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1 Consentimento livre e esclarecido - uma leitura histórica desde o paternalismo médico até a autonomia do paciente. SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Breve escorço histórico da relação médico-paciente – 3. Paternalismo médico – 4. O Código de Nuremberg – 5. O princípio da beneficência – 6. O princípio da autonomia do paciente – 7. O princípio da dignidade da pessoa humana – 8. Consentimento livre e esclarecido – 9. Consentimento livre e esclarecido e o ordenamento legal – 10. Conclusões – 11. Referências bibliográficas. RESUMO: A presente dissertação busca apresentar a história da relação médico- paciente, desde os primórdios do surgimento da medicina até os dias de hoje. Aborda, em primeira instância, o julgamento de Nuremberg como marco que divide em dois períodos distintos o respeito à autonomia do paciente, princípio ético prima facie, conceito absorvido na literatura internacional que discute a relação médico-paciente. A seguir, adentra na inter-relação entre direito, ética e medicina e demonstra a diferença entre a evolução dos conceitos na literatura médica e sua incorporação nas regulamentações e dispositivos legais. Por fim, demonstra quando e por que se emprega o consentimento livre e esclarecido e qual é a sua utilidade.

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Consentimento livre e esclarecido - uma leitura histórica desde o

paternalismo médico até a autonomia do paciente.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Breve escorço histórico da relação médico-paciente –

3. Paternalismo médico – 4. O Código de Nuremberg – 5. O princípio da beneficência –

6. O princípio da autonomia do paciente – 7. O princípio da dignidade da pessoa humana

– 8. Consentimento livre e esclarecido – 9. Consentimento livre e esclarecido e o

ordenamento legal – 10. Conclusões – 11. Referências bibliográficas.

RESUMO: A presente dissertação busca apresentar a história da relação médico-

paciente, desde os primórdios do surgimento da medicina até os dias de hoje. Aborda, em

primeira instância, o julgamento de Nuremberg como marco que divide em dois períodos

distintos o respeito à autonomia do paciente, princípio ético prima facie, conceito

absorvido na literatura internacional que discute a relação médico-paciente. A seguir,

adentra na inter-relação entre direito, ética e medicina e demonstra a diferença entre a

evolução dos conceitos na literatura médica e sua incorporação nas regulamentações e

dispositivos legais. Por fim, demonstra quando e por que se emprega o consentimento livre

e esclarecido e qual é a sua utilidade.

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1 – INTRODUÇÃO

O presente texto não pretende, em sua finalidade, esgotar o tema do consentimento livre

e esclarecido o próprio Morris R. Cohen mencionou, ao terminar um ensaio, que “as

limitações de espaço, como a morte, não conduzem a um desenvolvimento e fim

racionais.” Porém, esse ensaio traz em sua essência a visão de um profissional com

formação jurídica que ousa adentrar nas áreas da medicina e da bioética.

A hesitação, que já não é mais latente, obriga o autor a buscar abrigo nos ensinamentos

de filósofos, médicos e bioeticistas que iluminam seu caminho à procura do conhecimento

interdisciplinar.

Dando azo às razões apresentadas, não se pode olvidar que hodiernamente a

responsabilidade médica e a bioética vêm atraindo para si os holofotes na sociedade de um

modo geral, teses universitárias têm sido apresentadas, além de debates nos tribunais e no

poder legislativo, do apelo de toda a imprensa e da comoção popular, defendendo e

execrando fatos e projetos. E é nessa esteira de acontecimentos que remontam aos tempos

de Hipócrates que se pode observar o início da relação entre o médico e o paciente.

Diante de tanto apelo tecnológico, cabe ao médico manter e até mesmo resgatar o

respeito e a admiração de outrora, exercendo seu munus com zelo e profissionalismo,

respeitando a dignidade do paciente em razão de sua fragilidade e prestando as informações

que devem ser prestadas.

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Por derradeiro, se este artigo for a qualquer tempo objeto de consulta e críticas, creio

que seu objetivo tenha sido alcançado, ainda que minha verdade esteja longe de ser uma

verdade absoluta.

2 – BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA RELAÇÃO MÉDICO-

PACIENTE

Em primeira instância, não se pode esquecer que a medicina é uma instituição social e,

por assim ser vinculada aos aspectos culturais de um povo, e para que se possa

compreender todo esse complexo, faz-se necessário analisar como o conjunto dos

elementos relacionados à área médica se comporta e se integra à cultura e à visão do

mundo em seu microcosmo e em seu macrocosmo.1

Como se pode observar através da história, os atos praticados pelos responsáveis2 por

exercer a medicina sofreram profundas transformações no que diz respeito ao

relacionamento médico-paciente

Como era a relação dos médicos com seus pacientes naquela época? Como era feita a

informação e como era solicitado o consentimento para a realização dos atos médicos? O

médico considerava o paciente como um indivíduo desorganizado e o definia como alguém

com características negativas. Como diriam os latinos um infirmus, um deficiente físico, 1 Para um estudo mais aprofundado a respeito da antropologia médica, ver: Rivers WHR. Medicine, Magic and Religion. New York, AMS Press; 1979; Foster GM, Anderson BG. Medical Anthropology. New York: Alfred A. Knopf; 1978; e Ackerknecht E. Medicina e Antropologia. España, Akal Editor. 1985.

2 Xamãs, curandeiros, sacerdotes, barbeiros-cirurgiões, físicos, druidas, feiticeiros, etc.

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psíquico e moral. Incapaz de saber o que lhe convém para recuperar a saúde perdida. Essa

desorganização da qual padece o paciente é de índole natural, fisiológica e moral.3

Portanto, o paciente devia obedecer ao médico em tudo e cumprir as ordens dadas

visando restaurar a saúde perdida. No livro hipocrático das Epidemias, pode-se ler que a

arte é composta de três elementos a doença, o doente e o médico. O médico servia à arte.

Era preciso que o doente resistisse à doença junto ao médico. Os métodos usados variavam

de acordo com a condição social do binômio médico/paciente e iam desde a imposição, por

parte daquele aos paciente de classes mais baixas, até a persuasão dos de classes mais altas,

conforme aponta Platão em as Leis. [...]4

Diferentemente do que muitos acreditam, normatizações já existiam antes de

Hipócrates e tinham a função de regular a prática do exercício da medicina. Porém, não se

pode associar estas normatizações com codificações éticas por completa falta de

proximidade do relacionamento entre aquele que cura e aquele que necessita ser curado.

Galeno menciona razões pelas quais alguém se interessaria em seguir a carreira médica:

por amor ao dinheiro, para desfrutar da isenção de taxas5, pela glória e pelas honras ou,

então, por amor à humanidade. Glória, dinheiro, filantropia, acrescentou ele, são assuntos

3 CUMPLIDO, Manuel José. Evolucion del pensamiento del consentimento informado. Desde la antigüedad hasta nuestros dias. Revista Brasileira de Direito Médico, www.revistadedireitomedico.com.br 4 CUMPLIDO, Manuel José. Evolucion del pensamiento del consentimento informado. Desde la antigüedad hasta nuestros dias. Revista Brasileira de Direito Médico, www.revistadedireitomedico.com.br. 5 Na época de Galeno, os médicos eram muitas vezes agraciados com isenção de impostos. Consta que, em Roma, Júlio César foi o primeiro a fazê-lo.

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de ordem pessoal; não há conexão intrínseca entre essas motivações e a prática médica

(Galeno V).6

No início a medicina7 era vista como um mito e seus praticantes, verdadeiros enviados

dos deuses. A arte médica tinha um toque de magia; a propriedade de curar era vista como

um dom advindo de divindades, e a doença, uma possessão de espíritos malignos ou

demoníacos. Assim sendo, o semideus8 era onipotente em suas decisões a respeito do

doente e de sua morbidade. Caberia ao enfermo obedecer às ordens sem contestá-las.

Tudo aquilo que pudesse dificultar a colaboração do paciente para com o médico era

evitado. Por isso, a informação sobre o diagnóstico, o prognóstico e os pormenores das

técnicas a serem utilizadas nos tratamentos não era comunicada caso se considerasse que

poderia confundir o paciente. Somente se fornecia certa quantidade de informação em

algumas práticas cirúrgicas em que fosse necessária para conseguir a colaboração do

paciente. No livro do Prognóstico lê-se: que o médico exercite a previsão parece-me

6 CAIRUS, Henrique F. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. / Henrique F. Cairus e Wilson A. Ribeiro Jr. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005, p. 147/148. 7 BERNARD, Jean in Esperanças e sabedoria da medicina, São Paulo: Editora UNESP, 1998, pp. 12-14. O autor esclarece que a evolução do pensamento ético pode ser enquadrada em cinco períodos históricos. O primeiro período é definido como mágico – dominado pela força da religiosidade; o segundo período é o da medicina empírica – tendo por termo inicial a época hipocrática e como termo final o século XIX. Esses dois períodos se comunicam diretamente em razão da impotência do médico em confronto com as doenças que lhe eram apresentadas; o terceiro período é marcado pelas descobertas de Charles Darwin e Gregor Mendel e as experiências de Pasteur e Claude Bernard; o quarto período, denominado por ele de eficaz – apesar de empírico – inicia-se com as descobertas das sulfas, penicilina, substâncias antibióticas, hormônios e cirurgias de coração, pulmão e cérebro; o quinto e derradeiro período é chamado de racional: a medicina racional é tida por eficaz em relação à melhora do paciente e conseqüente prevenção e cura de doenças e apresenta duas características marcantes: esperança na evolução contínua da medicina e sabedoria para reconhecer as suas limitações. 8 Esculápio, o Deus da medicina cultuado por gregos e romanos, era filho de Apolo e possuía o dom de curar. Segundo a mitologia greco-romana, Esculápio, em viagem pela Grécia antiga, onde tratava os enfermos e promovia curas consideradas milagrosas, utilizou o sangue da deusa Hera e que lhe servia de amuleto, para ressuscitar duas jovens, mortas pela peste. A ira de Hera foi tanta que Zeus, completamente persuadido por Hera e suas intrigas, aniquilou Esculápio com um raio.

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excelente. Pois se conhece de antemão e prevê perante os doentes seus padecimentos

presentes, passados e futuros, e se faz um relato completo incluindo os sintomas que os

pacientes informam, conseguirá mais confiança por conhecer as doenças dos pacientes, de

forma que as pessoas irão decidir a encomendar a si mesmos.9

Pode-se observar, assim, que não existe uma relação médico-paciente10 propriamente

dita; o que existe, na verdade, é um relacionamento vertical, mandamental e de completa

submissão do paciente.

9 CUMPLIDO, Manuel José. Evolucion del pensamiento del consentimento informado. Desde la antigüedad hasta nuestros dias. Revista Brasileira de Direito Médico, www.revistadedireitomedico.com.br. 10 Robert Veath do Instituto Kennedy de Ética da Universidade de Georgtown, propôs, no ano de 1972, que existem basicamente quatro modelos de relação médico-paciente: o modelo sacerdotal, o modelo engenheiro, o modelo colegial e o modelo contratualista. O Modelo Sacerdotal é o mais tradicional, pois baseia-se na tradição hipocrática. Nesse modelo, o médico assume uma postura paternalista com relação ao paciente. Em nome da Beneficência, a decisão tomada pelo médico não leva em conta os desejos, crenças ou opiniões do paciente. O médico exerce não só a sua autoridade, mas também o poder na relação com o paciente. O processo de tomada de decisão é de baixo envolvimento, baseando-se em uma relação de dominação por parte do médico e de submissão por parte do paciente. Em função desse modelo e de uma compreensão equivocada da origem da palavra "paciente", esse termo passou a ser utilizado com conotação de passividade. A palavra paciente tem origem grega e significa "aquele que sofre". O Modelo Engenheiro, ao contrário do Sacerdotal, coloca todo o poder de decisão no paciente. O médico assume o papel de repassador de informações e executor das ações propostas pelo paciente. O médico preserva apenas a sua autoridade, abrindo mão do poder, que é exercido pelo paciente. É um modelo de tomada de decisão de baixo envolvimento, que se caracteriza mais pela atitude de acomodação do médico do que pela dominação ou imposição do paciente. O paciente é visto como um cliente que demanda uma prestação de serviços médicos. O Modelo Colegial não diferencia os papéis do médico e do paciente no contexto da sua relação. O processo de tomada de decisão é de alto envolvimento. Não existe a caracterização da autoridade do médico como profissional, e o poder é compartilhado de forma igualitária. A maior restrição a este modelo é a perda da finalidade da relação médico-paciente, que é equiparada a uma simples relação entre indivíduos iguais. O Modelo Contratualista estabelece que o médico preserva a sua autoridade, enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas, assumindo a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. O paciente também participa ativamente no processo de tomada de decisões, exercendo seu poder de acordo com o estilo de vida e valores morais e pessoais. O processo ocorre em um clima de efetiva troca de informações, e a tomada de decisão pode ser de médio ou alto envolvimento, tendo por base o compromisso estabelecido entre as partes envolvidas. In Veatch RM. Models for ethical medicine in a revolutionary age. Hstings Cent. Rep. 1972; 2 (3):5-7. Apud GOLDIN, José Roberto, www.ufrgs.br/bioetica/relacao.htm. Em 1992, Ezequiel Emanuel e Linda Emanuel propuseram uma alteração na denominação para dois modelos, chamando o modelo sacerdotal de paternalístico e o modelo do engenheiro de

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O público é vítima de uma multidão de indivíduos pouco instruídos que, por sua

autoridade, se erigem em mestres da arte, distribuem remédios ao acaso e comprometem a

existência de vários milhares de cidadãos.11

Passados que estão os tempos em que o “Físico” era uma espécie de Sacerdote, e a cura

uma graça de Deus, a relação médico-paciente entrou no mundo do direito.12

De um modo rudimentar, a idéia de que a beneficência expressa a principal obrigação na

assistência à saúde é antiga. Ao longo da história da assistência à saúde, as obrigações e as

virtudes do profissional foram interpretadas como compromissos de beneficência. Talvez a

mais famosa expressão disso encontre-se na obra Epidemics de Hipócrates: “Em casos de

enfermidade, faça de duas coisas um hábito: ajudar ou, ao menos, não causar dano”.

Tradicionalmente, os médicos conseguiram se apoiar quase que exclusivamente em seus

próprios julgamentos sobre as necessidades de seus pacientes no tocante a tratamentos,

informações e consultas. Contudo, a medicina se confrontou cada vez mais –

especialmente nos últimos trinta anos – com a reivindicação do direito dos pacientes de

fazer um julgamento independente sobre seu destino médico. Conforme aumentaram as

informativo. Não se referem ao modelo colegial e subdividem o modelo contratualista em dois outros, interpretativo (médio envolvimento) e deliberativo (alto envolvimento), de acordo com o grau de autonomia do paciente. Estes autores chegam a comentar a possibilidade de um quinto modelo que seria o modelo instrumental, onde o paciente seria utilizado pelo médico apenas como um meio para atingir uma outra finalidade. Dão como exemplo a utilização abusiva de pacientes em projetos de pesquisa, tal como o realizado em Tuskegee. Emanuel E, Emanuel L. Four models of the physician-patient relationship. JAMA 1992;267(16):2221-2226. Apud GOLDIN, José Roberto, www.ufrgs.br/bioetica/relacao.htm. 11 Mensagem do Diretório ao Conselho dos Quinhentos de 24 de nivoso, ano VI, citada por Baraillon em seu relatório de 6 de germinal, ano VI. in Foucault, Michel. O nascimento da clínica.6.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 70. 12 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2004, p. 23.

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reivindicações referentes aos direitos de autonomia, aumentou a preocupação com o

problema do paternalismo.13

A afirmação do primado da pessoa humana, que se vem delineando desde o

renascimento e que alcança o seu esplendor após os horrores da segunda guerra mundial,

tem o seu reflexo no mundo da medicina com a consagração do princípio ético da

autonomia, que se não se sobrepõe, pelo menos não pode ser amesquinhado pelo princípio

da beneficência. Como afirma Costa Andrade, “o médico não pode apenas sacrificar ao

velho mandamento hipocrático: salus aegroti suprema lex esto! Tem também de prestar

homenagem ao imperativo: voluntas aegroti suprema lex esto.”14

A medicina moderna fixou sua própria data de nascimento em torno dos últimos anos

do século XVIII. Quando reflete sobre si própria, identifica a origem de sua positividade

com um retorno, além de toda teoria, à modéstia eficaz do percebido. De fato, esse

presumido empirismo repousa não em uma redescoberta dos valores absolutos do visível,

nem no resoluto abandono dos sistemas e de suas quimeras, mas em uma reorganização do

espaço manifesto e secreto que se abriu quando um olhar milenar se deteve no sofrimento

dos homens.15

Ao se substituírem certos rituais de cura efetuados pelos xamãs, sacerdotes, feiticeiros e

druidas, ditos como mágicos pela tecnologia e pelo conhecimento teórico do pesquisador

13 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 295. 14 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2004, p. 24. 15 FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica .6.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. VIII.

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cientista, que hodiernamente atua em conjunto com o médico para se alcançar a cura,

aumentou-se a distância entre aquele que ajuda na cura e a pessoa que procura por seus

cuidados.

No século XIX, com os progressos da biologia e avanços da tecnologia médica, a

atenção do médico começa a se deslocar para o estudo das doenças. Novas patologias são

descritas, e as doenças começam a ser rotuladas de acordo com um determinado sistema de

classificação. É a nosografomania! Alguém, não sem ironia, já disse: “A medicina há um

século progride sem parar, inventando aos milhares doenças novas”. Nessa época as Santas

Casas de Misericórdia se transformaram em centros de diagnóstico, terapia e ensino, até

chegarem aos modernos hospitais. Assim, os avanços científico-tecnológicos, ao lado do

modelo cartesiano do ser humano, foram os responsáveis pela pulverização da medicina em

especialidades e de uma prática cada vez mais médico-hospitalar.16

Dessa forma, a chamada sedução da moderna tecnologia biomédica é, sem qualquer

dúvida, um dos fatores do afastamento na relação médico-paciente.

A modernidade da tecnologia médico-científica foi uma das maiores responsáveis pelo

olhar fracionado do esculápio em relação ao paciente. Surge assim o paciente fragmentado

e entregue a vários especialista, cada um responsável por uma parte do corpo do paciente.

Nesse sentido, Genival Veloso de França assevera que os velhos médicos de cabeceira

foram substituídos pelos especialistas, de trabalho programado e frio, que parecem tudo

16 LEOCIR, Pessini. Problemas atuais da bioética. 7.ª ed. rev. e ampl. São Paulo:Edições Loyola, 2005, p.199.

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saber e tudo explicar. A relação médico-paciente-família, em certos momentos, parece

descambar para o trágico e insensível.17

Por derradeiro, se cabe à bioética a tarefa de preservação da dignidade da pessoa

humana em todas as práticas científicas, é no campo da Deontologia Médica –

naturalmente quando se tratar de relação médico-paciente – que esta tarefa se materializa; é

nela que se vivifica o primado de tratar o ser humano com respeito à sua dignidade,

engajando médicos e leigos na ação e vigília de suas exigências o que mais ainda corrobora

o que tenho sustentado até o presente momento, que seja: somente a consideração holística

da pessoa e, por conseguinte, a humanização das condutas médicas, são capazes de coroar

de êxito o relacionamento que se estabelece entre médico e paciente, que antes de ser

contratado sob o prisma jurídico, é relação sujeita aos auspícios da confiança e

solidariedade pontuada pelas virtudes que se exigem no trato verdadeiramente humano

[...].18

3 – PATERNALISMO MÉDICO

Il n´ appartient qu´aux médecins de mentir em toute liberte - Platão19

17 GOMES, Júlio Cezar Meirelles; DRUMOND, José Geraldo de Freitas e FRANÇA, Genival Veloso de. Erro Médico. 4.ª ed. Rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 63 18 PANISA, Patrícia. O consentimento livre e esclarecido na cirurgia plástica: e a responsabilidade civil médica. São Paulo: RCS Editora, p. 57. 19 Tradução livre do autor, verbis: Somente os médicos tem total liberdade para mentir.

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Desde os primórdios que as antigas civilizações depositavam sua fé nas mãos dos

homens que possuíam o conhecimento da arte de curar, por mais primitiva que fosse essa

arte e por mais desenvolvida que fosse essa civilização.

A confiança a esperança e, por que não dizer, a fé do povo na cura das moléstias que

atingiam o corpo e o espírito muitas vezes davam uma autoridade e prepotência exacerbada

a estes homens.

O desespero pelo medo da morte iminente e a esperança de uma cura milagrosa

levaram os conhecedores da arte de curar a um grau mais elevado dentro das relações

sociais.

E por ser da essência do ser humano essa confiança e o culto a uma verdadeira

divindade, fez com que esses homens vestissem o manto da autoridade suprema e se

colocassem em um grau de superioridade em relação aos seus pacientes.

A submissão do paciente e o culto ao semideus deram origem a uma relação vertical de

um suposto e esperado paternalismo.20

Mas o que vem a ser esse paternalismo? O paternalismo a que nos referimos é o modus

operandi daquele que, ao exercer seu ofício, tem a certeza de que somente ele sabe o que

vem a ser melhor para o tratamento e a cura do paciente enfermo e de que o paciente, e até

20 Governar como um pai bem-intencionado. O aspecto criticável é o fato de tradicionalmente o pai ter o direito e, na verdade, o dever, de indeferir as preferências dos filhos em nome dos interesses reais ou verdadeiros destes que podem não ter maturidade suficiente para avaliá-los. In BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997, p. 291.

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mesmo os familiares, têm a obrigação de obedecer, e seguir, sem qualquer contestação ou

desconfiança, os conselhos do médico.21

Portanto, pode-se dizer que paternalismo é a ação de contrariar as preferências ou ações

conhecidas de outra pessoa, na qual a pessoa que contraria justifica sua ação com base no

objetivo de beneficiar a pessoa cuja vontade é contrariada ou de evitar que ela sofra

danos.22

Este paternalismo demonstra claramente a importância do médico e a submissão do

paciente. Neste momento, pode-se observar que o paciente tem sua existência reconhecida

em função do médico e não o médico em função do paciente.

O médico era o senhor absoluto das decisões e somente ele poderia discernir a respeito

do estado físico e psicológico do paciente.

Para se compreender melhor esta relação, faz-se oportuno informar que, em um período

compreendido entre os primórdios da Idade Média e o século XII, as interações entre os

médicos cristãos e os pacientes foram regidas pela relação mútua de que os pacientes

deveriam honrar os médicos, porque sua autoridade provinha de Deus; os pacientes

deveriam ter fé em seu médico e deveriam prometer-lhe obediência.

O desenvolvimento histórico da medicina, portanto, conferiu ao médico autonomia

técnica na tomada de decisão junto ao paciente, autonomia baseada tanto no domínio de um

21 Estes atos paternalistas envolvem coerção, mentiras, manipulação e ocultação de informações. 22 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 299.

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conhecimento específico quanto em sua legitimidade social. O princípio de beneficência,

assumido como absoluto pelo médico, segundo a tradição hipocrática, não comportava

relações compartilhadas de decisão com o paciente. Como assinala Katz, a idéia de que os

pacientes possuem direito a um pouco de liberdade, à partilha das responsabilidades da

decisão com seus médicos, nunca fez parte da essência da medicina.23

Para retomar uma expressão consagrada, a tradição médica é sobretudo “paternalista”.

Em uma conferência de 1950, o doutor Louis Portes, presidente da Ordem dos médicos

Franceses e autoridade moral de sua época, escreve: “Para condensar em uma simples

fórmula nossas observações psicológicas sobre o paciente, no período que precede seu

primeiro contato com o médico, eu direi que ele não é senão um joguete, quase

completamente cego, muito dolorido e essencialmente passivo; que tem um conhecimento

objetivo muito imperfeito de si mesmo; que sua afetividade é dominada pela emotividade

ou pela dor e que sua vontade não se baseia em nada sólido.”24

Traço característico do paternalismo médico no Brasil são os códigos brasileiros de

ética médica, v.g. O código de moral médica de 1929 25, O código de deontologia médica

23 ALMEIDA, José Luiz Telles de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente. Rio de Janeiro, Bireme, 1999, id. 239647. 24 PORTES, Louis. À la recherche d´une éthique medicale. Paris, Masson, 1964, pp. 159 e 168 (a conferência data de 1950). In DURAND, Guy. Introdução geral à bioética. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 173. 25 Artigo 6.º - O medico evitará em seus actos, gestos e palavras, tudo que possa agir desfavoravelmente no animo do doente e deprimi-lo ou alarma-lo sem necessidade; mas si a moléstia for grave e se teme um desenlace fatal, ou são esperadas complicações capazes de torna-lo, a notificação opportuna é de regra e o médico a fará a quem, a seu juízo, deva sabe-lo. Artigo 9.º - É um dever moral do medico aconselhar seus clientes e anima-los à correção quando as moléstias de que padecem provêm de hábitos viciosos ou de frequentes transgressões da hygiene. Capítulo 12 – Artigo 7.º - [...] não fatigar o médico com narrações de circunstancias e factos não relacionados com a affecção. Capítulo 12 – Artigo 8.º [...] o enfermo deve implicita obediencia ás prescrições medicas as quaes não lhe é permitido alterar de maneira alguma. Igual regra é applicada ao

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de 1931 e O código de 1945. Leonard M. Martin, ao tecer comentários a respeito do

Código de 1929, assevera que apesar de toda a ênfase na reserva do saber do médico, ainda

há sinais adicionais de um questionamento do paternalismo absoluto e de um

reconhecimento incipiente do direito do doente ou de seus responsáveis de saber o que está

acontecendo e de participar do processo de tomada de decisões. Estamos, porém, longe do

reconhecimento da autonomia do paciente que será articulado em códigos posteriores.26

Apesar das modificações textuais dos códigos de ética médica, não só no Brasil como

em quase todo o mundo ocidental, da separação entre medicina e religião e, principalmente,

da evolução do respeito à autonomia do paciente, alguns profissionais insistem em exercer

sua profissão com base nesse paternalismo e em se portarem como semideuses27 em pleno

século XXI.

4 – O CÓDIGO DE NUREMBERG

O julgamento de Nuremberg, tido por muitos como o ponto de partida para as

discussões a respeito do consentimento livre e esclarecido, apesar da inexistência do termo

até então, traz a lume a exata medida da necessidade de se respeitar o princípio da

autonomia do paciente.

regimen dietetico, ao exercicio e qualquer outras indicações hygienicas que o facultativo creia necessário impor-lhe. 26 MARTIN, Leonard M. Os direitos humanos nos códigos brasileiros de ética médica. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2002, p. 21. 27 A título de esclarecimento, a síndrome do semideus já foi identificada por outros médicos e por críticos da medicina nos EUA. Ela é muito comum em médicos americanos, devido ao excesso de confiança que alguns médicos desenvolvem. O indivíduo que estuda medicina numa boa universidade americana é considerado superior em intelecto e capacidade de estudo que os outros profissionais em geral. Se ele não possui senso de autocrítica, pode ficar embriagado com seu narcisismo e tornar-se mais um semideus. Para melhor compreensão ver BOTSARIS, Alex S. in Sem Anestesia, O Desabafo de um Médico e COOK, R. in Médico ou Semideus.

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Não obstante, faz-se oportuno informar que, diferente do que se possa imaginar, no ano

de 1931, ou seja, antes da ascensão de Adolf Hitler ao poder, surgiu na Alemanha de

Weimar legislação que dava conta da necessidade de consentimento para que fosse possível

aos médicos efetivarem experimentações científicas.

Marco importante para a história da humanidade e, por conseqüência, dos direitos à

autonomia do paciente, foi a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do

Homem28, que tinha entre seus objetivos apresentar ao mundo a necessidade de se

preservar a dignidade do ser humano em resposta ao hediondo e malsinado comportamento

de médicos e cientistas durante a segunda grande guerra mundial. Essa Declaração serviu

como fonte de inspiração para novas convenções, Leis, normas e mecanismos destinados a

promover os direitos da pessoa humana.

A Declaração dos Direitos do Homem é promulgada um ano após o término de outro

evento de especial importância nos anais da lei e da ética biomédica: o Tribunal Militar

Internacional, reunido na cidade de Nuremberg, que julgou os crimes de guerra cometidos

pela Alemanha nazista. O Tribunal de Nuremberg, em 9 de dezembro de 1946, julgou vinte

e três pessoas, vinte das quais médicos, criminosos de guerra, devido aos brutais

experimentos realizados em seres humanos. O Tribunal demorou oito meses para julgá-los.

Em agosto de 1947, o próprio Tribunal divulgou as sentenças em um outro documento

conhecido como Código de Nuremberg. Esse documento é um marco na história da

28 10 (dez) de dezembro de 1948, pelas Nações Unidas.

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humanidade, pois pela primeira vez se estabeleceu uma recomendação internacional sobre

os aspectos éticos relativos à pesquisa envolvendo seres humanos.29

Com efeito, firmou-se o Código de Nuremberg30 como o primeiro texto de salvaguarda

dos direitos dos pacientes ao declarar em seu artigo 1º, que o consentimento voluntário do

sujeito humano é absolutamente essencial.

Aspecto jurídico fundamental, que se manifestou após a Segunda Guerra Mundial, foi a

proclamação, em grande parte das constituições européias, do reconhecimento da dignidade

da pessoa humana, como reação contra os regimes totalitários que precederam o conflito.31

5 – O PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA

Em seu sentido etimológico, beneficência tem por origem bene-facere, fazer o bem.

O vocábulo em seu sentido ordinário também é usado com o significado de caridade,

bondade, altruísmo, compaixão, entre outras denominações. Porém, todas têm em comum

a indicação de atos de bondade e humanidade.

29 ALMEIDA, José Luiz Telles de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente. Rio de Janeiro, Bireme, 1999, id. 239647. 30 A respeito do Código de Nuremberg, ver George Annas e Michael Grodin, in The Nazi doctors and the Nuremberg Code – Human Rights in Human Experimentation. New York-Oxford, Oxford University Press, 1992. 31 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2004, p. 60.

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Na área médica32, podemos determinar que um atuar beneficente representa a aplicação

de tratamentos que visem a eliminar a dor e a alcançar o bem-estar – psicofísico – do

paciente e, havendo possibilidade, a promover a cura de seus males.

Segundo Goldin, a beneficência no contexto médico é o dever de agir no interesse do

paciente.33

Para um melhor entendimento, devem-se esclarecer alguns pontos e distinções entre

beneficência, benevolência e princípio de beneficência.

A beneficência refere-se a uma ação realizada em benefício de outros; a benevolência,

diz respeito ao traço de caráter ou à virtude ligada à disposição de agir em benefício de

outros; e o princípio de beneficência remete-se à obrigação moral de agir em benefício de

outros.34

A beneficência e a benevolência desempenharam papéis centrais em algumas teorias

éticas. O utilitarismo35, por exemplo, tem sua organização sistemática fundamentada num

32 Para DURAND, Guy. Introdução geral à bioética. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2003, p. 164. “A beneficência é uma exigência das profissões da saúde. A história há muito tempo percebe a tarefa do médico ou da enfermeira como uma vocação, isto é, como um serviço, uma dedicação. Mas até onde deve ir esse engajamento? O profissional da saúde deve chegar a arriscar a sua vida pelos doentes? Deve ser mais dedicado que os outros cidadãos?” 33 Pellegrino ED, Thomasma D. For the patient's good: the restoration of beneficence in medical ethics. New York: OUP, 1988:58,60. In GOLDIN, José Roberto, ww.ufrgs.br/bioetica/relacao.htm. 34 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 282. 35 Segundo BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. o utilitarismo não oferece a única base sobre a qual este princípio poderia ser justificado. Ele pode ser e foi defendido com base em várias teorias diferentes, como as teorias kantianas do consentimento hipotético e as teorias dos direitos individuais. Ver Douglas MacLean, “Risk and Consent: Philosophical Issues for

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princípio de beneficência (o princípio de utilidade), e, durante o Iluminismo escocês,

figuras proeminentes como Francis Hutcheson e David Hume fizeram da benevolência a

peça central de suas teorias da moralidade comum. Em todas essas teorias, a beneficência é

central, em parte por ser concebida como um aspecto da natureza humana que nos motiva a

agir no interesse de outros, meta que nessas teorias está estreitamente vinculada à meta da

própria moralidade. 36

Devido a discussões filosóficas, torna-se importante esclarecer que existe reserva em

razão da utilização do vocábulo beneficência para designar obrigação positiva em relação a

terceiros. Nesse sentido, o entendimento tem como alicerce o uso da beneficência como

uma aspiração de virtudes; assim sendo, não há qualquer desvio de caráter ou falta de

moralidade se o individuo não agir de modo beneficente.

Conforme dito alhures, a visão de que a principal obrigação da beneficência é a

assistência à saúde do ser humano remonta a tempos antigos. Um forte exemplo do alegado

é o Corpus hippocraticum ou coleção hipocrática, composto entre 420 e 350 a.C., com

sessenta e seis tratados sobre temas relacionados ao corpo humano, um juramento e um

diminuto livro de Leis.

O Princípio da Beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda

promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências conflitantes, o

Centralized Decisions”, em Values at Risk, ed. D. MacLena (Totowa, NJ: Rowman and Allanheld, 1986), pp. 17-30. 36 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 282.

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mais que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior porção possível de bem em

relação ao mal.37

Em tempo, é oportuno fazer um breve esclarecimento a respeito do princípio da não-

maleficência. O referido princípio fixa a obrigação de não se causar qualquer espécie de

dano de forma intencional a terceiros.

Na ética médica, ele esteve intimamente associado com a máxima Primum non nocere:

“Acima de tudo (ou antes de tudo), não causar dano”. Essa máxima é freqüentemente

invocada pelos profissionais da área da saúde, embora suas origens sejam obscuras e suas

implicações não sejam claras. Muitas vezes proclamado o princípio fundamental da

tradição hipocrática da ética médica, ele não figura no corpus hipocrático, e uma louvável

sentença que é as vezes confundida com essa máxima – “ao menos, não cause dano” – é na

verdade uma tradução distorcida de uma passagem isolada na obra de Hipócrates. Todavia,

no juramento de Hipócrates estão expressas uma obrigação de não-maleficência e uma

obrigação de beneficência: “Usarei o tratamento para ajudar o doente de acordo com minha

habilidade e com meu julgamento, mas jamais o usarei para lesá-lo ou prejudicá-lo”.38

Por fim, pode-se entender beneficência – na qualidade de princípio bioético – como a

promoção do bem que irá se distinguir da beneficência hipocrática pela existência de certos

fatores que irão limitar a sua ação. É necessário descobrir qual a exata medida da definição

do que é bem para o paciente; o respeito a autonomia do paciente em relação ao

paternalismo médico tradicional e que sejam utilizados os critérios de justiça.

37 FRANKENA, Willian K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 61.

38 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. 1.ª ed. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2002, p. 209.

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6 – O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA39 DO PACIENTE

Conforme descrito alhures, os conceitos referentes à autonomia do paciente não fazem

parte da história da ética em relação à medicina, o juramento de Hipócrates é um forte

exemplo.

A relação médico-paciente não apenas mudou, mas essa mudança também contribuiu

para conduzir vários outros atores à cabeceira do paciente, que era outrora de exclusividade

do médico. Enfermeiras, advogados, juízes, filósofos, parentes e vários outros “tiveram

acesso ao quarto” e puderam fazer ouvir seu ponto de vista.40

Após analise histórica, pode-se afirmar a prevalência do paternalismo médico, fulcrado

na ética de Hipócrates, no qual os médicos gozavam de uma autoridade paternal junto à

sociedade, utilizando seus próprios critérios subjetivos na interpretação clínica do

tratamento do paciente.

Nesse sentido, e em razão do respeito a esse paternalismo beneficente, o esculápio

poderia intervir no estado clínico e no corpo do paciente sem seu consentimento.

39 A palavra autonomia, deriva do grego autos (“próprio”) e nomos (“regra”, “governo” ou “lei”), foi primeiramente empregada com referência à autogestão ou ao autogoverno das cidades-estados independentes gregas. A partir de então, o termo autonomia estendeu-se aos indivíduos e adquiriu sentidos muito diversos, tais como os de autogoverno, direitos de liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, ser o motor do próprio comportamento e pertencer a si mesmo. A autonomia, portanto, não é um conceito unívoco nem na língua comum nem na filosofia contemporânea. Muitas idéias constituem o conceito, criando uma necessidade de refiná-lo à luz de objetivos específicos. Como muitos conceitos filosóficos, “autonomia” adquire um sentido mais específico no contexto de uma teoria [...] O indivíduo autônomo age livremente de acordo com um plano escolhido por ele mesmo, da mesma forma como um governo independente administra seu território e define suas políticas. In BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2002, p. 137/138. 40 DURAND, Guy. Introdução geral à bioética. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 38.

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Não se pode negar que existia na medicina o desejo veemente de se utilizar da

influência e prestigio do esculápio para promover a subordinação do paciente, ao invés de

promover a sua autonomia.

Isto posto, tem-se que o respeito ao princípio da autonomia do paciente e,

conseqüentemente, a valoração do atendimento ao termo de consentimento livre e

esclarecido não fizeram parte da história da medicina e da formação dos profissionais até o

início do século XX.

Importante observar que esses princípios só vieram a ser incorporados de forma clara e

incontroversa pelo Código de Ética Médica brasileiro no ano de 198841, coincidentemente

no mesmo ano da promulgação da nova Constituição da República Federativa do Brasil –

coincidência ou não, marco do início de uma nova consciência do cidadão brasileiro após

longo período de ditadura.

Entretanto, observa-se, até os dias que seguem, a dificuldade, arraigada no espírito do

esculápio, de se afastar e superar uma postura paternalista secular.

Não se pode olvidar que o próprio desenvolvimento da idéia do consentimento livre e

esclarecido, na prática médica norte-americana no século passado, originou-se nas

entranhas da sociedade e não na medicina, como seria normal se acreditar.

Uma das reivindicações de maior influência, contudo, foi a relacionada aos movimentos

de defesa de seus direitos estabelecidos pelos consumidores. Suas reivindicações tiveram

41 Resolução de n.º 1.246 de 8 de janeiro do ano de 1988.

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eco rapidamente no domínio dos cuidados com a saúde. Como indica Davida J. Roy, os

“consumidores” de tratamentos médicos criticaram fortemente o paternalismo médico

tradicional, em que “o médico tem razão e o paciente só tem a obedecer”. Eles

reivindicaram o direito de participar da tomada de decisão referente à sua saúde e aos

tratamentos necessários.42

É a fase em que se verifica o desenvolvimento da autodeterminação do paciente. É

criado nessa época, pela American Hospital Association, o texto Patient`s Bill of Rights,

feito com o objetivo de servir como referência para o relacionamento medido-paciente e o

respeito aos direitos dos pacientes nas instituições médico-hospitalares norte-americanas.

Nessa linha sucessiva de reconhecimento ao respeito do princípio da autonomia, a

Associação Médica Mundial desenvolve um documento intitulado Declaração dos Direitos

dos Doentes para também servir como paradigma.

Estudos relativos ao tema demonstram que o princípio de respeito da autonomia e seu

correlato, o princípio do consentimento livre e esclarecido, têm levado a mudanças

substanciais da ética médica tradicional. Isto porque, nos países ocidentais vive-se num

contexto de secularização e de pluralismo moral, isto é, uma situação onde as premissas

comuns são insuficientes para estruturar uma visão concreta da vida moral. E onde a

“autoridade não é a força coercitiva, ou a vontade de Deus, ou a razão, mas simplesmente a

autoridade do acordo daqueles que decidem colaborar” 43

42 ROY, David J. et al. La bioéthique: ses fondements et ses controversies, Montrèal, Éditions du Renouveau Pédagogique, 1995 (Publicado em inglês em 1994), p. 13. in DURAND, Guy. Introdução geral à bioética. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 35. 43 ENGELHARDT, H. Tristam Jr. Fundamentos da bioética. 2.ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 104.

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Concordo com Telles44 quando afirma que o princípio da autonomia tornou-se, nessas

últimas décadas, uma das principais ferramentas conceituais da ética aplicada, sendo

utilizado em contraposição ao assim chamado paternalismo médico.

Esse princípio ético da autonomia da pessoa já se encontra reconhecido de forma clara

em vários ordenamentos legais, v.g. Estados Unidos da América, Canadá e em vários países

europeus. Não se pode perder de vista que a autonomia é um dever e não simplesmente um

atributo da pessoa humana.

Nesse sentido, Kant encaixa sua concepção de autonomia em uma psicologia metafísica

que vai além de qualquer coisa em Hume ou Rousseau. A autonomia kantiana pressupõe

que somos agentes racionais cuja liberdade transcendental nos tira do domínio da causação

natural. Ela pertence a todo indivíduo, no estado de natureza e também na sociedade.45 Por

meio dela, cada pessoa tem uma bússola que permite “à razão humana comum” dizer o que

é consistente e o que é inconsistente com o dever.46 Nossas habilidades morais tornam-se

conhecidas de cada um de nós devido ao fato da razão, à nossa consciência de uma

obrigação categórica que podemos respeitar em contraposição ao atrativo do desejo. Como

44 ALMEIDA, José Luiz Telles de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente. Rio de Janeiro, Bireme, 1999, id. 239647. 45 Pure Reason, A810 = B838: “a lei moral continua obrigatória para todos ... mesmo que os outros não ajam em conformidade com a lei”. 46 Kant não apela para o argumento de Herbert sobre a justiça de Deus para mostrar que todos devem tê-la. Ele pode estar sugerindo esse argumento em seu comentário que “nós podiamos ter conjeturado antes que o conhecimento do que cada um é obrigado a fazer, e, portanto, também saber, estaria ao alcance de todos” (4.404: Foundantions, p. 20). Mas pode também querer dizer que a própria moralidade não seria justa se esse conhecimento não estivesse ao alcance de todos.

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elas estão ancoradas em nossa liberdade transcendental, não podemos perde-las, não

importa o quão corruptos nos tornemos.47

O que deve ficar claro é que o respeito e a confiança do paciente em relação ao médico

não lhe retiram a autonomia; o esculápio tem por dever ético e legal ajudar o paciente a

decidir sobre o que deve ser feito, jamais deve obrigá-lo ou coagi-lo.

Num sentido mais estrito, o princípio de autonomia deve ser inscrito na especificidade

da tradição da cultura moderna, essencialmente tecnocientífica e humanístico-

individualista. Mais especificamente, o princípio de autonomia vincula-se à relevância que

o sujeito assume na modernidade, relevância essa inseparável da reivindicação da liberdade

de pensamento, da hegemonia da razão frente aos dogmas religiosos e ao peso da tradição.

O significado de autonomia passa então a ser compreendido não apenas como a tentativa de

apreender racionalmente o mundo, mas também de dominá-lo e submetê-lo às finalidades

humanas, por via do desempenho de uma razão subjetiva e independente.48

Importante salientar que a autonomia não é um princípio único e soberano; ela pode e

deve, em razão do caso concreto, sofrer limitações e ser avaliada em conjunto com outros

princípios. Essa avaliação não deve ser tomada em sentido genérico, ao revés; deve sempre

ser confrontada tendo como moderador os princípios da razoabilidade, da ponderabilidade

e da proporcionalidade. Nesse sentido, Daniel Callahan leciona que “a autonomia não é o

valor moral e sim um valor moral; ela é um bem que não deve ser obsessivo.”

47 SCHNEEWIND, J.B. A invenção da autonomia. Uma história da filosofia moral moderna. Tradução Magda França Lopes. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005, p. 569/560. 48 SCHRAMM, R. Fermin, SEGRE, Marco e SILVA, Franklin Leopoldo. O contexto histórico, semântico e filosófico do princípio da autonomia. In www.portalmedico.org.br.

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Há ainda um detalhe importante a ser lembrado: alguns profissionais aderem tão

intensamente ao princípio da autonomia que não aceitam que o paciente diga: – Doutor, eu

faço o que o senhor achar melhor! E acabam impondo a ele, tiranicamente, a “autonomia”

que ele não deseja, isto é, as decisões que ele se recusa a tomar. A nosso ver, se o paciente

foi esclarecido pelo médico e opta pela postura de não escolher nenhuma das alternativas

propostas, mas sim a de adotar aquela que o médico achar mais adequada, ele já decidiu e

portanto esta exercendo sua autonomia; força-lo a tomar qualquer decisão diferente da que

escolheu significa constrange-lo e agir com autoritarismo. Em outras palavras, renunciar à

autonomia também é exercer seu direito à autonomia e impor a autonomia ao paciente é

autoritarismo.49

Para finalizar, quando o médico esclarece o paciente a respeito de sua morbidade, das

possibilidades de tratamento, das intervenções que estão disponíveis e o ajuda a decidir

dentro de uma ótica realista, legal e ética, está o paciente exercendo seu direito e o

esculápio, cumprindo com seus deveres e obrigações em relação ao princípio da autonomia,

enquanto expressão do axioma fundamental que é a dignidade da pessoa humana.

7 – O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Em primeira instância, é importante asseverar que a origem etimológica de dignidade

provém do latim dignitate – autoridade moral; honestidade, honra, respeitabilidade e

autoridade –, que por sua vez deriva de digno, também, originário do latim dignu –

merecedor, que tem, ou em que há dignidade.

49 MUÑOZ, Daniel Romero e FORTES, Paulo Antônio Carvalho. O princípio da autonomia e o consentimento livre e esclarecido. In COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (Coordenadores). Iniciação à bioética. Conselho Federal de Medicina, Brasília, 1998, p. 63.

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Segundo nos apresenta a história, a percepção da dignidade da pessoa humana, com sua

atribuição personalíssima – e assim direcionada a cada indivíduo – teve sua concepção com

o surgimento do cristianismo.

Importante observar que o motivo pelo qual a vida se afirmou como ponto último de

referência na era moderna e permaneceu como bem supremo para a sociedade foi a

inversão de posições que ocorreu dentro da textura de uma sociedade cristã, cuja crença

fundamental na sacrossantidade da vida sobrevivera à secularização e ao declínio geral da

fé cristã, que nem mesmo chegaram a abalá-la.50

Sem dúvida, a ênfase colocada pelo cristianismo na santidade da vida faz parte da

herança hebraica, que já se distinguia nitidamente das atitudes dos antigos: o desprezo

pelas privações impostas ao homem pela vida no trabalho árduo e na parturição, a noção

invejosa da vida fácil dos deuses, o costume de enjeitar os filhos indesejados, a convicção

de que a vida sem saúde não merece ser vivida (de sorte que se considerava, por exemplo,

que o médico desvirtuava a sua vocação ao prolongar a vida quando era impossível

restaurar a saúde),51 e de que o suicídio é o gesto nobre de quem deseja abandonar a vida

atribulada. Contudo, basta lembrar a forma como o Decálogo menciona o crime de

homicídio, sem lhe atribuir gravidade especial em meio a um rol de outras transgressões –

as quais, em nosso modo de pensar, mal se podem comparar a esse crime extremo – para

que se compreenda que nem mesmo o código legal hebraico, embora muito mais

50 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 327. 51 Veja-se Platão, República 405 a.C.

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aparentado ao nosso que qualquer sistema pagão de avaliação de delitos, fazia da

preservação da vida a pedra angular do sistema legal do povo judeu. 52

Todavia, a antiguidade clássica não se quedou numa completa cegueira em relação à

idéia de direitos fundamentais. O pensamento sofístico, a partir da natureza biológica

comum dos homens, aproxima-se da tese da igualdade natural e da idéia de humanidade.

No pensamento estóico, assume o princípio da igualdade um lugar proeminente: a

igualdade radica no fato de todos os homens se encontrarem sob um nomos unitário que os

converte em cidadãos do grande Estado universal. No mundo romano, o pensamento

estóico tentará deslocar a doutrina da igualdade da antropologia e da ética para o terreno da

filosofia e doutrina políticas. É clássica a posição de Cícero: “a lei verdadeira é a razão

coincidente com a natureza na qual todos participam” (ratio naturae quae est lex divina et

humana). E não menos clássicas são as palavras poéticas de Terêcio: “Eu sou homem e

nada do que é humano me é alheio”.53

Hannah Arandt, faz uma observação importante ao destacar que o cristianismo sempre

insistiu que a vida, embora não tivesse um fim definitivo, tinha um começo definitivo. A

vida vivida na Terra poderia ser simplesmente o primeiro e mais penoso estágio da que

vinha a ser chamado de vida eterna; ainda assim, é a vida e, sem essa vida que termina com

a morte, não pode haver vida eterna. Talvez resida aí o motivo para o fato indubitável de

que somente quando a imortalidade da vida individual passou a ser o credo básico da

humanidade ocidental, isto é, somente com o surgimento do cristianismo, a vida na Terra

passou também a ser o bem supremo do homem. 52 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 328. 53 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição.5.ª ed. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 1997, p. 379.

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Ao se falar em vida, abre-se um parênteses para citar Antônio Chaves, em O que é a

vida? Quem poderá definir essa pulsação misteriosa, própria aos organismos animais e

vegetais, que sopita inadvertida nas sementes de trigo encontradas nos sarcófagos de faraós

egípcios e que germina milagrosamente depois de dois milênios de escuridão, que se oculta

na gema de uma roseira que mãos habilidosas transplantam de um para outro caule, que

lateja, irrompe e transborda na inflorescência de milhões de espermatozóides que iniciam

sua corrida frenética à procura de um único óvulo, a cada encontro amoroso?54

Conforme os ensinamentos de São Tomás de Aquino, pode-se pensar a dignidade

humana sob dois prismas diferentes: a dignidade é inerente ao homem, como espécie; e ela

existe in actu só no homem enquanto indivíduo, passando desta forma a residir na alma de

cada ser humano. A inflexão diz com o fato de que o homem deve agora não mais olhar

apenas em direção a Deus, mas voltar-se para si mesmo, tomar consciência de sua

dignidade e agir de modo compatível. Mais do que isso, para São Tomás, a natureza

humana consiste no exercício da razão e é através desta que se espera sua submissão às leis

naturais, emanadas diretamente da autoridade divina.55

Muitos séculos depois, o movimento iluminista, com sua crença fervorosa na razão

humana, foi o responsável por desalojar a religiosidade do centro do sistema de

pensamento, substituindo-a pelo próprio homem. O desenvolvimento teórico do

humanismo acabara por redundar em um conjunto de conseqüências relevantes para o

54 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 13. 55 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional, Revista de Direito Civil, volume n.º 65, p. 21.

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desenvolvimento da idéia de dignidade humana, como a preocupação com os direitos

individuais do homem e o exercício democrático do poder.56

A idéia de que os indivíduos e grupos humanos podem ser reduzidos a um conceito ou

categoria geral, que a todos engloba, é de elaboração recente na História. Como observou

um antropólogo,57 nos povos que vivem à margem do que se convencionou classificar

como civilização não existe palavra que exprima o conceito de ser humano: os integrantes

do grupo são chamados “homens”, mas os estranhos ao grupo são designados por outra

denominação, a significar que se trata de indivíduos de uma espécie diferente. Durante o

período axial da História despontou a idéia de uma igualdade essencial entre todos os

homens. Mas foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização

internacional a englobar a quase totalidade dos povos da Terra proclamasse, solenemente,

numa declaração Universal de Direitos Humanos, que “todos os homens nascem livres e

iguais em dignidade e direitos” (artigo I), e que “todo homem tem direito de ser, em todos

os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei” (artigo VI).58

Historicamente, a excelência do homem no mundo foi justificada a partir de três

perspectivas, complementares e não excludentes: a religiosa, a filosófica e a científica. Na

perspectiva religiosa, foi sem dúvida o monoteísmo que mais realçou a dignidade da pessoa

humana. Na perspectiva da antropologia filosófica, a dignidade humana está ligada à sua

condição de animal racional, nas diferentes manifestações da razão – especulativa, técnica,

56 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 106. 57 Claude Lévy-Strauss, Anthropologie structurale deux, Paris (Plon), 1973, pp.383-4. In COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 453. 58 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 453.

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artística e ética – à consciência, individual e coletiva, dessa sua singularidade no mundo.

Por fim, na perspectiva científica, o que se pôs em realce é que a espécie humana

representa, sem contestação, o ápice do processo evolutivo.59

Ao adentrarmos na perspectiva filosófica, mais precisamente ao se observarem os

ensinamentos kantianos, onde observar-se que a dignidade da pessoa não se resume na

razão de ser a pessoa um ser digno de consideração e de ser tratado como um fim em si

mesmo; ao contrário das coisas, e jamais ser considerado ou tratado como um meio para se

alcançar um determinado resultado, mas também, por ser racional e gozar da capacidade de

livre arbítrio – autonomia – que o direciona a guiar-se pelas regras e normas criadas por

ele. Para Kant, todo homem é dotado de dignidade, diferentemente das coisas, que possuem

preço.

Essa qualidade inerente do homem (dignidade) é logo em seguida reforçada por Kant,

pois, para ele, existem, no mundo, duas categorias de utilidades: o preço (preis) e a

dignidade (Würden). O preço, na concepção kantiana, retrata um valor exterior de mercado

e revela interesses meramente particulares. A dignidade a sua vez, retrata um valor

interior, que é moral, e portanto, de interesse geral. As coisas, nessa ordem, têm preço;

enquanto as pessoas são dotadas de dignidade. O valor moral da dignidade é sempre

superior ao valor de mercado das coisas, por isso o homem é o ser mais importante do

mundo social e não pode ser reduzido a objeto ou meio para alcançar outros fins, já que é

titular de dignidade e os objetos têm preço.60

59 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 481/483. 60 GONDINHO, André. O princípio da dignidade da pessoa humana e garantias constitucionais. NIGRE, André Luis (org.). Direito e medicina, um estudo interdisciplinar. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 304/305.

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A ordem moral, segundo Kant, será alcançada em razão do modus faciendi que deverá

ser universalmente aceito como expressão de uma ação moral e incondicionalmente válida.

Essa bem elaborada concepção enquadra-se em nosso estudo, de forma direta, ao se

analisarem os casos de desrespeito à autonomia do paciente, ao direito de ser tratado como

um fim, nos casos de pesquisas, e de ter informações suficientes para aquiescer ao seu

tratamento face a morbidade que o aflige.

Cabe questionar, ainda, se os avanços tecno-científicos na área da genética não darão

ensejo a um processo de reificação, no qual o homem por meio de manipulações e

experimentos com seu material genético, fabricará o próprio homem e vilipendiará tal

princípio.

Ao se caminhar para a área do direito61, pode-se afirmar que a garantia da integridade

física e psíquica guarda, sem qualquer dúvida, relação direta com a área médica, máxime

no que diz respeito à autonomia do paciente.

Em uma primeira análise desse postulado, é correto afirmar que o respeito à proteção da

integridade física e psíquica dos seres humanos ocasiona a proibição de tratamentos

desumanos ou que reduzam o homem, para se utilizar a expressão de Kant, a mero objeto

e/ou instrumento da vontade de outros sujeitos de Direito ou do próprio Estado.62

61 O princípio jurídico da dignidade da pessoa humana possui os seguintes postulados: igualdade, liberdade, solidariedade e integridade psicofísica. 62 GONDINHO, André. O princípio da dignidade da pessoa humana e garantias constitucionais. NIGRE, André Luis (org.). Direito e medicina, um estudo interdisciplinar. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 314.

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Com fundamento no referido postulado é que várias nações formularam suas

constituições63 e legislações ordinárias após a sombra do espectro do III Reich; existe até

os dias de hoje a preocupação constante com as normas civil, penal e ética que regem a

área médica e científica em razão de seus procedimentos, pesquisas e experimentos.

Torna-se necessário identificar a dignidade da pessoa humana como uma conquista da

razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a

experiência humana.64

Nesse contexto, prevalece o interesse individual em detrimento do interesse coletivo,

contrariamente ao que se tem por regra em determinados ramos do direito.

Mais precisamente no que se refere à Constituição Federal brasileira de 1988, a

dignidade da pessoa humana foi apresentada como fundamento da República, amplamente

protegida e consagrada como princípio constitucional. Além disso, recebeu a atribuição

suprema de alicerce da ordem jurídica democrática.

Com efeito, na mesma forma que Kant estabelecera para a ordem moral, é na dignidade

humana que a ordem jurídica (democrática) se apóia e se constitui.65 O ser humano66 está

63 MORAES, Maria Celina Bodin de. Em sua obra Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 82, esclarece que “O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do imperativo categórico kantiano, de ordem moral, tornou-se um comando jurídico no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que já havia ocorrido em outras partes.” 64 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrinas e jurisprudências. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 48. 65 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais.Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 83/84.

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localizado na perspectiva central do direito e tem o direito como fim último o homem. No

plano jurídico, como em tudo mais, “o homem é a medida de todas as coisas”.67 Na

interpretação platônica, Protágoras se afigura, realmente como o primeiro precursor de

Kant; pois, se o homem é a medida de todas as coisas, então só o homem escapa à relação

de meios e fins; só ele é um fim em si mesmo, capaz de usar tudo o mais como meios.68

A finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano. Pode-se, pois,

dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o homem, em

todas as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caros.69

Nada obstante, importante salientar que o princípio ora objeto de estudo

independentemente de estar expressamente normatizado em uma codificação produz seus

efeitos jurídicos como princípio fundamental.

Assim sendo, podemos traçar um paralelo entre a diferenciação de Direitos Humanos e

Direitos Fundamentais com a existente entre Bioética e Biodireito. No primeiro caso, os

Direitos Humanos ao serem agasalhados em seio constitucional transformam-se em

Direitos Fundamentais. A Bioética quando sai do campo axiológico e é positivada no

ordenamento jurídico, transmuda-se em Biodireito.70

66 Homo sapiens, homo demens, homo faber, homo socialis,homo politicus, etc. 67 Na celebre frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.” 68 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 170. 69 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. Revista da EMERJ, volume 6, número 23, 2003, páginas 316/317.

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Em outras palavras, o fundamento de validade das garantias fundamentais de um

Estado é buscado nos chamados direitos humanos, assim como ocorre com o Biodireito,

que busca seu fundamento de validade na Bioética. [...] Com efeito, se afirmamos de início

que as garantias fundamentais são parte codificada dos Direitos humanos e se o Biodireito

é parte codificada da Bioética, qualquer norma criada ou que venha a sê-lo que afronte as

garantias fundamentais ou, numa acepção mais ampla, os próprios direitos humanos, é

destituída de validade, por ausente o fundamento que lhe dê suporte de legitimidade.71

Cabe observar que o princípio da dignidade da pessoa humana não é representativo de

um “direito à dignidade”. A dignidade não é algo que alguém precise postular ou

reivindicar, porque decorre da própria condição humana. O que se pode exigir não é a

dignidade em si – pois cada um já a traz consigo –, mas o respeito e a proteção a ela.72

Eis o ofício que se espera do direito ao se observar a dupla função do princípio que é a

defensiva e prestacional: enquanto a primeira encerra normas que outorgam direitos

subjetivos de cunho negativo, a segunda impõe condutas positivas para que se possa dar

proteção e promoção à dignidade.

Ao final do presente escólio, faz-se oportuno citar Terêncio que já àquela época

postulava: “Sou humano e nada do que é humano me é estranho.”

70 SÉGUIN, Elida. In SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.50. 71 PANISA, Patrícia. O consentimento livre e esclarecido na cirurgia plástica: e a responsabilidade civil médica. São Paulo: RCS Editora, p. 25. 72 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, volume 6, número 23, 2003, página 324.

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8 – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO73

A doutrina alemã discerniu uma tipologia do consentimento do paciente. Em primeiro

lugar, temos o chamado consentimento para a intervenção, que consiste na aquiescência

que deve anteceder a uma cirurgia, à anestesia ou à remoção de material biológico do

paciente. Em segundo lugar, o consentimento para o risco (Einwilligung in die Gefahr),

que significa que o doente aceita os riscos da intervenção [...] Finalmente, distingue-se o

consentimento para investigar.[...] simplesmente, o paciente autoriza que se investigue a

sua esfera íntima com base num produto biológico previamente colhido [...] Mais

recentemente, alguns autores vêm propondo um conceito mais abrangente. Assim, na

doutrina anglo-saxônica critica-se a expressão informed consent, visto que a informação é

apenas um aspecto do consentimento esclarecido (“comprehensive or enlightened

consent”). Assim vem sendo proposta a utilização da expressão informed choice.74

Este conceito teria a virtude de abranger, entre outros aspectos, a informação sobre as

conseqüências da recusa ou revogação do consentimento, as alternativas terapêuticas

[...].75Para melhor compreensão irei utilizar a expressão consentimento livre e esclarecido e

os textos originais serão trazidos com a expressão utilizada na origem. Não obstante, cabe

informar que a expressão consentimento esclarecido é utilizada tradicionalmente nas

línguas francesa – consentement éclairé – e alemã – aufgeklärte Einwilligung –; enquanto

73 Também denominado: consentimento informado, consentimento pós-informação e consentimento após-informação. A expressão consentimento livre e esclarecido hodiernamente vem substituindo as demais em razão de ser mais apropriada ao refletir a exata medida da necessidade de se respeitar a autonomia do paciente. 74 Campbell, et al. Medical Ethics, p.p. 24-25.

75 Campbell, et al. Medical Ethics, p.p. 24-25.

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que a expressão consentimento informado é utilizada nas línguas inglesa – informed

consent –, espanhola – consentimiento informado – e italiano – consenso informato.

Marco inicial das discussões a respeito da autonomia do paciente em relação ao uso do

seu corpo como objeto de pesquisas médicas, o julgamento de Nuremberg trouxe à baila os

horrores dos experimentos médicos e a degradação do ser humano.

O julgamento despertou no período pós-guerra – principalmente nos profissionais da

área médica – debates filosóficos e humanistas a respeito dos experimentos realizados por

renomados médicos alemães e japoneses e da ética biomédica envolvida.

Em que pese a importância das polêmicas apresentadas, a expressão consentimento

informado conforme utilizada nos dias correntes, só apareceu anos depois com o Código de

Nuremberg e só foi objeto de uma analise mais profunda na década de setenta.

Na verdade, foi preciso esperar até 1964, com a Declaração de Helsínquia, da

Associação Médica Mundial76, para que um texto internacional de ética médica impusesse

a exigência de consentimento, e ainda assim apenas para o domínio da experimentação

médica. Esta mesma Associação Médica só em 1981, com a Declaração de Lisboa, veio

afirmar que “depois de ter sido legalmente informado sobre o tratamento proposto, o

doente tem o direito de aceitar ou recusar” – A Declaração de Lisboa (1981) viria a ser

emendada pela 47.ª Assembleia Geral de Bali (Indonésia), em Setembro de 1995. Também

76 Revista, por último, em Outubro de 2000, em Edimburgo, Escócia.

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a Declaração de Bioética de Gijón (2000), inclui a recomendação de que o paciente e o seu

médico devem estabelecer conjuntamente os termos do tratamento.77

O enfoque havia mudado; a preocupação maior passou a ser a compreensão do paciente

e seu potencial para entender as revelações e esclarecimentos transmitidos pelo médico ou

pelo pesquisador.

Devido a essa profunda mudança na ordem obrigacional, pode-se observar

hodiernamente, nas codificações éticas na área da saúde,78 a preocupação de se obter o

consentimento livre e esclarecido dos pacientes antes de qualquer intervenção que possa ser

realizada em seu corpo.

Ainda assim, deve-se evitar a todo custo o entendimento irrefletido de que o

consentimento livre e esclarecido não passa de um formulário timbrado contendo todas as

informações a respeito da intervenção que será realizada no paciente.

Em tempo, o consentimento livre e esclarecido vem se transformando, também

equivocadamente, em um formulário padronizado com o objetivo de se prevenir ou até

mesmo evitar demandas éticas, administrativas e judiciais

Tal entendimento corrompe o verdadeiro objeto do consentimento livre e esclarecido

que é, na verdade, todo um processo que irá envolver o médico e o paciente desde a

primeira consulta realizada até a intervenção efetivada. A decisão conjunta entre

77 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2004, p. 26/27. 78 Seguidas também de modificações nos textos e normatizações legais.

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especialista e paciente apenas faz parte do todo e não pode ser vista isoladamente como o

consentimento em si.

Isso não significa, todavia, que se deva rechaçar a doutrina do consentimento

informado, mas sim que deve haver evolução para formas mais eficazes – tendência

verificável na atualidade.79

Para os bioeticistas Beauchamp e Childress, a abordagem aceita da definição do

consentimento informado tem sido a que especifica os elementos do conceito, em particular

dividindo-os em componente de informação e componente de consentimento. O

componente de informação refere-se à revelação da informação e à compreensão daquilo

que é revelado. O componente de consentimento refere-se a uma decisão e a uma anuência

voluntária do indivíduo para se submeter a um procedimento recomendado. A literatura

legal, regulamentária, filosófica, médica e psicológica tende a favorecer como componentes

analíticos do consentimento informado os seguintes elementos80: (1) Competência; (2)

Revelação; (3) Entendimento; (4) Voluntariedade, e (5) Consentimento. Esses elementos

são então apresentados como a matéria-prima da definição do consentimento informado.

Um indivíduo dá um consentimento informado para uma intervenção se (e, talvez, somente

79 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 288. 80 Ver, por exemplo:, Alan Meisel e Loren Roth, “What We Do and Do Not Know about Informed Consent”, Journal of American Medical Association, 246 (1981): 2473-77; President´s Commission, Making Health Care Decisions, vol. II, pp. 317-410, esp. p. 318, e vol. I, cap. 1, esp. pp. 38-39; National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, The Belmont Report (Washington, DC: DHEW Publication OS 78-0012, 1978), p. 10.

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se) for capaz de agir, receber uma exposição completa, entender a exposição, agir

voluntariamente e consentir na intervenção.81

O jurista português André Gonçalo Dias Pereira entende que consentimento informado

é um instituto jurídico complexo, traduzido num processo dinâmico de inter-relação entre

os diversos agentes envolvidos. Quando a relação é simples, ela é bilateral e envolve

apenas o médico e o paciente; mas frequentemente ela é complexa e multilateral e envolve

toda uma equipa médica (v.g., enfermeiros, auxiliares, assistentes, etc.), por parte do

prestador de saúde, e a família, pessoas próximas e representantes legais, por parte do

paciente. Ora, para se obter um consentimento válido, é necessário, em primeiro lugar, que

o paciente tenha a capacidade para tomar decisões. Será então necessário discernir o que

seja a capacidade para consentir, por um lado, e, quando se conclua pela incapacidade do

paciente, estudar os modos de suprir a sua incapacidade para consentir. Em segundo lugar,

o paciente deve ter recebido informação suficiente sobre o tratamento proposto. [...]

Finalmente, o paciente tem de consentir (ou recusar) o tratamento de livre vontade, sem

coação ou vícios da vontade.82

A British Medical Association e a Law Society, entendem que o paciente só poderá ser

considerado capaz se: (1) compreender, em termos amplos e em linguagem simples, em

que consiste o tratamento médico, os seus fins e a sua natureza, e por que razão o

tratamento lhe está a ser proposto; (2) compreender os seus principais benefícios, riscos e

alternativas; (3) compreender, em termos amplos, as conseqüências de não receber o

81 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 165. 82 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra Portugal: Editora Coimbra 2004, p. 129/131.

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tratamento; (4) possuir a capacidade de tomar decisões livres (isto é, livres de pressões); e

(5) conservar a informação o tempo suficiente para tomar uma decisão.83

Com a devida venia entendo que os elementos devem ser divididos em 4 (quatro)

partes, a saber: capacidade – no sentido de ser apto civilmente para praticar atos jurídicos;

competência – conceito exclusivamente clínico que depende de avaliação por parte de

profissional da área de saúde; informação – linguagem clara e compreensível ao nível

sociocultural do paciente; e voluntariedade – expressão livre do paciente na tomada de

decisão.

Assim sendo, entende-se por capacidade a aptidão ou autoridade legal, de que se acha

investida a pessoa para praticar atos da vida civil, isto é, poder livremente dispor da sua

vontade para contratar, adquirir direitos, aceitar obrigações etc., com validade jurídica. A

capacidade civil pode ser plena ou pode ser relativa, segundo, como aludimos, possa a

pessoa praticar sem restrições todos os atos da vida civil, ou sofra limitação no exercício de

seus direitos.84

A competência deverá ser auferida pelo profissional ao observar se o paciente

compreende as informações que lhe estão sendo prestadas; se o paciente está apto a julgar

as opções que lhe são apresentadas; se a situação em que se encontra o paciente lhe

possibilita dar uma decisão de forma racional e se o paciente consegue externar de forma

compreensível sua decisão.

83 British Medical Association/Royal College of Nursing. The older person: consent and care. London, England: BMA, 1995, p. 15. 84 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 249.

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A informação – revelação – prestada ao paciente deve romper primeiramente a barreira

da linguagem técnica para, em seguida, adequar-se-lhe ao nível intelectual e sociocultural.

O paciente deve receber toda e qualquer informação que possa dar azo à sua decisão e

fundamenta-la.

Com a voluntariedade o paciente, após ter compreendido as informações prestadas,

expressará seu sentimento e decidirá de forma livre no lapso temporal que se fizer

necessário para a tomada da decisão Durante todo o procedimento que terá como termo

final a decisão soberana do paciente não pode haver qualquer espécie de manipulação,

persuasão ou coação.

Para que possa existir voluntariedade, faz-se necessário haver discernimento, intenção e

autonomia. A ocorrência de um desnível informativo afeta esses três elementos.85

Nesse sentido, estando ausentes quaisquer dos quatro elementos - capacidade,

competência, informação e voluntariedade – não se pode assegurar em sua plenitude os

efeitos jurídicos da obtenção do consentimento livre e esclarecido.

Como já mencionado, o consentimento livre e esclarecido deve ser um movimento para

frente, com passos firmes, visão periférica, audição aguçada e paciência para se chegar

seguro ao final da longa caminhada, com a certeza de se ter trilhado todo o caminho.

Porém, cabem exceções em casos de emergência com iminente perigo de morte, risco para

a saúde pública e privilégio terapêutico.

85 LORENZETTI, Ricardo Luis. Responsabilidad civil de los médicos. Buenos Aires, Argentina: Rubinzal-Culzoni, 1997, p. 204.

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Alguns doutrinadores também acrescentam como exceções a renúncia ao direito de

receber informação e a renúncia ao direito de receber tratamento. Mas é importante

salientar que a renúncia ao direito de receber informação encontra restrição nos casos de

diagnósticos de doenças infecto-contagiosas. Nesse caso, o profissional tem o dever de

informar ao paciente de sua morbidade com o objetivo de impedir o contágio de terceiros.

Na realidade, o direito de o paciente recusar um procedimento médico é o outro lado da

moeda do consentimento informado.[...] Embora amplamente classificado como tal pela

doutrina, esse direito não é uma verdadeira exceção ao consentimento informado. O direito

de consentir pressupõe o reconhecimento do direito de recusar o tratamento.86

Com efeito, a motivação para a falta de cumprimento dos requisitos (elementos)

necessários em razão de iminente perigo de morte é uma exceção e só deve ser utilizada em

casos extremos, quando não se poderá perquirir a existência de responsável ou

representante legal, visto que o valor da vida humana se sobrepõe à possibilidade de se

obter o consentimento livre e esclarecido pela completa impossibilidade de comunicação.

Pode-se dizer que há uma presunção de que o paciente consentiria com o ato médico se

estivesse consciente.

A maior parte dos doutrinadores segue a linha de que o risco para saúde pública não

chega a ser uma verdadeira exceção, visto que, até nas situações ditas compulsórias, busca-

se, em primeira instância, a obtenção do consentimento do paciente após esclarecimentos a

respeito do problema apresentado. Se e somente se não houver o consentimento do paciente

é que se exigirá o cumprimento por meio da força.

86 RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. O dever de informar dos médicos e o consentimento informado. Curitiba: Juruá Editora, 2006, p. 111.

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Por tratamento compulsivo queremos designar a operação potestativa de actuação

médica susceptível de ser invasiva da esfera físicopsíquica de uma pessoa, prosseguida por

uma autoridade de saúde com o objectivo de proteção social da saúde, ou seja, de proteger

os interesses da colectividade, garantindo o direito fundamental à saúde, a nível coletivo

e/ou individual.87

Uma exceção controversa é o privilégio terapêutico, baseado num julgamento

fundamentado do médico de que divulgar informação seria potencialmente prejudicial a um

paciente que está deprimido, emocionalmente esgotado ou instável.88

O privilégio terapêutico consiste na faculdade de actuação médica, perante situações de

mal iminente ou conseqüente, sem que previamente se prestem as informações devidas ao

esclarecimento do paciente e, conseqüentemente, sem a obtenção do seu consentimento.89

Deveras interessante consignar que Platão, já àquela época, entendia que as

informações e os esclarecimentos prestados aos pacientes seriam uns dos ideais da

terapêutica científica. O curioso, porém, é que o referido ensinamento tinha por finalidade

harmonizar o relacionamento entre médico e paciente, e não porque o enfermo tivesse

qualquer espécie de direito à informação a respeito de sua morbidade.

87 RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português: Elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2001, p. 290/291. 88 BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 172. 89 RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português: Elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente. Coimbra Editora, Coimbra, Portugal, 2001, p. 279.

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Importante salientar que, sempre que houver mudanças significativas nos

procedimentos terapêuticos, deve-se obter o consentimento continuado, pois a permissão

dada anteriormente tinha tempo e atos definidos (princípio da temporalidade). Admite-se,

também, que em qualquer momento da relação profissional o paciente tem o direito de não

mais consentir uma certa prática ou conduta, mesmo já consentida por escrito, revogando

assim a permissão outorgada (princípio da revogabilidade), o consentimento não é um ato

inexorável e permanente.90 A revogação obriga o médico a abster-se do tratamento.91

A aplicação prática do consentimento informado representa vantagens para o

profissional de saúde e para o paciente. Para este, por coroar seu direito à

autodeterminação, liberdade, integridade física e moral, vida, dignidade e saúde. Para

aquele, por ser importante aliado em termos probatórios, além de consolidar que a

informação foi devidamente prestada ao paciente, no que tange ao seu tratamento de

saúde.92

Finalmente, é interessante traçar um elo entre a forma de se ver o consentimento livre e

esclarecido e a visão de Schopenhauer a respeito da vista do alto de uma montanha: “a

vista do cume de uma montanha ajuda muito a ampliar os conceitos.[...] tudo o que é

pequeno some, só fica o que é grande.”

90 GOMES, Júlio Cezar Meirelles e FRANÇA, Genival Veloso de. Erro médico. In COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (Coordenadores). Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 250. 91 PIERANGELI, José Henrique. O consentimento do ofendido: na teoria do delito. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 203. 92 ROBERTO, Luciana Mendes Pereira. Responsabilidade civil do profissional de saúde & consentimento informado. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 229.

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9 – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E O

ORDENAMENTO LEGAL

Antes de se adotar um panorama jurídico para o tema objeto do presente estudo, é

oportuno asseverar que, no ano de 1981, a Divisão de Vigilância Sanitária de

Medicamentos do Ministério da Saúde instituiu, por meio da portaria de n.º 16/81, o uso do

Termo de Conhecimento de Risco – para os projetos de pesquisa com drogas ainda sem

registros – com o intuito de informar ao participante de uma pesquisa a respeito das

características experimentais do fármaco. No ano seguinte, por meio da Resolução de n.º

1081/82 do Conselho Federal de Medicina, ficou asseverado que todos os meio necessários

para se alcançarem um diagnóstico e uma terapêutica só poderiam ser definitivamente

efetivados com o consentimento do paciente.

Ultrapassada a informação acima, faz-se oportuno consignar, para uma melhor

compreensão da área jurídica, que, apesar de o Código Civil brasileiro de 1916 ter colocado

a responsabilidade médica no capítulo da liquidação das obrigações resultantes de atos

ilícitos, nos limites do artigo 1.545, o que gerou controvérsia entre os doutrinadores acerca

de ser a responsabilidade médica aquiliana ou ex contractu, hodiernamente, com a

evolução da doutrina e jurisprudência e com o advento da Lei 8.078/90 e do novo Código

Civil brasileiro, creio não mais haver controvérsias a respeito de ser a responsabilidade

médica contratual.

O festejado mestre Aguiar Dias já há muito ensinava: “a natureza contratual da

responsabilidade médica não nos parece hoje objeto de dúvida. A tendência que Josserand

observava na jurisprudência francesa acabou por firmar-se definitivamente, depois do

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famoso julgado de 20 de maio de 1936, da Câmara Civil da Corte de Cassação93,

pronunciado de acordo com as conclusões do procurador-geral Matter e o Relatório de

Josserand. [...] Acreditamos, pois, que a responsabilidade do médico é contratual, não

obstante a sua colocação no capítulo dos atos ilícitos.”94

Sendo irrefragável a responsabilidade contratual, o contrato médico irá se estabelecer

com as seguintes características: tácito, expresso, consentido, lícito em seu fim,

sinalagmático e oneroso. Tais características serão a seguir elucidadas:

Tácito: está implícito no atendimento, sem que exista qualquer outro ato interveniente;

há necessariamente a anuência profissional.

Expresso: fica consignado de forma verbal ou documental.

Consentido: o paciente tem que aquiescer com o ato médico que será realizado salvo

em iminente perigo de morte.

Lícito em seu fim: o objeto do ato médico deve estar em consonância com as normas

estabelecidas em lei.

93 No acórdão foi declarado que “entre o médico e o seu cliente se forma um verdadeiro contrato que, se não comporta, evidentemente, a obrigação de curar o doente [...]” “ao menos compreende a de proporcionar-lhe cuidados [...]” “conforme às aquisições da ciência” (FALQUE, La Responsabilité du médicin aprés l´arrêt du 20 Mai 1936, em Revue Critique de Législation et Jurisprudence, 1937, págs. 609 e segs.). A doutrina, a esse tempo, já afirmava, quase unanimemente o caráter contratual da responsabilidade médica. Apud Dias, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 250. 94 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 297/298.

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Sinalagmático: deve haver reciprocidade das obrigações assumidas entre devedor e

credor.

Oneroso: o paciente solicita cuidados profissionais e, em contrapartida, remunera o

médico por seus serviços.

Sem embargo, apesar de não haver controvérsias a respeito da existência do vínculo

contratual que une médico e paciente, ainda persiste a discussão em relação à natureza

dessa relação contratual.

Indagam-se os doutrinadores a respeito da natureza do contrato celebrado entre médicos

e pacientes. Enquanto para uns existe um verdadeiro contrato de prestação de serviços, para

outros há um contrato sui generis.

Os que apóiam a primeira corrente fundamentam seu entendimento na natureza

locatícia do serviço, asseverando existirem características intuitu personae, visto que, ao

firmar o contrato, o paciente espera ver resguardado o seu direito de ser atendido pelo

profissional que contratou. Esta característica incipiente deve-se à confiança do contratante

em alguém que entende ser capacitado para solucionar ou atenuar sua enfermidade, ou lhe

dar um direcionamento. Os que apóiam a segunda corrente baseiam seu juízo além de uma

mera prestação de serviços técnicos em sentido estrito, sendo o médico protetor, guardião e

conselheiro do paciente.

Em que pese todo o respeito pelos preclaros doutrinadores que acolhem a segunda

corrente, entendo ser contratual a natureza da prestação de serviços entre médico e

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paciente. Entendo, também, que não se pode desassociar a locação do serviço, da proteção,

aconselhamento e guarda do paciente, posto tratarem-se de deveres éticos e morais,

implícitos no atuar profissional do médico. Inobstante, dizer que o contrato é sui generis

em nada esclarece.

No campo civilístico, a proteção do paciente está relacionada ao aspecto de sua

integridade psicofísica, consagrando assim os direitos à personalidade.95

A título de esclarecimento, deve-se destacar que os direitos à personalidade são da

essência do ser humano, não sendo assim exclusividade do paciente.

Apesar de estarem dispostos no ordenamento civil, a base do direito da personalidade,

principalmente no que diz respeito ao objeto do presente estudo, encontra-se abrigada pela

Constituição Federal de 1988.

A constituição da República, de 1988, no seu preâmbulo, ressalta a proteção dos

direitos da personalidade, quando afirma que a instituição do Estado democrático tem por

finalidade assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,

o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.96 E de

maneira clara e precisa, estabelece no seu artigo 1.º que a República Federativa do Brasil

95 Ver artigos 11 a 21 do novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406 de 10 de janeiro do ano de 2002. 96 LEONI, J.M. Lopes de Oliveira. Novo Código Civil anotado. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 52.

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constitui um Estado democrático de Direito e tem como fundamento, entre outros a

dignidade humana.97

Não se pode esquecer, ainda, que após a promulgação da Lei 8.078/90, que deu origem

ao Código de Defesa do Consumidor, a prestação de serviços médicos passou,

definitivamente, a ser vislumbrada como uma relação de consumo.

Assim sendo, em consonância com o Código de Defesa do Consumidor, o médico

possui o dever, e aqui leia-se obrigação, de prestar todos os esclarecimentos e informações

ao paciente, para que ele possa anuir consciente com a prestação de serviço que será

efetivada.

Nos mais variados países do mundo existe o entendimento de que o consentimento

informado é, na realidade, um necessário processo decisório por meio do qual há troca de

informações e de impressões entre médicos e pacientes. Entretanto, a mesma certeza e

uniformidade não se traduzem igualmente mundo afora nas características, nas formas, nas

informações a serem prestadas e até mesmo nos procedimentos que requerem o

consentimento informado. Cada país tem a sua jurisprudência e legislação, o que implica

escolhas próprias e particulares, sobretudo quando envolvem um tema tão controverso

como esse.98

97 LEONI, J.M. Lopes de Oliveira. Novo Código Civil anotado. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 52. 98 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 297/298.

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No Brasil já se pode contar com decisões judiciais, com o enriquecimento da doutrina,

com legislações aplicáveis em várias áreas do direito, além de resoluções do Conselho

Nacional de Saúde e dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina.99

Somente no Código de Defesa do Consumidor100 encontram-se inúmeros artigos

relacionados ao dever de informar. Não se pode olvidar, ainda, da transparência e da boa-fé

objetiva,101 que estão diretamente relacionadas com a obrigação de informação.

A comunicação é um valor máximo da pós-modernidade, associado à valorização

extrema do tempo, do direito como instrumento de comunicação, de informação, como

valorização do eterno e do transitório, do congelar momentos e ações [...] A comunicação

é o método de legitimação (Sprachspiele), a ética e a filosofia é discursiva. O

consentimento legitimador [...] é só aquele informado e esclarecido. A narração é a

conseqüência deste impulso de comunicação, de informação, que invade a filosofia do

direito e as próprias normas legais.102

99 Um forte exemplo é o artigo 15 do Código Civil, a saber, verbis: Ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou a internação cirúrgica. 100 Lei 8.078/90. 101 [...] a boa-fé objetiva ou normativa, assim entendida a conduta adequada, correta, leal e honesta que as pessoas devem empregar em todas as relações sociais. [...] As partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. [...] E assim é, porque a boa-fé é o princípio cardeal [...] que permeia toda a estrutura do ordenamento jurídico, enquanto forma regulamentadora das relações humanas. [...] considera-se violado o princípio da boa-fé sempre que o titular de um direito, ao exercê-lo, não atua com a lealdade e a confiança esperáveis. In Comentários ao novo Código Civil, volume XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios / Carlos Alberto Menezes Direito, Sérgio Cavalieri Filho. – Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 141/143. 102 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1.º a 74: aspectos materiais / Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. 1.ª ed. 2.ª tiragem, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 119.

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A informação prestada ao paciente103 e o dever, e aqui leia-se obrigação, de informar do

médico104 faz com que se efetive o direito de escolha livre e consciente do paciente.

Para uma melhor compreensão, o artigo 6.º, por intermédio dos seus incisos II e III da

Lei 8.078/90, prescreve que o consumidor possui por direito básico ter acesso a

informações adequadas e claras em relação ao serviço que será prestado.105

Consideram-se, ainda, os artigos 4.º caput e IV, 8.º e parágrafo único, 9.º, 12, 14, 18, 20,

30, 31, 33, 35, 36 parágrafo único, 37, 38, 46 e 54, que sem dúvida complementam os deveres

de transparência, boa-fé e informação.

Importante consignar que, nos dias de hoje, difundem-se informações com muita

freqüência, seguindo as escolas européias e norte-americanas, o que não se aplica totalmente

a grande parte dos povos de nossa América. Sua população indígena pobre, carente do direito

mais elementar de aprender a ler e escrever, não consegue compreender a explicação do

médico, e, por conseguinte, não pode consentir aquilo que não consegue entender, pois não

lhe é possível discernir entre o que pode ser bom ou mau para ele, sem poder realmente

avaliar em primeiro lugar o que pode ser bom ou mau para qualquer um.106

103 Albergado pela Lei 8.078/90, como consumidor. 104 Classificado pela Lei 8.078/90, como prestador de serviço. 105 Artigo 6.º São direitos básicos do consumidor: [...] II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; 106 PÉREZ, Jorge González e MONTESINOS, Marlenne Basanta. La bioética: uma reflexión desde el punto de vista del derecho médico. Revista Brasileira de Direito Médico, www.revistadedireitomedico.com.br.

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No que diz respeito às fontes alienígenas, deve-se asseverar que existem, além dos

governos legalmente constituídos, organizações internacionais privadas que vêm

contribuindo para o desenvolvimento do direito relacionado à área biomédica. Porém, não

se pode esquecer que em sua grande maioria as normatizações criadas por estas instituições

não possuem força vinculativa.

Começamos, em primeiro lugar, por destacar a Declaração Universal dos Direitos

Humanos (1948), o Pacto das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos (1966) – cujo

art. 7.º dispõe: “Ninguém será submetido a tortura nem a pena ou tratamentos cruéis,

desumanos ou degradantes. Em particular, é proibido submeter uma pessoa a uma

experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento”107 – o Pacto das Nações

Unidas sobre direitos econômicos, sociais e culturais (1966). No âmbito da UNESCO

merece especial atenção a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do

Homem (1997). A Organização Mundial de Saúde, por seu turno, tem produzido

Declarações108, Resoluções109 e Convenções110 com grande importância nesta matéria.111

No direito português, o consentimento informado já se encontra consagrado no plano

constitucional, penal, civil e inclusive na legislação relacionada ao direito médico.

107 Esta é a única disposição de direito internacional positivo que prevê a obrigação do consentimento (se exceptuarmos a CEDHBio em vigor em relativamente poucos países). Cfr. Rede Europeia “Medicina e Direitos do Homem”, A Saúde face aos Direitos do Homem, à Ética e às Morais, p. 366. 108 Declaração sobre a Promoção dos Direitos dos Pacientes na Europa, Amsterdão, 28-30 de Março de 1994, OMS, Secretaria Regional da Europa. 109 V.g. Resolução de 14 de Maio de 1997 sobre a clonagem.

110 Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1990.

111 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra Portugal: Editora Coimbra 2004, p. 79/80.

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Nos Estados Unidos da América do Norte, os termos de consentimento informado são

obrigatórios para cada procedimento a ser realizado no paciente. Em termos de

administração dos Riscos na Saúde (Healthcare Risk Management), os termos fazem parte

de todo um processo de prevenção de riscos de perdas, dentre estas as despesas pagas a

título de indenização.112

A necessidade de obter o consentimento informado assenta na protecção dos direitos à

autodeterminação e à integridade física e moral da pessoa humana.113

Por derradeiro, não se pode esquecer que o primeiro bem jurídico que se torna

merecedor da tutela protetora do Direito é o primado da vida humana.114

10 – CONCLUSÕES

Em razão do estudo realizado para a elaboração da presente dissertação, pode-se

afirmar ser imprescindível a elaboração do consentimento livre e esclarecido nas relações

profissionais na área de saúde, mormente na área médica.

112 ROBERTO, Luciana Mendes Pereira. Responsabilidade civil do profissional de saúde & consentimento informado. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 232. 113 DIAS PEREIRA, André Gonçalo. O consentimento informado na relação médico paciente. Coimbra Portugal: Editora Coimbra 2004, p. 79/80. 114 Em seu aspecto etimológico, vida deriva do latim vita, de vivere (viver, existir), designa propriamente a força interna substancial, que anima, ou dá ação própria aos seres organizados, revelando o estado da atividade dos mesmos seres [...] No sentido jurídico, a vida, denominada especialmente de civil, entende-se a soma de atividades que possa ser exercida pela pessoa, consoante preceitos e princípios, que se instituem na leis vigentes. E nesta vida civil a pessoa tem a faculdade de fruir todas as vantagens e prerrogativas, que lhe são atribuídas como cidadão e como ser humano. A vida civil, no homem, inicia-se com o nascimento, extinguindo-se com a morte, sendo assim correlata com a própria personalidade, que se adquire com o nascimento com vida. In SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1484.

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Independente de sua natureza jurídica, o consentimento livre e esclarecido é hoje

documento essencial e indispensável no relacionamento entre médico e paciente. Por essa

razão é peça essencial e elemento probatório fundamental para a defesa dos profissionais da

área de saúde em processos judiciais, administrativos e éticos e esta alicerçado na

autonomia da vontade do paciente – uma das faces do princípio da dignidade da pessoa

humana – e tornou-se uma das principais ferramentas conceituais da ética médica.

O consentimento livre e esclarecido não deve ser visto meramente como um formulário

impresso que o paciente deve assinar antes do início do tratamento ou da intervenção

cirúrgica. Tal entendimento é condenável no sentido ético e deontológico e possui valor

probatório diminuto por ter sido corrompido em sua origem.

Deve-se ter em conta que, ao prestar os devidos esclarecimentos ao paciente e ao obter

dele o livre consentimento para o exercício e efetivação do tratamento ou da intervenção

cirúrgica, o médico não estará apenas obedecendo ao ordenamento legal, ético e

deontológico, mas estará, antes de tudo, exercendo seu munus com responsabilidade,

respeito, dignidade e praticando a boa prática clínica.

Na falta de legislação específica a respeito do consentimento livre e esclarecido cabe ao

poder judiciário, aos Conselhos Regionais e ao Conselho Federal de Medicina estarem

atentos para os casos concretos que alcançam às suas portas e analisarem-nos dentro das

cláusulas gerais de boa-fé objetiva e de transparência, aplicando, ainda, os princípios da

razoabilidade e ponderabilidade, o que tornará cada caso único dentro de suas

características.

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11 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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