhos Tutelares, está no exercício da representatividade, junto a
comunidade, para promover uma mudança na visão tanto social quanto política acerca
dos direitos e de como viabilizá-los na prática.
Considerações finais
A descentralização ao tornar-se um paradigma no cenário brasileiro,
proporcionou uma nova relação entre Estado e sociedade civil, pois favoreceu uma
maior articulação e participação popular na gestão de políticas públicas de proteção,
bem como responsabilidades na defesa de direitos e na garantia do exercício dos
deveres sociais às crianças e adolescentes, através dos Conselhos de Direitos e,
principalmente dos Conselhos Tutelares.
O papel preconizado pelo ECA para os Conselhos Tutelares é o de zelar, é ter
um encargo social de fiscalizar se a família, a sociedade e o Estado estão garantindo
com prioridade absoluta efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, e na
cobrança pelo cumprimento do deveres dispostos no Estatuto.
O papel dos Conselhos Tutelares do Município de Cuiabá no período de julho
de 1998 a julho de 1999 se caracterizou pelo cumprimento do Estatuto, mas também
pelo atendimento dos direitos. Esse duplo procedimento pode ser motivo de críticas
sobre esses órgãos, diante da situação de vulnerabilidade social que se deparam as
crianças e adolescentes, na conjuntura atual.
O desafio dos Conselhos Tutelares está no fortalecimento do seu papel como
órgãos de “linha de frente” e encarregados de zelar e garantir com prioridade a
proteção integral de crianças e adolescentes. Esse fortalecimento requer a
capacitação dos Conselheiros para o exercício da função de político-social, junto a
comunidade, bem como maior divulgação sobre o trabalho e o papel dos Conselhos
Tutelares, através da mídia.
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Referências Bibliográficas
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