Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO ESCOLA DE GOVERNO PROFESSOR PAULO NEVES DE CARVALHO CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA INFRACIONAL E O CIA-BH Elerson Márcio dos Santos Belo Horizonte 2010

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Adolescente Infrator, justiça infracional, Direito Juvenil, MedidasSocioeducativas

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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO ESCOLA DE GOVERNO PROFESSOR PAULO NEVES DE CARVALHO

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA INFRACIONAL E O CIA-BH

Elerson Márcio dos Santos

Belo Horizonte 2010

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Elerson Márcio dos Santos

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA INFRACIONAL E O CIA-BH

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Segurança Pública e Justiça Criminal pela Fundação João Pinheiro. Orientador: Dr. Eduardo Cerqueira Batitucci

Belo Horizonte 2010

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Dedico esse trabalho aos meus pais, a

minha esposa, a meus filhos e a todos

que caminham junto a meus passos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas valiosas oportunidades concedidas. Ao meu Anjo Guardião e demais amigos espirituais pela abnegação

constante. A dona Eva e ao senhor Antônio - pais queridos – pelos sonhos, lutas e

renúncias com os quais falaram, intensamente, de seu amor. A Denise, esposa e amiga, por toda dedicação e ideais inspirados. Aos meus filhos, Lucas e Pedro, por comparticiparem de minhas aspirações

mais caras. A d. Ana, ao Rafael e ao Daniel pela torcida inarticulada, mas sincera. Aos meus irmãos e demais familiares pelo apoio e votos de vitória. Aos meus professores e demais amigos. Por fim, ao meu orientador prof. Eduardo Cerqueira Batitucci.

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"Há um elemento que quase não se faz pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de uma teoria: é a educação; não, a educação intelectual, mas a educação moral; tampouco a educação moral, através dos livros, mas a que consiste na arte de formar os caracteres, a que incute hábitos, pois a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Quando se considera a massa de indivíduos, lançados, todos os dias, na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues aos seus próprios instintos, devemos nos espantar com as conseqüências desastrosas que daí resultam?"

Allan Kardec, in “O Livro dos Espíritos”

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RESUMO

O presente trabalho tem o escopo de ponderar sobre o impacto da

consolidação do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato

Infracional de Belo Horizonte - CIA\BH, no aparato da justiça infracional belo-

horizontina. Considerando a incidência dos atos infracionais, tráfico de drogas e

roubo, questiona-se sobre o perfil do adolescente autor destes atos ao tempo em

que se sublinha os mecanismos de atendimento praticados no CIA-BH. A discussão

é iniciada pela análise da relação existente entre o adolescente infrator e o Princípio

da Proteção Integral, considerado este último em sua abrangência e evolução

histórica no Brasil. A construção social do ato infracional, o direito penal juvenil, as

medidas socioeducativas e o sistema de justiça infracional juvenil se apresentam

como temas de revelo nesta pesquisa. Quer se demonstrar que a aplicabilidade dos

princípios infracionais acolhidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, é

dependente de sua compreensão pelos atores da justiça infracional e da sociedade

que podem facilitar sua implementação.

Palavras-Chave: Adolescente Infrator, justiça infracional, Direito Juvenil, Medidas

Socioeducativas

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LISTAS DE SIGLAS

CEIP/DB - Centro de Internação Provisória Dom Bosco

CEPRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CIA-BH - Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional

de Belo Horizonte

CPB - Código Penal Brasileiro

CRSSJ - Centro de Reeducação Social São Jerônimo

DOPCAD - Delegacia de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

LA - Liberdade Assistida

MP - Ministério Público

PMMG - Polícia Militar do Estado de Minas Gerais

PSC - Prestação de Serviços à Comunidade

PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

REDS - Registro de Evento de Defesa Social

SAM - Serviço de Assistência aos Menores

SUASE - Subsecretaria de Estado de Atendimento às Medidas Socioeducativas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ........................................................................................... 10

3 O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL JUVENIL, O ATO INFRACIONAL E SUA CONSTRUÇÃO SOCIAL .......................................................................................... 18

4 O DIREITO PENAL JUVENIL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ................. 27

5 O CIA-BH E SEU FLUXO DE PROCEDIMENTOS ................................................ 35

6 OTRÁFICO DE DROGAS E O ROUBO: PERFIL DO ADOLESCENTE INFRATOR DA CIDADE DE BELO HORIZONTE ....................................................................... 44

7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 59

8 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 61

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1 INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente representa novo paradigma jurídico

que desafia novos procedimentos por parte da Segurança Pública, tocante ao

adolescente autor de ato infracional.

Observa-se que os princípios jurídicos que o estruturam, ratificadores do

princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez expresso na Constituição

Federal (art. 1º, inc. III), se encontram em lenta sedimentação conceitual.

Resulta desta gestação principiológica não poucas divergências - seja por

parte dos sujeitos ativos da justiça criminal, considerada em todo o seu contingente,

seja por parte de grande parcela da sociedade e, incrível que pareça, até mesmo por

parte dos próprios adolescentes infratores e seu grupo familiar.

Vinte anos passados da edição da norma legal, percebe-se ainda grandes

dificuldades do Poder Público e seus atores, da sociedade e seus grupos, em torná-

la plenamente exequível. Incompreensões sobre sua natureza e sua finalidade se

consubstanciam em nódulos sociais de difícil erradicação. Sobretudo no que

respeita ao direito penal juvenil e sua práxis. O Estatuto, apesar disto e dos naturais

limites que lhe dizem respeito, foi concebido, quanto aos seus objetivos, de forma

bastante clara. Em sua intenção, uma vida mais digna e nobre - politica e

solcialmente referida - para o universo brasileiro de crianças e adolescentes. Em seu

propósito, a erradicação da exclusão social que rotula, estigmatiza e determina o

futuro de grande parcela da sociedade.

Muitos têm falado do ECA, positiva ou negativamente, nas academias ou

nos botequins, mas poucos parecem conhecê-lo de fato. O imaginário de muitos

geralmente o apreende como incentivador da criminalidade infanto-juvenil e como

opositor das "boas" práticas educacionais. A mídia de espetáculo aí se mistura e

amplifica o equívoco que corre a sociedade como verdade irreparável.

Não que a norma seja perfeita. Antes, pelo contrário. O dinamismo dos

fenômenos sociais não permite tal conclusão.

Almeja-se, apenas, evidenciar que os princípios jurídicos estruturantes do

Estatuto da Criança e do Adolescente merecem mais atenção por parte do conjunto

de instituições e profissionais responsáveis pela aplicação da lei em tela. Mais ainda

das instituições políticas. Pretende-se, também, apresentar a estrutura e proposta do

CIA-BH como alternativa de sucesso no enfrentamento desta questão.

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Para o desiderato, o presente trabalho partiu da análise do conceito e

consolidação do Princípio da Proteção Integral no Brasil e sua imposição pelo ECA.

Sua abrangência, no que respeita ao adolescente autor de ato infracional, foi

estudada. Considerou-se a opção política pelo distanciamento da doutrina da

situação irregular.

Ligeira revisão bibliográfica sobre a construção social do crime, sob a ótica

da teoria interacionalista, e sua relação com o sistema de justiça infracional,

também, se impôs. Passou-se à análise do direito penal juvenil e das medidas

socioeducativas por ele impostas.

De mais importante, estudou-se a criação e os procedimentos do Centro

Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo

Horizonte/CIA-BH e o impacto daí resultante na prática da Segurança Pública e da

Justiça Infracional belo-horizontina.

A relevância da pesquisa sedimenta-se na compreensão das características

- dificuldades e facilidades - relacionadas ao andamento processual dos atos

infracionais, considerando-se o tempo de julgamento dos processos, desde a

lavratura do REDS e seu fluxo no Judiciário de Belo Horizonte, e os possíveis óbices

enfrentados pelos atores da justiça criminal infanto-juvenil. Por isto, o fluxo dos atos

infracionais tráfico de drogas e roubo (art. 157, caput, do CPB), no CIA-BH, mereceu

especial atenção. Bem assim, o perfil dos adolescentes autores destes atos foi

estudado.

A metodologia elegida, além da pesquisa bibliográfica, foi a consulta nos

arquivos do CIA-BH, principalmente os disponíveis na Vara de Atos Infracionais da

Infância e da Juventude de Belo Horizonte. O período pesquisado foi o primeiro

semestre do ano de 2010.

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2 O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL E O PRINCÍPIO DA

PROTEÇÃO INTEGRAL

Ao se estudar o princípio da proteção integral – fundamento diretor das

interpretações das leis infanto-juvenis vigentes no Brasil - e sua abrangência em

relação ao adolescente autor de ato infracional, torna-se importante excursionar

sobre o historial brasileiro no que toca à sedimentação da responsabilidade penal do

adolescente e das respectivas políticas públicas concebidas para dirimir a

problemática social da infância e da juventude.

Em 1808, o direito penal, então condensado nas Ordenações Filipinas,

estabelecia a imputabilidade a partir dos sete anos de idade e determinava a

redução da pena ao menor, excluída a pena de morte. De dezessete aos vinte e um

anos, era preponderante a discricionariedade do julgador sendo possível a

aplicabilidade da pena fatal e, em certas circunstâncias, a diminuição da pena. A

partir dos vinte e um anos, a imputabilidade tornar-se-ia plena. De se notar o rigor

com que o infrator infanto-juvenil era tratado:

Antes de 1830, quando foi publicado o primeiro Código Penal do Brasil, as crianças e os jovens eram severamente punidos, sem muita diferenciação quanto aos adultos, a despeito do fato de que a menor idade constituísse um atenuante à pena, desde as origens do direito romano. A adolescência confundia-se com a infância, que terminava em torno dos sete anos de idade, quando iniciava, sem transição, a idade adulta. (SOARES, 2003)

Proclamada a Independência, o Brasil outorga a Constituição do Império em

março de 1824. Em 1830, sob a égide da Constituição Imperial, surge o primeiro

código penal – Código Penal do Império do Brasil. Fixou-se, então, a imputabilidade

penal plena a partir dos quatorze anos de idade. Um critério biopsicológico foi

elegido para a punição dos infratores entre os sete e quatorze anos. Tais menores

poderiam ser considerados criminosos se houvesse prova de que agiram com

discernimento na prática criminosa. Era possível o recolhimento em casas de

correção, desde que aprouvesse ao juiz. Já a existência de casas de correção para

menores representava um avanço ao se considerar a prevalência da punição sobre

a educação em assuntos criminais, notadamente na época evidenciada.

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A análise da legislação em vigência no Brasil-Império, permite seja

vislumbrada a preocupação do legislador com o recolhimento das crianças em

orfandade.

No período Republicano, em 1890, promulga-se o Código Penal dos Estados

Unidos do Brasil. A imputabilidade penal plena continuou a observar os quatorze

anos de idade. Os menores de nove anos de idade, penalmente, eram considerados

irresponsáveis. Para o maior de nove anos e menor de quatorze, permanecia o

critério biopsicológico, baseado em sua capacidade de discernir. Ainda aqui, levava-

se em conta a apreciação do magistrado.

Rizzini (1997) esclarece que o Código Penal de 1890 foi objeto de

controvérsias e críticas pelo fato de ter sido concluído às pressas sem permitir a

discussão de questões importantes para o país. Tocante ao que concerne à infância,

foi encarado como um retrocesso em comparação ao código de 1830 já que

diminuiu a idade penal de quatorze para nove anos de idade. E isto em um momento

em que se debatia a necessidade de se evitar a penalização aplicada à criança e ao

adolescente. Proclamada a República, a elite social começa a discutir os destinos

das crianças. A temática passa a ser objeto de discussão política. Sublinha-se a

necessidade de intervenção estatal para educar e corrigir os menores para que se

transformem em cidadãos produtivos para o país, portanto, úteis economicamente,

em consequência dos reflexos sociais da Revolução Industrial.

Afirma Soares (2003), que as décadas iniciais do século XX são marcadas

por importantes inovações legislativas introduzidas no cenário internacional e

brasileiro e que a luta internacional pelos direitos da criança implantou a

reivindicação do reconhecimento de sua situação diversa da do adulto. Destarte, foi

criado o primeiro tribunal de menores em 1899, nos Estados Unidos, logo seguido

pela Inglaterra -1905, Alemanha -1908, Portugal e Hungria - 1911, França -1912,

Argentina -1921, Japão -1922, Brasil -1923, Espanha -1924, México -1927 e Chile -

1928.

Pondera Saraiva (2005), que por esta ocasião, paralelamente, veio-se

construindo a doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio

carência/delinquência. Adita que, se não mais se confundiam adultos com crianças,

desta nova concepção resultava outro mal: a consequente criminalização da

pobreza.

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Foi neste contexto do início de século, marcado pelo caráter tutelar deste novo direito, no surgimento dos grandes aglomerados urbanos, da preocupação com o crescimento da delinqüência juvenil, a partir das premissas do Congresso de Paris, que se estabeleceram os fundamentos das legislações de menores no mundo, com o abandono do chamado caráter penal indiferenciado, adotando doravante caráter tutelar. Assim também no Brasil. O perverso binômio carência/delinqüência, que marcou a lógica operativa deste sistema, e a resultante confusão conceitual, não distinguindo os abandonados dos infratores, até hoje presente na cultura brasileira, foi o fundamento das primeiras legislações brasileiras em relação ao Novo Direito da Criança. Na linha deste caráter tutelar da norma, a nova ordem acabava por distinguir as crianças bem-nascidas daquelas excluídas, estabelecendo uma identificação entre a infância socialmente desvalida e a infância “delinqüente”, criando um nova categoria jurídica: os menores. (SARAIVA, 2005, p. 38)

Em 1927, sob esta conjuntura, é estabelecido o primeiro Código de Menores

do Brasil, que passa a ser conhecido como Código Mello Mattos. Determinava que o

menor abandonado ou delinquente - menor de 18 anos e maior de 14 anos - se

submeteria ao regime nele estabelecido. Confira-se alguns dispositivos:

Art. 69. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou Contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será submettido a processo especial, tomando, ao mesmo tempo, a autoridade competente as precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e da situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa incumbida de sua guarda. § 1º Si o menor soffrer de qualquer forma de alienação ou deficiencia mental, fôr epileptico, sudo-mudo e cego ou por seu estado de saude precisar de cuidados especiaes, a autoridade ordenará seja submettido ao tratamento apropriado. § 2º Si o menor não fôr abandonado, nem pervertido, nem estiver em perigo de o ser, nem precisar do tratamento especial, a autoridade o recolherá a uma escola de reforma pelo prazo de um n cinco annos. § 3º Si o menor fôr abandonado, pervertido, ou estiver em perigo de o ser, a autoridade o internará em uma escola de reforma, por todo o tempo necessario á sua educação, que poderá ser de tres annos, no minimo e de sete annos, no maximo Art. 70. A autoridade póde a todo tempo, por proposta do director do respectivo estabelecimento, transferir o menor de uma escola de reforma para outra de preservação. Art. 71. Si fôr imputado crime, considerado grave pelas circumstancias do facto e condições pessoaes do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18 annos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de individuo perigoso pelo seu estado de perversão moral o juiz Ihe applicar o art. 65 do Codigo Penal, e o remetterá a um estabelecimento para condemnados de menor idade, ou, em falta deste, a uma prisão commum com separação dos condemnados adultos, onde permanecerá até que se verifique sua regeneração, sem que, todavia, a duração da pena possa exceder o seu maximo legal.

Vale esclarecer que, no Estado Novo, a Revolução de 1930, de certo modo,

efetivou a derrubada das oligarquias rurais do poder político. Para alguns

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estudiosos, nesta ocasião, inexistia um projeto político para o país pela ausência de

um grupo social legitimado que o pudesse pensar e praticar. Daí o ensejo para o

surgimento de um Estado autoritário que elegia nas políticas sociais o instrumento

de junção da sociedade ao projeto político da época.

O Estado Novo caracterizava-se, no campo social, pela organização do

aparelhamento cumpridor das políticas sociais no país. Pode-se destacar a

legislação do trabalho, a exigibilidade do ensino e a proposta previdenciária

vinculada à aderência profissional – objeto de críticas por sua não universalidade,

um tipo de cidadania condicionada, vinculada apenas aos que possuíam contrato de

trabalho. É evidente que tal estado de coisas não deixaria de atingir a infância e a

juventude marginalizada pelas políticas sociais.

Lado outro, com a promulgação do Código Penal, em 1940, a condição de

precocidade do menor passa a servir de base para o tema da responsabilidade

juvenil. A exposição de motivos do referido código, afirma, de forma expressa, que

“não cuida o projeto dos imaturos – menores de 18 anos – senão para declará-los

inteira e irrestritamente fora do direito penal, sujeitos apenas à pedagogia corretiva

da legislação especial”. Sublinha Saraiva (2005) que a aludida legislação especial

mantinha como proposta de atuação, sem distingui-los, os delinquentes e os

abandonados e que, no Governo de Getúlio Vargas, em atenção a esta clientela, foi

criado o SAM – Serviço de Assistência aos Menores, então, vinculado ao Ministério

da Justiça: um equivalente ao Sistema Prisional para a população infanto-juvenil.

Caracterizava-se o SAM por uma diretiva correicional-repressiva e se

sistematizava em internatos para adolescentes autores de infração e em instituições

agrícolas e escolas de aprendizagem de trabalhos urbanos para os menores

abandonados e carentes.

Com a queda do Governo Vargas, em 1945, uma nova constituição é

promulgada (1946) e dá ensejo ao retorno das instituições democráticas. Há o

restabelecimento da independência entre os três poderes, o retorno do

pluripartidarismo, a eleição direta para presidente e a liberdade sindical. Extingui-se

a pena de morte. Em 1950, instala-se a UNICEF no Brasil e destina seus primeiros

trabalhos à proteção da saúde da criança e da gestante.

Segundo Lorenzi (2007), do ponto de vista da organização popular, passam

a co-exististir duas tendências: o aprofundamento das conquistas sociais em relação

à população de baixa renda e o controle da mobilização e organização, que começa

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a surgir paulatinamente nas comunidades. O SAM passa a ser encarado, pela

opinião pública, como uma estrutura repressiva, desumanizante e se torna

conhecido como "universidade do crime".

Já a ditadura militar, imposta pelo golpe militar de 1964, instituiu novas

diretrizes à vida civil, conforme seu regime impositivo. O Estado se impunha

autoritariamente. Cerceamento à liberdade de expressão; retrocessos no que

respeita aos direitos sociais e individuais e, bem assim, práticas de punições e a

marginalização social caracterizavam algumas das decisões deste modelo estatal. É

no período de governo militar, tocante às questões da infância, que surgem dois

instrumentos político-sociais ratificadores do paradigma político vigente: A Fundação

Nacional do Bem-Estar do Menor (Lei 4513, de 01/12/1964) e o Código de Menores

de 1979 (Lei 6697, de 10/10/1979).

A FUNABEM objetivava formular e sedimentar a Política Nacional do Bem

Estar do Menor. Fato singular é que a Fundação herda toda a estrutura logística do

SAM e, por consequência, toda sua cultura organizacional. O principal alvo da

FUNABEM era tornar-se a instituição modelo de assistência à infância e sua

sistemática se fundava na internação, assim dos abandonados e carentes como dos

autores de ato infracional.

Já o Código de Menores, em sua linha principiológica, não resultou em pleno

rompimento com a filosofia social acolhida pelo Código de Mello Mattos. A Doutrina

da Situação Irregular foi sua inspiradora ideológica.

Segundo Saraiva (2005), a Doutrina da Situação Irregular, grosso modo, se

define como aquela que determina que os menores passem a ser alvo da norma

apenas quando se encontrarem em estado de patologia social.

Por esta ideologia, “os menores” tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajustam ao padrão estabelecido. A declaração da situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrente da conduta do jovem ou daqueles que o cercam. Reforça-se a ideia dos grandes institutos para “menores” (até hoje presentes em alguns setores da cultura nacional), onde misturavam-se infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus-tratos com vitimizadores autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condição: estariam em “situação irregular”. (SARAIVA, 2005, p. 48)

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Entende Saraiva (2005), que baseado nesta concepção de patologia social,

o Código de Menores de 1979, termina por incluir 70% da população brasileira como

objeto de sua tutela.

Analise-se o que tal Código dispunha a respeito:

“Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.”

Por isso, ter-se-ia afirmado, mais tarde, que quem estava em situação

irregular era o Estado.

Lorenzi (2007), ante a lei em comento, afirma ser interessante que o termo

"autoridade judiciária" apareça no Código de Menores de 1979 e na Lei da Fundação

do Bem Estar do Menor, respectivamente, 75 e 81 vezes, conferindo a esta figura

poderes ilimitados quanto ao tratamento e destino desta população.

Já na década de 1970, a Academia, por parte de alguns pesquisadores,

demonstra interesse em estudar a população em situação de risco, sobretudo a

situação afeta à criança de rua e do denominado delinquente jovem. O assunto

estudado, internamente pelas universidades, na plenitude da ditadura militar,

mostrou-se como forma de colocar em discussão as políticas públicas e os direitos

humanos. Surgem, então, as pesquisas pioneiras que se tornam referências

bibliográficas: a) “A criança, o adolescente, a cidade”: - CEBRAP - São Paulo, 1974

b) “Menino de rua: expectativas e valores de menores marginalizados em São

Paulo” - Rosa Maria Fischer, 1979 c) “Condições de reintegração psico-social do

delinqüente juvenil; estudo de caso na Grande São Paulo”: Tese de mestrado –

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Virgínia P. Hollaender – PUC/SP, 1979 e d) “O Dilema do Decente Malandro”: Tese

de mestrado – Maria Lúcia Violante, 1981.

Na década de 1980, os movimentos sociais pela infância e juventude

brasileira conquistaram vitórias de significado na sedimentação de seus ideais,

tendo como principal acontecimento a promulgação da Constituição de 1988.

Vale, entretanto, destacar as conquistas no plano internacional. Em 20 de

novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança

consagra o Princípio da Proteção Integral que passa a ter força cogente para os

Estados signatários, entre eles, o Brasil. De grande importância, também, as normas

internacionais consubstanciadas nas Regras de Beijing (1985), nas Regras das

Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade (1990) e

Diretrizes de Riad (1990). Este último conjunto normativo cinde com o obsoleto

entendimento tutelar do menor em situação irregular, e concebe a criança e o

adolescente como sujeitos de direito e não, apenas, objetos da lei.

Sublinhe-se que a Constituição Federal de 1988 acolheu plenamente o

princípio da proteção integral ora expresso no artigo 227. Determinou, ainda, que os

menores de 18 anos de idade são penalmente inimputáveis (art. 228).

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069, de

13 de setembro de 1990 – a Doutrina da Proteção Integral é consolidada no plano

nacional e resulta em substanciais modificações no plano jurídico, político e cultural

brasileiro.

A partir daí, uma alteração paradigmática é iniciada e se encontra em

processo de sedimentação.

A Doutrina da Proteção Integral tem como pressuposto a concepção de que

os adolescentes são sujeitos de direitos; que devem ter respeitado sua condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento; e que têm absoluta prioridade na

efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária. Esta garantia de prioridade

compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer

circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de

relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais

públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas

com a proteção à infância e à juventude.

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Note-se que a Proteção Integral é a efetivação de uma vida digna ao

adolescente, incluindo-o ainda que em conflito com a lei: quando autor de ato

infracional.

Repita-se: o Estatuto da Criança e do Adolescente acolhe a Doutrina da

Proteção Integral. Eis seu primeiro artigo: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral

à criança e ao adolescente”.

Frise-se que, em conformidade com este princípio, os cuidados e atenções

devem abranger a todos as crianças e adolescentes, sem qualquer distinção,

mesmo que seja econômica. Alcança a norma, portanto, todas as crianças e jovens,

desde o momento da concepção.

A proteção integral se baseia, fundamentalmente, no princípio do melhor interesse da criança, critério consagrado no direito comparado e revelado nas expressões the best interest of the child do direito norte-americano e no kindeswohl do direito germânico. Trata-se da chamada regra de ouro do Direito do Menor, atual Direito da Criança e do Adolescente, acolhida na jurisprudência de diferentes países. Pode-se proclamar que os interesses da criança e do adolescente, considerados como sujeitos de direito, são superiores porque a família, a sociedade e o Estado, todos estão compelidos a protegê-los, tendo em conta a sua peculiar condição de pessoas em formação e desenvolvimento. (COSTA, 2004, p. 2)

Concebe-se, aqui, a criança e o adolescente, independente da situação em

que se encontra, autora ou não de ato infracional, como titular de uma cidadania

plena, que se traduz no reconhecimento e concretização de todos os direitos

humanos, sejam gerais ou específicos, para além de todos as prerrogativas

asseguradas aos adultos.

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3 O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL JUVENIL , O ATO INFRACIONAL

E SUA CONSTRUÇÃO SOCIAL

Cada período histórico tem leis penais que lhe são peculiares. A história

noticia sobre os mais variados artifícios punitivos, desde o suplício corporal aos que

se incluem nos modernos conceitos apresentados pela criminologia.

Ao olhar de Foucaut (2007), já a partir do século XIX, o instituto da pena

passa a ter como diretriz o controle sobre os indivíduos, notadamente no que tange

à sua periculosidade. Tal controle se caracterizava pelo governo, não daquilo que,

de fato, o individuo praticava ante os ditames de uma lei efetiva mas, sobretudo, por

uma visão preconceituosa do virtual perigo que este mesmo indivíduo impõe à

sociedade.

Tal controle, hodiernamente, não é exercido apenas pelo judiciário, que por

si só não tem força para tanto, mas por todo aparato da justiça criminal e bem assim

por setores representativos da sociedade, dentre eles - e principalmente - a mídia de

espetáculo e todos aqueles que se seduzem com seu canto de sereia e se erigem

como formadores de opiniões quase sempre contestáveis pelas ideologias que

representam.

Assim é que a polícia, as penitenciárias, os Centros de Internação

(provisória e definitiva), as Unidades de Semiliberdade, os centros de tratamento

psiquiátrico e toda uma rede de instituições de vigilância e correção tomam lugar no

contexto.

É assim, que no século XIX, desenvolve-se, em torno da instituição judiciária e para lhe permitir assumir a função de controle dos indivíduos ao nível de sua periculosidade, uma gigantesca série de instituições que vão enquadrar os indivíduos ao longo de sua existência; instituições pedagógicas como a escola, psicológicas ou psiquiátricas como o hospital, o asilo, a polícia, etc. Toda essa rede de um poder que não é judiciário deve desempenhar uma das funções que a justiça se atribui neste momento: função não mais de punir as infrações dos indivíduos, mas de corrigir suas virtualidades (FOUCAULT, 2005, p. 86).

Vale sublinhar que a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente,

pautado no Princípio da Proteção Integral, interferiu nas políticas de segurança

pública ao exigir da administração pública sua obediência às regras a que vinha de

se referir. Resultou daí a sedimentação gradativa – ainda em curso – de uma justiça

criminal, inclusive em termos conceituais, peculiar ao jovem desviante.

Page 20: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

19

Entretanto, se é clara a ruptura havida no campo teórico-jurídico-sociológico,

com base nas concepções da Doutrina da Proteção Integral e em suas exigências, é

fácil perceber, a despeito de nobres e raras exceções, que no campo das

realizações controladoras do indivíduo jovem que se supõe desviado, que a

reprodução do modelo controlador antigo se efetiva. Isto porque, de certo modo e

sob um olhar problematizador, é bem verdade que até mesmo a Doutrina de

Proteção Integral pode ser considerada uma tipo de idealização controladora.

Daí, ser importante considerar, segundo Azevedo (2005), que ao sopro dos

acontecimentos que resultaram na sedimentação da recente democracia na America

Latina, algumas reformas nas leis aconteceram ao se objetivar maior significação

aos princípios fundamentais com mudanças, inclusive, nos direcionamentos políticos

conforme as necessidades e realidades de cada Estado. Em alguns casos,

evidenciou-se a modernização do sistema de justiça criminal com a procura da

estabilidade dos juízes, promotores e policiais.

Percebeu-se, também, substancial tendência no âmbito do processo penal

consubstanciada na preferência do modelo acusatório ao modelo inquisitivo. Por

intermédio da ampliação do instituto da oportunidade da ação penal, a base desta

modificação está na força que se oferece ao Ministério Público e na obediência às

garantias processuais acolhidas e ratificadas por normas constitucionais.

Neste contexto, por importante, pode-se notar a desmilitarização policial e o

gradual controle de suas ações pela sociedade civil. Bem assim a maior qualidade

na capacitação de seus agentes, etc.

Este processo evidencia uma vagarosa e compreensiva reorganização da

justiça criminal no Brasil como resultado de uma institucionalização por meio de

regras mais claras e democráticas. Mas, ainda aqui, não se pode distanciar das

características controladoras, conforme pensado por Foucault (2005).

Nada obstante, para Adorno (1999a) ainda vigora uma grave crise no

sistema de justiça criminal, ao se considerar a inaptidão do Estado para a aplicação

das leis e a garantia da segurança da sociedade. O crime cresce rapidamente

enquanto tarda a resposta dos encarregados do controle repressivo. Ademais, e

crescente o sentimento da população em torno da impunidade. Percebe o autor um

aumento da seletividade dos casos a serem investigados resultantes do aumento do

arbítrio dos agentes do sistema e da corrupção. Tal seletividade decorre, também,

do próprio aumento da criminalidade ante a impossibilidade de investigação de todos

Page 21: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

20

os casos dado à precariedade das instituições encarregadas do mister. De se

concluir, sob o prisma do pensamento de Adorno, que o sistema criminal expressa a

contradição entre o aparato ideológico de valor e a capacidade limitada dos atores

em realizá-lo.

Há que se falar, ainda segundo Adorno, da excessividade do medo e da

insegurança ante o avanço da violência e do crime; do fator autoritarismo e da

herança do regime ditatório nas instituições incumbidas do controle do crime; no

déficit de funcionamento da justiça penal e na convergência de opiniões a favor e

contrárias aos direitos humanos como elementos integrantes do complexo horizonte

social no qual os problemas de segurança pública e justiça penal são considerados.

Por evidente, a delinquência infanto-juvenil se submete e contribui para este

estado de coisas.

Ao se analisar tal panorama, nota-se avanços importantes no campo da

segurança pública. Não há que duvidar. Nada obstante, as questões relacionadas ao

crime têm se evidenciado como de difícil solução e reclamado ações urgentes.

Cabem, aqui, ligeiras notas sobre a segurança pública e a justiça criminal.

Em seu artigo 144, estabelece a Constituição Federal vigente que “A

segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida

para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio” e acrescenta os órgãos que a sustentam: I - polícia federal; II - polícia

rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias

militares e corpos de bombeiros militares.

O texto constitucional não oferece uma definição expressa e clara da

locução “segurança pública”. Nada que impeça, entretanto, seja deduzido do texto

constitucional que ela consubstancia um status que incumbe ao Estado assegurar

como dever, através do provimento de serviços prestados pelos órgãos

mencionados. Pretende-se, dentre outros objetivos, o asseguramento de uma

condição que implica em serviços que visem extinguir a vitimização resultante do

crime e da violência.

Observe-se que a segurança pública, além de dever do Estado é, também,

concebida como responsabilidade de todos e é praticada com a finalidade de

proteção à cidadania pela prevenção ou controle das ações da criminalidade e da

violência, sejam potenciais ou efetivas.

Page 22: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

21

A polícia militar é o órgão do sistema de segurança pública ao qual compete

as ações de policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública.

A polícia civil é o órgão do sistema de segurança pública ao qual incube os

trabalhos de polícia judiciária e de investigação das infrações penais, exceto as de

natureza militar.

Os instrumentos (políticas públicas e seus processos) para a manutenção da

segurança pública pertinem, basicamente, à esfera de ação dos poderes executivo

Federal, Estadual e Municipal.

Assim é que, para além das polícias, há um complexo aparato institucional,

mantido pelo Estado, que visa sustentar as ações de segurança pública. Fazem

parte do sistema de justiça criminal, em ação integrada, as polícias, o Ministério

Público, as penitenciárias, o Judiciário, hospitais psiquiátricos e etc.

Grosso modo, a realização dos serviços públicos da Justiça Criminal inclui o

policiamento ostensivo, a investigação e punição das infrações penais, por meio dos

institutos de processo penal, e a guarda e recolhimento de presos.

O fundamento maior da atividade da Justiça Criminal é a sua perspectiva

sistêmica, manifestada pela interação duradoura dos diversos órgãos públicos

interessados e entre eles e a sociedade civil organizada.

A realização de serviços de segurança pública, portanto, engloba atividades

preventivas e repressivas, tanto de natureza policial quanto não-policial.

No âmbito do Estado brasileiro, por força das diretrizes legais expressas no

Estatuto da Criança e do Adolescente, a Justiça criminal juvenil é constituída por

órgãos especializados, isto é, criados somente para o trâmite de procedimentos

afetos ao ato infracional. Surgem, pois, no cenário de políticas públicas que atuam

na prevenção e repressão da violência resultante da delinquência juvenil, as

delegacias especializadas; as varas infracionais próprias com procedimentos e ritos

processuais peculiares; centros de tratamentos psiquiátricos exclusivos para

adolescentes; unidades de internação e semiliberdade, com profissionais

capacitados; programas especializados públicos ou mantidos pela sociedade civil,

grupos da policia militar especializados, etc.

O adolescente infrator se insere, por força de lei, neste sistema de

segurança (que cria e acalenta valores próprios e pré-concebidos para sua ação),

em seu viés preventivo ou repressivo, ao ser sentenciado como autor de ato

infracional.

Page 23: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

22

Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 103) que o ato

infracional é “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

Ao conceber como ato infracional as condutas descritas como crime ou

contravenção penal, quando praticadas por adultos, o propósito do legislador é o de

garantir diretrizes conceituais e de atendimento fundamentadas no princípio da

proteção integral. O adolescente, ainda que delinquente, deve ter respeitado seu

estado especial de pessoa em desenvolvimento e deve ter absoluta prioridade na

efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária, mesmo que acautelado em

instituições que lhe restrinja a liberdade por força de sentença transitada em julgado.

Ao princípio da proteção integral deve se curvar todo o sistema de justiça infracional

infanto-juvenil.

Atente-se que a própria conceituação jurídica do crime se modificou no

tempo dado sua elaboração competir aos juristas. O Código Penal em vigência não

nos traz a definição de crime. Outros códigos, porém, o fizeram. O Código Penal do

Império (1830) estabeleceu que o crime é toda ação ou omissão contrária às leis

penais. O Código Penal Republicano (1890) frisou que o crime é a violação

imputável e culposa da lei penal.

O entendimento da definição de bem jurídico penal é essencial para a

compreensão do crime.

Bem é tudo aquilo que pode ser objeto do direito e que pode oferecer ao

homem determinada satisfação. Bem jurídico são os valores que se tornam objeto

de uma relação jurídica por satisfazer um interesse econômico subordinado a

determinado titular.

Para o Direito Penal, bem jurídico-penal diz respeito aos valores que o grupo

social acolheu como de importância fundamental e devido a esta importância servem

de apoio para a elaboração dos tipos penais (condutas reprovadas e apenadas

quando cometidas). A vida, a liberdade, a propriedade e a honra são exemplos de

bens jurídicos tutelados pelo direito penal. É com alicerce nos bens jurídicos que os

crimes são classificados no Código Penal: Crimes contra a vida, contra a liberdade,

contra a honra e etc.

Page 24: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

23

Assim, nem todos os bens jurídicos são protegidos de violações pelo direito

penal. Apenas os tidos como fundamentais para o grupo social. A valoração de

determinados bens com relação a outros é o núcleo duro da questão.

Uma análise da dogmática jurídico-penal permite seja percebido o consenso

entre os teóricos de que o direito penal é do fato e não do agente. Desse modo, a

construção da teoria do crime alcança o fato punível. Em sede de teoria do crime,

almeja-se o estudo dos requisitos indispensáveis para a configuração do delito ou,

por outras palavras, estuda-se o conceito analítico do crime.

Lado outro, atribui-se à teoria do crime três funções: a) instrumental, que

interpreta e sistematiza a conhecida parte especial do Código Penal; b) garantista,

calcada na procura pela segurança da aplicação da norma; e c) crítica, que

considera a reinterpretação do direito penal com base na política criminal.

Podem ser apreendidos, também, três conceitos de crime. O conceito

material, o conceito formal e o conceito analítico.

Para o conceito material, crime é o atentado a um bem penalmente

protegido. É o dano ou perigo de dano ao referido bem, dano ou perigo de dano que

servem como critério punitivo para o direito penal.

O conceito formal estabelece que crime é a ação proibida pela lei que

decorre da política criminal adotada. Junge-se ao princípio da legalidade que

expressa a compreensão do legislador sobre quais bens jurídicos devem ser

protegidos.

Pelo viés analítico, para alguns, crime é o fato típico e antijurídico. Para

outros, é fato típico, antijurídico e culpável.

Fato típico é a ação que se ajusta a determinado tipo legal (conduta tida

como crime). Fato antijurídico é aquele que é contrário à lei não existindo norma que

o justifique. Culpabilidade é o juízo de reprovação social que consiste na certeza de

que o agente podia motivar-se de acordo com a lei e agir de modo diferente,

conforme a exigência do direito.

O crime, então, é considerado como um desvalor social. E pela definição

oferecida pelo ECA, o ato infracional também assim deve ser considerado. É nesta

concepção de desvalor social que se baseia o sistema repressivo da delinquência

juvenil.

Os criminosos são apenados. O autor de ato infracional não pode sê-lo por

receber tratamento legal diferenciado. Recebe medidas socioeducativas, que não

Page 25: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

24

devem ter caráter de apenação. É ilegal a apreensão do adolescente para

"averiguação". Ficam apreendidos e não presos. Em todo caso, esta apreensão

resultará em obstáculo em sua liberdade de ir e vir. A apreensão somente ocorrerá

quando for em flagrante ou por ordem judicial e em ambos os casos esta apreensão

será comunicada, de imediato, ao juiz competente, bem como à família do

adolescente (art. 107 do ECA).

O ato infracional é um fenômeno social, um fato na vida do adolescente e da

sociedade. Para seu entendimento e o da construção do aparelho repressor que lhe

é peculiar, é preciso que se considere o contexto no qual ocorre e que leve em

consideração todas as circunstâncias – psicológicas, socioeconômicas,

educacionais e políticas.

Posto este entendimento, conclui-se que o ato infracional, necessariamente,

tangencia o que se entende por construção social do crime.

Neste sentido, Lima (2001) analisa duas orientações nos estudos da

sociologia do desvio: uma positivista e outra interacionalista.

Para os que acolhem a primeira teoria, o desvio faz parte da experiência

objetiva dos indivíduos que perpetram os atos considerados desviantes e daquelas

que dão resposta a esses atos. Procura-se as causas do procedimento desviante,

quase sempre descritas pelos índices sociais e culturais, e as características

pessoais que impedem a socialização do indivíduo. Grosso modo, os positivistas

firmam-se nas seguintes questões: a) Por que eles assim agiram? b) O que fazer

para fazê-los parar?

Já as concepções interacionalistas do desvio cindem com as teorias

positivistas. Há uma abordagem dialética do desvio e seu controle. Uma interação

dinâmica e variável entre eles é considerada.

Diversas interpretações foram estabelecidas com base nestes fundamentos.

O interacionismo simbólico começa a abrir espaço na teoria sociológica na década

de 1950. A ação é analisada pela significação com a qual os indivíduos valorizam a

própria conduta e a sociedade, esta última como o conjunto resultante da junção de

identidades individuais mutuamente referidas. Portanto, há um “outro” sistêmico na

ação, que pode se consubstanciar em outro indivíduo, em uma determinada cultura

e, até mesmo, em uma audiência, cada qual representando um conjunto de valores

específicos.

Page 26: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

25

A interpretação interacionalista rejeita teorias que procuram despersonalizar

quem desvia e sublinha o viés da luta entre os acusados (possuidores de visões

discordantes do sistema sociocultural) e acusadores como causador da classificação

do indivíduo ou ação como desviante. O proceder desviante é visto como uma

questão política atrelada à definição de identidade e não mais como falta de

adaptação cultural (Pedrete, 2007).

O interacionalismo se debruça sobre o processo de criminalização do

desviante (Becker, 1974) e entende as instituições repressoras como pontos

indispensáveis na formação do processo de rotulação. A rotulação social, teoria

pensada por Becker, sublinha o alcance da ação coletiva, cujas normas são

indicadas pelo processo social que termina por definir, coletivamente, determinadas

tipos de comportamento como tipos de problemas.

Para Becker, o desvio é considerado o resultado de um ajuste realizado

entre um grupo social e um indivíduo que, pelo entendimento do grupo, desrespeitou

uma norma. Dá-se valor ao processo pelo qual o desviante se torna um alienígena,

em relação ao grupo, e se interessa pouco por suas características intrínsecas –

pessoais ou sociais. As reações ao julgamento, por parte do desviante, é também

considerada.

O caráter desviante ou não de um ato depende então da maneira que os outros reagem. Segundo as teorias da rotulação, o desvio é o resultado das iniciativas do outro, visto que ele encadeia um processo de intervenções colocado em prática para selecionar, identificar e tipificar os indivíduos. Uma das mais importantes contribuições desse enfoque foi chamar a atenção para as conseqüências que implicam, para um indivíduo, o fato de ser rotulado como desviante. (LIMA, 2001, p. 192)

Os autores do interacionalismo consideram como reage a sociedade diante

do comportamento desviante e estabelecem que esta reação é variável. Propõem

que as relações estabelecidas entre desviantes e as normas de controle da

sociedade acomodam e modificam a fenomenologia do desvio.

Ao reproduzir o pensamento de Becker, Lima (2001) destaca que o processo

social em que certos indivíduos são rotulados, de forma coletiva, como desviantes,

estabelece um novo problema social: a institucionalização do tratamento das

pessoas rotuladas é estabelecida.

Page 27: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

26

Segundo Becker, o desvio é sempre o produto de um “empreendimento”, dirigido por dois tipos de “empreendedores de moral”: os que criam as normas e os que as fazem aplicar. Os primeiros empreendem uma “cruzada” para a reforma de costumes. Os segundos são os agentes institucionais encarregados de fazer respeitar as novas leis estabelecidas por essa “cruzada”. (LIMA, 2001, p. 193)

Pensa-se que os empreendimentos do controle social acabam por levar a

resultados contrários aos esperados. Subjacente ao pensamento dos teóricos da

rotulagem está o problema da resultante da rotulação. Qual a consequência para o

indivíduo rotulado? Para tais teóricos o ser tipificado resulta em três principais

consequências: a) modificação da identidade pessoal, b) exclusão das

oportunidades convencionadas e c) crescimento das chances de desvio futuro.

Acentua Lima (2001) que o surgimento de nova rotulação integra-se a um

empreendimento moral ou burocrático sendo que sua legitimação é resultado do

processo econômico e político.

As concepções interacionistas do desvio suscitaram críticas. Entretanto, é de

se considerar o contributo, principalmente da “teoria da rotulação” que significou um

novo marco para o entendimento do desviante ao privilegiar o processo social que o

insere, assim concebido, na sociedade. Frise-se, neste contexto, que as relações

interativas entre os agrupamentos sociais ou agentes dizem respeito à ordem moral,

socioeconômica e política de determinada sociedade. Tanto assim que o desvio e a

rotulação daí consequente se atrela ao modo que o fato é apreendido por cada

sociedade, em dado horizonte cultural. Eis, aqui, um indicativo dos fatores que

sustentam o conjunto de operações que norteia as práticas e normatiza as ações

dos indivíduos e instituições que integram a segurança pública e a justiça criminal.

Page 28: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

27

4 O DIREITO PENAL JUVENIL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu

modificações no trato da responsabilização existente entre infantes e jovens,

sociedade civil e Estado. Notadamente, na maneira de tratamento, com base em

uma nova conceituação, decorrente da linha principiológica que resulta do principio

da proteção integral. Os vocábulos menor, pena, delinquente, jovem e crime – já

valorados por uma significação oriunda da filosofia da situação irregular – são

substituídos, com assento em novo paradigma, por adolescente ou pessoa em

desenvolvimento, medida socioeducativa e ato infracional, como proposta de um

novo olhar sobre as questões da criminalidade infanto-juvenil.

Esse termo, MEDIDA, é muito instigante; é esta dosagem – mais ou menos restritiva de liberdade – o preço a ser pago pelo adolescente, tendo a mesma proporção que o seu ato, ou seja, o que houve de excesso, de invasão no campo do outro, é o que o cumprimento da medida pode possibilitar de ser construído. Dentre as várias definições para o termo, algumas são muito interessantes para pensarmos o que o Juiz com seu ato introduz: “proporção entre uma coisa e outra”, “regra, norma, regularidade”, “disposição para evitar alguns inconvenientes”. Há portanto a atuação do adolescente e o ato do Juiz, que é MEDIDA socioeducativa. (NOGUEIRA, 2003, p. 15)

Méndez (1998) entende que dentre as mais importantes modificações

apresentadas pelo ECA se encontram: a) a eliminação da internação com base na

condição de desamparo ou irregularidade social; b) a municipalização de políticas de

cuidados de diretos; c) a interação do estado e da sociedade civil através da criação

de Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, tanto em nível federal

quanto estadual e municipal e d) a competência dos conselhos tutelares, tocante aos

casos que não dizem respeito aos atos infracionais.

As garantias da criança e da juventude são expressas no Estatuto, grosso

modo, em três blocos distintos de políticas públicas. As políticas públicas básicas, as

de proteção especializada e as socioeducativas.

As primeiras objetivam a prevenção. Visam alcançar a toda população

infanto-juvenil ao criar condições para que se efetive o direito à saúde, habitação,

alimentação, esporte, educação, lazer, cultura e profissionalização com atenção ao

seu estado de pessoa em desenvolvimento.

Page 29: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

28

Já as políticas de proteção especializada se fundamentam nas situações de

risco, seja individual ou social, da infância e da juventude. São expressas,

principalmente, no artigo 101 do Estatuto. Tais medidas levam em conta as

necessidades pedagógicas e devem visar o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários. Neste rol de medida se destaca o apoio e acompanhamento

temporários, a orientação, o apoio à volta ao ambiente escolar, o cuidado com os

vitimizados pelos maus-tratos.

Por último, as políticas que dizem respeito à aplicação de medidas

socioeducativas, elencadas no artigo 112 do ECA. Em relação a estas, entende

Saraiva (2010) que a necessidade de aplicação destas medidas de caráter

penalizante revelam a falha na aplicação dos blocos de políticas públicas norteados

pela prevenção e, até mesmo, pela proteção especializada.

A aplicação das medidas socioeducativas consubstanciam o fundamento do

direito penal juvenil, em solo brasileiro.

O direito penal juvenil se atrela às concepções do direito penal moderno já

que diz respeito ao limites impostos ao arbítrio do poder público. Portanto, há que

demonstrar obediência aos princípios da reserva legal, da intervenção mínima, da

culpabilidade, do contraditório e, sobretudo, ao princípio da proteção integral que lhe

diferencia do sistema pensado para os adultos. Note-se, aqui, a existência de

limitações para a aplicabilidade das medidas socioeducativas.

Grife-se que a medida socioeducativa não tem natureza estritamente

repressora e sancionadora. Sobretudo, há que se considerar seu conteúdo

educativo. Assim, é preciso que se pondere sobre a necessidade de sua imediata

aplicação, em relação ao ato infracional praticado, ao se focalizar sua finalidade

educativa.

A medida socioeducativa tem natureza mista: sancionatória e pedagógica.

Seu caráter sancionador decorre do desvalor da prática do ato infracional. Sua

natureza pedagógica se relaciona às finalidades almejadas pela aplicação da

medida e se constitui requisito indispensável para sua aplicabilidade. É dizer: sem

finalidade pedagógica a medida não pode ser aplicada.

Sposato (2006) ao relacionar a pena à medida socioeducativa ressalta a

semelhança na intenção de controle social e na finalidade de reprovação e

prevenção, tocante ao ato infracional. Medida socioeducativa e pena, para a autora,

resultam da atividade de coerção do poder do Estado e representam limites ou

Page 30: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

29

restrições de direitos. Daí a caracterização da natureza penal da medida

socioeducativa.

Costa (2004) entende que, na execução da medida, há de prevalecer o justo

ponto de equilíbrio entre a resposta ao ato praticado, que define como pedagogia da

responsabilidade, e o crescimento individual do adolescente, bem assim de sua

promoção social e reinserção no meio familiar e comunitário. Aduz que a aplicação

da medida objetiva “o desenvolvimento da capacidade relativa à responsabilidade e

ao respeito pelos direitos individuais e coletivos indisponíveis.”

Há, entretanto, os que entendem que as medidas socioeducativas só

possuem natureza educativa e não retributiva (punitiva) e também que os

adolescentes não possuem responsabilidade penal. Negam, assim, a realidade de

um direito penal juvenil constituído pelas disposições do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Com base no Princípio da Proteção Integral, o Estatuto da Criança e do

Adolescente elaborou uma nova proposta de responsabilização do adolescente

autor de ato infracional. Se o adolescente infrator é inimputável penalmente, nem

por isto se exime de responder por seus atos.

O Estatuto impõe sanções ao adolescente que delinque. É inegável.

Sanções que implicam em restrições de direito e até mesmo em privação de

liberdade. Sublinhe-se, portanto, que inimputabilidade não se confunde com

irresponsabilização.

Outra característica importante da medida socioeducativa é sua

imediatidade. Considera-se que a medida perde seu conteúdo pedagógico quando

não se observa a relação de tempo entre sua aplicação e a data do cometimento do

ato infracional que se quer reprovar. Assim, o decurso do tempo passa a ser

prejudicial à finalidade educativa da medida socioeducativa.

Para Volpi (1997), as medidas socioeducativas são operacionalizadas de

acordo com a natureza do ato infracional, a existência de programas regionais e as

questões sociofamiliares; comportam natureza de coerção, dado punirem os

infratores, e características educativas, com finalidade de proteção integral e

oportunização e acesso à informação e formação e que em cada medida esses

elementos expressam graduação consoante a gravidade do delito.

Acresce o autor que os sistemas socioeducativos devem observar condições

que garantam o acesso dos adolescentes às oportunidades de livramento de seu

Page 31: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

30

estado de exclusão e bem assim acesso à construção de valores positivos de

participação na vida em sociedade; que a aplicabilidade da medida deve prever, de

forma obrigatória, a participação familiar e da comunidade, ainda que nos casos de

privação de liberdade e sempre que possível se deve avaliar condições favoráveis

que possibilitem a realização de atividades externas. Ademais, os programas devem

contemplar a participação da comunidade aproximando o interno e a comunidade.

Ainda para Volpi (1997), a programação socioeducativa de privação de

liberdade deverá valer-se do princípio da incompletude institucional que se

caracteriza pela máxima utilização de serviços públicos da comunidade, com

responsabilização das políticas setoriais no atendimento aos adolescentes. Tais

serviços deverão identificar os aspectos de segurança priorizando a proteção da

vida dos adolescentes e dos servidores observando a arquitetônica das construções

e as formas de contenção de violência. De acrescentar o entendimento do autor de

que os programas socioeducativos deverão prestigiar a capacitação permanente dos

trabalhadores e voluntários.

Ponto importante, é que os nomes das unidades de atendimento, as

denominações dos adolescentes envolvidos e as demais formas de identificação dos

programas a eles relacionados devem acatar o princípio da não-discriminação e

não-estigmatização. Evitar-se-á a rotulação que termina por expor os adolescentes e

os impedem de superar os óbices da inclusão social.

O ECA diferencia as medidas protetivas das medidas socioeducativas em

função das circunstancias específicas de cada caso em que elas podem ser

aplicadas.

Em teoria, as medidas protetivas destinam-se às situações de risco pessoal

e social enquanto as medidas socioeducativas visam enfrentar os casos de prática

de ato infracional.

O ato infracional, se grave ou não, as circunstâncias que o emolduraram,

agrupadas às características do adolescente infrator, é que determina qual deve ser

a mais indicada medida socioeducativa a ser aplicada, sem prejuízo da

aplicabilidade das medidas protetivas.

Conclui-se que a exigibilidade das medidas socioeducativas expressam a

imposição estatal, com base na questão da conduta desviante.

Conforme disposição do ECA (artigo 112), as medidas socioeducativas são

as seguintes: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de

Page 32: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

31

serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de

semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional e g) qualquer uma das

previstas no art. 101, I a VI.

Dispõe ainda o Estatuto que a aplicação da medida “ao adolescente levará

em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da

infração”. Determina que, em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a

prestação de trabalho forçado e que o adolescente portador de doença mental ou de

deficiência mental receberá tratamento individualizado e especial, em local

adequado às suas condições.

A advertência consiste na admoestação, na censura verbal, que será

reduzida a termo. Reserva-se aos adolescentes autores de infrações leves. Almeja

alertar o adolescente e seus responsáveis para o perigo do envolvimento no ato

infracional. Tal medida poderá ser acompanhada de uma medida de proteção

destinada ao adolescente (art. 101) ou aos pais (art. 129)

A obrigação de reparar o dano surge ao se considerar o dano patrimonial

causado à vítima. O ECA (art. 116) prevê três consequências para o adolescente: a)

a restituição da coisa; b) o ressarcimento do dano e c) a compensação do prejuízo

por qualquer outra forma.

A aplicação desta medida enfrenta problemas. Primeiro, porque os jovens

infratores não possuem recursos próprios já que a maioria tem origem pobre e

segundo, porque a medida em comento termina por onerar os pais. Sua aplicação,

entretanto, deve incidir caso o adolescente possua patrimônio próprio. Para não

correr-se o risco da medida cair no vazio, poder-se-ia levar em consideração a

conhecida solução mediada que privilegia o princípio educativo da participação,

tanto do adolescente e do responsável quanto da vítima. Isto favoreceria o

entendimento dos fatos e ultrapassaria os limites do meramente jurídico e

estritamente econômico.

A prestação de serviço à comunidade, segundo o ECA, consiste na

realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis

meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos

congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. As tarefas

serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas

durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados

Page 33: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

32

ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada

normal de trabalho.

A medida de prestação de serviço à comunidade, por sua semelhança com a

pena de prestação de serviços à comunidade, possui forte carga de natureza

retributiva. A mitigar esta característica está, entretanto, a aplicação das diretrizes do

princípio da proteção integral.

A liberdade assistida compreende o acompanhamento individual do

adolescente pelo prazo mínimo de 06 meses. Tem como pressuposto a plena

adesão do adolescente infrator ao programa já que o seu principal fator de

socialização é a liberdade. A medida possibilita influência familiar mais ampla,

embora sob o controle sistemático da comunidade e do Juiz.

Destina-se aos adolescentes que demonstrem grandes possibilidades de

recuperação em meio aberto, livre. O artigo 119, do ECA, estabelece a indicação,

pelo juiz, de um orientador assaz capacitado para ajudar e acompanhar o

adolescente que esteja em cumprimento da medida socioeducativa de liberdade

assistida. O acompanhamento deve abranger, também, os familiares do infrator

como indispensável requisito ao êxito do tentame.

Tarefa árdua, conforme anota o próprio orientador:

O desastre da vida pessoal dos jovens infratores faz com que eles cheguem até nós sem o peso das identificações que as famílias criam e carregamos a duras penas, sendo por causa delas que nos sentimos culpados. Tiveram uma trajetória de exposição a situações de risco social e pessoal, com efeitos desastrosos em suas vidas. A ausência do genitor, o desemprego, as condições precárias de sobrevivência atravessam suas vidas, marcadas pela violência e revolta, vividas em situações de desagregação do grupo familiar. A violência é um comportamento, um modo de resolver conflitos e de comunicar, transmitido aos mais jovens. (NOGUEIRA, 2006, p. 32)

A semiliberdade consiste na privação de liberdade, pelo regime de

recolhimento noturno e a relação com a família e a comunidade, em meio aberto, no

período diurno. É uma resposta institucionalizada ao adolescente que delinque. Sua

aplicação deve ser considerada medida de exceção só aplicável quando necessária.

Aplica-se-lhe, no que couber, as normativas que o Estatuto reserva à internação.

Não comportando prazo determinado, deve ser reavaliada, com decisão

fundamentada, no período máximo de 06 meses. Em sua totalidade, não pode

exceder a 03 anos. Chegado a este limite, o adolescente deverá ser liberado sendo

a liberação compulsória quando o adolescente atinge 21 anos de idade.

Page 34: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

33

A medida socioeducativa internação é a mais rigorosa e resulta na plena

privação de liberdade do adolescente infrator. Assevera o ECA que ela se sujeita

aos princípios da brevidade, da excepcionalidade e respeito à condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento. A medida não comporta prazo determinado e sua

manutenção deverá ser reavaliada, no máximo a cada seis meses. Sua aplicação

não poderá exceder ao período máximo de 03 anos. Atingindo este período o

adolescente será liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade

assistida. A liberação será compulsória aos 21 anos de idade. A desinternação, em

qualquer hipótese, será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério

Público.

Os requisitos indispensáveis para a aplicação da medida de internação se

encontram previstos no artigo 122, do ECA: a) ato infracional cometido com grave

ameaça ou violência à pessoa; b) reiteração no cometimento de outras infrações; e

c) descumprimento reiterado e injustificado de outras medidas anteriormente

impostas.

Dispõe ainda o ECA que a internação deverá ser cumprida em entidade

exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo,

obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade

da infração e que durante o período de internação, inclusive provisória, serão

obrigatórias as atividades pedagógicas.

Depara-se, aqui, com os problemas da institucionalização:

Todos nós sabemos do efeitos nocivos da institucionalização, principalmente porque as internações determinadas para uma suposta reeducação continuam sendo realizadas em lugares que atentam, abertamente, não apenas contra o próprio ideal da reeducação, mas também contra as formas mais elementares de respeito à dignidade humana. Não constitui segredo para ninguém que a maioria dos centros de internação não passam de verdadeiros depósitos, onde se confinam menores, produzindo uma alta cota de sofrimentos reais muitas vezes encobertos por uma falsa terminologia protetiva.(COSTA, 2004, p. 248)

Isto porque o atendimento ao adolescente que cumpre medida de internação

impõe o enfrentamento do desafio expresso pelo sentido pedagógico e de

coercitividade que se vislumbra na medida em comento. Sentidos de certa forma

antagônicos.

De se supor que esta ambiguidade alcança os procedimentos dos variados

atores da justiça criminal juvenil. Este conflito pode ser expressado pelas diversas

Page 35: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

34

práticas desenvolvidas em cada instituição. A doutrina da proteção integral encontra-

se em processo de gradual sedimentação. A nova cultura que representa não foi

assimilada, por completo, pelos atores do sistema, e por isso, encontra obstáculos

difíceis de serem removidos.

A literatura sobre a temática, a despeito das linhas principiológicas do ECA

que a lei determina sejam observadas, percebe que a filosofia da coercitividade

ainda persiste em detrimento dos procedimentos pedagógicos que visem a

reintegração social do adolescente.

Page 36: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

35

5 O CIA-BH E SEU FLUXO DE PROCEDIMENTOS

A análise da existência do Centro integrado de Atendimento ao Adolescente

Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH), seu papel, dinâmica e

implicações nos mecanismos da justiça criminal juvenil belo-horizontina não

dispensa o estudo dos procedimentos para apuração dos atos infracionais impostos

pelo ECA.

A imposição de medidas socioeducativas aos adolescentes, que respondem

por prática de ato infracional, sujeita-se a regramento peculiar, normatizado pelo

ECA (arts. 171 e seguintes). Frise-se que os princípios garantistas constitucionais e

do Direito Processual Penal são de aplicação obrigatória. Ainda aqui prevalece os

ditames dos princípios da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta.

Impende esclarecer que os procedimentos inaugurados pelo ECA não se

restringem à responsabilização do adolescente, com a aplicação da medida

socioeducativa. Em verdade, almeja-se, antes de mais, a efetividade da proteção

integral. A lógica é diversa daquela do processo criminal que privilegia a penalização

em caráter retributivo.

O ponto de destaque na apuração do ato infracional é a celeridade.

Determina o ECA (art. 152) que “aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se

subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente”. O

sistema de recurso adotado é o do Código de Processo Civil, com importantes

adaptações. (art. 198).

A competência para o feito e julgamento é exclusivamente do Juiz da

Infância e da Juventude do local onde foi cometido o ato infracional.

De importante é que, para a aplicação das medidas socioeducativas, não se

prescinde da comprovação da autoria e da materialidade da infração a despeito da

simples confissão do adolescente. Impõe-se a instrução do processo e a produção

de provas, conforme súmula 342, do STJ, segundo a qual “no procedimento para

aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face

da confissão do adolescente.”

Tocante aos procedimentos para a apuração do ato infracional, entende-se

com o ECA que:

a) O adolescente apreendido em flagrante, cientificado de seus direitos,

deverá ser encaminhado à autoridade policial competente. O fato será comunicado

Page 37: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

36

imediatamente ao Juiz, a sua família ou pessoa que ele indicar. O adolescente

sempre será encaminhado a uma delegacia especializada, quando houver, ainda

que o ato tenha sido cometido em companhia de maior de idade.

b) Caso o ato seja de natureza leve, é bastante que se lavre o boletim de

ocorrência circunstanciado. Se o ato praticado envolver grave ameaça à pessoa ou

violência, lavrar-se-á auto de apreensão, ouvindo-se o adolescente e as

testemunhas. Dever-se-á apreender os instrumentos e produtos da infração bem

assim proceder aos exames e atos periciais necessários à comprovação da

materialidade. (art. 173).

c) A liberação imediata será a regra, independentemente do ato

praticado. A privação da liberdade (internação provisória) só será decretada por

imperiosa necessidade (arts, 107 e 108).

d) Se for necessária a internação provisória - observados os requisitos de

gravidade do ato, repercussão social, garantia da segurança pessoal do adolescente

e manutenção da ordem pública (art.174) – o adolescente deverá ser encaminhado

ao Ministério Público juntamente com o auto de apreensão.

e) Sem a ocorrência do flagrante, a autoridade policial apurará o fato e, com

a maior brevidade, encaminhará o relatório do que foi investigado ao Ministério

Público.

f) Junto ao MP, dar-se-á procedência de oitiva informal do adolescente, dos

pais, das vítimas e testemunhas (art. 179).

g) Segundo o artigo 180, o MP poderá decidir pelas seguintes providências:

Arquivamento, concessão de Remissão ou Representação. O arquivamento dirá

respeito à atipicidade, à inexistência do fato, não autoria e etc. A remissão do MP

(existe a judicial) é ato que estabelece a exclusão do processo. Expressa-se pelo

perdão puro (independente da anuência do adolescente) ou pode se cumular da

aplicação de uma medida socioeducativa não privativa de liberdade. (art. 126 e 127).

A representação é a peça que inaugura a ação processual penal juvenil. Assemelha-

se ao instituto da Denúncia do Direito Processual Penal. A pretensão socioeducativa

é pública incondicionada. O Ministério Público é seu titular exclusivo.

h) A concessão da remissão ou o arquivamento dependem de homologação

judicial (art. 181).

i) Com a homologação do arquivamento ou da remissão, o juiz deverá

determinar o cumprimento da medida eventualmente cumulada.

Page 38: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

37

j) Recebida a representação, o juiz designará audiência de apresentação

com a citação do adolescente e seus responsáveis. Nesta audiência todos deverão

ser ouvidos e o juiz, com a participação do MP, poderá conceder a remissão judicial,

extinguindo ou suspendendo o feito (art. 186 e 126). A não concessão da remissão

resultará em nova audiência (audiência de continuação) com a possibilidade de

realização de diligências, tanto para apuração de detalhes quanto para estudo

psicossocial.

l) Na audiência de continuação (instrução e julgamento), ouvem-se o

adolescente, as testemunhas, a defesa e o MP.

m) Julgada procedente a representação, aplica-se a medida socioeducativa

mais adequada.

Importa esclarecer que, se o adolescente estiver em cumprimento de

internação provisória, o prazo máximo para a finalização de todo o procedimento é

de 45 dias contados, inclusive, da data em que ocorreu a apreensão (arts. 108 e

183).

Acreça-se que o ECA estabelece como diretriz de sua política de

atendimento, conforme disposição do artigo 88, a “integração operacional de órgãos

do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência

Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do

atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional.”

E em obediência a este comando legal, instituiu-se o Centro Integrado de

Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA, em Belo Horizonte.

Rodrigues (2010), em pioneiro trabalho descritivo da experiência de criação

do CIA-BH, evidencia que ela atende ao comando constitucional da prioridade

absoluta da criança e do adolescente e sublinha o destaque que é dado à

imediatidade do atendimento, à atenção especial e à garantia dos direitos que

sustentam a prática cotidiana dos vários operadores que integram o sistema de

justiça juvenil de Belo Horizonte.

O CIA-BH se constituiu pela Resolução-Conjunta nº 68, de 02 de setembro

de 2008. Segundo as palavras da autora, objetivou o pronto e efetivo atendimento

ao adolescente infrator, por uma equipe interinstitucional e multiprofissional,

integrada por Juízes, Promotores, Defensores, Delegados de Polícia, Assistentes

Sociais, Psicólogos, Técnicos, Comissários da Infância e da Juventude, Policiais

Page 39: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

38

Militares, Agentes Socioeducativos e servidores da Subsecretaria de Estado de

Atendimento das Medidas Socioeducativas, em um mesmo espaço físico.

A inauguração do CIA/BH, ocorreu em 02/12/2008 e teve como objetivo maior agilizar e conferir maior efetividade à jurisdição penal juvenil, ampliando e facilitando o acesso dos jurisdicionados, tanto na área da apuração da prática de atos infracionais, quanto na aplicação e execução das medidas socioeducativas. A integração operacional das instituições públicas que compõem o sistema de justiça juvenil num mesmo espaço físico, promoveu a diminuição do custo de acesso à justiça, por meio de um conjunto de ações articuladas, materializando-se o princípio constitucional da prioridade absoluta(Art. 227 CF/88). Buscou-se, assim, com a implementação do CIA/BH uma verdadeira concepção de justiça: ágil e eficiente, colocando os reais interesses dos adolescentes acima de dogmas forenses. (RODRIGUES, 2010, p. 2)

Observa a autora que a criação do Centro integrado foi consequência de

uma conjugação de esforços dos atuantes no Sistema de Justiça da Infância e

Juventude das áreas da Polícia Civil e Militar, do Ministério Público, da

Subsecretaria de Estado de Atendimento as Medidas Socioeducativas, da

Defensoria Pública, do serviço de apoio técnico do Poder Judiciário, e, muito

especialmente, da magistratura afeta à criança e ao adolescente.

Refere-se Rodrigues (2010) a uma importante constatação: “ que a

desarticulação entre os órgãos responsáveis pelo atendimento inicial ao adolescente

infrator era um dos principais fatores desencadeantes do aumento da criminalidade”.

Para ela, as instituições integrantes verificaram que o modelo tradicional da

Justiça Juvenil, com as atividades burocráticas nela fundadas, produziam

consequências negativas, tais como: aumento do número de adolescentes

reincidentes e acarretava, inclusive, a desnecessária privação de liberdade de um

grande número de adolescentes.

O CIA é composto pelos seguintes órgãos:

a) Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, através da Vara Infracional da Infância e da Juventude;

b) Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria da Infância e da Juventude;

c) Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais; d) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; e) Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, através de delegacia

especializada; f) Policia Militar do Estado de Minas Gerais.

Page 40: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

39

A infra-estrutura do CIA-BH, que privilegia a articulação do sistema criminal

juvenil, é apta para oferecer a apreciação imediata de cada caso e garante ao

adolescente o atendimento individualizado.

Aduz Rodrigues (2010) que a utilização de um mesmo espaço para as

instituições, enfrentou, de início, dificuldades relativas à cultura própria de cada

órgão que restaram superadas “em face da postura aberta e interativa das

instituições”.

Cada ator institucional exerce suas atividades em espaço próprio.

Visando um fluxo harmônico de procedimentos, criou-se um Conselho de

Integração - órgão colegiado de consultas e deliberação, integrado por

representantes das instituições componentes. São atribuições do Conselho, dentre

outras: Propor ações que dizem respeito à atuação harmônica dos órgãos,

respeitadas a autonomia e a competência de cada qual e sugerir aos Poderes

constituídos providências necessárias ao pleno cumprimento das disposições do

ECA.

Cada órgão componente do CIA-BH é responsável pelo fornecimento de

pessoal e toda a logística indispensável à sua atuação. Arcam, inclusive, com os

respectivos custos operacionais.

Cometido o ato infracional em Belo Horizonte, o adolescente apreendido em

flagrante é encaminhado ao CIA e se depara, quanto ao fluxo da justiça juvenil, com

nova proposta de procedimentos por esta instituição inaugurada.

Ao ser conduzido ao Centro Integrado pela PMMG é lavrado o REDS –

Registro de Evento de Defesa Social – em sala para este fim apropriada.

Ato contínuo, a PMMG encaminha o adolescente para a Delegacia

Especializada, que funciona em espaço contíguo ao da lavratura do REDS, para as

providências determinadas pelo ECA. Os pais ou responsáveis são comunicados

para comparecimento.

Na Delegacia Especializada, busca-se confirmar os dados de identificação

do adolescente e se procede a uma busca em sistema próprio para investigação

sobre possíveis registros anteriores e verificação da existência de mandados de

busca e apreensão em desfavor do adolescente. Há anotação dos objetos

apreendidos.

Finalmente, lavra-se o Auto de Apreensão em Flagrante Ato Infracional, com

a oitiva das testemunhas, das vítimas e do adolescente.

Page 41: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

40

Com o término dos procedimentos que competem à autoridade policial, o

adolescente é encaminhado para a audiência preliminar, que se dá em sala

adjacente àquela da lavratura do REDS. A audiência preliminar é presidida pelo Juiz

de Direito, presentes o representante do Ministério Público, da Defensoria Pública ou

o advogado constituído e bem assim os pais ou responsáveis. Nesta audiência,

realizada a oitiva informal do adolescente, se decide pela a) adoção do

arquivamento do feito, b) concessão de remissão extintiva ou suspensiva, c)

oferecimento da representação e d) aplicação de medida protetiva. Nesta fase de

audiência preliminar, pode-se aplicar, cumulativamente, as medidas protetivas. A

remissão suspensiva consiste na remissão à qual se cumula a aplicação de medida

socioeducativa de meio aberto.

Para o oferecimento da representação, o Ministério Público poderá solicitar

ao Juiz sejam os autos encaminhados à Delegacia de Polícia para que complemente

as diligências necessárias na ocorrência do que o adolescente deverá ser

obrigatoriamente liberado.

Ainda na audiência preliminar, a representação pode pugnar pela liberação

ou acautelamento do adolescente resultando na marcação de audiência de

continuação que se efetuará nas dependências do CIA. Recebida a representação

pela Autoridade Judiciária, esta se manifestará num ou noutro sentido. Nada

obstante, o acautelamento provisório só acontecerá por decisão fundamentada, se

constatada a imperiosa necessidade da medida, presentes os indícios suficientes de

autoria e materialidade (art. 108, ECA). Vale repetir que “o prazo máximo e

improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado

provisoriamente, será de quarenta e cinco dias (art. 183, ECA).

O adolescente que tem contra si a decretação de acautelamento provisório é

acolhido por agentes socioeducativos afetos à Subsecretaria de Estado de

Atendimento as Medidas Socioeducativas – SUASE, igualmente com espaço para a

realização de sua atividades no CIA-BH, para transferência a uma das unidades de

internação sob sua responsabilidade.

Pondera Rodrigues (2010) que se pode constatar que, no Centro Integrado,

não se efetua tão só o atendimento inicial aos adolescentes, mas se procede à

realização de todas as fases processuais determinadas pelo ECA, no que toca à

apuração do ato infracional, de forma a intervir com a máxima brevidade possível

nas motivações que levam o adolescente a delinquir.

Page 42: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

41

Constatou-se também que a desarticulação entre os órgãos responsáveis pelo atendimento inicial ao adolescente infrator era um dos principais fatores desencadeantes do aumento da criminalidade envolvendo este público. Antes da criação do CIA-BH, 60% dos adolescentes que eram processados na justiça juvenil, apesar de devidamente citados, não compareciam para a audiência de apresentação, marcada com o juiz. Entre a prática do ato infracional até a intervenção da Justiça, decorria-se um lapso temporal muito grande, tornando-se, na maioria das vezes ineficaz a aplicação de qualquer medida. (RODRIGUES, 2010, p. 3)

De se notar que a média anual de ocorrências infracionais atendidas pela

Vara Infracional, considerados os anos de 2005 a 2008, atinge o número de 4742

casos, considerada a reincidência (não no sentido estritamente jurídico) dos

adolescentes (vide tabela 1).

Tabela 1

Ocorrência Infracionais Atendidas - 2005 a 2008

2005 2006 2007 2008 Média Anual

Ameaça 138 239 143 95 154

Contravenção 121 190 9 23 86

Danos Materiais 117 300 102 115 159

Desacato 25 47 18 19 27

Estupro 16 13 5 5 10

Furto 855 757 400 254 567

Homicídio 145 192 130 90 139

Infração de Trânsito 47 72 32 8 40

Lesão Corporal 189 311 147 88 184

Porte ou Posse de Arma 498 652 641 423 554

Quadrilha 35 33 45 15 32

Roubo 984 1195 872 657 927

Sequestro 0 0 3 0 1

Tráfico de Drogas 485 980 1112 1705 1071

Uso de Drogas 347 768 409 230 439

Outros 409 522 306 186 356

Total 4411 6271 4374 3913 4742

Fonte: Vara de Atos Infracionais de Belo Horizonte, 2010

Neste período, inexistindo o CIA-BH, a Delegacia de Polícia Especializada

situava-se em bairro distante da sede da antiga Vara única do Juizado da Infância e

da Juventude e depois da Vara Infracional da Infância e da Juventude.

Page 43: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

42

O trâmite dos autos e outros procedimentos para providências bem assim o

encaminhamento de adolescentes entre as duas instituições era demasiadamente

moroso. Até mesmo viaturas (tanto policial quanto do judiciário) avariadas e de

outras vezes insuficientes se erigiam como obstáculos à celeridade processual

requerida. Por este período, um contingente considerável de adolescentes

apresentados pela PMMG à autoridade policial era liberado, para posterior

apresentação ao Ministério Público.

Quanto aos adolescentes responsabilizados com medida socioeducativa de

internação (provisória ou não), viviam-se problemas semelhantes, tocante aos

encaminhamentos para as unidades, devido à distância e falta de pessoal que as

representasse na sede do Juizado.

O panorama da justiça infracional juvenil sofreu significativo impacto com a

novel dinâmica de atendimento, instituída pela configuração institucional do CIA-BH.

A começar pelo número de ocorrências infracionais atendidas que, em

comparação com a média dos quatros anos anteriores (tabela 1), praticamente

duplicou (tabela 2).

Tabela 2

Ocorrências Infracionais Atendidas

Média Anual – 2005 à 2008 2009

Ameaça 154 373

Danos Materiais 159 438

Desacato 27 158

Furto 567 1129

Homicídio 139 43

Infração de Trânsito 40 202

Lesão Corporal 184 736

Porte ou Posse de Arma 554 313

Roubo 927 846

Tráfico de Drogas 1071 1868

Uso de Drogas 439 1908

Outros 484 1354

Total 4742 9368

Fonte: Vara de Atos Infracionais – Setor de Pesquisa Infracional, 2010

Page 44: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

43

Por óbvio, a duplicação do número de casos atendidos exerce influência em

todos os mecanismos de atendimento e gera sobrecarga em todo o aparato da

justiça infracional juvenil.

Apesar disto, entende Rodrigues (2010) que a implantação deste modelo de

atendimento fez com que se tornasse visível a mudança de vários paradigmas. O

mais importante deles seria a percepção por parte do adolescente que não existe

impunidade já que não são mais liberados na Delegacia e sim responsabilizados

ante a presença da autoridade judiciária. Outro ponto importante é que os próprios

profissionais que atuam na área e a própria sociedade passaram a ter mais

credibilidade na Justiça.

Ao critério da autora, positivaram-se benefícios quanto ao acesso ao Poder

Judiciário, ao considerar: a) a ampliação do acesso à Justiça, dado que o arranjo

interinstitucional apresentado pelo CIA-BH assegura que 100% dos adolescentes

infratores, identificados e apreendidos, terão acesso efetivo ao sistema de justiça

penal juvenil; b) simplificação e facilitação deste acesso, tanto por parte dos

adolescentes ou seus responsáveis quanto por parte da sociedade considerando a

localização central do CIA e a prestação de serviços por várias instituições no

mesmo prédio e funcionamento diário, independente de feriados, recessos e finais

de semana; c) Diminuição do custo de acesso à Justiça e alcance social, pelos

motivos expostos na alínea anterior; d) Celeridade Processual, pela própria

configuração institucional do CIA, dado o imediato e pronto diálogo que pode ser

realizado entre seus atores e e) Eficiência e qualidade, com a racionalização dos

procedimentos.

É fato que o CIA resultou em benefícios para a sociedade como um todo.

Entretanto, seria ideal que o modelo se regionalizasse pela cidade potencializando a

capacidade de atendimento da justiça infracional belo-horizontina.

Page 45: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

44

6 O TRÁFICO DE DROGAS E O ROUBO: PERFIL DO ADOLESCENTE

INFRATOR DA CIDADE DE BELO HORIZONTE

A alta incidência dos atos infracionais análogos ao tráfico de drogas na

comarca de Belo Horizonte, foi o critério definidor de sua análise no presente estudo.

Quanto ao roubo (art. 157, caput, do CPB) sua escolha se deve ao fato de se

caracterizar como ato violento.

Examinada a partir de pesquisa realizada no CIA-BH, a incidência do tráfico

de drogas mostra-se crescente no decorrer dos anos (tabelas 1 e 2 do capítulo

anterior). Esta tendência se positiva desde o ano de 2006 quando se vê duplicada

sua ocorrência em relação ao ano de 2005. Nota-se a marcha ascendente do

fenômeno e a inexistência de estabilização, no período de cinco anos compreendido

entre 2005 e 2009.

Já o roubo, apresenta ligeira queda desde 2005 e, a permanecer a tendência

observada no primeiro semestre do corrente, ao final deste ano apresentará o menor

índice do último lustro.

De se considerar que a violência se associa às práticas impostas pelo

tráfico e que a categoria de morte por causa violenta é a principal responsável pela

mortalidade entre jovens (Beato, 2003).

Neste sentido, afirma Sapori (2010) que à entrada do crack em Belo

Horizonte, no ano de 1995, seguiu-se uma epidemia de homicídios que passa a

atingir a cidade a partir de 1997. Aduz que existe forte evidência de que o

crescimento das ocorrências de homicídios em Belo Horizonte, a partir deste ano,

possa ser entendido, em grande medida, pelo recrudescimento dos conflitos

relacionados ao tráfico de drogas.

O período da disseminação e da consolidação do comércio do crack em Belo Horizonte coincide com o crescimento da vitimização dos jovens na faixa etária de 15 a 24 anos de idade. [...] A taxa de homicídios entre os jovens de 15 a 24 anos tornou-se 2,5 vezes maior do que taxa dos adultos acima de 25 anos. (SAPORI, 2010, p. 7)

Os adolescentes, até mesmo as crianças, têm sido arregimentados pelo

tráfico. São colocados na linha de frente, em posições que permitem a

intermediação com os consumidores e a vigilância oposta à ação da polícia e dos

Page 46: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

45

grupos rivais. Por sua peculiar condição de desenvolvimento e fragilidade social,

terminam como os partícipes mais vitimizados.

Já o consumo das drogas, ao se considerar a condição sócio-econômica do

adolescente, pode levá-lo ao cometimento do roubo seja para satisfazer o vício, seja

como alternativa para o pagamento da dívida que se adquire junto aos traficantes.

Ante o exposto, o capítulo se propõe ao estudo das características que

marcam a prática dos atos infracionais tráfico de drogas e roubo. Bem assim aos

problemas que se relacionam ao fluxo de processamento no Centro Integrado de

Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte: CIA-BH.

O período pesquisado é o primeiro semestre do ano de 2010. A análise se

escora em consulta nos arquivos do CIA-BH, notadamente os disponíveis na Vara

de Atos Infracionais da Infância e da Juventude. Sublinha-se que os referidos

bancos de dados, por ocasião da pesquisa, ainda não se encontravam plenamente

consolidados. Daí ter-se admitido a possibilidade de futuros pequenos ajustes que,

ao final, não resultariam em diferenças consideráveis no que respeita às conclusões

da presente pesquisa.

Os dados coligidos permitem a composição de uma série de informações

que se referem ao impacto do modus operandi do CIA-BH, à incidência dos atos em

comento e a caracterização do adolescente autor.

Importa sublinhar que, no universo das 1317 ocorrências referentes ao

tráfico de drogas e ao roubo, deve-se incluir os casos de reincidência. Não no

sentido estritamente jurídico que considera o fator tempo e a sentença transitada em

julgado. Reincidência, para o presente estudo, é a que implica no retorno do

adolescente ao CIA-BH em virtude do cometimento de ato infracional, no período em

estudo (1º semestre de 2010).

No que toca às ocorrências, consideradas as ações tipificadas nos arts. 33,

35 e 37 da Lei 11343, de 23 de agosto de 2006 (que trata do tráfico de drogas), e a

ação tipificada pelo art. 157 (roubo), do Código Penal Brasileiro, observa-se que o

tráfico de drogas é o que mais prevalece e alcança o índice de 22,3 % em relação

ao total de atos atendidos. Atinge-se a soma de 28,6% ao se cumular a taxa que diz

respeito ao Roubo.

Portanto, quase 1/3 dos adolescentes praticantes de atos infracionais, em

Belo Horizonte, concentram sua atividades ilegais no tráfico de drogas e no crime

contra o patrimônio ora em análise. É o que demonstra a tabela 3:

Page 47: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

46

Tabela 3

OCORRÊNCIAS INFRACIONAIS ATENDIDAS - 1º SEMESTRE 2010

Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE DROGAS 1026 22,3 22,3 22,3

ROUBO 291 6,3 6,3 28,6

DEMAIS ATOS 3284 71,4 71,4 100,0

Total 4601 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Quanto ao gênero, considerados ambos os atos, é massiva a participação

de homens. Entretanto, a concentração de mulheres é maior para a prática do tráfico

de drogas (2 vezes mais) se comparada com a participação feminina na prática do

roubo.

Tabela 4

GÊNERO

ATO INFRACIONAL Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE

DROGAS

M 930 90,6 90,6 90,6

F 96 9,4 9,4 100,0

Total 1026 100,0 100,0

ROUBO M 278 95,5 95,5 95,5

F 13 4,5 4,5 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Tocante à problemática da raça/cor e tráfico de drogas, um número

considerável de casos se encontra sem informações a respeito. Precisamente

46,7%. Entretanto, 37,7% do total da amostra se constitui de pardos e pretos,

conforme respostas obtidas juntos aos próprio adolescentes (tabela 5).

No caso da relação entre roubo e raça/cor, os índices revelam que 36,5%

dos adolescentes que se envolveram com o roubo se identificaram como pretos e

pardos. Em 45,7% dos casos, não há informações a respeito.

Page 48: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

47

Nota-se que 16 indígenas foram apreendidos em razão da prática dos atos

infracionais em análise, sendo 11 pelo envolvimento com o tráfico e o restante com o

roubo.

Tabela 5

RAÇA/COR

ATO INFRACIONAL Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE

DROGAS

S/ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 46,7

PARDO 231 22,5 22,5 69,2

PRETO 156 15,2 15,2 84,4

BRANCO 87 8,5 8,5 92,9

NS/NR 42 4,1 4,1 97,0

AMARELO 20 1,9 1,9 98,9

INDÍGENA 11 1,1 1,1 100,0

Total 1026 100,0 100,0

ROUBO S/ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 45,7

PARDO 59 20,3 20,3 66,0

PRETO 47 16,2 16,2 82,1

BRANCO 28 9,6 9,6 91,8

NS/NR 11 3,8 3,8 95,5

AMARELO 8 2,7 2,7 98,3

INDÍGENA 5 1,7 1,7 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Ao se analisar a idade dos adolescentes infratores, torna-se nítida a

prevalência de duas faixas etárias: entre 14 e 15 anos e entre 16 e 17 anos. Em

função do tráfico, as duas cumulam uma taxa de 93,5% enquanto que estudadas em

razão do roubo perfazem um total de 90,6%. Individualmente considerada, a faixa

etária entre 16 e 17 anos de idade, tanto no roubo quanto no tráfico, é a que mais

concentra adolescentes (tabela 6). Evidencia-se, aqui, uma preocupante questão

social. A que diz respeito à carreira criminal do adolescente. A se confirmar a

hipótese, da consolidação da tendência descrita pelos dados, é de se esperar que a

maioria dos adolescentes infratores permaneçam, depois de maiores de idade, no

contexto da criminalidade e, portanto, a interagir com o sistema de justiça criminal.

Page 49: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

48

Tabela 6

FAIXA ETÁRIA

ATO INFRACIONAL Frequência

Percentua

l

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE DROGAS Valid 16 E 17 ANOS 590 57,5 57,7 57,7

14 E 15 ANOS 367 35,8 35,9 93,5

12 E 13 ANOS 59 5,8 5,8 99,3

MAIS DE 18 ANOS 7 ,7 ,7 100,0

Total 1023 99,7 100,0

Missing System 3 ,3

Total 1026 100,0

ROUBO Valid 16 E 17 ANOS 160 55,0 55,7 55,7

14 E 15 ANOS 100 34,4 34,8 90,6

12 E 13 ANOS 24 8,2 8,4 99,0

MAIS DE 18 ANOS 3 1,0 1,0 100,0

Total 287 98,6 100,0

Missing System 4 1,4

Total 291 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Quanto ao estado civil, 4,6% dos adolescentes que se envolveram com o

tráfico declararam-se amigados. Com o roubo, 2,4%.

Tabela 7

ESTADO CIVIL

ATO INFRACIONAL Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE DROGAS SOLTEIRO 500 48,7 48,7 48,7

S/ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 95,4

AMIGADO 47 4,6 4,6 100,0

Total 1026 100,0 100,0

ROUBO SOLTEIRO 151 51,9 51,9 51,9

S/ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 97,6

AMIGADO 7 2,4 2,4 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Page 50: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

49

Um percentual de 20,83% das adolescentes que se envolveram com o

tráfico estavam grávidas e dentre as que cometeram roubo apenas 0,34% (tabelas 8

e 4). Considerando-se ambos os sexos, 4,2% do total dos jovens praticantes do

tráfico de drogas afirmaram já serem pais. Quanto ao roubo, 3,1%. (tabela 8)

Tabela 8

FILHOS

ATO INFRACIONAL Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE DROGAS NÃO 484 47,2 47,2 47,2

S\ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 93,9

SIM 43 4,2 4,2 98,1

GRÁVIDA 20 1,9 1,9 100,0

Total 1026 100,0 100,0

ROUBO NÃO 148 50,9 50,9 50,9

S\ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 96,6

SIM 9 3,1 3,1 99,7

GRÁVIDA 1 ,3 ,3 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

A ocupação remunerada faz parte da vida de 10,5% dos adolescentes

apreendidos pela prática do tráfico e de 10,3% daqueles que se envolveram com o

roubo. Cumpre salientar que o trabalho, no Brasil, é permitido somente a partir dos

16 anos, salvo para o aprendiz.

Tabela 9

TRABALHO ATUAL

ATO INFRACIONAL Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE DROGAS S\ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 46,7

NÃO 439 42,8 42,8 89,5

SIM 108 10,5 10,5 100,0

Total 1026 100,0 100,0

ROUBO S\ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 45,7

NÃO 128 44,0 44,0 89,7

SIM 30 10,3 10,3 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Page 51: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

50

Tabela 10

NATUREZA DO TRABALHO

ATO INFRACIONAL Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

TRÁFICO DE DROGAS S\ INFORMAÇÃO 479 46,7 46,7 46,7

NSA 439 42,8 42,8 89,5

INFORMAL 99 9,6 9,6 99,1

FORMAL 9 ,9 ,9 100,0

Total 1026 100,0 100,0

ROUBO S\ INFORMAÇÃO 133 45,7 45,7 45,7

NSA 128 44,0 44,0 89,7

INFORMAL 28 9,6 9,6 99,3

FORMAL 2 ,7 ,7 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Questionados sobre a natureza do trabalho, os adolescentes responderam

conforme descrição da tabela anterior. De se notar, tocante aos dois atos

infracionais em comento, que em cada um deles não se atinge o índice de 1% para

o trabalho formal.

A questão da escolaridade, também, foi analisada nesta pesquisa. Procurou-

se relacioná-la com a idade dos adolescentes infratores em cotejamento com cada

um dos atos estudados. O fracasso escolar dos adolescentes resultou evidente.

Tanto na vida dos jovens que tiveram envolvimento com o tráfico, quanto na

daqueles que cometeram o roubo. Tal ocorrência indica, para além da situação

desviante estritamente considerada, a ampla conjuntura de vulnerabilidade social na

qual estes adolescentes se inserem. Situação de considerável peso que favorece a

exclusão social e que, dialeticamente, fomenta o fracasso na escola e induz à

criminalidade. É que as oportunidades no mercado de trabalho e, grosso modo, no

"mercado social" se restringem enquanto que a rotulação e o estigma avançam.

No dia-a-dia da Vara de Atos infracionais é comum o relato, por parte dos

pais, que os filhos param de estudar quando assim o querem ou que é difícil

encontrar vagas nas escolas próximas de casa. Outro fator a considerar é que a

dinâmica imposta pelo tráfico de drogas, que divide os bairros e a favelas em vários

territórios, impede o acesso às escolas já que os adolescentes inclusos em

determinado território, sob pena de morte, são impedidos de caminhar por outros.

Page 52: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

51

TABELA 11

ESCOLARIDADE X IDADEa

IDADE

Total 12 13 14 15 16 17 18

4ª SÉRIE - ENS FUND

2 8 9 18 9 11 0 57 16,7% 17,0% 7,4% 7,3% 3,2% 3,5% ,0% 5,6%

5ª SÉRIE - ENS FUND

7 18 32 46 57 49 2 211

58,3% 38,3% 26,4% 18,7% 20,4% 15,8% 28,6% 20,6%

6ª SÉRIE - ENS FUND

2 10 32 49 44 64 1 202 16,7% 21,3% 26,4% 19,9% 15,7% 20,6% 14,3% 19,7%

7ª SÉRIE - ENS FUND

0 3 12 50 33 40 3 141

,0% 6,4% 9,9% 20,3% 11,8% 12,9% 42,9% 13,8%

8ª SÉRIE - ENS FUND

0 0 5 42 59 52 1 159

,0% ,0% 4,1% 17,1% 21,1% 16,8% 14,3% 15,5%

NÃO ESTUDA 1 6 8 10 27 21 0 73

8,3% 12,8% 6,6% 4,1% 9,6% 6,8% ,0% 7,1%

OUTROS 0 2 23 31 51 73 0 180

,0% 4,3% 19,0% 12,6% 18,2% 23,5% ,0% 17,7%

Total 12 47 121 246 280 310 7 1023

100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

a. ATO INFRACIONAL = TRÁFICO DE DROGAS

TABELA 12

ESCOLARIDADE X IDADEa

IDADE

Total 12 13 14 15 16 17 18

4ª SÉRIE - ENS FUND

4 3 0 0 2 8 0 17

44,4% 20,0% ,0% ,0% 3,1% 8,4% ,0% 5,9%

5ª SÉRIE - ENS FUND

3 1 7 18 9 9 0 47

33,3% 6,7% 23,3% 25,7% 13,8% 9,5% ,0% 16,4%

6ª SÉRIE - ENS FUND

0 3 6 17 9 10 1 46

,0% 20,0% 20,0% 24,3% 13,8% 10,5% 33,3% 16,0%

7ª SÉRIE - ENS FUND

0 1 7 7 9 13 0 37

,0% 6,7% 23,3% 10,0% 13,8% 13,7% ,0% 12,9%

8ª SÉRIE - ENS FUND

1 2 3 11 8 16 0 41

11,1% 13,3% 10,0% 15,7% 12,3% 16,8% ,0% 14,3%

NÃO ESTUDA 0 2 3 5 6 11 1 28

,0% 13,3% 10,0% 7,1% 9,2% 11,6% 33,3% 9,8%

OUTROS 1 3 4 12 22 28 1 71

11,1% 20,0% 13,4% 17,1% 33,8% 29,5% 33,3% 24,7%

Total 9 15 30 70 65 95 3 287

100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

a. ATO INFRACIONAL = ROUBO

Page 53: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

52

Observou-se (tabela 6) que a maioria dos adolescentes que foram

apreendidos pela prática de roubo e tráfico de drogas têm idade entre 14 e 17 anos

de idade. 90,6% para o roubo e 93,5% para o tráfico. Com base na menor idade

considerada (14 anos), pelo menos a maioria já deveria ter cursado a 7ª série do

ensino fundamental.

Entretanto, as tabelas 11 e 12 revelam que apenas 13,8% dos adolescentes

praticantes de tráfico de drogas cursaram até a 7ª série do ensino fundamental.

Considerado o roubo, somente 12,9% dos infratores chegaram a esta série escolar.

A 5ª e 6º série do ensino fundamental representa a faixa de maior

concentração de adolescentes. Para o roubo 32,4% e para o tráfico 40,3%.

Considerado o ensino médio, nota-se os índices de 10,1% (para o tráfico) e

14,9% (para o roubo). Frise-se, em relação ao ensino médio, que apenas 0,4%

(tráfico) e 1,7% (roubo) alcançaram o 3º ano.

Nunca estudaram: 0,1% para o tráfico e 0,3% para o roubo.

Um percentual de 7,1% (tráfico) e 9,8% (roubo) dos adolescentes decidiram

parar de estudar, por ocasião da pesquisa. O que faz deduzir que a maioria ainda

possui vínculo com a escola.

Outro elemento que importa ser analisado é o tempo de permanência dos

adolescentes nas dependências do CIA-BH ao se considerar os procedimentos

legais determinados pelo ECA.

De se notar, aqui, a otimização do tempo causada pela constituição do

Centro Integrado de Atendimento ao Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte. Este

fator é importante porque consolida a certeza, nos adolescentes infratores, de que

serão responsabilizados pelo cometimento do ato infracional. Os estudiosos do tema

têm concluído que o transcurso do tempo, para um jovem que está sedimentando a

própria personalidade, produz efeitos muito mais profundos do que para a pessoa já

biologicamente amadurecida. Daí ser importante que o sistema de justiça infracional

atue o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, esta agilidade no atendimento

contribui para a compreensão, por parte da sociedade, que a impunidade, em se

tratando de política infracional, está sendo satisfatoriamente combatida.

O problema do tempo do judiciário é relevante, também, porque indica sua

capacidade de organizar, acolher e expressar a própria idéia de justiça. O cuidado

deve voltar-se, sobretudo, para que a pressa no fluxo dos procedimentos afaste a

incidência dos direitos já estabelecidos e inafastáveis.

Page 54: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

53

Como descrevem as tabelas 13 e 14, no CIA-BH, desde o preenchimento do

REDS à decisão judicial que põe fim à audiência preliminar, podendo finalizar

também o processo, o tempo que se despende pode chegar até 24 horas de

duração1.

Tabela 13

TEMPO DE PERMANÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CIA-BH

TRÁFICO DE DROGAS

Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

S\ INFORMAÇÃO 237 23,1 23,1 23,1

ENTRE 12 E 15 HORAS 143 13,9 13,9 37,0

ENTRE 15 E 18 HORAS 139 13,5 13,5 50,6

ENTRE 10 E 11 HORAS 56 5,5 5,5 56,0

ENTRE 09 E 10 HORAS 52 5,1 5,1 61,1

ENTRE 11 E 12 HORAS 48 4,7 4,7 65,8

ENTRE 08 E 09 HORAS 42 4,1 4,1 69,9

ENTRE 18 E 20 HORAS 41 4,0 4,0 73,9

ENTRE 06 E 07 HORAS 40 3,9 3,9 77,8

ENTRE 20 E 22 HORAS 37 3,6 3,6 81,4

ENTRE 07 E 08 HORAS 35 3,4 3,4 84,8

ENTRE 05 E 06 HORAS 34 3,3 3,3 88,1

ENTRE 02 E 03 HORAS 28 2,7 2,7 90,8

ENTRE 01 E 02 HORAS 22 2,1 2,1 93,0

ENTRE 03 E 04 HORAS 20 1,9 1,9 94,9

ENTRE 04 E 05 HORAS 18 1,8 1,8 96,7

ENTRE 22 E 24 HORAS 18 1,8 1,8 98,4

MENOS DE 01 HORA 16 1,6 1,6 100,0

Total 1026 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Em relação ao cometimento do ato infracional tráfico de drogas, observa-se

que o período de permanência que se evidencia é aquele entre 09 e 18 horas

1 Cumpre esclarecer que o adolescente encaminhado ao CIA-BH, após o encerramento diário das

audiências preliminares, aguarda seu reinício na manhã do próximo dia. Tal fato, por óbvio, interfere em seu tempo de permanência no Centro Integrado.

Page 55: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

54

cumulando a taxa de 38% do total das faixas de tempo consideradas. Em 237 casos

(23,1%), não se pode precisar o tempo de permanência.

Os casos resolvidos em até 05 horas cumulam o total de 10,1% do total,

sendo que 1,6% deles são solucionados em menos de 01 hora.

A tabela 14 descreve o tempo de permanência dos adolescentes que

decidiram pelo cometimento do roubo:

Tabela 14

TEMPO DE PERMANÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CIA-BH

ROUBO

Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

S\ INFORMAÇÃO 73 25,1 25,1 25,1

ENTRE 15 E 18 HORAS 36 12,4 12,4 37,5

ENTRE 12 E 15 HORAS 31 10,7 10,7 48,1

ENTRE 07 E 08 HORAS 24 8,2 8,2 56,4

ENTRE 11 E 12 HORAS 18 6,2 6,2 62,5

ENTRE 10 E 11 HORAS 16 5,5 5,5 68,0

ENTRE 09 E 10 HORAS 15 5,2 5,2 73,2

ENTRE 18 E 20 HORAS 14 4,8 4,8 78,0

ENTRE 05 E 06 HORAS 11 3,8 3,8 81,8

ENTRE 04 E 05 HORAS 10 3,4 3,4 85,2

ENTRE 08 E 09 HORAS 9 3,1 3,1 88,3

ENTRE 06 E 07 HORAS 8 2,7 2,7 91,1

ENTRE 20 E 22 HORAS 7 2,4 2,4 93,5

ENTRE 01 E 02 HORAS 5 1,7 1,7 95,2

ENTRE 22 E 24 HORAS 5 1,7 1,7 96,9

MENOS DE 01 HORA 4 1,4 1,4 98,3

ENTRE 02 E 03 HORAS 3 1,0 1,0 99,3

ENTRE 03 E 04 HORAS 2 ,7 ,7 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Verifica-se que o período de permanência que prevalece é aquele entre 12 e

18 horas cumulando a taxa de 23% do total das faixas de tempo. Logo após a faixa

de tempo entre 07 e 08 horas (8,2%).

Page 56: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

55

Em 73 casos (25,1%), não se pode precisar o tempo de permanência.

Os eventos resolvidos em até 05 horas cumulam o total de 8,2% dos casos.

Quanto às decisões judiciais construídas nas audiências preliminares,

referente ao evento tráfico de drogas (tabela 15), de se perceber o alto índice das

internações provisórias. Sua incidência atinge a faixa de 45,2% das decisões

possíveis, superando os casos em que os adolescentes respondem ao processo em

liberdade (20,3%).

As remissões suspensivas, cumuladas das medidas de meio aberto

Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade, atingem o índice de

22,4%.

A remissão extintiva do processo diz respeito a 2% dos casos enquanto que

o arquivamento do feito, pelo judiciário, se refere a 2,4% dos casos de tráfico de

drogas.

Tabela 15

DECISÃO NAS AUDIÊNCIAS PRELIMINARES: TRÁFICO DE DROGAS

Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

INTERNAÇÃO PROVISÓRIA 464 45,2 45,2 45,2

RESPONDER PROCESSO EM

LIBERDADE

208 20,3 20,3 65,5

REMISSÃO SUSPENSIVA - L.A 144 14,0 14,0 79,5

REMISSÃO SUSPENSIVA - PSC 86 8,4 8,4 87,9

REMISSÃO EXTINTIVA /

ADVERTÊNCIA

50 4,9 4,9 92,8

ARQUIVAMENTO 25 2,4 2,4 95,2

REMISSÃO EXTINTIVA 21 2,0 2,0 97,3

ENTREGUE AOS RESPONSÁVEIS 12 1,2 1,2 98,4

INSTRUÇÃO DO FEITO 7 ,7 ,7 99,1

RETORNO DOS AUTOS À DELEGACIA 4 ,4 ,4 99,5

RETORNO AO CUMPRIMENTO DE

PSC

2 ,2 ,2 99,7

S\ INFORMAÇÃO 1 ,1 ,1 99,8

RETORNO A SEMILIBERDADE 1 ,1 ,1 99,9

VISTA AO MP 1 ,1 ,1 100,0

Total 1026 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Page 57: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

56

Tocante ao evento Roubo, as decisões judiciais estabelecidas nas

audiências preliminares se traduzem conforme descrito na tabela 16. Percebe-se,

também aqui, o alto índice das internações provisórias. Sua incidência atinge a taxa

de 60,5% das decisões, superando os casos em que os adolescentes respondem ao

processo em liberdade (7,9%).

As remissões suspensivas, cumuladas das medidas de meio aberto

Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade, atingem o índice de

24,7%.

A remissão extintiva do processo diz respeito a 0,7% dos casos enquanto

que o arquivamento do feito, pelo judiciário, se refere a 1,4% dos casos de roubo.

Tabela 16

DECISÃO NAS AUDIÊNCIAS PRELIMINARES: ROUBO

Frequência Percentual

Percentual

Válido

Percentual

Cumulado

INTERNAÇÃO PROVISÓRIA 176 60,5 60,5 60,5

REMISSÃO SUSPENSIVA - PSC 51 17,5 17,5 78,0

RESPONDER PROCESSO EM

LIBERDADE

23 7,9 7,9 85,9

REMISSÃO SUSPENSIVA - L.A 21 7,2 7,2 93,1

REMISSÃO EXTINTIVA /

ADVERTÊNCIA

6 2,1 2,1 95,2

ARQUIVAMENTO 4 1,4 1,4 96,6

ENTREGUE AOS RESPONSÁVEIS 3 1,0 1,0 97,6

S/ INFORMAÇÃO 2 ,7 ,7 98,3

REMISSÃO EXTINTIVA 2 ,7 ,7 99,0

DECISÃO INCONCLUSIVA 1 ,3 ,3 99,3

OUTRAS(OS) 1 ,3 ,3 99,7

RETORNO DOS AUTOS À

DELEGACIA

1 ,3 ,3 100,0

Total 291 100,0 100,0

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

É necessário apontar a alta incidência da internação provisória, nas decisões

das audiências preliminares. Nota-se que ela atinge o índice de 45,2%, no caso de

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tráfico de drogas, e 60,5% das decisões possíveis, no evento roubo. Isto, a despeito

do Estatuto da Criança e do Adolescente determinar, expressamente, que a medida

de internação (privativa de liberdade) deve obediência aos princípios da brevidade e

da excepcionalidade. Se a medida de internação - última ratio do sistema infracional

- se submete à necessidade da sentença transitada em julgado e deve se atrelar aos

mencionados princípios, que dizer da internação provisória? Aqui, o sistema parece

se contradizer: a lógica do CIA-BH não deveria significar uma diminuição das

medidas privativas de liberdade? Entretanto, note-se que apenas 20,3% dos

adolescentes, quanto ao tráfico, e 7,9%, quanto ao roubo, respondem ao processo

em liberdade. No sistema de justiça infracional e nas políticas de segurança pública,

onde o "ruído" causador de tal contradição?

Outra inferência - se apriorística não se sabe, permitida pela análise das

tabelas 15 e 16, é o tratamento desigual que a decisão judicial concede a cada uma

das classes de infratores. 60,5% dos casos de roubo culminam em internação

provisória enquanto que 45,2% dos eventos de tráfico recebem a mesma decisão.

Quais as determinantes que influenciam esta diferença no resultado das decisões?

As peculiaridades de cada caso ou a filosofia patrimonialista? A condição especial

do adolescente ou a arbítrio do sistema? Por fim, parece interessante uma pesquisa

neste sentido.

TABELA 17

ENCAMINHAMENTO X ATO INFRACIONAL

TRÁFICO DE DROGAS ROUBO

LIBERADO Casos 535 113 648

% 52,1% 38,8% 49,2%

DOPCAD Casos 0 2 2

% ,0% ,7% ,2%

CRSSJ Casos 38 7 45

% 3,7% 2,4% 3,4%

CEIP/DB Casos 428 166 594

% 41,7% 57,0% 45,1%

S/ INFORMAÇÃO Casos 25 3 28

% 2,4% 1,0% 2,1%

Total Casos 1026 291 1317

% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Vara de Atos Infracionais, 2010

Page 59: Considerações sobre o Sistema de Justiça Infracional e o CIA-BH

58

Relacionado às decisões expressas na tabelas 15 e 16, está o local para

onde os adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas e o roubo são

encaminhados (vide tabela 17). Frise-se que o CRSSJ é unidade de atendimento do

sexo feminino.

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7 CONCLUSÃO

A sedimentação dos princípios que estruturam o Estatuto da Criança e do

Adolescente, concebidos atualmente como pilares principais de toda ordem jurídica

infanto-juvenil, constitui importante passo na história social brasileira.

Evidencia-se, entretanto, que esta construção institucional enfrenta desafios

de vulto, no âmbito político e social. Também, intramuros, no próprio campo de

atuação da segurança pública e da justiça infracional sendo que estes desafios se

explicam, por um lado, pela incompreensão dos próprios objetivos das normas

estatutárias e, por outro, pela falta de vontade política para sua execução. Condição

atestada, talvez, pelo descompasso entre as idéias valoradas pelo ECA e a maneira

pela qual o sistema infracional é praticado.

Este trabalho se pautou pelo estudo do Princípio da Proteção Integral,

considerando-se sua conceituação e alcance social e bem assim pela análise do

status de sua exiquibilidade expresso no fazer cotidiano da justiça infracional em

Belo Horizonte.

Evidenciou-se a consolidação paulatina de um direito penal juvenil limitado

pelas determinantes principiológicas do ECA. Direito penal juvenil que engendra

todo um aparato específico de justiça infracional estabelecida para o fiel

cumprimento das medidas socioeducativas.

Por sua vez, estas medidas, em sua expressão conceitual, foram cotejadas

com as teorias de construção social do ato infracional - especificamente as de

rotulagem - e surgiram como expressão lógica de um contexto sócio-político

controlador, a despeito de sua dicotômica natureza punitiva-educadora. Tanto assim,

que se verificou os altos índices de internação provisória ao se analisar as decisões

judiciais relacionadas ao cometimento dos atos tráfico de drogas e roubo. Neste

particular, sublinha-se uma contradição no sistema. Parece que o aparato da justiça

infracional, notadamente no que respeita à questão das medidas socioeducativas, se

encontra mais próximo do sentido punitivo que daquele educativo, proposto e

priorizado pelo ECA.

Nada obstante os desafios apresentados, evidenciou-se o fluxo de

procedimentos no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato

Infracional - CIA\BH. De se concluir pelo acerto de sua implantação já que significa

importante passo na garantia dos direitos dos adolescentes infratores e, também,

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60

um contraponto à morosidade dos trabalhos da justiça. Constatou-se que, no

máximo em 24 horas, todos os atores do sistema realizam as atividades que a lei

lhes determina. Melhor ainda: 91,1% dos casos aguardam até 18 horas para a

realização da audiência. O que fortalece a noção de aplicabilidade da justiça para a

sociedade bem como para os próprios personagens da justiça infracional que

percebem e vivenciam a ação contra a impunidade. Também o adolescente infrator

termina por alcançar a clara percepção de sua responsabilização.

Foi analisado o perfil dos adolescentes praticantes dos atos infracionais

roubo (art. 157, caput, do CPB) e tráfico de drogas em Belo Horizonte. Constata-se

que a maioria se caracteriza pelo fracasso escolar e que se originam das camadas

populacionais mais fragilizadas do ponto de vista socioeconômico.

A concentração de adolescentes na faixa etária entre 15 e 17 anos de idade

parece se constituir em forte indicativo da opção pela carreira criminal, ao se

considerar que a pesquisa desconsiderou o fator reincidência. Questão importante,

neste particular, é que, apesar do fracasso escolar, o vínculo com a escola ainda

persiste. Esta vinculação pode ser aproveitada pelas políticas públicas em

programas sociais que visem resgatar o adolescente da opção pela carreira criminal.

Evidentemente, oferecendo outras alternativas de vida mais dignas que aquelas até

agora apresentadas.

Por derradeiro, verifica-se que o CIA resultou em benefícios para a

sociedade como um todo. Entretanto, entende-se que o ideal seria a regionalização

de seu modelo o que, de fato, potencializaria a capacidade de atendimento da

justiça infracional belo-horizontina.

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