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COORDENAÇÃO GERAL Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP TOMO 1 TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO COORDENAÇÃO DO TOMO 1 Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire

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COORDENAÇÃO GERAL

Celso Fernandes Campilongo

Alvaro de Azevedo Gonzaga

André Luiz Freire

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP

TOMO 1

TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO

COORDENAÇÃO DO TOMO 1

Celso Fernandes Campilongo

Alvaro de Azevedo Gonzaga

André Luiz Freire

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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO

1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

DIRETOR

Pedro Paulo Teixeira Manus

DIRETOR ADJUNTO

Vidal Serrano Nunes Júnior

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP | ISBN 978-85-60453-35-1

<https://enciclopediajuridica.pucsp.br>

CONSELHO EDITORIAL

Celso Antônio Bandeira de Mello

Elizabeth Nazar Carrazza

Fábio Ulhoa Coelho

Fernando Menezes de Almeida

Guilherme Nucci

José Manoel de Arruda Alvim

Luiz Alberto David Araújo

Luiz Edson Fachin

Marco Antonio Marques da Silva

Maria Helena Diniz

Nelson Nery Júnior

Oswaldo Duek Marques

Paulo de Barros Carvalho

Ronaldo Porto Macedo Júnior

Roque Antonio Carrazza

Rosa Maria de Andrade Nery

Rui da Cunha Martins

Tercio Sampaio Ferraz Junior

Teresa Celina de Arruda Alvim

Wagner Balera

TOMO DE TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO | ISBN 978-85-60453-36-8

Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo I (recurso eletrônico)

: teoria geral e filosofia do direito / coords. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro Gonzaga, André Luiz Freire - São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017

Recurso eletrônico World Wide Web Bibliografia. O Projeto Enciclopédia Jurídica da PUCSP propõe a elaboração de dez tomos.

1.Direito - Enciclopédia. I. Capilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Álvaro. III. Freire, André

Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

Paulo de Barros Carvalho

INTRODUÇÃO

O constructivismo lógico-semântico é um instrumento de trabalho, modelo para

ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para a

construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do

saber científico tradicional. O modelo constructivista se propõe amarrar os termos da

linguagem, consoante esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado

especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do

conteúdo, selecionando as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação.

SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................................................... 2

1. O saber científico e a presença indispensável do método ....................................... 2

2. As “superações” de ideias e de sistemas como entraves para a progressão do

conhecimento .......................................................................................................... 5

3. Expediente metodológico com base filosófica ........................................................ 6

4. Sobre a designação .................................................................................................. 7

5. Constructivismo e teoria comunicacional do direito ............................................... 8

6. Sobre a aplicação prática da proposta constructivista ............................................. 9

7. A escola do constructivismo lógico semântico ..................................................... 11

Referências ..................................................................................................................... 13

1. O SABER CIENTÍFICO E A PRESENÇA INDISPENSÁVEL DO MÉTODO

A camada de linguagem que identifica o saber científico há de ter a presença

indispensável do método para guiar-lhe os avanços. Não haverá ciência sem um conjunto

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organizado de procedimentos, de técnicas, de táticas, dispostas esquematicamente, para

garantir a progressão do conhecimento, tendo em vista o fim de percorrer, da maneira

mais eficiente possível, o domínio sobre o objeto devidamente demarcado. Explicando

por outro modo, método aparece como condição epistemológica para controlar as

oscilações inerentes ao campo investigado. Por isso, a rigidez do caminhar científico não

tolera repetições, desvios e qualquer outro modo de abandonar, ainda que

provisoriamente, a marcha concebida para cobrir a região da pesquisa. A própria retórica,

também imprescindível no discurso das ciências, vê-se tolhida em certos limites, para não

comprometer a eficácia da mensagem. O “chegar às causas primeiras” e “atingir as

consequências últimas” há de ser a constante pensada e reiteradamente perseguida pelo

agente, com esmerado rigor e alentada determinação.

Por outro lado, a experiência com os atos de fala, nos diversos níveis da

comunicação, deixa-nos logo a advertência de que não existe “linguagem pura”, seja a

vulgar, a técnica, a científica ou mesmo a filosófica. Aquilo que encontramos é a

preponderância de termos, expressões, modos de progredir, estratégias de avanço e,

sobretudo, no caso da linguagem das ciências, o “ânimo desinteressado” de quem compõe

o discurso, voltado exclusivamente para realizar a tendência de neutralidade, a vocação

de imparcialidade na produção da peça.

A relatividade do saber não admite definições terminativas, fortes o suficiente

para conduzir o intérprete por espaços seguros e inequívocos. Os valores que ingressam

na apreciação dos fenômenos, especialmente os sociais, impedem o saber definitivo e o

conhecimento absoluto. As definições são expedientes enunciativos facilitadores do

pensar sobre a multiplicidade de objetos que fazem os nossos contornos existenciais,

internos e externos. Ao lado de outros instrumentos lógicos, como a nomeação, a divisão

e a classificação, organizam a mente, preparando-a para o conhecimento. São

demarcações de conceitos para fins de isolamento temático, sendo certo que a

interpretação dependerá da subsequente inserção no contexto, imediatamente recuperado.

Questão clara e incisiva, que transita inevitavelmente pela cabeça de quem lida

com essas categorias da curiosidade humana, é aquela da compatibilidade entre a crença

religiosa num ser absoluto, criador supremo de tudo quanto existe, diante da indiscutível

mutabilidade da condição humana, em todos os momentos da vida, sobretudo naqueles

que dizem respeito ao conhecimento mais sério e rigoroso, vale dizer, o discurso

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científico. Creio que devamos separar o mundo das crenças religiosas (doxa), daquele em

que se alojam as vicissitudes da vida prática. Quanto ao primeiro, para os que creem no

Deus uno, adota-se a premissa da verdade absoluta, consubstanciada no ser divino que

tudo criou. Acreditando nos dogmas, há de fortalecer os caminhos da fé. No plano do

conhecimento do mundo, contudo, em que o ser humano é protagonista único, as coisas

são bem diferentes. Tratando-se de um ser carente, cheio de imperfeições, prisioneiro da

matéria de que é constituído, vigora o relativismo dos conceitos e a oscilação dos

correspondentes valores. Sua história é a luta pelas conquistas, pelos avanços, pela

realização de ideais, sempre mutantes, em razão das necessidades materiais, espirituais e

sociais por que passa. Inexistem aqui as verdades absolutas, as conquistas definitivas e as

soluções imutáveis. Aliás, as ciências evoluem precisamente porque não são perfeitas,

irremediavelmente vinculadas às ingentes limitações do homem. Este, por sua vez, tem a

missão de resistir às dificuldades da experiência, transformando-a em objetos culturais,

segundo os valores que sua filosofia lhe propõe. Penso estar aqui, no trato do homem com

a experiência, a transformação que as crenças religiosas insistentemente proclamam:

“modificar o mundo”, torná-lo melhor, em atinência aos preceitos de Deus.

Eis um ponto delicado: confundir expectativas, pela adoção de procedimentos

dogmáticos, firmados em fé no absoluto e em revelações, aplicando-os ao plano da

movimentação empírica, onde os acontecimentos se dão pelas regras advindas do saber

técnico-material adequado. Em contrapartida, lidar com metodologias científicas,

validadas para seu universo de discurso, em assuntos de crença espiritual: a chamada

“lógica da conduta”, imprópria para a compreensão desses assuntos.

Em súmula estreita, tratemos das ciências com os recursos que Deus nos deu,

recursos limitados, limitadíssimos até, lutando para o desenvolvimento e o progresso

desse “talento” a que alude o Novo Testamento, com a convicção de que, quanto mais

fizermos prosperar o feixe de predicados que nos foram conferidos, estaremos em

condições de aprimorar o conhecimento técnico-científico, produzindo bens culturais

mais próximos dos valores absolutos da fé religiosa.

Reiterado e frequente erro histórico é o de atravessar esses dois mundos sem as

cautelas da reflexão: tentar o emprego de categorias da razão raciocinante, por exemplo,

para montar e concluir proposições de fé religiosa; ou avançar no conhecimento técnico

ou científico, a partir de meras crenças que se sustentem apenas para fins espirituais. A

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advertência, porém, dista de ser o reconhecimento de incomunicabilidade entre as duas

regiões, a admissão de que se trata de territórios estanques, isolados, insusceptíveis a um

diálogo mais próximo para fins cognoscitivos. Muito ajuda a construção e o progresso do

saber técnico-científico uma saudável e bem ordenada fé religiosa, que se manifesta na

vontade firme e na ética rigorosa que o desafio do saber requer. Do mesmo modo, a mente

organizada pelos padrões da lógica cognoscitiva, válida, em princípio, para o chamado

“mundo da vida”, favorece a consolidação da fé e o aprofundamento do sentido religioso

do espírito humano.

2. AS “SUPERAÇÕES” DE IDEIAS E DE SISTEMAS COMO ENTRAVES PARA A PROGRESSÃO DO

CONHECIMENTO

Entre os argumentos que dificultam a exposição clara de ideias, impedindo a

marcha do processo de convencimento, está o recurso à qualificação de conceitos, teorias

e sistemas como “superados”. Que pensador não teve sua contribuição marcada pela

coima de “ultrapassada”, simplesmente porque outras advieram, criando novas

alternativas de conhecimento? A cada instante nos deparamos com “superações” que

deixam para trás pensamentos importantes, sob a alegação de que seu tempo histórico já

teria passado e, portanto, considerar aquele conjunto de proposições ou o sistema que lhe

organiza a existência, algo acabado, posto em desuso pelo aparecimento de novas

concepções. Agora, é preciso pensar que a Filosofia, na sua visão grandiosa do mundo, é,

ela mesma, uma grande superação. A reflexão filosófica, com seu extraordinário poder

de volver e revolver os mais relevantes assuntos da humanidade, é dotada de recursos

argumentativos potentes. Não é preciso muito esforço para perceber que uma proposição

afirmativa qualquer pode ser reduzida à condição de mera sentença paradoxal, com o

emprego de poucas operações enunciativas. Além disso, como explicar as contínuas

referências às propostas filosóficas milenares, que teimam em frequentar os escritos dos

grandes pensadores, mostrando uma notável resistência às tentativas de corrosão das

críticas especializadas? Dir-se-á que as necessidades retóricas não só justificam mas até

recomendam a utilização de certas alusões, como providências de cunho estratégico para

acentuar ou enfraquecer o teor persuasivo das mensagens. Aliás, quando o desempenho

do raciocínio começa a ficar difícil, quando o autor encontra obstáculos discursivos de

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transposição duvidosa, um dos primeiros impulsos de nossa mente é lançar mão desse

expediente argumentativo, pois se trata de instância inexorável, já que a não retórica é

retórica também. Há, contudo, maneiras distintas de movimentar o pensamento,

ajustando sua trajetória dentro de padrões mais serenos, tolerantes e produtivos, mesmo

porque, se tudo está superado, então nada está superado e o espírito humano permanece

pronto para locomover-se, livremente, nos horizontes da consciência.

3. EXPEDIENTE METODOLÓGICO COM BASE FILOSÓFICA

O constructivismo lógico-semântico é, antes de tudo, um instrumento de

trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento;

meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida,

a um dos requisitos do saber científico tradicional. Acolhe, com entusiasmo, a

recomendação segundo a qual não haverá ciência ali onde a linguagem for solta e

descomprometida. O modelo constructivista se propõe amarrar os termos da linguagem,

consoante esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado especial com

o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do conteúdo,

selecionando as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação.

Apesar de suas origens e das concepções que estão bem caracterizadas na

plataforma inferior de suas bases, não se pretende um projeto filosófico: de método é seu

estatuto. Todavia, um traço na configuração dessa proposta metodológica chama logo a

atenção. Se, para a perspectiva semiótica, ao lado da estrutura lógica e da dimensão

semântica, haverá sempre a projeção pragmática, por que omitir-se a instância na

denominação do movimento epistemológico? Três razões podem explicar a ausência: de

primeiro, a circunstância de sua necessária presença (do plano pragmático) na implicitude

do nome, visto ser dimensão imprescindível na alusão ao plano semiótico, de tal sorte que

as referências sintáticas e semânticas implicariam, necessariamente, as pragmáticas; de

segundo, na elaboração do texto, as cogitações de ordem pragmática seriam sobremodo

difíceis, pois esse é o tempo da própria criação do enredo textual, da preparação da

mensagem para ingressar no contexto comunicativo, seguindo em direção ao destinatário

ou receptor. Por certo que caberia melhor na interpretação do escrito para efeito de

revisão, quando tomado na sua integridade constitutiva. E terceiro, o nome ficaria muito

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extenso, suscitando logo a pergunta sobre os motivos pelos quais não se teria logo adotada

a expressão constructivismo semiótico.

Pois bem, evitando o perigo dos meros sincretismos metodológicos e da mistura

irrefletida de correntes filosóficas tomadas ao acaso, aquilo que a observação nos permite

ver, nessa dinâmica de ideias e de construções é uma admirável injeção de culturalismo,

incidindo no que há de mais apurado entre as conquistas do neoempirismo lógico do

Circulo de Viena, conjunção, aliás, que consulta bem à formação do Professor Lourival

Vilanova, muito influenciado pela Escola de Baden, a temperar suas conhecidas

inclinações para privilegiar o plano sintático da análise textual.

4. SOBRE A DESIGNAÇÃO

O jusfilósofo pernambucano vinha frequentemente a São Paulo, nas últimas

décadas do século passado, por três motivos importantes: visitar sua filha Ana Lúcia,

genro e netos; atender aos insistentes convites para integrar bancas examinadoras na

Faculdade de Direito do Largo de São Francisco; e proferir palestras e conduzir grupos

de estudos sobre Filosofia e Teoria Geral do Direito, na Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo. Fiz esse registro no prefácio do livro Escritos Jurídicos e Filosóficos,

editado no ano de 2001, em dois tomos, pela Axis Mundi/Ibet:

“Certo dia, perguntando como conviria dar nome à sua atitude jurídico-

filosófica e ao tipo de trabalho que vinha desenvolvendo, respondeu-me que

poderíamos perfeitamente chama-lo de “constructivismo”. Não, segundo o

modelo do “constructivismo ético”, todavia, agregando ao nome o adjetivo

composto “lógico-semântico”, pois, afinal de contas, todo o empenho estaria

voltado a cercar os termos do discurso, para outorgar-lhes a firmeza necessária

(e possível, naturalmente), tendo em vista a coerência e o rigor da mensagem

comunicativa. Isso não significa, porém, relegar o quadro das investigações

pragmáticas a nível secundário. Expressa, tão somente, uma opção

metodológica. Melhor seria até dizer que a proposta lógico-semântica aparece

como contribuição para um estudo semiótico do discurso”.

A crença na existência de objetos extralinguísticos, que discretamente mobilizou

o pensamento do mestre, não é molestada pelo constructivismo. Existindo ou não

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existindo tais entidades, elas somente entrarão para o âmbito do conhecimento quando

vierem a fazer parte da intersubjetividade do social, inteiramente tecida pela linguagem.

5. CONSTRUCTIVISMO E TEORIA COMUNICACIONAL DO DIREITO

O Constructivismo mantém relação muito íntima com a Teoria Comunicacional

do Direito. Esta, desenvolvida e apurada pelo Prof. Gregório Robles, tem abrangência

maior, aproximando-se mais de uma concepção filosófica. Ambas, porém, tomam a

linguagem como constitutiva da realidade, depositando no texto o objeto de todas as suas

preocupações. Procuram levar às últimas consequências duas premissas fundamentais: a

palavra é a morada do ser (Heidegger) e tudo aquilo que puder ser interpretado é texto

(Gadamer). Nesse quadro, a hermenêutica não só adquire uma função decisiva, como

passa a ser o modo, por excelência de compreender-se o mundo. E as coisas existem

quando têm nomes... Sem nome as coisas não existem (Raffaele De Giorgi). Falo da

hermenêutica geral, formada pelo conjunto organizado das hermenêuticas regionais, na

linha de Ricoeur, para quem a hermenêutica é a teoria das interpretações ou da

compreensão em sua relação com a interpretação dos textos.

Gregório Robles trata a teoria comunicacional do direito dentro do âmbito da

hermenêutica analítica, posta sua missão de aprofundar o conhecimento do objeto com

os delicados instrumentos da análise. É compondo e decompondo, articulando e

desarticulando, reunindo e separando, organizando e desorganizando que o agente dirige

seus procedimentos para dominar o texto e compreender a comunicação. Ora,

precisamente esse é o caminho percorrido pelo Constructivismo Lógico-Semântico:

enquadra-se nos parâmetros da hermenêutica atual, lendo e interpretando para

compreender, porém, em todos os passos de sua trajetória está presente o tom da

analiticidade. É analisando que o trabalho cognoscente prospera em direção a seus

objetivos.

Outro dado importante que marca o perfil do constructivismo é ocupar-se do

texto dentro do chamado factum comunicacional, indagando sempre pelo autor da

mensagem, pelo canal por onde ela transita, pelo destinatário, pelo código linguístico

comum a ambos, pela conexão psicológica que se estabelece e pelo contexto em que a

comunicação se dá. O direito estudado como fenômeno comunicacional proporciona

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elementos valiosos para a construção de sentido e a compreensão do texto, associado,

aqui e ali com os poderosos recursos da retórica realista, segundo as categorias

pesquisadas e desenvolvidas por João Maurício Adeodato e a Escola Retórica de Recife.

Aliás, a filosofia retórica, assim como o constructivismo, parte de uma antropologia

carente, operando com a linguagem como único meio perceptível, de tal modo que não

haveria acesso ao chamado mundo real, simplesmente porque não existem elementos

externos a ela. Todo objeto é composto pela linguagem e, por isso, há de ter nome (Di

Giorgi), o que significa dizer que o conhecimento é formado por acordos linguísticos

intersubjetivos de maior ou menor permanência no tempo, mas todos eles circunstanciais

temporários, autorreferentes e assim passíveis de constantes rompimentos (Adeodato).

A conversação tecida entre o constructivismo, a teoria comunicacional e a

filosofia retórica, mencionada acima, flui, como se vê, de maneira natural e produtiva.

Seus resultados são auspiciosos e percebe-se enorme entusiasmo entre todos aqueles que

superam os obstáculos convencionais e alimentam as expectativas de implantar o diálogo.

Ainda sobre as aproximações existentes entre o constructivismo e a teoria

comunicacional do direito, cabe dizer que em ambas se pesquisa o ethos da trilogia

aristotélica, investigando o editor da mensagem, nos expedientes de que se utiliza para

cumprir sua invariável vocação de controlar o curso e os efeitos do ato comunicativo que

exerceu; mas também do pathos como a procura dos modos pelos quais se desperta, no

receptor, as emoções indispensáveis ao entendimento cabal do que foi transmitido pelo

orador; e do logos, empregado aqui como ciência ou razão, algo que brilha pela sua

presença na descrição minuciosa e precisa do fenômeno comunicacional.

Nesta concepção, mantêm-se de pé os ideais do giro linguístico, em que se toma

a realidade como constituída pela linguagem, conjunto de signos empregados pela

comunicação ou potencialidade humana para comunicar-se. A totalidade dos signos,

organizados por meio de regras de formação e de transformação, no seu feitio estático, é

a língua, observada pela perspectiva sistêmica ou institucional. Língua, no sentido amplo,

que entra em exercício mediante os atos de fala, instauradores do fato da comunicação.

6. SOBRE A APLICAÇÃO PRÁTICA DA PROPOSTA CONSTRUCTIVISTA

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A primeira aplicação do modelo constructivista, em termos de consciência a

respeito de sua extensão e limites, penso ter ocorrido com a tese Direito Tributário –

Fundamentos jurídicos da incidência, apresentada em concurso para a titularidade na

Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, logo depois lançada pela Editora

Saraiva, em 1989, encontrando-se na 10ª edição. O tema da incidência jurídica foi

analisado em suas proporções lógicas, com discussão de relevantes aspectos de ordem

semântica, ficando assentado que não se dará a incidência se não houver um ser humano

fazendo a subsunção e promovendo a aplicação que o preceito determina. As normas não

incidem por força própria. Numa visão antropocêntrica, requerem o homem, como

elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito...

Hoje, há centenas de obras em que os autores aplicam o Constructivismo Lógico-

Semântico e vale acrescentar que não é somente no Direito Tributário. As premissas do

constructivismo foram penetrando outros setores, de tal sorte que os estudiosos o veem

como instrumento poderoso para estabilizar o discurso, adjudicando-lhe rigidez e

objetividade. Os textos básicos têm sido, além daquele acima referido, o Curso de Direito

Tributário (São Paulo, Saraiva, 28ª edição, 2017); Direito Tributário, Linguagem e

Método (São Paulo, Noeses, 6ª edição, 2015); os livros de Fabiana Del Padre Tomé (A

prova no direito tributário – São Paulo, Noeses, 4ª edição, 2016), de Aurora Tomazini

de Carvalho (Teoria Geral do Direito – O constructivismo lógico-semântico – São Paulo,

Noeses, 5ª edição, 2016) e de Lucas Galvão de Britto (O lugar e o tributo – São Paulo,

Noeses, 2014), acrescentando-se ainda, como primeiro na linha do tempo, a obra Teoria

da Norma Tributária, atualmente editado pela Quartier Latin. Anote-se também o livro

Vilém Flusser e Juristas – Comemoração dos 25 anos do Grupo de Estudos de Paulo de

Barros Carvalho, coordenado por Florence Harret e Jerson Carneiro, Noeses, 2009, o

volume I do livro Constructivismo Lógico-Semântico (2014) e a obra Lógica e Direito

(2016), ambos coordenados por mim e publicados pela Editora Noeses.

É preciso dizer que muitos autores importantes operam regularmente com esse

método, entre eles, Paulo Ayres Barreto, Tárek Moussalem, Robson Maia Lins, Tácio

Lacerda Gama, Gabriel Ivo, Charles McNaugthon, Maria Ângela Lopes Paulino, Priscila

de Souza, entre outros. A mais disso, hão de ser mencionados todos aqueles que lidam

com a regra-matriz de incidência, em qualquer de seus aspectos, pois, certamente, estarão

percorrendo os eixos desse esquema metodológico. Acontece que a estrutura da regra-

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matriz já é uma construção lógica, com a hipótese ou antecedente e o mandamento ou

consequente expressos nas variáveis representadas por signos formais unidos por

constantes. O passo subsequente é ingressar no plano semântico, saturando as variáveis

lógicas com os conteúdos de significação da linguagem do direito positivo, para chegar,

desse modo, à norma geral e abstrata. Em seguida, as determinações estabelecidas pelo

processo de positivação nos conduzem a empregar a linguagem da facticidade social para

preencher, mais uma vez, aquelas variáveis, promovendo, agora, o expediente formal da

subsunção ou inclusão de classes. Eis o território das normas individuais e concretas. É

oportuno lembrar que tudo isso requer o cuidadoso exame do modo como os termos são

empregados pelos utentes dessa linguagem, o que equivale a pesquisar o ângulo

pragmático da comunicação jurídica.

Realmente, tratar com a regra-matriz revela momentos de convívio intenso com

partes do processo constructivista, e creio existir centenas de estudiosos que se envolvem

com o tema, na procura do conhecimento mais atilado da situação jurídica que lhes

interessa discutir.

É verdade, também, que o uso do modelo pode favorecer mais o plano sintático

ou lógico. Contudo, há muitas investigações que isolam a plataforma dos significados

para atingir os objetivos da pesquisa. E outro tanto ocorre com a dimensão pragmática,

de tal sorte que as aplicações variam quanto à predominância dos setores de abrangência

e, da mesma maneira, com relação à intensidade e permanência nos intervalos do modelo.

Reafirmando a força desta notação, há textos que implantam o método, enfatizando a

teoria dos valores, numa ostensiva manifestação da influência do culturalismo jurídico

neste modo de conhecer o objeto. Esse aspecto, longe de revelar mero sincretismo

metodológico, consubstancia precioso elemento para potencializar a compreensão da

mensagem, ampliando-lhe o campo de análise.

7. A ESCOLA DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO SEMÂNTICO

Com a apresentação de trabalhos em congressos e seminários nacionais e

internacionais, o “Constructivismo lógico-semântico” difundiu-se, a ponto de ser

reconhecido como uma autêntica “escola de pensamento jurídico”. Para tanto, foram

relevantíssimas a atividade e a participação de núcleos de pesquisa espalhados por

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praticamente todo o território nacional, estudando Direito Tributário com o objetivo de

estabelecer seus fundamentos na Teoria Geral e na Filosofia do Direito. É o que realizou

e continua realizando o IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, nas suas vinte

e nove unidades, funcionando em vinte e um estados da federação.

Sob o ponto de vista histórico, é possível considerar a proposta constructivista

em três momentos distintos: o período de formação (1973 a 1985), o intervalo de

consolidação (1985 a 1997) e a fase de expansão (1997 aos nossos dias). Nos primeiros

tempos, a preocupação básica foi a teoria da norma, que veio a configurar-se em 1985, já

com a inequívoca presença do pensamento de Lourival Vilanova. Em termos de

enriquecimento, porém, os tempos de consolidação foram extraordinários. É bom lembrar

que o programa não teve, de início, aceitação tranquila, provocando fortes contestações.

Cada asserção, cada sequência evolutiva, cada sugestão apresentada era objeto de

oposições enérgicas, que obrigavam os adeptos do constructivismo a pensar, a refletir, a

sopesar argumentos, tendo em conta a convicção da procedência daquilo que defendiam.

Dele, movimento, pode dizer-se que foi exaustivamente percorrido por juízos críticos, às

vezes implacáveis. Todavia, quem sabe, o esforço intelectual desenvolvido para fazer

frente a tantos questionamentos tenham nutrido essa doutrina de bons recursos

argumentativos, tenham servido de combustível para procurar e colher na realidade

objetiva, na prática da experiência, no “munda da vida”, como o chamou Husserl,

exemplos preciosos para sustentar posições e reforçar ideias. Constituiu-se, dessa

maneira, um reservatório considerável de fundamentações, assentadas em exemplos

concretos da realidade empírica. E o discurso de apresentação tornou-se forte, coeso,

consistente, outorgando confiança ao expositor. Veio o entusiasmo e começou a

expansão. As traduções em língua estrangeira se sucederam e as ideias foram expostas

em vários países, principalmente Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Colômbia e México,

na América Latina, e Itália, Espanha, França e Portugal, na Europa.

Há uma atividade, entretanto, com papel preponderante durante todos os três

períodos: o Grupo de Estudos que há 34 (trinta e quatro) anos se reúne para refletir sobre

aspectos epistemológico-jurídicos, em geral, e sobre semiótica e direito tributário, em

particular. São advogados, promotores, juízes e professores, dos mais diferentes estados

do Brasil, dispostos a ler, pensar e discutir temas amplos, complexos, assuntos que em

outros ambientes dificilmente poderiam ser tratados. As reuniões do Grupo de Estudos se

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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO

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prestaram a numerosos debates e a ele compareceram pensadores, nacionais e

estrangeiros.

Estão envolvidos no âmbito desta Escola, estudos de Filosofia e Teoria Geral do

Direito, dos vários setores da Linguística, da Semiótica, da Retórica e da Lógica Jurídica.

Entre os que influenciaram, mais de perto, as pesquisas estão, além do Professor Lourival

Vilanova, Tércio Sampaio Ferraz, Alaor Caffé Alves, Dardo Scavino, Lúcia Santaella,

José Luiz Fiorin, Celso Fernandes Campilongo, João Maurício Adeodato, Torquato

Castro, Gregório Robles, Newton da Costa e Vilém Flusser, todos eles (com exceção

deste último, falecido) já presentes em alguma sessão do Grupo.

REFERÊNCIAS

BRITTO, Lucas Galvão de Britto. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria geral do direito: o constructivismo

lógico-semântico. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2016.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo:

Saraiva, 2017.

__________________. Direito tributário, linguagem e método. 6. ed. São Paulo:

Noeses, 2015.

__________________. Teoria da norma tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier

Latin, 2009.

__________________. Constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses,

2014. Volume I.

__________________. Lógica e direito. São Paulo: Noeses, 2016.

HARRET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém Flusser e juristas:

comemoração dos 25 anos do Grupo de Estudos de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo:

Noeses, 2009.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 4. ed. São Paulo:

Noeses, 2016.

VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: Axis Mundi:

IBET, 2001. Volumes I e II.