Constelações Urbanas – Territorialidade Iluminada...
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LEILA GINA DA CRUZ SILVA
CONSTELAÇÕES URBANAS: TERRITORIALIDADE ILUMINADA EM NOTURNOS INDÍCIOS DE OCUPAÇÃO ESPACIAL
Salvador – BA
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-‐GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-‐GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS Linha de Pesquisa: Arte e Design – Processos, Teoria e História
LEILA GINA DA CRUZ SILVA
Constelações Urbanas: Territorialidade Iluminada em Noturnos Indícios de Ocupação Espacial
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-‐Graduação em Artes Visuais, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Orientação: Prof.ª Dra. Ana Beatriz Simon Factum. Linha de Pesquisa: Arte e Design – Processos, Teoria e
História
Salvador – BA
2015
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho
sem autorização da autora, da orientadora e da Universidade.
FICHA CATALOGRÁFICA
4
LEILA GINA DA CRUZ SILVA
CONSTELAÇÕES URBANAS: TERRITORIALIDADE ILUMINADA EM NOTURNOS INDÍCIOS DE OCUPAÇÃO ESPACIAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Artes Visuais pela Programa de Pós-‐Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas
Artes da Universidade Federal da Bahia.
Aprovada em 15 de Outubro de 2015.
Ana Beatriz Simon Factum – Orientadora ________________________________
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo.
Universidade Federal da Bahia
Maria Virgínia Gordilho Martins ________________________________________
Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo.
Universidade Federal da Bahia
Ana Paula de Campos ________________________________________________
Doutora em Artes pela Universidade Estadual de Campinas.
Universidade Anhembi-‐Morumbi
5
Dedicatória
Aos meus pais, Gracília (in memoriam) e Lúcio.
6
Agradecimentos
A Deus por ser o Primeiro e o Último em minha vida. A minha família por
ser minha base e suporte, em especial ao meu irmão Igor Da Cruz, sempre disposto a
contribuir, motivar e reconhecer. A minha orientadora Bia Simon por seu
acompanhamento, envolvimento e sensibilidade para compreender a essência desse
trabalho. À Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia por constituir-‐se
meu local de formação e posterior docência que me motivam a dar sequência a minha
formação acadêmica. Gratidão extensiva aos seus professores, funcionários, estudantes e
toda a comunidade relacionada. À Fapesb, que apoiou essa pesquisa através de bolsa de
estudos. Aos professores Paola Berenstein, Viga Gordilho, Celeste Almeida, Nancy
Mangabeira, Suzi Mariño, Eriel Araújo, Paulo Souza, pelas significativas contribuições e
incentivo. Extensivo aos demais professores e funcionários do Programa de Pós-‐
Graduação em Artes Visuais da EBA-‐UFBA que contribuíram também em suas atuações
para o êxito de concluir essa pesquisa. Aos colegas, em especial a Carolina Garrido e
Raoni Gondim pelo apoio e colaborações. A Mahomed Bamba pelas contribuições que
dispôs ao longo dessa trajetória. A Cristiano Salles, ourives de Igatu-‐BA, por receber-‐me
em seu atelier. Ao grupo de co-‐orientação artística Sarjeta, formado pelos pesquisadores
Tarcísio Almeida, Natália Cavalcante, Saulo Moreira, Carolina Diniz, Thaís Muniz, Diane
Lima e Raoni Gondim, pela influência no amadurecimento de certas questões. A Fred
Martin por haver me proporcionado a experiência da entrega à arte como
encorajamento. Aos doutorandos da Universidade de Paris 8, Cíntia Tosta e Gary Burgi
pelas trocas. A Anton Kamaev pelas gentilezas. Ao meu primo Leandro Mattos, por
dispor seu segundo idioma como auxílio. A Taygoara Aguiar pela disposição e
generosidade ao longo dessa trajetória. A Agla Lessa por ceder gentilmente um de seus
registros de viagem para ilustrar esse trabalho. Ao PROFICI-‐UFBA e seus professores de
francês que contribuíram preparando-‐me para que durante o mestrado, em pouco mais
de um ano de curso eu pudesse pesquisar utilizando a bibliografia pertencente a esse
idioma e comunicar-‐me com número mais abrangente de pesquisadores. Ao programa
de mobilidade artística Flotar e seus curadores Juci Reis e Paco Barba, por acreditarem
7
nos desdobramentos da minha pesquisa e aos artistas parceiros que se aliaram a ela
desde essa etapa: Adson Gargax (in memoriam), Mirella Ferreira e a Davi Caramelo, a
quem apresento minha satisfação pelas muitas contribuições desprendidas e cheias de
amabilidade, como a realização do ensaio fotográfico que registra a coleção resultante
dessa pesquisa e a Maria Ême Bê por dispor seu corpo para que as peças da coleção
Constelações Urbanas fossem nele fotografadas por Davi. A Pierrick Gerard por já haver
chegado contribuindo, inclusive com seu idioma, e dispor de madrugadas contrariando a
larga diferença de fuso horário para apoiar-‐me e dar-‐me a contribuição da reescritura da
tradução da versão francesa do resumo dessa dissertação. Aos nomes de pessoas,
entidades e Instituições não citados, que saberão fazer parte desse empreendimento por
se reconhecerem nele em seus conceitos, aparência e na afetividade e colaboratividade
construída no trilho dessa caminhada.
8
A cidade não precisará nem do sol, nem da lua,
para lhe darem claridade, pois a glória de Deus
a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada.
Apocalipse 21:23
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RESUMO
A dissertação Constelações Urbanas elege inicialmente a joia como meio
de materialização da elaboração conceitual concernente a territorialidade, delimitada no
recorte da cidade, visualmente referenciada na sua configuração luminosa observável
por meio de imagens noturnas de satélite. Se propõe a ideia de inferência de um possível
espelhamento entre as visualidades resultantes das aparências da cidade – sob esse
ponto de vista – e da malha constelar. A afirmação da noção de pertença territorial é
considerada como elemento motivador dos objetos resultantes. O percurso
metodológico trilhado conjuga concepções projetuais de design e processos artísticos e a
busca pela reflexão acerca do sentido da forma, introduzindo o modus operandi da arte
no processo de projetar joias. Tendo como resultado principal a demonstração de como
os processos artísticos inter-‐relacionados aos do design atendem à concepção de objetos
que consideram a dimensão do sensível e que por seu intermédio atribui-‐se valor e
significações. Valida sobretudo a importância do percurso investigativo em trazer
vertentes e desdobramentos que ampliam a dimensão da proposição inicial em
ramificações, ou seja, imbricar a Arte e o Design é uma maneira possível (método) de
tratar proposições conceituais.
PALAVRAS-‐CHAVE Constelações – Territorialidade – Cidade – Joia – Pertencimento – Espelhamento
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RÉSUMÉ
La dissertation Constellations Urbaines choisit d’abord les bijoux comme
un moyen de matérialiser l’élaboration conceptuelle de la territorialité, visuellement
retranscrite par sa configuration lumineuse observable sur les images “satellite”
nocturnes. Nous avançons l'idée d'une déduction à partir d´un miroitement possible
entre les visuels résultants des apparences de la ville et des constellations stellaires.
L'affirmation de la notion d’appartenance territoriale est considérée comme élément de
motivation pour les objets résultants. Le canevas méthodologique combine conceptions
projectives de design, processus artistiques et réflexion sur le sens de la forme, en y
introduisant le modus operandi de l'art dans la démarche de projeter des bijoux. Son
principal résultat c’est la démonstration de la façon dont les processus artistiques en
interrelation avec ceux du design répondent à la conception d’objets qui tiennent
compte de la dimension du sensible, et qui, par leur union, attribuent une valeur et une
signification supplémentaires à la realization. Cette combinaison de procédés artistiques
et de conceptions propres au design valident en particulier l'importance du parcours de
recherche en apportant aspects et développements qui augmentent la portée de la
proposition initiale tels des ramifications. A savoir, imbriquer l'Art et le Design est une
méthode possible pour traiter des propositions conceptuelles.
MOTS-‐CLÉS
Constellations -‐ Territorialité -‐ Ville -‐ Bijoux -‐ Appartenance – Miroitement
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 12 1.1 APRESENTAÇÃO: MOTIVAÇÕES E HISTÓRICO DA ESCOLHA DO
OBJETO DE PESQUISA 12 1.2 TRATAMENTO CONCEITUAL DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO 15 1.3 OBJETO 20 1.4 1.4 OBJETIVOS 20 1.4.1 Objetivo Geral 20 1.4.2 Objetivos Específicos 20 1.5 1.5 METODOLOGIA 21 1.5.1 Percurso Técnico Metodológico 22 1.6 LIMITAÇÕES DA DISSERTAÇÃO 26 1.7 ORGANIZAÇÃO GERAL DA DISSERTAÇÃO 37 2. DAS CIDADES 28 2.1 AS CIDADES COMO PRODUÇÃO CULTURAL DA HUMANIDADE 28 2.2 AS LUZES ARTIFICIAIS DAS CIDADES COMO INDÍCIOS DE OCUPAÇÃO ESPACIAL 35 2.3 AS CIDADES ILUMINADAS 40 2.4 A CIDADE CORRELACIONADA COM A ORGANICIDADE DE SISTEMAS E FENÔMENOS NATURAIS: CONSTELAÇÕES EM DUPLO 48 2.4.1 Expedições da NASA e da NOAA Capturando Imagens Noturnas Via Satélite 52 2.4.2 Territórios Opacos e Territórios Luminosos de Milton Santos 60 2.5 NOÇÃO DE PERTENCIMENTO DO INDIVÍDUO À TERRITORIALIDADE CONSTITUÍDA DAS CIDADES 69 3. A JOALHERIA E A COLEÇÃO CONSTELAÇÕES URBANAS 77 3.1 O TIPO DE JOIA DA COLEÇÃO CONSTELAÇÕES URBANAS 77 3.1.1 Joalheria de autor e Joalheria de arte 81 3.2 CORRELAÇÃO CONTINGENCIAIS: AS CIDADES, DESIGN DE JOIAS E ARTE CONTEMPORÂNEA 83 3.3 A COLEÇÃO CONSTELAÇÕES URBANAS 104 3.3.1 Proposta Formal da Joia de Constelações Urbanas 104 4. ESPELHAMENTO E REBATIMENTO: EXPERIMENTAÇÕES PREVIAS 138 4.1 CONSTELAÇÕES – AFUNILAMENTO 139 4.2 ESTRUTURAS ANELARES 142 4.3 PALÍNDROMO 303; MIRA MIRROR E POSTE O POSTE: ESPELHAMENTOS, REBATIMENTOS E ASSOCIAÇÕES 143 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 161 REFERÊNCIAS 164
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1. INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO: MOTIVAÇÕES E HISTÓRICO DA ESCOLHA DO OBJETO DE
PESQUISA
No ano de 1996 redigiu-‐se no município baiano de Santo Amaro da
Purificação um poema dedicado à cidade de Salvador. Esses escritos que, compostos aos
15 anos de vida da autora da presente dissertação, expressavam saudades da capital do
estado, sua terra natal, nesse período pregresso de sua vida em que residiu na histórica
cidade do interior do estado, já dava conta da presença de elementos que integram o
presente objeto de pesquisa e já trazia suas relações ali entretecidas. O poema intitula-‐se
Palafitas e temos o seu manuscrito original na Figura 1.
Figura 1 -‐ Fac-‐símile do manuscrito do poema Palafitas
Fonte: acervo da autora, Santo Amaro da Purificação-‐BA (1996).
Seu texto transcrito segue-‐se assim:
13
Palafitas
Todo mundo sabe onde começa a avenida
Mas nunca onde termina a cidade
Somente demolindo que se descobre ao certo até
Onde iam os alicerces
Pra depois morar em lugar nenhum
E eu prefiro ainda ver do telhado
A me estampiar 1 nas calçadas
Assim a minha emoção corre solta pela rede elétrica
Mas dor mesmo, meu amor
É saber que te conheço do outro lado da rua
É então chegada a hora de dobrar
Na próxima esquina, cego e mudo;
As luzes se apagaram, 2meu bem
Meu cordão de strass adormeceu...
Maio de 1996
9:48 a.m.
Para Salvador
O poema, escrito em um momento de saudade da cidade de onde a autora
é natural, aborda a urbe e seus elementos e equipamentos característicos como avenida,
rua, calçada, esquina, e em seu título traz as palafitas, reconhecendo a cidade em sua
heterogeneidade e desdobramentos não planejados, características possíveis de se
identificar também na capital baiana. Alude às fronteiras indeterminadas de uma
metrópole ao afirmar que nunca se sabe aonde termina a cidade. Reconhece essa
dissolução de limites que acaba por integrar metrópole e seu entorno, que cria
vizinhanças e coexistências confundindo-‐se em suas demarcações. Menciona a rede 1 Escrita equivocada do verbo estropiar, conforme apreensão feita no contexto da cidade de interior onde por vezes algumas palavras são apropriadas e redefinidas em sua pronúncia. 2 Grifos da autora para evidenciar correlações com o objeto de pesquisa.
14
elétrica e o processo do apagar das luzes da cidade, apresentando a percepção da
existência de um processo de acionamento de iluminação artificial, ainda que não
distinga indeterminadas iniciativas privadas de estruturas públicas nem as aleatórias
ações de indivíduos nesse processo do funcionamento ordenado de um centro urbano.
Culmina com a correlação dessas luzes a um adorno para o corpo: o cordão de strass.
Tem, portanto já estabelecida a comparação entre a configuração das luzes da cidade e a
joia, propondo a inflexão de um elemento assemelhar-‐se ao outro e poder substituir-‐se
através de figura de linguagem. Tal reflexão desde então já constatável, recebeu
portanto nos últimos dois anos – entre Maio de 2013 e 2015 – decorridos pouco menos
de 20 anos da escritura desses versos, o ensejo de desenvolver-‐se na academia
amparada pelas demais elaborações que foram sendo construídas na trajetória da
autora.
Dentre essas elaborações está uma constatação feita em voo noturno de
Salvador a Fortaleza, capital do Ceará, no ano de 2007 quando pôde-‐se observar mais
atentamente o visual das formações dos conglomerados luminosos resultantes das
cidades que sobrevoava e foi imediata a correlação de tais vistas com a constituição
característica tradicional das joias que ocupam o imaginário coletivo: diamantes e gemas
coradas cravejadas sobre uma superfície e nela reluzindo. A evidente presença humana
naqueles espaços e sua concentração territorial percebida através das luzes ensejaram
outra analogia: os habitantes dos municípios e suas construções cravam a terra com sua
presença. Tais situações notadas conduziam à defrontação com um apanhado conceitual
que reivindicava investigação e trazia motivações para o desenvolvimento de uma
coleção de joias que miniaturizasse e mimetizasse a transposição dessa visualidade das
cidades para adornos que pudessem ser carregados junto ao corpo por seus ocupantes,
visitantes e admiradores.
Na sequência desse percurso participou-‐se em 2008 e 2009 da
implantação do núcleo de design de joias da, então, AR 750 – hoje Voglia – fabricante de
joias do estado da Bahia. Esse projeto proporcionou participação em feiras, seminários e
eventos nacionais e de caráter internacional ligados ao setor joalheiro e o
acompanhamento da vivência prática da criação e produção de joias em ambiente fabril.
A joia havia sido também o objeto motivador da opção pela graduação em Design, ainda
no final da adolescência, entre 1997 e 1998.
15
Essa breve contextualização de percurso situa a presente pesquisa,
intitulada Constelações Urbanas: Territorialidade Iluminada em Noturnos Indícios de
Ocupação Espacial. A cartografia das luzes da cidade vem referenciar a realização de
uma – inicialmente sucinta – série de joias de arte. Como parte da reflexão existente a
priori e somados os desdobramentos, que foram acrescentando-‐se na trilha do ato de
empreender pesquisa, reúnem-‐se relações entre o espaço urbano, o indivíduo e suas
vinculações com esse(s) espaço(s); ideias de espelhamento entre mapeamento luminoso
urbano e malha constelar. Estruturas de correlação desses elementos em modelo anelar
e espiralar são propostas também na elucidação do contexto reflexivo que enseja a obra,
aqui tratada na interface entre arte e design, que de modos distintos, porém igualmente
beneficentes, contribuem para sua concepção.
1.2 TRATAMENTO CONCEITUAL DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO
Ainda que no decurso dessa dissertação sejam tratados a seu tempo cada
componente dessa inter-‐relação proposta, de partida aqui define-‐se – de forma concisa –
em que acepção são tratados os principais termos que se interligam no tratamento
conceitual do objeto de investigação:
CONSTELAÇÃO
A esfera celeste é composta de astros e estrelas que são subdivididos em
regiões denominadas constelações. A constelação seria, portanto a demarcação de uma
dada área de corpos celestes, determinada por agrupamentos em torno de asterismos,
que são padrões formados por estrelas de destaque que se reúnem por proximidade
(KEPLER & SARAIVA, 2012). Oitenta e oito constelações são identificadas pelo
astrônomo belga Eugène Delporte já em 1930 em seu livro Délimitation Scientifique des
Constellations e reconhecidas pela International Astronomical Union3.
Nesta pesquisa em que faz-‐se uma analogia entre a aglomeração das luzes
das cidades em vista aérea ou espacial e as reuniões de corpos estelares compreenderia-‐
se então o uso do termo constelações, no plural, para dar conta da multiplicidade de 3 http://www.iau.org/public/themes/constellations/
16
corpos correlatos entre luzes de postes, residenciais, comerciais e industriais de uma
cidade e as estrelas observáveis no céu.
CIDADE
Delimitação espacial que congrega estruturas físicas e sistemáticas nas
quais os indivíduos vivenciam a experiência urbana, o estar agregado espacialmente em
um conjunto de relações sociais, culturais, econômicas, políticas e identitárias, sob a
designação de um nome que referencie geograficamente essa concentração. O geógrafo
baiano Milton Santos traz a proposição da cidade como a construção de uma paisagem
artificial, acréscimos à natureza, o melhor exemplo dessas adições ao natural (SANTOS,
1988, p. 23).
TERRITORIALIDADE
Atribuição de concepção político-‐econômico-‐social em uma delimitação de
espaço geográfico sob denominação que o classifica, qualifica e singulariza. É, para o
italiano Fabio Pollice (2010, p. 8), o espaço atropizado portanto uma atribuição humana
ao espaço geográfico. Em definição do geógrafo brasileiro Rogério Haesbaert (2005, p.
6776) “Além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz respeito também as
relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada ao modo como as pessoas
utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significados
ao lugar”.
PERTENCIMENTO
O geógrafo napolitano Fabio Pollice, explanando acerca da identidade
territorial descreve o sentido de pertença correlacionando-‐o com uma “’ancoragem’
determinada por fatores culturais” (POLLICE, 2010, p. 9). A ideia de pertença nesta
investigação mantém-‐se relacionada à vinculação entre um indivíduo e um território,
circunscrevendo, no entanto, especificamente no recorte da cidade e não restringindo-‐se
a atribuí-‐la unicamente àqueles indivíduos oriundos do território ao qual se vincula a
identidade mas abrangendo todo aquele que com determinada territorialidade se
vincule sentimental, emocional, ideologicamente ou estabeleça ainda outra natureza de
afinidade que os faça sentir-‐se pertencente àquela circunscrição geográfica.
17
JOIA
Objeto que se dispõe sobre o corpo ou através dele com o propósito de
adorná-‐lo. Elege-‐se a acepção de joia que compreende ampla gama de materiais,
técnicas, estética e funcionalidade a esses objetos não estabelecendo sua classificação
pelo valor econômico mas pela dotação de significado para seu usuário. Sobre a relação
direta entre indivíduo e esse objeto adornativo, a pesquisadora e joalheira brasileira
Eliana Gola oferece reflexão ao dizer que:
Universalmente e em todos os tempos, a jóia, como adorno, tem um vínculo perene com os desejos do homem e com sua capacidade, ou mesmo intenção, de construir novas linguagens e, com elas, significados eficientes na elaboração de identidades; e assim, da idéia de ser único, apesar de todas as igualdades, e da possibilidade de ser vário, ao experimentar todas as possíveis diferenças (GOLA, 2008, p. 20).
A joia quando mencionada nesta investigação traz, assim sendo, a
envoltura da condição de objeto capaz de plasmar identidades e contribuir para o
processo de elaboração de novas atribuições identitárias aos indivíduos.
ESPELHAMENTO
Relação de rebatimento entre uma visualidade e outra, seja pelo fato de
uma possuir natureza especular e portanto reflexiva capaz de reproduzir a outra – quer
fidedignamente ou apresentando deformações – como pela situação de similitude
verificável entre elas.
Pelo exposto, constata-‐se que os elementos acima definidos são as bases
conceituais da coleção de joias de arte Constelações Urbanas. Essa produção material,
que tem nas imagens noturnas de satélite seu referencial imagético, faz seu recorte
territorial na cidade. Sua forma é delineada pelos limites da urbe; suas luzes codificadas
nas peças por meio das gemas coradas exprimem uma cartografia de ocupação espacial
que aponta para o reforço da ideia de constituição de territorialidade.
O simbolismo desses conceitos se plasmarem em peças que se portam
sobre o corpo conduz à ideia de pertencimento, em relação de alternância: ora o corpo
pertence à cidade representada na joia e nele portada, ora a cidade pertence a esse
18
corpo que é capaz de abrigá-‐la por meio de sua representação simbólica. Em ambas
percepções a noção de pertencimento extrapola a condição física.
Outra alternância que se estabelece, assim se faz por meio da defrontação
da configuração das luzes da cidade e do desenho luminoso das constelações. Uma e
outra apresentando entre si similitude por meio de sua organicidade e do destaque dos
múltiplos pontos de luz na escuridão. Essa dita relação de semelhança amparando aqui a
noção de espelhamento.
O que apresenta-‐se é, portanto uma coleção de joalheria de arte que veio a
ser denominada, em sua elaboração, como Constelações Urbanas, título que advém da
analogia especular das aparências das aglomerações de luzes naturais e artificiais,
respectivamente: da malha constelar e da iluminação urbana.
Trata-‐se do urbano e suas luzes artificiais em vista superior como uma
cartografia das relações humanas com seus territórios citadinos e elege-‐se a joia como
vertente de materialização conceitual.
A essas joias é dado assim um envoltório de reflexões sobre os elementos
que norteiam sua criação fazendo suas significações estabelecerem-‐se tanto na
materialidade e visualidade – que originam e/ou sustentam conceitos -‐ quanto na
imaterialidade dessas relações.
Nesta perspectiva, a acepção é a de que, sendo objeto utilizado para
adorno do corpo humano em distintas culturas e gerações ao longo da história, a joia
constitui elemento de grande conteúdo simbólico através do qual se expressam estética,
significado, historicidade, religiosidade, participação em classe social, representações de
gênero e por vezes inserção étnica, cultural, regional e o reflexo do zeitgeist, ou espírito
de uma época.
Direta e fisicamente ligada ao corpo, permite portar essas significações e
apresentá-‐las aos demais transmitindo e informando tais conjuntos de simbolismos que
contribuem para a caracterização do indivíduo.
19
Uma das semânticas verificáveis por intermédio da joia, de um modo geral,
é a representação de pertencimento territorial, identificação de origem, procedência ou
afinidade com determinadas localidades ou regiões. Joias referenciando flâmulas e
bandeiras nacionais ou regionais, mapas de países, estados, cidades, ou que carregam
iconografia ligada a pontos turísticos, patrimônios culturais e características
identificadoras de determinados locais assumem o papel de comunicar origem, seja por
nascimento ou estabelecimento, passagem, permanência ou propósitos de
deslocamento, possibilitando também vincular seu usuário a questões de concordância e
identificação cultural com destinos aos quais possa nunca vir a comparecer fisicamente
ao longo de sua trajetória.
Tal aspecto de territorialidade na joia suscita – pela coexistência do
concreto e do subjetivo -‐ definição de território da qual se possam trasladar resultantes
simbólicas que impregnem conceitualmente o adorno, ao que Milton Santos vem
designar:
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p. 10).
Dessa maneira, a partir das citadas palavras do geógrafo baiano Milton
Santos, é possível refletir sobre a questão do pertencimento e essa noção de
pertencimento ligada à identificação e identidade em si, e estas por sua vez a uma
territorialidade constituída.
Aqui interessa o recorte urbano dessa territorialidade, concretizado nas
cidades. A relação mais direta entre homem e território na sociedade contemporânea
pressupõe ocupação e a concretização desse ato envolve paralela e conjuntamente
tantos outros que consolidem esse processo provendo condições adequadas de vida e
satisfação de necessidades.
20
Uma das necessidades que se apresentaram na experiência humana foi o
uso do período do dia e da noite para realização de tarefas e execução de ações, sejam
elas de subsistência, trabalho, lazer ou quaisquer outras. A iluminação artificial
assegurou o aproveitamento do período noturno para a continuidade das atividades e
sua disposição no espaço urbano forma a visualidade que interessou a essa investigação.
As cidades escolhidas para compor a coleção foram Salvador (BA); Recife
(PE), Belo Horizonte (MG); Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). Utilizou-‐se como critério
de seleção o conhecimento prévio de sua visualidade aérea noturna, proveniente de
experiências pessoais de sobrevoo e o fato dessas cidades possuírem expressividade
nacional, destacando-‐se em seu entorno, por serem capitais de estados da Federação e
seu Distrito Federal. A inserção de outras cidades nacionais e internacionais é
pretendida para ampliação da coleção em outras instâncias, para além da investigação
acadêmica que ora relata-‐se.
1.3 OBJETO
Coleção de joias referenciada na configuração luminosa artificial noturna
de capitais brasileiras vistas através de imagens de satélite considerando os possíveis
desdobramentos do conceitual envolvido.
1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Objetivo Geral
Investigar a configuração resultante da iluminação artificial na vista
superior das cidades transpondo a referência para uma coleção de joias representativas
de territorialidade.
1.4.2 Objetivos Específicos
1. Investigar a aparência resultante da vista área noturna de 5 capitais de estados
brasileiros, a saber Salvador, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo;
21
2. Analisar sob ponto de vista histórico, sociológico, antropológico, geográfico e
urbanístico -‐ através de breve levantamento -‐ as questões de identidade e
pertencimento territorial que envolvem a formação de cidades e suas relações
com os indivíduos;
3. Explorar desdobramentos conceituais das luzes da cidade através de linguagens
da arte e da joalheria de arte;
4. Determinar peça(s) que melhor se adeque(m) à atribuição simbólica do
conceito e através de cujo(s) caráter(es) objetual(ais) propicie(m)
representação visual que emita esses significados;
5. Propor solução estético-‐formal para realização dessas peças que irão compor a
coleção de joias;
6. Realizar protótipos das peças componentes da coleção de joias resultante dessa
pesquisa.
1.5 METODOLOGIA
Por se pretender teórico-‐prático este estudo opta pela metodologia de
pesquisa qualitativa e traduz seus resultados na execução dos protótipos da coleção.
Interessa-‐se pela coleta e análise de dados históricos, sociológicos e antropológicos para
reconhecimento e fundamentação de conceitos que instituem a semântica da coleção de
joias concebida, e recorre a metodologias de design, especialmente às especificadas pelo
inglês Mike Baxter (2000), pelo designer e sociólogo alemão Bernd Löbach (2001) e
corroboradas pelo teórico de design alemão Bernhard E. Bürdek (2006), para obtenção
de direcionamento projetual e processual da coleção de joias. Processos artísticos são
correlacionados aos do design para exploração do conceito.
Por tratar-‐se o presente trabalho de uma investigação acadêmica, há
outro entorno metodológico que envolve o desenvolvimento da coleção e portanto a
investigação teve início através de revisão bibliográfica, e envolveu consulta a
profissionais e acadêmicos para tomada de dados e aprofundamento em processos e
aprimoramento das reflexões.
22
1.5.1 Percurso Técnico Metodológico
Como procedimentos metodológicos para essa pesquisa tem-‐se:
• Foi realizada uma revisão de bibliografia com o propósito de
embasar teoricamente as concepções que já vinham sendo
formadas a respeito da temática abordada (cidade,
territorialidade, identidade cultural, migrações, diásporas,
iluminação artificial, constelações, joalheria);
• Especialistas foram consultados, ainda que sem registros formais
dessa consulta; foram vistas referencias fílmicas em que a cidade
protagoniza, títulos nos quais a cidade é o principal elemento, tem
papel preponderante na trama ou mesmo intitula a obra, na busca
de compreender a urbe como essa entidade que se nomeia,
caracteriza e representa vida e movimento em uma circunscrição
espacial;
• Registros fotográficos de elementos que permeiam o universo da
pesquisa foram produzidos cotidianamente, como fotos de
içamento e reparos de postes de iluminação pública, ou dos
próprios equipamentos em si na contemplação dessas estruturas;
• Referências musicais, especialmente através das letras e sua
literatura, se atribuem de gerar ambiência para as reflexões sobre
esse conjunto público e privado de construções e práticas em
delimitações do solo;
• Audiência em seminários, conferências e palestras possibilitaram o
acesso e o contato com outros pesquisadores vinculados ao mesmo
objeto de pesquisa, ou com similitude de proposições e em estágio
mais avançado de investigações que puderam contribuir com
novas referências bibliográficas, textuais, visuais e fílmicas.
Certamente os procedimentos metodológicos de design têm significativa
participação na construção dessa pesquisa e processos como levantamento e análise de
dados e similares foram amplamente utilizados. Nessa investigação, metodologias de
design coexistem com metodologias da pesquisa em arte, onde o sensível atua
23
conduzindo as formulações por meio de fluidez e considerando as vivencias da autora e
sua necessidade de expressão artística como intervenientes nessa elaboração.
As disciplinas cursadas no Programa de Pós-‐Graduação em Artes Visuais
da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia exerceram importante
influência nos encaminhamentos investigativos. A disciplina Seminário sobre Temas
Selecionados II: Documentos de Percurso – Registros e Reflexões em Processos
Criativos, ministrada pela Profa. Dra. Viga Gordilho, propiciou reflexões sobre o
desenvolvimento do objeto de pesquisa e forneceu capacitação para produzir e reunir
registros da produção artística. Desde a aula inicial foi possível constatar que os
conceitos relativos à territorialidade presentes no discurso da docente convergiam com
as questões de espaço e identidade já envoltórias do objeto de pesquisa. Como as
proposições da disciplina envolviam reflexões, produção artística e análise dessa
produção. Uma das respostas a essas proposições foi o Palíndromo 303, em que, diante
da proposta de trabalhar com a poética da palavra, por ser o espelhamento um dado já
identificado e perseguido nessa investigação, localizou-‐se no fenômeno linguístico
palíndromo4 a presença do rebatimento na palavra. Essa identificação é, de fato, uma
retomada do interesse de pesquisa que surge no ano de 2002 quando toma-‐se
conhecimento da existência de tal fenômeno linguístico. O ano de 2002 é em sua escrita
um palíndromo – ou capicua5 – e uma matéria televisiva sobre essa ocorrência foi
responsável pelo primeiro contato – nessa trajetória – com o conceito.
Como processo de experimentação investigativa passou-‐se a pintar
palavras palíndromo em papéis e defrontar a pintura a outros papéis com a tinta ainda
fresca e posteriormente abri-‐las. Para avanço dessa pesquisa participou-‐se no ano de
2014 do intercâmbio artístico Flotar promovido pelo Harmonipan Studio na Cidade do
México, com apoio do Ministério da Cultura. Essa experiência tem relato textual e 4 “Palíndromos, também denominados no Brasil como bifrentes ou às vezes anacíclicos, são palavras ou frases que podem ser lidas da direita para a esquerda, como é usual, ou da esquerda para a direita. Só as letras, no entanto, são levadas em consideração. Não se toma conhecimento de acentos, pontuação ou espaços. A palavra é clássica, de origem grega: palin, de novo, mais e dromo, percurso, circuito, corrida. Assim, pode-‐se dizer que palíndromo significa correr ou andar para trás de novo.” GASPAR, Lúcia. Palíndromos. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/> Acesso em 30/08/2015. 5 Número que, lido da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, apresenta o mesmo valor. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-‐portugues&palavra=capicua Acesso em 30/08/2015
24
imagético no capítulo 4 ESPELHAMENTO E REBATIMENTO: EXPERIMENTAÇÕES
PREVIAS. Na oportunidade da descrição desse percurso metodológico destaca-‐se o
registro apresentado na Figura 2, que retrata o encontro de um tampão de bueiro na
Cidade do México com o número palíndromo 2002 que originara o intento para essa
vertente da investigação:
Figura 2 – Registro da localização do palíndromo 2002 na Cidade do México
Fonte: Acervo da autora (2014)
Em paralelo às experimentações do Palíndromo 303 acontecem as
observações que levaram ao Mira Mirror___Ecos Visíveis, outra experimentação artística
envolvendo o conceito de espelhamento, gerando autorretratos em superfícies
reflexivas. A busca dessa vez era por elementos intervenientes que dessem
característica à imagem na sua apreensão, dispensando efeitos digitais posteriores.
Voltando à origem das coisas: de onde surgiram os filtros? De uma realidade que vai
sendo recriada, retrabalhada, aumentada nos meios digitais. Mira Mirror surge como
proposta do retorno à origem desses elementos. Na imagem selfie a possibilidade de
25
trabalhar o emissor como o receptor ao mesmo tempo. De novo a relação especular: ter
a imagem e o espelhamento dessa imagem. O duplo. A replicação. O espelhamento como
a perda de uma disposição para passar a outra.
Esses desdobramentos relativos a espelhamento vão sendo acrescentados
como ramificação do aspecto inicial de espelhamento considerado em Constelações
Urbanas: as luzes da cidade como equivalente rebatido das constelações. E esse conceito
base de espelhamento vai sendo explorado através de processos da arte. Isso se dá
também por uma constatação anterior advinda da experiência como designer: A
maneira como a designer Leila Da Cruz trabalhava seus projetos de design
anteriormente, especialmente os de design de moda, percebia-‐se naquele conceitual que
estava sendo trabalhado outras formas de se plasmar. Então nessa instância de
produção acadêmica surge a adesão aos processos artísticos para tratamento de
conceitos. Surge a percepção de que esses processos artísticos podem ser incorporados
a uma metodologia de design.
Adere-‐se aos processos da arte muito por conta da maior liberdade
aparente de se desenvolver a experimentação de uma temática, um conceitual. Pelo
descompromisso da arte com determinadas metas, o se deixar levar pelo percurso
natural e inventivo das proposições traz para o design uma acepção e uma noção mais
ampla do que seria projeto. Por uma busca da correlação entre arte e design no que
tange à criação. Esses processos (do design e da arte) por sua vez se relacionam, se
perpassam, se interpõem, e entende-‐se que uma hora deveriam se integrar para o
tratamento, expansão e mais ampla vazão e aprofundamento do tratamento de um
conceitual. O conceitual de interligação nesse caso veio a ser o espelhamento, que partia
de Constelações Urbanas e se estendia em Mira Mirror___Ecos Vísiveis e no Palíndromo
303.
Duas outras disciplinas cursadas no cumprimento dos créditos do
mestrado cuja influência torna-‐se perceptível em grande medida nesse texto
dissertativo são Apreensão da Cidade Contemporânea, ministrada pela Profa. Dra. Paola
Berenstein Jacques e Tópicos Especiais de Fenomenologia: A Morada do Homem,
ministrada pela Profa. Dra. Nancy Mangabeira. A primeira a ser mencionada fornece
26
reflexões referentes ao urbano na contemporaneidade – a cidade e suas narrativas
possíveis – e incorpora-‐se à outras fontes como seminários, conferências e revisão
bibliográfica para fundamentar o capítulo Das Cidades, de um modo geral. Já a disciplina
de Fenomenologia contribui para as discussões atinentes à pertença territorial que
conclui o referido capítulo.
As disciplinas Teorias e Crítica em Design, ministrada pela Profa. Dra. Ana
Beatriz Simon Factum – orientadora dessa investigação – e Seminário de Arte
Contemporânea, ministrada pela Profa. Maria Celeste de Almeida Wanner, acrescentam
múltiplas contribuições na construção do capítulo A Joalheria e a Coleção Constelações
Urbanas, a primeira no que diz respeito à joalheria propriamente dita e a segunda nas
relações encontradas entre o objeto de pesquisa e as artes contemporâneas.
1.6 LIMITAÇÕES DA DISSERTAÇÃO
Essa dissertação delimita-‐se ao campo da arte e do design e a abordagem
tomada busca correlacionar as temáticas vinculando as luzes artificiais da cidade à visão
dessas duas áreas do conhecimento. As demais relações estabelecidas com outras áreas
do conhecimento, como a geografia, a arquitetura, a sociologia ou filosofia terão
consubstancialmente a perspectiva primordial da arte e do design pelas quais sejam
observadas. O intuito é fazer convergirem esses saberes de modo multidisciplinar tendo
a área de concentração dessa pesquisa como eixo axial. Não serão contemplados aqui os
processos de urbanização que ocasionaram as configurações físicas das vistas aéreas das
capitais selecionadas nessa pesquisa. Questões técnicas relacionadas à engenharia
elétrica que possibilita a iluminação artificial dos conglomerados urbanos também não
constituem o objeto direto dessa investigação acadêmica.
1.7 ORGANIZAÇÃO GERAL DA DISSERTAÇÃO
A presente dissertação está ordenada de modo a ter uma Apresentação
que traz a ideia geral da pesquisa que a originou; um capítulo intitulado Das Cidades que
está subdividido em tópicos que tratam da cidade como recorte espacial no qual se
27
constitui uma territorialidade e se constrói uma rede de significados, passando para o
aspecto da iluminação artificial das cidades e chegando à correlação entre o desenho
luminoso das cidades e a organicidade de sistemas e fenômenos naturais que embasa a
proposta de Constelações Urbanas. O capítulo aborda também as expedições conjuntas
da NASA e da NOAA que tornaram possível o registro de imagens noturnas de satélite da
configuração lumínica das cidades e enseja uma reflexão sobre a noção de pertença dos
indivíduos à territorialidade estabelecida das cidades.
Na sequência o capítulo A Joalheria e a Coleção Constelações Urbanas vem
elencar concepções de joalheria e conduz às correlações contingenciais entre cidades,
design de joias e arte contemporânea para então apresentar a proposta da coleção de
joalheria de arte Constelações Urbanas em seus âmbitos formal e conceitual.
A seguir um capítulo é dedicado às explorações visuais, estéticas e
conceituais que surgem da investigação do objeto e seus desdobramentos resultantes do
processo investigativo e tem por título Espelhamento e Rebatimento: Experimentações
prévias. Nele é apresentada uma proposição das constelações em modelo de
afunilamento que faria da joia da coleção Constelações Urbanas uma miniaturização
relida e reinterpretada -‐ para a linguagem da joia -‐ do constructo das luzes urbanas e
deste uma reprodução humana das constelações. Portanto três instâncias de
constelações, em proporções que se afunilam. O tópico Estruturas Anelares responde
por tratar dessa relação de dimensionamento dos sistemas da joia proposta; da urbe
iluminada e da malha constelar, semelhantemente à variação de proporção no modelo
de afunilamento no entanto desta vez utilizando não um modelo vertical mas horizontal
de estabelecimento dessas inter-‐relações. Esse capítulo completa-‐se com o relato de
desdobramentos relativos a espelhamento e rebatimento obtidos no processo
investigativo: as experimentações prévias que denominaram-‐se Palíndromo 303; Mira
Mirror___Ecos Visíveis e Poste o Poste.
Uma conclusão com relato de intenções de futuros desdobramentos e
possibilidades de avanços a partir desta investigação é vista nas Considerações Finais.
28
2. DAS CIDADES
As reflexões que envolvem a elaboração de uma coleção de joalheria de
arte sobre as luzes da cidade conduzem a indagações e investigações a respeito da
cidade em si como estrutura e como elemento que se repete e diversifica na organização
do mundo. Por sua vez o mundo está amplamente disposto em territorialidades,
continentes, nações constituídas de estados, comunas, regiões, tribos, colônias,
povoados, vilas, em diversas ocupações dentre as quais a cidade é uma das organizações
sócio-‐político-‐econômico, culturais e espaciais possíveis.
2.1 AS CIDADES COMO PRODUÇÃO CULTURAL DA HUMANIDADE
José Luiz dos Santos, em seu livro O Que é Cultura (2006), após discorrer
sobre muitos aspectos que caracterizariam o termo cultura admite uma ampla
conceituação quando afirma que “considera-‐se como cultura todas as maneiras de
existência humana” (SANTOS, 2006, p. 35). Em acepção extensa a cidade estaria
relacionada com a história da existência humana e seus modos de ser e haver e seria
portanto parte de sua cultura, mesmo propriamente um produto cultural humano.
A cidade como organização urbana, tem classificação segundo critérios
que variam em cada país. Considerando o número de 1916 países existentes no mundo, o
número de grandes cidades se enquadra na casa de algumas dezenas de milhares e
somando-‐se a essas também as pequenas concentrações urbanas esse número
ultrapassa os 2 milhões7 e é um número em constante expansão devido a processos
contínuos de urbanização e emancipação.
6 Dado da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU). Disponível em http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quantos-‐paises-‐existem-‐atualmente Acesso em 02/02/2015. 7 “Segundo Tiago José Berg, em Outubro de 2009, o número total de cidades grandes no mundo era de 36.722. Destas, 19 têm mais de 10 milhões de habitantes; 455, mais de 1 milhão; 1.054 ultrapassaram os 500 mil; e 2.851, mais de 150 mil pessoas. Se for incluir as cidades menores na conta, o número ultrapassa os 2,5 milhões.” DUARTE, Marcelo. Quantas Cidades Existem no Mundo. 2011. Disponível em: http://guiadoscuriosos.com.br/blog/2011/03/01/quantas-‐cidades-‐existem-‐no-‐mundo/ Acesso em 02/02/2015.
29
As cidades são produtos das buscas humanas pelas satisfação de
necessidades através de trocas, convívios, estabelecimento espacial, concentração de
recursos e é possível considerá-‐las como construções que explicitam a cultura da
humanidade. Sobre isso, a geógrafa brasileira Ana Fani Alessandri Carlos apresenta
afirmação do filósofo francês, da comuna de Hagetmau, Henri Lefebvre:
Tomando o termo “produção” em “sentido amplo” Henri Lefebvre afirma que houve na história a produção de cidades como houve a produção de conhecimento, de cultura, de obras de artes, de civilização; como houve a produção de materiais e objetos práticos sensíveis (CARLOS, 2001, p. 215).
Essa ideia torna-‐se evidente ao notar-‐se a existência de cidades que se
apresentam como figuras icônicas de culturas locais no cenário global. Paris, Nova
Iorque, Tóquio, São Paulo, Roma, Londres, Cairo, Moscou, Barcelona, Pequim, Dubai,
citando algumas, são exemplos de cidades que configuraram-‐se de tal modo a criar uma
marca e desenvolver um imaginário envoltório para além da sua simples designação
como centro urbano. Esse imaginário se elabora por meio de uma conjunção de itens
específicos e, por vezes, peculiares que vão traçando o perfil do local.
Nessa rede de construção identitária integram-‐se idiomas e dialetos;
culinária; moda e vestuário típico; religiosidade; arquitetura; design; tecnologia; música
e outras manifestações culturais e artísticas como dança e artesanato. Vernaculidade,
produção científica e estética participam da composição desses traçados que configuram
as grandes cidades do planeta como marcas. Eduardo Amaral, Diretor Executivo da
empresa paulistana AE TOTAL Comunicação, especialista em desenvolvimento e gestão
de marcas, trata em seu vídeo Branding para Cidades e Lugares sobre a construção das
marcas das cidades com fins de projeção desses territórios. De partida, defende que
todas as cidades possuem um identidade, mesmo que não seja possível determinar ou
verbalizar imediatamente qual seja ela. Das que se destacam pela clareza de sua
identidade e consequente naturalidade de associações de atributos, elenca Paris, Roma,
Praga e Londres.
Amaral (2013) cita a empresa de branding Starttron Consultants, com sede
em Londres, como responsável por estudos de classificação das maiores cidades
30
europeias baseada em seus ativos e benefícios, considerando a força de suas marcas.
Como resultado da pesquisa, lideram a lista Paris, Londres, Barcelona, Berlim e
Amsterdã, respectivamente.
Os critérios utilizados foram a pictoriedade ou reconhecimento da cidade
por meio de imagem ou cartão postal dispensando legendas; os atributos conhecidos ou
associações que as pessoas fazem de suas atividades inatas ou desenvolvidas no local; o
poder comunicacional ou capacidade da cidade de gerar comunicação espontânea pelo
seu interesse e a força de mídia ou contagem estatística das referências de mídia.
Dentre os índices que o estudo aponta como determinantes para a
construção da marca da cidade estão o orgulho cívico; clima de negócios; sensação
distinta do lugar e ambição política, citando alguns. Essa formação de imagem
fundamenta-‐se portanto em valores e percepções que gerem sua unicidade como lugar.
Contribui também para essa ideia a afirmação de José Guilherme Cantor Magnani
quando diz que:
As grandes cidades certamente são importantes para análise e reflexão, não apenas porque integram o chamado sistema mundial e são decisivas no fluxo globalizado e na destinação dos capitais, mas também porque concentram serviços, oferecem oportunidades de trabalho, produzem comportamentos, determinam estilos de vida. (MAGNANI, 2002)
Essa congregação de fatores faria então a caracterização distintiva de
cidades à medida que esses fatores se diferenciam entre uma metrópole e outra. Ao
resultado dessa caracterização de cada urbe Amaral (2013) denomina Marcas de
Cidades, opta-‐se no entanto nesta abordagem pela utilização do termo Cidades-‐Marcas
por acreditar-‐se que o conjunto de elementos que configuram e caracterizam a cidade as
constitui portanto como marcas em si.
Refletindo acerca da construção da cidade como lugar a pesquisadora
portuguesa Maria Manuela Guerreiro aponta:
Ao longo dos séculos, o percurso da cidade foi desenhado enquanto espaço vivencial, um lugar privilegiado de fixação de pessoas e de
31
negócios. À medida que nos aproximávamos dos finais do século XX, um conjunto de novas circunstâncias (sociais, culturais, políticas, tecnológicas e económicas) vieram introduzir novas regras, às quais a cidade teve que se adaptar sob pena de perder actualidade. A par da sua função como “lugar de vivência” e de permanência, a cidade tornou-‐se progressivamente, e cada vez mais, um “lugar de passagem”, assumidamente de natureza compósita e plural, onde residentes, investidores e turistas buscam usufruir de experiências inesquecíveis e qualidade de vida. Estamos, portanto, perante um novo paradigma de cidade, encarada como um produto (especial), simultaneamente um lugar de permanência e de passagem, mas sempre destinado a ser vivido (por residentes, visitantes, investidores). (GUERREIRO, 2008, p. 4)
Elencadas por meio desses perfis desfrutam de visitações turísticas,
fortalecem sua participação político-‐econômica no âmbito mundial e promovem difusão
de suas culturas. Processos que se retroalimentam. Há uma ação propositada na
promoção dessa construção de imaginário, uma evocação de sensações propositivas de
reafirmação de imagem. A existência dessas induções de percepção servem a variados
fins, dentre eles alguns já citados, no entanto o pronto reconhecimento dessa
potencialidade como capacidade compartilhada é algo que o geógrafo britânico David
Harvey menciona na elucidação do teórico de arquitetura, paisagista e designer
americano Charles Jencks:
Todos trazemos, diz Jenks, um musée imaginaire na mente, extraído da experiência (muitas vezes turística) de outros lugares e do conhecimento adquirido em filmes, na televisão, em exposições, em brochuras de viagem, revistas populares etc. É inevitável, diz ele, que tudo isso se agregue, sendo tanto excitante quanto saudável que seja assim. (HARVEY, 2011, p. 86)
Essa constatação, concluída com otimismo pelo teórico, advém de um
processo que é tanto histórico quanto pode resultar também de estímulos produzidos
pela atualidade, pela busca do novo e de perspectivas futuras. As proposições de cidades
inteligentes, as Smart Cities, objetivos perseguidos por algumas dessas cidades-‐marcas,
também alavancam o estabelecimento e sobretudo a reafirmação desses centros
urbanos como potências culturais, especialmente através da derivação como metáfora
digital. Toma-‐se então o conceito de Smart Cities a partir de informações verbais
provenientes do pesquisador austríaco Clemens Apprich e do baiano Adelino
32
Mont’Alverne em palestra intitulada Smart Cities: Cidades e Base de Dados8, proferida no
Goethe Institut, em Salvador-‐BA, no mês de Outubro do ano de 2013.
Por meio do Google Maps é possível o acesso instantâneo às
macroestruturas das cidades e esse imaginário pode ser, inclusive, a partir daí
construído, por vezes reelaborado e avaliado através de comparações. Somadas à
localização geográfica, outras bases de dados são aplicáveis na concepção de cidades
inteligentes que passam a contribuir também nas atribuições de sentidos que são dadas
às metrópoles.
No entanto a construção histórica parece impor-‐se mais vigorosamente na
caracterização das cidades-‐marcas, visto a deposição de camadas de tempo reafirmar
elementos culturais e formativos dessa urbe conferindo robustez a sua iconografia.
Milton Santos, em seu livro Metamorfoses do Espaço Habitado – a partir da acepção de
que a cidade é uma paisagem artificial – assinala uma disposição concernente a essas
dotações do tempo à paisagem urbana ao proferir que:
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção daquele momento. Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos. (SANTOS, 1988, p. 23)
E acrescenta que:
Quando a quantidade de técnica é grande sobre a natureza, o trabalho se dá sobre o trabalho. É o caso das cidades, sobretudo as grandes. As casas, a rua, os rios canalizados, o metrô etc., são resultados do trabalho corporificado em objetos culturais. Não faz mal repetir: suscetível a mudanças irregulares ao longo do tempo, a paisagem é um conjunto de formas heterogêneas, de idades diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das diversas maneiras de produzir as coisas, de construir o espaço. (SANTOS, 1988, p. 23)
O próprio desenho das cidades conta da presença ou ausência de
planejamento em sua formação e indicia o processo histórico do qual decorre sua
8 Palestra Smart Cities: Cidades e Bases de Dados, proferida por Clemens Apprich e Adelino Mont’Alverne no Goethe Institut, Salvador-‐BA, Brasil, em 29/10/2013
33
configuração. Para o escritor Ítalo Calvino, filho de italianos nascido em Cuba, “a cidade
não conta o seu passado, ela o contém como nas linhas das mãos, inscrito nas ruas”
(CALVINO apud CARLOS, 2001, p. 218). Os veios da cidade revelam – e por vezes
denunciam – sua história, mas principalmente, a cidade existe tal como chega a ser
porque a sua construção histórica está ali contida. Há em cada avenida, praça, belvedere
ou viela da urbe uma narrativa de atos que a instituíram, mas há também o passado
resultando na conformação presente, a despeito da evidência, das permanências ou das
tentativas de apagamento. Dados históricos podem perder-‐se, porém há aspectos
atribuídos pelo tempo que se apresentam indeléveis. Passado e presente se fundem
quando é visível que o presente se degeneraria pela dissolução de elementos do
passado.
Assim, aspectos históricos podem estar tão materializados na cidade que a
caracterização de seu presente dependa da assimilação do passado como uma
preservação que o torna presente. A permanência desses elementos do passado os
reestabelece como existência presente que prescinde de renovação para assim
enquadrá-‐los, desde que a condição básica para tal seja existir no agora. Uma sucessão
de presentes terá feito o passado chegar até o tempo atual e ser tanto de outrora como
de agora, embora localize-‐se ligado a aspectos mais anteriores que de então.
A adição de elementos do passado que resistem e reincidem na
caracterização de presente, como dito anteriormente, indiciam a formação da urbe e
essa elaboração reflete as vivências dos que a habitaram ou passaram por ela e continua
em processo de desenvolvimento pelos que no tempo presente a povoam, percorrem,
visitam e por ela passam. Essas experiências dão-‐se entre os sujeitos e os espaços
urbanos e os sujeitos entre si. Em dado momento o aspecto relacional dessas
experiências se materializa, conforme propõe Ana Fani Alessandri Carlos ao afirmar que
“(...)as relações sociais têm concretude no espaço, nos lugares onde se realiza a vida
humana, envolvendo determinado emprego de tempo que se revela como modo de uso
do espaço”(CARLOS, 2001, p. 213).
Tem-‐se a partir dessa ideia a possibilidade de afirmação de que uma
cidade – como recorte espacial – pronuncia-‐se como narrativa da vida que nela se
34
desdobra, e aqui é possível considerar-‐se especificamente, para além da subjetividade,
sua materialidade: os corpos que nela estão em atividade, as realizações arquitetônicas
que promovem, fruto de parte dessa atividade e destinadas a outra parte.
O geógrafo brasileiro Roberto Lobato Corrêa vem dizer que “o espaço
urbano é simultaneamente fragmentado e articulado, e que esta fragmentação articulada
é a expressão espacial de processos sociais(...)” (CORRÊA, 1997, p. 148). Esse
pensamento pode acrescer à proposição de Ana Fani Alessandri Carlos a ideia de que as
relações sociais não só ganham concretude no espaço como também o caracterizam,
determinam suas resultantes configuracionais.
Seria portanto a distribuição dos elementos no espaço urbano uma
disposição engendrada pelo uso que os sujeitos fazem dele no exercício da vida, quer
voluntária ou compulsoriamente. Roberto Lobato Corrêa, assim como Ítalo Calvino,
correlaciona a conformação da estrutura urbana com atribuições instituídas através de
uma linha temporal ao dizer que:
(...) o espaço urbano é um reflexo tanto de ações que se realizam no presente, como também daquelas que se realizaram no passado e que deixaram suas marcas impressas nas formas espaciais presentes. Nesse sentido o espaço urbano pode ser o reflexo de uma sequência de formas espaciais que coexistem lado a lado, cada uma sendo originária de um dado momento. (CORRÊA, 1997, p.148)
Compreendendo-‐se a narrativa como uma sucessão de fatos que decorrem
no tempo e são expressos por meio de linguagem nota-‐se uma aproximação entre as
constatações de Ana Fani Alessandri Carlos e Roberto Lobato Corrêa e a afirmativa de
Roland Barthes, citado por David Harvey, de que “a cidade é um discurso e esse discurso
é na verdade uma linguagem” (BARTHES apud HARVEY, 2011, p. 69-‐70).
Isso posto, não seria impreciso dizer que a cidade é uma expressão de seu
processo formativo e que seu desenho é uma constatável linguagem do seu discurso.
Entre efemeridades e permanências se delineia a cartografia de sua ocupação espacial.
Nessa dinâmica destacam-‐se as pessoas como agentes dessa condução das formas que
essa territorialidade assume no espaço.
35
A relação de empregar forma ao espaço urbano não seria, no entanto, em
todo momento uma execução simples, como se resultasse unicamente de gestos casuais.
Adviria outrossim de tensionamentos: ao buscar impor forma à urbe os indivíduos
encontrariam nela a resistência e o afrontamento às suas ações. A resistência
apresentaria-‐se através, inclusive, das formas anteriormente a ela impostas. Diria-‐se
deste modo que o urbano desenha-‐se coletivamente e que existiria mesmo uma
hierarquia de potencialidade de ação dessa coletividade, resultando em uma composição
que se perfaz de poderes instituídos e insurgências.
Há uma proposição de percepção da urbe como lugar de uso da
criatividade como modo de vivência em David Harvey, ao falar sobre Soft City, relato de
Jonathan Raban sobre a vida em Londres, publicado em 1974:
As cidades, ao contrário dos povoados e pequenos municípios, são plásticas por natureza. Moldamo-‐las à nossa imagem: elas, por sua vez, nos moldam por meio da resistência que oferecem quando tentamos impor nossa própria forma pessoal. Nesse sentido, parece-‐me que viver numa cidade é uma arte, e precisamos do vocabulário da arte, do estilo, para descrever a relação peculiar entre homem e material que existe na contínua interação criativa da vida urbana. (HARVEY, 2011, p.17)
Assim validam-‐se associações entre a dinâmica da ocupação espacial na
cidade e o ato de desenhar, de criar, presentes no vocabulário das artes, mas
especificamente as visuais quando interpreta-‐se a constituição do urbano como
visualidade que assim se nomeia pelas formas que contém e pela estética – ou
conjunções estéticas – que abriga.
2.2 AS LUZES ARTIFICIAIS DAS CIDADES COMO INDÍCIOS DE OCUPAÇÃO ESPACIAL
Ocupar, ou transformar o espaço em território usado – incorporando uma
concepção do geógrafo baiano Milton Santos – diz de preenchê-‐lo de indícios dessa
ocupação posto que, conforme o filósofo e ensaísta alemão, da cidade de Berlim, Walter
36
Benedix Schönflies Benjamin “Habitar é deixar rastros” (BENJAMIN apud CARLOS, 2001,
p. 219).
As luzes artificiais na cidade, pela própria natureza da luz em si,
constituem-‐se em efemeridade devido ao seu acendimento e apagamento programados
de modo a tornar sua iluminação um dado efêmero renovável. Entretanto a visualização,
em sobrevoo aéreo ou espacial, de seu arranjo compositivo pode ser entendida como um
rastro de ocupação espacial, da constituição de uma territorialidade.
Um desenho luminoso se ordena em cada urbe e esse desenho organiza-‐se
como uma cartografia sujeita às variações no tempo. A interveniência do tempo nessa
grafia abrange passado imediato, recente e distante na caracterização do presente
observável, ainda que a história não conceda atencioso registro e reflexão relativos a sua
estruturação, distribuição, funcionamento e importância na evolução do próprio decurso
histórico das cidades, como situa Roger Narboni, comissário da exposição La Lumière et
la Ville, Paris, por ocasião da 7th European Lighting Conference: “A iluminação urbana
vive atualmente sua pré-‐história, sem referências, sem crítica, sem passado, enquanto
que a cidade, ela, orgulha-‐se de sete mil anos de história (NARBONI apud MARIE DE
PARIS, 1995, p. 12, tradução nossa)”.
Vê-‐se uma cidade noturnamente iluminada porque em certa ocasião
surgiram meios artificiais para promover essa iluminação. O advento da utilização da
eletricidade como fonte de energia passando pelas constatações e contribuições do
grego pré-‐socrático Tales de Mileto, das conclusões sobre o fluido elétrico realizadas de
forma contemporânea e independente pelo norte-‐americano Benjamin Franklin e pelo
inglês William Watson, no séc. XVIII, à invenção da lâmpada elétrica incandescente pelo
estadunidense Thomas Edison em 1879, capaz de transformar a energia elétrica em
energia luminosa, e do planejamento dos sistemas de distribuição dessa energia através
da bem sucedida corrente alternada, pelo austríaco Nikola Tesla, potencializaram e/ou
otimizaram a realização de intenções de atividades individuais e coletivas e seu uso para
iluminação de ruas, estruturas públicas, industriais, comerciais, institucionais e
habitações concomitantemente a outras fontes de luz pré-‐existentes e permanentes ao
longo da experiência humana, como o fogo, compõem a tessitura dos domínios ocupados
37
nas cidades que pode ser visualizada à noite a certa distância através de vista aérea a
partir de satélites, aeronaves ou mesmo balões.
Tal efeito luminoso além de evidenciar fisicamente as delimitações da
ocupação humana sobre o território revela subjetividades ligadas à noção de
pertencimento, participação, presença, integração e interatividade – essa última
verificável especialmente nos casos em que a curta intermitência da luz por repetidas
vezes pretenda comunicação de mensagem emitida por equipamentos da estrutura
náutica urbana, como faróis, ou por ação de indivíduos que atendem ao chamamento de
um programa de TV que lhes convide a confirmar através do piscar das luzes o seu
acompanhamento e interação com a veiculação.
A implantação desses recursos estruturais da cidade a pontilhou em
distribuição mais ou menos ordenada de postes e outros equipamentos fixos provedores
de luz; os meios de transporte que nela circulam nessa faixa de horário também exercem
seu papel na dotação dessas luzes, nesse caso em mobilidade; as residências e
edificações comerciais, industriais e institucionais participam com o acendimento e
apagamento voluntário de suas luzes, em uma flexível alternância entre continuidade,
intermitência e ausência. Entre fixidez, mutabilidade e mobilidade, no decurso de tempo
inscrito na noite, a cidade vai sendo iluminada ocasionando desenhos luminosos que,
com maior ou menor variação, cartografam sua ocupação.
Rastros de luz visibilizam-‐se em noturnos indícios de ocupação espacial.
Indicadores que desaparecem com a chegada da luz natural diurna, a cada novo dia, em
processo contínuo de repetição dessa alternância, notáveis no instante de seu uso por
meio de observação e preserváveis para a posteridade por meio de registros imagéticos.
A luz se distribui e limita-‐se a um espaço, delimitando-‐o e
concomitantemente expandindo seu alcance. Fotografando uma territorialidade – aqui
não na acepção da técnica convencional da fotografia mas tomando-‐se o termo – que
quer dizer gravar por meio da luz – emprestado para designar o registro luminoso da
cartografia de uma ocupação, o traçado de uma cidade por suas luzes.
38
Conceber dessa maneira uma contingência interpretativa das luzes no
espaço urbano tem na afirmação de Raban, citado por David Harvey, fundamentação
quando ele diz que “(...) a cidade é o lugar em que o fato e a imaginação simplesmente
têm de se fundir” (RABAN apud HARVEY, 2011, p. 17). As luzes artificiais distribuídas na
cidade seriam o fato e a ideia de que elas desenham a urbe seria a imaginação sobre o
fato.
A fusão entre a concretude do espaço urbano e as subjetividades da
imaginação que podem ser impostas e atribuídas a ele dá lugar à reflexão acerca do
papel humano na elaboração de territorialidades, na conformação da sua ocupação
espacial e na consolidação do ato de habitar.
Tendo em vista que as instituições territoriais e toda designação de lugar
são convencionadas, resta reflexionar sobre o modo como se ocupa e se atribui
conceitos ao espaço, e sobre como se interpretam suas resultantes. Holderlin, em citação
trazida por Ana Fani Alessandri Carlos, assevera que “o homem habita poeticamente o
mundo” (HOLDERLIN apud CARLOS, 2001, p. 218). Se os seres humanos assim o fazem
ao existirem na Terra, e o seu fazer pode ser posto em analogia direta com concepções
poéticas, tanto mais a análise dos rastros de sua habitação podem ser interpretados sob
essa ótica. Perspectiva que passa a permitir que se identifiquem múltiplas cartografias
derivativas de diferentes enfoques das resultantes de ser e estar no mundo. De ocupar o
espaço, instituí-‐lo, vivenciá-‐lo, dar-‐lhe concretude e significado, vários.
Reflexões que situam e contextualizam a proposição que iniciou a pesquisa
que conduziu ao que expõe-‐se: A humanidade teria, em uma interpretação própria da
arte, portado-‐se responsivamente ao desenho das constelações observáveis daqui
quando apresenta como resultante de sua ocupação espacial um desenho luminoso da
cidade que a elas se assemelha, como em um espelhamento. A Terra que espelha o céu e
reflete suas luzes. E em outra interpretação, que dá partida a esse estudo, teriam sido
cravejados os territórios – nas unidades consideradas das cidades – de luzes artificiais
que podem ter como correspondentes as gemas coradas e os diamantes na analogia com
as joias.
39
Todavia estar na cidade e mesmo produzi-‐la não representa tácito
conhecimento de suas leituras possíveis. Há que se decodificar o espaço urbano afim de
localizar as cartografias que nele se produzem ainda que se atue como agente delas,
citadino. Os pesquisadores Henri-‐Pierre Jeudy e Maria Cláudia Galera sobre essa questão
discorrem que “A percepção de uma cidade depende de uma certa estranheza, pelos
efeitos cenestésicos que ela provoca. A cidade é antes de tudo um enigma” (JEUDY et
GALERA, 2013, p. 213). E seriam portanto enigmáticas também as analogias entre joias
cravejadas e cidades iluminadas ou entre constelações e configuração luminosa da urbe.
Que grau de correspondência haveria entre as associações que esse estudo
elaborou como ponto de partida e as possíveis motivações e/ou codificações de um
inconsciente coletivo9 que teria participado da materialização das cidades permitindo
suscitarem-‐se esses enigmas?
Relativamente a esse quesito dos enigmas na cidade a dupla de
pesquisadores, citados anteriormente, acrescenta que “O olhar dado para uma paisagem
urbana se alimenta dos enigmas que produz o que não é visível e, que a cada relato
torna, à sua maneira, ‘quase visível’” (JEUDY et GALERA, 2013, p. 214). A tensão que se
aduz agora apresenta-‐se entre o visível e o invisível, sobre aquilo que se infere a partir
do visível – que pode advir de comparações com outras visualidades – e sobre o quanto
o invisível atribuiria ao visível.
Henri-‐Pierre Jeudy e Maria Cláudia Galera, falando sobre a cidade francesa
de Saint-‐Dizier em seu artigo Olhares Perdidos Sobre Uma Cidade, questionam e
respondem:
Seria este o segredo desta cidade que oferece ao olhar uma constelação de pontos de vista? Usando um caleidoscópio cujos fragmentos representariam partes da cidade, eu me pergunto se o olho não reconheceria uma homogeneidade surpreendente na sua configuração. Tal seria o paradoxo singular: a coesão urbana seria resultante de sua heterogeneidade. (JEUDY et GALERA, 2013, p. 216)
9 Conceito de psicologia análitica do psiquiatra e psicanalista suíço, da cidade Kesswil, Carl Gustav Jung (1875-‐1961).
40
2.3 AS CIDADES ILUMINADAS “De lá, ela sentia, ao mesmo tempo na cidade, e fora dela.” (JEUDY & GALERA, 2013, p. 216, sobre menina moradora de Saint-‐Dizier, França)
O teórico francês Michel de Certeau (1998) fala da experiência de ver a
cidade de perto e de dentro e de vê-‐la de longe e de fora. Duas relações distintas se
estabelecem a partir de cada uma dessas experiências. Ao tratar das cidades
artificialmente iluminadas e tê-‐las como ente de comparação com as constelações
consideram-‐se tanto sua observação do ponto de vista imersivo – de situar-‐se nela e vê-‐
la iluminada em redor – que seria o de perto e de dentro, quanto do ponto de vista
externo a ela, em que se pode vê-‐la de fora e de longe.
Quando se trata da apreensão da visualidade da cidade a experiência
primeira à qual as pessoas estão relacionadas é a de observar o espaço urbano como
partícipe dele, tomando o ponto de vista de suas ruas, janelas e sacadas de prédios.
A cidade de Salvador, na Bahia, por ser o local de naturalidade da autora e
constituir-‐se-‐lhe lugar de fala e ponto de partida é o espaço urbano onde são apreciadas
primeiramente essas relações de ver de perto e de dentro a cidade iluminada. A Figura 3
mostra um recorte da cidade de Salvador em fotografia noturna tomada a partir do
bairro do Rio Vermelho:
41
Figura 3 -‐ Cidade de Salvador, Bahia, Brasil, em iluminação noturna.
Fonte: http://www.tripadvisor.com.br/Hotel_Review-‐g303272-‐d304337-‐Reviews-‐Pestana_Bahia_Hotel-‐Salvador_State_of_Bahia.html Acesso em 29/03/2014
Essa experiência de ver a cidade estando dentro dela não permite a
totalidade de sua visualização – em se tratando de grandes cidades – devido à escolha de
um ponto de vista consequentemente excluir outros. A título de exemplificação, tem-‐se
na Figura 4 outra captura imagética feita de dentro da cidade de Salvador, dessa vez a
partir da localidade de Alto do Mont Serrat:
42
Figura 4 -‐ Vista do Alto do Mont Serrat, Salvador-‐BA
Fonte: Vista do Alto do Monte Serrat -‐ acesso em 29-‐03-‐2014 em http-‐//www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=730506&page=72 Acesso em 29/03/2014
A mesma cidade, portanto, variando o ponto de vista que seja tomado
proporcionará diferentes visualidades em seu enquadramento. A paisagem urbana
artificialmente iluminada gera múltiplas contemplações para observadores em variadas
localizações.
Outra situação que se infere a partir da experiência de vivenciar as cidades
iluminadas é que a luz cria um caminho propositivo de exploração do espaço urbano na
condição noturna, orientando percursos. Para a pesquisadora francesa Sophie Mosser,
em sua tese Éclaraige Urbain: Enjeux et Instruments d’Actions defendida na Université
Paris 8 em 2003:
(...) Eles evocam o impacto psicológico sobre o cidadão, a “poética” da luz, “o efeito permanente da luz sobre os seres e as coisas”, e também o
43
impacto sobre o comportamento dos pedestres: a composição da iluminação poderá guiar o pedestre por encaminhamentos preferenciais, e levá-‐lo a modificar seus trajetos. (MOSSER, 2003, p. 50, tradução nossa)
No entanto, embora admita tais induções de rota, Mosser enquadra as
atribuições da luz na cidade tanto mais na capacidade de reforçar e enfatizar vocações
simbólicas e características pré-‐existentes ao afirmar que:
A luz é assim menos encarregada de dar sentido à cidade, que de reforçar um senso já dado: sua missão é valorizar os elementos que são considerados como portadores de uma riqueza simbólica, de os “ampliar”, ou seja, de lhes multiplicar o valor. (MOSSER, 2003, p. 47, tradução nossa)
A distribuição da luz na cidade reforçaria, por conseguinte, atribuições de
valores e significados já estabelecidos na cidade em sua condição diurnal. Sua
configuração luminosa proporcionada pela sua estrutura distributiva permitiria um
reconhecimento da urbe, equipando-‐a para a noite. A redesenharia para ser, em
condição noturna, a cidade que esteve disponível à luz do dia. Porém a própria natureza
da luz artificial e seu emprego no espaço urbano o entrecorta e redefine. Mosser pontua
essa questão ao dizer que:
Em termos de identificação, a iluminação é considerada como um meio de tornar mais evidente a leitura da cidade, de sua estrutura como de sua significação, por seu papel frente à classificação ou à legibilidade. Devido às diferenças de nível de iluminação ou de tonalidade da luz, às diferenças de implantação de fontes, ela trata de reforçar as continuidades e descontinuidades da forma da cidade, em diferentes escalas; de sublinhar a continuidade de seus “eixos estruturais” por exemplo, de diferenciar os diversos bairros, de tornar visíveis pontos singulares, afirmando ou atenuando por exemplo a visibilidade de certos edifícios, de certos planos em relação a outros, a percepção do nivelamento do solo e as molduras das fachadas (por exemplo utilizando a capacidade de uma iluminação baixa colocar em evidência a textura de uma superfície). (MOSSER, 2003, p. 48, tradução nossa)
Algumas estruturações da cidade são assim confirmadas – simbolicamente
inclusive – e outras são reelaboradas pelos atributos de suas luzes. Espaços são
acentuados, outros ocultados, rotas sugeridas, outras quase que desaconselhadas pela
44
ausência da luminosidade. Outras dotações perceptivas se sobrepõem à apreensão da
cidade com a interrupção da luz do dia e mesmo a tentativa de reproduzir na noite
urbana as significações que foram atribuídas ao seu espaço durante o dia enfrentará o
fato de que as duas condições são perceptivamente distintas e que o emprego da luz
artificial – quando logra não mais que mitigar a abstinência da luz diurna – gera outros
dados de assimilação do entorno da urbe. Sobre a paisagem urbana e a discussão de sua
condição noturna e sua captação Mosser acrescenta:
Em primeiro lugar, o conceito de paisagem urbana, que se desenvolveu ao longo de muitas décadas, foi aplicado mais recentemente à iluminação urbana, superando a única referência, implícita, ao período diurno. Seu emprego marca a vontade de mostrar pela concepção da iluminação, além de uma abordagem plástica preocupada com a aparência dos materiais, uma forte atenção pela leitura visual do ambiente (pontos de focalização do olhar, campos visuais amplos, etc.) constituídos tanto de objetos (os edifícios) como de espaços que são compostos por esses objetos, e uma forte atenção à dimensão emocional e simbólica dos objetos e espaços percebidos (MOSSER, 2003, p. 56, tradução nossa)
Valorizando essa ótica, as imagens noturnas de cidades mundiais
iluminadas artificialmente vêm contribuir para a codificação de um imaginário da
experiência do claro-‐escuro promovido na metrópole pela própria estrutura que a faz
diuturna: os dias são prorrogados através da noite pelo recurso da distribuição de
energia elétrica a instâncias particulares e pelo encadeado sistema de iluminação
pública.
Ainda que conte com outros recursos, é o planejamento da cidade como
arranjo ocupável que – fazendo uso da luz natural ao longo do dia e dispondo da
iluminação artificial para aclarar as trevas após o ocaso do sol – faz desses aglomerados
territoriais espaços de vivência contingencialmente flexibilizadores do tempo em seu
uso.
Uma referência coletivamente estabelecida no imaginário das nossas
civilizações moderna e pós-‐moderna é a de Paris como Cidade Luz. Em um estudo
exploratório desenvolvido pela prefeitura da capital francesa sobre a noite parisiense
45
temos uma contextualização desse título correlacionando a vida social ao
desenvolvimento da energia elétrica:
Paris é a “Cidade Luz” e tem sido desde o fim do séc. XIX. Contudo, é um decreto de 1715 autorizando o primeiro baile público que marca a eclosão da vida noturna parisiense tal qual conhecemos hoje. Isso se intensifica e desenrola-‐se ao longo do séc. XVIII sob a forma de cafés, salões de dança, cabarés, especialmente nos arredores de Paris, e mais precisamente à margem das concessões de produtos e notadamente o álcool não-‐tributado, onde localizava-‐se perifericamente boa parte da população parisiense. No fim do séc. XVIII são os teatros que florescem, enriquecem mais a noite parisiense; no séc. XIX, os concertos de cafés e cervejarias. O nome de “Cidade Luz” não surge de fato até a ocasião de l’Exposition Universelle de 1889. Esse é o primeiro lugar a testemunhar da importante ebulição intelectual que deu-‐se na Europa naquele momento e na qual a França desempenhou importante papel. A adjetivação de “luz” está naturalmente relacionada à descoberta da Fada Eletricidade. Inventada em 1879 por Edison, a lâmpada incandescente é apresentada na l’Expo de 1881 e instalada nas décadas seguintes nas ruas de Paris por Alphand (herdeiro das grandes obras desenvolvidas por Haussmann). Em 1889 ela deslumbra já os trinta e três milhões de visitantes de l’Exposition du Centenaire que qualifica Paris como “Cidade Luz”. Porém esse epíteto manifesta igualmente a importância da vida cultural. Paris é, junto com Viena, a capital cultural da Europa, e isso desde o séc. XVIII (MARIE DE PARIS. Paris la Nuit – Étude Exploratoire, 2004, p. 14, tradução nossa).
Tem-‐se portanto uma conjunção simbólica – relacionada à efervescência
cultural – e de aparato material e ferramental – referente à instalação e distribuição da
luz elétrica – para sustentação desse título que é conferido a Paris.
Na Figura 5 temos uma perspectiva da capital francesa capturada pela
historiadora de arte, egressa da Escola de Belas Artes da UFBA, Agla Lessa, quando em
deslocamento de sua origem na Bahia a esse território europeu para a experiência de
vivenciar corporalmente as ideias difundidas sobre a cidade, registro autoral do
indivíduo que se mobiliza para construir seu próprio conhecimento sobre uma cidade
impulsionado pelos prévios. A permanência pelo dia completo disponibiliza a
defrontação com as luzes da cidade, afirmação de planejamento para continuidade de
uso desse organismo arquitetônico ou condição de possível utilização diuturna.
46
Figura 5 -‐ Paris fotografada pela bacharel em artes visuais Agla Lessa. (2014)
Fonte: Fotografia de Agla Lessa. Disponível em: https-‐//www.facebook.com/agla.lessa/posts/256179051214106-‐1?stream_ref=1. Acesso em: 14/01/2014
Em ampla coleta de dados imagéticos relacionou-‐se imagens noturnas de
cidades, investigando-‐se o potencial de luminescência e o contraste com a escuridão
natural da noite. Aqui traz-‐se uma pequena mostra de exemplos dessas imagens
noturnas de cidades tomadas, por seus respectivos autores, da experiência de ver de
perto e de dentro. Outra cidade francesa tomada nessa coleta de dados imagéticos é
Lille, ao norte da França, próxima à fronteira com a Bélgica. Na Figura 6 se vê um recorte
da Praça General de Gaulle com sua roda gigante e casario iluminados durante a noite:
47
Figura 6 -‐ Praça Général de Gaulle, Lille, França. (s/d)
Fonte: Disponível em: http://www.eurostar.com/uk-‐en/destinations/france/northern-‐france/lille Acesso em: 02/05/2013.
Nas Figuras 7 e 8 temos Singapura, cidade do sudeste asiático ricamente
iluminada artificialmente onde o desenho urbano ganha traços bem delineados por suas
luzes:
Figura 7 -‐ Singapura. (s/d)
Fonte: Disponível em: http://spareviewmag.com/2010/04/spa-‐rkling-‐singapore.html Acesso em: 29/04/2013.
48
Figura 8 -‐ Singapura. (s/d)
Fonte: Disponível em: http://spareviewmag.com/2010/04/spa-‐rkling-‐singapore.html Acesso em: 29/04/2013.
2.4 A CIDADE CORRELACIONADA COM A ORGANICIDADE DE SISTEMAS E FENÔMENOS NATURAIS: CONSTELAÇÕES EM DUPLO
A coleção Constelações Urbanas correlaciona diretamente formações
cósmicas da natureza com elaborações humanas que se materializam. As luzes das
cidades e seu desenho são analogamente colocadas diante das estrelas e demais corpos
celestes visíveis que se aglomeram em constelações.
O arquiteto e pesquisador italiano Francesco Careri (2013), analisando
imagens aéreas de cidades se utiliza de conceitos do astrofísico, também italiano,
Francesco Sylos Labini, quando de sua contribuição ao laboratório de arte urbana
Stalker, para compará-‐las a “um tecido orgânico, de uma forma filamentosa que se
aglomera em grânulos mais ou menos densos” então denominados de arquipélagos
fractais, resultado da descrição feita pelo cientista a respeito da distribuição das galáxias
no universo, estabelecendo correlação entre a natureza em si e as disposições
urbanísticas produzidas pelo homem que se vinculam entre si pela organicidade em que
resultam. Sobre a configuração da urbe vem reflexionar:
Não obstante a sua figura informe, na realidade, o desenho da cidade que se obtém separando os cheios dos vazios pode ser relido como
49
“forma” pelas geometrias complexas, que são usadas precisamente para descrever aqueles sistemas que autodefinem a sua estrutura e que se apresentam como aglomerados de matéria “sem forma”. Se se aceita o fato de que a cidade se desenvolve por meio de uma dinâmica natural similar a das nuvens ou a das galáxias, compreende-‐se como ela é dificilmente programável e previsível, em razão da quantidade de forças e de variáveis que entram em jogo. (CARERI, 2013, p.237)
Tal imprevisibilidade e multiplicidade de variáveis intervenientes revela-‐
se sobremaneira nas formações luminosas das cidades. Sua configuração luminosa se
produz refletindo tanto os domínios da ocupação espacial urbana quanto a sua dinâmica
e essa cartografia tem seu desenho alterado conforme faixa de horário ou por incidência
de eventos.
Tal mutabilidade e potencial de expansão e integração indistinguível entre
cidades próximas, por exemplo, figuram como indicadores da organicidade dos seus
processos formativos e de dinamização. Processos orgânicos tendem a desenhar-‐se
organicamente e através dessa constatação a ideia de similitude e mimese entre a
composição luminescente da urbe e a malha constelar se insere visto que uma é
construída pela humanidade e resulta com organicidade comparável à que se constitui
de elementos e fenômenos naturais, inquestionavelmente orgânica. Pode-‐se considerar
conceitualmente que a cidade iluminada é uma imitação das constelações que a
humanidade teria produzido inconscientemente. Dentro dessa possibilidade de
percepção haveria então uma responsividade humana na Terra àquilo que pode ser
contemplado nos céus.
Tais deduções ensejam a noção de espelhamento entre terra e céu, entre
cidades iluminadas e constelações. Essa analogia torna-‐se assimilável especialmente
através de imagens de satélite e telescópio. Nas figuras 9 e 10 temos respectivamente
imagens da noite de ilhas britânicas, Paris e seu entorno capturada via satélite ISS –
International Space Station – e o aglomerado de estrelas Messier 30 (NCG 7099)
registrado pelo telescópio espacial Hubble, ambas da NASA:
50
Figura 9 -‐ Ilhas britânicas, Paris e seu entorno capturada via satélite ISS (International Space Station) da NASA
Fonte: Disponível em http-‐//eoimages.gsfc.nasa.gov/images/imagerecords/78000/78674/london_lights_2012087_lrg.jpg Acesso em 17/07/2014.
51
Figura 10 – Messier 30 NCG 7099) registrado pelo telescópio espacial Hubble, NASA
Fonte: Disponível em http-‐//www.constellation-‐guide.com/constellation-‐list/capricornus-‐constellation/messier-‐30-‐ngc-‐7099/ Acesso em 10/02/2015.
Através da comparação das imagens apresentadas tem-‐se um meio de
reconhecimento da semelhança proposta entre as luzes das cidades e as constelações,
sendo que as primeiras são delimitadas pelos oceanos e ausências de ocupação urbana e
as posteriores estão dispostas na infinitude do espaço sideral.
Se fosse possível defrontar portanto essa cartografia luminosa das cidades
e a malha das constelações posicionando o observador no espaço entre uma e outra ter-‐
se-‐ia a condição ideal para estabelecer as vinculações de espelhamento entre elas, ao
menos em se tratando de aproximações de estruturas visuais. E a organicidade da
52
distribuição de seus elementos compositivos somada à visualidade das luzes de ambas
estruturações fundamentam a correlação proposta e a ideia de espelhamento.
2.4.1 Expedições da NASA e da NOAA Capturando Imagens Noturnas Via Satélite
No ano de 2007, quando surgiu a ideia de correlação entre as cidades
artificialmente iluminadas vistas em sobrevoo e as joias cravejadas de brilhantes em
uma analogia que levaria à concepção de Constelações Urbanas, observar o mundo
iluminado, em determinado distanciamento em que o observador estivesse fora da
circunscrição das cidades e pudesse vê-‐las do alto a partir de um ponto de observação
paralelo ao solo só era possível ao grande público através de voos comerciais noturnos.
Essas circunstâncias que tornaram possível a idealização do projeto não
eram suficientes para fornecer dados imagéticos referenciais para o avanço da pesquisa
ainda no final do ano de 2012 quando ela foi proposta em âmbito acadêmico ao
Programa de Pós-‐Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal da Bahia.
Quando do início da pesquisa a imagem de sobrevoo noturno de Moscou
apresentada na Figura 11 aproximava-‐se da tipificação de perspectiva que se desejava
ter registrada de cada capital e do distrito federal para elaboração das joias da coleção:
53
Figura 11 -‐ Vista aérea noturna de Moscou em foto de Kitsch Bordeaux
Fonte: Disponível em: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=663256 Acesso em 25/10/2012
Não tratava-‐se da condição ideal, porém era o que se dispunha dentro do
que era possível ser capturado e compartilhado em rede por pessoas comuns. Embora
atualmente seja possível o acesso a imagens oficiais da NASA com capturas do desenho
luminoso de diferentes localidades mundiais datando desde o ano de 2003, um
mapeamento mais completo do globo terrestre registrando sua iluminação artificial
noturna se concentra nas expedições 28 e 29, a bordo da ISS – International Spacial
Station – de Agosto a Outubro de 2011 e torna-‐se mais amplamente divulgado a partir
de 2012. Esses registros surgem de missões conjuntas da NASA e NOAA – National
Oceanic and Atmosferic Administration – e continuam a ser realizados e divulgados até os
dias atuais.
As expedições 28 e 29, do ano de 2011, criam a condição mais adequada
para referenciar imageticamente a pesquisa Constelações Urbanas cuja intenção
projetual já existia desde 2007; quando em uma constatação feita em sobrevoo noturno
54
surge a ideia da comparação das luzes artificiais das cidades a joias, como se a cidade
fosse cravejada na terra por luzes. Essa ideia é o embrião para a concepção de
Constelações Urbanas.
Com a popularização da divulgação e compartilhamento das imagens das
expedições 28, 29 e posteriores via internet, em redes sociais e demais meios de
comunicação, pela 1a vez a humanidade vê o mundo com o enfoque em sua iluminação
artificial, a partir de pontos de observação localizados de longe e de fora (Certeau,
1998).
Os resultados passaram a ser largamente publicados e difundidos no ano
seguinte, 2013, coincidindo com o início dessa pesquisa no âmbito acadêmico. Foi
possível, dessa maneira, obter maior número de imagens de cidades mundiais tomadas
desse ponto de vista incomum. Na Figura 12 temos a cidade de Moscou, agora em
imagem de satélite gerada pela ISS nas referidas expedições:
Figura 12 -‐ Moscou vista através de imagem noturna de satélite da NASA -‐ National Aeronautics and Space Administration – capturada em 28/03/2012 a uma altura de 240 milhas (386 Kms) sobre o nível do mar
Fonte: Disponível em https-‐//www.facebook.com/photo.php?fbid=787669057927780&set=a.492825617412127.119392.280357755325582&type=1 Acesso em 11/02/2014
55
Embora não tenham sido disponibilizadas imagens cujo recorte
aproximado contemple todas as cidades brasileiras pretendidas para a coleção – cada
uma com seu recorte específico – haver a confluência entre o início dessa pesquisa
acadêmica e a realização das expedições estadunidenses que geraram tais imagens,
ainda que os recortes publicados recaiam em sua maioria sobre outras cidades
internacionais, lançou dotações não só de dados imagéticos gerais para essa
investigação como também gerou a potência de dotar o público de conhecimento prévio
preliminar para reconhecimento e associação dessas imagens à vista atmosférica do
globo artificialmente iluminado.
O início da construção de uma familiaridade com estas imagens, tomadas
de tal ponto de vista, pode contribuir para a correlação de configuração entre a joia da
coleção Constelações Urbanas e a visão espacial de uma urbe iluminada artificialmente.
Buscou-‐se obtenção de acesso junto à NASA das imagens das cidades que
integram esta coleção, através de comunicação oficial da Universidade, todavia não
houve retorno ou atendimento a essa solicitação. Diante dessa situação a decisão
tomada foi a de manter a escolha das 6 cidades brasileiras previamente definidas e
adotar uma representação não mimética das luzes na joia dada a imprecisão de detalhes
nas imagens disponíveis para conhecimento público através dos sites10 oficiais da NASA.
No processo de sobreposição do mapa político das cidades ao
mapeamento luminoso dessas imagens verificou-‐se então, na maior parte das imagens
obtidas, a indistinção dos limites das luzes da cidade representada e das de seu entorno,
que integram suas respectivas regiões metropolitanas.
Condição essa que incorporou-‐se ao processo e resultou em peças cuja
representação das luzes não está definida a partir de uma orientação de detalhamento
de sua disposição nas ruas e nas zonas de aglomeração lumínica das cidades. Uma
densidade de gemas sintéticas aplicadas às peças contrastando com seu suporte escuro
passa a compor a representação do fenômeno da urbe contemporânea reluzente, cuja 10 Nasa Johnson Space Center, Gateway to Astronaut Photography of Earth: http://eol.jsc.nasa.gov Earth Observatory: http://earthobservatory.nasa.gov
56
luminosidade pode tanto constituir detalhados desenhos quanto mesclar-‐se pela
abundância de incidência. Essa distinção é possível notar-‐se em imagens de maior
qualidade de outras cidades que não as previstas para a coleção.
Nas Figuras 13 e 14 temos luzes que se adensam e pontuam suas
localidades sem contudo – pelo amplo enquadramento da imagem – permitir o
detalhamento dos percursos das cidades a partir de suas luzes:
Figura 13 -‐ Imagem noturna de satélite enquadrando Europa, norte da África e parte da Ásia.
Fonte: http-‐//www.strudel.org.uk/blog/stuart/images/20130103_realnight.png Acesso em 02/01/2014
57
Figura 14 -‐ México, Estados Unidos e Canadá em imagem noturna de satélite
Fonte: http-‐//sociable.co/technology/nasas-‐black-‐marble-‐image-‐shows-‐how-‐stunning-‐the-‐earth-‐is-‐at-‐night/attachment/usa-‐canada-‐mexico-‐at-‐night/ Acesso em 10/11/2014
Já nas Figuras 15 e 16 podemos ver imagens de satélite em recortes mais
aproximados de cidades, permitindo11 visualizar sua organização espacial por meio de
suas luzes:
11 Ainda que a imagem disponibilizada via internet não possua alta qualidade de resolução
58
Figura 15 -‐ Cidade de Los Angeles, EUA, em captura noturna de satélite
Fonte: http://www.cella.com.br/blog/wp-‐content/uploads/2009/08/nasa-‐los-‐angeles.jpg Acesso em 02/05/2013
59
Figura 16 -‐ Hamptons, EUA, em imagem noturna de satélite
Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=496743703705286&set=a.115596668486660.6213.115589531820707&type=1&relevant_count=1 Acesso em 02/05/2013
Tanto uma quanto outra são desejáveis para a composição da coleção visto
ressaltarem aspectos que diferem entre si: as luzes que aparecem nas imagens
organizadas permitindo que se visualize sua estruturação e distribuição no espaço
urbano podem permitir que infira-‐se um processo da cidade desenhar-‐se de luzes; já as
imagens que apresentam – por qualidade de recorte e distanciamento ou pela própria
característica da cidade – as luzes sem definição de limites, trazem a possibilidade de
pressupor-‐se que a luminosidade eclode na urbe oferecendo a metáfora de uma massa
luminosa que se depõe no espaço geográfico.
Ambos os casos atendem às expectativas de trazer o conceitual e
imagético dessa condição que se pode considerar da cidade contemporânea para a
transposição para a linguagem da joalheria.
60
2.4.2 Territórios Opacos e Territórios Luminosos de Milton Santos
Faz-‐se uma importante pontuação a partir da observação do pontilhado
luminoso ao redor do globo terrestre e suas territorialidades assim demarcadas: as luzes
das cidades no mundo se apresentam como informativo de questões políticas, sociais, e
econômicas refletindo as distintas realidades dos continentes e regiões. Se no âmbito da
observação de perto e de dentro – retomando os modais de apreensão urbana de
Certeau (1998) – é possível ponderar sobre essa questão tomando como base as ideias
de Milton Santos (1999, p. 194) de que a cidade tem seus espaços opacos e luminosos, a
mesma dinâmica perceptiva de questões humanísticas pode ser aplicada quando da
verificação das imagens noturnas de satélite que ofertam a visualização das luzes na
Terra.
Na proposição de Milton Santos essa opacidade e iluminação servem como
termos mais figurativos do que primordialmente referentes a uma condição retratada
pelas espaços com presença ou ausência de iluminação elétrica, mas conquanto a
associação seja figurativa ela se confirma quando nota-‐se que nas cidades os espaços
marginais são destituídos de eficiente rede de iluminação e os espaços privilegiados
contam com abundância de luminosidade, ou ao menos a disponibilidade dela.
Tomando-‐se as imagens de satélite como visão macro dessas
representações, vê-‐se o continente africano parcamente iluminado em comparação com
a Europa ou o norte do continente americano, como visualiza-‐se na Figura 17:
61
Figura 17 -‐ Mapeamento luminoso noturno da Terra montado a partir de imagens de satélite
Fonte: Disponível em http://www.publico.pt/ciencia/noticia/a-‐terra-‐vista-‐a-‐noite-‐do-‐espaco-‐e-‐um-‐mundo-‐de-‐luz-‐e-‐escuridao-‐1576406#/0 Acesso em 04/02/2014
O jornalista de ciência português Nicolau Ferreira (2012), relata as
disposições da observação de vídeo12 publicado na ocasião a partir de imagens da NASA
e NOAA em que se apresenta uma circulação da ISS em torno da Terra por meio de
capturas noturnas via satélite e fala de uma geografia noturna do planeta. Nas Figuras
18, 19 e 20 temos representações, a partir de noturnas de satélite, do globo terrestre
artificialmente iluminado, variando os enfoques conforme circunda a Terra:
12 Vídeo Earth Time Lapse View from Space: https://www.youtube.com/watch?v=ls9yJTphLxg Vídeos oficiais e recentes podem ser vistos em: https://www.youtube.com/user/NASACrewEarthObs Ou em: http://eol.jsc.nasa.gov/BeyondThePhotography/CrewEarthObservationsVideos/
62
Figura 18 -‐ Representação, a partir de imagens noturnas de satélite, do globo terrestre artificialmente iluminado. Enfoque aos continentes africano, europeu e asiático.
Fonte: Disponível em http://www.publico.pt/ciencia/noticia/a-‐terra-‐vista-‐a-‐noite-‐do-‐espaco-‐e-‐um-‐mundo-‐de-‐luz-‐e-‐escuridao-‐1576406#/0 Acesso em 04/02/2014
63
Figura 19 -‐ Representação, a partir de imagens noturnas de satélite, do globo terrestre artificialmente iluminado. Enfoque continente americano
Fonte: Disponível em http-‐//atarde.uol.com.br/galerias/36/17891-‐nasa-‐revela-‐fotos-‐noturnas-‐da-‐terra Acesso em 12/05/2014
64
Figura 20 -‐ Representação, a partir de imagens noturnas de satélite, do globo terrestre artificialmente iluminado. Enfoque continente asiático e Austrália
Fonte: Disponível em http-‐//atarde.uol.com.br/galerias/36/17891-‐nasa-‐revela-‐fotos-‐noturnas-‐da-‐terra Acesso em 12/05/2014
Mesmo o continente americano, à exceção do norte, se apresenta pouco
iluminado, semelhantemente ao africano, ao comparar-‐se com a Europa, tomando-‐se
como referência essas imagens apresentadas nas figuras anteriores. Na Figura 21 tem-‐se
uma representação a partir de imagens noturnas de satélite do Brasil:
65
Figura 21 -‐ Representação do Brasil, a partir de imagens noturnas de satélite
Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/fotografeumaideia.fui/photos/a.254640774603573.66527.250018485065802/752690838131895/?type=1 Acesso em 16/06/2014
Essa representação permite ver como o Brasil, um país de dimensões
continentais, tem também na cartografia de suas luzes a confirmação de seus espaços
luminosos e opacos – considerando o âmbito nacional – reafirmando suas riquezas
econômicas e concentração de desenvolvimento urbano: Sul e Sudeste reunindo seus
pontos mais luminosos; pontuações no Nordeste, no Distrito Federal e entorno, e a
demonstração visual de um Norte bem menos pontuado de luzes que o restante do país.
66
Quando essa reflexão se dá no contexto das cidades brasileiras vale
considerar a distribuição formal da energia elétrica, seus alcances, prioridades e suas
ligações clandestinas como meio de burla e garantia – ainda que escusa – de inclusão
social por meio de gozo de serviços estruturais básicos da urbe.
No filme 5X Favela – Agora por Nós Mesmos, dirigido por cinco jovens de
favelas cariocas e produzido por Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, o
capítulo Acende a Luz conta a história de uma comunidade de morro carioca que fica
sem energia elétrica na véspera do Natal e seus moradores resolvem sequestrar um
funcionário da Light – companhia elétrica do estado do Rio de Janeiro – como modo de
obrigá-‐lo a solucionar o problema. A personagem do funcionário sequestrado liga para
um colega para solicitar que seja trazida uma peça necessária ao reparo da rede elétrica
no local e cabe o destaque para o diálogo que se sucede:
-‐ Como é que eu vou sair daqui e largar o pessoal sem... -‐ Tu tá maluco, irmão? Hoje é Natal, velho... -‐ Ô, rapaz! É Natal aqui também, né? (Lopes, personagem do eletricista da Light para o colega que não quer subir o morro -‐ Acende a Luz -‐ 5X Favela -‐ Agora por Nós Mesmos -‐ direção de Luciana Bezerra, 2010)
O usufruto da iluminação pública e domiciliar, por meio de fornecimento
das gestões estatais e municipais é um fator de inclusão social e de minoração das
desigualdades. Pode-‐se inferir que assim como o acesso à energia elétrica é um dos
meios de assegurar participação social nas organizações urbanas, o mapeamento
luminoso das cidades contribui para identificação de ocupação dos espaços,
consagrando territorialidades.
O escritor moçambicano Mia Couto, em palestra proferida na sua
conferência Repensar o Pensamento13, durante o congresso Fronteiras do Pensamento
2012, falando sobre como admirava o fato de no Brasil as localidades tomarem nome de
rios – cita Rio Grande do Norte, do Sul, Rio de Janeiro – pondera que essa denominação
de localidades fazendo referência a rios se dá “como se a água mandasse no chão e os
rios fossem fronteiras que não separassem mas juntassem” (COUTO, 2012, 5’35”). Essa
13 Conferência Repensar o Pensamento, proferida por Mia Couto no Fronteiras Braskem do Pensamento 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ahb9bEoNZaU
67
reflexão pode ter uma confirmação visível na imagem de satélite do Vale do Rio Nilo, no
Egito, África, conforme Figura 22:
Figura 22 -‐ Imagem de satélite do Vale do Rio Nilo, Egito, África
Fonte: Disponível em http://earthobservatory.nasa.gov/IOTD/view.php?id=79807 Acesso em 29/10/2013
68
Nela vê-‐se, por meio da configuração luminosa que se forma obedecendo o
curso do rio, como a vida humana organizou-‐se em torno de suas águas. Outra vez as
luzes indicam ocupação espacial, constituição de territorialidades, traços de dados
sociais, políticos e econômicos.
Na Figura 23 é possível haver comparação, por meio da representação das
luzes, entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul e as restrições de divulgação de imagens
territoriais impostas devido ao regime político da parte norte:
Figura 23 – Imagem noturna de Satélite com destaque para Coréia do Norte e Coréia do Sul
Fonte: Disponível em http-‐//earthobservatory.nasa.gov/IOTD/view.php?id=79796 Acesso em 29/10/2013
Outra ideia que pode ser explorada a partir de tais imagens seria a noção
de rede: uma cidade interligada por cabeamento da rede elétrica; que embora como
recurso tenha fins diversos, sua expressão visual constatável nas imagens de satélite se
dá por meio da luz e de como sua incidência configura um desenho para as cidades.
69
2.5 NOÇÃO DE PERTENCIMENTO DO INDIVÍDUO À TERRITORIALIDADE CONSTITUÍDA DAS CIDADES
A territorialidade constituída das cidades suscita nos indivíduos relações
de pertencimento. Essa identificação, reconhecimento e/ou apego a determinada cidade
pode dar-‐se por nascimento, passagem e/ou permanência do indivíduo nessas
localidades ao longo de sua trajetória. Porém ela não está necessariamente associada
sequer ao contato geográfico real de uma pessoa com a urbe eleita para a associação de
pertença. Há relações de pertencimento que se estabelecem a partir de livres
vinculações aos perfis de cidade que se deram a conhecer por meio de processos como
os descritos no capítulo sobre cidades. Trata-‐se então da cidade e da relação de
pertencimento dos indivíduos a seus territórios, quer de origem, quer de destino
almejado ou eleito e alcançado. Discorre-‐se acerca da relação estabelecida entre a urbe e
os indivíduos que a habitam, visitam, exploram ou buscam conhecer e criar identificação
com esses espaços de aglomerados sociais, arquitetônicos e paisagísticos, sobretudo
ambiências culturais.
O italiano Fabio Pollice (2010, p. 9), a partir de ideias de Dai Prà afirma
que “o território, entendido como espaço de pertença, torna-‐se assim um produto
afetivo, social, simbólico, a partir do qual se constroem as identidades locais
retrospectivas e prospectivas”.
Para reflexão sobre a cidade como esse lugar de passagem, território de
travessia humana, tanto física quanto mental, emocional e/ou espiritual, em uma
perspectiva filosófica faz-‐se aqui uma abordagem da questão do pertencimento
territorial através da obra da literatura grega antiga Odisseia, de Homero, na qual pode-‐
se ver em Ítaca uma cidade que não apenas situa e serve de recorte espacial para parte
significativa dos acontecimentos da narrativa, sobretudo também uma cidade que
protagoniza ao fazer-‐se dela circunscrição almejada para o regresso de Odisseu.
O herói havia deixado ao partir, não somente sua esposa Penélope, seu
filho Telêmaco e os seus. Deixara também a cidade e sua rede de sentidos, por ser o seu
espaço de origem e marco referencial do desejado retorno. É o espaço que se personifica
ao ser nomeado, delimitado e – mais do que isso – vivido, tornando-‐o cenário da história
70
do indivíduo, adjetivando-‐o como oriundo dele, demarcando ponto de partida e, no caso
da jornada heroica, destino de retorno como confirmação de triunfo em terras
estranhas.
Alguns trechos selecionados para destaque vêm dar conta dessas
implicações da cidade na jornada do herói e ampliar a discussão concernente à questão
da correlação indivíduo-‐território.
Logo em apresentar Odisseu, Homero narra que o mesmo “errou por
tantíssimos lugares vendo as cidades e conhecendo o pensamento de tantos povos...”
(HOMERO, 2006, p.9). A errância do herói lhe proporciona o contato com múltiplas
cidades e suas culturas e esse acesso permite parâmetro para a concepção que ele tem
de Ítaca, ensejando mais querer voltar a ela, por lhe ser própria e por habitarem ali os
seus. Por estar ancorada ali sua origem.
Sob outros aspectos, ver as cidades e conhecer o pensamento de tantos
povos mostra receptividade na jornada empreendida, trata-‐se do permitir-‐se ser e estar
em outras terras e ser por elas afetado com afetos vividos em seu chão, sem que com
isso se tenha esquecido a terra de seu provimento. Esses muitos lugares constituem
tantas vezes passagem, caminho de volta para a real cidade de habitação. A lembrança
de Ítaca e o propósito de regresso são tão firmemente estabelecidos em Odisseu que
Atena chega a mencionar os vãos esforços da filha do maligno Atlas em desviar-‐lhe o
foco: “...continuamente procura fascinar com palavras ternas e sedutoras, para que se
esqueça de Ítaca.” (HOMERO, 2006, p.10).
A identidade expressa na origem territorial é valorizada no texto grego em
repetidas inserções da indagação “...de que lugar no mundo? Onde demoram tua cidade e
teus pais?” (HOMERO, 2006, p.12), sendo possível inferir que, para as personagens da
narrativa, o lugar de onde provém um sujeito possui eloquência em contar de sua
história, que seu enraizamento, mesmo estando ele ora em terras alheias, diz de quem
ele é.
71
O território impregna o indivíduo e ele o leva consigo em todas as
passagens e paragens da sua travessia. Vir de uma terra é então trazê-‐la consigo. O ser e
o estar se redimensionam portanto entre partida, caminhos, descaminhos e chegada. Ser
em outra terra é também memória de haver estado, lembrança e testemunho portadas
no indivíduo, bagagem cultural que se forma no tempo e no espaço – ou nos espaços
territorializados – cresce sempre do tronco que tem em uma específica terra suas raízes.
Essas de lá não saem mas grande copa de extensos galhos podem se formar ainda que
fincados em seu étimo. Aos homens são dados variados radicais, sejam eles axiais ou
fasciculados ou quaisquer que sejam, ou ainda que se arvorem em arrancar-‐se para
empreender a travessia, as raízes estiveram, foram ali nascidas, crescidas e sem elas
morre-‐se. Ainda que ocultas, são, estão. E sustentam, e enquanto crescem elas, seus
galhos mais longe alcançam. Ainda sobre raízes, por elas os homens mesmo indo,
permanecem: “...onde demora sua família e sua terra pátria?” (HOMERO, 2006, p.18).
Parte do enraizamento se sustenta pela referência dos que são deixados.
Lembrar é, por vezes, voltar, ainda que com o intelecto. As permanências são aí o
chamamento do errante ao regresso, nunca ao retrocesso já que o périplo transforma o
homem, e o homem que partiu não é então nunca o mesmo que retornará. A Odisseu
uma evocação alcança em longínquas terras: “...pensemos nós todos aqui em seu
regresso, a fim de que ele volte.” (HOMERO, 2006, p.10).
O regresso é, todavia, uma retomada. Mesmo na ausência de estar cônscio
de suas raízes, atender ao estar de volta à terra que lhe demanda é emendar os trechos
de sua jornada tornando um só o ponto de partida e o de chegada. Ser devolvido ao seu
território, prática comum em ocorrências de óbito em outras terras, é fazer confirmar
essa ideia de desassossego humano fora de suas fronteiras, fora de suas estâncias
oriundas. Aparecendo propósitos assim na fala de Telêmaco: “...ninguém, aliás, sabe de
per si sua ascendência. Oxalá fosse eu filho dum homem ditoso que alcançasse a velhice
em seus próprios domínios.“ (HOMERO, 2006, p.13).
Porta-‐se território ao deslocar-‐se, territorialidade pode ser portada de
muitas maneiras e se apresentar ou ser indiciada por gestos que testificam culturas;
traços físicos que informam características étnicas, marcações do clima do local de onde
72
se vem, a exemplo das marcas do sol na pele do sertanejo ou dos rastros do rigor do
inverno nos nórdicos; vestimentas; costumes e conquanto o acento ou sotaque denuncie
distintas proveniências mesmo entre pessoas de mesmo idioma, a língua é talvez a
portabilidade mais expressa da territorialidade: remete, através da palavra, ao chão
pátrio e concede alcance de outras terras ao que da sua e de outra faz uso. Falar é situar,
a pronúncia situa e haver capacidade de comunicar-‐se em outros idiomas promove e
potencializa que nossa existência ganhe certa forma de ubiquidade.
O convite das terras de origem ao regresso do seu filho pode ser a
motivação da jornada ou de sua conclusão. Tão premente pode ser esse impulso, que se
diz de Odisseu: “Ele não continuará por muito tempo longe da amada pátria, ainda que
lhe prendam cadeias de ferro: descobrirá meios de regressar, visto que é engenhoso”
(HOMERO, 2006, p.13).
Aqui, seguindo em perspectiva filosófica, inserem-‐se textualidades da
literatura local com o propósito de tecer reflexões, sobre a temática, que foram feitas
através do clássico da literatura internacional que veio sendo pontuado. O
pertencimento territorial como um valor se apresenta também em Grande Sertão:
Veredas, de Guimarães Rosa através da narrativa de Riobaldo, em passagens como a em
que, explanando sobre a mudança de nomes dos lugarejos, observa: “Nome de lugar
onde alguém já nasceu, devia de estar sagrado” (ROSA, 1986, p.32). O território
referencia os homens e é por eles referenciado.
Há uma relação mútua de atribuições: nascer em determinado lugar
confere características a um indivíduo, e esse, sendo e vivendo nesse lugar influi – uns
mais, outros menos – na caracterização do espaço, no modo de vida que sucede nesses
territórios. A experiência é portanto um enraizamento em um lugar, uma cultura, uma
língua. Em contraponto, tanto a jornada do herói como a travessia humana, o se lançar,
realizar a travessia, requerem desprendimento, visto que ir está contido em partir.
Existe assim a conjugação entre memória e movimento, posto que a terra natal não pode
ser um lugar de fechamento por tratar-‐se o homem de um ser a caminho. É no
tensionamento entre desprendimento e pertencimento que se dá a travessia. No partir
tendo estado, no regressar tendo ido.
73
As veredas são então como oásis nessas passagens, espaços de ricas
vivencias que se abrem nos caminhos, terrenos de aprender a ser para se desfrutar do
estar. Abrem-‐se no decurso da travessia e são dispostas aos que também se dispõem.
Aos que partem em busca de seu próprio caminho.
“Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder
do lugar” (ROSA, 1986, p. 17), nas palavras de Riobaldo parece achar-‐se contradição aos
valores de pertencimento territorial, porém pertencer é por vezes resistir. Ao sertanejo,
à terra que parece expulsá-‐lo é dada a sua resiliência. Quando o lugar é inóspito
permanecer diz de reagir.
Embora nem a obra internacional escolhida, nem a nacional aqui tratada
compreendam uma relação com o urbano no que se refere aos grandes centros – ao
contrário, tratando muitas vezes de ermos e valados – extraem-‐se aqui significações
dessa relação do indivíduo com o lugar, do pertencer, do reconhecer pertencimento e do
proclamar pertencimento.
Sobre a experiência de pertencimento, relacionada ao lugar, a declaração
“partir é morrer um pouco” (Edmond Haraucourt apud JEUDY & GALERA, 2013, p. 213)
feita por um habitante da cidade de Saint-‐Dizier, na França, aos pesquisadores Henri-‐
Pierre Jeudy e Maria Cláudia Galera diz de uma quase indistinção entre o ser e o lugar à
medida que a morte, o deixar de existir, é metáfora para o abandono de uma localidade
ocasionado pela partida. Ser e estar podem ser aqui intimamente ligados quando o estar
refere a fazer-‐se presente em dado espaço físico. Pertencer a um espaço e vivenciar a
evidência disto através da ausência, a conexão que se faz à distância, quando o corpo se
localiza em um ponto que difere daquele ao qual se vincula numa relação de possuidor e
coisa possuída e as atribuições se alternam: indivíduo e lugar revezam-‐se nessa
dinâmica de apropriação. Ora o ser pertence ao lugar ora o lugar é coisa possuída do ser.
Em complementação o habitante de Saint-‐Dizier discorre “é morrer para o
que amamos: deixamos um pouco de nós mesmos em todos os momentos e em todos os
lugares.” Essa ideia reafirma a natureza ambígua desta relação entre indivíduo e espaço.
74
Dessa vez em uma compreensão mais ampla, que não restringe a relação de troca
somente a um local mas a todos pelos que se passa. Não obstante essa proposição
parecer banalizar a relação ser e lugar, por lançar fora a exclusividade de um espaço mas
pretender estabelecer tal relação de conexão com todas as passagens, ela reafirma a
capacidade que existe de vinculação entre indivíduo e território e permite recobrar-‐se a
concepção de que essas vinculações podem replicar-‐se, reincidindo entre o mesmo
indivíduo e outras territorialidades.
No entanto uma localidade pode predominar na associação que o
indivíduo faz entre seu pertencimento e o lugar. O pesquisador Chen Yu Pan relata em
sua tese de doutorado, apresentada à École Doctorale Arts Plastiques, Esthétique et
Sciences de l’Art, Université Paris 1, a realização de sua obra iTunnel v.1, em 2006, em
que uma linha reta – como um túnel que perpassa construções e ignora obstáculos – era
traçada virtualmente entre a Université Paris 1 e o templo Mozu, em Taiwan. Esse túnel
foi constituído tanto por meio de câmeras instaladas nos pontos europeu e asiático
interligados quanto por meio de representação em cartas geográficas, conforme Figura
24:
75
Figura 24 -‐ Cartas geográficas da obra iTunnel v.1, de Chen Yu Pan
Fonte: Tese Entre Ciel et Terre, L’Horizon Virtuel: Expériences artistiques et geographies du virtuel à l'ère interconnectée, Université Paris 1, p. 56 (2014).
Devido às perseguições sofridas pelos judeus ao longo de sua história14 e à
consequente necessidade de mudar constantemente de território, as joias se
constituíram uma alternativa de transportar nos próprios corpos objetos que
preservassem seus bens e riquezas, como seu tesouro portátil, e que pudessem ser
14 Conforme Losing its Sparkle, artigo publicado em The Jerusalem Report. Fonte: http://www.morasha.com.br/conteudo/ed33/diamantes.htm Acesso em: 12/04/2015.
76
comercializados, mantendo assim a possibilidade de haver mobilidade de seu legado
material valendo-‐se do suporte corpóreo.
Essa eleição de portar deste modo seus bens e herança baseia-‐se – além do
fato da joalheria ser uma expertise tradicionalmente judaica – na condição humana de
ter o corpo como único elemento inalienável nos deslocamentos territoriais. A
proposição da ideia do adorno representativo de cidade – como o Constelações Urbanas
– tem portanto semelhança de princípio quando compreendida como uma tentativa de
se fazer acompanhado, materialmente, de uma territorialidade quando se desloca-‐se a
outras.
“O caminho por onde eu vou / não será o mesmo quando eu voltar”
(Robert Desnos apud JEUDY & GALERA, 2013, p. 216 e 217). Nessa citação de Robert
Desnos em Henri-‐Pierre Jeudy e Maria Cláudia Galera cria a oportunidade de propor a
possibilidade de portar referências do território pelo caminho por onde se passa. Peças
que referenciem sua origem e/ou pertencimento através desses caminhos mutáveis, que
assim o são tanto pela sua condição de organismo em constante alteração quanto pelas
próprias transformações do indivíduo.
Falando sobre a cidade Roberto Lobato Corrêa considera: “... formas
espaciais em relação às quais o homem desenvolve sentimentos, cria laços de afeição ou
delas desgosta, atribui-‐lhes a propriedade de proporcionar felicidade ou status, ou
associa-‐as a dor ou pobreza” (CORRÊA, 1997, p. 150). Essas associações podem ser
proporcionadas também pelo uso de uma joia que contemple a perspectiva de ser objeto
portável representativo de cidades.
Tais conceitos recebem ênfase nesta elaboração por entender-‐se que as
joias da coleção Constelações Urbanas são signos de pertencimento. Peças que
enaltecem o lugar, por meio do recorte espacial das cidades, e se propõem trazer a essa
relação entre indivíduo e cidade através da portabilidade das peças sobre o corpo e pelo
simbolismo de poder forjar a proximidade física mesmo com terras das quais se possa
estar geograficamente alijado. Que permitam a representação por meio do objeto
adornativo sobre o corpo da eleição da(s) cidade(s) de pertencimento.
77
3. A JOALHERIA E A COLEÇÃO CONSTELAÇÕES URBANAS 3.1 O TIPO DE JOIA DA COLEÇÃO CONSTELAÇÕES URBANAS
É interesse dessa investigação a análise da configuração resultante de
imagens noturnas de satélite de capitais brasileiras como referenciação para concepção
de coleção de joias artísticas baseadas nessas imagens, abordando a cidade e a relação
de ocupação territorial dedutível da iluminação artificial como elemento indicador de
como se dá a distribuição da população e suas atividades no solo urbano, portanto
assim, demarcatório e delimitador da ocupação do espaço na composição das cidades
por seus agentes sociais. Ao tratar do assunto se mostra oportuna a reflexão sobre o
objeto joia, elemento suporte de materialização e derivação do seu conceitual.
O valor da joia, sua rede de significados enquanto objeto, seu papel na
contemporaneidade e as possíveis reconfigurações da potencialização de seu valor atual
formam aqui as bases de tal reflexão, sem com isso pretender avanços aprofundados na
análise dessas questões, mas pontuando contribuições para as mesmas visto serem
essas questões envoltórias do objeto de pesquisa, compreendendo esse envolvimento
como fluido e não como invólucro aprisionante.
O simbolismo se constitui ao longo da história relevante aspecto no
planejamento, criação, produção e uso da joia. O objeto impregnado de sentidos desde a
sua concepção segue incorporando atribuições na vivência de seu usuário e sua
portabilidade sobre o corpo propicia resultantes mútuas da interação com esse corpo e
com os lugares onde é sobre ele levado. O corpo transporta a joia a recortes espaciais e
faz da territorialidade um agente da sua narrativa. Através do emprego do determinado
recorte do elemento iluminação urbana artificial noturna e exploração desse fator
dentre os inesgotáveis simbolismos das cidades pretendeu-‐se a caraterização conceitual
da coleção Constelações Urbanas.
Nessa acepção, a relação de uso da joia resultante da coleção exprime
noções de pertencimento e afirmação do indivíduo usuário como personagem dessa
78
narrativa e composição do desenho luminescente da cidade ou sua busca de inserir-‐se
nela, quer seja real ou simbolicamente, posicionando-‐se como representante e partícipe
do arranjo luminoso artificial urbano.
A pesquisadora Irina Aragão Santos (2006), desenvolvendo ideias de
Arjun Appadurai, afirma que “o objeto é um suporte material do relacionamento social”
e nessa distinção temos a joia como base objetual para a codificação de sentidos
relativos ao espaço urbano, suas relações, pertencimento, deslocamentos, interações,
intervenções, apropriações e possibilidade de portabilidade corporal de um aspecto
sígnico representativo da cidade, nesse caso, suas emissões luminosas artificiais
noturnas como cartografia de sua ocupação espacial consequente de suas relações
sociais, políticas, econômicas e culturais.
“Cada jóia é um fragmento, uma pequena crônica da grande história da
humanidade”, postula Carles Codina (2000, p. 8). Através desses objetos, duráveis em
sua maioria, parte das informações culturais dos povos pôde ser preservada e
transmitida a gerações que foram sucedendo-‐se. Codina (2000, p. 12) afirma ainda que
“o progresso das civilizações está intimamente ligado ao progresso da sua metalurgia”,
isso porque a técnica metalúrgica possibilitou não só a produção de adornos, mas de
utensílios e equipamentos que garantiram a sobrevivência, preservação e expansão
dessas civilizações. A metalurgia contribuiu para o estabelecimento e permanência dos
povos em seus territórios, posto que, para Mançano (2005 apud LEOPOLDO e MORAIS,
2010, p. 2), “o espaço é perene e o território é intermitente”.
Nesse processo construiu-‐se um sistema de práticas e técnicas joalheiras
que, aliadas a noções de estilo vigentes, foram sendo legitimadas como concernentes à
boa caracterização da joia. Como itens considerados nessa boa caracterização e
consequente aspecto de atribuição de valor estão os metais – sua lei, sua liga – em que a
joia é produzida; as gemas e diamantes – sua pureza de formação e seu quilate – com os
quais são cravejadas; o tipo de cravação empregado, o apuro técnico com o qual essa
cravação é executada; a relação peça e peso, aliados à forma e ao estilo da peça. Tudo
isso não necessariamente resultante de projeto de design, mas de aplicação de práticas
da cultura joalheira que foi sendo instituída ao longo de sua história.
79
Com isso, predefinições foram se estabelecendo convencionalmente como
atributos característicos da joia, distinguindo-‐a inclusive de bijuterias e outros objetos
de ornamento do corpo, formando um imaginário típico ou senso comum do que
designaria o termo joia. A essa concepção chamamos aqui de joalheria tradicional.
Dois exemplos que se podem selecionar da joalheria tradicional são das
grifes Van Cleef and Arpels e Cartier. A Van Cleef and Arpels, empresa fundada a partir do
casamento entre Estelle Arpels e Alfred Van Cleef, é aqui citada como um caso em que,
embora à frente de seu tempo, no que diz respeito à proposta das peças desde seu início,
apresenta como ponto forte de caracterização de sua joia a boa execução tradicional
dela, seguindo ritos convencionados e estabelecidos como atributos clássicos da
joalheria. Já a empresa Cartier foi fundada na França em 1847 por Louis-‐François
Cartier. A requintada marca mantém-‐se através da preservação dos principais aspectos
característicos da joalheria tradicional que a consagrou. Seu desenho, materiais e
produção são uma afirmação do valor histórico presente na joia convencional.
Conforme Codina (2000, p. 12), “em virtude da sua cor amarela e da sua
perdurabilidade, o ouro terá sido utilizado em quase todas as culturas”. Ao que
complementa Gola (2008, p. 29), “o trabalho em ouro, pela maleabilidade e resistência
desse metal, talvez tenha sido a primeira das formas de trabalho em metal de que se tem
conhecimento”. É inegável a relevância do ouro em sua versão amarela na formação dos
arquétipos da joia, inclusive no seu conceito de durabilidade relacionado à eternidade.
No entanto a joalheria se desenvolveu e acompanhou as transformações do pensamento
humano de tal modo que tornou-‐se altamente questionável a eleição de um único
material para legitimar a classificação de joia de um objeto, haja vista a joalheria
contemporânea utilizar diversos materiais, inclusive os não convencionalmente
associados ao caráter de nobreza como, por exemplo, as joias de Gilbert Albert,
apresentadas na Figura 25, que engastam insetos compondo o conjunto de gemas das
peças (GOLA, 2008, p. 114 e 115):
80
Figura 25 -‐ Joia de Gilbert Albert, em ouro, pérolas e insetos
Fonte: GOLA, 2008, p.114
Em conformidade com o exposto, afirma Codina (2000, p. 6), “a joalharia já
não se define, como antigamente, pelo tipo de metal com o qual se trabalha”. Está antes
de tudo ligada ao valor atribuído ao objeto pela história que ele conta, pelas
subjetividades que comporta e pela relação, inclusive de estima e valor afetivo, criada
com o usuário. Tal reestruturação de significados trouxe flexibilidade que permitiu – e
ao mesmo tempo foi impulsionada pela – a democratização da joia como apresentada
nesse relato de Codina:
Os arquitetos Joseph Hoffmann, que trabalhava com o Wiener Werktätten, centro de Artes e ofícios de Viena, e o belga Henry Van de Velde, que considerava uma obrigação moral a criação de jóias, não para uma elite, mas para um público mais geral, produziram as suas jóias com processos industriais de fabrico (CODINA, 2000, p. 9).
81
Em complementação e ponderação a esse direcionamento pode-‐se destacar
outro relato de Codina (2000, p. 10), apresentando que “a firma finlandesa Lapponia
Jewelry, com desenhos de Björn Weckstrm, foi pioneira ao demonstrar que um bom
desenho não é incompatível com a produção industrial nem com um rendimento
econômico”.
Sobre a confrontação entre ideias tradicionais e contemporâneas de joias, a
pesquisadora Ana Paula de Campos (2011) pondera e atualiza:
Atualmente, a definição clássica de joia como ornamento confeccionado em materiais preciosos parece contemplar apenas uma parte da produção joalheira que, a partir das transformações postas em andamento desde meados do século passado, ampliou a tipologia e a extensão de seus parâmetros conceituais. Tal expansão trouxe consigo novas formas de ornamento, novas possibilidades de uso de materiais e novos propósitos, ratificando o papel da joia enquanto meio de expressão das dinâmicas sociais e individuais elaboradas por aqueles que as criam, possuem e usam. (CAMPOS, 2011, p. 1).
Portanto a joalheria em nossos dias prescinde de fronteiras e
enquadramentos com métodos, processos e visualidade ou conceitos tradicionais para
sua validação, e de modo diametralmente oposto permite a incorporação de infindável
diversidade material, formal e estilística e tem na dinamização, subversão e redesenho
de formas – além de seu simbolismo – e na reflexão conceitual seu principal valor.
3.1.1 Joalheria de autor e Joalheria de arte
Para além da noção de uso convencional da joia, mesmo das peças mais
arrojadas ou contemporâneas, está a joalheria de arte na qual a joia é uma linguagem
para objetificação de conceitos. Para essa joia em que interessam, primordialmente, a
plástica e o conceitual, a ergonomia e a usabilidade não são atribuições prioritárias, por
vezes ao menos ponderadas, outras, propositadamente contrariadas. Sobre a joia como
objeto na arte a pesquisadora Ana Paula de Campos (2011) considera:
82
Já na arte a questão que será considerada como elemento de diferenciação é a própria intenção de criar um objeto relacionado ao corpo, sob o território da joalheria, mas que não tem o compromisso com as funções atribuídas à joia, podendo ou não considerá-‐las dentro da poética que quer construir. Seu grau de comprometimento maior é com o efeito que se propõem a causar, pois o potencial simbólico do objeto é tomado em sua capacidade de afetar o outro, sendo o mercado considerado um aspecto a posteriori. (CAMPOS, 2011)
A Figura 26 ilustra um exemplo de joalheria de arte, um colar produzido a
partir de uma rodela de drusa de ametista, pelo holandês Herman Hermsen:
Figura 26 -‐ Joia de Herman Hermsen: Rodela de drusa de ametista
Fonte: Disponível em http://www.saimia.fi/spiritofstone/?page=exhibition Acesso em 06/08/2013.
Sobre a relação entre a joalheria e a arte, a joalheira Cathrine Clarke
comenta:
Joalheria contemporânea provém da arte e do ofício tradicional e das variantes conceituais de vanguarda, delimitadas na realização das peças, na qual novas formas de expor pensamentos inventivos são experimentadas. Faz-‐se necessário hoje criar para os adornos-‐jóias, através da arte, símbolos originais com os quais se possa ter uma identificação mais real e humana. (CLARKE, S/D)15
15 Artigo A Joalheria Artística, disponível em http://www.joiabr.com.br/artigos/katec.html Acesso em 29/08/2015
83
Outra definição importante é a de joalheria de autor, para a qual Cathrine
Clarke nos traz:
Joalheria de autor é composta por peças feitas à mão pelo próprio mentor, mas nem sempre oriunda de projetos. Muitas vezes, as jóias são determinadas por ensaios ou fatalidades que venham a ocorrer durante a execução. Na joalheria industrial, o designer de jóias, usando a computação ou assistindo o modelador, produz protótipos para a seriação das peças, manualmente acabadas. E, em geral, na joalheria conceitual, o artista, com tempo exíguo, supervisiona a elaboração dos temas inovadores por um artesão de sua escolha. (CLARKE, S/D)16
Tratando também acerca da joia de autor a pesquisadora portuguesa Ana
Filipa Reis Gomes (2009) comenta:
Em relação à joalharia, falando de autoria encontramos a designação jóia de autor – a jóia que é confeccionada por quem a cria. Muitas vezes, não existe um projeto prévio e é durante o manuseamento do metal que o artista desenvolve sua obra. É uma peça única ou de tiragem limitada, produto de um desenho e realizada através de uma técnica de joalharia artesanal. A jóia de autor aproxima-‐se do estatuto de obra de arte, como criação singular ou veículo de um certo estilo expressivo que o público reconhece. Divergindo da jóia tradicional, afirma-‐se como anti-‐jóia , o passo à frente do convencional, uma escultura portável. (GOMES, 2009, p. 48 e 49)
Para especificar a concentração da coleção Constelações Urbanas pode se
dizer que seu tratamento conceitual, processos de criação e execução estejam mais
aproximados das definições de joalheria de arte. A execução, de fato, é da própria autora
e a concepção de seus objetos não tem como prioridade a geração de joias com fins de
uso convencional mas a reflexão acerca dos conceitos na relação que se estabelece entre
a sua joia e o corpo como suporte.
3.2 CORRELAÇÃO CONTINGENCIAIS: AS CIDADES, DESIGN DE JOIAS E ARTE CONTEMPORÂNEA
As cidades além de representarem em si produção cultural da
humanidade, como já foi posto aqui, também integram as demais produções culturais 16 Artigo A Joalheria Artística, disponível em http://www.joiabr.com.br/artigos/katec.html Acesso em 29/08/2015
84
convencionais e inusitadas que vêm se realizando. Por vezes protagonizam essas
produções, como nas obras cinematográficas, a exemplo de Paris, de Cédric Klapisch
(2008), em que a cidade, além de fornecer o título e o cenário parece ser posta como
uma espécie de personagem. Nessa obra, em que a cidade é protagonista e a intitula, o
diálogo inicial faz uma referencia direta à distribuição de energia elétrica na capital
francesa:
-‐ Você nunca se perguntou de onde vêm todos esses fios? -‐ Não. Nunca penso nesse tipo de coisa. -‐ Bem, eu sim. -‐ E para onde vão? (Diálogo entre personagens do filme Paris, dirigido por Cédric Klapisch, 2009, 1’19”)
A relação se estabelece também nas artes visuais contemporâneas, quando
o urbano media as ações artísticas e é tomado como espaço de intervenção mas também
quando incorre em ser temática das obras.
Durante a pesquisa para elaboração da coleção Constelações Urbanas um
interesse especial esteve voltado para as obras que se propunham a tratar de elementos
ligados à iluminação artificial urbana e sua distribuição.
Antes de especificar a questão das luzes artificiais nas artes visuais
fazendo alusão aos equipamentos de iluminação urbana, à guisa de contextualização
geral, ressalta-‐se que uma das linguagens da arte na contemporaneidade é a light art e
numerosos são os exemplos de produções que se adequam a essa classificação. No
entanto aqui, alguns casos serão destacados por guardarem semelhança estético-‐formal
ou conceitual com o cerne da proposição de coleção desta produção acadêmica.
A expressão do latim Fiat Lux, que quer dizer “Haja luz” ou “Faça-‐se a luz”
é uma referência direta ao terceiro versículo do primeiro capítulo do livro bíblico
judaico-‐cristão Gênesis onde a expressão é usada no relato da criação do mundo
significando uma ordem de trazer as coisas à existência. A luz traz nessa acepção a ideia
de fazer surgir. Diz de um surgimento no qual as coisas são, desde sua aparição,
cintilantes. Muito embora a expressão de luminosidade seja posta nessa concepção de
85
modo abstrato, na light art o surgimento e a duração da luz podem ser responsáveis pelo
sentido de materialização da obra, ou -‐ por um termo que dê conta da imprecisão da
materialidade da luz – por sua visualidade. Dotando essa ênfase da luz na arte de
elementos que se relacionam com o urbano e seus traços visíveis de luminescência
selecionam-‐se as obras do escultor canadense Michel de Broin e do artistas cubanos
Rafael Villares e Carlos Garaicoa.
Não somente a luz elétrica mas o assunto da eletricidade e seu uso tem
ocorrências repetidas na obra de Michel de Broin, a exemplo de Leak, na qual fios de
água esguicham de orifícios de tomada, ou 100watts to 3watts, na qual a lâmpada de
menor capacidade é acesa pelos filamentos da lâmpada de maior tamanho e potência -‐
essa última com seu bulbo estourado em vários pedaços -‐ apenas citando algumas. As
obras que destacam-‐se por contribuírem com o discurso da iluminação das cidades nas
manifestações contemporâneas das artes são Majestic (Figura 27) e Cut into the Dark
(Figura 28). A obra Majestic, permanentemente instalada no National Gallery of Canada,
é composta por postes arrancados pelo furacão Katrina e esse reagrupamento pretende
ressaltar a solidariedade com que o povo reconstruiu a cidade de Nova Orleans. A
instalação traz questionamentos das noções de horizonte e de equilíbrio. Tal carga de
definições também relaciona-‐se com o apanhado conceitual da presente dissertação por
reafirmar valores de pertencimento local, permitir contemplação análoga de um mundo
esférico pontuado e pontilhado de luzes em uma distribuição não igualitária ou
equânime de incidência.
86
Figura 27 -‐ Majestic, de Michel de Broin
Fonte: Disponível em http://micheldebroin.org/majestic Acesso em 25/07/2013
Em Cut into the Dark, Broin apresenta uma vídeo-‐arte onde um homem,
utilizando uma motosserra põe abaixo um poste de iluminação pública e deixando seu
entorno obscurecido pode ver melhor outra parte da cidade, ao longe, iluminada por
outros postes. Nessa obra, a ação humana que erige e faz declinar estruturas urbanas
incide sobre o principal e mais visível equipamento de promoção da luminosidade no
espaço urbano. É notável no vídeo tanto a importância do efeito luminoso de um poste
para o seu entorno como o fato de que a iluminação na noite escura da cidade é
conquista possível pela soma de pontos luminosos distribuídos pela extensão de sua
área.
87
Figura 28 -‐ Cut into the Dark, de Michel de Broin
Fonte: Disponível em http://micheldebroin.org/cut-‐into-‐the-‐dark Acesso em 25/07/2013
O artista cubano Rafael Villares propõe, na sua obra em processo Árbol de
Luz, a formação da copa de uma árvore com a adição de braços de postes de iluminação
pública de diversos países que vão sendo incorporados. Nas Figuras 29 e 30 temos
registros do estágio da obra em Junho de 2015, quando apresentada na Bienal de La
Habana, em Cuba:
88
Figura 29 -‐ Árbol de Luz, de Rafael Villares. Bienal de La Habana, Havana, Cuba, Junho de 2015
Fonte: Registro diurno da autora em: 16/06/2015
89
Figura 30 -‐ Árbol de Luz, de Rafael Villares. Bienal de La Habana, Havana, Cuba, Junho de 2015
Fonte: Registro noturno da autora em: 16/06/2015
Braços de luz de postes reunidos de diversos países compondo os galhos
de uma mesma árvore permitem relacionar territorialidades, distintas procedências,
aglomerando-‐se pelo elemento comum a todas essas localizações urbanas: a iluminação
pública como elemento estruturante da dinâmica diuturna das cidades.
Na obra de Carlos Garaicoa a mediação entre uma produção da arte
contemporânea e o trabalho de Constelações Urbanas se encontra na mais curta
distância. Intitulada Acerca de Cómo la Tierra Quiere Parecerse al Cielo (Figura 31),
através de luzes alocadas como na disposição de uma vista aérea urbana Garaicoa
proporciona o simulacro de uma perspectiva não usual das cidades, onde a semelhança
da urbe escura salpicada de pontos luminosos pode ser comparada às estrelas
estampando a vastidão escura do céu na negra noite.
90
Figura 31 -‐ Acerca de Cómo la Tierra Quiere Parecerse al Cielo, de Carlos Garaicoa
Fonte: Disponível em http://tochoocho.blogspot.com.br/2010/10/carlos-‐garaicoa-‐el-‐cielo-‐y-‐la-‐ciudad.html Acesso em 15/01/2014
Essa vista que muito assemelha-‐se às cenas que são possíveis de observar-‐
se em sobrevoo noturno como o que propiciou o insight embrionário da presente
investigação guarda também certa similaridade com as imagens de satélite que
referenciam este estudo.
Algumas obras, embora não trouxessem propósito explícito de tratar
sobre os equipamentos, sistemas e resultantes da iluminação urbana receberam especial
atenção por permitir intuir, visual ou conceitualmente, essas relações.
Sobre a soma de pontos luminosos que se multiplicam clareando a noite
uma obra que parece emular esse efeito é Infinity Mirrored Room – Filled with the
Brilhance of Life, de Yayoi Kusama, vista na Figura 32. Nela, a artista nipoamericana que
foi pela primeira vez à Nova Iorque aos 27 anos, apresenta uma plástica que, sendo
passível de múltiplas interpretações, remete ao imaginário comum de constelações, de
corpos luminosos no espaço sideral, ou de cidades acesas à noite. Nesse último caso é
91
possível pressupor tanto uma vista onde o observador esteja inserido fisicamente no
contexto da cidade quanto a vista obtida através de satélite, onde ela é observada do
alto, em paralelo ao solo.
Figura 32 -‐ Infinity Mirrored Room – Filled with the Brilhance of Life, de Yayoi Kusama
Fonte: Disponível em http://www.julianaburlamaqui.com.br/blog/kusama-‐e-‐sua-‐obsessao-‐infinita-‐by-‐cristina-‐burlamaqui/ Acesso em 14/01/2014
Na instalação imersiva de Kusama os padrões de repetição, acumulação,
dispersão e aglomeração assemelham-‐se às formações luminosas aqui analisadas para
as Constelações Urbanas. Ruas demarcadas por pontos de postes iluminando-‐as,
monumentos acesos, faróis de veículos aglutinados e esparsos elaborando cintilante
tessitura urbana ou um compósito de astros, estrelas e corpos celestes luminosos
pulsando claridade nas trevas do espaço atmosférico.
92
Na busca da experiência imersiva visitou-‐se essa instalação quando de sua
exposição em Dezembro de 2014 no Museo Rufino Tamayo, na Cidade do México, com o
propósito de relatar brevemente aqui a vivência com uma das obras correlatas
pesquisadas. A imagem apresentada na Figura 33 foi tomada nessa visita e por ser um
registro fotográfico não dá conta do processo intermitente de apagamento e
acendimento das luzes na apresentação da obra que possui também variações
cromáticas em seu decurso.
Figura 33 – Autorretrato da autora na obra Infinity Mirrored Room – Filled with the Brilhance of Life, de Yayoi Kusama
Fonte: Autorretrato, Museo Rufino Tamayo, Cidade do México (2014)
93
Uma obra, em específico, promove a conjugação da tríade cidade – joia –
iluminação urbana. Nessa obra, apresentada na Figura 34, uma luminária de poste de
iluminação pública passa a integrar um colar como uma de suas contas:
Figura 34 -‐ Intervenção artística da série Urban Jewelry, do belga Liesbet Bussche. Luminária de
poste é integrada às contas de colar gigante que se ilumina por completo à noite
Fonte: Disponível em: http://mintstudiocreations.com/urban-‐jewellery-‐by-‐liesbet-‐bussche/ Acesso em 16/10/2012
Essa obra integra uma série intitulada Urban Jewelry, do belga Liesbet
Bussche, onde equipamentos urbanos sofrem intervenções nas quais são transformados
em adornos como broches, pingentes, brincos dispostos na cidade de Tielrode, na
Bélgica. As Figuras 35 e 36 mostram algumas das intervenções:
94
Figura 35 -‐ Intervenção artística da série Urban Jewelry, do belga Liesbet Bussche. Um pino e uma tarracha de grandes proporções são acopladas à esfera de concreto que ornamenta a calçada para então criar o aspecto de um brinco gigante disposto na via pública.
Fonte: Disponível em: http://www.designboom.com/art/liesbeth-‐bussche-‐urban-‐jewelry/ Acesso em: 16/10/2012 Figura 36 -‐ Intervenção artística da série Urban Jewelry, do belga Liesbet Bussche. Pingentes são colocados em correntes demarcatórias de espaço
Fonte: Disponível em http://unclutteredwhitespaces.com/2012/08/street-‐artist-‐creates-‐oversized-‐jewellery/ Acesso em 16/10/2012
95
Pontua-‐se então que assim como o corpo humano pode ser adornado com
objetos de atavio como as joias, pode-‐se inferir, conceitualmente, em uma analogia
possível no campo da criação que os objetos adornativos das cidades poderiam ser,
dentre outros equipamentos que a compõem e caracterizam, as suas luzes artificiais,
seus postes, seu sistema de distribuição de energia. Essa abordagem enseja a analogia
proposta pela coleção Constelações Urbanas de que a cidade seria então cravejada luzes
como a joia pode ser engastada de brilhantes.
Na série de Liesbet Bussche tem-‐se portanto a representação da joia na
cidade, maximizando estruturas mínimas para que se apresentem em escalas capazes de
adornar a macroestrutura da urbe. Os objetos que originalmente são destinados a se
dispor sobre e através do corpo, são ampliados a medidas extremas capazes de então
representar adornos, metaforicamente, para a cidade que é uma estrutura capaz de
conter milhares ou milhões de corpos. Essa relação se reverte quando a cidade e/ou
seus elementos se miniaturizam para ser portados sobre o corpo por meio do adorno.
A coleção Ville de Rêve, do designer de joias francês Philippe Tournaire é
composta por anéis em cujo topo são representadas cidades através da iconografia mais
difundida de sua arquitetura. Cidades como Roma, Nova Iorque e Moscou são
miniaturizadas nas peças da coleção manufaturada que pode ser vista nas Figuras 37, 38
e 39:
96
Figura 37 -‐ Joias da Coleção Ville de Rêve, de Philippe Tournaire
Fonte: Disponível em http://dargonflinks.blogspot.com.br/2012/02/philippe-‐tournaire-‐arte-‐e-‐sofisticacao.html Acesso em 25/04/2013
97
Figura 38 -‐ Joias da Coleção Ville de Rêve, de Philippe Tournaire
Fonte: Disponível em http://dargonflinks.blogspot.com.br/2012/02/philippe-‐tournaire-‐arte-‐e-‐sofisticacao.html Acesso em 25/04/2013 Figura 39 -‐ Joias da Coleção Ville de Rêve, de Philippe Tournaire
Fonte: Disponível em http://www.cibeleprestige.com.br/2012/11/paris-‐e-‐moscou-‐no-‐seu-‐dedo/ Acesso em 25/04/2013
98
O turco Servan Biçakçi produz anéis com representações de monumentos
e elementos característicos de sua cidade encapsulados em gemas com fina elaboração e
detalhamento realísticos que se apresentam minuciosos em suas pequenas dimensões.
Aqui já está presente a proposta de portabilidade físico-‐corporal de uma territorialidade
determinada que para seu autor reivindica pertencimento ao seu lugar, expressa na
Figura 40:
Figura 40 -‐ Anéis de Servan Biçakçi, Turquia
Fonte: Disponível em http://blog3meninas.blogspot.com.br/2011/08/sevan-‐bicakci-‐joias-‐que-‐sao-‐verdadeiras.html Acesso em 25/04/2013
O anel Ipanema, do designer carioca Antonio Bernardo, Figura 41, traz
uma representação do ilustre bairro do Rio de Janeiro e o rebatimento da imagem dos
prédios em ouro sobre a gema corada cria reflexos e duplicação distorcida desse trecho
da cidade. Tal resultado congrega com as reflexões da coleção Constelações Urbanas no
tocante a relação de mímesis estabelecida:
99
Figura 41 -‐ Anel Ipanema, do brasileiro Antonio Bernardo
Fonte: Disponível em http-‐//wp.aws-‐antoniobernardo.shop.com.br/wp-‐content/uploads/2012/10/l2_img_01.jpg Acesso em 30/04/2014
A proposta de vista superior da cidade de Macchu Pichu, Peru, no anel da
coleção Companhia de Viagem – Sete Maravilhas do Mundo Moderno da joalheria
Corsage, na Figura 42 aproxima-‐se da representação que buscou-‐se para a coleção do
presente trabalho pelo ponto de vista eleito:
Figura 42 -‐ Anel Macchu Pichu, Peru, da Coleção Companhia de Viagem – Sete Maravilhas do Mundo Moderno, da Corsage
Fonte: Disponível em http-‐//wp.aws-‐antoniobernardo.shop.com.br/wp-‐content/uploads/2012/10/l2_img_01.jpg Acesso em 30/04/2014
100
No caso do anel da Corsage o trabalho de cravação pressupõe a estrutura
arquitetônica do local representado, já na proposta de Constelações Urbanas a cravação
responde pela configuração das luzes artificiais da cidade. Em ambos os casos se recorre
à planificação da imagem do recorte espacial representado.
Tratando diretamente de uma cidade brasileira um similar encontrado,
ainda na joalheria, é a coleção Monumentos de Brasília, de Patrícia Madeira, onde as
configurações de monumentos da capital federal brasileira se apresentam como
pendentes e broches. Tais referências sígnicas diretas são facilmente identificáveis por
quem conhece o repertório visual da cidade como podem ser vistas nas Figuras 43 e 44:
Figura 43 -‐ Joia de Patrícia Madeira, da Coleção Monumentos de Brasília
Fonte: Disponível em http://patriciamadeira.com.br/joias_brasilia_df/5778831768685790401/1/p Acesso em 25/04/2014
101
Figura 44 -‐ Joia de Patrícia Madeira, da Coleção Monumentos de Brasília
Fonte: Disponível em http://patriciamadeira.com.br/joias_brasilia_df/5778831768685790401/1/p Acesso em 25/04/2014
Já cerca de 2 anos de formatado o projeto com o qual se iniciaria a
presente investigação e durante a realização das peças da coleção Constelações Urbanas
identificou-‐se a existência de um projeto similar que também parece utilizar o conceito
de correlação entre as luzes das cidades e as joias.
O projeto que o designer polonês identificado apenas como Simon, da
cidade de Gdańsk, intitula de Good Night Jewelry também utiliza as imagens noturnas de
satélite da NASA, embora o faça de maneira mais direta, empregando a imagem
propriamente dita como elemento configurativo de cabeças de anéis, broches e
pendentes. Podem ser vistas nas Figuras 45, 46 e 47 as produções por ele chamadas de
Good Night Berlin; Good Night London e Good Night Rome:
102
Figuras 45 -‐ Good Night Berlin, Simon
Fonte: Disponível em http://www.mapsandthecity.com/2014/06/good-‐night-‐jewellery-‐wake-‐up-‐post/ Acesso em 03/11/2014 Figuras 46 -‐ Good Night London, Simon
Fonte: Disponível em http://www.mapsandthecity.com/2014/06/good-‐night-‐jewellery-‐wake-‐up-‐post/ Acesso em 03/11/2014
103
Figuras 47 -‐ Good Night Rome, Simon
Fonte: Disponível em http://www.mapsandthecity.com/2014/06/good-‐night-‐jewellery-‐wake-‐up-‐post/ Acesso em 03/11/2014
As joias, feitas à mão, aparentam tratar do mesmo conceito que aqui
propõe-‐se no entanto além de não ser disponibilizada uma textualidade mais completa
desse conceitual para que se analise o grau de similitude não há também uma indicação
no sentido de associação das luzes da cidade com a composição visual das constelações.
Portanto há um ponto de interseção conceitual e imagético e divergentes soluções
formais. Dentre elas destaca-‐se que na proposição sobre a qual disserta-‐se há a opção
por criar processo de transposição e codificação das luzes para as peças por meio de
elementos típicos da joalheria, as gemas, enquanto que em Good Night City se engastam
diretamente as imagens de satélite, planas, em modo caixaria.
Outra produção que se alinha conceitualmente, dessa vez no que refere à
vinculação com corpos celestes, é o anel da série Galaxy, de autoria não identificada,
visto na Figura 48:
104
Figura 48 – Anel da série Galaxy
Fonte: Disponível em http://lux-‐divine.myshopify.com/collections/rings/products/galaxy-‐double-‐banded-‐druzy-‐gold-‐electroformed-‐ring-‐size-‐7-‐5-‐lux-‐divine Acesso em 23/01/2014
Nesse similar encontram-‐se a organicidade formal; escuridão de superfície e
multiplicidade de forma e distribuição de componentes do elemento gemológico
empregado, sendo estes os elementos que o assemelham visualmente às peças de
Constelações Urbanas.
3.3 A COLEÇÃO CONSTELAÇÕES URBANAS 3.3.1 Proposta Formal da Joia de Constelações Urbanas “A vida tem forma de fronteiras” (Mia Couto, escritor moçambicano, Repensar o Pensamento -‐ Fronteiras do Pensamento 2012. Em vídeo: 0’56)17
17 Conferência Repensar o Pensamento, de Mia Couto durante o Fronteiras do Pensamento 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ahb9bEoNZaU
105
Uma intenção formal já acompanhava a ideia da coleção desde a
ocorrência, durante sobrevoo noturno relatado, do insight que originou a proposição da
relação entre as luzes da cidade e as gemas coradas engastadas nas joias. Embora a
elaboração mental e imaginativa da conformação das peças já existisse portanto desde o
ano de 2007, o primeiro sketch (Figura 49) destinado a socializar tais pretensões de
forma com outras pessoas que passaram a se relacionar com a investigação surge em
2013, já no âmbito acadêmico da pesquisa e permite a visualização e discussão de
elementos da sua aparência, composição e estrutura: Figura 49 -‐ Lâmina de sketchbook de planejamento da coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborada pela autora com base na pesquisa realizada (2013)
Dentre as questões em discussão estiveram a definição de metal ou
material de base a ser utilizado; tipos de gemas; tamanhos; lapidações; grau de
correlação entre cores das gemas e aparência cromática das luzes de cada localidade
106
representada (visto a possibilidade dessa condição variar dentro de uma mesma cidade)
buscando-‐se para tal conformidade com a atmosfera da cidade referencial; delimitação
de forma associada ou não aos limites da geografia física da cidade; distribuição de peso
na peça, sobretudo nos casos de colares e pendentes; decisões a respeito de escala das
peças; fatores relacionados à execução e custos de produção.
Tomou-‐se a decisão de desvincular os materiais e técnicas das peças da
coleção dos da joalheria convencional. Adotou-‐se também a pretensão de organicidade
completa das peças.
Produziram-‐se croquis como parte do processo de planejamento das peças
específicas de cada cidade prevista. As imagens de satélite disponibilizadas pela NASA
ao grande público, via internet, foram utilizadas como referencial e eram sobrepostas
por mapas políticos correspondentes, impressos em papel vegetal para que se
verificasse a relação de posicionamento entre a imagem e as delimitações geográficas
(Figura 52). Deste modo confirmou-‐se a imprecisão dos limites das cidades através da
cartografia de suas luzes, dentro do padrão de qualidade de imagem disponibilizado.
Na resolução de imagem disponível, capital e região metropolitana
integram-‐se e indistinguem-‐se em um conglomerado luminoso que se estende até
iniciarem-‐se áreas onde há então intervalo de ocupação espacial entre a região
metropolitana e cidades vizinhas a ela.
Essa constatação trouxe de volta uma discussão que havia sido iniciada no
princípio da idealização do projeto: Visto que a ausência de luzes no entorno e seu
consequente contraste com a escuridão só se visibiliza -‐ a partir destas imagens -‐ nos
limites das regiões metropolitanas e não na delimitação objetiva das capitais, dever-‐se-‐
ia optar pela consideração do recorte político da capital que resultaria em uma área
densamente preenchida de luzes ou entender a região metropolitana como aglomerado
luminoso resultante da produção do crescimento urbano que está em continuidade,
como um organismo vivo em expansão e que segue em processo e assim incorporá-‐la na
composição da peça?
107
A questão consequente, do ponto de vista formal, seria: em elegendo-‐se a
segunda opção, destacar-‐se-‐ia da região metropolitana a capital que propõe-‐se a
representar na peça por meio do tipo de gema ou cravação que ocupe suas delimitações
na peça?
Fez-‐se a opção de ater-‐se aos limites políticos da cidade e assumir-‐se a
indistinção da distribuição de luzes como referente para um conceitual que compreenda
o processo de iluminação artificial da cidade como ocorrência que a redunde. É possível
entender, a partir desse pressuposto, que a cidade seria densamente cravejada de luzes
que extrapolam suas fronteiras.
A primeira cidade a ser descrita visualmente para fim de elaboração das
peças foi Salvador, a capital do estado da Bahia, que é a cidade de origem, residência e
noção de pertença da autora.
A Figura 50 apresenta a imagem de satélite que compreende a cidade de
Salvador e região metropolitana. Na Figura 51 tem-‐se o mapa político que apresenta a
disposição da capital baiana em relação às outras cidades da região metropolitana:
Figura 50 – Imagem de satélite da cidade de Salvador e região metropolitana
Fonte: Disponível em http-‐//commons.wikimedia.org/wiki/File-‐Salvador_at_night_by_VIIRS.jpg Acesso em 29/03/2014.
108
Figura 51 -‐ Mapa político que apresenta a disposição da capital baiana em relação às outras cidades da região metropolitana
Fonte: Disponível em http-‐//www.informs.conder.ba.gov.br/produtos/amostras/municip_rms.htm Acesso em 17/09/2014.
Na Figura 52, imagem tomada a partir de lâminas do sketchbook da
pesquisa, tem-‐se o croqui da peça e o levantamento de questões concernentes à sua
possível configuração:
109
Figura 52 -‐ Lâmina de sketchbook de planejamento da peça representativa de Salvador na coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborada pela autora com base na pesquisa realizada (2014)
A Figura 53 apresenta a peça criada para representar a cidade de Salvador
na coleção. Trata-‐se de um pendente:
110
Figura 53 – Pendente Salvador, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
No caso específico da peça de Salvador, notou-‐se que a forma gerada por
seus limites geográficos, em determinada orientação espacial, guardava certa
semelhança com a forma orgânica de um coração e por conta da simbologia envolvida
com esse órgão, em se considerando o fato da autora ser natural de Salvador, a
disposição dos passadores pelos quais se pode pendurar o pendente privilegia que ele
assuma no corpo essa orientação na qual existe a similaridade com o principal órgão do
sistema cardíaco. Os passadores do pendente podem ser vistos na Figura 54:
111
Figura 54 – Verso pendente Salvador, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Um ensaio fotográfico foi realizado explorando a disposição das peças
sobre o corpo. As fotografias são do artista visual Davi Caramelo que registrou as peças
tendo como suporte o corpo de Maria Ême Bê. A fotografia produzida para a peça da
cidade de Salvador é vista na Figura 55:
112
Figura 55 – Pendente Salvador, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
Na fotografia as luzes representadas na joia pelas gemas e pigmentos está
ladeada por luzes reais da cidade de Salvador e replicações delas no entorno. Já na
Figura 56 tem-‐se a imagem de satélite que engloba a cidade de Recife e região
metropolitana. Na Figura 57 tem-‐se o mapa político que apresenta a delimitação da
capital pernambucana e lista a disposição das cidades de entorno:
113
Figura 56 – Recorte de imagem de satélite da cidade de Recife e região metropolitana
Fonte: Disponível em http://eoimages2.gsfc.nasa.gov-‐images-‐imagerecords-‐79000-‐79765-‐dnb_land_ocean_ice.2012.13500x13500.B2_geo.tif Acesso em 29/10/2013 Figura 57 – Mapa político da cidade de Recife
Fonte: Disponível em http://www2.recife.pe.gov.br/a-‐cidade/perfil-‐dos-‐bairros/#!prettyPhoto/0/ Acesso em 19/10/2014.
114
A Figura 58 traz uma lamina do sketchbook da pesquisa com o croqui da
peça:
Figura 58 -‐ Lâmina de sketchbook de planejamento da peça representativa de Recife na coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborada pela autora com base na pesquisa realizada (2014)
Nas Figura 59, 60 e 61 tem-‐se imagens da peça desenvolvida referente à
cidade de Recife. Produziu-‐se um anel de falange:
115
Figura 59 – Anel de Falange da Cidade de Recife, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
116
Figura 60 – Anel de Falange da Cidade de Recife, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Figura 61 – Verso do Anel de Falange da Cidade de Recife, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
117
Na imagem dessa peça feita no ensaio fotográfico vê-‐se como a disposição
sobre o corpo e seu contingencial movimento podem alterar a orientação espacial da
peça, conforme Figura 62:
Figura 62 – Anel de Falange Recife, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
Esse resultado também é desejável pois a observação aérea ou de satélite
da concentração de luzes que denota a territorialidade de uma cidade não está
submetida à orientação espacial proposta pela cartografia dos mapas políticos mas está
sujeita à direção e sentido que o observador assume em relação à cidade quando a
sobrevoa, ou observa do alto, de outra sorte.
As Figuras 63 e 64 trazem respectivamente a imagem de satélite e o mapa
político da cidade de Belo Horizonte:
118
Figura 63 – Recorte de imagem de satélite da cidade de Belo Horizonte e região metropolitana
Fonte: Disponível em http://eoimages2.gsfc.nasa.gov-‐images-‐imagerecords-‐79000-‐79765-‐dnb_land_ocean_ice.2012.13500x13500.B2_geo.tif Acesso em 29/10/2013
Figura 64 – Mapa político da cidade de Belo Horizonte
Fonte: Disponível em http://www.mapasparacolorir.com.br/mapa/municipio/mg/municipio-‐belo-‐horizonte-‐regioes.jpg Acesso em 19/10/2014
119
A Figura 65 exibe a lâmina de sketchbook referente ao planejamento da
peça da cidade de Belo Horizonte:
Figura 65 -‐ Lâmina de sketchbook de planejamento da peça representativa de Belo Horizonte na coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborada pela autora com base na pesquisa realizada (2014)
A peça desenvolvida na coleção para representar Belo Horizonte foi um
bracelete que pode se dispor tanto pendendo seu peso sobre as costas da mão como
fixando-‐o na parte do braço em que seu diâmetro se encaixe. Pode-‐se vê-‐lo nas Figuras
66 e 67:
120
Figura 66 – Bracelete da Cidade de Belo Horizonte, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Figura 67 – Bracelete da Cidade de Belo Horizonte, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
121
A peça aplicada no corpo aparece nas Figuras 68 e 69:
Figura 68 – Bracelete da Cidade de Belo Horizonte, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
122
Figura 69 – Bracelete da Cidade de Belo Horizonte, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
A imagem de satélite e o mapa político da cidade do Rio de Janeiro podem
ser vistos nas Figuras 70 e 71:
Figura 70 – Recorte de imagem de satélite da cidade de Belo Horizonte e região metropolitana
Fonte: Disponível em http://eoimages2.gsfc.nasa.gov-‐images-‐imagerecords-‐79000-‐79765-‐dnb_land_ocean_ice.2012.13500x13500.B2_geo.tif Acesso em 29/10/2013 Figura 71 – Mapa político da cidade do Rio de Janeiro
123
Figura 71 – Mapa político da cidade do Rio de Janeiro
Fonte: Disponível em http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/geologia/hidrografia_rj/img/mama_rj2.jpg Acesso em 19/10/2014
A Figura 72 apresenta o croqui da peça sendo desenvolvida no sketchbook:
124
Figura 72 -‐ Lâmina de sketchbook de planejamento da peça representativa da cidade do Rio de Janeiro na coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborada pela autora com base na pesquisa realizada (2014)
Nas Figuras 73, 74 e 75 registra-‐se a composição da peça proposta, um
anel de falange duplo:
125
Figura 73 – Anel de Falange Duplo da Cidade do Rio de Janeiro, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Figura 74 – Anel de Falange Duplo da Cidade do Rio de Janeiro, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
126
Figura 75 – Verso do Anel de Falange Duplo da Cidade do Rio de Janeiro, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Nas imagens produzidas no ensaio fotográfico a peça aparece em
justaposição às luzes da cidade, se integrando e relacionando-‐se com elas, permitindo
perceber-‐se um pouco da semelhança que se considerou como princípio para a
concepção dessa coleção, ainda que se tratem de perspectivas de observação distintas,
pois enquanto a peça consiste na apropriação e reinterpretação da vista superior da
cidade iluminada, as luzes de fundo nas fotografia pertencem a uma situação de
observação de dentro e de perto, como é possível ver-‐se nas Figuras 76 e 77:
127
Figura 76 – Anel de Falange Duplo da Cidade do Rio de Janeiro, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
Figura 77 – Anel de Falange Duplo da Cidade do Rio de Janeiro, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
128
A variação de foco entre uma imagem e outra permite alternar entre a
visualidade da cidade iluminada e recriação das luzes dentro da linguagem do objeto
joia, através das gemas de polímero e pigmentos.
As imagens de satélite disponíveis da cidade de São Paulo são as que mais
se diferenciam das referências encontradas para as cidades anteriores, no entanto
optou-‐se por manter o descompromisso com uma reprodução exata da distribuição das
luzes na cidade mas elaborar-‐se uma composição que referencie a analogia entre as
luzes da cidade e as gemas cravejando as joias. A Figura 78 é um exemplo dessas
imagens da NASA que apresentam maior detalhamento da incidência da iluminação
artificial nas territorialidades constituídas do espaço urbano:
Figura 78 – Imagem de satélite da cidade de São Paulo, região metropolitana e entorno
Fonte: Disponível em http://eoimages.gsfc.nasa.gov/images/imagerecords/3000/3427/ISS006-‐E-‐44689_lrg.jpg Acesso em 17/07/2014
Na Figura 79 tem-‐se o mapa político da cidade de São Paulo:
129
Figura 79 – Mapa político da cidade de São Paulo, região metropolitana e entorno
Fonte: Disponível em http://www.sp-‐turismo.com/grandesp.htm Acesso em 19/10/2014
O croqui de planejamento da peça pode ser visto na Figura 80:
130
Figura 80 -‐ Lâmina de sketchbook de planejamento da peça representativa da cidade de São Paulo na coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborada pela autora com base na pesquisa realizada (2014)
A Figura 81 apresenta então a peça destinada a representação dessa
grande metrópole na coleção. Propõe-‐se um pendente, que nesse caso obedece a
orientação espacial do mapa político:
131
Figura 81 – Pendente da Cidade de São Paulo, coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Na Figura 82 vê-‐se a fotografia da peça produzida no ensaio:
132
Figura 82 – Pendente da Cidade de São Paulo, da Coleção Constelações Urbanas, em ensaio fotográfico
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015). Modelo: Maria Ême Bê
Não objetivou-‐se o compromisso com um padrão de escala ou precisão
cartográfica para a execução das peças. A conformação das joias ateve-‐se ao
reconhecimento das configurações das cidades referidas, no que diz respeito às dotações
geográficas, e a dimensionar esses objetos visando o efeito visual de sua colocação sobre
o corpo. Consequentemente não há relação entre as escalas e proporções de uma peça e
outra e as dimensões das cidades que representam, podendo uma cidade de maior porte
físico estar representada em tamanho assemelhado à outra menor. Considerou-‐se o
efeito visual do desenho orgânico do mapa na peça pretendida.
Optou-‐se pela dissociação do metal como material e suporte básico das
peças e buscou-‐se uma composição que se assemelhasse à terra em sua textura e à
escuridão da noite em sua cor e luminosidade com o propósito de aproximar-‐se da
aparência das imagens referenciais de satélite.
Foi utilizada uma massa composta de pigmento preto e adesivo PVA como
matéria de caracterização objetual do território, e as gemas coradas de polímeros
133
diversos e zircônias, pasta metálica e pó metálico como materiais responsáveis –
conjuntamente com os artifícios de cravação e engaste – pela representação da malha
luminosa artificial noturna nesses territórios citadinos.
O gestual da produção manual e sua permanência na aparência das peças
foi uma estética que buscou-‐se deixar presente tanto pelo visual orgânico que remete à
terra quanto pela reflexão advinda da própria ideia do indivíduo interferindo no espaço
geográfico. Essas imprecisões coincidem com a organicidade com que a cidade se
estabelece como território que, mesmo sendo firmado por cartografias que regulam seus
limites, em realidade se apresentam indefinidas em suas fronteiras, ou longe de uma
determinação precisa e inquestionável de seus domínios espaciais.
Adota-‐se o entendimento de que as questões que perpassam a ocupação
do espaço como morada e lugar de vivência do homem têm como uma de suas possíveis
representações o distintivo desenho resultante da luz artificial que ilumina a urbe. Tal
iluminação assume o papel descritivo da cidade quando vista de cima à noite e constitui-‐
se uma narrativa, tanto da atuação presente dos seus agentes sociais quanto do percurso
histórico que ocasionou tal organização das luzes na cidade.
Segundo Gola (2008, p. 30), após a invenção da escrita, quando se inicia a
história, o homem passa a relacionar cores das estrelas com cores das pedras. Esse tipo
de associação pareceu desejável a esse projeto, adequando-‐se a correlação das cores das
gemas às das fontes luminosas e atmosferas produzidas pelas mesmas nas capitais
escolhidas. No entanto o uso dos materiais esteve sujeito à disponibilidade de cores e
medidas disponíveis para aquisição.
Grunow (2006, p. 37) afirma que “pode-‐se pensar que a cravação de uma
joia é tarefa tradicionalmente vinculada a ideia de ordem, de desenho ordenado. Deriva-‐
se de tal raciocínio a criação de pavês, ou seja, de superfícies pavimentadas com pedras”.
Pelo exposto é possível encontrar outra relação direta entre a joia e a urbe: o conceito de
pavimentação de suas pedras engastadas e dos paralelepípedos do estrado das
primeiras ruas – ainda presente em muitas cidades brasileiras, inclusive capitais – que
originaram o termo. Tal análise evoca a memória da canção popular em que o eu
134
literário anela ladrilhar a rua com pedrinhas de brilhante. No entanto na configuração
aparente que parece prevalecer da vista superior noturna das metrópoles indicou a
consideração da orientação de Crowe como adequada ao projeto:
A disposição dos agrupamentos de pedras afetará a energia do design; uma cobertura em massa, uniforme, será espetacular, mas também estática, enquanto que algumas pedras cuidadosamente dispostas criarão tensão na peça. Mesclar materiais gemológicos permite ao designer utilizar ao mesmo tempo distintos brilhos, texturas, cores e qualidades de luz (CROWE, 2007, p.152, tradução nossa).
Buscou-‐se compor com as gemas de polímeros e a pasta e pó metálicos
uma visualidade que se assemelhasse à impressão geral que se tem das cidades
iluminadas, sobretudo na experiência de sobrevoo noturno, e intentou-‐se também que
essa composição possuísse similaridade com o visual de constelações estelares, em um
imaginário coletivo.
O condicionamento à disponibilidade de aquisição dos materiais
empregados para cravação e dotação de luminosidade nas peças também interferiu na
proposição de mimese entre o desenho luminoso das cidades nas imagens de satélite e
seu referente possível através de uma transposição desses códigos para a linguagem das
joias. Assim sendo, por não haver a possibilidade de domínio de escala e proporção para
dinamizar essas composições utilizando-‐se dos materiais oferecidos – gemas de
polímero e suas restrições de medidas e cores – produziram-‐se composições que em
visualidade mais geral se podem reconhecer como representações dessas luzes. Essa
limitação também esteve ligada à questão da qualidade das imagens referenciais.
As Figuras 83, 84, 85, 86 e 87 trazem imagens de detalhes aproximados
em recortes das peças, mostrando os encaixes e disposição dos elementos, que se
cravejaram manualmente, através de contato e pressão e com uso de pincéis:
135
Figura 83 – Detalhes das peças da coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Figura 84 – Detalhes das peças da coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
136
Figura 85 – Detalhes das peças da coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015) Figura 86 – Detalhes das peças da coleção Constelações Urbanas
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Figura 87 – Detalhes das peças da coleção Constelações Urbanas
137
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
Pode se dizer que as peças apresentadas sejam protótipos enquanto
design e objeto finalizado enquanto arte.
A coleção Constelações Urbanas permite a reflexão sobre a experiência de
ver a cidade de longe e de fora (Certeau, 1998) enquanto se está na cidade de perto e
dentro, ao portar sobre o corpo suas peças. Confirmar pertença quando inserido ou
alijado do território por ela representado. Espelhar as estrelas, estando abaixo delas. Ver
as cidades iluminadas da perspectiva de que sejam como joias cravejadas na terra,
cintilando como joia efêmera e/ou intermitente que se apaga e refaz a cada nova noite.
Alternar as proporções do humano, que enquanto corporeamente está na cidade – sob
as estrelas – concomitantemente pode portá-‐las.
138
4. ESPELHAMENTO E REBATIMENTO: EXPERIMENTAÇÕES PRÉVIAS
A ideia de uma possível percepção das luzes da cidade – na disposição
observável por meio de imagens noturnas de satélite – como constituindo
metaforicamente um espelhamento das luzes do compósito luminoso estelar levou à
reflexão acerca da noção de espelhamento em si. Desenvolvimento de ideias que
passaram pelo reconhecimento da condição de simetria ou de identificação de um eixo
de rebatimento, presente na imagem ou localizado fora dela.
À guisa de conceituação de simetria o pesquisador brasileiro João Gomes
Filho, que adere a ideias do teórico alemão Rudolf Arnheim, define:
A simetria é um equilíbrio axial que pode acontecer em um, ou mais de um eixo, nas posições: horizontal, vertical, diagonal ou inclinada. ‘uma configuração que dá origem a formulações visuais iguais, ou seja, as unidades de um lado são idênticas às do outro lado. Ou ainda, dentro de um certo relativismo, pode-‐se considerar também como equilíbrio simétrico lados opostos que, sem serem exatamente iguais, guardem uma forte semelhança (GOMES FILHO, 2004, p. 59).
Admite-‐se a tolerância da segunda opção da definição, que aceita a
classificação de simetria – e consequente espelhamento – para formulações visuais não
idênticas mas perceptivamente assemelhadas.
Se por vezes o espelhamento se dá na própria imagem, quando a simetria
é uma característica presente em sua composição, em outras relações de espelhamento –
em especial aquelas em que temos uma superfície reflexiva reproduzindo aquilo com
que se defronta – o eixo de simetria ou rebatimento seria um dado não visível na
imagem mas presente e dedutível em algum ponto do espaço entre reflexo e coisa
refletida.
Na proposição da cidade iluminada como espelhamento de constelações
tem-‐se na possibilidade de deslocamento do observador a oportunidade de constatação
dessas similitudes: da experiência de ver a noite estrelada, estando em solo, e de
visualizar as cidades em sobrevoo noturno surge a contingência da comparação entre as
duas visualidades encontradas.
139
Nas duas condições o indivíduo está em vivência e não necessariamente se
detém na captura de um instante. A apreensão de ambas composições visuais relaciona
movimento – ainda que mínimo ou imperceptível – e depende da memória para existir
como dado que propicie a comparação. A construção do imaginário de espelhamento
seria destarte conceitual.
Outro meio de propor essa comparação e a inferência de espelhamento
dessas duas situações visíveis seria através do registro imagético: as imagens aéreas ou
de satélite que apresentam disposições noturnas de cidades ou o contrário, da Terra
para o céu ou Espaço. Como modos de capturas imagéticas que congelam o instante
permitem a observação por distintos indivíduos em diferentes momentos.
Conquanto a culminância material da investigação seja a coleção de joias
Constelações Urbanas, outros desdobramentos surgem no percurso investigativo
trazendo maior abrangência às elaborações referentes ao espelhamento e rebatimento.
Tais experimentações, que serão mais adiante relatadas, enrobustecem a reflexão sobre
o conceito que embasa e denomina a coleção: a relação especular que no caso do objeto
principal se estabelece entre constelações e o urbano iluminado.
4.1 CONSTELAÇÕES – AFUNILAMENTO
Pode-‐se elaborar uma relação de afunilamento entre as imagens das
constelações vistas no espaço sideral, como plano mais alto que se afunila nas imagens
de satélite das cidades artificialmente iluminadas18, propõe-‐se o terceiro plano do
afunilamento, que é o objeto desta investigação, ou seja, a mimeses destas imagens em
uma produção artística de joias portadas no corpo.
18 Sabe-‐se da existência previa das cidades em sua condição noturna, mas o satélite possibilitou sua visualização de um ponto de observação impossível a sua anterioridade, mas possível em sobrevoo por meio de transporte aéreo.
140
Ao portar essas joias sobre o corpo altera-‐se e alterna-‐se a noção de
conteúdo e continente: Portamos fisicamente as cidades que nos contém –
geograficamente – e que estão em nós – afetivamente e/ou por noção de pertencimento
– contidas. Temos então nessa estrutura de afunilamento aqui proposta, o trinômio:
Constelações – Cidades Iluminadas – Joia portada no corpo.
O desenho esquemático que pode ser visto na Figura 88 mostra a
representação visual dessa proposição:
Figura 88 – Desenho esquemático da proposta conceitual de afunilamento na coleção Constelações Urbanas
Fonte: Elaborado pela autora durante a pesquisa (2014)
141
Em consequência, o portador da joia proposta, inserido na cidade,
reverbera essa estrutura de grande porte que o contém e que está contida na
macroestrutura das constelações, que contém tanto o sujeito quanto a urbe.
Apesar da proposta de mimeses da cidade noturna na joia não ter nascido
desta referência, o filme Powers of 10 (EAMES, 1977)19 já contempla este conceito de
afunilamento, no qual o sistema de potência exponencial é utilizado para ampliar ou
reduzir escalas que, tomando o ser humano como ponto de partida, se propõe a mostrar
o relativo tamanho das coisas no universo. Nessa obra, através de medidas, imagens e
simulações, é mostrada a imensa variação que existe no percurso de exploração da
grandeza e como essa vastidão está também presente nas microestruturas, onde as
relações de proporção se assemelham, guardadas as devidas escalas. Esse
esquadrinhamento das gigantescas estruturas e das mínimas escalas e de sua proporção
progressiva ou regressiva reitera aqui a ideia de afunilamento.
Já na proposta de Constelações Urbanas, que não tem compromisso com
uma razão de medida dos Eames ou de qualquer outra proposição neste sentido, o
processo de interligação é detido na superfície do corpo, considerando-‐se as
constelações como ponto de partida e tendo a cidade iluminada como passagem nesse
espectro. Enquanto na obra dos Eames, o afunilamento adentra o corpo, aprofunda nas
suas entranhas.
Tratou-‐se nos parágrafos anteriores, da analogia da proposição
constelações urbanas em relação ao afunilamento, mas aponta-‐se a existência de outra
analogia, a ser tratada, a anelar, que considera o entorno como expansão dessa
dinâmica: joia sobre corpo, envolvido pela cidade iluminada que é englobada pelo
espaço onde se distribuem as constelações.
19 Da autoria do casal de designers norte-‐americano Charles & Ray Eames, produzido em 1977, com 9 minutos de duração e colorido. Disponível em: http://www.eamesoffice.com/the-‐work/powers-‐of-‐ten. Acesso em 02/11/2014.
142
4.2 ESTRUTURAS ANELARES
Comentando sobre as estruturas anelares na obra do artista visual
Giuseppe Ranzini, o crítico de arte Oscar D’Ambrósio (s/d)20 considera:
As estruturas anelares, embora estejam presentes nas ciências exatas, são paradigmáticas na história da arte. Além do significado simbólico de um eterno retorno, comportam a possibilidade visual de captar o olhar de quem contempla cada tela. Nessa visão, o todo supera a parte e o encantamento com a obra ocorre com maior intensidade a distância. (D’AMBRÓSIO, s/d)
Um estrutura anelar é proposta para ampliar a compreensão das relações
entre conteúdo e continente na coleção Constelações Urbanas. O indivíduo portador da
joia da coleção – que se pretende representativa de pertença territorial – está inserido
na cidade iluminada e a cidade por sua vez está contida em um contexto maior que,
ultrapassando os limites do planeta, estaria cercada por constelações diversas. A partir
do desenho esquemático da Figura 89 é possível visualizar a disposição da estrutura que
se propõe:
20 Vida e Arte – Giuseppe Ranzini por Oscar D’Ambrósio. Disponível em: http://www.artcanal.com.br/oscardambrosio/giusepperanzini.htm Acesso em 13/01/2015
143
Figura 89 – Desenho esquemático da proposta conceitual de estrutura anelar da coleção
Constelações Urbanas
Fonte: Elaborado pela autora durante a pesquisa (2014)
Assim sendo, como que obedecendo uma sequência de anéis concêntricos
ter-‐se-‐ia a joia representativa das luzes da cidade ao centro, rodeada pela cidade
iluminada e essa por sua vez pelas constelações estelares.
4.3 PALÍNDROMO 303, MIRA MIRROR E POSTE O POSTE: ESPELHAMENTOS, REBATIMENTOS E ASSOCIAÇÕES
O envolvimento de investigação da pesquisa Constelações Urbanas por
cerca de pouco mais de dois anos propicia desdobramentos e projetos correlatos a partir
de associações durante as imersões em conceitos que se imbricaram para a tessitura da
pesquisa principal.
144
Um desses desdobramentos deveu-‐se à atenção dada ao equipamento de
iluminação artificial urbana de maior notoriedade: o poste. Durante a pesquisa realizou-‐
se catalogação de imagens de postes de iluminação pública de diferentes cidades do
Brasil e do mundo. Imagens de postes da cidade de Salvador, local de base onde essa
investigação se deu, foram sendo produzidas para essa catalogação. O acesso a muitas
das imagens de outras localidades deu-‐se através de postagens feitas por contatos de
redes sociais e como tentativa de incentivar as postagens de imagens relacionadas a esse
equipamento criou-‐se a proposição da hashtag #POSTEOPOSTE.
Algumas imagens capturadas para essa catalogação passaram a ser
também postadas como meio de socialização de conteúdo e promoção de trocas de
informações sobre o assunto, a exemplo das Figuras 89, 90 e 100:
Figura 89 -‐ Fotografia de poste da Avenida Octávio Mangabeira, Orla de Salvador-‐BA
Fonte: produzida pela autora em Agosto de 2013, antes da substituição por novos equipamentos
145
Figura 90 -‐ Fotografia de poste de distribuição de energia elétrica da Avenida Octávio Mangabeira, Orla de Salvador-‐BA
Fonte: produzida pela autora em Dezembro de 2012
Figura 100 -‐ Fotografia produzida para a série Poste o Poste, publicada em redes sociais com a hashtag #POSTEOPOSTE
Fonte: Produzida pela autora em 2013
146
A constatação de uma possível iniciativa de resposta humana à
composição de astros celestes que levou à noção de espelhamento nessa pesquisa
conduz à apreciação do fenômeno especular: rebatimento de imagem reproduzindo-‐a
em sentido contrário. A busca de ver a cidade relacionada a esse conceito na arte
contemporânea faz chegar à série de obras do indiano radicado na Inglaterra, Anish
Kapoor. Macro-‐esculturas de superfície espelhada dispostas em Chicago produzindo o
efeito de copiar em sua cobertura, por assim dizer, o visual que as cerca reproduzindo a
cidade nas distorções do espelho, conforme Figura 101:
Figura 101 – Macro-‐escultura de Anish Kappor, Chicago, EUA
Fonte: Disponível em http-‐//blogs.artinfo.com/brazilnews/2012/12/20/anish-‐kapoor-‐inaugura-‐grande-‐exposicao-‐na-‐australia/ Acesso em 17/07/2013
É então quando a própria cidade experimenta o espelhamento e se
reproduz sendo miniaturizada ou transportada para ser comportada em seu próprio
espaço. É a urbe contendo réplicas contorcionáveis de si mesma e o que é fisicamente
impossível é simulado pelo efeito dos espelhos.
Sobre a possibilidade de rebatimento entre o céu e a terra uma outra
escultura de Kapoor parece ilustrar bem um exemplo de incidência da questão na arte
contemporânea: Turning the World Upside Down, Figura 102, através do jogo de
147
reversão do seu acabamento reflexivo traz para a metade apoiada ao solo a imagem do
céu e reflete na metade apontada para a abóboda celeste a imagem do entorno da cidade
de concreto e vegetação, como se dialogassem e realizassem trocas e inversões. Essa
obra é especial na fundamentação dessa argumentação dissertativa por representar uma
afirmação da hipótese de responsividade humana aos dizeres que se expressam
visualmente na natureza por meio de cores, formas, claridade e obscurecimento.
Figura 102 -‐ Turning the World Upside Down, por Anish Kapoor
Fonte: Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Turning_the_world_upside_down_by_Anish_Kapoor_in_Israel_Museum.JPG Acesso em 13/02/2014
Aprofundando a imersão nesse conceitual chegou-‐se a duas derivações: o
Mira Mirror___Ecos Visíveis e o Palíndromo 303. No Mira Mirror___Ecos Visíveis, para
exploração artística do conceito de espelhamento, propõe-‐se o uso da fotografia selfie.
A série proposta resulta da captura de selfie – autorretrato – através de
superfícies espelhadas, ou mesmo minimamente reflexivas fazendo o caminho de volta à
origem dos efeitos dos filtros digitais disponíveis atualmente, visto que nessa série é
148
explorada a interferência de elementos presentes nas superfícies reflexivas que as altere
temporária ou permanentemente – oxidação, poeira, mofo, citando alguns -‐ e então os
efeitos de cor, ruídos visuais, distorções que já estão ali potencialmente dados, passam a
compor a fotografia no simples ato de registro da luz no clique que resulta na imagem
fotográfica.
Opta-‐se pela abstenção de tratamentos digitais, filtros e retoques -‐ as
imperfeições e elementos que se depõem e se interpõem entre a câmera e imagem
capturada são os próprios filtros de efeitos que assumem a dotação de temporalidade da
obra e considera-‐se também que os filtros e efeitos digitais são simulações e
aprimoramento de referências que preexistiam no real. Portanto a proposta de
prescindir de seu uso trata-‐se de um resgate a essas origens da visualidade dos
fenômenos naturais capturados na fotografia e a sua busca passa a ser o desafio
artístico-‐investigativo.
A fotografia selfie como um rebatimento onde a imagem ecoa do seu
emissor para o seu receptor – sendo que o mesmo indivíduo possui ambivalência de
papéis no instante da captura fotográfica – constitui a base dessa série de registros – em
primeira pessoa – de movimentações por espaços culturais no Brasil, no México e em
Cuba.
Essa ambivalência dá à série o subtítulo de Ecos Visíveis. Exemplos de
fotografias da série são apresentados nas Figuras 103, 104, 105 e 106:
149
Figura 103 -‐ Fotografia selfie produzida como parte da elaboração de Mira Mirror – Ecos Visíveis. Sobre e através do espelho do Centro Técnico do Teatro Castro Alves – Salvador-‐BA – incorporando as interferências de seu desgaste de tempo como efeitos visuais
Fonte: Auto-‐retrato (2013).
150
Figura 104 -‐ Fotografia selfie produzida como parte da elaboração de Mira Mirror – Ecos Visíveis. Sobre e através do espelho da obra da exposição Autoconstrucción, de Abraham Cruzvillegas, Museo Jumex, Cidade do México
Fonte: Auto-‐retrato (2014)
151
Figura 105 -‐ Fotografias selfie produzidas como parte da elaboração de Mira Mirror – Ecos Visíveis. Sobre e através de espelhos e superfícies reflexivas. Da esquerda para direita: Pousada Passageiro do Vento, Ilha de Itaparica; Casa Bosques, Cidade do México; Lálá Multiespaço, Salvador; Infinite Obsession de Yayoi Kusama, Museo Rufino Tamayo, Cidade do México; Danh Vo, Museo Jumex, Cidade do México; Corredor da Vitória, Salvador.
Fonte: Autorretrato (2013 e 2014)
152
Figura 106 -‐ Fotografias selfie produzidas como parte da elaboração de Mira Mirror – Ecos Visíveis. Sobre e através de espelhos e superfícies reflexivas. Da esquerda para direita: sobre Vincent van Gogh, Museo Soumaya, Cidade do México; Casa de Frida Kahlo, Cidade do México; Aliança Francesa, Salvador; La Caja Azul, Malecón, 12º Bienal de La Habana; Casa de Frida Kahlo, Cidade do México; Restaurante 1830, Havana
Fonte: Auto-‐retrato (2013 e 2014)
Avançando na exploração do conceito de espelhamento chega-‐se à
concepção do projeto Palíndromo 303 que refere-‐se à busca da poética do rebatimento
da palavra escrita. Na poética da palavra o espelhamento se apresenta de maneira direta
no fenômeno linguístico palíndromo que refere-‐se à propriedade de uma sequência de
caracteres – que forme uma palavra ou frase – devido à composição e ordenamento de
suas letras poder ser lida do mesmo modo no que diz respeito a sonoridade e sentido
tanto na ordem convencional de leitura quanto fazendo o caminho inverso. Palíndromos
são também denominados bifrentes. Trata-‐se de uma relação de simetria de composição
da escrita. Segue-‐se então investigando a ocorrência do fenômeno e sua visualidade.
A tentativa de mostrar que a língua marca passagem por diferentes
territórios conduz a obra a tornar-‐se poliglota, vivenciando os rebatimentos de palavras
153
em português, espanhol, francês e inglês. Nessa investigação utiliza-‐se o espelho como
suporte para escrita e defrontação da palavra e desenvolve-‐se também outras técnicas
de afrontamento onde, por exemplo, palavras palíndromo pintadas em papéis são
confrontadas com a tinta ainda fresca e separadas depois da secagem, como nas imagens
de processo apresentadas nas Figuras 107, 108 e 109:
Figura 107 -‐ Sexes, palavra palíndromo da língua francesa após efeito de pintura e defrontamento de faces de papéis
Fonte: Registros de processo (2013)
154
Figura 108 -‐ OVO; ELLE; EYE; 303; palavras palíndromo, respectivamente, da língua portuguesa; francesa e inglesa, e capicua (número palíndromo), após efeito de pintura e defrontamento de faces de papéis
Fonte: registros de processo.
Figura 109 -‐ Réifier, palavra palíndromo da língua francesa (materializar, na tradução para o português) após efeito de pintura e defrontamento de faces de papéis
Fonte: Registros de processo (2013)
155
Uma mudança de endereço durante o processo de experimentação do
projeto palíndromo, em meados de 2013, faz a inserção em um território palíndromo: o
apartamento 303, cujo número é uma capicua – termo que refere palíndromos
numéricos – e resolve-‐se então incorporar o número ao título da série, passando a
chamar-‐se então de Palíndromo 303. Ainda sobre essa vertente da pesquisa e seu efeito
de rebatimento visual encontra-‐se nas reticências e em seu sinal gráfico “...” a
constatação de que há nelas tanto palíndromo quanto há espelhamento na continuidade.
Em Novembro de 2014 o desdobramento investigativo Palíndromo 303 foi
aprofundado via participação no intercâmbio artístico Flotar/Harmonipan Studio, na
Cidade do México, com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil e que teve como tema
geral Som/Espaço/Tempo e Memória. Compreendendo sua relação de territorialidade e
procedência nos distintos idiomas e reconhecendo que a língua vem de processo de
construção histórica, sendo assim registro de memória, ligada a espaços geográficos e
suplantando-‐os, e é viva, carregando o potencial contínuo de re-‐elaboração de sua
escrita, sonoridade, significado e uso. Na oportunidade foram praticadas intervenções
performativas no espaço urbano utilizando a técnica de defrontação de palavras
palíndromo, dessa vez em calçadas, como mostram as Figuras 110, 111, 112 e 113:
156
Figura 110 -‐ Pintura de palavra palíndromo da língua espanhola, ALA, na Calle Adolfo Prieto, Zapata, Cidade do México
Fotógrafa: Juci Reis, Curadora e Orientadora do Harmonipan Studio (2014)
Figura 111 -‐ Defrontação de palavra palíndromo da língua espanhola, ALA, com a calçada da Calle Adolfo Prieto, Zapata, Cidade do México.
Fotógrafa: Juci Reis, Curadora e Orientadora do Harmonipan Studio (2014)
157
Nessa investigação utiliza-‐se o espelho como suporte para escrita e
defrontação da palavra e desenvolve-‐se também outras técnicas de afrontamento onde,
por exemplo, palavras palíndromo pintadas em papéis são confrontadas com a tinta
ainda fresca e separadas depois da secagem promovendo transferência por rebatimento.
Figura 112 -‐ Defrontação de palavra palíndromo da língua espanhola, OJO, com a calçada da Calle Adolfo Prieto, Zapata, Cidade do México
Fotógrafa: Juci Reis, Curadora e Orientadora do Harmonipan Studio (2014) Figura 113 -‐ Defrontação de palavra palíndromo da língua espanhola, ALA, com a calçada da Calle Adolfo Prieto, Zapata, Cidade do México
Fotógrafa: Juci Reis, Curadora e Orientadora do Harmonipan Studio (2014)
Pretendeu-‐se portanto nessas ações em deslocamento e mobilidade
artística o reconhecimento de possíveis palíndromos locais, a pintura de palíndromos
em suportes de papel e a transferências desses -‐ pela técnica de defrontação e
158
rebatimento desenvolvida -‐ para calçadas, muros, postes e equipamentos urbanos onde
seja possível intervir. A Figura 114 apresenta palíndromos que foram pintados e
defrontados no processo de investigação desenvolvido na mobilidade artística à Cidade
do México e traz as palavras ALLÁ e ACÁ, do castelhano, que podem ser traduzidas para
o português respectivamente como lá e cá, sendo que no idioma hispânico a ocorrência
de ambas constitui-‐se igualmente dentro do fenômeno linguístico palíndromo e
afortunadamente permitem, por meio de sua semântica, relação de alternância entre as
duas localidades que referenciam, conforme se processa o deslocamento de ida e volta:
Figura 114 -‐ Defrontação de palavras palíndromo ALLÁ e ACÁ, do castelhano, que podem ser traduzidas para o português respectivamente como Lá e Cá
Fonte: Registros de processo (2014)
Houveram também tentativas de realização dessa intervenção na cidade
de Havana, em Cuba, em Junho de 2015 porém sem obtenção de autorização – em
diversas instâncias – para efetivação da ação no espaço urbano.
Em Agosto de 2015 o programa de intercâmbios Flotar realizou no
Palacete das Artes Museu Rodin Bahia a mostra Mesa que reuniu resultados e
159
documentos de percurso dos artistas que participaram do intercâmbio no México entre
2014 e 2015 e dois desdobramentos do Palíndromo 303 foram expostos. O primeiro
deles, OJO EYE, pode ser visto na Figura 115 e refere aos palíndromos do idioma
castelhano (OJO), falado oficialmente na Cidade do México, e do ingles (EYE), falado nos
EUA, com o qual faz fronteira e possui múltiplas inter-‐relações, alude a incidência que
coexiste da palavra olho ser palíndromo em ambos. Diferindo em grafias e pronúncias, o
fenômeno linguístico as interliga:
Figura 115 -‐ Obra OJO EYE, desdobramento da investigação Palíndromo 303, exposta na mostra Mesa, Palacete das Artes Museu Rodin Bahia, Brasil. Pintura em acrílica sobre espelhos
Fotógrafo: Davi Caramelo (2015)
A outra obra exposta foi RECONOCER, apresentada na Figura 116, uma
palavra palíndromo para tratar de alteridade, de encontro de territorialidades que se
portam e sobretudo por intermédio da língua se confrontam, se mesclam, se re-‐
significam, promovem re-‐conhecimento:
160
Figura 116 -‐ Obra RECONOCER, desdobramento da investigação Palíndromo 303, exposta na mostra Mesa, Palacete das Artes Museu Rodin Bahia, Brasil. Pintura em acrílica sobre plástico preenchido com ar
Fotógrafo: Pedro Heleno (2015)
Outro desdobramento possível da investigação para o Constelações
Urbanas, dessa vez mais diretamente ligado ao objeto principal, é a ampliação da série
de joias da coleção incorporando outras cidades do Brasil e de outros países. Nessa
oportunidade, por meio de referências de imagens noturnas de satélite de cidades que
tenham sido tomadas com mais proximidade e maior destaque, seria possível a busca de
representação mimética do desenho formado pelas luzes, tendo distinção de ruas e
áreas da cidade que possam ser notadas por meio de capturas imagéticas de maior
qualidade.
161
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legitimidade da territorialidade como elemento de suma importância
para o homem na atualidade, quando manifesta de natureza fluida e transitória nas suas
múltiplas possibilidades de passagem e ocupação, ou quando de inserção perene quando
se elege local de permanência e decurso da vida, se apresenta como abastado lastro
conceitual sobre o qual progrediram-‐se investigações que conotaram sentido para
produção de coleção de joias que pretendeu contribuir para a corroboração da ideia do
objeto joia como elemento de atribuição de valor e porte de significações.
Diante de tal perspectiva, visto ser também a urbe um dos grandes campos
para os quais tem se voltado o empenho de reflexão humana na contemporaneidade, a
coleção Constelações Urbanas selecionou o interesse pela iluminação desses grandes
aglomerados da modernidade e pós-‐modernidade como foco para expressão dessas
questões e aproximação dos indivíduos com as mesmas, através de joias que em sua
elaboração respaldaram-‐se tanto nas bases trazidas da potência do design como
atividade projetual, tanto no tratamento dado pela arte a essa classe de objetos por meio
da joalheria de arte.
A concepção das peças correlacionou conhecimentos e experimentos de
ambas áreas do conhecimento sem o intento de distinguir-‐se ou determinar quando
fazia-‐se uso de acepções e métodos de um ou de outro campo, mas reconhecendo nas
duas atividades-‐fim – a arte e o design – fontes de eleição de medidas para tratamento
do objeto joia que pudesse ser concebido imantando o conceitual pretendido. Em termos
metodológicos buscou-‐se a implementação de métodos que integrassem procedimentos
das duas práticas, incorporando processos artísticos a metodologias de design.
Como objetivos alcançados na investigação tivemos a seleção de registros
de imagens de satélite que referenciaram visualmente as peças -‐ guardadas as
dimensões de similaridade entre referencial e objeto construído já expostas
anteriormente nesse texto -‐ e a elaboração de questões e pensamentos que refletem a
ocupação territorial que vem designar tal desenho luminoso, exprimindo encadeamento
de relações e produções humanas nos conglomerados urbanos e a contemplação dessa
162
dinâmica em uma perspectiva de possível intento de espelhamento ou responsividade
dos seres humanos -‐ desde sua superação da condição lucífuga da noite -‐ aos
aglomerados noturnais visíveis da malha constelar.
A relação coordenada entre arte e design ampliou a concepção de
produtos a partir do conceito chave de espelhamento gerando não somente a coleção de
joalheria de arte mas desdobramentos artísticos como o Palíndromo 303 e a série de
fotografias Mira Mirror___Ecos Visíveis. Incorporar processos artísticos a concepções
projetuais de design pode ampliar e potencializar os efeitos perceptivos das questões
com que se busca carregar simbolicamente os objetos, sobretudo daqueles que possuem
carga simbólica afetiva, como é o caso da joia.
Nesse caso, especificamente, a noção de pertença dos indivíduos às
territorialidades constituídas plasmou-‐se tanto nas joias de arte quanto nos
palíndromos pintados e defrontados, referenciando a relação do indivíduo e território
por meio do idioma, e nas imagens selfie sobre superfícies espelhadas que registraram
uma circulação sobre esses territórios.
A pesquisa visa, com essas observações, contribuir para o aprofundamento
da compreensão sobre a relação dos indivíduos com os territórios consolidados pelas
populações e aponta para inter-‐relação processual entre arte e design em sua
elaboração e desenvolvimento. O emprego das ferramentas e caminhos conceptivos das
duas áreas como meio possível, e mesmo como método para o tratamento de
proposições conceituais, afim de que resultem mais fluidas e recebam o benefício de
assumir a parte de imprevisibilidade presente nessa conciliação.
Dentre os desdobramentos futuros já previstos para outros âmbitos de
investigação, pós conclusão de mestrado, é tencionada a expansão do projeto para a
inclusão de outras cidades mundiais na lista de peças da coleção, tornando Constelações
Urbanas um projeto de âmbito internacional. Também considera-‐se a possibilidade de
desenvolver-‐se peças que aproximem-‐se de uma relação de fato mimética entre as
imagens de satélite e a representação por meio das gemas e cravação dos trajetos com
os quais as luzes desenham e configuram as cidades em sua territorialidade noturna.
163
O interesse pela noção de rebatimento das luzes celestes para as luzes
artificiais urbanas, dada a similitude visual de suas configurações, também indica novas
possibilidades de decomposição, ramificações e avanços dessa pesquisa já pretendidos
para uma possível fase doutoral. Considerando que a relação especular pressupõe
basicamente reflexo e refletido, surge o interesse pelo espaço do entre. Um avanço na
investigação desse conceitual de intermédio é portanto pretendido.
Iluminação e espelhamento possuem como atributos que os identifica
entre si a comparação e o contraste. Não há evidência de luz sem justaposição com a
escuridão. A obscuridade ressalta a incidência da claridade em uma pronunciação
complementar: só a presença e ausência contrapostas são capazes de elucidar
plenamente o sentido de uma e de outra. O espelho apresenta em suas imagens
rebatidas a comparação contrastante, a inversão. O passar para o outro lado da
superfície não ocorre sem que se pague o preço de sofrer alterações. Fazer-‐se imagem é
abrir mão de elementos do ser original.
Mediada por essas duas principais conceituações realizou-‐se a pesquisa
que resultou na coleção Constelações Urbanas, e que entra em interlocução com
manifestações conceituais da arte contemporânea. Por todo o exposto é possível afirmar
que a raiz do design sobre a qual esse projeto originou-‐se e desenvolveu-‐se não
aprisionou nem excluiu o tratamento artístico dado à elaboração de suas questões e à
consecução das respostas por serem borradas as fronteiras entre a arte e o design. Eis
uma interligação típica das duas linguagens na contemporaneidade: o hibridismo.
Conceito artístico e de design seguem em variadas situações habitando terrenos
superpostos sobre um mesmo território. Pode haver sempre uma nova cidade a ser
visitada no âmbito do perceber, do pensar e do fazer.
164
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