CONSTRUÇÕES RELATIVAS NAS VARIEDADES LUSÓFONAS … · matriz e uma oração relativa no conjunto...
Transcript of CONSTRUÇÕES RELATIVAS NAS VARIEDADES LUSÓFONAS … · matriz e uma oração relativa no conjunto...
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
1
CONSTRUÇÕES RELATIVAS NAS VARIEDADES LUSÓFONAS
Roberto Gomes CAMACHO1 Eli Nazareth BECHARA2
RESUMO: O interesse deste trabalho é estudar a natureza da ligação entre uma oração matriz e uma oração relativa no conjunto das relações de subordinação nas variedades lusófonas, com o objetivo específico de fornecer um quadro preliminar das semelhanças e diferenças entre cada tipo de oração dependente. PALAVRAS-CHAVE: oração relativa; variedades lusófonas; restritiva; não-restritiva
Palavras iniciais
Este trabalho, que enfoca especificamente as construções relativas restritivas e
não-restritivas, parte do princípio de que o português falado nas variedades lusófonas
dispõe de um conjunto de estratégias de relativização que são reconhecidas na
linguística tipológica como construções que definem grupos aparentados de línguas ou
de línguas isoladas da mesma família.
Assim, é possível que essas diferentes estratégias, quando empregadas pelo
mesmo sistema linguístico, não constituam realmente variantes de uma mesma variável
sintática, mas escolhas reais do falante diante da necessidade de exercer diferentes
funções discursivas e sociais.
1 Universidade Estadual Paulista- Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Departamento de
Estudos Linguísticos e Literários – Rua Cristóvão Colombo, 2265, - CEP: 15054-090 - São José do Rio Preto, SP, Brasil – email: [email protected].
2 Universidade Estadual Paulista- Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – Rua Cristóvão Colombo, 2265, - CEP: 15054-090 - São José do Rio Preto, SP, Brasil – email: [email protected].
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
2
No entanto, essa hipótese não vai ser investigada nesta fase, que tratará
essencialmente de buscar critérios gerais que possam determinar semelhanças e
diferenças entre os três tipos de subordinação – a completiva, a relativa e a adverbial,
portanto, os fatores que definem as relativas no âmbito das demais orações
dependentes3.
Este trabalho está organizado da seguinte maneira: a primeira parte trata de
mobilizar as motivações que justificam tratar do tema; a segunda parte, que descreve o
suporte teórico, procura fornecer uma definição formal e uma definição funcional de
relativa; a terceira parte trata dos objetivos e dos principais critérios de análise; a quarta
parte fornece uma discussão dos resultados com um tratamento quantitativo dos
critérios relevantes; finalmente, as Considerações Finais retomam os principais
objetivos para fornecer, a título de conclusão, um quadro geral dos principais critérios,
que permitem enquadrar as orações relativas.
Justificativa e relevância do tema
Quando se compara a estratégia copiadora com a estratégia de pronome relativo,
ou padrão, vê-se que aquela é mais eficaz do que esta no sentido de que as línguas que a
contêm licenciam um conjunto muito maior de posições relativizadas da Hierarquia de
Acessibilidade de Keenan & Comrie (1977). Essa questão intrigante, levantada por Dik
(1997) e, no Brasil, por Kato (1981), aponta para uma relação entre o número das
3 Este trabalho divulga resultados da primeira fase do desenvolvimento do projeto Construções
subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional da UNESP de São José do Rio Preto, que, sob a coordenação de Erotilde Goreti Pezatti, investiga as relações completivas, relativas e adverbiais.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
3
posições relativizadas e a facilitação do processamento cognitivo de informação, tipo de
motivação ao qual este projeto pretende fornecer princípios explanatórios.
Tarallo (1983) tem sido referência, ou ponto de partida obrigatório, para quem se
interessa por estudar a oração relativa no português do Brasil, tendo inspirado outros
trabalhos sobre as estratégias de relativização (cf. Longo, 1994; Kato, 1996; Kato,
Braga et alii, 1996) que, ou desenvolveram aspectos relevantes, pouco explorados pelo
autor, ou postularam interpretações diferentes para o sistema de relativização do
português do Brasil. Esses estudos que seguiram esse núcleo gerador – bem como o
próprio – enquadram-se no paradigma gerativista. A abordagem que propomos aqui
para o mesmo fenômeno, por ter um instrumental teórico diferente do adotado nos
estudos acima enumerados, é necessariamente complementar, não propriamente
alternativa. Trata-se aqui de um enfoque funcionalista, o que implica extrapolar os
limites da estrutura formal do fenômeno em estudo para além do nível morfossintático,
considerando como relevantes a pragmática e a semântica, entendidas, pelo Gramática
Discursivo-Funcional (HENGEVELD, MACKENZIE, 2008) como Níveis Interpessoal
e Representacional.
Com base nesse conceito de linguagem e de gramática, nosso objetivo é
examinar a hipótese de que as estratégias de construção relativa em uso nas diferentes
variedades lusófonas não são realmente variantes, ou formas distintas de dizer a mesma
coisa, mas diferentes estratégias para diferentes propósitos comunicativos.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
4
Premissas teóricas
Uma definição formal de oração relativa
A construção relativa (OR) consiste em dois componentes: o nome nuclear e a
oração restritiva. A função semântica do núcleo é estabelecer um conjunto de entidades,
que pode ser chamado de domínio da relativização, de acordo com Keenan e Comrie
(1977, p.63), enquanto o da oração restritiva é identificar um subconjunto do domínio
mediante a imposição de uma condição semântica sobre o nome nuclear. No exemplo
seguinte, o nome nuclear é um primo e a oração restritiva que estava a tirar o curso por
correspondência.
(1) lembro-me que em mil novecentos e oitenta tive um primo que estava a tirar o curso por
correspondência de desenho e pintura (Moç832, Cantar e Pintar),.
Em (1), o domínio da relativa, denotado pelo nome nuclear um primo, é
estreitado, por assim dizer, pela única entidade que satisfaz a condição expressa pela
oração restritiva que estava a tirar curso por correspondência. É nesses termos que a
oração restritiva tem sido tradicionalmente entendida como um modificador do núcleo
nominal.
Há dois tipos de OR, dependendo de onde o núcleo se situa, ou seja, fora ou
dentro da oração restritiva. O primeiro tipo é conhecido como OR de núcleo interno
(internal head), enquanto o segundo tipo é referido como OR de núcleo externo
(external head). O português é exemplo de língua de OR de núcleo externo, como
ilustrado em (1), já que o nome nuclear se posiciona fora da oração restritiva.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
5
Quando o núcleo nominal e a oração restritiva formam o tipo OR de núcleo
externo, o papel semântico e o sintático do núcleo nominal na oração restritiva é
diferente do papel do pronome relativo, como ocorre no exemplo (1), em que o núcleo
tem função de Paciente/objeto na oração restritiva e função de Agente/sujeito na oração
principal.
Talvez seja bom lembrar que, em português, a formação de relativas-padrão a
partir das posições de sujeito e de objeto não prevê a marcação formal de caso4, que, de
fato ocorre nas posições de objeto indireto, genitivo e oblíquo da forma padrão,
conforme se observa em (2a-c).
(2) a José não conhece o homem a quem Maria deu o livro.
b O ministro cujo nome o deputado não quis revelar está envolvido no escândalo
c A menina de quem você gosta é namorada do João.
Das quatro estratégias reconhecidas por Keenan (1985) e Comrie (1989) - (i) de
lacuna, (ii) retenção de pronome, (iii) pronome relativo5 e (iv) não-redução – o
português dispõe da estratégia de pronome relativo, da estratégia de retenção
pronominal e da estratégia de lacuna.
A estratégia do pronome relativo é empregada quando pronomes especiais, que
em geral são formalmente relacionados a expressões demonstrativas e/ou pronomes
interrogativos, são usados para representar o papel do núcleo nominal na oração
4 A não ser que se considerasse a ordem SVO como indício de marcação de caso. Cp: A atleta que José
treinou ganhou a medalha de ouro/A atleta que treinou José ganhou a medalha de ouro. 5 Essas duas estratégias são conhecidas na linguística brasileira como relativa copiadora e relativa-padrão
a partir do trabalho pioneiro de Tarallo (1983) de natureza variacionista. V. também Kato; Braga et alii (1996) para uma interpretação gerativista. Deve-se acrescentar a relativa cortadora, uma estratégia que prevê uma posição de zero, onde aparece o pronome-lembrete da estratégia copiadora.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
6
restritiva. Essa estratégia, mais frequentemente encontrada em línguas européias, é
largamente empregada no português, pelo menos, nas estratégias de uso padrão da
construção relativa, conforme mostram os exemplos de (2a-c).
A estratégia de retenção pronominal, denominada relativa copiadora por Tarallo
(1983), envolve o uso de um pronome pessoal na oração restritiva correferencial ao
núcleo nominal na oração principal. Nessa estratégia, que se vê nos exemplo de (3a-c), a
referência ao núcleo nominal na oração principal é recuperada numa forma pronominal
apropriada na oração restritiva, e o elemento conectivo pode ser interpretado não como
pronome relativo, mas como um Complementizador (cf. TARALLO, 1983).
(3) a José não conhece o homem que Maria deu o livro para ele.
b O ministro que o deputado não quis revelar o nome dele está envolvido no escândalo.
c A menina que você gosta dela é namorada do João.
A estratégia de lacuna pode ser usada também em combinação com a de
retenção pronominal, mas, segundo Song (2001, p. 221), a estratégia de pronome
relativo não é geralmente encontrada em combinação com a estratégia de retenção
pronominal. Uma estratégia do português que se aproxima dessa configuração é a
cortadora, ilustrada em (4a-c), que parece ser, segundo Tarallo (1983), uma alternativa
sociolinguística para a estratégia copiadora ou de retenção pronominal. Nesse caso, é
também mais adequada a interpretação do elemento conectivo como um
Complementizador, não como um verdadeiro pronome relativo, cujo emprego ficaria
restrito à variante padrão (cf TARALLO, 1983).
(4) a José não conhece o homem que Maria deu o livro ø.
b O ministro que o deputado não quis revelar o nome ø está envolvido no escândalo.
c A menina que você gosta ø é namorada do João.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
7
Com relação à expressão da variável anafórica relativizada por um pronome
pessoal, um zero ou um pronome relativo, é possível fazer algumas generalizações com
base na noção de Hierarquia de Acessibilidade (doravante HA), introduzida por Keenan
& Comrie (1977):
(5) SU > OD > OI > OBL > GEN > OCOMP
Essa hierarquia foi originalmente proposta para apreender a distribuição
tipológica das possibilidades de relativização. Da esquerda para a direita da HA, a
relativização se torna mais difícil e mais restrita tipologicamente. A estratégia de lacuna
é usada mais frequentemente na relativização de relações gramaticais como a de sujeito
e objeto, enquanto a de retenção pronominal se aplica a relações gramaticais como a de
oblíquo para baixo na hierarquia. O que não é atestado nas línguas é a situação inversa.
Uma definição funcional de oração relativa
De acordo com um critério funcional-cognitivo adotado pelo grupo, que
Cristofaro (2003) desenvolveu com base em Langacker (1991), a subordinação relativa
é tratada como um modo de construir uma relação cognitiva entre dois estados de
coisas; assim, um deles, que será chamado de estado de coisas dependente, carece de
um perfil autônomo, sendo, por isso, construído a partir da perspectiva do outro estado
de coisas, que será chamado de estado de coisas principal.
A autora equaciona a noção de subordinação e a de não-subordinação, definida
por Langacker (1991) às noções de assertividade e não-assertividade. Cristofaro (2003)
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
8
usa esse critério para excluir as não-restritivas, que, juntamente com as restritivas,
constituem o objeto de estudo deste trabalho.
Vejamos, por outro lado, como Hengeveld e Mackenzie (2008) tratam da
modificação mediante uma construção complexa. Cada nível de representação que a
GDF distingue tem sua própria estruturação e o que há em comum nos níveis é que eles
têm uma organização em camadas hierárquicas. A forma máxima da estrutural geral de
camadas dentro de cada nível é dada em (6)
(6) (πv1 [head (v1) Ф ]: [σ (v1 ) Ф] ) Ф (HEGENVELD; MACKENZIE, 2008, p. 14)
Nessa representação, v1 representa a variável da camada relevante, que é restrita
por um núcleo (possivelmente complexo) que toma a variável como seu argumento, e
pode ser depois restringido por um modificador σ que também toma a variável como
seu argumento. A camada pode ser especificada por um operador π e exerce a função Ф.
Uma oração relativa restritiva exerce a função de modificador de um núcleo nominal,
que, em (6), é representada pela formalização destacada em negrito.
Todos os tipos de unidades designadoras de indivíduos podem, em princípio, ser
qualificados por modificadores, que podem ser distinguidos em lexicais ou simples e
oracionais ou complexos. Há línguas que não dispõem de adjetivos, mas em línguas que
dispõem dessa classe de palavras, como o português, muitos de seus membros exercem
a função de núcleo de modificadores em unidades designadoras de indivíduos, como em
(7a), já que essa é a posição que define adjetivos:
(7) a (1xi : [ (fi: homemN (fi)) (xi) Ф]) “ o homem”
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
9
Como núcleos, os modificadores dessa camada são analisados como se
compusessem predicações de um lugar com (xi). Em (7b) o modificador envolve a
atribuição da propriedade (fi: velhoA (fi)) a (xi) em um esquema de predicação de um
lugar do tipo [(fi) (xi) Ф].
(7) b (1xi : [ (fi: homemN (fi)) (xi) Ф]: [(fi: velhoA (fi)) (xi) Ф])
“ o homem velho” (HEGENVELD; MACKENZIE, 2008, p. 241)
Modificadores podem pertencer a outras categorias semânticas e tomar a forma
de orações relativas restritivas ou orações não-finitas, caso em que a descrição de um
estado de coisas, em que um indivíduo se acha envolvido, é usada para descrever esse
indivíduo como em (8a), que pode ser parafraseada por (8b-c).
(8) a O homem varrendo a calçada
b (RI: [(TI) [RI(TJ) (RJ)] (RI))
c 1xi : [ (fi: homemN (fi)) (xi) Ф]: [sim ei : [(fj : [(fk : varrerV (fk)) (xi) A
(1xj: (fl : calçadaN (fl)) (xj ))U] (fj )) (ei) Ф ]))
(Adaptado de HENGEVELD; MACKENZIE, 2008, p. 244)
Segundo Hengeveld e Mackenzie (2008), no Nível Morfossintático (8c), a
designação de Sujeito ao argumento A de varrer e a ausência de operador de tempo
absoluto são os fatores que determinam a forma varrendo de (8a).
É possível, por outro lado, haver correferencialidade sem haver um segundo
Subato Referencial, caso que se aplica às orações relativas sem núcleo, tais como o que
se vê em (9), onde um indivíduo (xi) é identificado mediante um estado de coisas em
que ele está envolvido, como representado em (10)
(9) Eu vou ler o que você escreveu.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
10
(10) xi: (ei: [(fi: lerV (fj)) (xj)A (xi)U] (fi)) (ei) Ф ]))
Hengeveld e Mackenzie (2008, p.49-50) consideram que, em casos de múltiplos
Atos de Discurso dentro de um Move, a ordem linear dos atos reflete sua sucessão
temporal. Dentro do Ato de Discurso individual, quando as unidades não têm uma
função retórica, mas apenas uma função pragmática, a ordem linear dos elementos na
estrutura é arbitrária.
Note que, no caso de múltiplos Atos de Discurso dentro do Move, são possíveis
sobreposições no Nível Morfossintático, de tal modo que a expressão de um Ato
Discursivo, uma vez iniciada, pode ser interrompida pela expressão de outro Ato de
Discurso, antes de ser depois completada, como no caso de certas orações relativas não-
restritivas encaixadas no meio, conforme o exemplo (11).
(11) O jogo (início de AI), o qual começou às 7:30 (AJ), terminou em um empate (fim de AI).
A descrição do exemplo (11), no Nível Interpessoal, mostra os Atos de Discurso
ordenados como (AI) antes de (AJ), desde que (AJ) comece mais tarde. A correferência
entre os Subatos Referenciais em (AI) e em (AJ) provoca a formação e o posicionamento
da oração relativa não-restritiva no Nível Morfossintático.
As orações relativas não-restritivas, como observadas por Dik (1997b, p. 41-2) –
segundo Hengeveld e Mackenzie (2008) –, admitem modificadores ilocucionários e,
como tal, nos termos de Cristofaro (2003), podem ser afirmados, negados ou
interrogados. Dado que elas têm, caracteristicamente, um contorno de entonação
independente, elas devem ser analisadas como Atos de Discurso em si próprios, o que
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
11
explica por que elas podem aceitar adverbiais com a função de modificador de uma
Ilocução tal como francamente, conforme se vê em (12).
(12) Os estudantes, que, francamente, têm trabalhado muito, passaram no exame.
Hengeveld e Mackenzie (2008, p.58) propõem que a função característica de
uma oração relativa não-restritiva é aquela de prover informação retroativa com relação
ao indivíduo introduzido na oração principal, considerada como uma função retórica
(Aside).
Outro fator é que os Conteúdos Comunicados de (A1) e (A2) deveriam conter um
Subato Referencial (R) evocando a mesma descrição de entidade no nível
representacional, representável como na formalização em (13)
(13) [(A1: [...(R1)...] (A1)) (A2: [...(R2)...] (A2))Aside
em que uma condição adicional é que R1 e R2 se refiram à mesma entidade no Nível
Representacional. É esta combinação particular de dependência e correferência que
aciona a configuração apropriada no Nível Morfossintático.
Objetivos
As definições aqui admitidas de construção relativa restritiva e não-restritiva,
com base na proposta de Cristofaro (2003) e Hengeveld e Mackenzie (2008), parecem
cobrir todas as construções usadas no português para codificar a situação funcional
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
12
relevante de modificação e de adposição, independentemente de suas propriedades
estruturais.
Como já mencionado na introdução, o método de investigação pressupõe, nesta
primeira fase, a busca de critérios gerais que possam determinar semelhanças e
diferenças entre os três tipos de subordinação – a completiva, a relativa e a adverbial.
Portanto, esta pesquisa compreende o enfoque das ocorrências de acordo com os fatores
abaixo especificados, relevantes para a análise das relativas restritivas e não-restritivas.
Considerando o Nível Interpessoal, pretende-se investigar a presença ou
ausência de marcador discursivo e a possibilidade de haver ou não função retórica. O
primeiro critério compreende a inclusão de qualquer elemento extraoracional que se
interponha entre as duas orações em análise. O segundo critério se aplica às orações
que expressam atos discursivos, o que, por definição, ocorre com as não-restritivas
Considerando o Nível Representacional, os fatores gerais de análise incluem a
identidade dos participantes e a factualidade do evento. Devem ser consideradas factuais
as orações que descrevem: (i) propriedade e relação como aplicável; (ii) estados de
coisas como reais; (iii) conteúdos proposicionais como verdadeiros e (iv) Atos
discursivos como assertivos. Caso contrário, são não-factuais.
O Nível Morfossintático inclui o tipo de categoria que identifica a oração
relativa, isto é, se constitui um Move, um Ato Discursivo, um Conteúdo Comunicado no
Nível Interpessoal, ou se constitui uma proposição, um episódio, um estado de coisas ou
uma propriedade no Nível Representacional. Essas categorias não são do Nível
Morfossintático, mas é compreensível, haja vista as relações de projeção de categorias
pragmáticas e semânticas, como as enumeradas, no Nível Morfossintático, que definem
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
13
as relações de alinhamento entre os níveis de análise (cf. HENGEVELD;
MACKENZIE, 2008).
Além das relações de alinhamento, os outros fatores que dizem respeito ao Nível
Morfossintático são o tipo de operador que estabelece a junção, isto é, se preposição,
conjunção, pronome, ou zero e a natureza finita da forma verbal (indicativo e
subjuntivo) e não-finita (particípio, gerúndio ou infinitivo); essa expressão
morfossintática indicia o grau de dependência da oração subordinada nos termos de
Lehmann (1988). Outro fator relevante é a posição da subordinada em relação à matriz
(inicial, medial e final), que tem uma distribuição sintaticamente regida no caso das
relativas.
O Nível Fonológico, por sua vez, implica tão somente a presença ou ausência de
quebra entonacional, aqui entendida como qualquer acidente prosódico (pausa, queda
prosódica, tessitura mais baixa ou mais alta) que ocorra, funcionalmente, no limite entre
a oração principal e a dependente.
Discussão dos Resultados
A amostra total compreende 716 ocorrências de orações já levantadas. Como se
trata de um número grande, demos preferência por uma quantificação mediante o uso do
pacote VARBRUL, mas restrita aqui a 399 ocorrências.
A tabela 1 expõe os dados de acordo com o fator 1, presença ou ausência de
marcador.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
14
Fator 1 Presença ou ausência de marcador
Fator não-restritiva restritiva total
n % n % n %
Ausência 101 98,0 290 98,0 391 98,0
Presença 2 2,0 6 2,0 8 2,0
Total 103 25,8 296 74,2 399 100,0
Tabela 1: Presença ou ausência de marcador
A hipótese mais plausível seria a de que as não-restritivas, que representam atos
discursivos, favoreceriam a presença de marcadores, mas os resultados mostram não
haver qualquer correlação relevante entre inclusão ou não de marcador e os dois tipos de
relativas, como mostram os exemplos em (14a-b), sem marcador e (15a-b) com
marcador.
(14)a fiquei ali durante... todo o tempo que pude, a assistir àquele espectáculo de água que caía
Moç86:Chuva)
b conjuntamente estavam, estavam dois irmãos, um mais velho, que eu sigo a ele, e outro segue-
me a mim (Moç86:Chuva)
(15)a é que, quando ia a sair, em vez de utilizar o caminho que dava saída, portanto, de casa, eh
b não é, vê-se isso no mundo industrial, não é, em que se criam diferenças entre as pessoas que
trabalham e... se procura que hajam interesses pessoais para que, eh, cada um tenha qualquer
coisa a defender e não haja espírito de que há... uma coisa colectiva a defender, não é, isso vem
do poder e vem (PT95:GrandesCidades)
Com relação ao fator função retórica, a quantificação é irrelevante, já que as
não-restritivas assumem a função retórica Aside, e o inverso é verdadeiro para as
restritivas. (16a) é um exemplo de não-restritiva, representando a função retórica Aside,
e (16b), um exemplo de restritiva, representando um estado de coisas.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
15
(16)a temos que ter em conta que uma mãe, desde o primeiro m[...], dia da sua gravidez, até o último
mês que é o nono mês em que a senhora tem lá o seu bebé, terá sofrido tantos, tantos gastos
(Moç97:Maternidade)
(16)b imaginemos então para uma senhora que tem licença de parto, eu vou falar mesmo do meu caso
concreto, que eu tive uma miúda... pela cesariana (Moç97:Maternidade)
O terceiro fator, identidade de participantes, tem aplicação supérflua na análise
de relativas, uma vez que, por definição, as relativas compartilham um participante com
a principal. Este traço é identificador das relativas em relação a outros tipos de
subordinação. Como mostra o exemplo (1), identidade implica corrreferência, não
necessariamente compartilhamento da mesma função sintática e semântica.
Quanto ao fator 4, factualidade ou não-factualidade do evento representado na
subordinada relativa, os resultados da tabela 2 mostram-se parcialmente óbvios, a
factualidade inerente das relativas não-restritivas, como mostra o exemplo (17a).
Embora as não-restritivas possam variar quanto a esse fator, a maioria esmagadora
incide delas sobre eventos factuais, como se vê em (17b). (18a-b) são exemplos de
restritivas não-factuais.
Fator 4 Factualidade do evento da oração relativa
Fator não-restritiva restritiva total
n % n % n %
Factual 103 100,0 290 98,0 393 98,4
Não factual 0,0 0,0 6 2,0 6 1,6
Total 103 25,8 296 74,2 399 100,0
Tabela 2: Factualidade do evento da oração relativa
(17)a os médicos de facto, se dão, claro, estão aí de acordo com o próprio governo que concede essa
licença, não sei quantos (Moç97:Maternidade)
b não foi preciso olhar-te duas vezes para me lembrar daquela paisagem, aquela paisagem que me
impressionou e desejei tranquilidade. (Moç83:CantarPintar)
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
16
(18)a não. isso acho que não tem razão de ser. acho que não. então porque é que há-de perder? pelo
contrário, se ele se, se vai usar coisas que ele possa se sentir melhor, muito ma[...], enfim, eu
acho que não. (PT96:BomSensoRosto)
b diz que, diziam que quem, quem encontrasse as bruxas que lhe faltava a palavra do baptismo.
(PT95:Bruxedos)
O fator 5, tipo de categoria da oração relativa, também identifica todas as
relativas não-restritivas como atos discursivos e todas as não-restritivas como estados de
coisas. Essa qualidade inerente dos dois subtipos dispensa demonstração quantitativa e
exemplificação.
Mais relevante é o tipo de operador, conjunção, zero ou pronome relativo,
conforme mostra a tabela 3.
Fator 6 Tipo de Operador (Conectivo)
Fator não-restritiva restritiva total
n % n % n %
Conjunção 1 1,0 1 0,4 1 0,3
Zero 1 1,0 5 1,7 6 1,0
Pronome relativo 101 98,0 290 97,9 392 98,2
Total 103 25,8 296 74,2 399 100,0
Tabela 3: Tipo de Conectivo
Assumimos a posição de Tarallo (1983) segundo a qual nas estratégias copiadora
e cortadora a relação de correferência é estabelecida pelo pronome-lembrete e por um
zero anafórico, respectivamente, um número reduzido de casos poderia ter o conectivo
identificado como complementizador, ou conjunção, não um pronome, como mostram
os exemplos (19a-b). Dik (1997) define esse operador como marcador de relativização.
(19)a conjuntamente estavam, estavam dois irmãos, um mais velho, que eu sigo a ele, e outro segue-
me a mim (Moç86:Chuva)
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
17
b se ele se, se vai usar coisas que ele possa se sentir melhor ø, muito ma[...], enfim, eu acho que
não. (PT96:BomSensoRosto)
Os casos de operador zero dizem respeito às ocorrências de reduzidas de
infinitivo, de gerúndio e de particípio, em que o pronome é representado por um zero
anafórico, como se vê em (20a) e (20-b), respectivamente. Casos de pronomes relativos
dispensam exemplificação.
(20)a o engraçado para mim era ver as águas ø a cair daquele capim para o chão! (Moç86:Chuva)
b bem... deixa-me cá lembrar. chama-se bavaroise de ananás. leva... seis fo[...], oito folhas de
gelatina ø desfeitas numa pequena porção de água, seis ovos, duzen[...], eh, ovos, uma lata de...
ananás, em conserva ou um ananás natural, ao natural. (PT70:Bavaroise)
(PT70:Bavaroise)
Passemos, agora, à análise do fator 7, forma verbal, cujos resultados aparecem
na tabela 4.
Grupo 7 Forma verbal (Grau de Independência)
Fator não-restritiva restritiva total
n % n % n %
Indicativo 102 99,0 286 96,6 388 97,2
Infinitivo 0 0,0 1 0,4 1 0,3
Particípio 1 1,0 3 1,0 4 1.0
Subjuntivo 0 0,0 6 2,0 6 1,5
Total 103 25,8 296 74,2 399 100,0
Tabela 4 : Grau de Independência sentencial
A hipótese subjacente à análise desse fator é a de que uma escala indicativo >
subjuntivo > formas não finitas indica redução progressiva do grau de independência
formal da oração subordinada nos termos de Lehmann (1988). Os resultados, expostos
na tabela 4, mostram forte correlação com o fator 4 e com o fator 6.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
18
Os exemplos (21a-d) mostram ocorrências de indicativo, infinitivo, particípio e
subjuntivo, respectivamente, alguns deles repetidos por já terem sido usados para
ilustrar a atuação de outros fatores. Como a grande maioria das orações relativas é
codificada como indicativo, é possível concluir que os casos se identificam com maior
grau de independência e, portanto, maior grau de sentencialidade (LEHMANN, 1988).
(21)a e felizmente posso me or[...], quer dizer, não é orgulho mas é uma realidade que re[...], que
surge, que acontece, verídica, que posso mostrar (Moç83:CantarPintar)
b o engraçado para mim era ver as águas a cair daquele capim para o chão! (Moç86:Chuva)
c bem... deixa-me cá lembrar. chama-se bavaroise de ananás. leva... seis fo[...], oito folhas de
gelatina desfeitas numa pequena porção de água, seis ovos, duzen[...], eh, ovos, uma lata de...
ananás, em conserva ou um ananás natural, ao natural. (PT70:Bavaroise)
d não. isso acho que não tem razão de ser. acho que não. então porque é que há-de perder? pelo
contrário, se ele se, se vai usar coisas que ele possa se sentir melhor, muito ma[...], enfim, eu
acho que não. (PT96:BomSensoRosto)
Analisando agora o fator 8, posição da subordinada em relação à matriz, vejamos
os resultados da tabela 5.
Fator 8 Posição da relativa em relação à matriz
Fator não-restritiva restritiva total
n % n % n %
Inicial 0 0,0 5 1,7 5 1,3
Medial 13 12,6 50 16,9 63 15,8
Final 90 87,4 241 81.4 331 82,9
Total 103 25,8 296 74,2 399 100,0
Tabela 5: Posição da relativa em relação à matriz
Uma posição, a inicial, é invariavelmente selecionada na amostra, quando ocorre
uma oração relativa sem núcleo com a matriz na posição final, embora a relação possa
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
19
inverter-se com a relativa sem núcleo ocorrendo em posição final. A amostra
identificou justamente 5 ocorrências desse subtipo, que aparece ilustrado em (22a).
(22)a depois de estar muito bem cozida passa-se no 'passá-vique' ou, ou, quem não tem 'passá-vique'
pega a colher de madeira reme[...], me[...], remexe muito bem remexido até apodrecer izaquente.
(To-Pr96:Sabores)
As posições medial e final, por seu lado, também não são variáveis já que
dependem da posição estrutural na matriz do núcleo da relativa. De qualquer modo,
embora haja uma incidência considerável de mediais, conforme mostra (22b), a
maioria das relativas aparece em posição final, como ilustra (22c).
(22)b [e ele, ao, ao, ao escrever "A Brasileira de Prazins", que era uma casa abastada aqui de Landim,
bastante gananciosa, que tinha muitas quintas,] e [o proprietário, que era um tal senhor Joaquim
Araújo, eh, foi ao Brasil, e enriqueceu] e veio para aqui, casou com a sobrinha, sobrinha dele
mesmo, e essa sobrinha, eh, passado anos adoeceu. (PT97:AmoresCamilo)
c lembro-me que em mil novecentos e oitenta tive um primo que estava a tirar o curso por
correspondência de desenho e pintura, Alberto Torrão, quer dizer (Moç83:CantarPintar).
Finalmente, o fator 9 analisa a presença ou ausência de quebra entonacional. No
caso das relativas, a hipótese é a de que a codificação fonológica da não-restritiva, que
constitui um ato discursivo, se identificaria com a presença de uma quebra entonacional,
enquanto a codificação fonológica da restritiva, que é um estado de coisas na função de
modificador do SN nuclear, se identificaria com ausência de quebra.
Fator 9 Presença ou ausência de quebra entonacional
Fator não-restritiva restritiva total
n % n % n %
Presença 72 69,9 5 1,7 77 19,3
Ausência 31 30,1 291 98,3 322 80,7
Total 103 25,8 296 74,2 399 100,0
Tabela 6: Quebra entonacional
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
20
A tabela 6 mostra haver realmente uma grande incidência de ocorrências com
quebra entonacional no limite das não-restritivas, mas um número considerável de
ocorrências, correspondente a 30,1%, não aparecem marcadas com esse tipo de
codificação fonológica. Os exemplos (23a) e (23-b) mostram não-restritivas com quebra
e sem quebra, respectivamente.
(23)a também as pessoas não deixavam. há um caso em Famalicão, foi dum jogador que foi irradiado,
era o Francisco Pires, que veio do Benfica. foi um grande atleta, um jogador famoso.
(PT97:DesportoDinheiro)
b há casos desses, mas, se há casos desses ela tinha que reprovar os pais que a meteram nesse
sarilho, e nunca o marido. (PT97:AmoresCamilo)
O comportamento das restritivas em relação a esse parâmetro indica frequência
oposta, com uma incidência majoritária, mas não absoluta, como seria de esperar, de
restritivas sem quebra entonacional. Os exemplos (24a) e (24-b) identificam casos de
restritiva sem pausa e com pausa, respectivamente. De qualquer modo, entre a matriz e
a subordinada em (24b), há uma oração não-restritiva, indicando a inserção serial de
relativas, que acaba requerendo a pausa na não-restritiva. São casos residuais como
esses que acabam desencadeando alguma incidência de quebra nas restritivas.
(24)a eu não cheguei ali a entrar, mas, agora, há uma senhora que eu conheço, que está na escola
superior agrária, que mora ali, portanto, o marido é tropa (...) ali agora na base, e ela, eh, d[...],
comenta isso. diz que as casas são muito boas. (PT97:BaseMilitar)
b não há motivo para discussões, penso eu, por uma razão muito simples: é que nós temos um
documento, um texto, dum padre, o padre Francisco da Costa, que estava em inédito mas foi
publicado há relativamente pouco tempo, que indica como é que se fazia uma carta.
(PT89:CartografiaPortuguesa)
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
21
Considerações finais
Na introdução, enfatizamos que o principal objetivo deste trabalho, na presente
fase de desenvolvimento do projeto, é o de fornecer critérios gerais que pudessem
determinar semelhanças e diferenças entre os três tipos de subordinação – a completiva,
a relativa e a adverbial.
A comparação entre os três tipos de dependência ainda resta por fazer, mas a
discussão dos resultados da análise das relativas restritivas e não-restritivas, em face dos
principais critérios de análise, permitiu conduzir-nos à matriz geral de traços contida na
Tabela 7, que, como tal, pode ser comparada à matriz de outros tipos de orações
subordinadas.
NÍVEIS INTERPES. REPRESENT MORFOSSINTÁTICO FON.
FATORES 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Restritiva - - + +>- e p>c>z i>s>p>i f >m>i -
Não-restritiva - + + + A p>c/z i>s>p>i f >m +>-
Tabela 7: Matriz de traços
[1: presença de marcador discursivo; 2: função retórica; 3: identidade dos participantes; 4: factualidade; 5:
tipo de oração inserida; 6: tipo de operador; 7: forma verbal; 8: posição da subordinada; 9: quebra
entonacional; onde for relevante, “>” significa “maior freqüência que” da variante em questão ]
Referências bibliográficas COMRIE, B. Language universals and linguistic typology. Oxford: Blackwell, 1989.
CRISTOFARO, S. Subordination. Oxford: University Press, 2003.
DIK, S.C. The theory of functional grammar. Part I: The structure of the clause. (2nd
revised edition ), ed.Hengeveld, Kees. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 1997.
HENGEVELD, K.; MACKENZIE, J.L. Functional Discourse Grammar. A
typologically-based theory of language structure. Oxford: University Press, 2008.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 41 – Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional cultural.
22
KATO, M. A Recontando a história das relativas em uma perspectiva paramétrica. In:
ROBERTS, I. e KATO, M.A. Português brasileiro, uma viagem diacrônica.
Campinas: Editora da Unicamp, 1996, p. 223-261.
___;BRAGA et alii. As construções-Q no português brasileiro falado: perguntas,
clivadas e relativas, parte III, p. 303-368, In: KOCH, I. G. V. (org.). Gramática do
português falado, vol. VI: desenvolvimentos. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.
KEENAN, E.L. Relative clauses. In: SHOPEN T. (ed.) Language typology and
syntactic description, v. 2: Complex constructions. Cambridge: University Press, 1985,
p. 141-70.
___ & COMRIE, B. Noun phrase accessibility and universal grammar. Linguistic
Inquiry 8, 63-99, 1977.
LANGACKER, R.W. Foundations of Cognitive Grammar. Vol. II: Descriptive
Applications. Stanford: Stanford University Press, 1991.
LEHMANN, C. Towards a tipology of clause linkage. In: HAIMAIN, J.; THOMPSON,
S.A. (eds.) Clause combining in grammar and discourse. Amsterdam: John
Benjamins, 1988.
LONGO, B.N.O. et alii. A relativização no português culto. ALFA. São Paulo, v. 38, p.
165-180, 1994.
SONG, J.S. Linguistic typology. Morphology and syntax. London: Longmans, 2001.
TARALLO, F. L. Relativization Strategies in Brazilian Portuguese, University of
Pennsylvania,PhD Dissertation, 1983.