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Prof. Titular Dr. Clmerson Merlin Clve
UniBrasil e Universidade Federal do Paran
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Direito Constitucional, Novos Paradigmas, Constituio Global e
Processos de Integrao.
Clmerson Merlin Clve 1
1. INTRODUO
O tema deste painel da maior importncia, especialmente porque permite
melhor compreender o processo de mudana pelo qual passa o direito
constitucional.
Disse o Professor Eros Grau, agora h pouco, com rara felicidade, que
discutir a programaticidade das normas j encheu. verdade! O que proponho
na primeira parte da exposio demonstrar o motivo deste sentimento. Na
segunda parte proponho um pensar sobre uma possvel abertura do direito
constitucional e da Constituio brasileira quilo que tem sido apontado como
constitucionalismo material global. E, por fim, na ltima parte, cumpre trazer a
discusso a propsito do constitucionalismo no contexto de processos de
integrao regional.
A exposio ensaiar, portanto, manejar esses trs pontos: (i) recuperar,
em breves pinceladas, a memria da assim chamada dogmtica constitucional
emancipatria (tambm chamada de dogmtica constitucional da efetividade),
produzindo juzo sobre o esgotamento de sua proposta, e discutir, nos limites do
tempo concedido, acerca das possibilidades do (ii) constitucionalismo global e do
(iii) constitucionalismo nos processos de integrao.
No que diz respeito primeira parte da exposio, o campo da abordagem
restringe-se ao universo das doutrinas amigas, no havendo lugar para os
1 Professor Titular das Faculdades de Direito da UniBrasil e da UFPR. Professor nos Cursos
de Mestrado e Doutorado da UFPR. Advogado e parecerista na rea de Direito Pblico.
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discursos refratrios atual Constituio, eventualmente combatentes do discurso
constitucional democrtico. O direito constitucional brasileiro, alis, como ningum
desconhece, conta com determinados operadores que, a pretexto de concretizar a
Constituio, alcanam exatamente o contrrio. Trata-se ora de uma dogmtica da
razo do Estado; ora de uma dogmtica liberal ou neoliberal prisioneira do
mercado reificado e reificante; ora de um conservadorismo constitucional
comprometido com uma idade de ouro encontrada em algum momento da histria
nacional e, portanto, um constitucionalismo defensor de um status quo ou de uma
operao regressiva; ora, finalmente, de uma dogmtica que se identifica com o
autoritarismo ou com o reacionarismo tributrios de um pensamento ainda
compartilhado por vrios setores da sociedade brasileira. Nesse passo, o que se
tem a busca da mudana da Constituio para mutil-la ou instrumentaliz-la - a
chamada ordinarizao da Constituio. Insiste-se nas deficincias do texto
constitucional ou, pura e simplesmente, sabota-se a Constituio, especialmente
aqueles captulos exigentes de uma atuao estatal voltada para a satisfao dos
objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil ou para a realizao dos
direitos fundamentais. Neste ltimo caso, afeta-se mais os direitos sociais de
natureza prestacional, exigentes de uma atuao positiva do poder pblico.
Cumpre, portanto, tratar apenas da dogmtica comprometida com a Constituio,
demonstrando, ademais, o esgotamento de determinados tempo e proposta.
2. DIREITO CONSTITUCIONAL DA EFETIVIDADE
Emergiu no Brasil, aps a promulgao da Constituio de 1988, uma
interessante doutrina identificada como dogmtica constitucional da efetividade,
ou, como preferiram alguns, dogmtica constitucional emancipatria, ou ainda
dogmtica constitucional transformadora. O compromisso primeiro, nesse caso,
no era propriamente de ordem terica, sendo mais de ordem poltica. A
Constituio vincula, a Constituio vale, a Constituio incide, estas eram as
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mensagens do discurso constitucional. Tratava-se de apostar nas virtualidades
dirigentes do novo texto e de irrigar a ordem jurdica com os valores plasmados no
documento constitucional. Para isso, importava reler todo o direito luz da
principiologia da Constituio, atravs do processo conhecido como filtragem
constitucional. Tratava-se, portanto, de uma doutrina amiga da Constituio,
enfim, de uma doutrina constitucional amorosa, vinculada at a medula idia de
normatividade integral da lei fundamental. Propunha a releitura das velhas
categorias, a discusso a propsito do renovado papel do Supremo Tribunal
Federal, enquanto guardio constitucional (embora no o nico), no contexto da
nova Constituio, e o estudo das aes constitucionais como meios de efetivao
das suas promessas.
O discurso renovou, indiscutivelmente, o direito constitucional brasileiro,
autorizando, inclusive, renovadas aberturas tericas decorrentes, muitas vezes, da
forte influncia exercida pelas doutrinas alem, americana, portuguesa e
espanhola sobre os novos constitucionalistas. Do ponto de vista terico, a
produo discursiva ainda era, em geral, dependente de paradigmas j
experimentados no pas. Note-se, por exemplo, a dificuldade para superar a viso
segundo a qual a aplicabilidade da norma depende menos do operador jurdico,
especialmente do discurso que ele conforma e sustenta, e mais das qualidades
intrnsecas do texto, ou seja, a idia nesse particular de que so as qualidades do
texto que determinam a extenso da vinculao dos poderes normativa
constitucional. Perceba-se a dificuldade para superar as velhas teorias
classificatrias da aplicabilidade das normas, dificuldade encontrada mesmo nos
juristas mais comprometidos com a potencializao das virtualidades normativas
da Constituio.
O papel mais interessante da dogmtica constitucional da efetividade,
nestes 15 anos, foi o pedaggico, decorrente da comunicao de uma nova forma
de relao do jurista cidado com a Constituio. Fala-se de pedagogia capaz de
estimular a criao, nas escolas de direito espalhadas pelo pas, de uma leva
considervel de jovens juristas e de fomentar, nos cursos de mestrado, doutorado
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e de especializao, a renovao do pensamento constitucional brasileiro. O
esgotamento do discurso, todavia, j era visvel nos ltimos anos. Da a
necessidade da busca de novos caminhos, especialmente no stio teortico.
A aliana com a integral efetividade da Constituio continua. No podia ser
diferente, eis que compe, afinal, compromisso permanente. No entanto, a
doutrina constitucional reclama novas premissas, novos conceitos, renovadas
dmarches. Por isso, a afirmao segundo a qual a dogmtica constitucional da
efetividade no morreu, apenas sofreu transfigurao para dar lugar a um
discurso, por um lado, essencialmente igual quanto aos seus propsitos e, por
outro, essencialmente distinto quanto s qualidades de suas dmarches ou quanto
reivindicao do lugar constitucional na ordem normativa da sociedade
contempornea. aqui que se percebe a manifestao daquilo que pode ser
chamado de transmutao do lugar normativo da Constituio.
Aprende-se desde cedo, particularmente na faculdade, que a Constituio
o corpo de normas dotadas de superior hierarquia residente no vrtice da pirmide
jurdica, portanto, a idia da ordem jurdica enquanto pirmide. Est-se a referir,
evidente, metfora kelseniana que foi til por muito tempo. No entanto, o lugar
normativo da Constituio, hoje, no pode mais ser o mesmo. Antes de vrtice de
uma pirmide, no mbito nacional apresenta-se mais como centro, um centro
exercente de atrao de ordem gravitacional sobre o vasto universo normativo
contaminado pela fragmentao. O universo jurdico caos que se faz sistema
pelo trabalho rduo do operador jurdico ao lanar mo da linguagem
constitucional em busca da unidade de sentido. O que ora se apresenta no
constitui nenhuma novidade.
No campo jurdico tudo haver de orbitar em torno da Constituio. Nesse
caso ela o sol, a estrela m que confere integridade ao universo-caos
fragmentado e descodificado dos micro-sistemas normativos que precisam ser
reconstrudos enquanto sistema total (exigente, por isso mesmo, de consistncia,
coerncia e integridade). O sistema no um dado, mas antes um construdo,
resultado do arranjo arquitetnico do operador.
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A Constituio fundamento, mas tambm centro, estrela-me a atrair
para a sua rbita os fragmentos que compem o universo normativo contraditrio
da sociedade complexa. igualmente filtro que retm e repele o que no pode
integrar a ordem jurdica recomposta. Qualquer estudo jurdico, portanto, sendo
indiferente o ramo do saber, haver de comear levando em conta a Constituio
do ponto de vista formal e material, especialmente para cotejar a disposio que
reclama aplicao com o Texto Constitucional e da retirar a demonstrao de sua
legitimidade. Mas o trabalho final do operador jurdico, consistente na soluo
deste ou daquele caso, no se completa, no se perfaz, se tambm no for
testado mais uma vez luz da Constituio. A Constituio tem lugar no comeo e
no fim do trabalho hermenutico.
Centro, fundamento e filtro, o direito constitucional, agora, outro. No
mais um discurso de especialistas, uma linguagem apenas para os iniciados. Ao
contrrio, agora lngua comum, idioma compartilhado por todos os juristas (para
no falar dos cidados), uma espcie de lngua franca na medida em que no h
possibilidade de aplicar o direito (qualquer ramo do direito) sem, ao mesmo tempo,
transitar pelo direito constitucional. Mas lngua franca tambm para o stio
exterior ao exerccio profissional do direito. Eis a razo pela qual a Constituio
que incide tem seu sentido construdo e reconstrudo num processo democrtico
permanente de disputabilidade intersubjetiva levado a efeito pela sociedade aberta
dos intrpretes da Constituio, para fazer uso da eloqente expresso sugerida
por Hberle.
A transmutao do lugar constitucional exige o reconhecimento da
existncia de condies. Envolve uma compreenso da ordem jurdica somente
concebvel no quadro de uma Constituio renovada em relao no s s suas
caractersticas normativas mas, igualmente, em relao ao papel que pretende
desempenhar na sociedade complexa, plural e fragmentada da atualidade.
A Constituio absorve determinados valores, apresentados na forma de
princpios, de modo a garantir os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa
humana. No mais um simples corpo orgnico destinado a estruturar o Estado,
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os seus rgos e a desenhar os limites do exerccio do poder. Mais do que isso, ,
na verdade, a mina, a reserva, a fonte da materialidade do direito, dos valores que
singularizam esta ou aquela ordem jurdica, dos compromissos intergeracionais
condensados normativamente. Por isso, ela conquista, condensao
compromissria, expresso de luta e, ao mesmo tempo, consenso, resultado do
acordo sobre o que essencial e determinante e, particularmente, sobre o papel
que o homem, senhor de sua histria, atravs de seus canais de mediao, em
especial as instituies, haver de desempenhar na comunidade de destino. Em
sntese, a Constituio deixa de ser um documento do Estado e para o Estado
para afirmar-se como documento tambm da sociedade e, por isso mesmo, do ser
humano dotado de dignidade. O Estado instrumento a servio do homem, e no
o contrrio.
Tem-se, de um tempo para c, discutido a propsito do papel do direito
constitucional, dos tribunais constitucionais, da lei e do legislador no contexto dos
Estados Constitucionais que supem a existncia de democracia, pluralismo,
direitos fundamentais e justia. Entre os substancialistas e os procedimentalistas
emerge um debate interessantssimo, porm, muitas vezes, incapaz de dirimir a
significao das constituies contemporneas e especialmente daquela
experimentada aqui e agora, em contexto concretamente compreendido, no
espao-tempo delimitado pela formao social brasileira.
No caso do Brasil, presidido por uma Constituio rica em princpios, a
discusso talvez deva ficar mais prxima daquela desenvolvida na Alemanha,
onde o Tribunal Constitucional, a despeito de alguma resistncia, entende a Lei
Fundamental como ordem de valores. Neste caso, entretanto, o procedimento tem
um papel importantssimo a cumprir, qual seja, ordenar a manifestao da
sociedade aberta e plural dos intrpretes da Constituio. Por isso, os
mecanismos ordenadores da participao democrtica devem, entre ns, ser
levados a srio sem que isso signifique a desnaturao de uma Constituio
principiolgica cuja dimenso material igualmente vincula e conforma a
experincia jurdica como um todo.
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A Constituio aberta, garantia da sociedade pluralista e democrtica que
se quer, justa e livre, reclama compreenso tocada pela singularidade decorrente
dos desafios de uma formao social residente no hemisfrio meridional.
Princpios e regras desempenham papis distintos no direito de uma
sociedade complexa e plural (no caso brasileiro, mais complexa devido
existncia, a um tempo, de ilhas pr-modernas, modernas e ps-modernas
compondo a teia societria). Abre-se aqui a senda para um novo discurso que tem
por condio a transmutao do lugar epistmico do direito constitucional rumo ao
que tem sido, por conveno, chamado de ps-positivismo, na verdade um ensaio
de superao das dmarches propostas pelas velhas teorias positivistas, inclusive
as de matriz sociolgica e normativista.
Aceitar que o conhecimento carrega a verdade, supor que o intrprete
capaz de ostentar uma condio de neutralidade, defender o universo da cincia
como presidida por um padro insupervel de objetividade, alardear que o papel
do intrprete o de desvelar a verdade oculta no objeto investigado, imaginar que
o direito exclusiva obra do legislador e que o juiz no faz mais do que aplic-lo,
eis a cosmoviso do operador tomado pelo positivismo, prisioneiro do paradigma
da filosofia da conscincia. Ora, a Constituio um composto de princpios e
regras, sendo ambos indispensveis para o direito constitucional das sociedades
complexas, plurais, abertas e democrticas. E este tipo de sociedade reclama um
direito constitucional distinto daquele experimentado at aqui. Da a importncia
da superao do paradigma da filosofia da conscincia, para, dentro do paradigma
da filosofia da linguagem, compreender que o sujeito participa da construo do
objeto, que a disputabilidade entre os sujeitos que o reconstri, que o objeto no
tem uma verdade objetiva oculta que possa ser revelada ou descoberta pelo
intrprete e, mais, que no ser a evidncia do objeto, mas a consistncia do
discurso que implicar a adeso ou a legitimidade da soluo apontada para
este ou aquele caso. Nesta hiptese, especialmente para os casos difceis, a
importncia do discurso, especialmente dos novos aportes hermenuticos e da
teoria da argumentao, so indiscutveis. Da a razo da preocupao, no
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contexto deste paradigma, com o desenvolvimento de teorias vinculadas a uma
viso desde o ponto de vista interno (o ponto de vista do operador jurdico),
capazes de cimentar um discurso de convencimento suficientemente slido e
consistente erigido no contexto de uma esfera democrtica de afirmao de
verdades intersubjetivamente alcanadas. Est-se, pois, diante de renovado
direito constitucional, diferente daquele ainda contaminado pelo aportes
positivistas. Um direito constitucional, ademais, que sem negar as virtualidades
dirigentes da Constituio brasileira (o caso de Portugal certamente distinto!),
nem por isso imagina que o sujeito da dinmica constitucional , apenas. o
Estado, razo pela qual, dialoga com a sociedade complexa, plural e democrtica,
sem descurar da existncia de um mercado que, sendo til, nem por isso haver
de ser deificado. Trata-se de um direito constitucional que, no universo da prtica
democrtica, realizada no contexto do espao pblico, afirma apenas o papel
necessrio do Estado para a realizao do compromisso com as promessas
constitucionais, sem descurar da funo da sociedade formada por cidados livres
e autnomos capazes de decidir, no contexto da disputabilidade constitucional, o
que melhor para si. E que, neste caso, apelando para os princpios, aceita a
processualidade como forma insupervel de definir o seu sentido, razo pela qual
no tolera o comprometimento da frmula constitucional do Estado com poderes
divididos decorrente do eventual monoplio do acesso verdade constitucional
por este ou aquele poder. Trata-se, repita-se, de outro direito constitucional. Que
se afirma, a um tempo, entre substancialistas e procedimentalistas ou entre
aqueles que, como ns, entende que a materialidade constitucional no repele, ao
contrrio exige, a considerao das conseqncias da processualidade e dos
importantes aportes do procedimentalismo.
3. DIREITO CONSTITUCIONAL E SUPERAO DE FRONTEIRAS
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A segunda questo a ser abordada diz respeito necessidade da abertura
dos estudos constitucionais para o problema da superao das fronteiras. O direito
constitucional no pode fechar os olhos para o que ocorre no seio da comunidade
internacional.
Est-se a provar tempos difceis nos quais impera, no plano internacional,
uma lgica unilateral, por um lado, e mercantilista, por outro. Diante desse salve-
se quem puder ou quem pode manda e quem no pode teme, avulta a
fragilidade do direito internacional enquanto instncia civilizatria dotada de
capacidade para garantir a paz e a construo de uma comunidade internacional
que seja digna desse nome. verdade que, at h poucos dias, vivamos sob a
gide do pensamento nico, do horror neoliberal que tudo reifica, que tudo
transforma em mercadoria. Alis, ainda vivemos, porque a Organizao Mundial
do Comrcio (OMC) continua a sustentar, desde uma tica quase fundamentalista,
o livre comrcio, manifestando pretenso de impor a lgica mercantil a todos os
domnios, inclusive cultural, educacional, da sade e dos chamados servios
pblicos. O Fundo Monetrio Internacional (FMI), embora d sinais de tmida
mudana, ainda o lugar das prticas do consenso (ou ps-consenso) de
Washington onde, claramente, as economias centrais, em especial a americana,
ditam as regras.
O desafio da construo da rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA)
no est imune de presses e de ameaas, razo pela qual todo cuidado pouco.
Uma negociao mal feita e no se poder mais implementar, entre ns, polticas
pblicas em determinados setores da economia, implicando, conforme os
resultados do tratado eventualmente concludo, possibilidade de
desindustrializao do pais.
A globalizao (a mundializao financeira e econmica neoliberal ou liberal
fundamentalista) preocupa. Trata-se de processo que merece combate, lembra
Avels Nunes, catedrtico da Universidade de Coimbra, mas combate travado nos
foros internacionais e tambm atravs do desenvolvimento de polticas que
atendam ao interesse nacional, no tenhamos vergonha de diz-lo, nacionalistas
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mesmo, se for o caso (formulao de uma poltica industrial, por exemplo). Mas a
resistncia pode decorrer tambm da emergncia de outro tipo de mundializao,
como propunha aquele intelectual que tanto honrou nosso pas: Milton Santos.
Neste passo, o Brasil, no campo das relaes internacionais tem vrias tarefas a
cumprir, seja formando o Bloco Sul-Sul, seja propondo o G-22, seja
reivindicando assento no Conselho de Segurana da ONU, seja denunciando a
hipocrisia globalizante que sustenta a necessria abertura dos mercados e o livre
comrcio para todos os povos, menos para os proponentes, seja implantando
polticas nacionais articuladas internacionalmente com outras formaes polticas
dotadas de interesses anlogos. Enfim, muita coisa pode ser feita. Cumpre, ao
pas, evidentemente, nesta toada, aderir luta pelo multilateralismo, pela criao
de foros democrticos multilaterais, pela democratizao da comunidade
internacional e pelo fortalecimento da Organizao das Naes Unidas (ONU). a
esta mundializao que se reporta Milton Santos.
O Brasil no alcanar, neste mundo conturbado, xito sem uma
articulao muito bem feita, entre polticas nacionais de defesa dos seus
interesses e uma poltica internacional de apoio aos foros multilaterais de
discusso dos problemas de alcance mundial. A autarquia, o fechamento, no so
mais possveis, pois o interesse nacional passa hoje pelo fortalecimento da
posio do pas no plano internacional. As polticas internas e
desenvolvimentistas, a defesa intransigente do interesse nacional no se
sustentam mais na autarquizao, demandando, antes, a conquista de posio
privilegiada no mundo globalizado. Por isso afirmar-se que o que vale para a
poltica, tambm vale para o direito.
O direito internacional e o direito constitucional brasileiro precisam fazer
amizade. Reporta-se a um direito Internacional democrtico, dotado de valores
tais como aqueles proclamados no Texto Constitucional brasileiro. Neste ponto,
manifesta-se igualmente mudana de paradigma no discurso constitucional. Migra-
se de um paradigma vinculado realidade interna, para outro que insere o direito
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constitucional nacional no contexto daquilo que pode ser chamado de direito
constitucional global.
4. DIREITO CONSTITUCIONAL GLOBAL
Em que consiste o direito constitucional global? Trata-se, sem dvida, de
uma realidade ainda incipiente que, ultimamente, tem preocupado os
constitucionalistas. Compe, ao primeiro olhar, um conjunto de princpios
compartilhados, verdadeiro patrimnio jurdico da humanidade, construdo
progressivamente a despeito da relatividade dos valores. Um plexo, diga-se de
passagem, que desafia a emergncia de uma comunicao mais estreita com os
direitos constitucionais nacionais, com as constituies nacionais, ou seja com as
ordens jurdicas presididas por verdadeiras constituies e no simplesmente por
eventuais cartas constitucionais. Neste passo, a abertura do direito constitucional
nacional para o constitucionalismo global significaria o reconhecimento da
existncia (e pertinncia) de uma Constituio material global formada por um jus
cogens internacional integrado por valores comuns, ainda que poucos. Valores,
cumpre lembrar, decorrentes da experincia consumada nas sociedades
democrticas, mas condensados tambm a partir de decises prolatadas pelas
cortes internacionais, especialmente de direitos humanos, e de determinados
declaraes e tratados internacionais. Haveria aqui, portanto, a idia de que o
direito constitucional global emerge e evolui com a formao de comunidades de
naes que comungam determinados valores, principalmente aqueles ligados ao
princpio da dignidade da pessoa humana.
Os direitos humanos haveriam de ser respeitados nacional e
internacionalmente. Tambm a democracia e a paz, para ficarmos apenas nestes
princpios, desenhariam a teia da Constituio global.
Neste momento, porm, o direito constitucional global integra mero meio de
legitimao material das constituies nacionais. Todavia, no h como deixar de
RodolfoRealce
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reconhecer a existncia de um modesto jus cogens internacional capaz de, do
ponto de vista exclusivamente material, caracterizar o direito em questo. Para o
fortalecimento desse jus cogens internacional e das instituies multilaterais
capazes de proteg-lo, deve agir a diplomacia brasileira. Neste particular, o direito
internacional transparece como normatividade necessria para, atravs das
instituies multilaterais, promover a reviso da dinmica que, ultimamente, em
virtude de aes unilaterais despidas de sustentao jurdica, tem contaminado as
relaes entre os povos.
Quanto ao dilogo entre a Constituio material global e a Constituio
nacional, essa tarefa para o novo constitucionalismo brasileiro que vai dando
mostras de passar por um processo mutacional de grande significao.
A primeira abertura manifesta-se para considerar a hiptese da pertinncia
de um dilogo com a Constituio global. A segunda abertura, todavia, de
natureza distinta, ocupa-se do encontro necessrio do direito constitucional com o
direito da integrao, manifestando-se no contexto do que determinados autores
chamam de direito constitucional do Estado ps-nacional.
5. INTEGRAO REGIONAL E MERCOSUL
Neste mundo complexo, dinmico e globalizado, o Estado se v compelido
a deixar suas fronteiras para a defesa dos seus interesses e de sua soberania. Eis
o paradoxo, j que a defesa da soberania no se faz mais apenas desde dentro;
faz-se, agora, tambm, a partir de medidas tomadas no contexto da comunidade
internacional.
Testemunha-se a associao de pases em estratgias polticas voltadas
conquista de posies mais vantajosas, ou, em muitas das vezes, menos
desvantajosas no contexto das inevitveis negociaes travadas no mercado
internacional de trocas. Tais medidas, nada obstante necessrias, nem sempre
so suficientes. Alis, no so suficientes! Da o caminho dos pactos regionais,
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especialmente daqueles dirigidos construo de verdadeiros espaos
econmicos e espaos polticos comandados por estruturas supranacionais.
Ao considerar os espaos de integrao, importa desde logo excluir
experincias como a da NAFTA e mesmo a da ALCA, esta ltima em fase de
negociao. Nas duas hipteses manifesta-se a arquitetura de espaos
meramente econmicos, decorrentes da noo de livre comrcio regional, o que
implica a demisso dos Estados de articularem polticas nacionais de ndole
econmica. Reporta-se, referida modalidade de integrao, livre circulao de
bens, capitais e mercadorias, mas no, todavia, de pessoas, que continuaro
prisioneiras dos territrios dos respectivos Estados nacionais, impedidas, como
hoje, de ultrapassar, especialmente, as cercas de Tijuana ou as guas do Rio
Grande em direo ao norte.
A ALCA pode, eventualmente, ser tambm interessante para as economias
ao sul do Rio Grande. Todavia, por no guardar a pretenso de constituir uma
comunidade poltica que comungue de determinados valores e princpios, no
pode ser confundida com experincias de integrao mais complexas, como a
europia. nesse ponto que entra o Mercosul.
O Mercosul nasce, como se sabe, com uma proposta de integrao no
apenas econmica dos Estados do sul da Amrica. A pretenso , a longo prazo,
de apresentar-se como verdadeiro espao comunitrio. verdade que o Mercosul
passa por dias difceis, especialmente por conta da crise econmica que, nos
ltimos anos, atinge a todos os seus membros e, particularmente, aos seus dois
scios maiores. Por outro lado, no foram concebidas ainda as estruturas
supranacionais tais como aquelas encontrveis no continente europeu. No temos
ainda um Tribunal do Mercosul (como o de Luxemburgo), embora alguns passos
estejam a ser ensaiados nessa direo, nem um Parlamento do Mercosul. Da
porque experimenta-se um direito que pode ser chamado de direito da integrao,
mas que no se trata, ainda, de um direito comunitrio como aquele desenhado no
contexto europeu. Mas se a ocasio de constituir uma comunidade latino-
americana de naes, ento fundamental aprofundar a experincia mercosulina
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e estudar o que ocorre hoje na Europa, especialmente as conseqncias da
adoo da assim chamada Constituio Europia.
6. A EXPERINCIA EUROPIA
No caso europeu, as instituies supranacionais produzem o direito
comunitrio seja a partir de delegao, transferncia ou cesso de competncias,
seja do compartilhamento de poderes soberanos. As teses so vrias.
Embora os autores no tenham alcanado um consenso, parece certo que,
o direito comunitrio deriva de uma delegao de competncias dos Estados
nacionais. Esta tese no incompatvel com a manuteno da soberania pelos
Estados integrantes. Afinal, o que delegado pode ser retomado. Neste caso, as
instituies comunitrias conformam o direito comunitrio, mantida a soberania
com seu titular. Afirma-se, por isso mesmo, que apenas o exerccio de
determinados poderes decorrentes da e inerente soberania seria transferido (por
isso tratar-se de delegao), no, todavia, a titularidade da soberania que
remanesceria em mos dos Estados.
As competncias dos rgos comunitrios, definidas a partir de normas
convencionais primrias, podem ser exclusivas ou concorrentes com as
competncias dos Estados nacionais que integram a Unio Europia. No ltimo
caso, o princpio da subsidiariedade exerce uma funo importante.
Questo complexa diz respeito ao papel das Constituies dos Estados no
espao comunitrio. Isso porque o Tribunal de Luxemburgo tem, de longa data,
definido como certo que, primeiro, o direito comunitrio tem prevalncia sobre o
direito interno e, segundo, o direito comunitrio tem prevalncia sobre o direito
constitucional nacional. Ademais, nessa toada, o Tribunal de Luxemburgo
reservou a si, com exclusividade, a funo de formar juzo sobre a validade das
normas comunitrias, sendo ele, portanto, juiz da competncia da competncia.
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A Constituio nacional mantm-se como centro; mas, agora, como centro
parcial da ordem jurdica total. centro da ordem jurdica nacional, mas no da
ordem jurdica comunitria que, nos termos do que entende o Tribunal de
Luxemburgo, no pode ter suas normas controladas pelos rgos jurisdicionais
nacionais (inclusive os tribunais ou cortes constitucionais) tomando como
parmetro a Constituio nacional.
As relaes entre o direito constitucional e o direito comunitrio implicam
mudana do paradigma constitucional, pois a Constituio de centro da ordem
jurdica aplicada no espao nacional passa a apresentar-se como centro
unicamente da ordem nacional, mas no da ordem comunitria aplicada no
territrio nacional. E o juiz juiz, ao mesmo tempo, da ordem nacional e da ordem
comunitria, reportando-se aos tribunais superiores do Estado nacional ou,
eventualmente, ao Tribunal de Luxemburgo no que diz respeito ordem
comunitria. evidente que essa questo envolve problemas de legitimao da
ordem comunitria, construda no por rgos representativos (o problema da
exigncia democrtica), mas por rgos que tiram a sua legitimidade dos rgos
representativos dos Estados. Tambm gera problema a questo da tenso entre o
direito constitucional e o direito comunitrio, o que implica, eventualmente, a
deslegitimao da Constituio nacional. A crtica ao direito dos burocratas de
Bruxelas (direito comunitrio) se d, em geral, em decorrncia desse sentimento.
De qualquer modo, a Unio Europia avana, agora com a aprovao da
assim chamada Constituio Europia. Mas Constituio sem Estado? Ora, no
h um Estado da Unio Europia! Constituio de uma Federao de Estados?
Mas no se trata de um Estado Federal. Constituio sem soberania? A soberania
dos Estados Nacionais e no da Unio Europia. Constituio sem povo?
Porque o povo o povo dos Estados nacionais, embora, desde o Tratado de
Maastricht de 1992, j seja possvel falar de uma incipiente cidadania europia
tambm - que no substitui a cidadania nacional, mas a ela se soma. Constituio
sem Assemblia Constituinte, elaborada por uma Conveno que depois haver
de passar pelo crivo dos Estados nacionais? Constituio elaborada como um
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tratado internacional? A novidade desconcerta, transtorna, perturba, gera
polmica.
O direito constitucional europeu quebra paradigmas. A Europa de hoje
poder influenciar a experincia futura de outros povos. De qualquer modo, se
certo que a experincia europia e o projeto de Constituio votado pela
Conveno (tendo como principal artfice o Senhor Giscard dEstaing) devem ser
conhecidos, no menos certo que essas experincias no podem ser
transplantadas, sem mais, para o continente americano, inclusive porque no foi,
mesmo no contexto da nova Constituio, resolvido o problema do dficit
democrtico do direito comunitrio europeu.
Temos imensos problemas a superar no Brasil. Desde a viso pacificada no
seio do Supremo Tribunal Federal - a partir do julgamento do RE 80.004
segundo a qual o direito internacional encontra-se em situao de paridade com o
direito ordinrio federal, implicando a possibilidade de afastamento da execuo
de tratado em territrio nacional em decorrncia de lei federal posterior, ou mesmo
de lei anterior acaso especial (entendimento que se aplica, inclusive, a teor da
jurisprudncia dessa Alta Corte, aos tratados internacionais relativos aos direitos
humanos, no obstante o disposto do artigo 5 2 da Constituio), at a
dificuldade de aceitao de um direito da integrao que possa alcanar a
consistncia de um direito comunitrio, em que pese o especificado no pargrafo
nico do artigo 4 da Constituio, segundo o qual a Repblica Federativa do
Brasil buscar integrao econmica, poltica, social e cultural dos povos da
Amrica Latina visando formao de uma comunidade latino-americana de
naes.
A Constituio brasileira, ao que parece, exceto radical mutao da
compreenso de seus termos, no d mostras de tolerar sua transformao em
centro de uma ordem jurdica meramente parcial. Ela reivindica a condio de
centro de uma ordem jurdica total.
A delegao do exerccio de competncias inerentes soberania a uma
entidade supranacional, em que pesem os argumentos de notveis juristas
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brasileiros, no parece to claramente defensvel a partir de uma primeira leitura
da Constituio Federal. De qualquer forma, se possvel do ponto de vista
normativo, ento importa alterar a percepo do Supremo Tribunal Federal a
respeito do assunto, j que este vem exigindo, mesmo quanto aos atos normativos
do Mercosul, um mecanismo de internalizao do direito internacional. E por isso,
a questo desafia debate, podendo eventualmente exigir reforma constitucional.
Espera-se, neste caso, entretanto, que o aprofundamento do Mercosul oferea
resposta ao problema ainda no resolvido, no stio da Unio Europia, envolvendo
o criticvel dficit democrtico do direito comunitrio.
7. CONCLUSO
Convm concluir. Viu-se que o direito constitucional brasileiro passa por
momentos de transformao que exigem um repensar dos juristas. Novos
paradigmas esto a produzir um renovado direito constitucional e nesse ponto h
muito que se fazer. Participemos, ento, da empreitada sem, contudo, abandonar
a idia de que a Constituio feita para o ser humano. Da a razo pela qual
podemos mudar, mas mudar para melhor alcanar as promessas constitucionais,
especialmente aquelas fundadas na dignidade da pessoa humana e no objetivo
permanente que deve ser uma obsesso dos professores e estudantes de direito,
dos doutrinadores e dos constitucionalistas: construir uma sociedade livre, justa e
solidria.