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América Latina Desafios para a democracia Nº 16 Setembro de 2007 R$ 2,00 Constituição & Democracia C&D Entrevista com Nielsen de Paula Pires José Geraldo: As ruas não se calam e pedem justiça Soraia Mendes: os defensores dos defensores na Colômbia

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Boaventura de Sousa Santos

Durante a presidênciaportuguesa da UE reali-zar-se-ão várias cimei-

ras destinadas a aprofundar asrelações da Europa com outrasregiões e países do mundo. Aprimeira delas é a Cimeira UE-Brasil. Qual o sentido deste es-forço de extroversão? O que es-perar dele? O contexto euro-peu em que ele ocorre não per-mite grandes expectativas. Osacordos recentemente celebra-dos para sair do impasse cau-sado pelo fracasso do tratadoconstitucional incluem a con-sagração dos limites da perso-nalidade jurídica da EU – o queexclui a representação políticainternacional (na ONU, nos or-ganismos internacionais) – e aredução substancial da agên-cia diplomática em relação aoque estava previsto. Isto signi-fica que durante muitos anos aUE não será um actor políticoglobal. Esta posição interessasobretudo aos EUA cuja hege-monia mundial tolera a exis-tência de potências regionais,sejam elas a Europa ou a Chi-na, mas não a de outras potên-cias globais.

Em face disto, é de preverque o relacionamento da UEcom as outras regiões do mun-do continue a centrar-se nosnegócios, investimentos, ajudae comércio, cooperando, demodo subordinado, com os de-sígnios políticos dos EUA emcada uma delas. A avaliar pelodocumento que a Comissãoacaba de remeter ao Parlamen-to Europeu, a Cimeira UE-Bra-sil seguirá esta lógica. À luz de-la, o Brasil é um fruto dupla-mente apetecido. Mais queuma potência regional, o Brasilé uma potência inter-regional,dada a sua aliança estratégicacom a Índia e a África do Sul nodomínio do comércio interna-cional. Desta aliança resultou aparalisia da Organização Mun-dial do Comércio, onde a UE e

os EUA têm seguido basica-mente as mesmas posições. Omotivo da paralisia é simples:estes países reivindicam que,se o comércio livre é para levara sério, a UE e os EUA devemabrir as suas economias aosprodutos dos países em desen-volvimento, o que até agora re-cusaram fazer. O Brasil surgeassim como um importanteparceiro de comércio bilateralquando o aprofundamento docomércio global está bloquea-do, ao mesmo tempo que seprocura o seu apoio para umeventual desbloqueamento.Duvido que neste último casohaja algum êxito se não houvercedências importantes porparte da UE.

Em segundo lugar, o Brasil éum fruto apetecido pelo seu po-sicionamento face às mudançaspolíticas que estão a ocorrer naAmérica Latina. Têm vindo a serdemocraticamente eleitos go-vernos que visam pôr fim a umaordem económica internacio-nal que permite a exploraçãodesenfreada das imensas rique-zas destes países para quase ex-clusivo benefício dos paísesmais desenvolvidos. Assim su-cede com a Argentina, ao redu-zir unilateralmente a dívida ex-terna, e com a Venezuela e a Bo-lívia, ao nacionalizarem a explo-ração do petróleo e gás natural.O Brasil, além de ser a econo-mia mais importante da região,é também o país politicamentemais pró-ocidental. Privilegiar acooperação com o Brasil signifi-ca premiar a moderação e ten-tar isolar as experiências mais“extremistas”, nomeadamente aVenezuela. Também aqui sus-peito que a cimeira tenha poucoêxito, pois a lucidez da políticaexterna do Brasil tem-lhe per-mitido defender a sua opçãopolítica sem quebrar a solidari-edade com as outras opções quebuscam atingir o que se consi-dera ser um objectivo comum:melhorar o nível de vida dasimensas populações excluídas.

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América LatinaDesafios para a democracia

Nº 16Setembro de 2007

R$ 2,00 Constituição & DemocraciaC&DA Cimeira UE-BrasilEntrevista com Nielsen

de Paula PiresJosé Geraldo: As ruas não

se calam e pedem justiçaSoraia Mendes: os defensores

dos defensores na Colômbia

Flávia Oliveira Tavares

Longas filas, overbooking, atra-sos intermináveis e reclama-ções de usuários. Eis um cená-

rio que se tornou rotina nos aero-portos brasileiros. Como em todomomento de crise, o Poder Executi-vo se mobiliza para tomar medidaspor meio de “pacotes” e o Legislati-vo instala comissões parlamentaresde inquérito e promete votar osmais variados projetos relativos aoassunto. E o Judiciário: qual seriaseu papel neste ambiente de “tur-bulência social”?

A primeira providência foi toma-da pelo Conselho Nacional de Justi-ça, que anunciou, no início do mêsde agosto, a criação de uma comis-são cujo objetivo é estudar a insta-lação de Juizados Especiais – com-postos por juízes estaduais e fede-rais – dentro dos próprios aeropor-tos, com vistas a prover uma solu-ção mais rápida aos problemas vivi-dos pelos consumidores. Inicial-mente, só serão beneficiados pelamedida os aeroportos de Brasília,São Paulo e Rio de Janeiro.

Os Juizados Especiais foramprevistos no art. 98 da Constitui-ção Federal, e disciplinados, noâmbito estadual, pela Lei nº9.099/95 e, no âmbito federal, pelaLei nº 10.259/01. Foi inauguradoem nosso país um novo sistema ju-diciário, mais célere e mais próxi-mo da população. Diversos confli-tos passaram a ser resolvidos pormeio da conciliação (tanto na áreacível, quanto na penal). Além dis-so, tendo em vista a desburocrati-zação dos processos (como a des-necessidade de advogado para al-gumas causas e a possibilidade desolução da questão numa únicaaudiência), a sociedade passou aconsiderar o Poder Judiciário co-mo um auxiliar, sempre “a postos”,e não como última alternativa pararesolver um problema. Essas facili-dades se refletiram principalmentenas causas que envolvem o direito

do consumidor. Pode-se dizer, in-clusive, que o êxito das normas doCódigo de Defesa do Consumidorse deve muito à criação dos Juiza-dos Especiais.

Por outro lado, não se pode ne-gar que também houve um aumen-to do número de demandas, que,no sistema anterior, sequer chega-riam ao Judiciário. Este fato podeser interpretado sob duas perspec-tivas: uma positiva – ampliou-se oacesso ao Poder Judiciário – e outranegativa – com o aumento do nº decausas, agravou-se ainda mais oproblema de lentidão da Justiça, so-bretudo no âmbito federal.

No que diz respeito especifica-mente aos litígios decorrentes docaos aéreo, o CNJ entendeu que aresposta mais imediata à sociedadeseria a instalação dos Juizados noslocais onde os direitos dos usuáriosestariam sendo violados. Sem dúvi-da, trata-se de iniciativa oportuna.Afinal, de um lado temos consumi-dores insatisfeitos, e, de outro, a ne-cessidade de solução rápida do ca-so, um “casamento perfeito” para a

atuação dos Juizados Especiais.Mas deve-se reconhecer que tal

medida também apresenta pontosnegativos. Primeiramente, porquese trata de uma providência paliati-va para as pequenas causas, quenão resolve o maior problema doJudiciário atualmente: sua lentidãona conclusão das grandes causas –como ocorrerá, por exemplo, nosprocessos de indenização das víti-mas dos acidentes aéreos.

Em segundo lugar, não se podeesquecer que, enquanto Juízes efuncionários são designados paratrabalhar nos aeroportos, existe dé-ficit de mão-de-obra e excesso deprocessos em outras varas, muitasvezes mais importantes para a vidados cidadãos, que esperam há anospor uma solução. Ademais, prova-velmente, esses juizados ficarãoociosos boa parte do tempo, umavez que os problemas aéreos ocor-rem em momentos específicos –por exemplo, durante um feriado.

Em terceiro lugar, a criação dosJuizados nos aeroportos visa a solu-cionar problemas de consumidores

que viajam de avião, ou seja, emsua maioria pessoas das classes A eB, que detêm mais esclarecimentose meios para acessar a Justiça doque os consumidores menos favo-recidos economicamente. Daí sur-ge a questão: não seria mais umaprovidência elitista?

É certo que os juizados nos ae-roportos constituem uma medidatemporária, que tem sua importân-cia no ambiente atual da aviaçãobrasileira. No entanto, o ideal seriaque o Poder Judiciário destinasseseus esforços para seu aprimora-mento como um todo e que varas etribunais fossem bem equipados,de forma a atender a população deforma eficiente e rápida, indiscri-minadamente. Desta forma, oacesso seria garantido a todos enão seria necessária a criaçãoemergencial de juizados para aten-der uma demanda específica. Afi-nal, momentos de crise servem pa-ra amadurecer as instituições e pa-ra que sejam tiradas lições para ofuturo, e não só para a tomada demedidas de emergência.

EDITORIALOObbsseerrvvaattóórriioo ddaa CCoonnssttiittuuiiççããoo ee ddaa DDeemmooccrraacciiaa

Por que pensar a democracia na América Latina? Quem vive e se in-

sere num país de colonização portuguesa nem sempre percebe a

importância de considerar o que ocorre do outro lado da fronteira,

naqueles países forjados a partir da colonização espanhola. Os arti-

gos deste número tematizam vários aspectos da democracia na

América Latina sob a compreensão de que, se o desrespeito não conhece fron-

teiras, a resistência democrática também não.

As contribuições lançadas nesta edição procuram observar, sob vários enfo-

ques, os desafios que se apresentam à definição de uma identidade latino-ame-

ricana voltada à democracia e ao respeito à diversidade. Essas observações tra-

duzem um aspecto contemporâneo do constitucionalismo: a percepção dos di-

reitos fundamentais como direitos humanos.

A América Latina representa um potencial significativo de práticas, deman-

das e expectativas contra-hegemônicas que apontam, desde o Sul, buscando a

renovação de um quadro político-social, de orientação eurocêntrica, que parece

desgastado e pouco acolhedor para a construção de uma sociedade livre, justa

e igualitária. A possibilidade desse projeto é a premissa que norteia o presente

número de nosso Observatório.

GGrruuppoo ddee ppeessqquuiissaa SSoocciieeddaaddee,, TTeemmppoo ee DDiirreeiittoo

FFaaccuullddaaddee ddee DDiirreeiittoo –– UUnniivveerrssiiddaaddee ddee BBrraassíílliiaa

02 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | SETEMBRO DE 2007 CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | SETEMBRO DE 2007 UnB – SindjusDF | 23

AAmméérriiccaa LLaattiinnaa:: aass rruuaass nnããoo ssee ccaallaamm ee eexxiiggeemm jjuussttiiççaa JJoosséé GGeerraallddoo ddee SSoouussaa JJuunniioorr –– Professor da Faculdade de Direito da UnB, membro dos Grupos dePesquisa “O Direito Achado na Rua” e “Sociedade, Tempo e Direito”. 0033

PPoovvooss iinnddííggeennaass ee pprroocceeddiimmeennttooss ccrriimmiinnaaiissRRoossaannee LLaacceerrddaa –– Advogada indigenista, mestre em Direito e Estado pela UnB e Integrante dos gruposde pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” e “O Direito Achado na Rua”. 0044

LLeeiiss ddee AAuuttoo--aanniissttiiaa nnaa AAmméérriiccaa LLaattiinnaaLLúúcciiaa MMaarriiaa BBrriittoo ddee OOlliivveeiirraa –– Professora de Direito – Universidade de BrasíliaAdvogada, Integrante do grupo de pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” – Universidade de Brasília 0066

MMuuddaannççaa CCoonnssttiittuucciioonnaall nnaa AAmméérriiccaa LLaattiinnaaCCrriissttiiaannoo PPaaiixxããoo –– Professor da Universidade de Brasília (UnB) e Procurador do Trabalho. Integrante dosgrupos de Pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” e “O Direito Achado na Rua”.LLeeoonnaarrddoo BBaarrbboossaa –– Mestre e doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Integrante do grupo de pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” (UnB). 0088

PPeerrccuurrssooss ddaa DDeemmooccrraacciiaa nnaa AAmméérriiccaa LLaattiinnaa ee nnoo BBrraassiill MMaarriiaannaa SSiiqquueeiirraa ddee CCaarrvvaallhhoo OOlliivveeiirraa –– Gestora Governamental – SNJ/MJ, mestre em Direito,Estado e Constituição – FD/UnB e integrante do Grupo de Pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito – STD” – FD/UnB. 1100

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOOSS MMOOVVIIMMEENNTTOOSS SSOOCCIIAAIISSFFóórruumm SSoocciiaall MMuunnddiiaall:: uummaa eexxppeerriiêênncciiaa ccoonnttrraa--hheeggeemmôônniiccaa aa ppaarrttiirr ddaa AAmméérriiccaa LLaattiinnaa

FFaabbiiaannaa GGoorreennsstteeiinn –– Mestranda da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Integrante do grupo de pesquisa “O Direito Achado na Rua”. 1111

EEnnttrreevviissttaa ccoomm oo PPrrooffeessssoorr NNiieellsseenn ddee PPaauullaa PPiirreessDDeessaaffiiooss ppaarraa aa ddeemmooccrraattiizzaaççããoo ddaa AAmméérriiccaa LLaattiinnaaJJoosséé GGeerraallddoo ddee SSoouussaa JJuunniioorr,, AAddrriiaannaa MMiirraannddaa ee FFáábbiioo SSáá ee SSiillvvaa –– Integrantes dos grupos de pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” e “O Direito Achado na Rua”. 1122

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO JJUUDDIICCIIÁÁRRIIOOAAmméérriiccaa LLaattiinnaa:: UUmm ppaassssaaddoo ddee vviioollaaççõõeess

GGiioovvaannnnaa FFrriissssoo –– Mestre em Direito Internacional Público pela Universidade de Uppsala (Suécia) edoutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e integrante do grupo de pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito”. 1144

AAddvvooccaacciiaa nnaa CCoollôômmbbiiaa:: DDeeffeennssoorreess ddooss ddeeffeennssoorreessSSoorraaiiaa ddaa RRoossaa MMeennddeess –– Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Pós-Graduada em Direitos Humanos pelo CESUSC – Santa Catarina, Professora das Faculdades deDireito do Centro Universitário do Distrito Federal – UniDF e da Universidade de Brasília – UnB. 1166

AAmméérriiccaa LLaattiinnaa:: IIggrreejjaa CCaattóólliiccaa ee aabboorrttooSSiillvviiaa RReeggiinnaa PPoonntteess LLooppeess –– Procuradora Federal, Mestre em Direito pela UnB e integrante do grupo de pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” – FD/UnB. 1177

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO LLEEGGIISSLLAATTIIVVOORReedduuççããoo ddooss ccaassooss ddee ttrraabbaallhhoo eessccrraavvoo nnoo BBrraassiill

EEddssoonn JJoosséé DDaannttaass –– Pós-graduando em Direito Público pelo ICAT – Instituto de Cooperação eAssistência Técnica da UniDF – Centro Universitário do Distrito Federal 1188

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO MMIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOOOO MMiinniissttéérriioo PPúúbblliiccoo nnaa AAmméérriiccaa LLaattiinnaa

CCaarrllaa VVeerriissssiimmoo DDee CCaarrllii –– Procuradora Regional da República e Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS. 2200

DDiirreeiittooss ddaass mmiinnoorriiaass:: NNeecceessssiiddaaddeess vveerrssuuss llóóggiiccaass aabbssttrraattaassPPaauulloo RReennáá ddaa SSiillvvaa SSaannttaarréémm –– Bacharel em Direito pela UnB e integrante do grupo de pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” – FD/UnB. 2222

CCrriiaaççããoo ddee JJuuiizzaaddooss EEssppeecciiaaiiss eemm aaeerrooppoorrttoossFFlláávviiaa OOlliivveeiirraa TTaavvaarreess –– Procuradora Federal 2233

AA CCiimmeeiirraa UUEE--BBrraassiillBBooaavveennttuurraa ddee SSoouussaa SSaannttooss –– Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra 2244

EXPEDIENTE

Caderno mensal concebido, preparado eelaborado pelo Grupo de PesquisaSociedade, Tempo e Direito (Faculdade de Direito da UnB – Plataforma Lattes do CNPq).

CoordenaçãoAlexandre Bernardino CostaCristiano PaixãoJosé Geraldo de Sousa JuniorMenelick de Carvalho Netto

Comissão de redaçãoAdriana Andrade MirandaGiovanna Maria FrissoJanaina Lima Penalva da SilvaLeonardo Augusto Andrade BarbosaMariana Siqueira de Carvalho OliveiraMarthius Sávio Cavalcante LobatoPaulo Henrique Blair de OliveiraRicardo Machado Lourenço FilhoSven Peterke

Integrantes do ObservatórioAlex Lobato PotiguarAline Lisboa Naves GuimarãesBeatriz Cruz da SilvaCarolina PinheiroDamião AzevedoDaniel Augusto Vila-Nova Gomes

Daniel Barcelos VargasDaniela DinizDouglas Antônio Rocha PinheiroEduardo RochaFabiana GorensteinFabio Costa Sá e Silva Guilherme Cintra GuimarãesGuilherme ScottiGustavo Rabay GuerraHenrique Smidt SimonJan Yuri AmorimJean Keiji UemaJorge Luiz Ribeiro de MedeirosJuliano Zaiden BenvindoLaura Schertel Ferreira MendesLúcia Maria Brito de OliveiraMaurício Azevedo AraújoPaulo Rená da Silva SantarémPaulo Sávio Peixoto MaiaPedro DiamantinoRamiro Nóbrega Sant´AnaRenato BigliazziRosane LacerdaSilvia Regina Pontes LopesSoraia da Rosa MendesVanessa Dorneles SchinkeVitor Pinto Chaves

Projeto editorialR&R Consultoria e Comunicação Ltda

Editor responsávelLuiz Recena (MTb 3868/12/43v-RS)

Editor assistenteRozane Oliveira

DiagramaçãoGustavo Di Angellis

IlustraçõesFlávio Macedo Fernandes

[email protected]

SindPD-DF

Sindicato dos Bancáriosde Brasília

Assine C&[email protected]

Criação de Juizados Especiais em aeroportos

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | SETEMBRO DE 2007 UnB – SindjusDF | 0520 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | SETEMBRO DE 2007

ção social, costumes, línguas, cren-ças e tradições e direitos origináriossobre as terras tradicionalmenteocupadas, como verdadeiros direi-tos fundamentais, a serem protegi-dos e respeitados.

O sistema penal brasileiroe a manutenção do modelo

integracionistaContinua-se, porém, a fazer uso,

na área criminal, dos supostosgraus de integração dos índios, co-mo critérios definidores da aplica-ção da pena imposta. A idéia é a deque quanto mais “integrados”, maisestariam os índios em condições de“compreender, ao tempo da açãoou da omissão, o caráter ilícito dofato”, ficando assim sujeitos a penasmais severas.

Para o EI, estariam “integrados”e aptos a compreender a ilicitudedos seus atos e a responder penal-mente por eles, os indígenas porta-dores dos mesmos elementos pelosquais têm reconhecida sua capaci-dade civil: idade mínima de 21anos, conhecimento (e não domí-nio) da língua portuguesa, habilita-ção para o exercício de “atividadeútil na comunhão nacional”, e razo-ável compreensão dos pretensa-mente homogêneos “usos e costu-mes da comunhão nacional”.

A (des)consideração da identidadeétnica e especificidades culturais

Embora na hipótese de conde-nação de indígena o EI preveja tra-tamento específico, como porexemplo a atenuação obrigatóriada pena e a possibilidade de seucumprimento em regime especialde semiliberdade sob custódia daFunai, no curso do processo crimi-nal os indígenas têm recebido tra-tamento indistinto do ministradoaos não-indígenas, limitando-se ojudiciário a determinar ao órgão“tutor”, a defesa do acusado. Intér-pretes e perícias antropológicastêm sido utilizados apenas em ca-sos extremos, que envolvam povosde pouco contato, fazendo prevale-cer o critério etnocêntrico e obso-leto do “grau de integração”. Con-tudo, a Constituição protege nãoapenas os povos de pouco contato,mas todos os 241 povos, distintos,falantes de 180 línguas diferentes,que vivem sob formas próprias deorganização social, e que possuemdiferentes costumes, crenças e tra-

dições. São distintos sistemas devalores, diferentes regras de con-duta socialmente exigíveis de seusmembros, e concepções própriasde tempo e de espaço, simples-mente desconsiderados no cursode tais processos.

Lembre-se também a visão pre-conceituosa que ainda se faz sobreos índios: ociosos, ignorantes, vio-lentos, bárbaros. Não por acaso aexpressão “vulgo cacique”, ou “vul-go tuxáua”, é sempre a forma detratamento dispensada aos líderesindígenas que se vêem envolvidosem inquéritos policiais ou proces-sos criminais, prática desrespeito-sa não só aos indivíduos mas, so-bretudo, às comunidades ondeexercem tais funções. E não possu-indo muitos o domínio da línguaportuguesa, não conseguem com-preender nem se fazer compreen-

der satisfatoriamente nas oitivas einterrogatórios.

Assim é que a Convenção 169da OIT determina que ao se aplicara legislação nacional aos povos in-dígenas, deverão ser levados emconsideração os seus costumes ouseu direito consuetudinário, bemcomo a adoção de medidas paragarantir que possam compreendere se fazer compreender em proce-dimentos legais, facilitando-lhes,se necessário, intérpretes ou ou-tros meios eficazes.

Superar a invisibilidadeEmbora prevaleça a idéia da ir-

responsabilidade penal indígena,há um número crescente de indíge-nas submetidos a um processo pe-nal que desconsidera as suas espe-cificidades étnico-culturais, e queos submete, mais a mais, a um per-

verso e desacreditado sistema prisi-onal. Isto apesar de a própria legis-lação indigenista, a despeito de seuintegracionismo, determinar a ate-nuação da pena e a aplicação de al-ternativas ao encarceramento.

Urge eliminar esta invisibilida-de adotando-se, por exemplo, me-didas como o levantamento da po-pulação carcerária indígena – ain-da desconhecida, a quantificaçãodos casos criminais em andamen-to, envolvendo indígenas comoacusados, e a sistematização do ti-po de tratamento que vêm rece-bendo por parte dos operadoresjurídicos envolvidos. Tal diagnósti-co será importante não apenas co-mo pressuposto a discussão apro-fundada sobre a questão, mas tam-bém para efeito de avaliação daaplicação, no país, dos termos daConvenção 169 da OIT.

O Ministério Público na América Latina

Carla Verissimo De Carli

Nas últimas décadas, os Ministérios Públicos dospaíses da América Latina vêm passando pormudanças significativas. Através de reformas

constitucionais e legislativas que alteraram profunda-mente o processo penal, novos papéis foram atribuídosa essa Instituição.

Em um abrangente estudo produzido sobre o tema, oCentro de Estudos Jurídicos das Américas – CEJA emitiuum relatório que aborda os desafios enfrentados pelo Mi-nistério Público em vários países latino-americanos, com anova ênfase na persecução penal. Os dados aqui expostosforam retirados deste estudo, publicado em 2005, e dispo-nível em http://www.cejamericas.org/doc/proyectos/ceja-persecucion-penal.pdf (acesso em 20.09.2007).

Isto porque, até um passado recente, a Instituição ocu-para um papel bastante secundário. A atuação limitava-seao controle da legalidade do processo penal e à colabora-ção na investigação, conduzida pela polícia, frente aos juí-zos de instrução. Assim é que, no Chile, em 1927, os mem-bros do Ministério Público de primeira instância chega-ram a ser suprimidos, em razão de não serem considera-dos indispensáveis. Os países que mantinham o Ministé-rio Público não reconheciam-lhe funções essenciais: eleera, em realidade, uma abstração legal. Houve exceções,contudo: no Peru, no México, na Colômbia e no Panamá afunção de controle da legalidade desenvolveu-se commuita consistência, ao longo dos anos. Em alguns dessespaíses, o Ministério Público chegou a substituir os juízesde instrução, na atividade investigativa.

As reformas nas normas do processo penal ocorreramentre os anos 1992 até 2005. O estudo do CEJA aponta asdatas da entrada em vigor no Processo Penal reformulado:na Argentina, em 1992; na Bolívia, em 2001; na Colômbia,em 2005, na Costa Rica, em 1998; no Chile, em 2000; noEquador, em 2001; em El Salvador, em 1999; na Guatema-la, em 1994; em Honduras, em 2002; na Nicarágua, em2002; no Paraguay, em 1999, e na Venezuela, em 1999.

Paralelamente a essas mudanças legislativas, empre-enderam-se reformas também no Ministério Público. Aprimeira grande mudança foi quanto a seu lugar institu-cional: deixou de fazer parte do Judiciário e passou a serum órgão autônomo e independente. Mesmo nos casosem que foi mantido dentro do Poder Judiciário, recebeuautonomia funcional. Foram-lhe outorgados novos ins-trumentos de atuação: a faculdade de selecionar os casos

OBSERVATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O BrO Brasil foi pioneiro na rasil foi pioneiro na reforeformulação do Ministério Públicomulação do Ministério Público..

Rosane Lacerda

Recentemente a agência denotícias CARTA MAIOR divul-gou que entre janeiro e agos-

to de 2006 mais de 80 indígenas fo-ram processados criminalmente,muitos dos quais em decorrênciade conflitos envolvendo disputasterritoriais com terceiros. A notíciacontradiz o senso comum, que vêos indivíduos pertencentes a gru-pos étnicos indígenas imunes aprocedimentos criminais.

O mito da inimputabilidade indígena

Para muitos, por serem equipa-rados a “menores de idade” na tra-dição do antigo Código Civil de1916, os índios não responderiamcriminalmente por seus atos. Goza-riam de inimputabilidade penal. Alei penal brasileira, entretanto,nunca os situou entre os inimputá-veis. Trata-se de um mito, de certomodo alimentado pela visão de que

se situariam numa condição análo-ga aos portadores de “desenvolvi-mento mental incompleto ou retar-dado”. Seriam então, em razão deuma suposta insuficiência, mais oumenos incapazes de, no momentoda ação ou omissão, compreendero fato como criminoso e de agir demodo diferente.

Silente a lei penal, a previsão daresponsabilidade penal indígenaveio em 1973, com o Estatuto do Ín-dio (EI – Lei 6001/73), ao tratar dapossibilidade de “condenação deíndio por infração penal”. Inúmeros

têm sido, assim, os indígenas sub-metidos ao sistema penal brasilei-ro, sendo os casos mencionados emCARTA MAIOR apenas alguns deum universo em crescimento.

O paradigma integracionista e sua extinção

Foi então se firmando nos tri-bunais, como critério para a puni-ção ou não dos indígenas, o para-digma da sua “integração” à socie-dade envolvente. Caberia ao juizatender “ao grau de integração dosilvícola” para a definição da apli-

cação da pena à qual fosse conde-nado criminalmente o indígena. Omodelo integracionista, previstono EI, possuía suporte constitucio-nal na perspectiva de sua incorpo-ração à comunhão nacional. Con-tava também com o próprio para-digma integracionista da Conven-ção 107 da Organização Internaci-onal do Trabalho (OIT), promulga-da no Brasil em 1966.

Ocorre que, na década de 1970,tal perspectiva passou a sofrer forteoposição do movimento indígena,indigenistas e setores aliados, noBrasil e no exterior. Foi finalmenteabolida pela Conferência Internaci-onal do Trabalho, da OIT, através daConvenção 169, de 1989. E, no Bra-sil, perdeu a sua sustentação com asupressão, pelo texto Constitucio-nal de 1988, da perspectiva de in-corporação à comunhão nacional.Refletindo as aspirações do movi-mento indígena atuante na Consti-tuinte 1987/1988, esta optou peloreconhecimento de sua organiza-

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | SETEMBRO DE 2007 UnB – SindjusDF | 2104 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | SETEMBRO DE 2007

viáveis/prioritários para investiga-ção e persecução (adoção do prin-cípio da oportunidade da ação pe-nal); saídas alternativas ao processopenal e mecanismos de simplifica-ção processual; recursos orçamen-tários maiores e aumento dos re-cursos humanos, o que ampliou arelação número de procurado-res/promotores por habitantes.

Dentro deste quadro, percebe-seque o Brasil foi pioneiro na refor-mulação desta Instituição. Sem quetivéssemos a mesma situação de re-forma do processo penal, a Consti-tuição Federal de 1988 conferiu aoMinistério Público o caráter de ins-tituição permanente, essencial àfunção jurisdicional do Estado, in-cumbindo-lhe a defesa da ordemjurídica, do regime democrático edos interesses sociais e individuaisindisponíveis. Dotou-lhe de inde-pendência funcional e autonomiaadministrativa, desonerando-o datarefa de representar a União (tare-fa destinada à Advocacia-Geral daUnião), o que fez com que pudessese dedicar, integralmente, à defesada sociedade. As atribuições não-penais do Ministério Público brasi-leiro alcançam dimensão desco-nhecida em outros sistemas jurídi-cos – a defesa das minorias, da or-dem econômica, intervenção nasquestões de saúde pública, da edu-cação, dos consumidores, etc.

Mesmo com tantas mudanças,estará o Ministério Público capacita-do para exercer suas funções institu-cionais, nos tempos atuais? As difi-culdades trazidas pela criminalida-de contemporânea são o reflexo daestruturação das formas sociais. Se-gundo KERCKHOVE, vivemos atual-mente em três ambientes (ou espa-ços) principais: a mente, o mundo eas redes (KERCKHOVE, Derrick. TheArchitecture of Intelligence, pp. 7,13). A conectividade une esses trêsespaços. Os meios de comunicaçãode massa tornam a sociedade maiscomplexa, até mesmo caótica . É oque VATTIMO chama de “sociedadetransparente” (VATTIMO, Gianni. LaSocietà Trasparente, p.11).

As organizações criminosasatuam em rede, usufruindo de todasas facilidades trazidas pelas novastecnologias. MAFFESOLI explicaque a rede é uma forma social que secaracteriza por ser um conjunto or-ganizado e contudo sólido, invisível,mas que serve de ossatura a qual-

quer coisa que seja (MAFFESOLI,Michel. Le temps de tribus – le dé-clin de l'individualisme dans les so-cietés postmodernes, p. 154).

Em todos os campos do agir hu-mano, a nova morfologia social denossas sociedades e a difusão lógicade redes modifica de forma substan-cial a operação e os resultados dosprocessos produtivos e de experiên-cia, poder e cultura. Como afirmaCASTELLS, o poder dos fluxos émais importante que os fluxos depoder (CASTELLS, Manuel. A Socie-dade em Rede – a era da informação:economia, sociedade, cultura. Paz eTerra: São Paulo, 2006, p. 565).

Segundo o relatório antes citado,apesar das importantes reformaslegislativas, os Ministérios Públicosda América Latina apresentam de-bilidades significativas. Para al-guns, o contexto político de instabi-lidade democrática, que gera ten-sões e pressão política. O desenhoinstitucional pensado com um re-flexo da estrutura judiciária, escalo-nada em níveis de atuação, engessaa atividade de um órgão que deveser protagonista, dotado de iniciati-va e de flexibilidade. Além disso,faltam mecanismos de prestação decontas à sociedade: a autonomia éentendida como uma atribuição domembro, e não do órgão. Daí de-correm problemas de gestão e de li-derança – com esta concepção deautonomia, cada membro pode to-mar decisões sobre a persecuçãopenal, sem aceitar instruções ou di-retivas superiores, com padrões detrabalho coletivos. Faltam sistemas

de coleta de informação acerca dosresultados concretamente atingi-dos, o que impede a formulação e aimplementação de estratégias deatuação. Não existe detalhamentode metas e de indicadores, indis-pensáveis ao trabalho de persecu-ção penal em um sistema modernoe eficaz (Relatório Desafíos del Mi-nisterio Público Fiscal en AméricaLatina, CEJA/2005).

Muitas das considerações ali ex-pendidas são perfeitamente aplicá-veis ao Ministério Público Brasileiro.A superação dessas deficiências, e ahabilidade de trabalhar em rede, de-senvolvendo a conectividade, podepassar pelo relacionamento institu-cional entre os vários MinistériosPúblicos da América Latina, alémdos demais órgãos de persecuçãopenal do resto do mundo.

Seguindo esta linha, realizou-se em julho deste ano a segundaConferência Regional Latino Ame-ricana da International Associati-on of Prosecutors. A AssociaçãoInternacional de Procuradores ePromotores é uma organizaçãonão-governamental e não-políti-ca. É a primeira e única organiza-ção de pessoas dedicadas à perse-cução penal. Ela foi estabelecidaem 1995, no Escritório das NaçõesUnidas em Viena, tendo sido for-malmente inaugurada em sua pri-meira Reunião Geral, ocorrida emBudapeste, em 1996. A Associaçãorealiza, anualmente, uma Confe-rência Internacional, além deConferências Regionais. A motiva-ção principal que guiou a criação

da Associação foi o rápido cresci-mento dos crimes graves transna-cionais, particularmente o tráficode drogas, a lavagem de dinheiro eas fraudes. Percebeu-se a necessi-dade de maior cooperação inter-nacional entre os membros dosMinistérios Públicos, de maior ve-locidade e eficiência na assistên-cia mútua para o rastreamento econfisco de bens, além de outrasmedidas de cooperação internaci-onal (http://www.iap.nl.com/).

Nesta ocasião, mais de 200 fis-cais, promotores e procuradores darepública reuniram-se na Ilha Mar-garita, na Venezuela, onde troca-ram experiências a respeito do Mi-nistério Público e as políticas depersecução penal, dos novos mode-los organizacionais, da especializa-ção de escritórios de persecuçãopenal, de gestão de casos, de assis-tência tecnológica, e de resoluçãode casos através de soluções anteci-padas e conciliação.

Outra contribuição importantepara a reflexão dos Ministérios Pú-blicos do Brasil e da América Lati-na são os “Padrões de Responsabi-lidade Profissional e Declaração deDeveres e Direitos Essenciais dosProcuradores e Promotores”, ado-tada pela referida Associação In-ternacional em 1999 – os chama-dos IAP Standards of ProfessionalResponsibility.

Estas experiências devem ser ca-pazes de auxiliar o Ministério Públi-co a cumprir o relevante papel de de-fensor do regime democrático, aten-dendo à expectativa da sociedade.

Povos indígenas e procedimentos criminais

A lei penal brA lei penal brasileirasileira nunca situou osa nunca situou osíndios entríndios entre os inimputáveis. e os inimputáveis. TTrrata-se deata-se de

um mito originado na sua visão comoum mito originado na sua visão comoportadorportadores de um supostoes de um suposto

desenvolvimento mental incompletodesenvolvimento mental incompleto..