Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH
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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO ESCOLA DE GOVERNO PROFESSOR PAULO NEVES DE CARVALHO
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA INFRACIONAL E O CIA-BH
Elerson Márcio dos Santos
Belo Horizonte 2010
Elerson Márcio dos Santos
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA INFRACIONAL E O CIA-BH
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Segurança Pública e Justiça Criminal pela Fundação João Pinheiro. Orientador: Dr. Eduardo Cerqueira Batitucci
Belo Horizonte 2010
Dedico esse trabalho aos meus pais, a
minha esposa, a meus filhos e a todos
que caminham junto a meus passos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas valiosas oportunidades concedidas. Ao meu Anjo Guardião e demais amigos espirituais pela abnegação
constante. A dona Eva e ao senhor Antônio - pais queridos – pelos sonhos, lutas e
renúncias com os quais falaram, intensamente, de seu amor. A Denise, esposa e amiga, por toda dedicação e ideais inspirados. Aos meus filhos, Lucas e Pedro, por comparticiparem de minhas aspirações
mais caras. A d. Ana, ao Rafael e ao Daniel pela torcida inarticulada, mas sincera. Aos meus irmãos e demais familiares pelo apoio e votos de vitória. Aos meus professores e demais amigos. Por fim, ao meu orientador prof. Eduardo Cerqueira Batitucci.
"Há um elemento que quase não se faz pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de uma teoria: é a educação; não, a educação intelectual, mas a educação moral; tampouco a educação moral, através dos livros, mas a que consiste na arte de formar os caracteres, a que incute hábitos, pois a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Quando se considera a massa de indivíduos, lançados, todos os dias, na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues aos seus próprios instintos, devemos nos espantar com as conseqüências desastrosas que daí resultam?"
Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos”
RESUMO
O presente trabalho tem o escopo de ponderar sobre o impacto da
consolidação do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato
Infracional de Belo Horizonte - CIA\BH, no aparato da justiça infracional belo-
horizontina. Considerando a incidência dos atos infracionais, tráfico de drogas e
roubo, questiona-se sobre o perfil do adolescente autor destes atos ao tempo em
que se sublinha os mecanismos de atendimento praticados no CIA-BH. A discussão
é iniciada pela análise da relação existente entre o adolescente infrator e o Princípio
da Proteção Integral, considerado este último em sua abrangência e evolução
histórica no Brasil. A construção social do ato infracional, o direito penal juvenil, as
medidas socioeducativas e o sistema de justiça infracional juvenil se apresentam
como temas de revelo nesta pesquisa. Quer se demonstrar que a aplicabilidade dos
princípios infracionais acolhidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, é
dependente de sua compreensão pelos atores da justiça infracional e da sociedade
que podem facilitar sua implementação.
Palavras-Chave: Adolescente Infrator, justiça infracional, Direito Juvenil, Medidas
Socioeducativas
LISTAS DE SIGLAS
CEIP/DB - Centro de Internação Provisória Dom Bosco
CEPRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CIA-BH - Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional
de Belo Horizonte
CPB - Código Penal Brasileiro
CRSSJ - Centro de Reeducação Social São Jerônimo
DOPCAD - Delegacia de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
LA - Liberdade Assistida
MP - Ministério Público
PMMG - Polícia Militar do Estado de Minas Gerais
PSC - Prestação de Serviços à Comunidade
PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
REDS - Registro de Evento de Defesa Social
SAM - Serviço de Assistência aos Menores
SUASE - Subsecretaria de Estado de Atendimento às Medidas Socioeducativas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ........................................................................................... 10
3 O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL JUVENIL, O ATO INFRACIONAL E SUA CONSTRUÇÃO SOCIAL .......................................................................................... 18
4 O DIREITO PENAL JUVENIL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ................. 27
5 O CIA-BH E SEU FLUXO DE PROCEDIMENTOS ................................................ 35
6 OTRÁFICO DE DROGAS E O ROUBO: PERFIL DO ADOLESCENTE INFRATOR DA CIDADE DE BELO HORIZONTE ....................................................................... 44
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 59
8 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 61
8
1 INTRODUÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente representa novo paradigma jurídico
que desafia novos procedimentos por parte da Segurança Pública, tocante ao
adolescente autor de ato infracional.
Observa-se que os princípios jurídicos que o estruturam, ratificadores do
princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez expresso na Constituição
Federal (art. 1º, inc. III), se encontram em lenta sedimentação conceitual.
Resulta desta gestação principiológica não poucas divergências - seja por
parte dos sujeitos ativos da justiça criminal, considerada em todo o seu contingente,
seja por parte de grande parcela da sociedade e, incrível que pareça, até mesmo por
parte dos próprios adolescentes infratores e seu grupo familiar.
Vinte anos passados da edição da norma legal, percebe-se ainda grandes
dificuldades do Poder Público e seus atores, da sociedade e seus grupos, em torná-
la plenamente exequível. Incompreensões sobre sua natureza e sua finalidade se
consubstanciam em nódulos sociais de difícil erradicação. Sobretudo no que
respeita ao direito penal juvenil e sua práxis. O Estatuto, apesar disto e dos naturais
limites que lhe dizem respeito, foi concebido, quanto aos seus objetivos, de forma
bastante clara. Em sua intenção, uma vida mais digna e nobre - politica e
solcialmente referida - para o universo brasileiro de crianças e adolescentes. Em seu
propósito, a erradicação da exclusão social que rotula, estigmatiza e determina o
futuro de grande parcela da sociedade.
Muitos têm falado do ECA, positiva ou negativamente, nas academias ou
nos botequins, mas poucos parecem conhecê-lo de fato. O imaginário de muitos
geralmente o apreende como incentivador da criminalidade infanto-juvenil e como
opositor das "boas" práticas educacionais. A mídia de espetáculo aí se mistura e
amplifica o equívoco que corre a sociedade como verdade irreparável.
Não que a norma seja perfeita. Antes, pelo contrário. O dinamismo dos
fenômenos sociais não permite tal conclusão.
Almeja-se, apenas, evidenciar que os princípios jurídicos estruturantes do
Estatuto da Criança e do Adolescente merecem mais atenção por parte do conjunto
de instituições e profissionais responsáveis pela aplicação da lei em tela. Mais ainda
das instituições políticas. Pretende-se, também, apresentar a estrutura e proposta do
CIA-BH como alternativa de sucesso no enfrentamento desta questão.
9
Para o desiderato, o presente trabalho partiu da análise do conceito e
consolidação do Princípio da Proteção Integral no Brasil e sua imposição pelo ECA.
Sua abrangência, no que respeita ao adolescente autor de ato infracional, foi
estudada. Considerou-se a opção política pelo distanciamento da doutrina da
situação irregular.
Ligeira revisão bibliográfica sobre a construção social do crime, sob a ótica
da teoria interacionalista, e sua relação com o sistema de justiça infracional,
também, se impôs. Passou-se à análise do direito penal juvenil e das medidas
socioeducativas por ele impostas.
De mais importante, estudou-se a criação e os procedimentos do Centro
Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo
Horizonte/CIA-BH e o impacto daí resultante na prática da Segurança Pública e da
Justiça Infracional belo-horizontina.
A relevância da pesquisa sedimenta-se na compreensão das características
- dificuldades e facilidades - relacionadas ao andamento processual dos atos
infracionais, considerando-se o tempo de julgamento dos processos, desde a
lavratura do REDS e seu fluxo no Judiciário de Belo Horizonte, e os possíveis óbices
enfrentados pelos atores da justiça criminal infanto-juvenil. Por isto, o fluxo dos atos
infracionais tráfico de drogas e roubo (art. 157, caput, do CPB), no CIA-BH, mereceu
especial atenção. Bem assim, o perfil dos adolescentes autores destes atos foi
estudado.
A metodologia elegida, além da pesquisa bibliográfica, foi a consulta nos
arquivos do CIA-BH, principalmente os disponíveis na Vara de Atos Infracionais da
Infância e da Juventude de Belo Horizonte. O período pesquisado foi o primeiro
semestre do ano de 2010.
10
2 O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL E O PRINCÍPIO DA
PROTEÇÃO INTEGRAL
Ao se estudar o princípio da proteção integral – fundamento diretor das
interpretações das leis infanto-juvenis vigentes no Brasil - e sua abrangência em
relação ao adolescente autor de ato infracional, torna-se importante excursionar
sobre o historial brasileiro no que toca à sedimentação da responsabilidade penal do
adolescente e das respectivas políticas públicas concebidas para dirimir a
problemática social da infância e da juventude.
Em 1808, o direito penal, então condensado nas Ordenações Filipinas,
estabelecia a imputabilidade a partir dos sete anos de idade e determinava a
redução da pena ao menor, excluída a pena de morte. De dezessete aos vinte e um
anos, era preponderante a discricionariedade do julgador sendo possível a
aplicabilidade da pena fatal e, em certas circunstâncias, a diminuição da pena. A
partir dos vinte e um anos, a imputabilidade tornar-se-ia plena. De se notar o rigor
com que o infrator infanto-juvenil era tratado:
Antes de 1830, quando foi publicado o primeiro Código Penal do Brasil, as crianças e os jovens eram severamente punidos, sem muita diferenciação quanto aos adultos, a despeito do fato de que a menor idade constituísse um atenuante à pena, desde as origens do direito romano. A adolescência confundia-se com a infância, que terminava em torno dos sete anos de idade, quando iniciava, sem transição, a idade adulta. (SOARES, 2003)
Proclamada a Independência, o Brasil outorga a Constituição do Império em
março de 1824. Em 1830, sob a égide da Constituição Imperial, surge o primeiro
código penal – Código Penal do Império do Brasil. Fixou-se, então, a imputabilidade
penal plena a partir dos quatorze anos de idade. Um critério biopsicológico foi
elegido para a punição dos infratores entre os sete e quatorze anos. Tais menores
poderiam ser considerados criminosos se houvesse prova de que agiram com
discernimento na prática criminosa. Era possível o recolhimento em casas de
correção, desde que aprouvesse ao juiz. Já a existência de casas de correção para
menores representava um avanço ao se considerar a prevalência da punição sobre
a educação em assuntos criminais, notadamente na época evidenciada.
11
A análise da legislação em vigência no Brasil-Império, permite seja
vislumbrada a preocupação do legislador com o recolhimento das crianças em
orfandade.
No período Republicano, em 1890, promulga-se o Código Penal dos Estados
Unidos do Brasil. A imputabilidade penal plena continuou a observar os quatorze
anos de idade. Os menores de nove anos de idade, penalmente, eram considerados
irresponsáveis. Para o maior de nove anos e menor de quatorze, permanecia o
critério biopsicológico, baseado em sua capacidade de discernir. Ainda aqui, levava-
se em conta a apreciação do magistrado.
Rizzini (1997) esclarece que o Código Penal de 1890 foi objeto de
controvérsias e críticas pelo fato de ter sido concluído às pressas sem permitir a
discussão de questões importantes para o país. Tocante ao que concerne à infância,
foi encarado como um retrocesso em comparação ao código de 1830 já que
diminuiu a idade penal de quatorze para nove anos de idade. E isto em um momento
em que se debatia a necessidade de se evitar a penalização aplicada à criança e ao
adolescente. Proclamada a República, a elite social começa a discutir os destinos
das crianças. A temática passa a ser objeto de discussão política. Sublinha-se a
necessidade de intervenção estatal para educar e corrigir os menores para que se
transformem em cidadãos produtivos para o país, portanto, úteis economicamente,
em consequência dos reflexos sociais da Revolução Industrial.
Afirma Soares (2003), que as décadas iniciais do século XX são marcadas
por importantes inovações legislativas introduzidas no cenário internacional e
brasileiro e que a luta internacional pelos direitos da criança implantou a
reivindicação do reconhecimento de sua situação diversa da do adulto. Destarte, foi
criado o primeiro tribunal de menores em 1899, nos Estados Unidos, logo seguido
pela Inglaterra -1905, Alemanha -1908, Portugal e Hungria - 1911, França -1912,
Argentina -1921, Japão -1922, Brasil -1923, Espanha -1924, México -1927 e Chile -
1928.
Pondera Saraiva (2005), que por esta ocasião, paralelamente, veio-se
construindo a doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio
carência/delinquência. Adita que, se não mais se confundiam adultos com crianças,
desta nova concepção resultava outro mal: a consequente criminalização da
pobreza.
12
Foi neste contexto do início de século, marcado pelo caráter tutelar deste novo direito, no surgimento dos grandes aglomerados urbanos, da preocupação com o crescimento da delinqüência juvenil, a partir das premissas do Congresso de Paris, que se estabeleceram os fundamentos das legislações de menores no mundo, com o abandono do chamado caráter penal indiferenciado, adotando doravante caráter tutelar. Assim também no Brasil. O perverso binômio carência/delinqüência, que marcou a lógica operativa deste sistema, e a resultante confusão conceitual, não distinguindo os abandonados dos infratores, até hoje presente na cultura brasileira, foi o fundamento das primeiras legislações brasileiras em relação ao Novo Direito da Criança. Na linha deste caráter tutelar da norma, a nova ordem acabava por distinguir as crianças bem-nascidas daquelas excluídas, estabelecendo uma identificação entre a infância socialmente desvalida e a infância “delinqüente”, criando um nova categoria jurídica: os menores. (SARAIVA, 2005, p. 38)
Em 1927, sob esta conjuntura, é estabelecido o primeiro Código de Menores
do Brasil, que passa a ser conhecido como Código Mello Mattos. Determinava que o
menor abandonado ou delinquente - menor de 18 anos e maior de 14 anos - se
submeteria ao regime nele estabelecido. Confira-se alguns dispositivos:
Art. 69. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou Contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será submettido a processo especial, tomando, ao mesmo tempo, a autoridade competente as precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e da situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa incumbida de sua guarda. § 1º Si o menor soffrer de qualquer forma de alienação ou deficiencia mental, fôr epileptico, sudo-mudo e cego ou por seu estado de saude precisar de cuidados especiaes, a autoridade ordenará seja submettido ao tratamento apropriado. § 2º Si o menor não fôr abandonado, nem pervertido, nem estiver em perigo de o ser, nem precisar do tratamento especial, a autoridade o recolherá a uma escola de reforma pelo prazo de um n cinco annos. § 3º Si o menor fôr abandonado, pervertido, ou estiver em perigo de o ser, a autoridade o internará em uma escola de reforma, por todo o tempo necessario á sua educação, que poderá ser de tres annos, no minimo e de sete annos, no maximo Art. 70. A autoridade póde a todo tempo, por proposta do director do respectivo estabelecimento, transferir o menor de uma escola de reforma para outra de preservação. Art. 71. Si fôr imputado crime, considerado grave pelas circumstancias do facto e condições pessoaes do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18 annos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de individuo perigoso pelo seu estado de perversão moral o juiz Ihe applicar o art. 65 do Codigo Penal, e o remetterá a um estabelecimento para condemnados de menor idade, ou, em falta deste, a uma prisão commum com separação dos condemnados adultos, onde permanecerá até que se verifique sua regeneração, sem que, todavia, a duração da pena possa exceder o seu maximo legal.
Vale esclarecer que, no Estado Novo, a Revolução de 1930, de certo modo,
efetivou a derrubada das oligarquias rurais do poder político. Para alguns
13
estudiosos, nesta ocasião, inexistia um projeto político para o país pela ausência de
um grupo social legitimado que o pudesse pensar e praticar. Daí o ensejo para o
surgimento de um Estado autoritário que elegia nas políticas sociais o instrumento
de junção da sociedade ao projeto político da época.
O Estado Novo caracterizava-se, no campo social, pela organização do
aparelhamento cumpridor das políticas sociais no país. Pode-se destacar a
legislação do trabalho, a exigibilidade do ensino e a proposta previdenciária
vinculada à aderência profissional – objeto de críticas por sua não universalidade,
um tipo de cidadania condicionada, vinculada apenas aos que possuíam contrato de
trabalho. É evidente que tal estado de coisas não deixaria de atingir a infância e a
juventude marginalizada pelas políticas sociais.
Lado outro, com a promulgação do Código Penal, em 1940, a condição de
precocidade do menor passa a servir de base para o tema da responsabilidade
juvenil. A exposição de motivos do referido código, afirma, de forma expressa, que
“não cuida o projeto dos imaturos – menores de 18 anos – senão para declará-los
inteira e irrestritamente fora do direito penal, sujeitos apenas à pedagogia corretiva
da legislação especial”. Sublinha Saraiva (2005) que a aludida legislação especial
mantinha como proposta de atuação, sem distingui-los, os delinquentes e os
abandonados e que, no Governo de Getúlio Vargas, em atenção a esta clientela, foi
criado o SAM – Serviço de Assistência aos Menores, então, vinculado ao Ministério
da Justiça: um equivalente ao Sistema Prisional para a população infanto-juvenil.
Caracterizava-se o SAM por uma diretiva correicional-repressiva e se
sistematizava em internatos para adolescentes autores de infração e em instituições
agrícolas e escolas de aprendizagem de trabalhos urbanos para os menores
abandonados e carentes.
Com a queda do Governo Vargas, em 1945, uma nova constituição é
promulgada (1946) e dá ensejo ao retorno das instituições democráticas. Há o
restabelecimento da independência entre os três poderes, o retorno do
pluripartidarismo, a eleição direta para presidente e a liberdade sindical. Extingui-se
a pena de morte. Em 1950, instala-se a UNICEF no Brasil e destina seus primeiros
trabalhos à proteção da saúde da criança e da gestante.
Segundo Lorenzi (2007), do ponto de vista da organização popular, passam
a co-exististir duas tendências: o aprofundamento das conquistas sociais em relação
à população de baixa renda e o controle da mobilização e organização, que começa
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a surgir paulatinamente nas comunidades. O SAM passa a ser encarado, pela
opinião pública, como uma estrutura repressiva, desumanizante e se torna
conhecido como "universidade do crime".
Já a ditadura militar, imposta pelo golpe militar de 1964, instituiu novas
diretrizes à vida civil, conforme seu regime impositivo. O Estado se impunha
autoritariamente. Cerceamento à liberdade de expressão; retrocessos no que
respeita aos direitos sociais e individuais e, bem assim, práticas de punições e a
marginalização social caracterizavam algumas das decisões deste modelo estatal. É
no período de governo militar, tocante às questões da infância, que surgem dois
instrumentos político-sociais ratificadores do paradigma político vigente: A Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (Lei 4513, de 01/12/1964) e o Código de Menores
de 1979 (Lei 6697, de 10/10/1979).
A FUNABEM objetivava formular e sedimentar a Política Nacional do Bem
Estar do Menor. Fato singular é que a Fundação herda toda a estrutura logística do
SAM e, por consequência, toda sua cultura organizacional. O principal alvo da
FUNABEM era tornar-se a instituição modelo de assistência à infância e sua
sistemática se fundava na internação, assim dos abandonados e carentes como dos
autores de ato infracional.
Já o Código de Menores, em sua linha principiológica, não resultou em pleno
rompimento com a filosofia social acolhida pelo Código de Mello Mattos. A Doutrina
da Situação Irregular foi sua inspiradora ideológica.
Segundo Saraiva (2005), a Doutrina da Situação Irregular, grosso modo, se
define como aquela que determina que os menores passem a ser alvo da norma
apenas quando se encontrarem em estado de patologia social.
Por esta ideologia, “os menores” tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajustam ao padrão estabelecido. A declaração da situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrente da conduta do jovem ou daqueles que o cercam. Reforça-se a ideia dos grandes institutos para “menores” (até hoje presentes em alguns setores da cultura nacional), onde misturavam-se infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus-tratos com vitimizadores autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condição: estariam em “situação irregular”. (SARAIVA, 2005, p. 48)
15
Entende Saraiva (2005), que baseado nesta concepção de patologia social,
o Código de Menores de 1979, termina por incluir 70% da população brasileira como
objeto de sua tutela.
Analise-se o que tal Código dispunha a respeito:
“Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.”
Por isso, ter-se-ia afirmado, mais tarde, que quem estava em situação
irregular era o Estado.
Lorenzi (2007), ante a lei em comento, afirma ser interessante que o termo
"autoridade judiciária" apareça no Código de Menores de 1979 e na Lei da Fundação
do Bem Estar do Menor, respectivamente, 75 e 81 vezes, conferindo a esta figura
poderes ilimitados quanto ao tratamento e destino desta população.
Já na década de 1970, a Academia, por parte de alguns pesquisadores,
demonstra interesse em estudar a população em situação de risco, sobretudo a
situação afeta à criança de rua e do denominado delinquente jovem. O assunto
estudado, internamente pelas universidades, na plenitude da ditadura militar,
mostrou-se como forma de colocar em discussão as políticas públicas e os direitos
humanos. Surgem, então, as pesquisas pioneiras que se tornam referências
bibliográficas: a) “A criança, o adolescente, a cidade”: - CEBRAP - São Paulo, 1974
b) “Menino de rua: expectativas e valores de menores marginalizados em São
Paulo” - Rosa Maria Fischer, 1979 c) “Condições de reintegração psico-social do
delinqüente juvenil; estudo de caso na Grande São Paulo”: Tese de mestrado –
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Virgínia P. Hollaender – PUC/SP, 1979 e d) “O Dilema do Decente Malandro”: Tese
de mestrado – Maria Lúcia Violante, 1981.
Na década de 1980, os movimentos sociais pela infância e juventude
brasileira conquistaram vitórias de significado na sedimentação de seus ideais,
tendo como principal acontecimento a promulgação da Constituição de 1988.
Vale, entretanto, destacar as conquistas no plano internacional. Em 20 de
novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança
consagra o Princípio da Proteção Integral que passa a ter força cogente para os
Estados signatários, entre eles, o Brasil. De grande importância, também, as normas
internacionais consubstanciadas nas Regras de Beijing (1985), nas Regras das
Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade (1990) e
Diretrizes de Riad (1990). Este último conjunto normativo cinde com o obsoleto
entendimento tutelar do menor em situação irregular, e concebe a criança e o
adolescente como sujeitos de direito e não, apenas, objetos da lei.
Sublinhe-se que a Constituição Federal de 1988 acolheu plenamente o
princípio da proteção integral ora expresso no artigo 227. Determinou, ainda, que os
menores de 18 anos de idade são penalmente inimputáveis (art. 228).
Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069, de
13 de setembro de 1990 – a Doutrina da Proteção Integral é consolidada no plano
nacional e resulta em substanciais modificações no plano jurídico, político e cultural
brasileiro.
A partir daí, uma alteração paradigmática é iniciada e se encontra em
processo de sedimentação.
A Doutrina da Proteção Integral tem como pressuposto a concepção de que
os adolescentes são sujeitos de direitos; que devem ter respeitado sua condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento; e que têm absoluta prioridade na
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária. Esta garantia de prioridade
compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas
com a proteção à infância e à juventude.
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Note-se que a Proteção Integral é a efetivação de uma vida digna ao
adolescente, incluindo-o ainda que em conflito com a lei: quando autor de ato
infracional.
Repita-se: o Estatuto da Criança e do Adolescente acolhe a Doutrina da
Proteção Integral. Eis seu primeiro artigo: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral
à criança e ao adolescente”.
Frise-se que, em conformidade com este princípio, os cuidados e atenções
devem abranger a todos as crianças e adolescentes, sem qualquer distinção,
mesmo que seja econômica. Alcança a norma, portanto, todas as crianças e jovens,
desde o momento da concepção.
A proteção integral se baseia, fundamentalmente, no princípio do melhor interesse da criança, critério consagrado no direito comparado e revelado nas expressões the best interest of the child do direito norte-americano e no kindeswohl do direito germânico. Trata-se da chamada regra de ouro do Direito do Menor, atual Direito da Criança e do Adolescente, acolhida na jurisprudência de diferentes países. Pode-se proclamar que os interesses da criança e do adolescente, considerados como sujeitos de direito, são superiores porque a família, a sociedade e o Estado, todos estão compelidos a protegê-los, tendo em conta a sua peculiar condição de pessoas em formação e desenvolvimento. (COSTA, 2004, p. 2)
Concebe-se, aqui, a criança e o adolescente, independente da situação em
que se encontra, autora ou não de ato infracional, como titular de uma cidadania
plena, que se traduz no reconhecimento e concretização de todos os direitos
humanos, sejam gerais ou específicos, para além de todos as prerrogativas
asseguradas aos adultos.
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3 O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL JUVENIL , O ATO INFRACIONAL
E SUA CONSTRUÇÃO SOCIAL
Cada período histórico tem leis penais que lhe são peculiares. A história
noticia sobre os mais variados artifícios punitivos, desde o suplício corporal aos que
se incluem nos modernos conceitos apresentados pela criminologia.
Ao olhar de Foucaut (2007), já a partir do século XIX, o instituto da pena
passa a ter como diretriz o controle sobre os indivíduos, notadamente no que tange
à sua periculosidade. Tal controle se caracterizava pelo governo, não daquilo que,
de fato, o individuo praticava ante os ditames de uma lei efetiva mas, sobretudo, por
uma visão preconceituosa do virtual perigo que este mesmo indivíduo impõe à
sociedade.
Tal controle, hodiernamente, não é exercido apenas pelo judiciário, que por
si só não tem força para tanto, mas por todo aparato da justiça criminal e bem assim
por setores representativos da sociedade, dentre eles - e principalmente - a mídia de
espetáculo e todos aqueles que se seduzem com seu canto de sereia e se erigem
como formadores de opiniões quase sempre contestáveis pelas ideologias que
representam.
Assim é que a polícia, as penitenciárias, os Centros de Internação
(provisória e definitiva), as Unidades de Semiliberdade, os centros de tratamento
psiquiátrico e toda uma rede de instituições de vigilância e correção tomam lugar no
contexto.
É assim, que no século XIX, desenvolve-se, em torno da instituição judiciária e para lhe permitir assumir a função de controle dos indivíduos ao nível de sua periculosidade, uma gigantesca série de instituições que vão enquadrar os indivíduos ao longo de sua existência; instituições pedagógicas como a escola, psicológicas ou psiquiátricas como o hospital, o asilo, a polícia, etc. Toda essa rede de um poder que não é judiciário deve desempenhar uma das funções que a justiça se atribui neste momento: função não mais de punir as infrações dos indivíduos, mas de corrigir suas virtualidades (FOUCAULT, 2005, p. 86).
Vale sublinhar que a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente,
pautado no Princípio da Proteção Integral, interferiu nas políticas de segurança
pública ao exigir da administração pública sua obediência às regras a que vinha de
se referir. Resultou daí a sedimentação gradativa – ainda em curso – de uma justiça
criminal, inclusive em termos conceituais, peculiar ao jovem desviante.
19
Entretanto, se é clara a ruptura havida no campo teórico-jurídico-sociológico,
com base nas concepções da Doutrina da Proteção Integral e em suas exigências, é
fácil perceber, a despeito de nobres e raras exceções, que no campo das
realizações controladoras do indivíduo jovem que se supõe desviado, que a
reprodução do modelo controlador antigo se efetiva. Isto porque, de certo modo e
sob um olhar problematizador, é bem verdade que até mesmo a Doutrina de
Proteção Integral pode ser considerada uma tipo de idealização controladora.
Daí, ser importante considerar, segundo Azevedo (2005), que ao sopro dos
acontecimentos que resultaram na sedimentação da recente democracia na America
Latina, algumas reformas nas leis aconteceram ao se objetivar maior significação
aos princípios fundamentais com mudanças, inclusive, nos direcionamentos políticos
conforme as necessidades e realidades de cada Estado. Em alguns casos,
evidenciou-se a modernização do sistema de justiça criminal com a procura da
estabilidade dos juízes, promotores e policiais.
Percebeu-se, também, substancial tendência no âmbito do processo penal
consubstanciada na preferência do modelo acusatório ao modelo inquisitivo. Por
intermédio da ampliação do instituto da oportunidade da ação penal, a base desta
modificação está na força que se oferece ao Ministério Público e na obediência às
garantias processuais acolhidas e ratificadas por normas constitucionais.
Neste contexto, por importante, pode-se notar a desmilitarização policial e o
gradual controle de suas ações pela sociedade civil. Bem assim a maior qualidade
na capacitação de seus agentes, etc.
Este processo evidencia uma vagarosa e compreensiva reorganização da
justiça criminal no Brasil como resultado de uma institucionalização por meio de
regras mais claras e democráticas. Mas, ainda aqui, não se pode distanciar das
características controladoras, conforme pensado por Foucault (2005).
Nada obstante, para Adorno (1999a) ainda vigora uma grave crise no
sistema de justiça criminal, ao se considerar a inaptidão do Estado para a aplicação
das leis e a garantia da segurança da sociedade. O crime cresce rapidamente
enquanto tarda a resposta dos encarregados do controle repressivo. Ademais, e
crescente o sentimento da população em torno da impunidade. Percebe o autor um
aumento da seletividade dos casos a serem investigados resultantes do aumento do
arbítrio dos agentes do sistema e da corrupção. Tal seletividade decorre, também,
do próprio aumento da criminalidade ante a impossibilidade de investigação de todos
20
os casos dado à precariedade das instituições encarregadas do mister. De se
concluir, sob o prisma do pensamento de Adorno, que o sistema criminal expressa a
contradição entre o aparato ideológico de valor e a capacidade limitada dos atores
em realizá-lo.
Há que se falar, ainda segundo Adorno, da excessividade do medo e da
insegurança ante o avanço da violência e do crime; do fator autoritarismo e da
herança do regime ditatório nas instituições incumbidas do controle do crime; no
déficit de funcionamento da justiça penal e na convergência de opiniões a favor e
contrárias aos direitos humanos como elementos integrantes do complexo horizonte
social no qual os problemas de segurança pública e justiça penal são considerados.
Por evidente, a delinquência infanto-juvenil se submete e contribui para este
estado de coisas.
Ao se analisar tal panorama, nota-se avanços importantes no campo da
segurança pública. Não há que duvidar. Nada obstante, as questões relacionadas ao
crime têm se evidenciado como de difícil solução e reclamado ações urgentes.
Cabem, aqui, ligeiras notas sobre a segurança pública e a justiça criminal.
Em seu artigo 144, estabelece a Constituição Federal vigente que “A
segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida
para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio” e acrescenta os órgãos que a sustentam: I - polícia federal; II - polícia
rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias
militares e corpos de bombeiros militares.
O texto constitucional não oferece uma definição expressa e clara da
locução “segurança pública”. Nada que impeça, entretanto, seja deduzido do texto
constitucional que ela consubstancia um status que incumbe ao Estado assegurar
como dever, através do provimento de serviços prestados pelos órgãos
mencionados. Pretende-se, dentre outros objetivos, o asseguramento de uma
condição que implica em serviços que visem extinguir a vitimização resultante do
crime e da violência.
Observe-se que a segurança pública, além de dever do Estado é, também,
concebida como responsabilidade de todos e é praticada com a finalidade de
proteção à cidadania pela prevenção ou controle das ações da criminalidade e da
violência, sejam potenciais ou efetivas.
21
A polícia militar é o órgão do sistema de segurança pública ao qual compete
as ações de policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública.
A polícia civil é o órgão do sistema de segurança pública ao qual incube os
trabalhos de polícia judiciária e de investigação das infrações penais, exceto as de
natureza militar.
Os instrumentos (políticas públicas e seus processos) para a manutenção da
segurança pública pertinem, basicamente, à esfera de ação dos poderes executivo
Federal, Estadual e Municipal.
Assim é que, para além das polícias, há um complexo aparato institucional,
mantido pelo Estado, que visa sustentar as ações de segurança pública. Fazem
parte do sistema de justiça criminal, em ação integrada, as polícias, o Ministério
Público, as penitenciárias, o Judiciário, hospitais psiquiátricos e etc.
Grosso modo, a realização dos serviços públicos da Justiça Criminal inclui o
policiamento ostensivo, a investigação e punição das infrações penais, por meio dos
institutos de processo penal, e a guarda e recolhimento de presos.
O fundamento maior da atividade da Justiça Criminal é a sua perspectiva
sistêmica, manifestada pela interação duradoura dos diversos órgãos públicos
interessados e entre eles e a sociedade civil organizada.
A realização de serviços de segurança pública, portanto, engloba atividades
preventivas e repressivas, tanto de natureza policial quanto não-policial.
No âmbito do Estado brasileiro, por força das diretrizes legais expressas no
Estatuto da Criança e do Adolescente, a Justiça criminal juvenil é constituída por
órgãos especializados, isto é, criados somente para o trâmite de procedimentos
afetos ao ato infracional. Surgem, pois, no cenário de políticas públicas que atuam
na prevenção e repressão da violência resultante da delinquência juvenil, as
delegacias especializadas; as varas infracionais próprias com procedimentos e ritos
processuais peculiares; centros de tratamentos psiquiátricos exclusivos para
adolescentes; unidades de internação e semiliberdade, com profissionais
capacitados; programas especializados públicos ou mantidos pela sociedade civil,
grupos da policia militar especializados, etc.
O adolescente infrator se insere, por força de lei, neste sistema de
segurança (que cria e acalenta valores próprios e pré-concebidos para sua ação),
em seu viés preventivo ou repressivo, ao ser sentenciado como autor de ato
infracional.
22
Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 103) que o ato
infracional é “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.
Ao conceber como ato infracional as condutas descritas como crime ou
contravenção penal, quando praticadas por adultos, o propósito do legislador é o de
garantir diretrizes conceituais e de atendimento fundamentadas no princípio da
proteção integral. O adolescente, ainda que delinquente, deve ter respeitado seu
estado especial de pessoa em desenvolvimento e deve ter absoluta prioridade na
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, mesmo que acautelado em
instituições que lhe restrinja a liberdade por força de sentença transitada em julgado.
Ao princípio da proteção integral deve se curvar todo o sistema de justiça infracional
infanto-juvenil.
Atente-se que a própria conceituação jurídica do crime se modificou no
tempo dado sua elaboração competir aos juristas. O Código Penal em vigência não
nos traz a definição de crime. Outros códigos, porém, o fizeram. O Código Penal do
Império (1830) estabeleceu que o crime é toda ação ou omissão contrária às leis
penais. O Código Penal Republicano (1890) frisou que o crime é a violação
imputável e culposa da lei penal.
O entendimento da definição de bem jurídico penal é essencial para a
compreensão do crime.
Bem é tudo aquilo que pode ser objeto do direito e que pode oferecer ao
homem determinada satisfação. Bem jurídico são os valores que se tornam objeto
de uma relação jurídica por satisfazer um interesse econômico subordinado a
determinado titular.
Para o Direito Penal, bem jurídico-penal diz respeito aos valores que o grupo
social acolheu como de importância fundamental e devido a esta importância servem
de apoio para a elaboração dos tipos penais (condutas reprovadas e apenadas
quando cometidas). A vida, a liberdade, a propriedade e a honra são exemplos de
bens jurídicos tutelados pelo direito penal. É com alicerce nos bens jurídicos que os
crimes são classificados no Código Penal: Crimes contra a vida, contra a liberdade,
contra a honra e etc.
23
Assim, nem todos os bens jurídicos são protegidos de violações pelo direito
penal. Apenas os tidos como fundamentais para o grupo social. A valoração de
determinados bens com relação a outros é o núcleo duro da questão.
Uma análise da dogmática jurídico-penal permite seja percebido o consenso
entre os teóricos de que o direito penal é do fato e não do agente. Desse modo, a
construção da teoria do crime alcança o fato punível. Em sede de teoria do crime,
almeja-se o estudo dos requisitos indispensáveis para a configuração do delito ou,
por outras palavras, estuda-se o conceito analítico do crime.
Lado outro, atribui-se à teoria do crime três funções: a) instrumental, que
interpreta e sistematiza a conhecida parte especial do Código Penal; b) garantista,
calcada na procura pela segurança da aplicação da norma; e c) crítica, que
considera a reinterpretação do direito penal com base na política criminal.
Podem ser apreendidos, também, três conceitos de crime. O conceito
material, o conceito formal e o conceito analítico.
Para o conceito material, crime é o atentado a um bem penalmente
protegido. É o dano ou perigo de dano ao referido bem, dano ou perigo de dano que
servem como critério punitivo para o direito penal.
O conceito formal estabelece que crime é a ação proibida pela lei que
decorre da política criminal adotada. Junge-se ao princípio da legalidade que
expressa a compreensão do legislador sobre quais bens jurídicos devem ser
protegidos.
Pelo viés analítico, para alguns, crime é o fato típico e antijurídico. Para
outros, é fato típico, antijurídico e culpável.
Fato típico é a ação que se ajusta a determinado tipo legal (conduta tida
como crime). Fato antijurídico é aquele que é contrário à lei não existindo norma que
o justifique. Culpabilidade é o juízo de reprovação social que consiste na certeza de
que o agente podia motivar-se de acordo com a lei e agir de modo diferente,
conforme a exigência do direito.
O crime, então, é considerado como um desvalor social. E pela definição
oferecida pelo ECA, o ato infracional também assim deve ser considerado. É nesta
concepção de desvalor social que se baseia o sistema repressivo da delinquência
juvenil.
Os criminosos são apenados. O autor de ato infracional não pode sê-lo por
receber tratamento legal diferenciado. Recebe medidas socioeducativas, que não
24
devem ter caráter de apenação. É ilegal a apreensão do adolescente para
"averiguação". Ficam apreendidos e não presos. Em todo caso, esta apreensão
resultará em obstáculo em sua liberdade de ir e vir. A apreensão somente ocorrerá
quando for em flagrante ou por ordem judicial e em ambos os casos esta apreensão
será comunicada, de imediato, ao juiz competente, bem como à família do
adolescente (art. 107 do ECA).
O ato infracional é um fenômeno social, um fato na vida do adolescente e da
sociedade. Para seu entendimento e o da construção do aparelho repressor que lhe
é peculiar, é preciso que se considere o contexto no qual ocorre e que leve em
consideração todas as circunstâncias – psicológicas, socioeconômicas,
educacionais e políticas.
Posto este entendimento, conclui-se que o ato infracional, necessariamente,
tangencia o que se entende por construção social do crime.
Neste sentido, Lima (2001) analisa duas orientações nos estudos da
sociologia do desvio: uma positivista e outra interacionalista.
Para os que acolhem a primeira teoria, o desvio faz parte da experiência
objetiva dos indivíduos que perpetram os atos considerados desviantes e daquelas
que dão resposta a esses atos. Procura-se as causas do procedimento desviante,
quase sempre descritas pelos índices sociais e culturais, e as características
pessoais que impedem a socialização do indivíduo. Grosso modo, os positivistas
firmam-se nas seguintes questões: a) Por que eles assim agiram? b) O que fazer
para fazê-los parar?
Já as concepções interacionalistas do desvio cindem com as teorias
positivistas. Há uma abordagem dialética do desvio e seu controle. Uma interação
dinâmica e variável entre eles é considerada.
Diversas interpretações foram estabelecidas com base nestes fundamentos.
O interacionismo simbólico começa a abrir espaço na teoria sociológica na década
de 1950. A ação é analisada pela significação com a qual os indivíduos valorizam a
própria conduta e a sociedade, esta última como o conjunto resultante da junção de
identidades individuais mutuamente referidas. Portanto, há um “outro” sistêmico na
ação, que pode se consubstanciar em outro indivíduo, em uma determinada cultura
e, até mesmo, em uma audiência, cada qual representando um conjunto de valores
específicos.
25
A interpretação interacionalista rejeita teorias que procuram despersonalizar
quem desvia e sublinha o viés da luta entre os acusados (possuidores de visões
discordantes do sistema sociocultural) e acusadores como causador da classificação
do indivíduo ou ação como desviante. O proceder desviante é visto como uma
questão política atrelada à definição de identidade e não mais como falta de
adaptação cultural (Pedrete, 2007).
O interacionalismo se debruça sobre o processo de criminalização do
desviante (Becker, 1974) e entende as instituições repressoras como pontos
indispensáveis na formação do processo de rotulação. A rotulação social, teoria
pensada por Becker, sublinha o alcance da ação coletiva, cujas normas são
indicadas pelo processo social que termina por definir, coletivamente, determinadas
tipos de comportamento como tipos de problemas.
Para Becker, o desvio é considerado o resultado de um ajuste realizado
entre um grupo social e um indivíduo que, pelo entendimento do grupo, desrespeitou
uma norma. Dá-se valor ao processo pelo qual o desviante se torna um alienígena,
em relação ao grupo, e se interessa pouco por suas características intrínsecas –
pessoais ou sociais. As reações ao julgamento, por parte do desviante, é também
considerada.
O caráter desviante ou não de um ato depende então da maneira que os outros reagem. Segundo as teorias da rotulação, o desvio é o resultado das iniciativas do outro, visto que ele encadeia um processo de intervenções colocado em prática para selecionar, identificar e tipificar os indivíduos. Uma das mais importantes contribuições desse enfoque foi chamar a atenção para as conseqüências que implicam, para um indivíduo, o fato de ser rotulado como desviante. (LIMA, 2001, p. 192)
Os autores do interacionalismo consideram como reage a sociedade diante
do comportamento desviante e estabelecem que esta reação é variável. Propõem
que as relações estabelecidas entre desviantes e as normas de controle da
sociedade acomodam e modificam a fenomenologia do desvio.
Ao reproduzir o pensamento de Becker, Lima (2001) destaca que o processo
social em que certos indivíduos são rotulados, de forma coletiva, como desviantes,
estabelece um novo problema social: a institucionalização do tratamento das
pessoas rotuladas é estabelecida.
26
Segundo Becker, o desvio é sempre o produto de um “empreendimento”, dirigido por dois tipos de “empreendedores de moral”: os que criam as normas e os que as fazem aplicar. Os primeiros empreendem uma “cruzada” para a reforma de costumes. Os segundos são os agentes institucionais encarregados de fazer respeitar as novas leis estabelecidas por essa “cruzada”. (LIMA, 2001, p. 193)
Pensa-se que os empreendimentos do controle social acabam por levar a
resultados contrários aos esperados. Subjacente ao pensamento dos teóricos da
rotulagem está o problema da resultante da rotulação. Qual a consequência para o
indivíduo rotulado? Para tais teóricos o ser tipificado resulta em três principais
consequências: a) modificação da identidade pessoal, b) exclusão das
oportunidades convencionadas e c) crescimento das chances de desvio futuro.
Acentua Lima (2001) que o surgimento de nova rotulação integra-se a um
empreendimento moral ou burocrático sendo que sua legitimação é resultado do
processo econômico e político.
As concepções interacionistas do desvio suscitaram críticas. Entretanto, é de
se considerar o contributo, principalmente da “teoria da rotulação” que significou um
novo marco para o entendimento do desviante ao privilegiar o processo social que o
insere, assim concebido, na sociedade. Frise-se, neste contexto, que as relações
interativas entre os agrupamentos sociais ou agentes dizem respeito à ordem moral,
socioeconômica e política de determinada sociedade. Tanto assim que o desvio e a
rotulação daí consequente se atrela ao modo que o fato é apreendido por cada
sociedade, em dado horizonte cultural. Eis, aqui, um indicativo dos fatores que
sustentam o conjunto de operações que norteia as práticas e normatiza as ações
dos indivíduos e instituições que integram a segurança pública e a justiça criminal.
27
4 O DIREITO PENAL JUVENIL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu
modificações no trato da responsabilização existente entre infantes e jovens,
sociedade civil e Estado. Notadamente, na maneira de tratamento, com base em
uma nova conceituação, decorrente da linha principiológica que resulta do principio
da proteção integral. Os vocábulos menor, pena, delinquente, jovem e crime – já
valorados por uma significação oriunda da filosofia da situação irregular – são
substituídos, com assento em novo paradigma, por adolescente ou pessoa em
desenvolvimento, medida socioeducativa e ato infracional, como proposta de um
novo olhar sobre as questões da criminalidade infanto-juvenil.
Esse termo, MEDIDA, é muito instigante; é esta dosagem – mais ou menos restritiva de liberdade – o preço a ser pago pelo adolescente, tendo a mesma proporção que o seu ato, ou seja, o que houve de excesso, de invasão no campo do outro, é o que o cumprimento da medida pode possibilitar de ser construído. Dentre as várias definições para o termo, algumas são muito interessantes para pensarmos o que o Juiz com seu ato introduz: “proporção entre uma coisa e outra”, “regra, norma, regularidade”, “disposição para evitar alguns inconvenientes”. Há portanto a atuação do adolescente e o ato do Juiz, que é MEDIDA socioeducativa. (NOGUEIRA, 2003, p. 15)
Méndez (1998) entende que dentre as mais importantes modificações
apresentadas pelo ECA se encontram: a) a eliminação da internação com base na
condição de desamparo ou irregularidade social; b) a municipalização de políticas de
cuidados de diretos; c) a interação do estado e da sociedade civil através da criação
de Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, tanto em nível federal
quanto estadual e municipal e d) a competência dos conselhos tutelares, tocante aos
casos que não dizem respeito aos atos infracionais.
As garantias da criança e da juventude são expressas no Estatuto, grosso
modo, em três blocos distintos de políticas públicas. As políticas públicas básicas, as
de proteção especializada e as socioeducativas.
As primeiras objetivam a prevenção. Visam alcançar a toda população
infanto-juvenil ao criar condições para que se efetive o direito à saúde, habitação,
alimentação, esporte, educação, lazer, cultura e profissionalização com atenção ao
seu estado de pessoa em desenvolvimento.
28
Já as políticas de proteção especializada se fundamentam nas situações de
risco, seja individual ou social, da infância e da juventude. São expressas,
principalmente, no artigo 101 do Estatuto. Tais medidas levam em conta as
necessidades pedagógicas e devem visar o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários. Neste rol de medida se destaca o apoio e acompanhamento
temporários, a orientação, o apoio à volta ao ambiente escolar, o cuidado com os
vitimizados pelos maus-tratos.
Por último, as políticas que dizem respeito à aplicação de medidas
socioeducativas, elencadas no artigo 112 do ECA. Em relação a estas, entende
Saraiva (2010) que a necessidade de aplicação destas medidas de caráter
penalizante revelam a falha na aplicação dos blocos de políticas públicas norteados
pela prevenção e, até mesmo, pela proteção especializada.
A aplicação das medidas socioeducativas consubstanciam o fundamento do
direito penal juvenil, em solo brasileiro.
O direito penal juvenil se atrela às concepções do direito penal moderno já
que diz respeito ao limites impostos ao arbítrio do poder público. Portanto, há que
demonstrar obediência aos princípios da reserva legal, da intervenção mínima, da
culpabilidade, do contraditório e, sobretudo, ao princípio da proteção integral que lhe
diferencia do sistema pensado para os adultos. Note-se, aqui, a existência de
limitações para a aplicabilidade das medidas socioeducativas.
Grife-se que a medida socioeducativa não tem natureza estritamente
repressora e sancionadora. Sobretudo, há que se considerar seu conteúdo
educativo. Assim, é preciso que se pondere sobre a necessidade de sua imediata
aplicação, em relação ao ato infracional praticado, ao se focalizar sua finalidade
educativa.
A medida socioeducativa tem natureza mista: sancionatória e pedagógica.
Seu caráter sancionador decorre do desvalor da prática do ato infracional. Sua
natureza pedagógica se relaciona às finalidades almejadas pela aplicação da
medida e se constitui requisito indispensável para sua aplicabilidade. É dizer: sem
finalidade pedagógica a medida não pode ser aplicada.
Sposato (2006) ao relacionar a pena à medida socioeducativa ressalta a
semelhança na intenção de controle social e na finalidade de reprovação e
prevenção, tocante ao ato infracional. Medida socioeducativa e pena, para a autora,
resultam da atividade de coerção do poder do Estado e representam limites ou
29
restrições de direitos. Daí a caracterização da natureza penal da medida
socioeducativa.
Costa (2004) entende que, na execução da medida, há de prevalecer o justo
ponto de equilíbrio entre a resposta ao ato praticado, que define como pedagogia da
responsabilidade, e o crescimento individual do adolescente, bem assim de sua
promoção social e reinserção no meio familiar e comunitário. Aduz que a aplicação
da medida objetiva “o desenvolvimento da capacidade relativa à responsabilidade e
ao respeito pelos direitos individuais e coletivos indisponíveis.”
Há, entretanto, os que entendem que as medidas socioeducativas só
possuem natureza educativa e não retributiva (punitiva) e também que os
adolescentes não possuem responsabilidade penal. Negam, assim, a realidade de
um direito penal juvenil constituído pelas disposições do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Com base no Princípio da Proteção Integral, o Estatuto da Criança e do
Adolescente elaborou uma nova proposta de responsabilização do adolescente
autor de ato infracional. Se o adolescente infrator é inimputável penalmente, nem
por isto se exime de responder por seus atos.
O Estatuto impõe sanções ao adolescente que delinque. É inegável.
Sanções que implicam em restrições de direito e até mesmo em privação de
liberdade. Sublinhe-se, portanto, que inimputabilidade não se confunde com
irresponsabilização.
Outra característica importante da medida socioeducativa é sua
imediatidade. Considera-se que a medida perde seu conteúdo pedagógico quando
não se observa a relação de tempo entre sua aplicação e a data do cometimento do
ato infracional que se quer reprovar. Assim, o decurso do tempo passa a ser
prejudicial à finalidade educativa da medida socioeducativa.
Para Volpi (1997), as medidas socioeducativas são operacionalizadas de
acordo com a natureza do ato infracional, a existência de programas regionais e as
questões sociofamiliares; comportam natureza de coerção, dado punirem os
infratores, e características educativas, com finalidade de proteção integral e
oportunização e acesso à informação e formação e que em cada medida esses
elementos expressam graduação consoante a gravidade do delito.
Acresce o autor que os sistemas socioeducativos devem observar condições
que garantam o acesso dos adolescentes às oportunidades de livramento de seu
30
estado de exclusão e bem assim acesso à construção de valores positivos de
participação na vida em sociedade; que a aplicabilidade da medida deve prever, de
forma obrigatória, a participação familiar e da comunidade, ainda que nos casos de
privação de liberdade e sempre que possível se deve avaliar condições favoráveis
que possibilitem a realização de atividades externas. Ademais, os programas devem
contemplar a participação da comunidade aproximando o interno e a comunidade.
Ainda para Volpi (1997), a programação socioeducativa de privação de
liberdade deverá valer-se do princípio da incompletude institucional que se
caracteriza pela máxima utilização de serviços públicos da comunidade, com
responsabilização das políticas setoriais no atendimento aos adolescentes. Tais
serviços deverão identificar os aspectos de segurança priorizando a proteção da
vida dos adolescentes e dos servidores observando a arquitetônica das construções
e as formas de contenção de violência. De acrescentar o entendimento do autor de
que os programas socioeducativos deverão prestigiar a capacitação permanente dos
trabalhadores e voluntários.
Ponto importante, é que os nomes das unidades de atendimento, as
denominações dos adolescentes envolvidos e as demais formas de identificação dos
programas a eles relacionados devem acatar o princípio da não-discriminação e
não-estigmatização. Evitar-se-á a rotulação que termina por expor os adolescentes e
os impedem de superar os óbices da inclusão social.
O ECA diferencia as medidas protetivas das medidas socioeducativas em
função das circunstancias específicas de cada caso em que elas podem ser
aplicadas.
Em teoria, as medidas protetivas destinam-se às situações de risco pessoal
e social enquanto as medidas socioeducativas visam enfrentar os casos de prática
de ato infracional.
O ato infracional, se grave ou não, as circunstâncias que o emolduraram,
agrupadas às características do adolescente infrator, é que determina qual deve ser
a mais indicada medida socioeducativa a ser aplicada, sem prejuízo da
aplicabilidade das medidas protetivas.
Conclui-se que a exigibilidade das medidas socioeducativas expressam a
imposição estatal, com base na questão da conduta desviante.
Conforme disposição do ECA (artigo 112), as medidas socioeducativas são
as seguintes: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de
31
serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de
semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional e g) qualquer uma das
previstas no art. 101, I a VI.
Dispõe ainda o Estatuto que a aplicação da medida “ao adolescente levará
em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração”. Determina que, em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a
prestação de trabalho forçado e que o adolescente portador de doença mental ou de
deficiência mental receberá tratamento individualizado e especial, em local
adequado às suas condições.
A advertência consiste na admoestação, na censura verbal, que será
reduzida a termo. Reserva-se aos adolescentes autores de infrações leves. Almeja
alertar o adolescente e seus responsáveis para o perigo do envolvimento no ato
infracional. Tal medida poderá ser acompanhada de uma medida de proteção
destinada ao adolescente (art. 101) ou aos pais (art. 129)
A obrigação de reparar o dano surge ao se considerar o dano patrimonial
causado à vítima. O ECA (art. 116) prevê três consequências para o adolescente: a)
a restituição da coisa; b) o ressarcimento do dano e c) a compensação do prejuízo
por qualquer outra forma.
A aplicação desta medida enfrenta problemas. Primeiro, porque os jovens
infratores não possuem recursos próprios já que a maioria tem origem pobre e
segundo, porque a medida em comento termina por onerar os pais. Sua aplicação,
entretanto, deve incidir caso o adolescente possua patrimônio próprio. Para não
correr-se o risco da medida cair no vazio, poder-se-ia levar em consideração a
conhecida solução mediada que privilegia o princípio educativo da participação,
tanto do adolescente e do responsável quanto da vítima. Isto favoreceria o
entendimento dos fatos e ultrapassaria os limites do meramente jurídico e
estritamente econômico.
A prestação de serviço à comunidade, segundo o ECA, consiste na
realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis
meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos
congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. As tarefas
serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas
durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados
32
ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada
normal de trabalho.
A medida de prestação de serviço à comunidade, por sua semelhança com a
pena de prestação de serviços à comunidade, possui forte carga de natureza
retributiva. A mitigar esta característica está, entretanto, a aplicação das diretrizes do
princípio da proteção integral.
A liberdade assistida compreende o acompanhamento individual do
adolescente pelo prazo mínimo de 06 meses. Tem como pressuposto a plena
adesão do adolescente infrator ao programa já que o seu principal fator de
socialização é a liberdade. A medida possibilita influência familiar mais ampla,
embora sob o controle sistemático da comunidade e do Juiz.
Destina-se aos adolescentes que demonstrem grandes possibilidades de
recuperação em meio aberto, livre. O artigo 119, do ECA, estabelece a indicação,
pelo juiz, de um orientador assaz capacitado para ajudar e acompanhar o
adolescente que esteja em cumprimento da medida socioeducativa de liberdade
assistida. O acompanhamento deve abranger, também, os familiares do infrator
como indispensável requisito ao êxito do tentame.
Tarefa árdua, conforme anota o próprio orientador:
O desastre da vida pessoal dos jovens infratores faz com que eles cheguem até nós sem o peso das identificações que as famílias criam e carregamos a duras penas, sendo por causa delas que nos sentimos culpados. Tiveram uma trajetória de exposição a situações de risco social e pessoal, com efeitos desastrosos em suas vidas. A ausência do genitor, o desemprego, as condições precárias de sobrevivência atravessam suas vidas, marcadas pela violência e revolta, vividas em situações de desagregação do grupo familiar. A violência é um comportamento, um modo de resolver conflitos e de comunicar, transmitido aos mais jovens. (NOGUEIRA, 2006, p. 32)
A semiliberdade consiste na privação de liberdade, pelo regime de
recolhimento noturno e a relação com a família e a comunidade, em meio aberto, no
período diurno. É uma resposta institucionalizada ao adolescente que delinque. Sua
aplicação deve ser considerada medida de exceção só aplicável quando necessária.
Aplica-se-lhe, no que couber, as normativas que o Estatuto reserva à internação.
Não comportando prazo determinado, deve ser reavaliada, com decisão
fundamentada, no período máximo de 06 meses. Em sua totalidade, não pode
exceder a 03 anos. Chegado a este limite, o adolescente deverá ser liberado sendo
a liberação compulsória quando o adolescente atinge 21 anos de idade.
33
A medida socioeducativa internação é a mais rigorosa e resulta na plena
privação de liberdade do adolescente infrator. Assevera o ECA que ela se sujeita
aos princípios da brevidade, da excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento. A medida não comporta prazo determinado e sua
manutenção deverá ser reavaliada, no máximo a cada seis meses. Sua aplicação
não poderá exceder ao período máximo de 03 anos. Atingindo este período o
adolescente será liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade
assistida. A liberação será compulsória aos 21 anos de idade. A desinternação, em
qualquer hipótese, será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério
Público.
Os requisitos indispensáveis para a aplicação da medida de internação se
encontram previstos no artigo 122, do ECA: a) ato infracional cometido com grave
ameaça ou violência à pessoa; b) reiteração no cometimento de outras infrações; e
c) descumprimento reiterado e injustificado de outras medidas anteriormente
impostas.
Dispõe ainda o ECA que a internação deverá ser cumprida em entidade
exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo,
obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade
da infração e que durante o período de internação, inclusive provisória, serão
obrigatórias as atividades pedagógicas.
Depara-se, aqui, com os problemas da institucionalização:
Todos nós sabemos do efeitos nocivos da institucionalização, principalmente porque as internações determinadas para uma suposta reeducação continuam sendo realizadas em lugares que atentam, abertamente, não apenas contra o próprio ideal da reeducação, mas também contra as formas mais elementares de respeito à dignidade humana. Não constitui segredo para ninguém que a maioria dos centros de internação não passam de verdadeiros depósitos, onde se confinam menores, produzindo uma alta cota de sofrimentos reais muitas vezes encobertos por uma falsa terminologia protetiva.(COSTA, 2004, p. 248)
Isto porque o atendimento ao adolescente que cumpre medida de internação
impõe o enfrentamento do desafio expresso pelo sentido pedagógico e de
coercitividade que se vislumbra na medida em comento. Sentidos de certa forma
antagônicos.
De se supor que esta ambiguidade alcança os procedimentos dos variados
atores da justiça criminal juvenil. Este conflito pode ser expressado pelas diversas
34
práticas desenvolvidas em cada instituição. A doutrina da proteção integral encontra-
se em processo de gradual sedimentação. A nova cultura que representa não foi
assimilada, por completo, pelos atores do sistema, e por isso, encontra obstáculos
difíceis de serem removidos.
A literatura sobre a temática, a despeito das linhas principiológicas do ECA
que a lei determina sejam observadas, percebe que a filosofia da coercitividade
ainda persiste em detrimento dos procedimentos pedagógicos que visem a
reintegração social do adolescente.
35
5 O CIA-BH E SEU FLUXO DE PROCEDIMENTOS
A análise da existência do Centro integrado de Atendimento ao Adolescente
Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH), seu papel, dinâmica e
implicações nos mecanismos da justiça criminal juvenil belo-horizontina não
dispensa o estudo dos procedimentos para apuração dos atos infracionais impostos
pelo ECA.
A imposição de medidas socioeducativas aos adolescentes, que respondem
por prática de ato infracional, sujeita-se a regramento peculiar, normatizado pelo
ECA (arts. 171 e seguintes). Frise-se que os princípios garantistas constitucionais e
do Direito Processual Penal são de aplicação obrigatória. Ainda aqui prevalece os
ditames dos princípios da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta.
Impende esclarecer que os procedimentos inaugurados pelo ECA não se
restringem à responsabilização do adolescente, com a aplicação da medida
socioeducativa. Em verdade, almeja-se, antes de mais, a efetividade da proteção
integral. A lógica é diversa daquela do processo criminal que privilegia a penalização
em caráter retributivo.
O ponto de destaque na apuração do ato infracional é a celeridade.
Determina o ECA (art. 152) que “aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se
subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente”. O
sistema de recurso adotado é o do Código de Processo Civil, com importantes
adaptações. (art. 198).
A competência para o feito e julgamento é exclusivamente do Juiz da
Infância e da Juventude do local onde foi cometido o ato infracional.
De importante é que, para a aplicação das medidas socioeducativas, não se
prescinde da comprovação da autoria e da materialidade da infração a despeito da
simples confissão do adolescente. Impõe-se a instrução do processo e a produção
de provas, conforme súmula 342, do STJ, segundo a qual “no procedimento para
aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face
da confissão do adolescente.”
Tocante aos procedimentos para a apuração do ato infracional, entende-se
com o ECA que:
a) O adolescente apreendido em flagrante, cientificado de seus direitos,
deverá ser encaminhado à autoridade policial competente. O fato será comunicado
36
imediatamente ao Juiz, a sua família ou pessoa que ele indicar. O adolescente
sempre será encaminhado a uma delegacia especializada, quando houver, ainda
que o ato tenha sido cometido em companhia de maior de idade.
b) Caso o ato seja de natureza leve, é bastante que se lavre o boletim de
ocorrência circunstanciado. Se o ato praticado envolver grave ameaça à pessoa ou
violência, lavrar-se-á auto de apreensão, ouvindo-se o adolescente e as
testemunhas. Dever-se-á apreender os instrumentos e produtos da infração bem
assim proceder aos exames e atos periciais necessários à comprovação da
materialidade. (art. 173).
c) A liberação imediata será a regra, independentemente do ato
praticado. A privação da liberdade (internação provisória) só será decretada por
imperiosa necessidade (arts, 107 e 108).
d) Se for necessária a internação provisória - observados os requisitos de
gravidade do ato, repercussão social, garantia da segurança pessoal do adolescente
e manutenção da ordem pública (art.174) – o adolescente deverá ser encaminhado
ao Ministério Público juntamente com o auto de apreensão.
e) Sem a ocorrência do flagrante, a autoridade policial apurará o fato e, com
a maior brevidade, encaminhará o relatório do que foi investigado ao Ministério
Público.
f) Junto ao MP, dar-se-á procedência de oitiva informal do adolescente, dos
pais, das vítimas e testemunhas (art. 179).
g) Segundo o artigo 180, o MP poderá decidir pelas seguintes providências:
Arquivamento, concessão de Remissão ou Representação. O arquivamento dirá
respeito à atipicidade, à inexistência do fato, não autoria e etc. A remissão do MP
(existe a judicial) é ato que estabelece a exclusão do processo. Expressa-se pelo
perdão puro (independente da anuência do adolescente) ou pode se cumular da
aplicação de uma medida socioeducativa não privativa de liberdade. (art. 126 e 127).
A representação é a peça que inaugura a ação processual penal juvenil. Assemelha-
se ao instituto da Denúncia do Direito Processual Penal. A pretensão socioeducativa
é pública incondicionada. O Ministério Público é seu titular exclusivo.
h) A concessão da remissão ou o arquivamento dependem de homologação
judicial (art. 181).
i) Com a homologação do arquivamento ou da remissão, o juiz deverá
determinar o cumprimento da medida eventualmente cumulada.
37
j) Recebida a representação, o juiz designará audiência de apresentação
com a citação do adolescente e seus responsáveis. Nesta audiência todos deverão
ser ouvidos e o juiz, com a participação do MP, poderá conceder a remissão judicial,
extinguindo ou suspendendo o feito (art. 186 e 126). A não concessão da remissão
resultará em nova audiência (audiência de continuação) com a possibilidade de
realização de diligências, tanto para apuração de detalhes quanto para estudo
psicossocial.
l) Na audiência de continuação (instrução e julgamento), ouvem-se o
adolescente, as testemunhas, a defesa e o MP.
m) Julgada procedente a representação, aplica-se a medida socioeducativa
mais adequada.
Importa esclarecer que, se o adolescente estiver em cumprimento de
internação provisória, o prazo máximo para a finalização de todo o procedimento é
de 45 dias contados, inclusive, da data em que ocorreu a apreensão (arts. 108 e
183).
Acreça-se que o ECA estabelece como diretriz de sua política de
atendimento, conforme disposição do artigo 88, a “integração operacional de órgãos
do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência
Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do
atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional.”
E em obediência a este comando legal, instituiu-se o Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA, em Belo Horizonte.
Rodrigues (2010), em pioneiro trabalho descritivo da experiência de criação
do CIA-BH, evidencia que ela atende ao comando constitucional da prioridade
absoluta da criança e do adolescente e sublinha o destaque que é dado à
imediatidade do atendimento, à atenção especial e à garantia dos direitos que
sustentam a prática cotidiana dos vários operadores que integram o sistema de
justiça juvenil de Belo Horizonte.
O CIA-BH se constituiu pela Resolução-Conjunta nº 68, de 02 de setembro
de 2008. Segundo as palavras da autora, objetivou o pronto e efetivo atendimento
ao adolescente infrator, por uma equipe interinstitucional e multiprofissional,
integrada por Juízes, Promotores, Defensores, Delegados de Polícia, Assistentes
Sociais, Psicólogos, Técnicos, Comissários da Infância e da Juventude, Policiais
38
Militares, Agentes Socioeducativos e servidores da Subsecretaria de Estado de
Atendimento das Medidas Socioeducativas, em um mesmo espaço físico.
A inauguração do CIA/BH, ocorreu em 02/12/2008 e teve como objetivo maior agilizar e conferir maior efetividade à jurisdição penal juvenil, ampliando e facilitando o acesso dos jurisdicionados, tanto na área da apuração da prática de atos infracionais, quanto na aplicação e execução das medidas socioeducativas. A integração operacional das instituições públicas que compõem o sistema de justiça juvenil num mesmo espaço físico, promoveu a diminuição do custo de acesso à justiça, por meio de um conjunto de ações articuladas, materializando-se o princípio constitucional da prioridade absoluta(Art. 227 CF/88). Buscou-se, assim, com a implementação do CIA/BH uma verdadeira concepção de justiça: ágil e eficiente, colocando os reais interesses dos adolescentes acima de dogmas forenses. (RODRIGUES, 2010, p. 2)
Observa a autora que a criação do Centro integrado foi consequência de
uma conjugação de esforços dos atuantes no Sistema de Justiça da Infância e
Juventude das áreas da Polícia Civil e Militar, do Ministério Público, da
Subsecretaria de Estado de Atendimento as Medidas Socioeducativas, da
Defensoria Pública, do serviço de apoio técnico do Poder Judiciário, e, muito
especialmente, da magistratura afeta à criança e ao adolescente.
Refere-se Rodrigues (2010) a uma importante constatação: “ que a
desarticulação entre os órgãos responsáveis pelo atendimento inicial ao adolescente
infrator era um dos principais fatores desencadeantes do aumento da criminalidade”.
Para ela, as instituições integrantes verificaram que o modelo tradicional da
Justiça Juvenil, com as atividades burocráticas nela fundadas, produziam
consequências negativas, tais como: aumento do número de adolescentes
reincidentes e acarretava, inclusive, a desnecessária privação de liberdade de um
grande número de adolescentes.
O CIA é composto pelos seguintes órgãos:
a) Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, através da Vara Infracional da Infância e da Juventude;
b) Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria da Infância e da Juventude;
c) Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais; d) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; e) Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, através de delegacia
especializada; f) Policia Militar do Estado de Minas Gerais.
39
A infra-estrutura do CIA-BH, que privilegia a articulação do sistema criminal
juvenil, é apta para oferecer a apreciação imediata de cada caso e garante ao
adolescente o atendimento individualizado.
Aduz Rodrigues (2010) que a utilização de um mesmo espaço para as
instituições, enfrentou, de início, dificuldades relativas à cultura própria de cada
órgão que restaram superadas “em face da postura aberta e interativa das
instituições”.
Cada ator institucional exerce suas atividades em espaço próprio.
Visando um fluxo harmônico de procedimentos, criou-se um Conselho de
Integração - órgão colegiado de consultas e deliberação, integrado por
representantes das instituições componentes. São atribuições do Conselho, dentre
outras: Propor ações que dizem respeito à atuação harmônica dos órgãos,
respeitadas a autonomia e a competência de cada qual e sugerir aos Poderes
constituídos providências necessárias ao pleno cumprimento das disposições do
ECA.
Cada órgão componente do CIA-BH é responsável pelo fornecimento de
pessoal e toda a logística indispensável à sua atuação. Arcam, inclusive, com os
respectivos custos operacionais.
Cometido o ato infracional em Belo Horizonte, o adolescente apreendido em
flagrante é encaminhado ao CIA e se depara, quanto ao fluxo da justiça juvenil, com
nova proposta de procedimentos por esta instituição inaugurada.
Ao ser conduzido ao Centro Integrado pela PMMG é lavrado o REDS –
Registro de Evento de Defesa Social – em sala para este fim apropriada.
Ato contínuo, a PMMG encaminha o adolescente para a Delegacia
Especializada, que funciona em espaço contíguo ao da lavratura do REDS, para as
providências determinadas pelo ECA. Os pais ou responsáveis são comunicados
para comparecimento.
Na Delegacia Especializada, busca-se confirmar os dados de identificação
do adolescente e se procede a uma busca em sistema próprio para investigação
sobre possíveis registros anteriores e verificação da existência de mandados de
busca e apreensão em desfavor do adolescente. Há anotação dos objetos
apreendidos.
Finalmente, lavra-se o Auto de Apreensão em Flagrante Ato Infracional, com
a oitiva das testemunhas, das vítimas e do adolescente.
40
Com o término dos procedimentos que competem à autoridade policial, o
adolescente é encaminhado para a audiência preliminar, que se dá em sala
adjacente àquela da lavratura do REDS. A audiência preliminar é presidida pelo Juiz
de Direito, presentes o representante do Ministério Público, da Defensoria Pública ou
o advogado constituído e bem assim os pais ou responsáveis. Nesta audiência,
realizada a oitiva informal do adolescente, se decide pela a) adoção do
arquivamento do feito, b) concessão de remissão extintiva ou suspensiva, c)
oferecimento da representação e d) aplicação de medida protetiva. Nesta fase de
audiência preliminar, pode-se aplicar, cumulativamente, as medidas protetivas. A
remissão suspensiva consiste na remissão à qual se cumula a aplicação de medida
socioeducativa de meio aberto.
Para o oferecimento da representação, o Ministério Público poderá solicitar
ao Juiz sejam os autos encaminhados à Delegacia de Polícia para que complemente
as diligências necessárias na ocorrência do que o adolescente deverá ser
obrigatoriamente liberado.
Ainda na audiência preliminar, a representação pode pugnar pela liberação
ou acautelamento do adolescente resultando na marcação de audiência de
continuação que se efetuará nas dependências do CIA. Recebida a representação
pela Autoridade Judiciária, esta se manifestará num ou noutro sentido. Nada
obstante, o acautelamento provisório só acontecerá por decisão fundamentada, se
constatada a imperiosa necessidade da medida, presentes os indícios suficientes de
autoria e materialidade (art. 108, ECA). Vale repetir que “o prazo máximo e
improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado
provisoriamente, será de quarenta e cinco dias (art. 183, ECA).
O adolescente que tem contra si a decretação de acautelamento provisório é
acolhido por agentes socioeducativos afetos à Subsecretaria de Estado de
Atendimento as Medidas Socioeducativas – SUASE, igualmente com espaço para a
realização de sua atividades no CIA-BH, para transferência a uma das unidades de
internação sob sua responsabilidade.
Pondera Rodrigues (2010) que se pode constatar que, no Centro Integrado,
não se efetua tão só o atendimento inicial aos adolescentes, mas se procede à
realização de todas as fases processuais determinadas pelo ECA, no que toca à
apuração do ato infracional, de forma a intervir com a máxima brevidade possível
nas motivações que levam o adolescente a delinquir.
41
Constatou-se também que a desarticulação entre os órgãos responsáveis pelo atendimento inicial ao adolescente infrator era um dos principais fatores desencadeantes do aumento da criminalidade envolvendo este público. Antes da criação do CIA-BH, 60% dos adolescentes que eram processados na justiça juvenil, apesar de devidamente citados, não compareciam para a audiência de apresentação, marcada com o juiz. Entre a prática do ato infracional até a intervenção da Justiça, decorria-se um lapso temporal muito grande, tornando-se, na maioria das vezes ineficaz a aplicação de qualquer medida. (RODRIGUES, 2010, p. 3)
De se notar que a média anual de ocorrências infracionais atendidas pela
Vara Infracional, considerados os anos de 2005 a 2008, atinge o número de 4742
casos, considerada a reincidência (não no sentido estritamente jurídico) dos
adolescentes (vide tabela 1).
Tabela 1
Ocorrência Infracionais Atendidas - 2005 a 2008
2005 2006 2007 2008 Média Anual
Ameaça 138 239 143 95 154
Contravenção 121 190 9 23 86
Danos Materiais 117 300 102 115 159
Desacato 25 47 18 19 27
Estupro 16 13 5 5 10
Furto 855 757 400 254 567
Homicídio 145 192 130 90 139
Infração de Trânsito 47 72 32 8 40
Lesão Corporal 189 311 147 88 184
Porte ou Posse de Arma 498 652 641 423 554
Quadrilha 35 33 45 15 32
Roubo 984 1195 872 657 927
Sequestro 0 0 3 0 1
Tráfico de Drogas 485 980 1112 1705 1071
Uso de Drogas 347 768 409 230 439
Outros 409 522 306 186 356
Total 4411 6271 4374 3913 4742
Fonte: Vara de Atos Infracionais de Belo Horizonte, 2010
Neste período, inexistindo o CIA-BH, a Delegacia de Polícia Especializada
situava-se em bairro distante da sede da antiga Vara única do Juizado da Infância e
da Juventude e depois da Vara Infracional da Infância e da Juventude.
42
O trâmite dos autos e outros procedimentos para providências bem assim o
encaminhamento de adolescentes entre as duas instituições era demasiadamente
moroso. Até mesmo viaturas (tanto policial quanto do judiciário) avariadas e de
outras vezes insuficientes se erigiam como obstáculos à celeridade processual
requerida. Por este período, um contingente considerável de adolescentes
apresentados pela PMMG à autoridade policial era liberado, para posterior
apresentação ao Ministério Público.
Quanto aos adolescentes responsabilizados com medida socioeducativa de
internação (provisória ou não), viviam-se problemas semelhantes, tocante aos
encaminhamentos para as unidades, devido à distância e falta de pessoal que as
representasse na sede do Juizado.
O panorama da justiça infracional juvenil sofreu significativo impacto com a
novel dinâmica de atendimento, instituída pela configuração institucional do CIA-BH.
A começar pelo número de ocorrências infracionais atendidas que, em
comparação com a média dos quatros anos anteriores (tabela 1), praticamente
duplicou (tabela 2).
Tabela 2
Ocorrências Infracionais Atendidas
Média Anual – 2005 à 2008 2009
Ameaça 154 373
Danos Materiais 159 438
Desacato 27 158
Furto 567 1129
Homicídio 139 43
Infração de Trânsito 40 202
Lesão Corporal 184 736
Porte ou Posse de Arma 554 313
Roubo 927 846
Tráfico de Drogas 1071 1868
Uso de Drogas 439 1908
Outros 484 1354
Total 4742 9368
Fonte: Vara de Atos Infracionais – Setor de Pesquisa Infracional, 2010
43
Por óbvio, a duplicação do número de casos atendidos exerce influência em
todos os mecanismos de atendimento e gera sobrecarga em todo o aparato da
justiça infracional juvenil.
Apesar disto, entende Rodrigues (2010) que a implantação deste modelo de
atendimento fez com que se tornasse visível a mudança de vários paradigmas. O
mais importante deles seria a percepção por parte do adolescente que não existe
impunidade já que não são mais liberados na Delegacia e sim responsabilizados
ante a presença da autoridade judiciária. Outro ponto importante é que os próprios
profissionais que atuam na área e a própria sociedade passaram a ter mais
credibilidade na Justiça.
Ao critério da autora, positivaram-se benefícios quanto ao acesso ao Poder
Judiciário, ao considerar: a) a ampliação do acesso à Justiça, dado que o arranjo
interinstitucional apresentado pelo CIA-BH assegura que 100% dos adolescentes
infratores, identificados e apreendidos, terão acesso efetivo ao sistema de justiça
penal juvenil; b) simplificação e facilitação deste acesso, tanto por parte dos
adolescentes ou seus responsáveis quanto por parte da sociedade considerando a
localização central do CIA e a prestação de serviços por várias instituições no
mesmo prédio e funcionamento diário, independente de feriados, recessos e finais
de semana; c) Diminuição do custo de acesso à Justiça e alcance social, pelos
motivos expostos na alínea anterior; d) Celeridade Processual, pela própria
configuração institucional do CIA, dado o imediato e pronto diálogo que pode ser
realizado entre seus atores e e) Eficiência e qualidade, com a racionalização dos
procedimentos.
É fato que o CIA resultou em benefícios para a sociedade como um todo.
Entretanto, seria ideal que o modelo se regionalizasse pela cidade potencializando a
capacidade de atendimento da justiça infracional belo-horizontina.
44
6 O TRÁFICO DE DROGAS E O ROUBO: PERFIL DO ADOLESCENTE
INFRATOR DA CIDADE DE BELO HORIZONTE
A alta incidência dos atos infracionais análogos ao tráfico de drogas na
comarca de Belo Horizonte, foi o critério definidor de sua análise no presente estudo.
Quanto ao roubo (art. 157, caput, do CPB) sua escolha se deve ao fato de se
caracterizar como ato violento.
Examinada a partir de pesquisa realizada no CIA-BH, a incidência do tráfico
de drogas mostra-se crescente no decorrer dos anos (tabelas 1 e 2 do capítulo
anterior). Esta tendência se positiva desde o ano de 2006 quando se vê duplicada
sua ocorrência em relação ao ano de 2005. Nota-se a marcha ascendente do
fenômeno e a inexistência de estabilização, no período de cinco anos compreendido
entre 2005 e 2009.
Já o roubo, apresenta ligeira queda desde 2005 e, a permanecer a tendência
observada no primeiro semestre do corrente, ao final deste ano apresentará o menor
índice do último lustro.
De se considerar que a violência se associa às práticas impostas pelo
tráfico e que a categoria de morte por causa violenta é a principal responsável pela
mortalidade entre jovens (Beato, 2003).
Neste sentido, afirma Sapori (2010) que à entrada do crack em Belo
Horizonte, no ano de 1995, seguiu-se uma epidemia de homicídios que passa a
atingir a cidade a partir de 1997. Aduz que existe forte evidência de que o
crescimento das ocorrências de homicídios em Belo Horizonte, a partir deste ano,
possa ser entendido, em grande medida, pelo recrudescimento dos conflitos
relacionados ao tráfico de drogas.
O período da disseminação e da consolidação do comércio do crack em Belo Horizonte coincide com o crescimento da vitimização dos jovens na faixa etária de 15 a 24 anos de idade. [...] A taxa de homicídios entre os jovens de 15 a 24 anos tornou-se 2,5 vezes maior do que taxa dos adultos acima de 25 anos. (SAPORI, 2010, p. 7)
Os adolescentes, até mesmo as crianças, têm sido arregimentados pelo
tráfico. São colocados na linha de frente, em posições que permitem a
intermediação com os consumidores e a vigilância oposta à ação da polícia e dos
45
grupos rivais. Por sua peculiar condição de desenvolvimento e fragilidade social,
terminam como os partícipes mais vitimizados.
Já o consumo das drogas, ao se considerar a condição sócio-econômica do
adolescente, pode levá-lo ao cometimento do roubo seja para satisfazer o vício, seja
como alternativa para o pagamento da dívida que se adquire junto aos traficantes.
Ante o exposto, o capítulo se propõe ao estudo das características que
marcam a prática dos atos infracionais tráfico de drogas e roubo. Bem assim aos
problemas que se relacionam ao fluxo de processamento no Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte: CIA-BH.
O período pesquisado é o primeiro semestre do ano de 2010. A análise se
escora em consulta nos arquivos do CIA-BH, notadamente os disponíveis na Vara
de Atos Infracionais da Infância e da Juventude. Sublinha-se que os referidos
bancos de dados, por ocasião da pesquisa, ainda não se encontravam plenamente
consolidados. Daí ter-se admitido a possibilidade de futuros pequenos ajustes que,
ao final, não resultariam em diferenças consideráveis no que respeita às conclusões
da presente pesquisa.
Os dados coligidos permitem a composição de uma série de informações
que se referem ao impacto do modus operandi do CIA-BH, à incidência dos atos em
comento e a caracterização do adolescente autor.
Importa sublinhar que, no universo das 1317 ocorrências referentes ao
tráfico de drogas e ao roubo, deve-se incluir os casos de reincidência. Não no
sentido estritamente jurídico que considera o fator tempo e a sentença transitada em
julgado. Reincidência, para o presente estudo, é a que implica no retorno do
adolescente ao CIA-BH em virtude do cometimento de ato infracional, no período em
estudo (1º semestre de 2010).
No que toca às ocorrências, consideradas as ações tipificadas nos arts. 33,
35 e 37 da Lei 11343, de 23 de agosto de 2006 (que trata do tráfico de drogas), e a
ação tipificada pelo art. 157 (roubo), do Código Penal Brasileiro, observa-se que o
tráfico de drogas é o que mais prevalece e alcança o índice de 22,3 % em relação
ao total de atos atendidos. Atinge-se a soma de 28,6% ao se cumular a taxa que diz
respeito ao Roubo.
Portanto, quase 1/3 dos adolescentes praticantes de atos infracionais, em
Belo Horizonte, concentram sua atividades ilegais no tráfico de drogas e no crime
contra o patrimônio ora em análise. É o que demonstra a tabela 3:
46
Tabela 3
OCORRÊNCIAS INFRACIONAIS ATENDIDAS - 1º SEMESTRE 2010
Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE DROGAS 1026 22,3 22,3 22,3
ROUBO 291 6,3 6,3 28,6
DEMAIS ATOS 3284 71,4 71,4 100,0
Total 4601 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Quanto ao gênero, considerados ambos os atos, é massiva a participação
de homens. Entretanto, a concentração de mulheres é maior para a prática do tráfico
de drogas (2 vezes mais) se comparada com a participação feminina na prática do
roubo.
Tabela 4
GÊNERO
ATO INFRACIONAL Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE
DROGAS
M 930 90,6 90,6 90,6
F 96 9,4 9,4 100,0
Total 1026 100,0 100,0
ROUBO M 278 95,5 95,5 95,5
F 13 4,5 4,5 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Tocante à problemática da raça/cor e tráfico de drogas, um número
considerável de casos se encontra sem informações a respeito. Precisamente
46,7%. Entretanto, 37,7% do total da amostra se constitui de pardos e pretos,
conforme respostas obtidas juntos aos próprio adolescentes (tabela 5).
No caso da relação entre roubo e raça/cor, os índices revelam que 36,5%
dos adolescentes que se envolveram com o roubo se identificaram como pretos e
pardos. Em 45,7% dos casos, não há informações a respeito.
47
Nota-se que 16 indígenas foram apreendidos em razão da prática dos atos
infracionais em análise, sendo 11 pelo envolvimento com o tráfico e o restante com o
roubo.
Tabela 5
RAÇA/COR
ATO INFRACIONAL Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE
DROGAS
S/ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 46,7
PARDO 231 22,5 22,5 69,2
PRETO 156 15,2 15,2 84,4
BRANCO 87 8,5 8,5 92,9
NS/NR 42 4,1 4,1 97,0
AMARELO 20 1,9 1,9 98,9
INDÍGENA 11 1,1 1,1 100,0
Total 1026 100,0 100,0
ROUBO S/ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 45,7
PARDO 59 20,3 20,3 66,0
PRETO 47 16,2 16,2 82,1
BRANCO 28 9,6 9,6 91,8
NS/NR 11 3,8 3,8 95,5
AMARELO 8 2,7 2,7 98,3
INDÍGENA 5 1,7 1,7 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Ao se analisar a idade dos adolescentes infratores, torna-se nítida a
prevalência de duas faixas etárias: entre 14 e 15 anos e entre 16 e 17 anos. Em
função do tráfico, as duas cumulam uma taxa de 93,5% enquanto que estudadas em
razão do roubo perfazem um total de 90,6%. Individualmente considerada, a faixa
etária entre 16 e 17 anos de idade, tanto no roubo quanto no tráfico, é a que mais
concentra adolescentes (tabela 6). Evidencia-se, aqui, uma preocupante questão
social. A que diz respeito à carreira criminal do adolescente. A se confirmar a
hipótese, da consolidação da tendência descrita pelos dados, é de se esperar que a
maioria dos adolescentes infratores permaneçam, depois de maiores de idade, no
contexto da criminalidade e, portanto, a interagir com o sistema de justiça criminal.
48
Tabela 6
FAIXA ETÁRIA
ATO INFRACIONAL Frequência
Percentua
l
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE DROGAS Valid 16 E 17 ANOS 590 57,5 57,7 57,7
14 E 15 ANOS 367 35,8 35,9 93,5
12 E 13 ANOS 59 5,8 5,8 99,3
MAIS DE 18 ANOS 7 ,7 ,7 100,0
Total 1023 99,7 100,0
Missing System 3 ,3
Total 1026 100,0
ROUBO Valid 16 E 17 ANOS 160 55,0 55,7 55,7
14 E 15 ANOS 100 34,4 34,8 90,6
12 E 13 ANOS 24 8,2 8,4 99,0
MAIS DE 18 ANOS 3 1,0 1,0 100,0
Total 287 98,6 100,0
Missing System 4 1,4
Total 291 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Quanto ao estado civil, 4,6% dos adolescentes que se envolveram com o
tráfico declararam-se amigados. Com o roubo, 2,4%.
Tabela 7
ESTADO CIVIL
ATO INFRACIONAL Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE DROGAS SOLTEIRO 500 48,7 48,7 48,7
S/ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 95,4
AMIGADO 47 4,6 4,6 100,0
Total 1026 100,0 100,0
ROUBO SOLTEIRO 151 51,9 51,9 51,9
S/ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 97,6
AMIGADO 7 2,4 2,4 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
49
Um percentual de 20,83% das adolescentes que se envolveram com o
tráfico estavam grávidas e dentre as que cometeram roubo apenas 0,34% (tabelas 8
e 4). Considerando-se ambos os sexos, 4,2% do total dos jovens praticantes do
tráfico de drogas afirmaram já serem pais. Quanto ao roubo, 3,1%. (tabela 8)
Tabela 8
FILHOS
ATO INFRACIONAL Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE DROGAS NÃO 484 47,2 47,2 47,2
S\ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 93,9
SIM 43 4,2 4,2 98,1
GRÁVIDA 20 1,9 1,9 100,0
Total 1026 100,0 100,0
ROUBO NÃO 148 50,9 50,9 50,9
S\ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 96,6
SIM 9 3,1 3,1 99,7
GRÁVIDA 1 ,3 ,3 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
A ocupação remunerada faz parte da vida de 10,5% dos adolescentes
apreendidos pela prática do tráfico e de 10,3% daqueles que se envolveram com o
roubo. Cumpre salientar que o trabalho, no Brasil, é permitido somente a partir dos
16 anos, salvo para o aprendiz.
Tabela 9
TRABALHO ATUAL
ATO INFRACIONAL Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE DROGAS S\ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 46,7
NÃO 439 42,8 42,8 89,5
SIM 108 10,5 10,5 100,0
Total 1026 100,0 100,0
ROUBO S\ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 45,7
NÃO 128 44,0 44,0 89,7
SIM 30 10,3 10,3 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
50
Tabela 10
NATUREZA DO TRABALHO
ATO INFRACIONAL Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
TRÁFICO DE DROGAS S\ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 46,7
NSA 439 42,8 42,8 89,5
INFORMAL 99 9,6 9,6 99,1
FORMAL 9 ,9 ,9 100,0
Total 1026 100,0 100,0
ROUBO S\ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 45,7
NSA 128 44,0 44,0 89,7
INFORMAL 28 9,6 9,6 99,3
FORMAL 2 ,7 ,7 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Questionados sobre a natureza do trabalho, os adolescentes responderam
conforme descrição da tabela anterior. De se notar, tocante aos dois atos
infracionais em comento, que em cada um deles não se atinge o índice de 1% para
o trabalho formal.
A questão da escolaridade, também, foi analisada nesta pesquisa. Procurou-
se relacioná-la com a idade dos adolescentes infratores em cotejamento com cada
um dos atos estudados. O fracasso escolar dos adolescentes resultou evidente.
Tanto na vida dos jovens que tiveram envolvimento com o tráfico, quanto na
daqueles que cometeram o roubo. Tal ocorrência indica, para além da situação
desviante estritamente considerada, a ampla conjuntura de vulnerabilidade social na
qual estes adolescentes se inserem. Situação de considerável peso que favorece a
exclusão social e que, dialeticamente, fomenta o fracasso na escola e induz à
criminalidade. É que as oportunidades no mercado de trabalho e, grosso modo, no
"mercado social" se restringem enquanto que a rotulação e o estigma avançam.
No dia-a-dia da Vara de Atos infracionais é comum o relato, por parte dos
pais, que os filhos param de estudar quando assim o querem ou que é difícil
encontrar vagas nas escolas próximas de casa. Outro fator a considerar é que a
dinâmica imposta pelo tráfico de drogas, que divide os bairros e a favelas em vários
territórios, impede o acesso às escolas já que os adolescentes inclusos em
determinado território, sob pena de morte, são impedidos de caminhar por outros.
51
TABELA 11
ESCOLARIDADE X IDADEa
IDADE
Total 12 13 14 15 16 17 18
4ª SÉRIE - ENS FUND
2 8 9 18 9 11 0 57 16,7% 17,0% 7,4% 7,3% 3,2% 3,5% ,0% 5,6%
5ª SÉRIE - ENS FUND
7 18 32 46 57 49 2 211
58,3% 38,3% 26,4% 18,7% 20,4% 15,8% 28,6% 20,6%
6ª SÉRIE - ENS FUND
2 10 32 49 44 64 1 202 16,7% 21,3% 26,4% 19,9% 15,7% 20,6% 14,3% 19,7%
7ª SÉRIE - ENS FUND
0 3 12 50 33 40 3 141
,0% 6,4% 9,9% 20,3% 11,8% 12,9% 42,9% 13,8%
8ª SÉRIE - ENS FUND
0 0 5 42 59 52 1 159
,0% ,0% 4,1% 17,1% 21,1% 16,8% 14,3% 15,5%
NÃO ESTUDA 1 6 8 10 27 21 0 73
8,3% 12,8% 6,6% 4,1% 9,6% 6,8% ,0% 7,1%
OUTROS 0 2 23 31 51 73 0 180
,0% 4,3% 19,0% 12,6% 18,2% 23,5% ,0% 17,7%
Total 12 47 121 246 280 310 7 1023
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
a. ATO INFRACIONAL = TRÁFICO DE DROGAS
TABELA 12
ESCOLARIDADE X IDADEa
IDADE
Total 12 13 14 15 16 17 18
4ª SÉRIE - ENS FUND
4 3 0 0 2 8 0 17
44,4% 20,0% ,0% ,0% 3,1% 8,4% ,0% 5,9%
5ª SÉRIE - ENS FUND
3 1 7 18 9 9 0 47
33,3% 6,7% 23,3% 25,7% 13,8% 9,5% ,0% 16,4%
6ª SÉRIE - ENS FUND
0 3 6 17 9 10 1 46
,0% 20,0% 20,0% 24,3% 13,8% 10,5% 33,3% 16,0%
7ª SÉRIE - ENS FUND
0 1 7 7 9 13 0 37
,0% 6,7% 23,3% 10,0% 13,8% 13,7% ,0% 12,9%
8ª SÉRIE - ENS FUND
1 2 3 11 8 16 0 41
11,1% 13,3% 10,0% 15,7% 12,3% 16,8% ,0% 14,3%
NÃO ESTUDA 0 2 3 5 6 11 1 28
,0% 13,3% 10,0% 7,1% 9,2% 11,6% 33,3% 9,8%
OUTROS 1 3 4 12 22 28 1 71
11,1% 20,0% 13,4% 17,1% 33,8% 29,5% 33,3% 24,7%
Total 9 15 30 70 65 95 3 287
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
a. ATO INFRACIONAL = ROUBO
52
Observou-se (tabela 6) que a maioria dos adolescentes que foram
apreendidos pela prática de roubo e tráfico de drogas têm idade entre 14 e 17 anos
de idade. 90,6% para o roubo e 93,5% para o tráfico. Com base na menor idade
considerada (14 anos), pelo menos a maioria já deveria ter cursado a 7ª série do
ensino fundamental.
Entretanto, as tabelas 11 e 12 revelam que apenas 13,8% dos adolescentes
praticantes de tráfico de drogas cursaram até a 7ª série do ensino fundamental.
Considerado o roubo, somente 12,9% dos infratores chegaram a esta série escolar.
A 5ª e 6º série do ensino fundamental representa a faixa de maior
concentração de adolescentes. Para o roubo 32,4% e para o tráfico 40,3%.
Considerado o ensino médio, nota-se os índices de 10,1% (para o tráfico) e
14,9% (para o roubo). Frise-se, em relação ao ensino médio, que apenas 0,4%
(tráfico) e 1,7% (roubo) alcançaram o 3º ano.
Nunca estudaram: 0,1% para o tráfico e 0,3% para o roubo.
Um percentual de 7,1% (tráfico) e 9,8% (roubo) dos adolescentes decidiram
parar de estudar, por ocasião da pesquisa. O que faz deduzir que a maioria ainda
possui vínculo com a escola.
Outro elemento que importa ser analisado é o tempo de permanência dos
adolescentes nas dependências do CIA-BH ao se considerar os procedimentos
legais determinados pelo ECA.
De se notar, aqui, a otimização do tempo causada pela constituição do
Centro Integrado de Atendimento ao Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte. Este
fator é importante porque consolida a certeza, nos adolescentes infratores, de que
serão responsabilizados pelo cometimento do ato infracional. Os estudiosos do tema
têm concluído que o transcurso do tempo, para um jovem que está sedimentando a
própria personalidade, produz efeitos muito mais profundos do que para a pessoa já
biologicamente amadurecida. Daí ser importante que o sistema de justiça infracional
atue o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, esta agilidade no atendimento
contribui para a compreensão, por parte da sociedade, que a impunidade, em se
tratando de política infracional, está sendo satisfatoriamente combatida.
O problema do tempo do judiciário é relevante, também, porque indica sua
capacidade de organizar, acolher e expressar a própria idéia de justiça. O cuidado
deve voltar-se, sobretudo, para que a pressa no fluxo dos procedimentos afaste a
incidência dos direitos já estabelecidos e inafastáveis.
53
Como descrevem as tabelas 13 e 14, no CIA-BH, desde o preenchimento do
REDS à decisão judicial que põe fim à audiência preliminar, podendo finalizar
também o processo, o tempo que se despende pode chegar até 24 horas de
duração1.
Tabela 13
TEMPO DE PERMANÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CIA-BH
TRÁFICO DE DROGAS
Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
S\ INFORMAÇÃO 237 23,1 23,1 23,1
ENTRE 12 E 15 HORAS 143 13,9 13,9 37,0
ENTRE 15 E 18 HORAS 139 13,5 13,5 50,6
ENTRE 10 E 11 HORAS 56 5,5 5,5 56,0
ENTRE 09 E 10 HORAS 52 5,1 5,1 61,1
ENTRE 11 E 12 HORAS 48 4,7 4,7 65,8
ENTRE 08 E 09 HORAS 42 4,1 4,1 69,9
ENTRE 18 E 20 HORAS 41 4,0 4,0 73,9
ENTRE 06 E 07 HORAS 40 3,9 3,9 77,8
ENTRE 20 E 22 HORAS 37 3,6 3,6 81,4
ENTRE 07 E 08 HORAS 35 3,4 3,4 84,8
ENTRE 05 E 06 HORAS 34 3,3 3,3 88,1
ENTRE 02 E 03 HORAS 28 2,7 2,7 90,8
ENTRE 01 E 02 HORAS 22 2,1 2,1 93,0
ENTRE 03 E 04 HORAS 20 1,9 1,9 94,9
ENTRE 04 E 05 HORAS 18 1,8 1,8 96,7
ENTRE 22 E 24 HORAS 18 1,8 1,8 98,4
MENOS DE 01 HORA 16 1,6 1,6 100,0
Total 1026 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Em relação ao cometimento do ato infracional tráfico de drogas, observa-se
que o período de permanência que se evidencia é aquele entre 09 e 18 horas
1 Cumpre esclarecer que o adolescente encaminhado ao CIA-BH, após o encerramento diário das
audiências preliminares, aguarda seu reinício na manhã do próximo dia. Tal fato, por óbvio, interfere em seu tempo de permanência no Centro Integrado.
54
cumulando a taxa de 38% do total das faixas de tempo consideradas. Em 237 casos
(23,1%), não se pode precisar o tempo de permanência.
Os casos resolvidos em até 05 horas cumulam o total de 10,1% do total,
sendo que 1,6% deles são solucionados em menos de 01 hora.
A tabela 14 descreve o tempo de permanência dos adolescentes que
decidiram pelo cometimento do roubo:
Tabela 14
TEMPO DE PERMANÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CIA-BH
ROUBO
Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
S\ INFORMAÇÃO 73 25,1 25,1 25,1
ENTRE 15 E 18 HORAS 36 12,4 12,4 37,5
ENTRE 12 E 15 HORAS 31 10,7 10,7 48,1
ENTRE 07 E 08 HORAS 24 8,2 8,2 56,4
ENTRE 11 E 12 HORAS 18 6,2 6,2 62,5
ENTRE 10 E 11 HORAS 16 5,5 5,5 68,0
ENTRE 09 E 10 HORAS 15 5,2 5,2 73,2
ENTRE 18 E 20 HORAS 14 4,8 4,8 78,0
ENTRE 05 E 06 HORAS 11 3,8 3,8 81,8
ENTRE 04 E 05 HORAS 10 3,4 3,4 85,2
ENTRE 08 E 09 HORAS 9 3,1 3,1 88,3
ENTRE 06 E 07 HORAS 8 2,7 2,7 91,1
ENTRE 20 E 22 HORAS 7 2,4 2,4 93,5
ENTRE 01 E 02 HORAS 5 1,7 1,7 95,2
ENTRE 22 E 24 HORAS 5 1,7 1,7 96,9
MENOS DE 01 HORA 4 1,4 1,4 98,3
ENTRE 02 E 03 HORAS 3 1,0 1,0 99,3
ENTRE 03 E 04 HORAS 2 ,7 ,7 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
Verifica-se que o período de permanência que prevalece é aquele entre 12 e
18 horas cumulando a taxa de 23% do total das faixas de tempo. Logo após a faixa
de tempo entre 07 e 08 horas (8,2%).
55
Em 73 casos (25,1%), não se pode precisar o tempo de permanência.
Os eventos resolvidos em até 05 horas cumulam o total de 8,2% dos casos.
Quanto às decisões judiciais construídas nas audiências preliminares,
referente ao evento tráfico de drogas (tabela 15), de se perceber o alto índice das
internações provisórias. Sua incidência atinge a faixa de 45,2% das decisões
possíveis, superando os casos em que os adolescentes respondem ao processo em
liberdade (20,3%).
As remissões suspensivas, cumuladas das medidas de meio aberto
Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade, atingem o índice de
22,4%.
A remissão extintiva do processo diz respeito a 2% dos casos enquanto que
o arquivamento do feito, pelo judiciário, se refere a 2,4% dos casos de tráfico de
drogas.
Tabela 15
DECISÃO NAS AUDIÊNCIAS PRELIMINARES: TRÁFICO DE DROGAS
Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
INTERNAÇÃO PROVISÓRIA 464 45,2 45,2 45,2
RESPONDER PROCESSO EM
LIBERDADE
208 20,3 20,3 65,5
REMISSÃO SUSPENSIVA - L.A 144 14,0 14,0 79,5
REMISSÃO SUSPENSIVA - PSC 86 8,4 8,4 87,9
REMISSÃO EXTINTIVA /
ADVERTÊNCIA
50 4,9 4,9 92,8
ARQUIVAMENTO 25 2,4 2,4 95,2
REMISSÃO EXTINTIVA 21 2,0 2,0 97,3
ENTREGUE AOS RESPONSÁVEIS 12 1,2 1,2 98,4
INSTRUÇÃO DO FEITO 7 ,7 ,7 99,1
RETORNO DOS AUTOS À DELEGACIA 4 ,4 ,4 99,5
RETORNO AO CUMPRIMENTO DE
PSC
2 ,2 ,2 99,7
S\ INFORMAÇÃO 1 ,1 ,1 99,8
RETORNO A SEMILIBERDADE 1 ,1 ,1 99,9
VISTA AO MP 1 ,1 ,1 100,0
Total 1026 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
56
Tocante ao evento Roubo, as decisões judiciais estabelecidas nas
audiências preliminares se traduzem conforme descrito na tabela 16. Percebe-se,
também aqui, o alto índice das internações provisórias. Sua incidência atinge a taxa
de 60,5% das decisões, superando os casos em que os adolescentes respondem ao
processo em liberdade (7,9%).
As remissões suspensivas, cumuladas das medidas de meio aberto
Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade, atingem o índice de
24,7%.
A remissão extintiva do processo diz respeito a 0,7% dos casos enquanto
que o arquivamento do feito, pelo judiciário, se refere a 1,4% dos casos de roubo.
Tabela 16
DECISÃO NAS AUDIÊNCIAS PRELIMINARES: ROUBO
Frequência Percentual
Percentual
Válido
Percentual
Cumulado
INTERNAÇÃO PROVISÓRIA 176 60,5 60,5 60,5
REMISSÃO SUSPENSIVA - PSC 51 17,5 17,5 78,0
RESPONDER PROCESSO EM
LIBERDADE
23 7,9 7,9 85,9
REMISSÃO SUSPENSIVA - L.A 21 7,2 7,2 93,1
REMISSÃO EXTINTIVA /
ADVERTÊNCIA
6 2,1 2,1 95,2
ARQUIVAMENTO 4 1,4 1,4 96,6
ENTREGUE AOS RESPONSÁVEIS 3 1,0 1,0 97,6
S/ INFORMAÇÃO 2 ,7 ,7 98,3
REMISSÃO EXTINTIVA 2 ,7 ,7 99,0
DECISÃO INCONCLUSIVA 1 ,3 ,3 99,3
OUTRAS(OS) 1 ,3 ,3 99,7
RETORNO DOS AUTOS À
DELEGACIA
1 ,3 ,3 100,0
Total 291 100,0 100,0
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
É necessário apontar a alta incidência da internação provisória, nas decisões
das audiências preliminares. Nota-se que ela atinge o índice de 45,2%, no caso de
57
tráfico de drogas, e 60,5% das decisões possíveis, no evento roubo. Isto, a despeito
do Estatuto da Criança e do Adolescente determinar, expressamente, que a medida
de internação (privativa de liberdade) deve obediência aos princípios da brevidade e
da excepcionalidade. Se a medida de internação - última ratio do sistema infracional
- se submete à necessidade da sentença transitada em julgado e deve se atrelar aos
mencionados princípios, que dizer da internação provisória? Aqui, o sistema parece
se contradizer: a lógica do CIA-BH não deveria significar uma diminuição das
medidas privativas de liberdade? Entretanto, note-se que apenas 20,3% dos
adolescentes, quanto ao tráfico, e 7,9%, quanto ao roubo, respondem ao processo
em liberdade. No sistema de justiça infracional e nas políticas de segurança pública,
onde o "ruído" causador de tal contradição?
Outra inferência - se apriorística não se sabe, permitida pela análise das
tabelas 15 e 16, é o tratamento desigual que a decisão judicial concede a cada uma
das classes de infratores. 60,5% dos casos de roubo culminam em internação
provisória enquanto que 45,2% dos eventos de tráfico recebem a mesma decisão.
Quais as determinantes que influenciam esta diferença no resultado das decisões?
As peculiaridades de cada caso ou a filosofia patrimonialista? A condição especial
do adolescente ou a arbítrio do sistema? Por fim, parece interessante uma pesquisa
neste sentido.
TABELA 17
ENCAMINHAMENTO X ATO INFRACIONAL
TRÁFICO DE DROGAS ROUBO
LIBERADO Casos 535 113 648
% 52,1% 38,8% 49,2%
DOPCAD Casos 0 2 2
% ,0% ,7% ,2%
CRSSJ Casos 38 7 45
% 3,7% 2,4% 3,4%
CEIP/DB Casos 428 166 594
% 41,7% 57,0% 45,1%
S/ INFORMAÇÃO Casos 25 3 28
% 2,4% 1,0% 2,1%
Total Casos 1026 291 1317
% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010
58
Relacionado às decisões expressas na tabelas 15 e 16, está o local para
onde os adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas e o roubo são
encaminhados (vide tabela 17). Frise-se que o CRSSJ é unidade de atendimento do
sexo feminino.
59
7 CONCLUSÃO
A sedimentação dos princípios que estruturam o Estatuto da Criança e do
Adolescente, concebidos atualmente como pilares principais de toda ordem jurídica
infanto-juvenil, constitui importante passo na história social brasileira.
Evidencia-se, entretanto, que esta construção institucional enfrenta desafios
de vulto, no âmbito político e social. Também, intramuros, no próprio campo de
atuação da segurança pública e da justiça infracional sendo que estes desafios se
explicam, por um lado, pela incompreensão dos próprios objetivos das normas
estatutárias e, por outro, pela falta de vontade política para sua execução. Condição
atestada, talvez, pelo descompasso entre as idéias valoradas pelo ECA e a maneira
pela qual o sistema infracional é praticado.
Este trabalho se pautou pelo estudo do Princípio da Proteção Integral,
considerando-se sua conceituação e alcance social e bem assim pela análise do
status de sua exiquibilidade expresso no fazer cotidiano da justiça infracional em
Belo Horizonte.
Evidenciou-se a consolidação paulatina de um direito penal juvenil limitado
pelas determinantes principiológicas do ECA. Direito penal juvenil que engendra
todo um aparato específico de justiça infracional estabelecida para o fiel
cumprimento das medidas socioeducativas.
Por sua vez, estas medidas, em sua expressão conceitual, foram cotejadas
com as teorias de construção social do ato infracional - especificamente as de
rotulagem - e surgiram como expressão lógica de um contexto sócio-político
controlador, a despeito de sua dicotômica natureza punitiva-educadora. Tanto assim,
que se verificou os altos índices de internação provisória ao se analisar as decisões
judiciais relacionadas ao cometimento dos atos tráfico de drogas e roubo. Neste
particular, sublinha-se uma contradição no sistema. Parece que o aparato da justiça
infracional, notadamente no que respeita à questão das medidas socioeducativas, se
encontra mais próximo do sentido punitivo que daquele educativo, proposto e
priorizado pelo ECA.
Nada obstante os desafios apresentados, evidenciou-se o fluxo de
procedimentos no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato
Infracional - CIA\BH. De se concluir pelo acerto de sua implantação já que significa
importante passo na garantia dos direitos dos adolescentes infratores e, também,
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um contraponto à morosidade dos trabalhos da justiça. Constatou-se que, no
máximo em 24 horas, todos os atores do sistema realizam as atividades que a lei
lhes determina. Melhor ainda: 91,1% dos casos aguardam até 18 horas para a
realização da audiência. O que fortalece a noção de aplicabilidade da justiça para a
sociedade bem como para os próprios personagens da justiça infracional que
percebem e vivenciam a ação contra a impunidade. Também o adolescente infrator
termina por alcançar a clara percepção de sua responsabilização.
Foi analisado o perfil dos adolescentes praticantes dos atos infracionais
roubo (art. 157, caput, do CPB) e tráfico de drogas em Belo Horizonte. Constata-se
que a maioria se caracteriza pelo fracasso escolar e que se originam das camadas
populacionais mais fragilizadas do ponto de vista socioeconômico.
A concentração de adolescentes na faixa etária entre 15 e 17 anos de idade
parece se constituir em forte indicativo da opção pela carreira criminal, ao se
considerar que a pesquisa desconsiderou o fator reincidência. Questão importante,
neste particular, é que, apesar do fracasso escolar, o vínculo com a escola ainda
persiste. Esta vinculação pode ser aproveitada pelas políticas públicas em
programas sociais que visem resgatar o adolescente da opção pela carreira criminal.
Evidentemente, oferecendo outras alternativas de vida mais dignas que aquelas até
agora apresentadas.
Por derradeiro, verifica-se que o CIA resultou em benefícios para a
sociedade como um todo. Entretanto, entende-se que o ideal seria a regionalização
de seu modelo o que, de fato, potencializaria a capacidade de atendimento da
justiça infracional belo-horizontina.
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