Construção de uma residência sobre grande bloco de rocha · sapata associada, que recebe a carga...

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713 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA Construção de uma residência sobre grande bloco de rocha Barata, F. E. Escola Politécnica da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Pereira Pinto, C. CEFET RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected] Resumo: O trabalho descreve os aspectos que nortearam a execução das fundações de uma residência familiar de dois pavimentos, numa encosta situada no Bairro do Jardim Botânico, na Cidade do Rio de Janeiro. O terreno apresenta algumas particularidades. Além de uma inclinação acentuada (cerca de 25º), grande parte da área onde a casa foi edificada é ocupada por um afloramento rochoso. Na verdade, trata-se de um grande bloco coluvionar, sobre o qual foram apoiadas quase todas as fundações da estrutura. Descrevem-se as avaliações do comportamento desse bloco e as técnicas empregadas para a execução das fundações, que exigiram cortes em rocha, aplicação de chumbadores, enchimentos, etc. Todo esse trabalho foi feito baseado num reconhecimento geológico-geotécnico da área e na observação das construções vizinhas. Não foram realizadas sondagens e ensaios específicos. Quanto à construção, foram empregados recursos técnicos relativamente simples, compatíveis com a disponibilidade do proprietário, sem prejuízo da segurança como um todo. Abstract: This paper describes the aspects concerning the foundations of a two-story house located on a hill in Jardim Botânico, Rio de Janeiro. The terrain presents some particularities. Besides a strong inclination (about 25º), most of the area where the house was built is occupied by rock. In fact, it is a large coluvionar block. Over this block all the foundations were constructed. This report presents the evaluation of the behavior of such block and the techniques applied to build the foundation, which demanded rock excavations, use of bolts and concrete backfill. This work was based on geological-geothecnical exploration and observation of the neighboring constructions. Borings and specific tests were not performed. Simple methods were applied in the construction, considering the financial availability of the owner, but preserving the security as a whole.

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Construção de uma residência sobre grande bloco derocha

Barata, F. E.Escola Politécnica da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Pereira Pinto, C.CEFET RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, [email protected]

Resumo: O trabalho descreve os aspectos que nortearam a execução das fundações de umaresidência familiar de dois pavimentos, numa encosta situada no Bairro do Jardim Botânico, naCidade do Rio de Janeiro. O terreno apresenta algumas particularidades. Além de uma inclinaçãoacentuada (cerca de 25º), grande parte da área onde a casa foi edificada é ocupada por umafloramento rochoso. Na verdade, trata-se de um grande bloco coluvionar, sobre o qual foramapoiadas quase todas as fundações da estrutura. Descrevem-se as avaliações do comportamentodesse bloco e as técnicas empregadas para a execução das fundações, que exigiram cortes emrocha, aplicação de chumbadores, enchimentos, etc. Todo esse trabalho foi feito baseado numreconhecimento geológico-geotécnico da área e na observação das construções vizinhas. Nãoforam realizadas sondagens e ensaios específicos. Quanto à construção, foram empregadosrecursos técnicos relativamente simples, compatíveis com a disponibilidade do proprietário, semprejuízo da segurança como um todo.

Abstract: This paper describes the aspects concerning the foundations of a two-story houselocated on a hill in Jardim Botânico, Rio de Janeiro. The terrain presents some particularities.Besides a strong inclination (about 25º), most of the area where the house was built is occupied byrock. In fact, it is a large coluvionar block. Over this block all the foundations were constructed.This report presents the evaluation of the behavior of such block and the techniques applied tobuild the foundation, which demanded rock excavations, use of bolts and concrete backfill. Thiswork was based on geological-geothecnical exploration and observation of the neighboringconstructions. Borings and specific tests were not performed. Simple methods were applied in theconstruction, considering the financial availability of the owner, but preserving the security as awhole.

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1. INTRODUÇÃO

Muito freqüentemente, as construções de resi-dências, prédios e edifícios ficam fortementecondicionadas às condições geotécnicas doterreno, por exigirem contenções e/ou funda-ções especiais, que podem apresentar um cus-to elevado, às vezes incompatível com o empre-endimento. Em resi-dências familiares, essacondicionante torna-se ainda mais crítica, poisnem sempre o proprietário dispõe de recursospara realizar a obra. Nesses casos oenvolvimento de um especialista costuma serdeterminante, na tomada de decisões quantoao que fazer, desde a fase de reconhecimentodo terreno até o detalhamento da obra.

Em 1999, os autores participaram de um pro-jeto de fundações de uma residência de 2 (dois)andares, localizada numa encosta na Cidade doRio de Janeiro, no bairro do Jardim Botânico. Oenvolvimento ocorreu em função da existênciade um grande bloco de rocha, justamente naárea prevista para implantação da construção.O interessado foi a ÁREAS Engenharia, empre-sa responsável pela construção.

Seria viável a construção? Que investiga-ções, cuidados e medidas deveriam ser toma-dos? O custo das obras eventualmente neces-sárias seria compa-tível com o orçamento inici-almente previsto? Essas as questões que osautores depararam. Vale lembrar que, quandoocorreu a consulta, o terreno já havia sido ad-quirido pelo proprietário e já existia um projetoda construção.

O trabalho apresenta as investigações reali-zadas e decisões tomadas. O projeto foi desen-volvido no sentido de minimizar intervenções,sem prejuízo da segurança da construção.

2. CARACTERÍSTICAS DO TERRENO

As figuras 1 e 2 ilustram o terreno em planta ecorte. O terreno, com 12 m de largura e 66 m de

extensão, localiza-se a montante da Rua Joa-quim Campos Porto e a jusante da Rua SaraVilela. Destacam-se a existência de diversos blo-cos de rocha (gnaisse) e um córrego canaliza-do, que corta o terreno transver-salmente.

Figura 1 – planta geral

A inclinação do terreno era da ordem de 15º,na parte inferior, e de 25º, aproximadamente, naparte superior.

Os blocos, em número de oito, apresenta-vam-se sãos e estáveis. Não havia evidênciasde movimentações recentes ou iminência defuturos movimentos. Isso decorria do fato deos blocos terem, em sua maioria, grande partede sua massa embutida no terreno, ou seja, es-tavam bem encaixados. Também não apresen-tavam trincas, fissuras nem superfícies angulo-sas.

A princípio, julgou-se tratar-se de blocosresiduais, porém, ao examinar a encosta como

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um todo, concluiu-se que esses blocos eramprovavelmente coluvionares, muito embora nãoaparentassem essa condição quanto à origem.Acrescente-se o fato de não existir, em área pró-xima, uma escarpa rochosa a montante.

A figura 3 mostra uma vista frontal dos blo-cos 1 e 2, sendo este o maior de todos. A figura4 ilustra os blocos 5 e 6, que ocupam parte doterreno vizinho, onde já havia uma construção.

A inspeção do terreno e áreas vizinhas per-mitiu concluir que não havia riscos de movi-

mentações em torno da área a ser construída.Além de não apresentar massas instáveis, o ter-reno encontrava-se com boa cobertura vegetal.

Quanto ao córrego, havia água permanente,pois tratava-se de uma drenagem das águas quedescem por um talvegue existente a montanteda rua Sara Vilela. Sua seção era de 2,2 m delargura por 20 cm de profundidade.

A posição dos blocos e suas dimensões,bem como a do córrego, foram obtidas por le-vantamento topográfico.

Figura 2 – perfil do terreno, na área da construção

Figura 3 – vista frontal dos blocos 1 e 2

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Figura 4 – Vista dos blocos 5 e 6, existentes a montantedo bloco 2

3. FUNDAÇÕES

De acordo com o projeto da residência, a maiorparte dos pilares veio a ficar sobre o bloco 2.Dessa forma, esse bloco, devido às suas di-mensões, forma, massa e rigidez, atuaria comouma única fundação, de modo semelhante a umasapata associada, que recebe a carga de diver-sos pilares. No caso, a carga total a ser transmi-tida era da ordem de 4.000 kN.

Um dos aspectos analisados dizia respeitoà segurança dessa solução, ou seja, se o bloco,como fundação de toda a construção, oferece-ria segurança satisfatória em relação à ruptura ese a magnitude dos recalques devidos ao pesoda construção seria compatível com a estruturaprojetada.

Conforme já comentado, o bloco encontra-va-se bem encaixado no terreno, não oferecendoriscos de deslocamentos, mesmo considerandoo acréscimo de carga devido aos pilares.

Não havia certeza quanto ao materialsubjacente ao bloco, que poderia ser um soloresidual ou o próprio embasamento rochoso. Ajulgar pelas características observadas no reco-nhecimento de superfície, o substrato deve apre-sentar boas condições de apoio para fundaçõessuperficiais.

Decidiu-se dispensar as sondagens, pois te-riam um custo elevado. No caso, seria necessá-ria a execução de pelo menos 2 (duas) sonda-gens rotativas, com vários metros de profundi-dade.

Estimou-se para o bloco em questão um vo-lume da ordem de 520 m3, o que correspondia aum peso aproximado de 15.000 kN, admitindo-seum peso específico de 28 kN/m3. Como a área decontato é da ordem de 80 m2, tem-se uma pres-são média transmitida ao terreno de 180 kN/m2.

O acréscimo de pressão, devido ao peso de4.000 kN da construção, representa um valor de50 kN/m2, considerado perfeitamente compatívelcom as características do terreno.

A verificação de recalques compreendeu umaestimativa de recalque imediato, admitindo-seduas possíveis situações: bloco assente sobresolo residual, com espessura de 2 m, e bloco as-sente diretamente sobre o maciço rochoso. Naprimeira hipótese, ter-se-ia um recalque da or-dem de 7 mm, valor de pequena magnitude, quenão representa qualquer problema para a estru-tura. Na segunda hipótese, o recalque, obvia-mente, seria desprezível.

Para o projeto e execução das fundações (sa-patas), foram definidos os seguintes parâmetros:

• Pressão admissível: 2.000 kPa;• Largura mínima das sapatas: 50 cm;• Profundidade mínima: 10 cm;• Emprego de chumbadores para os pilares

que ficassem sobre superfície muito in-clinada

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Figura 5 – detalhes construtivos das sapatas

As figuras 6 e 7 ilustram a parte inferior daresidência, em construção, destacando-se oapoio dos pilares na rocha.

Figura 6 – vista inferior da construção

Figura 7 – vista inferior

Onde foram empregados chumbadores, assapatas ficaram parcialmente projetadas acimada superfície do bloco.

Complementando a execução das fundações,recomendou-se a obturação do terreno que cir-cunda o grande bloco, por meio do lançamentode concreto ciclópico, evitando-se assim a infil-tração de água na região de contato do blococom o terreno.

A figura 8 mostra uma vista frontal da residên-cia já praticamente concluída. A figura 9 mostra aresidência na condição atual, em maio de 2005.

Figura 8 – vista frontal da construção, já pratica-men-te concluída (ano 2000)

Figura 9 – vista frontal da construção, maio de 2005As figuras 10, 11 e 12 ilustram a residência pronta, emmaio de 2005.

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Figura 10 – vista da parte inferior da residência, compilares apoiados sobre rocha

Figura 11 – vista do andar térreo, em maio de 2005.

Figura 12 – vista do córrego, junto ao bloco 5 e sob o

deck construído no andar térreo

4. ENCOSTA A MONTANTE

Os cuidados com o terreno, a montante da cons-trução restringiram-se ao córrego canalizado eaos demais blocos de rocha.

O córrego teve sua seção hidráulica amplia-da, por meio do alteamento de 30 cm nas late-rais. Esse cuidado objetivava diminuir o riscoda água transbordar e atingir a residência porocasião de uma chuva mais forte.

Para os blocos de rocha recomendou-se umaproteção com concreto ciclópico, aplicado emsua base, no contato no terreno, para protegê-los de uma eventual erosão. O concreto seriaaplicado em eventuais espaços vazios, a seremidentificados após a limpeza do terreno (figura13).

Recomendou-se também a plantação de ár-vores e arbustos a montante do córrego, comoproteção (obstáculo) adicional contra eventualmovimentação de algum bloco de rocha situa-do na região superior do terreno.

Figura 13 – proteção dos blocos de rocha

5. CONCLUSÕES

O trabalho apresenta os principais aspectosreferentes à construção de uma residência apoi-ada sobre um grande bloco de rocha.

Tratava-se de um caso bastante inusitadode construção em terreno de encosta natural.Na região da Guanabara, ocorrem com freqüên-cia encostas de morros apresentando muitosmatacões e blocos à superfície do talude. Osblocos, muitas vezes arredondados, podem tergrandes dimensões (10 m até 30 m de diâmetromédio). Isso ocorre, por exemplo, na EstradaGrajaú-Jacarepaguá, nas encos-tas em torno daLagoa Rodrigo de Freitas (face voltada para oNorte), Morro do Engenho Novo, etc.

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Mas dificilmente ocorre o caso, como o pre-sente, em que uma residência, de porte razoá-vel, é construída sobre um bloco desses.

Os autores visitaram agora (maio de 2005) aresidência a que se refere este trabalho e tive-ram a melhor das impressões técnicas e estéti-cas.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABNT (1996) NBR 6122. Projeto e execução defundações. Rio de Janeiro.

Barata, F.E (1986). Propriedades mecânicas dossolos. Livros Técnicos Editora, Rio de Ja-neiro.

Bowles J. B. (1988) Foundations. Analysis andDesign. Mc Graw Hill, New York, 1004 p.

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