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Curso de Mestrado em Enfermagem

rea de Especializao em Enfermagem de Sade Infantil e Pediatria

Construo do Padro Documental dos Cuidados de

Enfermagem com Base em Linguagem

Um Percurso de Desenvolvimento de Competncias de

Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria

Gonalo Andr Gomes de Oliveira e Silva

Curso de Mestrado em Enfermagem

rea de Especializao em Enfermagem de Sade Infantil e Pediatria

Construo do Padro Documental dos Cuidados de

Enfermagem com Base em Linguagem CIPE:

Percurso de Desenvolvimento de Competncias de

Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria

Gonalo Andr Gomes de Oliveira e Silva

Lisboa

2012

Curso de Mestrado em Enfermagem

rea de Especializao em Enfermagem de Sade Infantil e Pediatria

Construo do Padro Documental dos Cuidados de

CIPE:

Percurso de Desenvolvimento de Competncias de

Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria

Curso de Mestrado em Enfermagem

rea de Especializao em Enfermagem de

Construo do Padro Documental dos Cuidados de

Enfermagem com Base em Linguagem CIPE:

Um Percurso de Desenvolvimento de Competncias de

Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria

Gonalo Andr Gomes de Olive

Relatrio de estgio

Manuela Barbosa de Soveral e coorientado p

Curso de Mestrado em Enfermagem

rea de Especializao em Enfermagem de Sade Infantil e Pediatria

Construo do Padro Documental dos Cuidados de

Enfermagem com Base em Linguagem CIPE:

Percurso de Desenvolvimento de Competncias de

Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria

Gonalo Andr Gomes de Oliveira e Silva

Relatrio de estgio sob orientao da Professora Doutora

sa de Soveral e coorientado por Mestre Snia Isabel Pinela

Colao Marques

Lisboa

2012

Curso de Mestrado em Enfermagem

Sade Infantil e Pediatria

Construo do Padro Documental dos Cuidados de

Enfermagem com Base em Linguagem CIPE:

Percurso de Desenvolvimento de Competncias de

Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria

sob orientao da Professora Doutora Maria

Snia Isabel Pinela

DEDICATRIA

s minhas orientadoras, particularmente Professora Snia Colao, pelos momentos de partilha, reflexo e aprendizagem que me proporcionou.

A todos os enfermeiros(as) que tive a oportunidade de conhecer durante os ensinos

clnicos e que me proporcionaram momentos de aprendizagem, e tambm de boa disposio, que no irei esquecer. Obrigado por me terem recebido to bem.

Direo de Enfermagem do HPP Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida, pelo

investimento e apoio, imprescindvel para o sucesso deste projeto.

Sr. Enf. Dulce Gonalves, minha atual chefe, pela dedicao e apoio incansvel. Sem o seu esforo nunca teramos chegado to longe. Excelente enfermeira e chefe, mas

principalmente uma pessoa com uma viso excecional sobre o que a enfermagem e o seu futuro.

A todos os enfermeiros que pertencem ou j pertenceram minha equipa, e dos quais,

nas minhas funes de chefe de equipa, me orgulho diariamente por poder prestar cuidados de enfermagem ao seu lado. Obrigado pelo vosso apoio e preocupao que me

ajudaram em alturas bastante importantes.

minha famlia, principalmente aos meus pais, pelo apoio incondicional. Sem eles, este projeto no poderia ter sido realizado da forma que foi e isso, sem sombra de dvida, fez

toda a diferena. Para eles, excelentes pais e avs, um enorme beijinho.

Aos amigos, tantas vezes privados da nossa companhia e encontros, mas sempre, connosco.

minha esposa, amiga, confidente, companheira, com quem partilho a minha vida.

Que privilgio termos estado juntos neste percurso, pois sem ti, tudo teria sido mais difcil. Outros projetos se seguiro e iremos concretiz-los com todo o amor e dedicao que

pomos diariamente na nossa vida. Para ti, meu Amor, um carinho especial, Love you lots!

Ao meu filho, sempre a minha primeira prioridade, mas mesmo assim vezes demais privado dos pais. Desculpa as ausncias e acredita que tudo fizemos para as compensar.

As brincadeiras, idas ao parque, as conversas, os abraos e beijinhos e tantas outras coisas deram-nos o alento que s tu conseguirias dar.

O pai tambm te ama muito!

RESUMO

Este relatrio retrata o percurso formativo tendo como objetivo a aquisio e

desenvolvimento de competncias inerentes ao ttulo de enfermeiro especialista em

sade infantil e pediatria, atravs do desenvolvimento de um projeto na rea da

documentao dos cuidados de enfermagem prestados criana e famlia em contexto

hospitalar.

O modelo de Sistemas de Betty Neuman orientou os cuidados de enfermagem e o

desenvolvimento do projeto, uma vez que permitiu a anlise dos fatores que influenciam a

homeostasia do sistema e os processos de sade e doena do cliente peditrico e sua

famlia. Foi importante aprofundar os conhecimentos e o desenvolvimento do raciocnio

clnico sobre o Processo de Enfermagem, sendo o domnio destes conceitos fulcral para a

criao do padro documental e sua implementao. A mobilizao do raciocnio clnico e

do processo de enfermagem fundamental para que os enfermeiros possam beneficiar

da utilizao de ferramentas tecnolgicas, como as aplicaes informticas de

documentao dos cuidados de enfermagem. A Classificao Internacional para a Prtica

de Enfermagem (CIPE) foi a linguagem classificada utilizada para a construo do

padro de documentao dos cuidados de enfermagem na unidade de pediatria, tal como

est preconizado pela Ordem dos Enfermeiros, dadas as suas vantagens,

nomeadamente, na produo de indicadores de qualidade dos ganhos em sade,

sensveis aos cuidados de enfermagem.

A metodologia utilizada envolveu a realizao de atividades no mbito de ensinos

clnicos previamente planeados e que conduziram aquisio de competncias comuns

do enfermeiro especialista e especficas enfermagem da criana e do jovem. As

competncias adquiridas abrangeram a utilizao adequada do processo de enfermagem,

tendo em conta a globalidade do cliente peditrico, as variveis que influenciam a sua

situao de sade e a satisfao das suas necessidades. Tambm foram aquisies

importantes a capacidade de gerir recursos e liderar grupos de trabalho recorrendo

comunicao verbal e no-verbal clara, mantendo as pessoas motivadas.

PALAVRAS-CHAVE: Processo de Enfermagem, Documentao dos Cuidados de

Enfermagem, Betty Neuman, CIPE, Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e

Pediatria.

ABSTRACT

This report depicts the formative path taken with the objective of acquiring and

developing the skills necessary for the title of specialist nurse in child health and

pediatrics, by developing a project in the area of the documentation of nursing care

provided to children and their family in the hospital setting.

The Betty Neuman Systems Model was chosen as the theoretical model of nursing

that guided the development of the project regarding the conception of nursing care, since

it allowed the analysis of factors influencing the homeostasis of the system and the

processes of heath and sickness of the pediatric client and its family. It was important to

deepen the knowledge and to develop clinical reasoning on the Nursing Process, in order

to create correct standard documents for a relevant technical implementation. Using

clinical reasoning and the nursing process, nurses can benefit from the use of

technological tools such as computer software applications to document nursing care. The

International Classification for Nursing Practice (ICNP ) was ranked the language used to

construct the standard documentation of nursing care in the pediatric unit, as is

recommended by the Order of Nurses, given its advantages; especially in producing

quality health gain indicators.

The development of this project involved the working-out of activities previously

planned to take place in clinical teaching settings. This led to the acquisition of specialist

nurses common skills and specific skills of specialized childrens health and pediatrics

nurse. The skills acquired covered the proper use of the nursing process, taking into

account the overall specifications of the pediatric client, the variables that influence their

health status and the satisfaction of their needs. Important acquisitions included the ability

to manage resources and lead working groups, using verbal and nonverbal clear

communication, while keeping the team motivated.

KEY WORDS: Nursing Process, Documentation of Nursing Care, Betty Neuman, CIPE ,

Specialist Nurse in Pediatrics and Child Health.

ABREVIATURAS

ACSS Administrao Central do Sistema de Sade

CIC Comisso para a Informatizao Clnica

CIPE Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem

DGFSS Departamento de Gesto Financeira dos Servios de Sade

DGS Direo Geral da Sade

HCIS Healthcare Information System

IGIF Instituto de Gesto Informtica e Financeira da Sade

JCI Joint Comission International

NANDA - North American Nursing Diagnosis Association

OE Ordem dos Enfermeiros

WHO World Health Organization

REPE Regulamento do Exerccio Profissional do Enfermeiro

SAPE Sistema de Apoio Prtica de Enfermagem

SIMS Servio de Informtica do Ministrio da Sade

SNS Servio Nacional de Sade

NDICE

1. Nota Introdutria............................................................................................................ 7

2. Problemtica ................................................................................................................. 9

3. Fundamentao Terica ............................................................................................. 15

3.1. Os Cuidados de Enfermagem Luz do Modelo de Sistemas de Betty Neuman ..... 15

3.2. O Processo de Enfermagem na Conceo de Neuman .......................................... 19

3.3. A Documentao dos Cuidados de Enfermagem e a Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem ............................................................................... 23

4. Descrio e Anlise do Percurso Formativo de Aquisio de Competncias de Enfermeiro Especialista em Sade Infantil e Pediatria ................................................... 28

4.1. O Cuidado de Enfermagem em Sade Infantil e Pediatria Orientado pelo Modelo de Sistemas de Betty Neuman ................................................................... 29

4.2. O Processo de Construo do Padro de Documentao dos Cuidados de Enfermagem ............................................................................................................ 35

4.4. Contributos de Outras Atividades Realizadas ......................................................... 45

5. Consideraes Finais .................................................................................................. 47

6. Bibliografia .................................................................................................................. 50

ANEXOS ............................................................................................................................ 53

APNDICES ...................................................................................................................... 54

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1. NOTA INTRODUTRIA

O presente relatrio refere-se s atividades desenvolvidas no mbito da unidade

curricular Estgio do Curso de Mestrado em Enfermagem, rea de Especializao em

Sade Infantil e Pediatria. Delineando o seu percurso formativo o formando pode optar

pela realizao de um projeto de estgio enquadrado numa temtica por si escolhida. O

grande interesse no desenvolvimento de um projeto deste tipo a possibilidade que

oferece ao formando de intervir ao nvel de uma problemtica relevante na sua prtica

profissional, permitindo que este seja um agente ativo de mudana e de promoo da

qualidade dos cuidados de enfermagem, ao mesmo tempo que exige a aquisio e/ou

mobilizao de competncias inerentes sua rea de especializao.

No meu caso, a especializao escolhida foi em sade infantil e peditrica, rea a que

me dediquei aps o trmino do curso de licenciatura em enfermagem. Exercendo funes

numa instituio hospitalar bastante recente, decidi orientar o meu projeto para a rea da

documentao dos cuidados de enfermagem. Constatei que existiam aspetos da

documentao dos cuidados de enfermagem que no se adequavam s diretrizes

profissionais mais recentes e que a prpria equipa de enfermagem sentia dfices que

impunham uma melhoria neste campo. Tornou-se claro que a realizao deste projeto

traria inovao para o hospital e benefcios para os utentes. Por outro lado, a dimenso

do mesmo era desafiante e obrigaria o desenvolvimento de determinadas competncias,

as quais careciam de ser desenvolvidas para a aquisio do ttulo de enfermeiro

especialista. No segundo captulo deste documento ser explicada de forma mais

pormenorizada a problemtica que conduziu ao desenvolvimento do projeto, e os

objetivos traados visando a aquisio de competncias e a melhoria da qualidade dos

cuidados de enfermagem ao utente peditrico e respetiva famlia. No terceiro captulo so

desenvolvidas as referncias tericas que sustentaram o desenvolvimento do projeto

Estas encontram-se divididas por subcaptulos que aprofundam respetivamente, o

cuidado de enfermagem orientado pelo Modelo de Sistemas de Betty Neuman; a histria

e relevncia da utilizao do Processo de Enfermagem enquanto metodologia cientfica

imprescindvel para a qualidade dos cuidados; e por ltimo a importncia e a forma de

documentar os cuidados de enfermagem.

O projeto envolveu ensinos clnicos que proporcionaram experincias de

aprendizagem e reflexo da prtica de cuidados, que possibilitaram o meu

8

desenvolvimento enquanto enfermeiro e me permitiram realizar escolhas no sentido de

conduzir o projeto ao seu intuito final. O quarto captulo deste documento descreve o

percurso formativo realizado, realando as atividades desenvolvidas durante os ensinos

clnicos, assim como as competncias adquiridas e desenvolvidas durante a

implementao do projeto, as quais so essenciais para atingir o ttulo de enfermeiro

especialista em sade infantil e pediatria.

9

2. PROBLEMTICA

A tecnologia tem avanado, nas ltimas dcadas, a um ritmo alucinante. As pessoas

so frequentemente confrontadas com novas solues tecnolgicas que visam facilitar a

realizao de determinadas tarefas, tanto a nvel pessoal como a nvel profissional. Os

avanos tecnolgicos visam reas de diverso mbito, como a recreao e o lazer, a

indstria, a agricultura, a educao e acompanhando esta tendncia tambm a rea da

sade em Portugal se viu confrontada com novas solues de mudana capazes de

melhorar a qualidade e rentabilizar recursos. Paiva (2006, p.19), refere que a

necessidade, cada vez mais sentida, de gerir bem os recursos, vai acelerar o movimento

da informatizao na sade e os sistemas de informao em enfermagem tm de ser

alvo de investigao e reflexo, por forma a que a natureza peculiar dos cuidados de

enfermagem no fique invisvel nos sistemas de informao do futuro (PAIVA 2006,

p.19).

Na sade um dos aspetos que tem merecido destaque pelos decisores polticos a

informatizao clnica. Segundo a Comisso para a Informatizao Clnica do Ministrio

da Sade (CIC), a informatizao clnica

a criao de sistemas informticos capazes de armazenar e disponibilizar dados de sade,

mdicos, de enfermagem, ou quaisquer outros, actuais ou histricos dos utentes, onde se

registam todo o tipo de informao: doenas crnicas, realizao de exames, medicamentos

receitados e vacinas etc Estes dados podem estar num hospital, clnica, USF ou Centro de

Sade, sendo a base de trabalho da medicina moderna.

(CIC, 2011)

Uma das grandes vantagens da utilizao de sistemas informticos para o registo dos

dados dos utentes a possibilidade de partilha dos mesmos entre diferentes instituies

(CIC, 2011). Para a mesma fonte a

informao atualmente registada em papel no passvel de partilha fcil entre instituies e

profissionais. de difcil actualizao e muito difcil transmisso, no interesse dos utentes,

quer no SNS quer na prtica da medicina e prestao privada de cuidados de sade quaisquer

que eles sejam, ser conveniente rapidamente concluir o processo de informatizao clnica

de todos os prestadores.

(CIC, 2011)

A informatizao clnica, desde que disponibilizada cumprindo requisitos de segurana,

alcanar os seguintes benefcios para os utentes e servios de sade:

10

Melhor acesso aos servios de sade por parte dos utentes

Maior qualidade e eficcia nos servios

Reduo do risco de erros mdicos

Reduo de custos evitando a replicao de exames e outros procedimentos

Disponibilizao mais rpida de relatrios clnicos

(CIC, 2011)

Em Portugal a entidade responsvel a um nvel central pelo estudo, orientao,

avaliao e execuo dos Sistemas de Informao e pela gesto dos recursos financeiros

do Servio Nacional de Sade (SNS) o Instituto de Gesto Informtica e Financeira da

Sade (IGIF). tutelado pelo Ministrio da Sade, mas dotado de autonomia

administrativa e financeira (Administrao Central do Sistema de Sade, 2010). Foi criado

em 1993 pelo Decreto-Lei n. 308/93 de 2 de Setembro como resultado da integrao

num s organismo do Servio de Informtica do Ministrio da Sade (SIMS) e do

Departamento de Gesto Financeira dos Servios de Sade (DGFSS) extintos pelo

Decreto-Lei n. 10/93 de 15 de Janeiro (que aprovou a Lei Orgnica do Ministrio da

Sade). Foi a este instituto que o Professor Abel Paiva apresentou em termos funcionais,

o que viria a ser a aplicao informtica SAPE (Sistema de Apoio Prtica de

Enfermagem), decorrente da sua tese de doutoramento. A aplicao informtica foi

posteriormente desenvolvida pelo IGIF, com a colaborao do Professor Abel Paiva, na

vertente hospitalar (SILVA, Pedro; CT, Ablio, 2006). A Administrao Central do Sistema

de Sade define-o como

um software aplicacional que usa, como referencial de linguagem, a International

Classification for Nursing Practice do International Council of Nurses CIPE (verso BETA 2),

que permite efectuar o planeamento e o registo da actividade decorrente da prestao de

cuidados de enfermagem nas instituies de sade.

(ACSS, 2010)

Esta aplicao informtica foi desenhada para a prestao de cuidados de enfermagem

visando a organizao e o tratamento da informao, processada na documentao de

enfermagem, sobre a situao clnica do doente, sendo os seus objetivos especficos:

suportar a actividade diria de enfermagem e normalizar o sistema de registos de

enfermagem (ACSS, 2010). Posteriormente outras aplicaes informticas, oriundas de

empresas do setor privado, surgiram e propuseram alternativas informatizao do

registo dos cuidados de enfermagem s instituies de sade. Possivelmente, um dos

motivos pelo seu sucesso no mercado foi o facto de oferecerem solues mais atuais que

11

o SAPE, por exemplo ao possibilitarem a utilizao de novas verses da CIPE.

Relembro que o SAPE tem na sua base de dados a verso beta 2 da CIPE, sendo a

mais atual em Portugal a verso 2, como aprofundarei no decorrer do relatrio.

Acompanhando a era de modernizao e consequente informatizao dos servios de

sade, o HPP - Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida, inaugurado em Fevereiro de

2010, tem como recurso uma aplicao informtica denominada de Desktop de

Enfermagem, desenvolvida por uma empresa privada, e orientada para o registo dos

cuidados de enfermagem prestados em todos os servios do hospital. A escolha por esta

aplicao foi da responsabilidade do Conselho de Administrao do Grupo HPP

Hospitais Privados de Portugal. Na Unidade de Neonatologia e Cuidados Intermdios de

Pediatria, a equipa de enfermagem nunca se sentiu segura para realizar o registo dos

seus cuidados de enfermagem apenas na aplicao informtica, pelo que se optou

inicialmente, pela utilizao concomitante de registos em papel. Na base desta deciso

esteve o facto de terem sido identificados, pela equipa de enfermagem, vrios dfices nos

registos dos cuidados de enfermagem inerentes utilizao da aplicao informtica

(Desktop de Enfermagem). Estes dfices estavam ligados com o facto da aplicao

informtica no permitir que o enfermeiro documentasse os cuidados de enfermagem em

todas as etapas que compem o Processo de Enfermagem. A aplicao informtica

possua na sua base de dados um conjunto de intervenes de enfermagem j

programadas e passveis de serem selecionadas pelos enfermeiros responsveis pela

prestao de cuidados. Essas intervenes foram criadas por um grupo de trabalho

composto por enfermeiros, ainda nas instalaes antigas do Hospital de Cascais, Dr. Jos

de Almeida, com base na verso beta 2 da CIPE. Contudo estas intervenes, do ponto

de vista documental, surgiam descontextualizadas, no se interligando a nenhum

diagnstico de enfermagem, nem a nenhum resultado esperado aps a implementao

das intervenes. No existia nenhum registo que contemplasse de forma interligada e

coerente os focos de ateno de enfermagem, os diagnsticos de enfermagem, assim

como os resultados esperados aps a implementao das intervenes. Por outro lado,

as intervenes de enfermagem existentes nem sempre se adequavam s necessidades

do cliente peditrico. Por exemplo, no existiam intervenes que respondessem a alguns

problemas no mbito da parentalidade. Outra situao frequente era o facto de algumas

intervenes originarem quadros de preenchimento de dados pr-parametrizados,

contudo esses quadros poderiam estar mais completos ou mais adequados interveno

12

que os originava (ex. quadro com caratersticas do padro respiratrio do lactente). Como

referi anteriormente, a equipa de enfermagem sentiu necessidade de utilizar um suporte

em papel para complementar as lacunas que a aplicao informtica possua. Esta opo,

de carcter provisrio, acarretou novos riscos e problemas. Um dos quais foi a disperso

da informao por duas fontes, a digital e o suporte em papel. Esta disperso aumenta a

probabilidade de erro, dificulta a consulta da informao, prejudica a continuidade dos

cuidados de enfermagem e dificulta a sua prestao, na medida em que consome tempo,

que seria melhor aproveitado se direccionado para outras intervenes de enfermagem.

Por fim, o tratamento estatstico, por exemplo para fins de investigao ou gesto, dos

registos de enfermagem era bastante difcil, pois implicava a consulta dos dados nos dois

tipos de suporte utilizados.

A grande problemtica que conduziu a este projeto foi a existncia de uma aplicao

informtica que, enquanto ferramenta ao servio dos enfermeiros, no responde s suas

necessidades enquanto profissionais, nomeadamente por no contemplar na sua

estrutura o processo de enfermagem, enquanto metodologia cientfica composta por

vrias etapas. Consequentemente, a utilizao de uma ferramenta incompleta e

desadequada, torna-se um obstculo, quando deveria ser uma mais-valia, para a mxima

qualidade dos cuidados de enfermagem. Qualidade essa que poder vir a ser maximizada

se utilizarmos uma ferramenta que permita facilmente documentar as necessidades em

cuidados de enfermagem das crianas e suas famlias, planear intervenes elaborando

um plano de cuidados individualizado, atualizar facilmente esse plano e confrontar os

resultados das intervenes realizadas com os objetivos previamente traados. S assim

os enfermeiros reconhecero a utilidade da aplicao informtica enquanto ferramenta de

documentao dos cuidados de enfermagem prestados indo ao encontro do que est

preconizado pela Ordem dos Enfermeiros que defende

a existncia de um sistema de registos de enfermagem que incorpore sistematicamente, entre

outros dados, as necessidades de cuidados de enfermagem do cliente, as intervenes de

enfermagem e os resultados sensveis s intervenes de enfermagem obtidos pelo cliente.

(OE, 2001)

No perodo em que decorreu a realizao deste projeto, coincidentemente o HPP -

Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida, tambm se encontrava em processo de

acreditao, segundo os critrios da Joint Comission International para Hospitais (JCI).

Criada em 1998, esta organizao internacional tem por misso a melhoria da qualidade

dos cuidados de sade na comunidade internacional, atravs da atribuio de

13

acreditaes e de servios de consultoria (JCI, 2007, p.5). Esta organizao d grande

nfase qualidade, particularmente a aspetos relacionados com a segurana na

prestao dos cuidados de sade. Um dos aspetos que impe como condio s

instituies que pretendem adquirir a acreditao o desenvolvimento de um plano de

cuidados () para fazer face s necessidades de prestao de cuidados de sade

identificadas no doente (JCI, 2007, p.71). Esse plano de cuidados deve estar

devidamente documentado e conter

informaes suficientes para identificar os doentes, apoiar a formulao de diagnsticos,

justificar os tratamentos, documentar os progressos e resultados obtidos com o tratamento, e

promover a continuidade dos cuidados entre os prestadores de cuidados de sade.

(JCI, 2007, p.214)

O processo de acreditao e as exigncias ao nvel da existncia de um plano de

cuidados para os doentes e para a correta documentao dos cuidados prestados

tambm coadjuvou, juntamente com as necessidades j sentidas pelos profissionais, para

um clere compromisso de resoluo da problemtica por parte dos rgos diretores do

hospital.

Sendo este um projeto formativo para aquisio do grau de Enfermeiro Especialista

em Sade Infantil e Pediatria sinto necessidade de referir que, no meu percurso

profissional de cerca de 9 anos de experincia, sempre exerci funes em Unidades de

Neonatologia e de Cuidados Intensivos/Intermdios de Pediatria. Fui confrontado com

vrias situaes, tcnicas e relacionais, com as quais fui aprendendo a lidar, quer na

prestao de cuidados, quer no desempenho das funes de chefe de equipa. Para tal,

utilizei estratgias como a pesquisa bibliogrfica, a experincia adquirida, a reflexo sobre

a prtica dos cuidados onde exercia funes, a reflexo e partilha de situaes com

outros colegas de profisso, muitas vezes j especialistas/peritos na rea da pediatria,

com o intuito de responder o mais adequadamente possvel perante as crianas/famlias a

quem prestei cuidados de enfermagem. So alguns exemplos dessas situaes, a

prestao de cuidados a crianas em condio de sade crnica, situaes de

emergncia, gesto de conflitos/liderana a nvel intra e interdisciplinar, cuidados a

crianas em fim de vida, transmisso de ms notcias s crianas/famlia, brincar nas

Unidades de Cuidados Intensivos, preparao para a realizao de procedimentos

invasivos, avaliao e controlo da dor, entre outros. Penso que a experincia adquirida

enquanto enfermeiro na rea peditrica permitiu-me a aquisio de competncias do

domnio da responsabilidade tica e legal, da prestao de cuidados a crianas/famlias

14

em situao de especial complexidade e da adequao da minha interveno situao

de sade e de desenvolvimento da criana. Consciente do meu percurso profissional,

optei por desenvolver um projeto que permitisse o aprofundamento das competncias

acima referidas, e tambm a aquisio e desenvolvimento das competncias do domnio

da melhoria da qualidade e da gesto dos cuidados, considerando que necessito de as

adquirir e desenvolver para cumprir os meus objetivos formativos. No tendo tido tanta

experincia nestes domnios, penso que ao intervir perante a problemtica identificada na

Unidade de Neonatologia e Cuidados Intermdios de Pediatria do HPP - Hospital de

Cascais, Dr. Jos de Almeida, tive a oportunidade ideal para os desenvolver, pois pude

intervir num problema, cuja resoluo passou por um projeto global, envolvendo todos os

profissionais de sade dos servios de pediatria do hospital e que promoveu a melhoria

da qualidade dos cuidados de enfermagem. Tendo em conta as minhas necessidades

formativas, e visando a melhoria da documentao dos cuidados de enfermagem, foi

elaborado um projeto cuja finalidade consistiu em: desenvolver competncias de

enfermeiro especialista em sade infantil e pediatria, atravs da construo do padro de

documentao dos cuidados de enfermagem da Unidade de Neonatologia e Cuidados

Intermdios de Pediatria do HPP - Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida.

Com o objetivo de cumprir a finalidade proposta foram delineados trs objetivos gerais:

a) Aprofundar a compreenso do cuidado de enfermagem em sade infantil e

pediatria orientado pelo Modelo de Sistemas de Betty Neuman;

b) Desenvolver competncias de liderana e gesto de grupos de trabalho durante

o processo de construo do padro de documentao da Unidade de

Neonatologia e Cuidados Intermdios de Pediatria do HPP - Hospital de

Cascais, Dr. Jos de Almeida;

c) Construir o padro de documentao da Unidade de Neonatologia e Cuidados

Intermdios de Pediatria do HPP - Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida

com base em linguagem CIPE.

Aps a determinao dos objetivos acima descritos emergiram conceitos chave,

importantes para a prossecuo do trabalho de projeto proposto e que foram explorados

no captulo seguinte denominado de fundamentao terica.

15

3. FUNDAMENTAO TERICA

Na procura de solues que respondessem problemtica identificada e seguindo a

linha de pensamento traada pelos objetivos a alcanar foi realizada pesquisa

bibliogrfica, a qual irei explorar nos subcaptulos seguintes, em torno das seguintes

temticas: o cuidado de enfermagem e o Modelo de Sistemas de Betty Neuman, o

Processo de Cuidados em Enfermagem e a sua documentao recorrendo

Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem.

3.1. Os Cuidados de Enfermagem Luz do Modelo de Sistemas de

Betty Neuman

Nascida em 1924 em Lowell, Ohio, Betty Neuman terminou a sua formao inicial em

enfermagem em 1947 no Hospital School of Nursing na localidade de Akron, Ohio. Muda-

se para a cidade de Los Angeles onde exerceu em vrios servios como enfermeira

prestadora de cuidados, mas tambm na rea da gesto como enfermeira-chefe.

Envolveu-se tambm no ensino clnico, na atual Universidade de Southern California

Medical Center. Concluiu em 1957 o bacharelato em enfermagem, em 1966 o mestrado

em Sade Mental, Consulta de Sade Pblica, e doutorou-se em 1985 na Pacific Western

University em Psicologia Clnica (TOMEY e ALLIGOOD, 2004).

Em 1970, Neuman concebeu um modelo conceptual para a enfermagem (TOMEY e

ALLIGOOD, 2004, p.336), a que viria a denominar de Modelo de Sistemas de Neuman.

Neuman baseou-se na teoria geral dos sistemas de von Bertalanffy, que afirma que todos

os elementos de uma organizao complexa esto em interaco (TOMEY e ALLIGOOD,

2004, p.336). Na teoria de Gestalt que descreve a homeostase como o processo atravs

do qual um organismo mantm o seu equilbrio e, consequentemente, a sua sade, sob

condies diversas (TOMEY e ALLIGOOD, 2004, p.336). Na filosofia Marxista que afirma

que as propriedades das partes so determinantes, em parte, pelos todos maiores dos

sistemas dinamicamente organizados (TOMEY e ALLIGOOD, 2004, p.336), e tambm na

filosofia de deChardin sobre a totalidade da vida na medida em que os padres do todo

influenciam a conscincia da parte (TOMEY e ALLIGOOD, 2004, p.337). A autora foi

tambm influenciada pelas teorias de stress de Hans Selye e da crise de Gerald Caplan.

16

A teoria do Stress de Selye enfatiza os componentes fisiolgicos do stress,

nomeadamente, as tentativas do organismo para lidar com os agentes de stress

(BOLANDER, 1998). Neuman utilizou a definio de stress de Selye (1974), como a

resposta no-especfica do corpo a qualquer pedido que lhe feito (TOMEY e

ALLIGOOD, 2004, p.337). Essa resposta no-especfica requer a adaptao ao problema,

logo o contato com um agente stressor implica uma necessidade de reajustamento

(TOMEY e ALLIGOOD, 2004). Segundo Bolander (1998), os agentes de stress so

estmulos produtores de tenso com potencial para causar um desequilbrio no sistema e

exigem uma resposta do organismo. Como referi anteriormente, Neuman tambm se

baseou na teoria da crise de Caplan, que define crise como um perodo transitrio, que

apresenta ao indivduo tanto uma oportunidade de crescimento da personalidade, como

um perigo de crescente vulnerabilidade (BOLANDER, 1998). Pode ser encarado como um

fenmeno espordico que interrompe a nossa existncia de forma dramtica

(BOLANDER, 1998). Para Caplan, a crise desenvolve-se quando uma pessoa encontra

um obstculo aos objectivos importantes da vida, que , durante um tempo, intransponvel

atravs da utilizao dos mtodos habituais de resoluo de problemas (BOLANDER,

p.345). A resoluo de uma situao de crise ocorrer resolvendo o problema ou

ocorrendo uma adaptao ao mesmo, podendo este processo beneficiar a sade mental

do indivduo. O objetivo da resoluo de uma crise vai depender da perceo que o

indivduo tem da vida e dos recursos que tenha disponveis (BOLANDER, 1998). Neuman

tambm adaptou os nveis de preveno do modelo de Caplan e relacionou-os com a

enfermagem.

O modelo de sistemas de Neuman integra-se na escola dos efeitos desejados. As

tericas que estiveram na origem desta escola, onde se inclui Betty Neuman, tentaram

conceptualizar os resultados ou os efeitos desejados dos cuidados de enfermagem

(LOPES, 1999, p.54). Entendem que o objetivo dos cuidados de enfermagem consiste no

restabelecimento do equilbrio, da estabilidade, da homeostasia ou da preservao de

energia (LOPES, 1999; KROUAC et al, 1996). Enquadra-se tambm no paradigma da

integrao orientando-se para a pessoa. Segundo Lopes (1999, p.54), a pessoa

conceptualizada como um ser bio-psico-cultural, um sistema de adaptao em constante

interaco com o meio ambiente. A enfermeira responsvel pela avaliao das

necessidades de ajuda pessoa tendo em conta a sua globalidade (SILVA, 2002).

17

Segundo o mesmo autor, intervir significa "agir com" a pessoa, com o objectivo de

responder s suas necessidades (SILVA, 2002).

Para compreender o modelo de sistemas de Betty Neuman necessrio

compreender os conceitos-chave do prprio modelo, nomeadamente os conceitos de

sistema, cliente, ambiente, sade, cuidado de enfermagem, stressores, linhas de defesa,

estrutura bsica e nveis de preveno. Neuman define a existncia de um sistema cliente

que dinmico e aberto para o exterior. A dinmica advm da relao contnua, atravs

de uma interao constante, entre o cliente e o ambiente que o rodeia. Segundo Tomey e

Alligood (2004, p.336), Neuman descreve a adaptao como o processo atravs do qual

o organismo satisfaz as suas necessidades, existindo vrias necessidades capazes de

perturbar a harmonia e estabilidade do sistema. A autora faz uma abordagem

totalidade do cliente e define-o como pessoa, grupo ou comunidade (NEUMAN, 2010).

Segundo Tomey e Alligood (2004, p.337,340), os clientes so vistos como um todo cujas

partes esto em interao dinmica/recproca. Mais especificamente, o Cliente para

Neuman (2010, p.327), um sistema aberto em total interao com o ambiente interno e

externo. Um composto de cinco variveis (fisiolgica, psicolgica, sociocultural,

desenvolvimental e espiritual), cada uma sendo uma sub-parte de todas as partes,

formando o cliente total. A totalidade do cliente assenta na viso deste, tendo em conta

todas as variveis acima citadas. Este aspeto to importante para a autora, que esta

chega mesmo a alterar a grafia do termo holistic, por wholistic (TOMEY e ALLIGOOD,

2004), de forma a enfatizar a sua importncia. Por sua vez, a abertura do sistema com o

exterior permite a troca de energia entre os elementos que o compem. Para Neuman

(2010), o Ambiente um dos fenmenos bsicos do modelo. Segundo a autora, consiste

nas foras internas e externas em redor do cliente, influenciando e sendo influenciado

pelo cliente, em qualquer ponto do tempo, como sistema aberto (NEUMAN, 2010, p.327).

Outro conceito importante o de stressores e de acordo com Tomey e Alligood (2004), os

stressores so relatados como foras ambientais com potencialidade de influenciar a

estabilidade do sistema, podendo ser intrapessoais (ocorrem no indivduo), interpessoais

(ocorrem entre um ou mais indivduos) e extrapessoais (exteriores ao indivduo). Na sua

globalidade, o sistema composto por elementos, nomeadamente, uma estrutura bsica,

rodeada por anis concntricos protetores. Estes anis so compostos por factores

similares, com diferentes e variados propsitos na reteno, alcance e manuteno da

estabilidade e integridade do sistema (NEUMAN, 2010, p.327). Neuman define a

18

estrutura bsica como os fatores bsicos comuns de sobrevivncia a todas as espcies,

tal como por exemplo a estrutura gentica ou a estrutura do rgo. Esta estrutura

rodeada por duas linhas de defesa, flexvel e normal, e por linhas de resistncia.

(NEUMAN, 2010). A linha de defesa flexvel uma linha dinmica na fronteira exterior da

estrutura bsica funcionando como uma espcie de amortecedor de proteo para que o

sistema se mantenha estvel. Pode facilmente ser alterada num curto perodo de tempo,

por fatores imprevistos como por exemplo, uma situao de emergncia ou um estado de

desidratao. Esta linha previne a entrada para o sistema de stressores, prevenindo que o

sistema cliente tenha de reagir perante os stressores ou mesmo que adquira

sintomatologia. dinmica, pois fornece ao sistema, uma maior proteo quanto mais

afastada estiver da outra linha de defesa, a normal. O seu poder de amortecimento

poder ser enfraquecido consoante o tipo e quantidade de stressores que estejam a

afetar o sistema (NEUMAN, 2010). A linha de defesa normal representa o estado de

equilbrio e de estabilidade do sistema. Tem em conta o ajustamento de todas as

variveis (fisiolgica, psicolgica, sociocultural, desenvolvimental e espiritual) do cliente

aos stressores ambientais de modo a atingir um mximo de bem-estar (NEUMAN, 2010).

Segundo Tomey e Alligood (2004), deve ser vista como a referncia para que depois se

possam identificar os desvios em relao ao estado habitual de bem-estar. Mais prximo

da estrutura bsica encontram-se as linhas de resistncia cuja funo de proteo da

estrutura bsica quando um stressor, ou vrios, ultrapassaram as linhas de defesa e

desestabilizaram o sistema. So recursos internos e externos que iro lidar com o grau de

desestabilizao do sistema, tendo em conta a interao entre as variveis do cliente, e

que devero conseguir reequilibrar novamente o sistema at se encontrar estvel

novamente, no mximo de bem-estar (NEUMAN, 2010).

Perante estes elementos, fcil compreender que para Neuman, a Sade visto

como,

um contnuo de bem-estar e doena, de natureza dinmica, que sujeito a constantes

mudanas. ptimo bem-estar ou estabilidade indica que as necessidades totais do sistema

esto satisfeitas. () o cliente est num dinmico estado de bem-estar ou doena, em

graus variveis, em qualquer ponto do tempo.

(NEUMAN, 2010, p.328)

Numa situao de contacto com agentes stressores e um potencial estado de

enfermidade, Neuman denomina ainda de grau de reao, a quantidade de energia

19

necessria para que o cliente se ajuste aos stressores e restabelea o estado de

adaptao aos stressores (NEUMAN, 2010).

Para a autora, a Enfermagem uma profisso nica preocupada com todas as

variveis que afectam o cliente e o seu ambiente (NEUMAN, 2010, p.328). O enfermeiro

deve ver o cliente num todo que muda constantemente, sendo todo o modelo marcado

pela dinmica do mesmo. A sua interveno deve contemplar todos os nveis de

preveno: primria ao reduzir a possibilidade do cliente enfrentar stressores, ou

intervindo de modo a que a linha de defesa flexvel se fortalea; secundria, detetando

precocemente uma situao causadora de stress e intervir no tratamento dos sintomas,

de modo a restabelecer o sistema; e terciria que se centra no reajustamento tendo em

vista a mxima estabilidade possvel do sistema (NEUMAN, 2010). O enfermeiro pode

assim intervir quer na fase de reao, quer na de constituio. Segundo Tomey e Alligood

(2004, p.342), no modelo de Neuman, a enfermeira uma participante activa com o

cliente () estando relacionada com todas as variveis que afectam a resposta do

indivduo aos stressores.

Aps a descrio dos conceitos chave do Modelo de Sistemas de Neuman, o

subcaptulo seguinte aprofunda o conceito de Processo de Enfermagem desde a sua

origem at prpria conceo do mesmo para esta autora.

.

3.2. O Processo de Enfermagem na Conceo de Neuman

Florence Nightingale, figura importante na histria da enfermagem, j incutia nos seus

alunos a necessidade de julgar os resultados das suas observaes, no entanto ainda

no havia referncia ao processo de enfermagem, como o conhecemos atualmente. Este

surge na dcada de 1950, segundo Garcia e Nbrega (2009, p. 189), sob influncia do

mtodo de soluo de problemas, cujas razes eram o mtodo cientfico de observao,

mensurao e anlise de dados.

Bolander (1998, p.40), refere que o processo de enfermagem o mtodo cientfico

adaptado s condies, muitas vezes imprevisveis, da vida humana e aplicado aos seres

humanos que tm necessidades no satisfeitas. Segundo a mesma autora, o processo

de enfermagem uma srie de etapas e aces planeadas, dirigidas satisfao de

necessidades e resoluo de problemas das pessoas e a importncia do mesmo deve-

20

se ao facto de constituir fundamento do ensino, da prtica e da investigao em

enfermagem e, consequentemente, para o exerccio da profisso (BOLANDER, 1998).

Potter e Perry (2006), destacam o processo de enfermagem enquanto promotor da

individualizao dos cuidados de enfermagem em funo das necessidades dos utentes,

de forma a melhorar ou manter o nvel de sade. Garcia e Nbrega descrevem um

percurso evolutivo no processo de enfermagem, desde a simples identificao e

resoluo de problemas, para a identificao e classificao de diagnsticos de

enfermagem at, mais atualmente, especificao e verificao, na prtica, de

resultados do paciente que sejam sensveis s intervenes de enfermagem (GARCIA e

NBREGA, 2009, p.188). Pesut e Herman (1999) descrevem trs geraes do processo

de enfermagem. A primeira gerao composta por quatro fases (avaliao inicial,

planeamento, interveno e avaliao) foi marcada pelo relevo na identificao de

problemas dos pacientes. No final da dcada de 1960 surgem trabalhos de classificao

de diagnsticos que conduziram incluso da fase de diagnstico no processo de

enfermagem. Este percurso adveio da necessidade sentida por enfermeiras de classificar

e padronizar os problemas que requeriam cuidados de enfermagem, tendo este sido o

mote para a realizao da primeira Nursing Diagnosis Conference em 1973, em Saint

Louis, nos Estados Unidos (PESUT e HERMAN, 1999). Surge deste modo a segunda

gerao do processo de enfermagem acrescentando s fases anteriores, a de diagnstico

de enfermagem e ganham enfase os processos de pensamento que permitem ao

enfermeiro trabalhar com as informaes colhidas dos utentes e tomar decises clnicas

(PESUT e HERMAN, 1999). Ao surgir a designao de resultados dos cuidados de

enfermagem, os autores referem o aparecimento, j na dcada de 1990 em diante, da

terceira gerao do processo de enfermagem, que representando melhor a complexidade

inerente ao processo de enfermagem, ocorre a valorizao das classificaes de

diagnsticos, de intervenes e de resultados como os vocabulrios para o raciocnio,

reclamando novas formas de raciocnio para a enfermagem (PESUT e HERMAN, 1999).

Segundo Garcia e Nbrega (2009), o foco da terceira gerao do processo de

enfermagem a confirmao na prtica dos resultados do cliente que foram sensveis aos

cuidados de enfermagem. As autoras (GARCIA e NBREGA, 2009, p.188) definem o

processo de enfermagem como um instrumental tecnolgico ou um modelo metodolgico

para o cuidado profissional de enfermagem. Um instrumento tecnolgico na medida em

que utilizado para organizar as condies necessrias prestao dos cuidados de

21

enfermagem, assim como primordial para a documentao da prtica profissional. Um

modelo tecnolgico pois,

possibilita identificar, compreender, descrever, explicar e/ou predizer as necessidades

humanas de indivduos, famlias e colectividades, em face de eventos do ciclo vital ou de

problemas de sade, reais ou potenciais, e determinar que aspectos dessas necessidades

exigem uma interveno profissional de enfermagem.

(GARCIA e NBREGA, 2009, p.189)

Em Portugal, o Processo de enfermagem encontra-se legalmente regulamentado

(REPE, 1996) sendo composto por cinco etapas, a avaliao inicial (1), com a recolha e

anlise de dados ou informaes que conduziro a um diagnstico (2) de enfermagem.

Na fase de planeamento (3) procede-se elaborao de um plano de cuidados que

contemplar as intervenes de enfermagem a implementar na fase de,

execuo/interveno (4). Por fim a fase de avaliao (5) do resultado das intervenes

anteriormente planeadas e executadas. Este um mtodo cclico e susceptvel de ser

adaptado a qualquer momento (BOLANDER, 1998). A qualquer altura podero surgir

novos diagnsticos ou alteraes nos diagnsticos j identificados, que iro impor ao

enfermeiro a necessidade de reajustar o plano de cuidados s necessidades particulares

de cada utente. As etapas do processo de enfermagem esto descritivas no Regulamento

do Exerccio Profissional dos Enfermeiros (REPE) no artigo n. 5, ponto n.3, enfatizando

este artigo que os cuidados de enfermagem so caracterizados por () utilizarem

metodologia cientfica (DECRETO-LEI n. 161/96, p.2960).

Na teoria de Neuman o processo de enfermagem surge em trs etapas principais:

diagnstico, objetivos e resultados de enfermagem. A etapa do diagnstico de

enfermagem pressupe a colheita de dados que podero determinar as variaes do

bem-estar (TOMEY e ALLIGOOD, 2004, p.344). Aps a anlise dos dados obtidos so

estabelecidos objetivos atravs da negociao com o cliente para as prescritivas

desejadas corrigirem as variaes de bem-estar (TOMEY e ALLIGOOD, 2004, p.344). Os

resultados dependem das intervenes de enfermagem recorrendo aos modos de

preveno como interveno. Por ltimo, a avaliao confirmar se os objetivos dos

resultados desejados foram alcanados ou se haver necessidade de reformulao dos

objetivos de enfermagem (TOMEY e ALLIGOOD, 2004). O modelo de Neuman encontra-

se assim bastante atual e apto a ser utilizado enquanto orientador da prtica. No contexto

de internamento hospitalar a criana removida da sua zona de conforto e dos espaos

que j conhece, sendo confrontada com uma mudana nos seus hbitos de vida. Este

22

aspeto poder por si s ser causador de stress, no entanto, e com grande probabilidade,

acrescem outros stressores a este contexto. Para Martins e Silvino (2010, p.342), a

criana pode sentir a hospitalizao como agresso ou castigo, levando ao

desenvolvimento de sentimentos de culpa, de abandono em relao aos pais, e

embotamento afetivo. Cabe ao enfermeiro colher e analisar todas as informaes

necessrios para a identificao e validao dos stressores (intrapessoais, interpessoais

ou extrapessoais) causadores de desequilbrio no sistema cliente, permitindo depois a

identificao de diagnsticos de enfermagem que afetam a criana e sua famlia.

Segundo Martins e Silvino,

durante o processo de hospitalizao, o enfermeiro deve, segundo a metodologia proposta

por Neuman, verificar os estressores percebidos pela criana e tambm pelo provedor dos

cuidados () importante tambm observar as distores entre o que percebido pela

criana e o provedor de cuidados, nessa situao.

(MARTINS e SILVINO, 2010, p.342)

muito importante que o enfermeiro perceba como que determinado stressor

influencia a criana, mas tambm como o influencia a si prprio, e que estratgias que

ir planear para lidar o melhor possvel com a situao, de forma a restabelecer

novamente um mximo de bem-estar no cliente. As estratgias de interveno devem

priorizar as necessidades da criana, tendo em vista a manuteno da linha flexvel de

defesa. As intervenes institudas podero abranger os vrios nveis de preveno:

primrio, quando a ao do enfermeiro ter em vista a minimizao dos stressores de

modo a prevenir possveis reaes da criana (MARTINS e SILVINO, 2010). Secundrio

quando uma reao da criana j est patente. O objetivo do enfermeiro passar por

cuidar dos sintomas, resultado das reaes e minimizar os efeitos prejudiciais dos

stressores, fortalecendo as linhas de resistncia da criana, diminuindo o impacto que as

reces provocam (MARTINS e SILVINO, 2010). Quando a criana est apta a mobilizar

recursos de energia e consegue manter as interaes das variveis fisiolgicas,

psicolgicas, socioculturais, de desenvolvimento e espirituais em equilbrio o enfermeiro

intervm ao nvel da preveno terciria (MARTINS e SILVINO, 2010, p.343). tambm

importante a experincia e o nvel de conhecimento do enfermeiro prestador de cuidados,

pois influenciar a sua interveno perante um determinado stressor. Enfermeiros com

experincias profissionais e nveis de conhecimento variados podero atuar, perante a

mesma situao, de modo diferente. Segundo Martins e Silvino,

23

o tipo de interveno que o enfermeiro utilizar depende do estressor e tambm da

bagagem de conhecimento que o profissional possui, facilitando a antecipao da defesa

aos fatores de riscos que permeiam o processo de hospitalizao da criana.

(MARTINS e SILVINO, 2010, p.343)

Os resultados alcanados com as intervenes institudas devem ser analisados e

comparados com os objetivos que estavam planeados. O enfermeiro saber assim se as

suas intervenes, executadas na fase de reao ou de reconstituio, obtiveram o

resultado desejado ou tero de ser alvo de reformulao, cumprindo assim a metodologia

preconizada no processo de enfermagem.

Indissocivel ao Processo de Enfermagem o registo documental de todas as suas

fases, pelo que no subcaptulo seguinte abordarei a temtica da documentao dos

cuidados de enfermagem.

3.3. A Documentao dos Cuidados de Enfermagem e a

Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem

Historicamente a documentao dos cuidados de enfermagem evoluiu com a prpria

profisso. De simples anotaes em livros, algumas vezes separados do processo clnico

do utente, os registos evoluram no sentido de fazerem parte do processo do utente e de

refletirem com preciso o trabalho desenvolvido pelos enfermeiros. Trabalho esse

fundamentado em conhecimentos cientficos prprios e alicerado na metodologia do

processo de enfermagem.

Atualmente impensvel a existncia de uma prtica de cuidados de enfermagem que

no envolva registos dessa mesma prtica. Seria como se o processo de enfermagem

no existisse. atravs dos registos que se assegura a continuidade dos cuidados de

enfermagem, que se obtm dados para a avaliao dos mesmos e que se prossegue no

desafio de desenvolver e dar visibilidade profisso de enfermagem (Leal, 2006). A

Organizao Mundial de Sade (WHO, 2007) refere que a documentao clnica inclui

todas as formas de documentao, elaboradas por todos os profissionais de sade,

relacionadas com o cuidado a um cliente. a base para a comunicao entre os

profissionais de sade, informando sobre o tratamento, os cuidados planeados, os

cuidados prestados e os resultados obtidos, numa base de continuidade (WHO, 2007).

24

Segundo a mesma instituio (WHO, 2007), a documentao clnica deve respeitar os

seguintes princpios: confidencialidade, clareza, ser concisa e completa, contempornea,

consecutiva, correta, compreensvel, colaborativa e centrada no cliente. A Ordem dos

Enfermeiros (2007) enfatiza a importncia da documentao em enfermagem, na medida

em que possui um carcter tico e legal; relevante para a deciso clnica, para a gesto,

formao, investigao e para os processos de tomada de deciso; e promove a

continuidade e a qualidade dos cuidados, quer na perspetiva individual como tambm na

de grupo.

Como referi anteriormente, a partir da segunda gerao do processo de enfermagem,

com as etapas distintas que o compem, comearam a ser valorizados e desenvolvidos

os sistemas de classificaes de enfermagem, importantes para a documentao dos

cuidados. Em 1973 ocorreu em Saint Louis, nos Estados Unidos, a primeira conferncia

para discusso dos diagnsticos de enfermagem. Segundo Barros (2009), as

conferncias continuaram periodicamente e em 1980 foram criados, refinados e

classificados os termos diagnsticos. Em decorrncia deste processo, em 1982, foi criada

a North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Esta associao foi pioneira

na criao de taxonomias para relacionar diagnsticos, intervenes e resultados em

enfermagem atravs de uma terminologia comum. Tambm dedicada ao desenvolvimento

de uma terminologia comum que reflita a prtica da enfermagem a nvel mundial, o

International Council of Nursing (ICN), aprovou em Seul no ano de 1989, uma resoluo

que previa o desenvolvimento de uma Classificao Internacional para a Prtica de

Enfermagem (CIPE). Em 1993 o ICN publicou um documento de trabalho com uma lista

de termos usados na literatura de enfermagem e classificaes existentes,

compreendendo alguns termos das classificaes desenvolvidas pela NANDA, para

descrever diagnsticos, intervenes e resultados de enfermagem. Em 1995 foi publicada

a verso Alfa da CIPE consistindo numa classificao de fenmenos e de intervenes

de enfermagem. Aps discusses em congressos e workshops, e resultado de contnuo

desenvolvimento, o ICN publicou a verso Beta em 1999 e a Beta 2 em 2001. Estas

expandiram o uso de uma abordagem multiaxial, uma vez que propunham dois modelos,

cada um com oito eixos. Um para os fenmenos de enfermagem e outro para as aes de

enfermagem. Desenvolveram-se as definies para o diagnstico, resultado e ao de

enfermagem e estabeleceram-se os critrios para a elaborao de um diagnstico, um

resultado e uma interveno de enfermagem com base nos modelos de oito eixos. Nesta

25

altura, os responsveis comeam a perceber o potencial de aliar os sistemas de

classificaes aos sistemas eletrnicos de registos dos cuidados de sade. A verso Beta

2 ainda se encontra em utilizao em vrias instituies do nosso pas atravs da

utilizao da aplicao informtica SAPE. Uma nova atualizao da CIPE surgiu em

2005, a verso 1, simplificando em relao s verses Beta, na medida em que eliminou

um dos modelos de eixos. A partir desta altura a CIPE comportou apenas um modelo

constitudo por sete eixos, o qual servia de base para a elaborao dos diagnsticos de

enfermagem e das intervenes de enfermagem. Os responsveis pelo desenvolvimento

da CIPE tambm tentavam cumprir requisitos da Organizao Internacional para a

Normalizao. Foi ainda publicada em 2008 a verso 1.1 da CIPE , embora apenas na

lngua inglesa. Esta verso possua um novo browser na internet e tinha sido atualizada

com novos conceitos. Nesta verso surge o primeiro catlogo CIPE, ideia que vinha a

ser pensada desde as verses anteriores. Segundo o ICN (2010, p.19), os catlogos

CIPE foram visionados como subconjuntos da classificao que se concentrem na

especialidade, servio, quadros clnicos do cliente (por ex. diabetes) ou fenmenos de

cuidados aos clientes que fossem sensveis s intervenes de Enfermagem (por ex.

adeso). Foi neste ano que a CIPE foi aceite como classificao relacionada na Famlia

de Classificaes Internacionais da Organizao Mundial de Sade. No ano de 2009 foi

publicada a verso 2 da CIPE, mais atual em Portugal, tendo sido traduzida e publicada

para o nosso pas em 2010. Mantm o modelo de sete eixos e contm um captulo com

exemplos de enunciados pr-coordenados de diagnsticos, resultados e intervenes,

com o objetivo de reutilizar a informao de enfermagem (ICN, 2010).

No intuito de responder aos desafios da informao em enfermagem, particularmente

documentao eletrnica da mesma, a Ordem dos Enfermeiros tem tido uma

interveno fulcral de apoio e orientao para a profisso. A CIPE o sistema

taxonmico indicado pela Ordem dos Enfermeiros como o mais adequado para

documentar informaticamente os cuidados de enfermagem das instituies de sade em

Portugal. Encontrando-se traduzida para 29 lnguas, visa uniformizar conceitos e

catalogar diagnsticos de Enfermagem, resultados e intervenes, criando uma

terminologia comum a todos os enfermeiros (Leal, 2006 e Ordem dos Enfermeiros, 2010).

A recomendao de utilizao desta classificao pela Ordem dos Enfermeiros deve-se

ao facto da CIPE ser a classificao de maior utilizao a nvel mundial, a que possui

26

informaes mais completas e a que permite um maior e melhor tratamento da

informao armazenada. Segundo esta instituio e,

tendo em vista maximizar o potencial dos registos electrnicos, designadamente a

produo de indicadores, o desenvolvimento da investigao, a monitorizao da

qualidade, a formao, o financiamento e a tomada de deciso em relao s polticas de

sade, bem como a necessidade de reutilizao de dados e comparabilidade () os

requisitos de uma prtica baseada na evidncia, o sistema de informao e os registos

electrnicos devero contemplar a utilizao obrigatria da Classificao Internacional

para a Prtica de Enfermagem (CIPE).

(OE, 2007, p.2)

Para o International Council of Nurses (ICN, 1993, referenciado por PAIVA, 2006), a

CIPE uma classificao que utiliza uma terminologia comum de enfermagem e esta

caracterstica importante para a profisso na medida em que melhora a comunicao

intra e interdisciplinar, promove a continuidade dos cuidados, assegura a possibilidade de

comparao de dados, permite uma melhor gesto dos recursos humanos de

enfermagem em funo das necessidades dos clientes, estimula a investigao, d

visibilidade prtica da enfermagem permitindo a influncia ao nvel das decises

polticas relativas rea da sade e melhora a comunicao e a tomada de deciso em

enfermagem.

Os principais conceitos da CIPE so os seus sete eixos: Foco, Juzo, Recursos,

Aco, Tempo, Localizao e Cliente. Sendo o foco a rea de ateno relevante para a

enfermagem (por exemplo, dor, sem abrigo, eliminao, esperana de vida,

conhecimento) (CIPE, 2010, p.35), e o juzo a opinio clnica ou determinao

relativamente ao foco da prtica de enfermagem (por exemplo, nvel decrescente, risco,

melhorado, interrompido, anormal) (CIPE, 2010, p.81). da conjugao destes dois

eixos, no mnimo, que surgem os diagnsticos de enfermagem, decises que o

enfermeiro toma em relao s reas de ateno relevantes para a enfermagem. No

entanto, sempre que possvel a informao de outros eixos, como a localizao e o

cliente, deve ser contempladas. Com base no modelo de sete eixos possvel, aps a

identificao dos diagnsticos de enfermagem, planear intervenes e resultados

esperados, para posterior avaliao, cumprindo assim as etapas preconizadas do

processo de enfermagem.

Na era da informatizao dos servios de sade e no que diz respeito

documentao dos cuidados de enfermagem, os enfermeiros devem assumir a sua

27

posio enquanto elementos vitais neste processo. De acordo com o Regulamento do

Exerccio Profissional do Enfermeiro (DECRETO-LEI n. 161/96, p.2961), os enfermeiros

devero propor protocolos e sistemas de informao adequados para a prestao dos

cuidados. LEAL enfatiza que,

as enfermeiras () confrontadas com a implementao da informatizao dos registos de

sade () tero de, rapidamente, encontrar modos de assegurar o seu posicionamento, a

fim de no terem de se deparar com a incurso de outros nas tomadas de deciso que

lhes dizem exclusivamente respeito, nomeadamente () para introduzir os registos de

enfermagem, com a dignidade e identidade que merecem, nos sistemas de informao

electrnicos.

(LEAL 2006, p.23)

importante referir que ao utilizar a CIPE, enquanto linguagem estruturada, no se

pretende padronizar os cuidados de enfermagem, mas sim padronizar a linguagem dos

mesmos, mantendo o dever de, segundo o Cdigo Deontolgico do Enfermeiro (2009),

dar, quando presta cuidados, ateno pessoa como uma totalidade nica, inserida

numa famlia e numa comunidade.

No captulo anterior, denominado de fundamentao terica, foram exploradas

determinadas temticas que considerei importantes para sustentar o projeto que pretendi

desenvolver e implementar. Estas temticas foram o cuidado de enfermagem e o Modelo

de Sistemas de Betty Neuman, o Processo de Cuidados em Enfermagem e a sua

documentao recorrendo Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem. O

aprofundamento destas temticas beneficiou, para alm do desenvolvimento do projeto

de melhoria da qualidade da documentao dos cuidados de enfermagem, a aquisio e

desenvolvimento de competncias na rea da enfermagem de sade infantil e peditrica.

O captulo seguinte ir descrever e analisar o percurso formativo que permitiu a aquisio

dessas competncias.

28

4. DESCRIO E ANLISE DO PERCURSO FORMATIVO DE

AQUISIO DE COMPETNCIAS DE ENFERMEIRO ESPECIALISTA

EM SADE INFANTIL E PEDIATRIA

Com o desgnio de cumprir os objetivos traados foram realizados ensinos clnicos de

acordo com o cronograma previamente planeado (Apndice I). Estes contriburam para a

aquisio e desenvolvimento de competncias. Selecionei os seguintes locais para a

realizao dos ensinos clnicos: Unidade de Neonatologia do Hospital Garcia de Orta,

Servio de Urgncia e Internamento de Pediatria do Centro Hospitalar de Lisboa

Ocidental Plo Hospital de So Francisco Xavier, Unidade de Cuidados de Sade

Personalizados de Cascais e Unidade de Neonatologia e Cuidados Intermdios de

Pediatria do HPP - Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida.

Sucintamente, e em relao escolha dos locais onde foram realizados os ensinos

clnicos, o Hospital Garcia de Orta foi pioneiro, na regio de Lisboa, na informatizao dos

registos de enfermagem utilizando linguagem CIPE. Os enfermeiros deste hospital

conhecem bem as etapas do processo de implementao de um padro de

documentao dos cuidados de enfermagem utilizando a CIPE. Puderam tambm

partilhar, fruto da experincia adquirida, as necessidades sentidas e possveis estratgias

para as ultrapassar. A Unidade de Neonatologia deste hospital foi um dos servios piloto

pelo que considerei a sua experincia uma mais-valia para o desenvolvimento do meu

projeto. Tambm os enfermeiros do Servio de Urgncia e Internamento de Pediatria do

Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental Plo Hospital de So Francisco Xavier, possuem

uma experincia de criao de um padro documental dos cuidados de enfermagem e de

registo dos cuidados informaticamente, a qual me interessou aprofundar. A escolha pela

Unidade de Cuidados Personalizados de Cascais deveu-se ao facto de ser a Unidade de

Sade na Comunidade da rea de influncia do HPP - Hospital de Cascais, Dr. Jos de

Almeida, pelo que verifiquei a articulao existente entre o Hospital, o processamento da

documentao dos cuidados de enfermagem e pude realizar outras atividades que

contriburam para o desenvolvimento de competncias no relacionadas com a

documentao dos cuidados de enfermagem. Por ltimo, o ensino clnico no meu local de

trabalho onde se desenvolveu e implementou o projeto previsto. Em todos os ensinos

clnicos pude prestar cuidados de enfermagem a crianas e jovens em vrios estdios de

desenvolvimento e em diferentes situaes, nomeadamente de doena aguda em

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contexto de urgncia, em internamento prolongado ou mesmo em contexto de visitao

domiciliria. Todas estas experincias contriburam para a minha finalidade de aquisio e

desenvolvimento de competncias inerentes especializao em enfermagem de sade

infantil e pediatria.

Nos subcaptulos seguintes, tendo por base os objetivos traados para o projeto, farei

referncia s atividades desenvolvidas nos ensinos clnicos, s aprendizagens que me

proporcionaram, e s competncias que pude adquirir e desenvolver neste percurso

formativo para a obteno do ttulo de enfermeiro especialista em sade infantil e

pediatria.

4.1. O Cuidado de Enfermagem em Sade Infantil e Pediatria

Orientado pelo Modelo de Sistemas de Betty Neuman

Com o objetivo de adquirir e desenvolver competncias durante os ensinos clnicos,

atravs da reflexo da minha prtica na prestao de cuidados de enfermagem, orientada

pela Teoria de Betty Neuman, realizei as seguintes atividades: prestao de cuidados de

enfermagem dade criana e famlia em vrios contextos, reflexo sobre a

documentao dos cuidados de enfermagem e participao na parametrizao da

documentao dos cuidados de enfermagem na aplicao informtica Desktop de

Enfermagem.

Prestei cuidados de enfermagem em vrios contextos e analisei a forma como os

enfermeiros documentavam informaticamente os cuidados, assim como os consultavam.

Analisei as aplicaes informticas SAPE e HCIS, que utilizavam a CIPE como

linguagem classificada. Como tal achei pertinente orientar a minha ateno para a forma

como se individualizavam os cuidados de enfermagem a determinado cliente, neste caso,

a determinada criana e respetiva famlia. Ao prestar cuidados de enfermagem e ao

analisar a forma como outras instituies documentavam os cuidados de enfermagem

apercebi-me, de forma mais precisa, das fragilidades que a aplicao Desktop de

Enfermagem possua e que careciam de resoluo. Tive especial ateno ao registo das

notas de admisso, pois uma completa colheita de dados permitir um conhecimento da

situao da criana e sua famlia totalmente diferente e influenciar as restantes fases do

processo de enfermagem. A identificao dos stressores presentes no momento da

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admisso do sistema (criana e sua famlia) fundamental, assim como a perceo de

como estes afetam o sistema e a forma como o sistema consegue responder agresso

que provocam. Nesta fase, o enfermeiro pode mesmo antever possveis stressores que,

no estando ainda presentes, podero vir a agravar a condio de bem-estar da criana e

respetiva famlia. Durante a prestao de cuidados de enfermagem nos vrios ensinos

clnicos, e ao refletir sobre a minha prtica orientado pelo modelo de Betty Neuman, tomei

conscincia da importncia de uma criteriosa colheita de dados para conseguir, como

enfermeiro, ir ao encontro das necessidades do meu cliente. Nomeadamente, o nvel

habitual de bem-estar da criana de modo a ter a perceo de quanto o desvio a esse

bem-estar. Este dado crucial na apreciao inicial da situao de sade da

criana/famlia para uma correta identificao dos problemas existentes e dos

diagnsticos de enfermagem. Por exemplo, se estiver perante uma situao de doena

como a diabetes, e de forma a identificar os diagnsticos de enfermagem adequados,

procurarei saber se uma diabetes recm-diagnosticada, ou uma complicao metablica

aguda de uma diabetes anteriormente diagnosticada. Se for uma complicao metablica

aguda, identificarei os stressores que estiveram na sua origem. Por exemplo, stressores

fsicos provocados por outra patologia associada, ou psicolgicos porque a criana no

aceita a sua condio de sade crnica e no adere ao esquema teraputico. As minhas

intervenes, enquanto enfermeiro e com base nestes dados, sero completamente

diferentes, pois estarei perante diagnsticos de enfermagem perfeitamente distintos. Por

outro lado, importante identificar como se encontra a linha de defesa flexvel do sistema

criana/famlia. Ser forte o suficiente para resistir a algumas agresses ou j se encontra

to fragilizada que praticamente no existe e a criana e famlia j no conseguem

encontrar estratgias de coping para responder s adversidades. Quais sero os recursos

e fragilidades que o sistema apresenta. Perante a anlise destes dados poderei identificar

os diagnsticos de enfermagem adequados e definir intervenes de enfermagem

segundo os nveis de preveno preconizados por Neuman.

Nesta altura, refleti sobre a qualidade da colheita de dados, nomeadamente sobre se

ou no suficiente para conhecermos adequadamente o nosso cliente e para elaborarmos

um plano de cuidados que reflita as suas verdadeiras necessidades. Comecei tambm a

questionar-me e a transpor os conceitos do Modelo de Sistemas de Betty Neuman para a

realidade dos cuidados. Nos ensinos clnicos comecei a orientar a minha prestao de

cuidados, nomeadamente a colheita inicial de dados segundo o modelo de Neuman e

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decidi que a colheita de dados teria de incidir obrigatoriamente sobre alguns aspetos,

como experincias anteriores de hospitalizao e a forma como foram vivenciadas.

Aspetos do sistema cliente, por exemplo, se a criana frequenta infantrio, ama ou fica

com familiares na sua rotina diria, como est habituada a adormecer, como lida com a

dor se tiver de ser submetida a um procedimento invasivo, que objetos pessoais lhe

transmitem segurana, como est a famlia a lidar com a alterao ao seu bem-estar, que

outras agresses enfrentam para alm do internamento do seu filho (ex. dificuldades

econmicas, dificuldades em gerir a dinmica familiar devido situao de sade e

internamento do filho). Que recursos existem para apoiar a famlia, como por exemplo,

que pessoas podero ajudar e apoiar nesta fase, os avs, um amigo. Ento essas

pessoas podero, por exemplo, acompanhar a criana no hospital, se forem uma

referncia para esta, caso os pais se vejam obrigados a se ausentar para responder a

outras solicitaes, por exemplo outros filhos. O acesso a estas informaes da criana e

sua famlia facilitaram, durante os ensinos clnicos, o cumprimento das vrias fases que

compem o processo de enfermagem, nomeadamente a identificao dos diagnsticos de

enfermagem e a prestao de cuidados de enfermagem ao sistema cliente

criana/famlia. Estes aspetos revelaram-se posteriormente bastante teis quando

comecei a desenhar a parametrizao da aplicao informtica Desktop de Enfermagem,

particularmente a nota de admisso na unidade, que englobou todos os aspetos acima

mencionados.

A realizao da visitao domiciliria a recm-nascidos e crianas referenciadas como

de risco no mbito do ensino clnico realizado na comunidade foi outra atividade

importante e que me permitiu desenvolver competncias na rea da sade infantil e

pediatria. Segundo Slomp et al, (2007, p.443),

a literatura apresenta os seguintes fatores de risco para mortalidade ao nascer: residir em

rea de risco; baixo peso ao nascer (< 2500 g); prematuros (< 37 semanas de idade

gestacional); asfixia grave (Apgar

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prope a cuidar do recm-nascido e de sua famlia em sua integralidade, deve ir ao

encontro de suas necessidades em diferentes dimenses e cenrios de ateno sade.

Paiva (2007), enfatiza a ideia de que o enfermeiro tem uma funo importante no

processo dos pais adquirirem competncias, as quais so imprescindveis para o

exerccio do papel parental, e esta funo da enfermagem parece constituir uma

dimenso pr activa e construtiva dos sistemas de fornecimento de cuidados de sade

(PAIVA, 2007, p.15).

A visitao domiciliria em enfermagem permite tambm uma interveno prxima

em sistemas clientes, por vezes, j fragilizados e ainda sujeitos a vrios agressores.

Bolander (1998, p.494), afirma que a enfermagem no domiclio () de mbito global,

isto , centrada no indivduo que requer cuidado e na famlia ou no sistema de suporte.

Esta atividade permitiu-me ver na realidade vrias dimenses do sistema criana/famlia

que, por vezes, no surgem imediatamente aquando do internamento hospitalar,

nomeadamente a dimenso cultural ou socioeconmica. Assim como possveis

agressores ao sistema, situaes de desequilbrio que afetam vrias variveis do sistema,

nomeadamente condies habitacionais, ausncia de suporte familiar, entre outras.

Contribuiu bastante para a minha formao, pois permitiu-me sair do ambiente controlado

que o hospital e ter a perspetiva real de algumas situaes que alguns grupos

desfavorecidos vivenciam no seu dia-a-dia. Identifiquei em uma das visitas domicilirias

falta de conhecimentos e realizei ensinos baseados em condies reais das pessoas,

nomeadamente utilizei recursos materiais que encontramos nas suas casas, e em

conjunto com a famlia foi reorganizado o espao fsico adequando-o s necessidades da

criana. Apercebi-me do quanto temos de adequar os nossos ensinos, enquanto

enfermeiros, nomeadamente no internamento para que a famlia consiga responder em

determinados contextos. Confrontei-me com o facto de que, por vezes, educamos no

hospital a pensar que as famlias possuem determinadas condies, que nem sempre se

verificam na realidade. Pode acontecer que as mesmas no consigam depois dar a

resposta que espervamos, pelos mais variados fatores, tais como socioeconmicos ou

culturais. Este aspeto conduziu-me novamente para a importncia da colheita de dados

no hospital ser o mais completa possvel, realizando-se continuamente durante todo o

internamento, pois o estabelecimento de uma relao de confiana entre a famlia/criana

e o enfermeiro durante o internamento poder resultar na obteno de uma determinada

informao, que no momento da admisso os mesmos no estariam ainda dispostos a

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partilhar. S assim poderemos dar resposta s verdadeiras necessidades da

criana/famlia que estamos a cuidar, quer isso depois se manifeste, por exemplo, numa

estratgia diferente de conduzir a criana/famlia para determinada aprendizagem, na

possibilidade de uma articulao entre o hospital e os cuidados de sade primrios ou

mesmo ativando outro apoio da comunidade, em prol de um objetivo comum. Segundo

um estudo realizado por Leandro e Christoffel (2011, p.230),

torna-se essencial que os profissionais de sade possam ouvir, identificar problemas,

compreender, acolher e aconselhar, sem perder de vista que aconselhar no impor o que

se deve fazer, mas apoiar e orientar de forma clara para tentar ajudar nas decises que

precisam ser tomadas. As orientaes fornecidas pelos profissionais de sade s fazem

sentido quando atendem s necessidades reais das famlias e tm significados dentro do

seu contexto social, econmico e cultural em que elas se inserem.

Na minha prestao de cuidados preocupei-me em adequar os ensinos, tendo em conta

os aspetos acima referidos, nomeadamente privilegiando a escuta, recorrendo a uma

linguagem clara, respeitando as crenas e valores do cliente, assim como tive em conta o

seu contexto socioeconmico nas orientaes dadas.

A anlise da conceo do cuidado de enfermagem, atravs da reflexo dos

conceitos-chave do modelo de Betty Neuman e da minha experincia profissional, ajudou

a efetivar certos detalhes sobre o conhecimento que o enfermeiro deve ter sobre a criana

e famlia ao seu cuidado, de forma a suprimir as necessidades que a criana e famlia

podem ter. Tambm contribuiu para me orientar na forma de documentar a informao na

aplicao informtica, de modo a cumprir os requisitos que esta deve ter, nomeadamente

o carter tico e legal, a promoo da continuidade e da qualidade dos cuidados de

enfermagem e a facilitao da tomada de deciso. Como referi anteriormente, a

efetivao na prtica destes aspetos revelou-se particularmente relevante quando

trabalhei a parametrizao dos registos na aplicao informtica Desktop de

Enfermagem, pois procurei que a aplicao informtica respondesse s questes que a

reflexo anterior me suscitou. A parametrizao da documentao dos cuidados de

enfermagem na aplicao informtica Desktop de Enfermagem foi realizada utilizando

linguagem CIPE. Durante a parametrizao, o grupo de trabalho do qual fiz parte e

coordenei, teve em conta os agressores presentes e que conduziram a determinados

diagnsticos de enfermagem, como por exemplo dor presente ou amamentao

comprometida. Contudo, tambm foi tido em conta os possveis agressores que no

estando ainda instaurados, facilmente quebraro as linhas de defesa do sistema

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criana/famlia, podendo a qualquer momento alterar o equilbrio do sistema, o que

resultou na criao de diagnsticos de enfermagem, como por exemplo, o risco de dor

ou o risco de aspirao. O resultado final foi a criao de formas de documentao dos

diagnsticos de enfermagem e das respetivas intervenes de enfermagem que o

enfermeiro planeia e executa de modo a evitar um maior desequilbrio do sistema cliente.

Perante a experincia obtida e a reflexo realizada sobre os ensinos de enfermagem foi

tambm dada bastante relevncia, durante a parametrizao, s necessidades de

aprendizagem da criana e famlia. Segundo a CIPE (2010, p.39), a aprendizagem o

processo de adquirir conhecimentos ou competncias por meio de estudo sistemtico,

instruo, prtica, treino ou experincia. Aquando da parametrizao o grupo teve em

conta estes aspetos, nomeadamente o momento para a sua realizao, o destinatrio

mais adequado e a fase de aquisio de competncias em que este se encontra, para

que a documentao seja o mais fidedigna possvel e de fcil consulta.

Penso que as atividades que realizei contriburam para reforar as minhas

competncias na prestao de cuidados especficos criana e sua famlia, adequando

os cuidados de enfermagem situao de sade e desenvolvimento da criana e

promovendo a maximizao da sade, atravs de uma mudana na forma de conceber a

dinmica do cliente a quem presto cuidados. Anteriormente, quer a nvel acadmico ou

profissional, nunca tinha orientado o meu pensamento pelo Modelo de Sistemas de Betty

Neuman. As reflexes que fiz sobre a minha prtica, agora orientadas por este modelo

permitiram-me aprofundar conhecimentos e refletir no sentido de direcionar a minha

interveno para o sistema cliente - criana/famlia, tendo em conta as variveis

(fisiolgicas, psicolgicas, socioculturais, de desenvolvimento e espirituais), os stressores

envolvidos, as variaes ao bem-estar e a capacidade de resposta da dade. Apesar de

restrito ao internamento enquanto enfermeiro a trabalhar numa Unidade, a minha

interveno tem de ter em conta inmeros fatores que interferem na criana e famlia

muito para alm do espao fsico do hospital, quer durante a admisso, o internamento ou

a preparao da alta. Atualmente penso estar mais atento a todas as variveis que

influenciam ou podero influenciar a criana/famlia ao meu cuidado, nomeadamente as

variveis sociais, econmicas e culturais, permitindo no meu ponto de vista, uma resposta

de cuidados de enfermagem criana e sua famlia mais adequada.

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4.2. O Processo de Construo do Padro de Documentao dos

Cuidados de Enfermagem

Um dos grandes motivos por ter optado trabalhar a problemtica da documentao

dos cuidados de enfermagem foi o facto deste projeto ter requerido aquisio de

competncias de liderana e de gesto, as quais eu sentia necessidade de desenvolver.

As funes de chefia de equipa obrigaram-me a aprofundar conhecimentos nestas reas,

contudo ansiava profissionalmente por um projeto de maior amplitude que me permitisse

evoluir e dominar estas competncias a um nvel superior. Pretendendo responder ao

objetivo de desenvolver competncias de liderana e gesto de grupos de trabalho,

planeei como atividades principais a realizao de entrevistas a enfermeiros de referncia

na rea da criao de padres documentais dos cuidados de enfermagem, a coordenao

do grupo de parametrizao da documentao dos cuidados de enfermagem na aplicao

informtica Desktop de Enfermagem, o planeamento e realizao de aes de formao

(em conjunto com o grupo de enfermeiros que participou na parametrizao) para os

enfermeiros dos servios de pediatria do HPP - Hospital de Cascais, Dr. Jos de Almeida,

a elaborao (em conjunto com o grupo que participou na parametrizao) de um guia de

orientao que facilitasse a correta documentao dos cuidados de enfermagem e a

superviso da implementao do padro de documentao na Unidade de Cuidados

Intermdios de Pediatria.

Em relao s entrevistas realizadas, constru previamente um guio de entrevista,

com os objetivos das mesmas e as questes a colocar (Apndice II). Apliquei-o a trs

pessoas de referncia na rea da documentao dos cuidados de enfermagem,

encontrando-se as respetivas transcries das entrevistas em apndice (Apndice III). Em

comum, estas pessoas, enfermeiras a desempenhar cargos de chefia ou direo, tm o

facto de j terem sido elementos impulsionadores de mudana, participando

anteriormente em projetos de construo e implementao de padres de documentao

dos cuidados de enfermagem. Os resultados obtidos da anlise das entrevistas

devolveram-me aspetos importantes, dos quais saliento, como eventuais obstculos que

poderia encontrar:

Resistncia mudana, falta de formao, no aplicao do processo de

enfermagem;

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Modelo biomdico muito presente, podendo conduzir centralizao em demasia

por parte dos enfermeiros nas reas interdependentes;

Desmotivao da equipa de enfermagem pela duplicao de registos em papel e

informaticamente, quando essa duplicao se prolonga no tempo.

Em contrapartida, identifiquei atravs das entrevistas, algumas estratgias a que poderia

recorrer, nomeadamente:

Formao sobre processo de enfermagem, CIPE e aplicao informtica

(Desktop de Enfermagem);

Criao de um grupo de trabalho restrito para desenvolver a parametrizao dos

cuidados de enfermagem;

Englobar faseadamente toda a equipa de enfermagem no processo;

Promoo de momentos de discusso e partilha em equipa;

Elaborao de um guia de preenchimento que orientasse a documentao dos

cuidados de enfermagem na aplicao informtica;

Enfatizar as intervenes autnomas de enfermagem e os ganhos de sade

sensveis aos cuidados de enfermagem;

Agilizar a eliminao dos registos em papel.

Saliento ainda outros aspetos que emergiram das entrevistas, como o facto de qualquer

aplicao informtica que documente os cuidados de enfermagem ser meramente uma

ferramenta acessria, que deve cumprir determinados requisitos, sendo o essencial o

domnio por parte dos enfermeiros do Processo de Enfermagem. Tambm muito

importante a opinio generalizada das entrevistadas de que um padro documental

nunca se pode dar como terminado, devendo ser alvo de constante evoluo e

atualizaes. Finalmente e numa fase posterior, a realizao de auditorias daro a todos

os membros da equipa de enfermagem o feedback necessrio para corrigir eventuais

erros de documentao, melhorar a qualidade dos registos ou mesmo conduzir a

sugestes de como melhorar aspetos arquitetnicos da prpria aplicao informtica. A

realizao de entrevistas forneceu-me informaes pertinentes, tendo a experincia

anterior destas pessoas sido uma mais-valia, que permitiu orientar o meu projeto e me

ajudou em algumas tomadas de decises, como os temas a abordar na formao aos

enfermeiros da rea peditrica, a breve utilizao de registos de cuidados em duplicado e

o incentivo, a determinada altura, participao de todos os enfermeiros do servio neste

projeto. As entrevistas tambm me ajudaram a antever que, como lder do projeto, teria de

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gerir os recursos humanos que dispunha para cumprir os prazos estipulados e

acompanhar de perto todas as etapas do processo para garantir o sucesso do mesmo.

Teria de estar atento aos possveis obstculos para que me alertaram e ciente das

estratgias a implementar para os evitar e/ou ultrapassar.

A direo de enfermagem juntamente com a enfermeira coordenadora do projeto a

nvel global, responsvel pela rea da pediatria e do adulto, selecionaram um grupo de

enfermeiros para construir o padro de documentao dos cuidados de enfermagem do

hospital. O grupo responsvel por desenvolver o padro de documentao da rea da

pediatria foi composto por mim, enquanto coordenador desta rea, outra enfermeira da

Neonatologia e Unidade de Cuidados Intermdios de Pediatria e duas enfermeiras do

servio de internamento de Pediatria, de forma a abarcar pessoas com experincias

diferentes. Num primeiro momento foi realizada uma formao, a qual todos fomos

assistir, sobre Processo de Enfermagem e CIPE, sendo esta destinada a todos os

enfermeiros que iriam trabalhar na construo do padro de documentao dos cuidados

de