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CONSIDERAÇOES SOBRE A DISTRIBUiÇÃO DE BENS NO BRASIL ORLANDO FIGUEIREDO excessivo o custo da Mercadização? Esta per- gunta, provàvE'lmente, tocaria a sensibilidade de uma dona de case, de um fazendeiro, de um pequeno varejista ou de um professor universitário. Se fôsse realizado um plebiscito, na próxima semana, a fim de ser decidido celocar ou não fora da lei as ativi- dades de mercadização (sem uma explicação clara de como a economia poderia funcionar sem elas) o povo americano. na certa, daria uma vitória res- sonante para o 'Sim'." E. ]EROME MCCARTY (Professor de Me'l"cadologia) Talvez não haja um campo de economia brasileira onde a falta de estudos e informações se faça sentir tanto como no da mercadização de produtos. Os dados oficiais forne- cidos pelos recenseamentos e inquéritos econômicos dei- xam muito a desejar e estudos detalhados sôbre a distri- buição de produtos individuais são, pràticamente, inexis- tentes. Alguma atenção tem sido dispensada ao problema da co- mercialização de produtos agrícolas, em virtude de sua importância na explicação dos altos preços de gêneros ali- mentícios nos centros urbanos. Mas mesmo aqui, infor- mações detalhadas sôbre o fluxo da comercialização, nú- mero, despesas e lucros dos diversos intermediários, faci- lidades de crédito e armazenamento etc. são limitadas. O estudo mais extensivo já realizado neste setor talvez seja ORLANDO FIGUEIREDO - Professor-Adjunto, Departamento de Mercadologia, Coordenador do Curso Intensivo de Administradores e Co-Chefe do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo.

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CONSIDERAÇOES SOBREA DISTRIBUiÇÃO DE BENS NO BRASIL

ORLANDO FIGUEIREDO

"É excessivo o custo da Mercadização? Esta per-gunta, provàvE'lmente, tocaria a sensibilidade de umadona de case, de um fazendeiro, de um pequenovarejista ou de um professor universitário. Se fôsserealizado um plebiscito, na próxima semana, a fimde ser decidido celocar ou não fora da lei as ativi-dades de mercadização (sem uma explicação clarade como a economia poderia funcionar sem elas)o povo americano. na certa, daria uma vitória res-sonante para o 'Sim'."

E. ]EROME MCCARTY(Professor de Me'l"cadologia)

Talvez não haja um campo de economia brasileira ondea falta de estudos e informações se faça sentir tanto comono da mercadização de produtos. Os dados oficiais forne-cidos pelos recenseamentos e inquéritos econômicos dei-xam muito a desejar e estudos detalhados sôbre a distri-buição de produtos individuais são, pràticamente, inexis-tentes.Alguma atenção tem sido dispensada ao problema da co-mercialização de produtos agrícolas, em virtude de suaimportância na explicação dos altos preços de gêneros ali-mentícios nos centros urbanos. Mas mesmo aqui, infor-mações detalhadas sôbre o fluxo da comercialização, nú-mero, despesas e lucros dos diversos intermediários, faci-lidades de crédito e armazenamento etc. são limitadas.O estudo mais extensivo já realizado neste setor talvez seja

ORLANDO FIGUEIREDO - Professor-Adjunto, Departamento de Mercadologia,Coordenador do Curso Intensivo de Administradores e Co-Chefe do Centro dePesquisas e Publicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo.

50 DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL R.A.E.j8

o levantamento realizado pelos consultores econômicosKlein e Saks, em 1954, a pedido do Ministério da Fa-zenda. (1) Embora falho no que se refira a detalhes daspráticas de mercadização, êste estudo apresentou conclu-sões contundentes. Segundo os autores, o Brasil produziasuficiente volume de gêneros alimentícios para suprir omercado interno, estando ainda capacitado a exportaralguns artigos industrializados. Entre a produção e o con-sumo, entretanto, existia um grande desperdício que po-deria ser evitado. Por falta de transporte e armazena-mento adequados cêrca de 30% das safras de certos pro-dutos eram destruídos antes de chegar ao consumidor final.

A falta de informações sôbre a estrutura de distribuiçãonão só impede a promoção de medidas efetivas de assis-tência e fiscalização por parte do govêrno, como tambémnão permite que as emprêsas particulares envidem esfor-ços no sentido de racionalizar a distribuição de produtose reduzir os custos de distribuição. Por outro lado, estafalta de informações faz com que, expressões como "tuba-rões", "atravessadores" etc., próprias para identificar cer-tos tipos de práticas comerciais, sejam fàcilmente genera-lizadas para envolver tôda a gama de intermediários ho-nestos e eficientes no processo de distribuição. Além dosfabricantes, os atacadistas e os varejistas desempenhamfunções vitais num sistema econômico, tais como armaze-namento, financiamento, informação sôbre o mercado e, deum modo geral, criação das utilidades de tempo e lugar.

Do ponto de vista da sociedade o interêsse deve ser con-centrado no desempenho mais econômico possível das fun-ções de distribuição. Para muitos produtos a experiênciade outros países tem mostrado que os fabricantes só po-dem desempenhar estas funções a custos mais elevadosdo que os intermediários pois lhes faltam a especialização ea competência necessárias, visto que seu interêsse e orien-tação se concentram na melhoria da eficiência produtiva.

1) Relatório Klein e Saks, "O Problema da Alimentação no Brasil", Comis-são de Desenvolvimento Industrial, Rio de. Janeiro, 1954.

R.A.E/R DISTRIBmçÃ0 DE BENS NO BRASIt

Algumas destas funções podem ser transferidas do inter-mediário para o consumidor (eliminação de entregas e definanciamento, por exemplo) na expectativa de que aseconomias resultantes passem para o consumidor na formade menores preços.

Como pouco ou nada se sabe a respeito dos processos dedistribuição de bens manufaturados no Brasil, nós nos pro-pusemos a percorrer as estatísticas oficiais à procura dedados que pudessem esclarecer o problema. Os resulta-dos não foram, partlcularmente, auspiciosos, mas a buscanão foi de todo infrutífera. Descobrimos, por exemplo,que uma série de quesitos de interêsse para os estudiososdos problemas de distribuição foi incorporado pela pri-meira vez, nos Censos Industrial e Comercial de 1950.Entretanto, os resultados completos dêstes Censos (par-ticularmente as informações que nos interessavam) só fo-ram publicados em 1957. E como os dados do recensea-mento de 1960 só estarão disponíveis dentro de algunsanos, cabe apresentar aqui somente as conclusões a quechegamos, com base nas informações censitárias de 1950,alguns poucos dados para anos recentes e observações pes-soais.

PANORAMA DAS VIAS DE DISTRIBUIÇÃO

O Quadro 1 apresenta os tipos de instituições comerciaisexistentes no Brasil e sua importância relativa, de acôrdocom o levantamento censitário de 1950. As figuras 1 e 2ilustram a distribuição das vendas totais por tipo de insti-tuição atacadista e varejista, respectivamente.

Deve-se notar, antes de mais nada, que as definições em-pregadas pelo Serviço Nacional de Recenseamento são, àsvêzes, ambíguas, o que dificulta a caracterização de certosestabelecimentos. Assim, por exemplo, o tipo de interme-diário chamado "funcional" na literatura mercadológica,ou seja aquêle que desempenha uma série de funções co-merciais mas não toma posse da mercadoria com que tran-saciona, é encontrado na parte de "Atividades Auxiliares

52 bISTRIBUIÇÂO bE BENs NO BRASiL R.A.E.;a

QUADRO 1: TIPOS DE INSTITUIÇÕES COMERCIAIS EXISTENTES

NO BRASIL - 1950

N.O de Estebe- Vendas Vendaslecimentos (bilhões Cr$) (0/0)

Atacado

Atacadistas em Geral 15890 63,8 55,3

Exportadores 477 21,3 18,5

Distribuição da Produção da Pró-pria Emprêsa 2220 18,4 15,9

Intermediários de Prcdutos Rurais 7742 6,8 5,9

Comissários de Exportação 95 2,9 2,5

Cooperativas de Atacado 174 2,2 1,9

Total-Atacado 26598 115,4 100,0

Varejo

Varejistas Únicos 220746 41,9 66,0Matrizes e Filiais 13720 14,0 22,0Filiados a Emprêsas Industriais 11 709 6,0 9,4Cooperativas de Varejo 763 1,0 1,6Outros Varejistas 1120 0,6 0,9

Total-Varejo 248058 63,5 100,0

Fonte: IBGE, Censo Comercial de 1950, Rio de Janeiro

do Comércio" na forma de representantes, corretores e se-ções de venda de emprêsas industriais e comerciais. (2)Por outro lado, alguns tipos de. comissários de exportaçãoe exportadores que agem desta forma estão misturadoscom os atacadistas propriamente ditos na parte do "Co-mércio Atacadista" .

Se observarmos o grupo dos atacadistas e considerarmossomente aquêles que transacionam, essencialmente, combens manufaturados acrescidos dos produtos da indústriaextrativa, temos as duas categorias seguintes: Atacadistasem Geral, com um movimento de vendas de 63,8 bilhõesde cruzeiros durante o ano recenseado; e os Distribuidoresda Prcx1ução da Própria Emprêsa, com um faturamento de18,4 bilhões de cruzeiros para o mesmo período.

2) Vide no Anexo n.? 1 as definições utilizadas pelo Censo.

R.A.E./H DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL 53

Assim, do .total de 82 bilhões de cruzeiros transacionadosno atacado, cêrca de 22 % representaram vendas de filiaisatacadistas de indústrias. Esta porcentagem é, na reali-dade, ainda maior, pois das vendas dos "Atacadistas emGeral", deveríamos deduzir as vendas de produtos agríco-las, cujo montante é difícil de ser estimado.

Além disso, segundo instruções do Censo, "a distribuiçãode produtos da indústria, realizada diretamente pelos pro-dutores só ficou registrada no Comércio de mercadorias,tratando-se de vendas para o Exterior, de venda a varejo,ou de vendas por atacado feitas através de emprêsas pro-dutoras, instaladas para êsse fim". (3) Isto significa queas vendas realizadas pelas fábricas a consumidores indus-triais e a grandes organizações varejistas diretamente dosarmazéns ou escritórios das indústrias não estão incluídasna classificação "Distribuidores da Produção da PrópriaEmprêsa" .

Tudo isso nos permite concluir que uma parcela substan-cial do movimento atacadista de produtos industrializa-dos é realizada pelas próprias emprêsas que dessa manei-ra procuram atingir, diretamente, o varejista ou o consu-midor industrial. Maiores detalhes sôbre êste fenômenode integração vertical, assim como uma análise das pro-váveis causas desta eliminação do atacadista, serão apre-sentados a seguir.

No que se refere às instituições varejistas, é digno de notao fato de que cêrca de 22% das vendas no varejo de 1950foram realizados pela categoria "Matrizes e Filiais", ouseja as lojas em cadeia. Tendo em vista a eficiência e obaixo custo dêste sistema de distribuição e o seu sucessonos Estados Unidos e na Europa, é de se esperar que oCenso de 1960 registre um grande incremento neste tipode atividade (convém lembrar que, em 1950, os super-mercados ainda eram desconhecidos entre nós) .

~f':.'IT'.3) IBGE, "Brasil, Censos Comercial e dos Serviços", Rio de Janeiro, 1957,pág , XXXVI.

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FIGURA 1

DISTRIBUiÇÃO DAS VENDAS NO ATACADOPOR TIPO DE ESTABELECIMENTO

D ATACADISTAS EM GERAL m INTERMEDIÁRIOS DEPRODUTOS· RURAIS

EXPORTADORES COMISSÁRIOS DEEXPORTAÇÃO

_COOPERATIVAS DE

- ATACADO

R A E /8 D1STRIBUI(:ÃO DE BENS NO BRASIL 55

FIGURA 2

DISTRIBUiÇÃO DAS VENDAS NO VAREJOPOR TIPO DE ESTABELECIMENTO

D VAREJISTAS ÚNICOS FILIADAS A EMPRÊSASINDUSTRIAIS

fft<~~MATRIZES E FILIAIS_

COOPERATIVAS DEVAREJO

OUTROS VAREJISTAS

DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRAsIL R.A.E./ii

Também digno de registro é o fato de que, aproximada-mente, 10% das vendas no varejo foram efetivados porestabelecimentos "Filiados a Emprêsas Industriais", o querepresenta outro indício do esfôrço dos industriais no sen-tido de alcançar mais diretamente o consumidor final. Osucesso obtido por organizações como as Lojas Pernambu-canas com êsse sistema de distribuição está a indicar que,dadas as características do mercado brasileiro, existem van-tagens potenciais neste processo.

A INTEGRAÇÃO VERTICAL NO COMÉRCIO

Embora interessantes, as considerações acima não escla-recem muito a respeito dos problemas e das práticas dedistribuição de bens econômicos no Brasil. Nossa buscapor maiores detalhes resultou na localização de alguns da-dos que, apesar de incompletos, fornecem uma idéia doestágio inicial do fluxo de mercadorias do produtor ao con-sumidor final.

Dessa maneira, para o Brasil, a produção industrial da1949 foi assim distribuída (4):

Milhões Cr$ "'0Vendas a revendedores 58284 53,0Vendas a consumidores finais (in-clusive ccn umidores industriais) 19358 17,5

Transferências para outros estabe-lecimentos da própria emprêsa 32451 29,5

Distribuição Total 110093 100,0

o Censo não fornece, infelizmente, a parcela destinada aoatacado ou varejo, a proporção que alcança diretamenteo consumidor familiar e a fração das transferências queconstitui processamento e não venda.

O Quadro 2 apresenta os padrões de distribuição por ramoindustrial. Nêle incluímos também as porcentagens parao Estado de São Paulo que, dada sua grande participação,influencia, consideràvelmente, a distribuição total.

"') Excluídos Os serviços prestados e as vendas ao enerior. Também não fo-ram incluídos os serviços de utilidade pública ea indústria da construçêo civil.

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58 DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL R.A.E./S

Observa-se que os diversos ramos industriais apresentamsensíveis diferenças entre si. Os da borracha e do fumoconcentram sua distribuição em transferências (53,1 e85,1 %, respectivamente), enquanto que os extrativos, me-cânicos, de minérios não-metálicos, de madeira e gráfica,distribuem mais de 40% de sua produção diretamente aconsumidores. As transferências, mencionadas acima, po-dem se destinar a processamento adicional, pois isso é típi-co das indústrias da borracha e do fumo. Entretanto, arêde de depósitos e revendedores de atacado nesses ramosdeve contribuir também para a alta porcentagem veri-ficada.

Quanto às indústrias do último grupo mencionado, cons-tituem elas as chamadas indústrias de bens de produçãoou bens industriais, para as quais a distribuição direta aoconsumidor industrial é a mais econômica e a mais fre-qüente. As razões para êsse fato podem ser encontradasna concentração geográfica dos consumidores (o Estadode São Paulo, por exemplo, abrange 76% da produçãoindustrial brasileira); no alto valor unitário das vendas'dêsses produtos; na necessidade de assistência técnica aosusuários e na necessidade de contatos diretos do fabri-cante com os responsáveis pela aquisição do equipamentoou matéria-prima em questão, para orientação sôbre o usodêsses produtos.

As indústrias de bens de consumo concentram, em geral,sua distribuição em revendedores, mas a proporção distri-buída ou transferida pelas próprias indústrias é substan-cial. Assim a indústria têxtil distribui 64,7% a revende-dores e 25,8% aos próprios distribuidores ou processado-res; a de produtos alimentícios, com 54,0 e 36,6%; e ado vestuário com 73,1 e 19,2%, respectivamente.

Se realmente uma porção substancial dos bens de consumoestiver sendo distribuída diretamente pelas emprêsas, queestariam assim assumindo funções de atacadistas ou mes-mo de varejistas, teríamos mais um indício de que estariaocorrendo entre nós o fenômeno da integração vertical, dereflexos importantes sôbre a vida econômica.

R.A.E./s DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL 59

INTEGRAÇÃO VERTICAL E RAMOS INDUSTRIAIS

A fim de avaliarmos a extensão dêsse fenômeno recorre-mos a um levantamento recente, que fornece informaçõesde grande interêsse, Trata-se de um levantamento reali-zado em 1961, baseado numa amostra estatística de 313emprêsas fabricantes de bens de consumo no Estado deSão Paulo. (5)

O Quadro 3 ilustra o "alcance das vendas" dos estabele-cimentos industriais pesquisados. Verifica-se que, em35,7% dos estabelecimentos as vendas são realizadas emnível de atacado e varejo, o que indica um esfôrço de ven-da direta a varejistas.

Em todos os setores industriais, com exceção do de pro-dutos farmacêuticos e artigos de toucador, e do de choco-late, encontra-se uma parcela de emprêsas que só vendea varejistas. Somente o setor de móveis e estofados adotao sistema de venda direta ao consumidor. Ainda nestesetor, como no de alimentação e no de chocolates, existea venda ao consumidor, combinada porém com a distri-buição em nível de atacado e varejo, da mesma forma queno setor de eletro-domésticos e têxtil, se combina com avenda a atacadistas.

É interessante verificar que, em outra apuração do mesmolevantamento, determinadas emprêsas grandes, em virtu-de de seus recursos financeiros, tendem a ampliar sua zonade influência ingressando na distribuição ao nível de ata-cado ou mesmo de varejo. Assim, 29% das emprêsas de200 ou mais empregados, dentro do setor de alimentação,vendem ao nível de atacado, varejo e até ao nível do con-sumidor; 67% das emprêsas de mesmo tamanho, no ramode chocolates, somente vendem ao nível de varejo; apenas33% das emprêsas grandes no ramo de produtos farma-cêuticos e de toucador vendem exclusivamente no atacado;sendo que as 67% restantes vendem também ao nível devarejo.

5) Publicações PMV, Pesquisas, Mercadologia e Vendas Ltda., "O Sistemade VenclaAem e a Remuneração dos Vendedores na Indústria de Bens de Con-sumo em São Paulo", São Paulo, 1961.

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R.A.E./S DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL 61

Inúmeras podem ser as causas desta tendência dos indus-triais para a integração vertical de suas atividades de dis-tribuição. Entre elas, destacamos as seguintes:

1) incidência do impôsto de vendas e consignações;

2) lucros excessivos e despesas elevadas de operação dosintermediários, que encarecem os produtos para o con-sumidor;

3) inexistência de distribuidores em certas regiões doPaís;

4) deficiência de transporte e armazenamento nas diver-sas regiões do País;

5) características de certos produtos (tamanho, pêso, bensperecíveis, valor unitário elevado etc.);

6) disposição dos industriais de exercerem maior contrôlesôbre vendas, promoção e serviços para seus produtos.

Embora tôdas essas razões contribuam para explicar o fe-nômeno da integração vertical e a diminuição da impor-tância de certas instituições comerciais no processo de dis-buição, focalizaremos nossa atenção nos itens (1) e (2)acima mencionados, isso porque êles exercem influênciadireta sôbre os custos de distribuição e assim determinama proporção dos recursos da economia destinados às tare-fas de mercadização.

FATÔRES DE ENCARECIMENTO DO PRODUTO

Costuma-se afirmar que a incidência sucessiva do impôstode vendas e consignações é fator importante para a expli-cação do encarecimento dos produtos no Brasil. Ainda,recentemente, em janeiro de 1963, a Assembléia Legisla-tiva do Estado de São Paulo, aprovou lei, isentando dêsseimpôsto, atacadistas de gêneros alimentícios e carnes ver-des, na expectativa de que essa medida causaria um bara-teamento dos preços ao consumidor.

62 DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL R.A.E./S

Costuma-se dizer também que o número de intermediáriosna mercadização de produtos agrícolas é excessivo. Acre-dita-se, ainda, que as margens de lucro de um grande nú-mero de intermediários, tanto no setor de bens manufatu-rados como no de produtos agrícolas, são excessivamenteelevadas.

Para a melhor compreensão do fenômeno dos custos de dis-tribuição no Brasil, podemos recorrer a uma simples for-mulação matemática. Avisamos ao leitor, antes de tudo,que esta formulação é, até certo ponto, tendenciosa, poisimplica num desconhecimento da verdadeira função dointermediário no processo de distribuição. As qualifica-ções necessárias serão apresentadas mais adiante.

Se chamarmos:

P, o preço de venda ao consumidor,

c, o custo de produção industrial,

M, a margem média de cada intermediário (lu-cro + despesas de operação),

i, o impôsto de vendas e consignações,

n, o número de intermediários

pode-se demonstrar que (6):

P = C [(1 + M) (1 + i)] n+ I

Tomemos o caso hipotético de um produto em que M -,= 20% e i = 5% (como é o caso de São Paulo). OQuadro 4 indica os efeitos da intermediação sôbre os pre-ços de venda.

6) Para uma formulação semelhante para o caso de um. produto agrícola,vide: "Análise Sumária de Algumas Causas Básicas da Carestia", Desenvol-vimento & Conjuntura, outubro 1959, pág , 84.

R.A.E./S DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL 63

QUADRO 4: EFEITOS DA INTERMEDIAÇÃO

(Supondo-se um Custo de Produção de Cr$ 100,00)

N.O de IntermediáriosO 1 2 3 4

Preço ao Consumidor Cr$ 126 Cr$ 159 Cr$ 200 Cr$ 252 Cr$ 318Efeito das Margens Cr$ 120 Cr$ 144 Cr$ 173 c-s 207 Cr$ 249Efeito do Irnpôsto deVendas e Consignações Cr$ 105 Cr$ 110 Cr$ 116 Cr$ 122 Cr$ 128

A primeira impressão que se tem ao se analisar o Quadro4 é a de que o consumidor está sendo espoliado, graças àação dos intermediários. Com efeito, mesmo consideran-do-se uma margem média de 20% que não é extorsiva, osimples trajeto tradicional - fabricante-atacadista-vare-jista - implicaria em um preço ao consumidor duas vêzesmaior do que o custo de produção. Só o irnpôsto de ven-das e consignações representa uma sobrecarga de 16% aofim dêste circuito.

Qual é o êrro de interpretação que estaríamos cometendose aceitássemos essa conclusão? A resposta é simples: ointermediário executa certas funções que são inevitáveisno processo de distribuição, tais como armazenagem, fi-nanciamento, concentração e dispersão, venda, coberturade riscos etc. Essas funções terão que ser desempenhadasde qualquer forma e as despesas incorridas. A eliminaçãodo atacadista ou do varejista não extingue as funções queêles exercem. Assim, da margem de 20%, uma parte serefere às despesas forçadas de distribuição e outra parteconstitui lucro do intermediário. Do ponto de vista daeficiência do sistema econômico só é interessante que. o.fabricante assuma estas responsabilidades se o puder fazercom maior eficiência e com menores custos. Para um nú-mero grande de produtos que exigem ampla distribuição,a experiência de outros países indica que a execução des-sas tarefas pelo fabricante, exclusivamente, implicaria emum custo proibitivo.

Estas considerações indicam que a execução pelo fabri-cante de algumas funções de distribuição pode ser vanta-

64 DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL R.A.E./8

josa no Brasil. Dizemos "pode ser vantajosa" proposita-damente. A eliminação de um dos intermediários pode serbenéfica para o consumidor no sentido de eliminar a rein-cidência do impôsto de vendas e consignações, desde queo fabricante desempenhe as funções dêsse intermediáriocom maior eficiência. Entretanto, se o acréscimo de lucroproveniente da execução das tarefas de mercadização fôrsubstancial, pode acontecer que o impôsto sôbre lucros ex-traordinários passe a ser um elemento de importância nadecisão do fabricante.

Quanto ao impôsto de vendas e consignações, a situaçãoé outra: a incidência sucessiva contribui substancialmentep~araa elevação do preço.

Se considerarmos um longo trajeto como, por exemplo, ode tecidos (fabricante-grossista-atacadista-varejista) oude inúmeros produtos agrícolas (com cinco intermediá-rios, em alguns casos), pode-se constatar, pelo Quadro 4,o quanto é encarecido o produto.

íNDICES DE EFICI1l:NCIA

Com o intuito de verificar até que ponto alguns fabrican-tes brasileiros podem desempenhar as funções de distri-buição de maneira mais eficiente do que os intermediá-rios regulares, utilizamos os dados censitários para ocômputo de alguns índices de eficiência. Convém salien-tar que os dados, sendo altamente agregativos e estandosujeitos às mais variadas condições de coleta, deixam mui-to a desejar. Entretanto, baseados na consistência dosdiversos índices empregados, podemos chegar a algumasconclusões.

Os índices de eficiência que adotamos são os seguintes:

1. Vendas por empregado;2. Vendas por estabelecimento;3. Rotação do Capital (Vendas/Capital Aplicado);4. Despesas de Operação em % das Vendas.

R.A.E./8 DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL 65

As seguintes instituições foram comparadas:

No Atacado: Atacadistas em Geral,

Distribuidores de Produção da Própria Em-prêsa;

No Varejo: Varejistas Únicos,

Matrizes e Filiais (Lojas em Cadeia),Varejistas Filiados a Emprêsas Industriais.

Os resultados são apresentados no Quadro 5. Devemosconfessar que os mesmos nos surpreenderam. Os índicesmostram, com uma consistência impressionante, nítida su-perioridade para os estabelecimentos mantidos por orga-nizações industriais, tanto no atacado, como no varejo.E isso acontece, quer se considere os totais ou os ramesmais importantes de produtos alimentícios e tecidos.

Uma exceção importante deve ser notada. No comérciovarejista de tecidos a categoria "Matrizes e Filiais" de-monstra certa superioridade sôbre a categoria "Filiados aEmprêsas Industriais". Aliás, êste tipo de lojas em ca-deia apresenta-se superior ao tipo "Varejistas Únicos". oque vem comprovar nossa observação sôbre a eficiênciadêsse tipo de organização varejista.

Como foi mencionado anteriormente, a experiência dos Es-tados Unidos demonstra que, para muitos ramos indus-triais, os fabricantes só podem desempenhar as funções dedistribuição a custos mais elevados do que os intermediá-rios, dada a natureza especializada das tarefas de distri-buição. No Brasil, em alguns setores, aparentemente, issonão está sucedendo. Acreditamos que a causa principaldêste fenômeno seja o baixo nível de eficiência das orga-nizações atacadistas e varejistas entre nós. Por outro lado,a distribuição geográfica do mercado brasileiro, as defi-ciências de transporte, armazenamento, crédito e outros fa-tôres típicos de uma economia em desenvolvimento, podemtrazer vantagens intrínsecas à integração vertical na distri-buição por parte das indústrias.

66 DISTRIBUIÇÃO DE BENS NO BRASIL R.A.B./S

QUADRO 5: íNDICES DE EFICI~NCIA DE ORGANIZAÇÕESATACADISTAS E VAREJISTAS - BRASIL

( 1949-1950)

Vendas Vendas Vendas

Pessoal N.o Estabel. Capital apl.(Cr$ (Cr$ (N,o)

1000) 1000)

Despesas--X !0OVendas(% )

Atacado - TotalAtacadistas em GeralPróprias Emprêsas

Prod. Alimentícios*Atacadistas em GeralPróprias Emprêsas

Tecidos**Atacadistas em GeralPróprias Emprêsas

Varejo - TotalVarejistas ÚnicosMatrizE'!! e FiliaisFiliados a EmprêsasIndustriais

Prod, Alimentícios***Varejistas ÚnicosMatrizE'!! e FiliaisFiliados a EmprêsasIndustriais

Tecidos****Varejistas ÚnicosMatrizE'!! e FiliaisFiliados a EmprêsasIndustriais

463784

524879

6911171

101203

355

69167

431

40038160

28418207

53309276

1901010

525

103389

466

135193

3371289

18,436,9

27,138,7

40,631,8

7,110,2

10,7

6,211,6

9,7

9,314,9

13,0'

15,310,0

10,07,4

12,510,7

14,916,7

9,0

13,111,3

6,3

14,815,6

17,1212 864

Fonte dos Dados Brutos: Brasil, Censos Comercial e dos Serviços, IBGE, 1957* Prcdutos Alimentícios, Bebidas' e Estimulantes

** Tecidos e Artefatos, Fios Téxteis, Artigos do Vestuário e de Armarinho*** Produtos Alimentícios, Bebidas e Estimulantes

**** Tecidos, Artigos do Vestuário e de Arrr.arinho

Nota: Despesas de Operação Incluem: salários, impostos e taxas (exclusiveo impôsto de vendas e consignações), aluguéis, arrendamentos, publi-cidade e prcpaganda, juros e despesas bancárias, fretes, seguros e pre-vidência social.

CONCLUSÕES

o presente artigo teve por finalidade apresentar uma vi-são panorâmica do problema da distribuição de bens noBrasil. Tratando-se de uma área de estudos pràticamen-te inexplorada entre nós, as conclusões a que chegamosdevem ser consideradas como hipóteses para orientar es-tudos futuros.

R.A.E./8 DISTRIBmçAO DE BENS NO BRASIL 67

Constatamos que no Brasil parece existir um conjuntode circunstâncias pressionando no sentido de uma distri-buição mais direta da produção industrial. A incidênciasucessiva do impôsto de vendas e consignações e a baixaeficiência de instituições atacadistas e varejistas consti-tuem fatôres de importância para a explicação dêsse fe-nômeno.Utilizando informações fornecidas pelos Censos Industriale Comercial de 1950 e dados mais recentes sôbre SãoPaulo, apresentamos algumas estimativas sôbre o destinodas vendas industriais.

Embora incompletas por falta de dados, nossas considera-ções sôbre custos de distribuição no Brasil parecem indicarineficiências no processo de distribuição de mercadorias noBra~H.Talvez uma das conclusões mais importantes dêste estudoseja a necessidade de melhoria dos métodos de operaçãodas organizações atacadistas e varejistas brasileiras, a fimde que possam dar uma contribuição positiva ao escoamen-to da crescente produção industrial. Certos obstáculos ins-titucionais ao desenvolvimento dos atacadistas, como o im-pôsto de vendas e consignações, sugerem uma razão aindamais premente para a necessidade de melhoria de métodose aumento da eficiência por parte dêsses intermediários.

Anexo 1

Definições Adotadas pelo Censo Comercial de 1950

ATACADISTAS

Atacadistas em Geral: estabelecimentos que adquirem mercadorias no Paísou no Exterior, para suprir o comércio varejista, outros atacadistas e consumi-dores nacionais (entidades públicas, consumidores industriais etc.).

Intermediários de Produtos Rurais: estabelecimentos que adquirem produtosagropecuários ou extrativos na fonte de produção, para revenda, comumente,a atacadistas em geral ou a exportadores, e que ainda pedem exercer o co-mércio a varejo de artigos de consumo.

Distribuidores de Produção da Própria Ernprêse: estabelecimentos mantidospor organizações industriais para a colocação dos eeus prcdutos no mercadointerno.

Exportadores: estabelecimentos que vendem principalmente para o Exterior,inclusive as' seções de exportação das indústrias.

Comissários de Exportação: agentes que operam, em conta própria ou emconsignação, com mercadorias destinadas à exportação.

Cooperativas: estabelecimentos dessas eociedades que cperam, predominante-mente, por atacado.

VAREJISTAS

Únicos: estabelecimentos pertencentes a emprêsas comerciare que não possuíamoutro eetabelecimento operando no comércio de mercadorias.

Matrizes e Filiais: estabelecimentos pertencentes a emprêsas comercrais quepossuíam dois ou mais estabelecimentcs explorando comércio de mercadorias.

Filiados a Ernprêses Industriais: estabelecimentos pertencentes a emprêsas in-dustriais, seja para a distribuição própria (inclmive as se-ções de vendas a va-rejo anexas aos estabelecimentos produtores), seja para a venda de mercado-rias adquiridas.

Entrepostos de Entidades Públicas: estabelecimentos pertencentes a órgãos dogovêrno, inclusive autarquias.

Cooperativas: estabelecimentos dessas sociedades, destinados ac fornecimentode artigos de consumo ou à distribuição, a varejo, da produção dos associados.