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AVALIAÇÃO DE QUALIDADE, REABILITAÇÃO ESTRUTURAL E TRANSFORMAÇÃO FUNCIONAL: O CASO DO “ORIZZONTE SELF LIVING”, ANTIGO “NOVOTEL NITERÓI” Por: Ivan Ramalho de Almeida Professor Dr., Titular de Materiais de Construção, Departamento de Engenharia Civil Universidade Federal Fluminense - Niterói [email protected] Regina Helena Ferreira de Souza Professora Dra., Titular de Estruturas, Departamento de Engenharia Civil Universidade Federal Fluminense e Universidade do Estado do Rio de Janeiro [email protected] César da Silva Pinto Professor Mestre, Adjunto de Estruturas, Departamento de Engenharia Civil Universidade Federal Fluminense e Diretor da CSP Projetos e Consultoria S/C [email protected] Texto publicado nos Anais em CD-ROM do Congresso Construção 2007 - 3º Congresso Nacional, realizado de 17 a 19 de Dezembro na Universidade de Coimbra, Coimbra (Portugal), 15 p.

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AVALIAÇÃO DE QUALIDADE, REABILITAÇÃO ESTRUTURAL E

TRANSFORMAÇÃO FUNCIONAL: O CASO DO “ORIZZONTE

SELF LIVING”, ANTIGO “NOVOTEL NITERÓI”

Por:

Ivan Ramalho de Almeida

Professor Dr., Titular de Materiais de Construção, Departamento de Engenharia Civil

Universidade Federal Fluminense - Niterói

[email protected]

Regina Helena Ferreira de Souza Professora Dra., Titular de Estruturas, Departamento de Engenharia Civil

Universidade Federal Fluminense e Universidade do Estado do Rio de Janeiro

[email protected]

César da Silva Pinto Professor Mestre, Adjunto de Estruturas, Departamento de Engenharia Civil

Universidade Federal Fluminense e Diretor da CSP Projetos e Consultoria S/C

[email protected]

Texto publicado nos Anais em CD-ROM do Congresso Construção 2007 - 3º

Congresso Nacional, realizado de 17 a 19 de Dezembro na Universidade de

Coimbra, Coimbra (Portugal), 15 p.

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Congresso Construção 2007 - 3.º Congresso Nacional 17 a 19 de Dezembro, Coimbra, Portugal

Universidade de Coimbra

AVALIAÇÃO DE QUALIDADE, REABILITAÇÃO ESTRUTURAL E TRANSFORMAÇÃO FUNCIONAL: O CASO DO “ORIZZONTE

SELF LIVING”, ANTIGO “NOVOTEL NITERÓI”

Ivan Ramalho de Almeida, Regina Helena F. de Souza, e César da Silva Pinto

Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal Fluminense e Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e CSP Projetos e Consultoria S/C

[email protected], [email protected], e [email protected]

Resumo O trabalho apresenta os testes e resultados da avaliação feita na estrutura do prédio do antigo Novotel de Niterói. Trata-se de uma obra de grande visibilidade, conhecida pela maioria da população, situada na orla marítima da Baía de Guanabara, entre o centro da cidade e o bairro de Icaraí. Depois de funcionar como hotel convencional por cerca de 12 anos, a edificação foi abandonada por 18 anos, até que duas construtoras iniciaram obras de adaptação para funcionamento como apart-hotel, no empreendimento denominado “Orizzonte Self Living”. Antes do início das obras, contudo, houve necessidade de se realizar uma inspeção completa, para avaliação do estado real da estrutura existente, pois a obra se situa em meio ambiente agressivo. Com este objetivo, e após uma detalhada inspeção visual, foram selecionados diversos pontos da estrutura, onde foram realizadas as determinações de profundidade de carbonatação, perfil de penetração de cloretos, espessura do concreto de cobrimento das armaduras, índice esclerométrico e resistência à compressão. O detalhamento da metodologia de inspeção, dos ensaios realizados e a análise dos resultados obtidos constituem o corpo do texto. Palavras-chave: análise estrutural, inspeção, reabilitação, edificação, ensaios. 1 Introdução O antigo Novotel de Niterói é uma edificação de grande visibilidade, referência arquitetônica na cidade, conhecida pela maioria da população. Com arquitetura assemelhada à de uma pirâmide asteca, situa-se na orla marítima da Baía de Guanabara, entre o centro e o bairro de Icaraí, uma região bastante valorizada da cidade, sobre um platô com cerca e 30 m de altura, a 50m do mar, em linha reta inclinada.

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Figuras 1 e 2 - Localização da obra (folheto promocional e Google Earth).

Em um local calmo e tradicional, de frente para o Forte do Gragoatá, com uma vista inigualável da linda paisagem da Baía de Guanabara, o bairro do Gragoatá encontra-se em um corredor integrado que liga outros bairros, como Ingá, Boa Viagem (praia), Icaraí (praia) e Centro. Fica próximo, por um lado, do Museu de Arte Contemporânea e por outro, do Caminho Niemeyer, obras desse arquiteto de renome internacional, que têm em Niterói seu segundo maior conjunto (perde em quantidade apenas para Brasília). Figura 3 - Fotografia da Baía de Guanabara e da cidade do Rio de Janeiro, vistas do empreendimento -

inclusive o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar (folheto promocional).

Com projeto arquitetônico ousado, elaborado pelos arquitetos Luiz Carlos Antony e Fernando Pereira da Silva e cálculo estrutural da Projest Projetos Estruturais, o prédio foi construído pela Construtora Sisal em meados da década de 70(1) para o Governo do Estado (na época, seria um hotel-escola). Em seguida foi arrendado pela rede francesa Novotel e, posteriormente, por outra rede hoteleira, passando a chamar-se Hotel Bucsky Mar. Assim, após 12 anos de funcionamento como hotel convencional, a edificação foi abandonada e depredada por cerca de 18 anos, até o final de 2004, quando, vislumbrando seu potencial de uso, um (1) As datas das plantas de forma originais variam de abril a junho de 1974.

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grupo de empreendedores realizou um detalhado estudo de mercado, que apontou sua nova vocação - um edifício residencial com serviços.

Figura 4 - Ilustração de como ficaria o prédio depois de adaptado para moradia (folheto promocional). No início de 2005 duas construtoras iniciaram então as obras de adaptação da estrutura abandonada do hotel para funcionamento como moradia, no empreendimento denominado “Orizzonte Self Living”. A notícia do reaproveitamento do edifício teve, na época, destaque na imprensa diária nacional [1] e, mais recentemente, depois da obra pronta, na literatura técnica especializada [2].

Figuras 5, 6 e 7 - Fotografia da estrutura abandonada [2], do prédio em obras e recorte de jornal saudando o início da recuperação [1].

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2 O empreendimento As construtoras que conduziram a empreitada foram a Scon Construção e a Rossi Incorporação e Construção. A primeira era, à época, uma empresa local de pequeno/médio porte, enquanto a segunda era uma construtora de médio/grande porte, proveniente de São Paulo, mas que já ocupava um dos 10 primeiros lugares no “ranking” da construção imobiliária do Rio de Janeiro, com mais de 30.000 metros quadrados de área construída em 2003, pelo levantamento de outubro de 2004 [3]. Construído para abrigar um hotel com 180 quartos, o prédio teve seu layout(2) totalmente reformulado, para abrigar 139 unidades residenciais com áreas variáveis - apartamentos confortáveis e sofisticados, direcionados para pessoas com diversos estilos de vida. O público alvo era composto principalmente por casais sem filhos e indivíduos solteiros, com o perfil dos executivos do setor de construção naval offshore, atividade então em retomada de desenvolvimento na cidade. Segundo os folhetos promocionais de venda, as unidades foram definidas com 4 padrões de tamanho, de aproximadamente 46, 57, 67 e 109 m2, todas do tipo loft, com quarto, sala, cozinha, banheiro e varanda. Para cuidar das necessidades dos moradores, sem que tivessem de sair do condomínio, foi contratada uma empresa experiente em administração de imóveis com serviços, para disponibilizar desde pequenos consertos, arrumação dos apartamentos e serviços de lavanderia e personal trainer, até a compra de entradas para cinema e teatro. Em termos de serviços básicos, o “Orizzonte” disporia de recepção 24h, central de delivery e receiving, acesso de pessoas e veículos controlado por guarita, segurança 24h com CFTV (circuito fechado de televisão monitorado por computador, podendo ser acessado remotamente pela Internet ou telefone celular) e sistema interno de telefonia. Como serviços opcionais, no sistema pay-per-use, estariam disponíveis governança, serviços de limpeza, central de reparos e manutenção, lavanderia (posto de coleta), coffee shop, e concierge. Haveria ainda investimento em tecnologias que à época não eram comuns em imóveis residenciais, como acesso à internet em banda larga, intranet em todas as unidades e acesso à rede sem fio do tipo “WI-FI”, que, segundo o material de propaganda, “permite ao usuário fazer da piscina do prédio o seu escritório, utilizando laptop conectado à internet e tendo como inspiração a belíssima Baía de Guanabara”. Para realizar suas reuniões sem sair do prédio, o “Orizzonte” contaria ainda com um prático home office no 2° pavimento - “tudo para deixar a vida mais fácil”. Em termos de lazer, a infra-estrutura do empreendimento contaria com bar panorâmico, “espaço gourmet” para um jantar exclusivo e um home cinema para uma sessão privada de cinema, além de quadra de tênis, fitness center equipado, churrasqueira, piscina com deck molhado e “prainha”, piscina infantil, sauna a vapor, hidromassagem, sala de repouso com banho turco e sala de massagem. A título de informação, deve-se mencionar que os empreendedores cumpriram o prometido e que atualmente todos esses serviços encontram-se em pleno funcionamento.

Figura 8 - Ilustração da área da piscina e bar panorâmico (folheto promocional).

(2) Os termos grafados em itálico são, na maior parte das vezes, os utilizados nos folhetos promocionais de venda das

unidades do empreendimento.

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3 Aspectos arquitetônicos A edificação, com 17.375 m2 de área construída, foi implantada em um terreno de 12.239 m2.

Figura 9 - Plantas da obra [2].

Sua transformação constituiu um desafio, devido às características da estrutura de concreto aparente (sem revestimento), ao desenho escalonado e a elementos arquitetônicos como varandas e jardineiras, que, em alguns casos, tiveram de ser transformadas, e em outros, eliminadas. Novas esquadrias e tipos de vidro modernizaram o aspecto visual da fachada. O escritório STA Arquitetura foi o responsável pelo projeto de retrofit. O desafio da proposta foi converter a maior parcela possível da edificação em apartamentos para venda, já que na altura da construção original, não era comum a terceirização de atividades complementares, e os hotéis eram dimensionados como unidades produtoras, com amplos setores de serviços. Seguindo os conceitos arquitetônicos e as características das obras públicas daquela época, a estrutura do edifício era de concreto armado aparente, com grandes vãos livres, pilares e vigas, além de trechos de parede também de concreto. Esta última característica dificultou a adaptação, tanto na recompartimentação dos espaços como na distribuição das instalações. Além da excessiva profundidade e pequena frente, as unidades apresentavam, junto à fachada, um extenso trecho de parede divisória em concreto estrutural, interligado à circulação central por vigas de elevada altura. Isso prejudicava a junção dos antigos quartos e a criação de continuidade espacial entre eles. Nos andares, a ampla área de governança era de difícil acesso; a fachada, compartimentada por brises verticais de concreto estrutural, também teve de ser modificada.

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Os andares escalonados, que deram à edificação a forma semelhante a uma pirâmide, também dificultaram o desenvolvimento do projeto de adaptação. A solução foi transformar cada três quartos do antigo hotel em duas unidades habitacionais. Nas varandas, a planta de base quadrada era originalmente dividida na diagonal por uma viga, criando dois trechos triangulares, um da sacada propriamente dita e outro, junto à fachada, conformando uma jardineira. A maioria das vigas não estruturais foi retirada, enquanto as estruturais tiveram a parte superior cortada, obrigando a criação de desníveis e escalonamentos no piso, que ocorreram também nos terraços. A eliminação das jardineiras e a instalação dos guarda-corpos diretamente na fachada produziram uma nova imagem, valorizando a seqüência volumétrica das varandas e a bela vista do local. O resultado foi enfatizado pela adoção de vidros refletivos de tom dourado e nova caixilharia, já que a original foi substituída por novos sistemas - janelas e portas de correr, janelas “maxim-ar” e bay windows [2]. 4 Aspectos estruturais Dado o porte imponente, a beleza, a modernidade, a ousadia e o padrão luxuoso do empreendimento, houve necessidade de se garantir a resistência, a segurança e a durabilidade da edificação. Antes do início das obras, foi, portanto, imperativa a realização de uma inspeção completa, para avaliação do estado real da estrutura existente e, por conseguinte, da maior ou menor necessidade de intervenção. 4.1 Levantamento da história do edifício e do seu estado de conservação Além dos dados já apresentados, foram obtidas as informações de que o prédio não havia sofrido nenhum tipo de recuperação e que, pelo período em que esteve desativado, não recebeu nenhuma espécie de inspeção ou manutenção. Pelas normas vigentes na época do projeto, o concreto especificado para a obra deveria ter resistência característica à compressão (fck) de 15 MPa, com teor de cimento de 350 kg/m3 e confeccionado com cimento portland comum (atual CP I). O projeto estrutural original é de autoria da Projest Projetos Estruturais, e foi possível sua recuperação, visualização e análise a partir de cópias em microfilmes, que foram digitalizadas em arquivos eletrônicos de imagem. O cálculo estrutural foi analisado para mapeamento dos problemas e detecção de possíveis erros de concepção ou de detalhamento que possam ter causado os danos, e também para orientar as vistorias in loco. Além disso, considerou-se importante determinar qual o tipo da nova estrutura, suas condições de funcionamento e o grau de agressividade do meio ambiente em que estará inserida, já que 3 de suas 4 fachadas ficam voltadas para a Baía de Guanabara, recebendo diretamente o vento, a umidade e a maresia daí provenientes [4]. Pelas condições de exposição a um macro-clima marinho, a versão atual da norma brasileira de projeto de estruturas de concreto, a NBR 6118/2003 [5] situa a classe de agressividade ambiental do local como “forte”, equivalente a um risco “grande” de deterioração da estrutura. Por conta disso, para o projeto de novos componentes e elementos estruturais de concreto armado, impõe uma relação água/aglomerante em massa inferior a 0,55 e uma classe de resistência superior a C30. O cobrimento nominal da armadura deve ser de no mínimo 35 mm nas lajes e de 40 mm nas vigas e pilares. 4.2 Inspeção visual A etapa seguinte à coleta de dados, a inspeção visual, foi realizada em vistoria do local, para exame e estimativa das conseqüências dos danos. Os elementos danificados foram fotografados, tanto a título de caracterização quanto para dar uma visão geral do nível de comprometimento estrutural e ainda para possibilitar uma análise global da situação, que permitisse a implementação das medidas corretivas adequadas.

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Figura 10 - Topografia da região e posicionamento da obra em relação ao mar (fotografia tirada a partir do vão central da Ponte Rio-Niterói).

Logo de início percebeu-se que as partes mais seriamente deterioradas foram os pés dos pilares do pavimento térreo. Por serem pilares de grande dimensão e altura, este fato pode ser atribuído ao provável lançamento de concreto de altura superior à adequada, que causa segregação e maior concentração dos agregados (os chamados "ninhos" de concretagem) na base destas peças [4].

Figuras 11, 12 e 13 - Corrosão no “pé” de pilares do pavimento térreo. Foi observado também que o vigamento externo, voltado para a Baía de Guanabara, em especial algumas vigas de varanda (que funcionavam originalmente como jardineiras) já apresentavam alguns trechos de armadura corroídos, muito provavelmente devido à espessura insuficiente do concreto de cobrimento [4]. Foram observados ainda pontos de corrosão em fundos de lajes, sendo sua freqüência maior próximo à junta de dilatação, devido à percolação de água, e próximo às furações por onde passavam as instalações hidráulicas e de esgoto originais. As tubulações utilizadas na época de construção eram de ferro fundido e a sua deterioração certamente agravou o processo de corrosão ali instalado [4]. De uma maneira geral, ao término da inspeção visual, foi possível concluir que os danos aparentes mais graves ocorridos na estrutura foram devidos a erros de execução, tais como falhas no adensamento do concreto (que o tornaram poroso e permeável), ausência de espaçadores de armadura

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e falhas na execução das formas e/ou no posicionamento das armaduras, que geraram cobrimentos inadequados tanto do ponto de vista da espessura quanto da permeabilidade.

Figuras 14 e 15 - Armaduras expostas em vigamento externo e

corrosão na laje, perto de junta de dilatação. Outra questão observada foi a ausência de manutenção por tantos anos, que geraram danos à impermeabilização e às juntas de dilatação, e permitiram a percolação de água pela estrutura [4]. Como, para adequação da estrutura existente ao novo projeto de arquitetura, foi necessário realizar algumas demolições localizadas, a inspeção visual desse material revelou a existência de armaduras com menos de 5 mm de cobrimento, sem nenhum sinal de corrosão, conforme pode ser visualizado na figura a seguir. Foram encontradas ainda diversos trechos de armaduras intactas, que não sofreram ataque corrosivo do meio ambiente [4].

Figuras 16 e 17 - Medida do cobrimento da armadura em pedaço demolido da estrutura e

armadura de trecho de viga demolida, sem nenhum sinal de corrosão.

Em termos genéricos, a inspeção visual dos pedaços de estrutura demolida permitiu observar que o concreto das vigas foi bem executado - denso, compacto e com pouca porosidade visível – com agregados graúdos aparentemente do tipo gnaisse (comum na região) granulometricamente bem distribuídos (britas 2 e 1), agregado miúdo natural e com quantidade de pasta de cimento adequada à situação.Embora com exceções, em geral essas partes demolidas da estrutura apresentavam o cobrimento mínimo projetado de 15 mm, de acordo com as normas da época. 4.3 Ensaios realizados Na maioria dos casos de avaliação da capacidade resistente de uma estrutura, além da análise dos dados dos projetos e da inspeção visual, são necessários ensaios e análises complementares dos materiais e da própria estrutura, para a determinação da causa da degradação, para a quantificação dos

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danos e para complementação das informações anteriormente obtidas. Com este objetivo e para avaliar a ação dos agentes agressivos na estrutura de concreto aparente – maresia, vento, chuva, sol – em pontos diversos do prédio, foram identificadas as regiões que melhor representassem a obra como um todo - as áreas prioritárias de ensaio e coleta de amostras de concreto da estrutura. Imaginando-se que a projeção no terreno dos pavimentos da edificação seja formada por retângulos superpostos, foram selecionados pilares situados nas regiões dos vértices e da metade das arestas maiores desses retângulos (nas proximidades da junta de dilatação), tais como indicadas na figura 18. Em elevação, foram selecionados 3 níveis: o do primeiro (térreo), terceiro e sétimo pavimentos. Foi decidido ainda que inicialmente seriam analisados 26 pontos, resultando em uma média de 8 pontos por pavimento.

Figura 18 - Áreas de localização dos pontos de coleta de amostras do concreto. 4.3.1 Espessura de cobrimento das armaduras Inicialmente foi necessário identificar a posição das armaduras, de modo que as extrações de pó e testemunhos do concreto não as afetassem. Para tanto utilizou-se um aparelho eletromagnético, do tipo pacômetro. Identificadas e marcadas nos pilares as posições das armaduras, o passo seguinte foi a perfuração do concreto com furadeira elétrica até o aço, para a medida da espessura de cobrimento com um paquímetro digital. Os resultados obtidos estão na Tabela 1.

Figuras 19 e 20 - Identificação da posição das armaduras.

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Tabela 1: Espessura de cobrimento das armaduras, resistência à compressão medida, profundidade de carbonatação dos testemunhos e resistência à compressão estimada do concreto da estrutura.

Local de extração Nível - pavimento

Cobrimen-to (mm)

Resistência à compressão

medida (MPa)

Profundidade máxima de car- bonatação (mm)

Resistência à compressão es-timada (MPa)

P10 - face externa 1º - - - 38,3 P02 - face externa 1º 16 30,1 28 37,3 P37 - face interna 1º - - - 41,0

P16 - face lateral esquerda 1º - - - 48,9 P37 - face lateral direita 1º - - - 42,6

P37 - frente 1º - 44,5 24 43,7 P45 1º 30 47,2 0 39,4 P15 1º 40 - - 40,7 P46 1º 27 - - 43,3 P48 1º 13 45,9 30 37,4 P38 3º 11 33,5 24 43,7 P05 3º 24 - - 45,4 P41 3º 5 - - - P10 3º 4 40,4 -* - P46 3º 27 - - - P13 3º 9 36,3 14 -

P55A - face lateral (mar) 7º 17 - - - P44 7º 21 39,5 0 -

P242 - face interna 7º 14 - - - P10 - face interna 7º 22 28,2 0 -

P264 - face externa 7º 15 - - 40,6 P40 - face externa 7º 18 - - - P40 - face lateral 7º 13 50,2 0 - P40 - face interna 7º 23 - - - P7 - face externa 7º 31 - - -

P7 - frente 7º 15 - - - * Obs: Por uma razão qualquer, que se perdeu no tempo, este testemunho não foi submetido à realização do ensaio logo após a extração, tendo sido então desconsiderado para efeito de medida da profundidade de carbonatação.

A análise desses dados permite observar que, conforme já havia sido constatado na inspeção visual, as espessuras de cobrimento variaram bastante (de 4 a 40 mm), provavelmente devido ao não uso de espaçadores de armadura. A terça parte desses valores de cobrimento não atende à norma da época, enquanto nenhum deles atende à norma atual. 4.3.2 Perfil de penetração de cloretos A determinação do teor de cloretos de uma amostra de concreto com o objetivo de estimar o estado de corrosão das armaduras geralmente é realizada em laboratório químico, a partir de pedaços (ou fatias) de testemunhos. Outra maneira de se coletar material para análise, ainda não regulamentado por normas, é a obtenção do pó oriundo de furos consecutivos realizados em profundidades crescentes da estrutura. Para tanto, efetuam-se de 4 a 6 furos, próximos um do outro, com furadeira, extraindo-se pelo menos 1g de pó por amostra. Geralmente inicia-se a furação com 0,3 cm de profundidade, sem a

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coleta do pó, de modo a estabilizar a posição da furadeira. Posteriormente, aprofunda-se o furo, coletando o pó de 5 em 5 mm, até atingir a profundidade aproximada de 25 a 30 mm. Plotando-se em um gráfico o teor de cloretos de cada amostra contra a profundidade de extração, determina-se o perfil de penetração de cloretos na estrutura [4]. No caso, a coleta de amostras foi realizada com furadeira elétrica e dispositivo plástico de retenção de pó, nos 26 pontos pré-selecionados. Foram realizados três furos por ponto de coleta (em alguns pilares foi analisada mais de uma face) num total de 78 furos, de cada um dos quais foram recolhidas 5 amostras de pó, retiradas nas 5 profundidades pré-estabelecidas de 5, 10, 15, 20 e 25 mm. O pó coletado nos 3 furos em cada profundidade foi reunido, de modo a constituir uma amostra, o que forneceu um conjunto de 130 amostras. Os pontos onde houve coleta de amostras são os da Tabela 1. Em todos os casos, assim como a determinação da espessura de cobrimento, os furos para a recolha de amostras dos ensaios de penetração de cloretos foram realizados à meia altura dos pilares, entre os dias 17/2 e 05/03/2005. As amostras foram ensaiadas pela empresa Holcim, segundo o Método Analítico de Potenciometria, usualmente empregado na determinação do teor de cloretos de amostras de cimento. Os resultados obtidos foram todos nulos para a presença de cloretos nas amostras de concreto. Assim, apesar do fato não permitir análises comparativas entre pontos da estrutura, foi considerado como um bom indicativo da qualidade do concreto e da integridade das armaduras.

Figuras 21, 22 e 23 - Coleta do pó e equipamento utilizado. 4.3.3 Resistência do concreto à compressão A extração de testemunhos é um método de avaliação de estruturas de concreto dos mais completos, já que permite avaliar diversas propriedades físicas do material, servindo também para a realização de ensaios químicos. No caso, a resistência à compressão do concreto foi medida em testemunhos extraídos por sondagem rotativa refrigerada à água com broca de coroa diamantada do tipo copo, de diâmetro externo de 3 polegadas. Os testemunhos cilíndricos foram obtidos em 21 e 22/03/05, com diâmetros de 7,3 cm e comprimentos variáveis entre 9 e 15 cm depois de acabados e preparados para o rompimento, que ocorreu em 04/04/05. Durante a extração tomou-se cuidado para evitar a interferência das armaduras (o que nem sempre foi possível). Entre os pontos anteriormente utilizados para coleta de amostras, foram escolhidos dez: quatro pilares no 1° pavimento, três pilares no 3° pavimento e três pilares no 7° pavimento, em diferentes fachadas.

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Para a determinação da resistência à compressão dos testemunhos, foram consideradas as recomendações da norma brasileira NBR 7680 [6] no que diz respeito à aplicação dos fatores de correção da relação h/d e da presença de barras de armaduras (sempre que necessário), já que verificou-se a presença de armaduras perpendiculares aos eixos em três testemunhos, mas estas foram desconsideradas, pois as áreas das seções transversais dessas barras eram inferiores à área da seção transversal de concreto dos testemunhos.

Figura 24 - Extração de testemunhos O processo foi todo realizado pela empresa Curi Engenharia, que apresentou no seu laudo os resultados constantes da Tabela 1. O resultado da resistência à compressão após o rompimento dos testemunhos (entre 28 e 50 MPa), revelou portanto uma variação ampla, típica de concretos produzidos na própria obra, em betoneiras estacionárias e com os agregados dosados em volume, práticas essas comuns à época. Apesar disso a qualidade do concreto foi avaliada como muito boa, mesmo considerando-se a idade da estrutura. Verifica-se também que, em todos os casos, o concreto apresentou resistências superiores à característica exigida pelo projeto original, e ainda que, com uma única exceção, atenderia às condições exigidas pela atual versão da norma brasileira de projeto estrutural. 4.3.4 Profundidade de carbonatação É uma determinação realizada geralmente com o objetivo de avaliar o potencial alcalino do concreto e, a partir daí, estimar-se o estado de corrosão das armaduras, já que a carbonatação reduz o pH do concreto, provocando a despassivação do aço. A determinação da profundidade de carbonatação realizada na obra atendeu ao método prescrito pela RILEM, recomendação CPC 18 [7], com aspersão de uma solução de fenolftaleína nos corpos de prova recém extraídos para o ensaio de compressão. As medidas também foram realizadas diretamente nas faces exteriores dos testemunhos, imediatamente após a aspersão do reagente.(3)

De modo geral, as frentes de carbonatação apresentaram-se de forma irregular nas amostras ensaiadas e, por isso, foi adotada a profundidade máxima de carbonatação medida em cada um dos testemunhos, conforme a Tabela 1.

(3) Sabe-se que o ideal seria abrir os testemunhos por compressão diametral, para expor novas superfícies de concreto, que

receberiam então a aspersão da fenolftaleína; no caso, porém, isso não foi possível, dado que os testemunhos foram

posteriormente destinados ao ensaio de compressão.

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Figuras 25, 26 e 27 - Corpos de prova após aspersão de solução de fenolftaleína. Na foto central, carbonatação nula; na fotografia da direita nota-se a presença de corrosão superficial

em barras de aço localizadas na região carbonatada. Das amostras ensaiadas verifica-se então que a profundidade de carbonatação variou consideravelmente, entre 0 e 30 mm. Devido à pequena amostragem disponível e à essa dispersão de resultados, é difícil avaliar com precisão os motivos que levaram o concreto a apresentar este tipo de comportamento. Pelas mesmas razões, não se conseguiu correlacionar a carbonatação com a resistência à compressão do concreto nem com a localização das amostras. Deve ser considerado positivamente, porém, o fato de que quase metade dos testemunhos ensaiados apresentou carbonatação nula (ou melhor, apresentou carbonatação apenas superficial). 4.3.5 Determinação do índice esclerométrico Foi empregada com o objetivo de aprimorar a estimativa da resistência à compressão do concreto da estrutura, aumentando o número de pontos de amostragem, sem que houvesse necessidade de realizar um grande número de extrações de testemunhos. As vantagens do ensaio de esclerometria são o baixo custo, a simplicidade e a rapidez de execução. Os ensaios foram realizados segundo a norma brasileira NBR 7584 [8], semelhante a outras normas, como a ASTM C 805 e a BS 1881 Part 202. A intenção inicial era de medir os índices esclerométricos nos mesmos pontos onde haveria extração e rompimento dos testemunhos, de modo a calibrar a curva real de correlação entre estes índices e a resistência à compressão do concreto. Entretanto, a esclerometria, em alguns casos, apresentou resultados com dispersão superior à recomendada pela norma, e não foi possível refazê-la, já que a dinâmica da obra fez com que diversos desses pontos já estivessem cobertos pelo revestimento quando da nova tentativa. Ainda assim foram realizadas em 9 determinações em cada um dos 13 pontos apresentados na Tabela 1, que inclui ainda as resistências à compressão estimadas pelo ábaco fornecido com o esclerômetro, a partir da média dos índices esclerométricos determinados em cada ponto. Verifica-se então que as resistências à compressão estimadas do concreto da estrutura também são variáveis (entre 37 e 49 MPa) - embora em intervalo menor do que o das resistências medidas - e apresentaram valores superiores tanto da resistência especificada na época do projeto quanto da mínima requerida pela versão atual da norma brasileira de projeto.

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Ivan Ramalho de Almeida, Regina Helena F. de Souza, e César da Silva Pinto

5 Análise global dos resultados obtidos No caso, como diagnóstico da situação, com base no conjunto de informações coletadas, foi possível afirmar-se que, após mais de trinta anos de exposição sem nenhuma manutenção, o estado geral de conservação da estrutura pode ser considerado bom. Em termos físicos o concreto possuía resistência adequada à situação e em termos químicos, em muitos casos, verificou-se a completa ausência de cloretos e de material carbonatado. Do ponto de vista das armaduras, apesar de na maior parte dos casos encontrar-se insuficientemente protegida pelo concreto de cobrimento (à luz da norma presentemente em vigor), em elementos demolidos foram encontradas armaduras com apenas 5 mm de cobrimento, sem nenhum sinal de corrosão. As áreas em que se instalou o processo de corrosão das armaduras geralmente ocorreram onde a armadura ficou na superfície das peças estruturais ou até exposta, seja por falha de execução ou falta de manutenção. Assim sendo, considerou-se que, do ponto de vista dos materiais, a estrutura necessitava apenas de reparos localizados e de proteção por revestimento de boa qualidade, para suportar outros tantos anos de vida útil.

Figura 28 - Fotografia da obra pronta (folheto promocional). 6 Definição de conduta Com este objetivo, e com base nos resultados dos ensaios, foi realizada então uma verificação estrutural, que ficou a cargo da empresa CSP Projetos e Consultoria. Considerando-se que, com exceção de alguns problemas localizados, tanto o concreto quanto o aço da estrutura encontravam-se em bom estado, utilizou-se um programa comercial de análise estrutural por elementos finitos para avaliação das estabilidades local e global da estrutura. Esta análise revelou que a estrutura existente estava em conformidade com o novo projeto de utilização do prédio, havendo a necessidade de realizar apenas algumas adaptações ligeiras, nos locais onde houve alteração da arquitetura original.

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Congresso Construção 2007, 17 a 19 de Dezembro, Coimbra, Portugal

7 Observações finais Concluída em 2006, a obra foi toda realizada num período de 18 meses, e, além da parte estrutural, todas as instalações elétricas e hidráulicas existentes, assim como os acabamentos, caixilharia, guarda-corpos de vidro, etc., tiveram de ser refeitos, num investimento de 15 milhões de reais (à época, cerca de 5 milhões de euros). Do ponto de vista técnico, até o momento, tudo leva a crer que a iniciativa de recuperação, adaptação e reutilização de uma estrutura abandonada tenha sido muito bem sucedida, e que o empreendimento comportar-se-á, durante muitos anos, como qualquer outro que tivesse sido recém-construído. Agradecimentos Aos (à época) estudantes do Curso de Engenharia Civil da UFF e estagiários da empresa CSP Projetos e Consultoria S/C, Dora C. Pinto e Rodrigo L. Louzada pela campanha de coleta de amostras de concreto, à Scon, pelo fornecimento de infra-estrutura para a realização dos ensaios e de dados da obra, à Holcim pela análise do teor de cloretos e ao Laboratório de Materiais de Construção da UFF e à Profa. Lídia Shehata, pelo empréstimo de equipamentos utilizados nos ensaios. Referências

[1] Algo mais na paisagem do Gragoatá. O Globo - Caderno Morar Bem, Rio de Janeiro, 03/10/2004, p. 3.

[2] Gelinski, G. - Orizzonte Self Living, Niterói, RJ. FINESTRA, São Paulo, n° 48, Janeiro de 2007, p. 68-73.

[3] Ranking da Construção Imobiliária do Rio de Janeiro. TEM Construção, São Paulo, outubro de 2004, p. 7.

[4] Pinto, D.C. – Manual de Inspeção Estrutural. Projeto Final do Curso de Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense. Niterói, julho de 2005, 39p.

[5] ABNT - Norma brasileira NBR 6118:2003 - Projeto de estruturas de concreto – Procedimento. Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro, 2004, 221 p.

[6] ABNT – Norma brasileira NBR 7680:1983 - Concreto - Extração, Preparo e Ensaio de Testemunhos de Concreto. Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro, 1983, 8p.

[7] RILEM Recommendations CPC-18. Measurement of Hardened Concrete Carbonation Depth. Matériaux et Constructions, RILEM, Vol. 21, Nov/Dec. 1988, p. 453-455.

[8] ABNT – Norma brasileira NBR 7584:1995 – Concreto Endurecido – Avaliação da Dureza Superficial pelo Esclerômetro de Reflexão. Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro, 1995, 9p.

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