7 Lições Do Tênis Para a Administração - Artigos - Carreira - Administradores
CONSTRUINDO UMA CARREIRA EM ADMINISTRAÇÃO ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
CONSTRUINDO UMA CARREIRA EM ADMINISTRAÇÃO: PERSPECTIVAS E ESTRATÉGIAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
DO RIO DE JANEIRO
LUCIA BARBOSA DE OLIVEIRA
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
CONSTRUINDO UMA CARREIRA EM ADMINISTRAÇÃO: PERSPECTIVAS E ESTRATÉGIAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
DO RIO DE JANEIRO
LUCIA BARBOSA DE OLIVEIRA
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Administração.
Orientadora: Prof. Ursula Wetzel
Rio de Janeiro Dezembro de 2009
iv
Oliveira, Lucia Barbosa de
Construindo uma carreira em Administração: perspectivas e estratégias de jovens universitários do Rio de Janeiro / Lucia Barbosa de Oliveira. Rio de Janeiro: COPPEAD-UFRJ, 2009.
xix, 298 f.
Orientadora: Ursula Wetzel
Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração, Rio de Janeiro, 2009.
1. Gestão de Carreiras. 2. Relações de Trabalho. 3. Recursos Humanos. 4. Administração – Teses. I. Wetzel, Ursula (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título.
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CONSTRUINDO UMA CARREIRA EM ADMINISTRAÇÃO: PERSPECTIVAS E ESTRATÉGIAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS DO RIO DE JANEIRO
Lucia Barbosa de Oliveira
Tese de Doutorado submetida ao Instituto COPPEAD de Administração, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Doutor em Administração.
Aprovada por:
_____________________________________ Prof. Ursula Wetzel, D.Sc. – Orientadora Presidente da banca (COPPEAD/UFRJ) _____________________________________ Prof. Adriana Victoria Garibaldi de Hilal, D.Sc. (COPPEAD-UFRJ) ______________________________________ Prof. José Eisenberg, Ph.D. (Faculdade Nacional de Direito – UFRJ) ______________________________________ Prof. Sandra da Rocha Pinto, D.Sc. (PUC-RJ) ______________________________________ Prof. Sylvia Constant Vergara, D.Sc. (FGV-RJ)
Rio de Janeiro
Dezembro de 2009
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vii
Para Luisa e Alexandre,
meus amores, minha vida.
viii
ix
AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar meu profundo agradecimento:
À Ursula, minha orientadora, pelo apoio e incentivo, pela confiança, pelos conselhos
sempre pertinentes, pela enorme generosidade e, sobretudo, pelo carinho e
amizade. Espero sinceramente que a conclusão deste trabalho não implique num
afastamento.
Aos funcionários do Coppead, em especial à Lucianita e à Cida, por toda a ajuda
com os aspectos burocráticos de um doutorado, e às “meninas” da biblioteca, por
estarem sempre dispostas a ajudar.
Ao professor José Roberto Gomes da Silva, in memoriam, pelas críticas e sugestões
durante as fases iniciais deste trabalho. Sua simplicidade e dedicação ao trabalho
representam um exemplo a ser seguido. É uma pena não tê-lo mais entre nós.
Ao meu marido, Alexandre, pelo carinho e apoio nas horas difíceis, pelo incentivo,
pelas ótimas dicas e, simplesmente, por fazer parte da minha vida. À Luisa, meu
pedacinho de gente, que me completa e faz meus dias mais felizes e divertidos.
À Mariana, pela ajuda na transcrição de algumas entrevistas e também pela
companhia nos momentos de lazer e relaxamento. À Gabriela, pela alegria e
criatividade contagiantes.
Agradeço também aos meus pais, por terem me ensinado desde cedo que estudar é
algo natural e necessário.
Aos meus irmãos, por tornarem minha vida bem mais interessante: à Cecília, por seu
enorme coração; ao Pedro, pelo otimismo; ao Marcelo, que sabe, como poucos, nos
fazer rir; à Inês, um pouco mãe, sempre amiga; ao Mauro, meu ídolo e querido
companheiro de tantas horas; e ao João, pela amizade e inteligência inspiradora.
À Alexandra e à Sandra, pela grande ajuda nos cuidados com a Luisa e a casa. Sem
a tranquilidade que vocês me proporcionaram, este trabalho teria sido bem mais
difícil.
Às amigas (e doutorandas) Tatiana, Roberta e Silvana, pelo exemplo, apoio e
incentivo durante esses anos de doutorado. À Rafaela, pela amizade.
x
Aos meus alunos do IBMEC-RJ, do Coppead, da ESPM e da Escola de
Comunicação da UFRJ, que serviram de inspiração para a realização deste trabalho
e que tanto me ensinaram e ensinam todos os dias em sala de aula. Espero com
esta tese estar contribuindo para o entendimento de suas realidades.
Por fim, meu especial agradecimento a todos os entrevistados que compartilharam
comigo suas histórias, anseios, alegrias e medos. Esta tese é para vocês.
xi
RESUMO
Oliveira, Lucia Barbosa de. Construindo uma carreira em Administração:
perspectivas e estratégias de jovens universitários do Rio de Janeiro. Tese de
Doutorado em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Tendo como pano de fundo um mundo do trabalho mais dinâmico e incerto,
caracterizado pela carência estrutural de postos de trabalho e por relações mais
frágeis entre empresas e trabalhadores, esta pesquisa teve por objetivo examinar
como um grupo específico de jovens – os que optaram pelo ensino superior de
Administração – encara esta realidade e que estratégias utilizam na busca de um
espaço no mercado de trabalho.
A metodologia de investigação utilizada foi a da grounded theory, ou teoria
fundamentada nos dados, que permite a construção de modelos, conceitos e/ou
proposições teóricas a partir dos dados obtidos no campo. O levantamento de dados
foi feito através em 31 entrevistas em profundidade com jovens alunos dos oito
cursos de Administração do Rio de Janeiro que obtiveram nota máxima no ENADE
(Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), um critério objetivo utilizado
como indicativo de sua qualidade e prestígio. Desta forma, procuramos analisar a
realidade de um grupo relativamente privilegiado de jovens, mas que tem sido pouco
abordado na literatura que trata da carreira nesses novos tempos.
Em linha com os preceitos da metodologia adotada, elaboramos um modelo teórico
composto por três processos centrais, chamados de descobrindo a profissão,
qualificando-se e articulando o futuro profissional, que em seu conjunto compõem
um fenômeno mais amplo denominado construindo uma carreira em Administração.
Nesse sentido, tal fenômeno envolve a busca e a descoberta (ou não) de uma
trajetória de carreira que seja percebida como interessante e satisfatória, o
entendimento de que a qualificação é algo que acompanhará o jovem por toda sua
vida profissional, e culmina com o momento em que, com a proximidade da
conclusão do curso superior, ele ou ela passa a sonhar e a vislumbrar alternativas
para seu futuro profissional. Com relação a essas perspectivas profissionais,
identificamos quatro tipos ideais de jovens – engajados, preocupados, céticos e
desapegados – cujas diferenças determinam seus anseios e ambições e a forma
como definem sua estratégia de inserção e atuação.
Palavras-chave: gestão da carreira; relações de trabalho; recursos humanos; jovens.
xii
ABSTRACT
Oliveira, Lucia Barbosa de. Building a career in Business Administration:
Perspectives and strategies of young students in Rio de Janeiro. Tese de
Doutorado em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Given a world of work more dynamic and unstable, characterized by a structural
shortage of job positions and by more fragile work relations between organizations
and its employees, this research had the purpose to examine how a specific group of
young students – those who chose to study Business Administration – perceives this
reality and which strategies the employ in searching for a place In the job market.
The grounded theory methodology, which allows the construction of models,
concepts and/or theories based on data obtained in the field, was used in this
investigation. Data was gathered through 31 in-depth interviews with young students
of the eight business schools of Rio de Janeiro which obtained the highest grade on
ENADE (National Exam of Student’s Performance), an objective criteria used as an
indicative of their quality and prestige. In this sense, we analyzed the realities of a
relatively privileged group, which nevertheless has been seldom investigated in the
literature that deals with career management in these new times.
In line with the purpose of the methodology, we elaborated a theoretic model with
three central processes, called finding a profession, qualifying, and articulating the
future, which in turn composes a central phenomenon denominated building a career
in business administration. This phenomenon, therefore, involves the search and
finding (or not) of a career trajectory perceived as interesting and fulfilling, the
understanding that qualification is going to be necessary during the entire work life,
and culminates with the moment in which, with the proximity of graduation, he or she
starts to dream and foresee alternatives to their professional future. Regarding these
perspectives, we identified four ideal types of young students – engaged, worried,
skeptical, and detached – which differences determine their wishes and ambitions,
and the way they define a placement strategy.
Key words: career management, work relations, human resources, youth.
xiii
LISTA DE FIGURAS
Figura 3.1 – Indicadores do Mercado de Trabalho Brasileiro (2005) ____________ 57
Figura 3.2 – Os componentes da empregabilidade _________________________ 67
Figura 3.3 – Modelo explicativo da empregabilidade ________________________ 69
Figura 4.1 – O processo de escolha do curso de Administração ______________ 123
Figura 4.2 – O modelo teórico ________________________________________ 154
Figura 4.3 – As etapas do processo de descoberta da profissão ______________ 157
Figura 4.4 – Vivendo as primeiras experiências ___________________________ 160
Figura 4.5 – Escolhendo o curso de graduação e a IES ____________________ 170
Figura 4.6 – Vivenciando a faculdade __________________________________ 180
Figura 4.7 – Descobrindo a profissão: versão original e ampliada _____________ 186
Figura 4.8 – O momento da descoberta da profissão ______________________ 188
Figura 4.9 – Estrutura do mercado de trabalho ___________________________ 201
Figura 4.10 – Qualificando-se ________________________________________ 202
Figura 4.11 – Articulando o futuro profissional ____________________________ 213
Figura 4.12 – Os entrevistados e seu tipo ideal ___________________________ 221
Figura 4.13 – O fenômeno central _____________________________________ 240
Figura 5.1 – Antecedentes e consequentes da auto-confiança _______________ 254
Figura 5.2 – Modelo de orientações dos estudantes _______________________ 259
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 3.1 – Crescimento e desemprego no mundo ________________________ 49
Gráfico 3.2 – Evolução do desemprego: jovens entre 15 e 24 anos ____________ 51
Gráfico 3.3 – Razão entre a taxa de desemprego de jovens e adultos __________ 52
Gráfico 3.4 – Evolução da taxa de desemprego____________________________ 55
Gráfico 3.5 – Taxa de desocupação e crescimento econômico ________________ 58
Gráfico 3.6 – Taxa de Desocupação – Total e no Rio de Janeiro ______________ 59
Gráfico 4.1 – Entrevistados por Instituição de Ensino ______________________ 101
Gráfico 4.2 – Entrevistados por idade __________________________________ 101
Gráfico 4.3 – Por que Administração: pesquisa qualitativa __________________ 119
Gráfico 4.4 – Por que Administração: pesquisa quantitativa _________________ 121
xiv
LISTA DE QUADROS
Quadro 2.1 – Cursos de Administração com nota 5 no ENADE 2006 ___________ 11
Quadro 2.2 – O processo de codificação _________________________________ 29
Quadro 2.3 – Amostragem inicial e teórica _______________________________ 34
Quadro 2.4 – Cronologia das atividades da pesquisa _______________________ 36
Quadro 2.4 – Cronologia das atividades da pesquisa (cont.) __________________ 37
Quadro 3.1 – Vagas, candidatos e ingressos no ensino superior (2007) _________ 85
Quadro 3.2 – Evasão no ensino superior brasileiro: média 2001-2005 __________ 87
Quadro 3.3 – Evasão por curso de graduação em 2005 _____________________ 88
Quadro 3.4 – Cursos avaliados no ENADE _______________________________ 89
Quadro 3.5 – População residente por grupos de idade (em 1.000 pessoas) _____ 91
Quadro 3.6 – Indicadores educacionais da juventude (em 1.000 pessoas) _______ 92
Quadro 3.7 – Periódicos por área do conhecimento ________________________ 94
Quadro 3.8 – Artigos nacionais sobre os jovens ___________________________ 95
Quadro 3.9 – Artigos apresentados em eventos da ANPAD __________________ 96
Quadro 4.1 – Perfil dos entrevistados __________________________________ 100
Quadro 4.2 – Ideias e escolhas de carreira ______________________________ 116
Quadro 4.3 – Número de entrevistados por processo de escolha _____________ 125
Quadro 4.4 – Optando com consciência ________________________________ 126
Quadro 4.5 – Fazendo cálculos e concessões ____________________________ 133
Quadro 4.6 – Adiando a escolha ______________________________________ 137
Quadro 4.7 – Dimensões da experiência de trabalho ______________________ 148
Quadro 4.8 – Perfis e suas dimensões _________________________________ 215
Quadro 4.9 – Tipo ideal e capital cultural dos entrevistados _________________ 223
Quadro 4.10 – Tipos ideais e capital cultural: totalizações ___________________ 224
Quadro 5.1 – Contribuições à descoberta da profissão _____________________ 248
Quadro 5.2 – Tipologia de personalidades e ambientes de Holland ___________ 257
xv
LISTA DE ABREVIATURAS
ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
ANPAD – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPAL – Comisión Económica para América Latina
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CR – Coeficiente de Rendimento
ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FMI – Fundo Monetário Internacional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES – Instituição de Ensino Superior
ILO – International Labour Office
IMF – International Monetary Fund
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PEA – População Economicamente Ativa
PIA – População em idade ativa (10 anos ou mais)
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNEA – População Não-Economicamente Ativa
ProUni – Programa Universidade para Todos
SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
xvi
Cursos de graduação citados no texto:
ARQ – Arquitetura
BIO – Biologia
C.AER – Ciências Aeronáuticas
CS – Comunicação Social
CTB – Contabilidade (Ciências Contábeis)
DIR – Direito
ECO – Economia (Ciências Econômicas)
ENG – Engenharia
ENG Aer. – Engenharia Aeronáutica
ENG Mec. – Engenharia Mecânica
EST – Estatística
FIL – Filosofia
HIS – História
INF – Informática / Sistemas de Informação / Ciência da Computação
JOR – Jornalismo
LET – Letras
PCULT – Produção Cultural
PSI – Psicologia
RP – Relações Públicas
RI – Relações Internacionais
TUR – Turismo
xvii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO __________________________________________________ 1
1.1 Objetivos _____________________________________________________ 3
1.2 Relevância do estudo ___________________________________________ 3
1.3 Delimitação do estudo ___________________________________________ 7
1.4 Organização do estudo __________________________________________ 8
2. ASPECTOS METODOLÓGICOS __________________________________ 10
2.1 Grupo pesquisado _____________________________________________ 10
2.2 Paradigma de investigação ______________________________________ 11
2.3 Estratégia de investigação ______________________________________ 14
2.4 Metodologia de investigação ____________________________________ 15
2.5 O interacionismo simbólico _____________________________________ 16
2.5.1 Origens ________________________________________________ 16
2.5.2 Características __________________________________________ 17
2.6 A grounded theory _____________________________________________ 19
2.6.1 Histórico _______________________________________________ 19
2.6.2 Definição _______________________________________________ 20
2.6.3 Terminologia ____________________________________________ 21
2.7 Características do método e sua aplicação_________________________ 22
2.7.1 Fontes de dados _________________________________________ 23
2.7.2 O papel da revisão de literatura _____________________________ 23
2.7.3 Coleta, codificação e análise ________________________________ 24
2.7.4 A redação de memos _____________________________________ 30
2.7.5 Diagramação ____________________________________________ 31
2.7.6 Estratégia de amostragem _________________________________ 32
2.7.7 Validação dos resultados __________________________________ 35
3. REVISÃO DE LITERATURA ______________________________________ 38
3.1 Organização do capítulo ________________________________________ 38
3.2 O contexto macroeconômico e macro-social _______________________ 38
3.2.1 Um novo sistema social ___________________________________ 38
3.2.2 Crise e renovação ________________________________________ 42
3.3 As repercussões sobre o mundo do trabalho _______________________ 46
3.3.1 O problema do desemprego ________________________________ 48
O desemprego no mundo __________________________________ 48
O desemprego no Brasil ___________________________________ 53
xviii
3.3.2 Novas relações de trabalho _________________________________ 59
3.3.3 A organização interna do trabalho ___________________________ 61
3.4 A questão da empregabilidade ___________________________________ 63
3.4.1 Histórico do conceito ______________________________________ 64
3.4.2 Determinantes da empregabilidade __________________________ 66
3.4.3 Críticas à empregabilidade de iniciativa _______________________ 69
3.4.4 Conclusão ______________________________________________ 70
3.5 O trabalho e seus significados ___________________________________ 71
3.5.1 O que é trabalho? ________________________________________ 71
3.5.2 O significado do trabalho ___________________________________ 74
3.5.3 As dimensões do significado do trabalho ______________________ 75
3.5.4 Estabilidade ou mudança no significado do trabalho? ____________ 76
3.6 A transição para a vida adulta ___________________________________ 78
3.6.1 A transição escola-trabalho _________________________________ 79
3.7 A carreira profissional __________________________________________ 80
3.7.1 Definição _______________________________________________ 80
3.7.2 Teorias de carreira _______________________________________ 81
3.7.3 Novas modalidades de carreira ______________________________ 83
3.8 O ensino superior no Brasil _____________________________________ 83
3.8.1 Dados demográficos ______________________________________ 84
3.8.2 Evasão na educação superior _______________________________ 86
3.8.3 Avaliação de cursos e instituições de ensino ___________________ 88
3.9 O jovem e os jovens brasileiros __________________________________ 90
3.9.1 Dados demográficos ______________________________________ 90
3.9.2 Pesquisas sobre o jovem brasileiro ___________________________ 93
4. RESULTADOS ________________________________________________ 99
4.1 Organização do capítulo ________________________________________ 99
4.2 Perfil dos entrevistados ________________________________________ 99
4.2.1 Adriana _______________________________________________ 102
4.2.2 Aline _________________________________________________ 102
4.2.3 Antonio _______________________________________________ 103
4.2.4 Bernardo ______________________________________________ 103
4.2.5 Carlos ________________________________________________ 103
4.2.6 Celso _________________________________________________ 104
4.2.7 Cristiane ______________________________________________ 104
4.2.8 Daniel ________________________________________________ 105
4.2.9 Douglas _______________________________________________ 105
xix
4.2.10 Eliane ________________________________________________ 106
4.2.11 Elisa _________________________________________________ 106
4.2.12 Ernesto _______________________________________________ 106
4.2.13 Fernando ______________________________________________ 107
4.2.14 Gabriela _______________________________________________ 107
4.2.15 Gisele ________________________________________________ 107
4.2.16 Guilherme _____________________________________________ 108
4.2.17 Heitor _________________________________________________ 108
4.2.18 Helena ________________________________________________ 109
4.2.19 Jacqueline _____________________________________________ 109
4.2.20 Joana ________________________________________________ 110
4.2.21 Joaquim _______________________________________________ 110
4.2.22 Leila __________________________________________________ 110
4.2.23 Mateus _______________________________________________ 111
4.2.24 Mauro ________________________________________________ 111
4.2.25 Nelson ________________________________________________ 112
4.2.26 Paula _________________________________________________ 112
4.2.27 Regina ________________________________________________ 112
4.2.28 Reinaldo ______________________________________________ 112
4.2.29 Rosana _______________________________________________ 113
4.2.30 Ruth __________________________________________________ 113
4.2.31 Sabrina _______________________________________________ 114
4.3 Temas relevantes _____________________________________________ 114
4.3.1 O que ser quando crescer? Começando a pensar a carreira ______ 114
4.3.2 Por que Administração? __________________________________ 118
4.3.3 A escolha do curso de Administração como um processo ________ 122
4.3.4 As escolhas de cada um __________________________________ 125
Optando com consciência _________________________________ 126
Fazendo cálculos e concessões ____________________________ 133
Adiando a escolha _______________________________________ 137
Conclusão _____________________________________________ 141
4.3.5 A escolha das instituições de ensino superior __________________ 142
4.3.6 Percepções sobre o mundo do trabalho ______________________ 145
4.3.7 Procurando trabalho e vivendo a primeira colocação ____________ 147
4.3.8 Uma rotina desgastante __________________________________ 149
4.4 Modelo Teórico ______________________________________________ 151
4.4.1 Conceitos e categorias ___________________________________ 151
Grupos de referência _____________________________________ 151
Os capitais de Bourdieu __________________________________ 151
Categorias da grounded theory _____________________________ 153
xx
4.4.2 Os processos centrais ____________________________________ 154
4.4.3 Descobrindo a profissão __________________________________ 156
4.4.4 Vivendo as primeiras experiências __________________________ 158
Contexto e condições intervenientes_________________________ 160
Estratégias ____________________________________________ 163
Consequências _________________________________________ 166
Conclusões ____________________________________________ 167
4.4.5 Escolhendo o curso de graduação e a IES ____________________ 169
Contexto ______________________________________________ 170
Condições Intervenientes _________________________________ 173
Estratégias ____________________________________________ 176
Consequências _________________________________________ 178
Conclusões ____________________________________________ 178
4.4.6 Vivenciando a faculdade __________________________________ 179
Contexto e condições intervenientes_________________________ 180
Estratégias ____________________________________________ 182
Consequências _________________________________________ 184
Conclusões ____________________________________________ 185
4.4.7 Quando ocorre a descoberta da profissão? ___________________ 187
No ensino fundamental ___________________________________ 188
No ensino médio ________________________________________ 190
No vestibular ___________________________________________ 192
Na faculdade ___________________________________________ 193
Ainda buscando se encontrar ______________________________ 196
4.4.8 Qualificando-se _________________________________________ 200
Contexto ______________________________________________ 203
Condições Intervenientes _________________________________ 204
Estratégias ____________________________________________ 205
Consequências _________________________________________ 208
Conclusões ____________________________________________ 210
4.4.9 Articulando o futuro profissional ____________________________ 212
Contexto e condições intervenientes_________________________ 214
Os tipos ideais __________________________________________ 215
Estratégias e consequências ______________________________ 218
Conclusões ____________________________________________ 220
4.4.10 Os entrevistados e seus respectivos tipos ____________________ 220
A mensuração do capital cultural ___________________________ 222
Engajados _____________________________________________ 224
Preocupados ___________________________________________ 232
Céticos _______________________________________________ 236
Desapegados __________________________________________ 238
4.4.11 Conclusão final – o fenômeno central ________________________ 240
5. DISCUSSÃO _________________________________________________ 242
5.1 O modelo teórico à luz da literatura ______________________________ 242
5.1.1 Identificando interesses e fazendo escolhas profissionais ________ 242
xxi
5.1.2 Teorias de carreira ligadas à escolha profissional ______________ 246
5.1.3 Qualificação, empregabilidade e inserção profissional ___________ 251
5.1.4 A qualificação e o novo espírito do capitalismo _________________ 254
5.1.5 A articulação do futuro profissional e os tipos ideais _____________ 256
5.1.6 O fenômeno central estudado e a literatura ___________________ 260
5.2 Implicações _________________________________________________ 265
5.2.1 Implicações para instituições de ensino ______________________ 265
5.2.2 Implicações para pais e responsáveis________________________ 266
5.2.3 Implicações para empresas contratantes _____________________ 267
5.2.4 Implicações para jovens em começo de carreira _______________ 268
5.2.5 Implicações teóricas _____________________________________ 269
5.3 Limitações e forças do estudo __________________________________ 269
6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS ________ 271
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________ 277
APÊNDICES _____________________________________________________ 293
APÊNDICE A – Roteiro das entrevistas iniciais _________________________ 294
APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas de adensamento teórico __________ 296
APÊNDICE C – Lista de códigos _____________________________________ 297
APÊNDICE D – Exemplos de pesquisas com grounded theory ____________ 298
1. INTRODUÇÃO
What is happening in our mature societies is much more fundamental, confusing, and distressing than I had expected. (...) Part of the confusion stems from our pursuit of efficiency and economic growth, in the conviction that these are the necessary ingredients of progress. In the pursuit of these goals we can be tempted to forget that it is we, individual men and women, who should be the measure of all things, not made to measure for something else. (HANDY, 1994, p. ix-x)
O desemprego e a instabilidade das relações de trabalho estão entre os principais
problemas das sociedades contemporâneas. A despeito das especificidades
nacionais e regionais, a carência de postos de trabalho pode ser encarada como um
problema mundial, visto que afeta tanto economias capitalistas avançadas quanto
países periféricos e em transição para o capitalismo (POCHMANN, 2002). Além
disso, a desregulamentação do mercado de trabalho, implementada em vários
países sob a crença de que seria um antídoto ao desemprego, vem ampliando o
número de pessoas que trabalham em condições precárias, sem qualquer
segurança ou proteção social (POCHMANN, 2002; ANTUNES, 1995; OIT, 2006a).
O problema do desemprego ultrapassa as fronteiras do debate econômico, na
medida em que, da perspectiva do indivíduo, o trabalho é muito mais do que fonte
de rendimentos, contribuindo também para sua inserção social, satisfação pessoal e
auto-estima (FERREIRA, 2002). Além disso, afeta tanto os próprios desempregados
como os que se mantêm ativos no mercado de trabalho. Para os que não
conseguem encontrar uma colocação, representa mais uma faceta da exclusão
social. Para os empregados, se converte em insegurança e crescentes pressões no
ambiente de trabalho. Conforme propõe Bauman (2001, p. 185), “no mundo do
desemprego estrutural ninguém pode sentir-se verdadeiramente seguro”.
Adicionalmente, o grande contingente de trabalhadores sujeitos a relações de
trabalho chamadas de “não convencionais”, tais como o emprego temporário, em
tempo parcial ou sem contrato formal (TORRES, 2001), representa mais um aspecto
que contribui para ampliar a instabilidade da força de trabalho.
Do ponto de vista das empresas, o desemprego pode, por um lado, ser percebido
como favorável, na medida em que pressiona negativamente os salários e custos de
contratação. A flexibilidade nas relações de trabalho é também positiva, uma vez
2
que permite às empresas ajustes mais rápidos às flutuações do mercado. No
entanto, este cenário pode, por outro lado, reduzir a motivação e o comprometimento
dos trabalhadores e, numa perspectiva de mais longo prazo, atingir sua ética e suas
atitudes em relação ao trabalho1. Se considerarmos ainda que os trabalhadores são
também consumidores, a escassez de emprego e a queda dos salários, somados à
insegurança, podem dificultar a colocação de produtos e serviços pelas empresas.
A prevalência e a amplitude dessa situação de desemprego e de redesenho das
relações entre capital e trabalho leva ao entendimento de que estamos diante de um
novo mundo do trabalho2, muito diferente daquele que se consolidou no período
entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da década de 1970. Se esses
“anos de ouro do capitalismo” se caracterizaram por um “padrão sistêmico de
integração social”, associado à “construção de um conjunto de políticas econômicas
e sociais favoráveis ao bem-estar da sociedade” (POCHMANN, 2002, p. 11), hoje
presenciamos um “cenário crítico”, marcado por “um monumental desemprego” e
“uma enorme precarização do trabalho” (ANTUNES, 1995, p. 165).
Neste contexto, os jovens estão entre os principais prejudicados, pois dado o
excedente de mão de obra com experiência profissional, enfrentam crescentes
dificuldades de inserção no mercado de trabalho. A taxa de desemprego entre os
jovens, na maior parte dos países, incluindo o Brasil, é muito superior à da
população adulta3 (OIT, 2008; IBGE, 2009a), e são eles os mais expostos a
condições de trabalho não convencionais (OIT, 2006b).
Tendo como pano de fundo esse cenário mais adverso, a questão central que
orientou a elaboração do presente estudo foi a forma como esta nova geração de
jovens percebe o mercado de trabalho e a ele procura se integrar, conforme
detalharemos a seguir.
1 Alguns autores procuraram investigar esta perspectiva, tais como Ruiz-Quintanilla & Wilpert (1991), Lowe & Krahn (2000) e Smola & Sutton (2002). 2 Utilizamos esta expressão para designar as condições do mercado de trabalho que emergiram a partir da crise do capitalismo no início da década de 70. Apesar de já terem se passado mais de três décadas, optamos por manter a palavra “novo” para sermos consistentes com a literatura sobre o tema (cf. SANTANA & RAMALHO, 2003). 3 No Brasil, a taxa de desemprego em 2008 entre jovens de 18 a 24 anos foi de 16,6%, contra uma taxa de desemprego total de 7,9% (IBGE, 2009a).
3
1.1 OBJETIVOS
Partindo do pressuposto de que a maior instabilidade nas relações de trabalho
influencia as percepções e ações de atuais e futuros trabalhadores, este estudo tem
por objetivo examinar como um grupo específico de jovens – os que optaram pelo
ensino superior de Administração4 – encara esta realidade e que estratégias utilizam
na busca de um espaço no mercado de trabalho.
Nesse sentido, buscamos responder às seguintes questões:
� Qual a percepção desses jovens em relação às condições do mercado de
trabalho?
� Que desafios esperam enfrentar na busca de uma posição no mercado de
trabalho?
� Que importância atribuem ao trabalho?
� Quais são suas aspirações profissionais?
� Como se preparam para sua inserção no mercado de trabalho?
Nosso objetivo é, portanto, entender até que ponto esses jovens têm consciência
das novas relações de trabalho e das condições potencialmente adversas que os
esperam no mercado de trabalho, qual o impacto destas sobre o valor que atribuem
ao trabalho e sobre suas aspirações, e de que forma reagem e/ou agem sobre esta
realidade percebida. Em outras palavras, buscaremos analisar como o jovem,
objetiva e subjetivamente, constrói sua carreira profissional, dadas as suas
percepções sobre o mercado de trabalho.
1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Antunes e Alves (2004) destacam que o mundo do trabalho se fragmentou e se
complexificou. Entre as tendências apontadas pelos autores estão as crescentes
dificuldades de inserção no mercado de trabalho enfrentadas pelos jovens.
Outra tendência presente no mundo do trabalho é a crescente exclusão dos jovens, que atingiram a idade de ingresso no mercado de trabalho e que, sem perspectiva de emprego, acabam muitas vezes engrossando as fileiras dos trabalhos precários, dos desempregados, sem perspectivas de trabalho. (ANTUNES & ALVES, 2004, p. 339).
4 As razões para a escolha deste grupo de jovens serão explicitadas mais à frente.
4
Desta forma, acreditamos que é importante compreender como essas mudanças
afetam as perspectivas profissionais daqueles que estão em começo de carreira e
procuram um espaço no mercado de trabalho. No Brasil, são poucos os estudos nas
áreas de ciências humanas e sociais, incluindo a administração, que analisam a
perspectiva dos jovens em relação ao trabalho e à sua inserção profissional,
especialmente entre aqueles que optam pelo ensino superior (ver seção 3.9.2). Além
disso, especificamente na área de administração, os estudos que tratam desta
temática frequentemente “importam” conceitos advindos do exterior, cuja realidade
muitas vezes não é compatível com a brasileira (BALASSIANO & COSTA, 2006;
THIRY-CHERQUES, 2006).
Ainda com relação à literatura de administração, não é incomum encontramos
defesas à tese de que as transformações no mundo do trabalho seriam benéficas
para a força de trabalho. Tavares, Pimenta & Balassiano (2007), por exemplo,
destacam que a busca pela empregabilidade, que seria uma substituta à segurança
no emprego, representa uma espécie de “emancipação” para o trabalhador, que
agora estaria livre para buscar sua auto-realização. Uma das questões que orienta
este estudo é justamente até que ponto essa crença no “individuo soberano”
(GOMES, 2002) encontra sustentação empírica.
Outra importante questão diz respeito à aceitação – ou não – pelo jovem
universitário do ideário da carreira proteana (HALL, 2004) ou sem fronteiras
(ARTHUR & ROUSSEAU, 1996), amplamente discutido na literatura internacional e
já incorporado ao debate nacional (cf. BALASSIANO & COSTA, 2006). Cabe
investigar se o jovem se sente confortável com a necessidade de gerenciar sua
própria carreira e com a construção de uma carreira sem fronteiras – associada à
perspectiva de trabalho em múltiplas empresas e a exigências de investimentos
pessoais em qualificação e na construção de redes de relacionamento – ou se ainda
prevalece o desejo de uma carreira tradicional, representada pela ascensão na
hierarquia de uma mesma organização. Em outras palavras, até que ponto chegar à
alta administração de uma grande corporação, de preferência multinacional, ainda
faz parte do imaginário desses jovens?
Numa pesquisa realizada em 2006 pela FIRJAN (Federação das Indústrias do
Estado do Rio de Janeiro), com jovens universitários do Estado do Rio de Janeiro,
constatou-se que mais de 60% consideram o emprego público como a sua principal
5
alternativa de carreira (FIRJAN, 2007). Além disso, uma pesquisa realizada em 2003
com um conjunto mais abrangente e representativo da população jovem brasileira
aponta o emprego como uma das principais preocupações do jovem, perdendo
apenas para a questão da violência (ABRAMO & BRANCO, 2005). Se a conquista
de um espaço no mercado de trabalho representa uma grande preocupação, cabe
questionar até que ponto a perspectiva de maior satisfação e auto-realização não se
minimiza frente à insegurança e à instabilidade.
Também observamos na literatura uma lacuna em relação ao grupo de jovens com
formação universitária, foco deste estudo. Com relação à literatura estrangeira,
identificamos que o problema do desemprego entre adultos é mais frequentemente
estudado do que entre jovens (FURNHAM & RAWLES, 1996). Além disso, quando
as pesquisas abordam os jovens, são mais estudados aqueles cuja transição para o
mercado de trabalho se dá diretamente do ensino médio ou obrigatório (TEIXEIRA &
GOMES, 2004). Na literatura brasileira de ciências humanas e sociais relacionada à
questão do trabalho, também constatamos uma relativa escassez de estudos
focados nos jovens universitários. Somente no campo da administração, e
considerando apenas os estudos sobre a questão do trabalho entre os jovens, o foco
tende a ser o jovem universitário, conforme discutiremos na seção 3.9.2. Em
resumo, considerando-se o conjunto da produção acadêmica nacional e
internacional, os jovens oriundos do ensino superior representam um grupo
relativamente pouco estudado.
É possível especular que esta lacuna deve-se, inicialmente, ao fato de que os jovens
com educação superior são minoria em grande parte dos países, incluindo o Brasil.
Além disso, o menor interesse por esses jovens pode estar associado à sua situação
relativamente mais favorável. No entanto, alguns estudos evidenciam que mesmo
este grupo de jovens vem enfrentando crescentes dificuldades de inserção no
mercado de trabalho, o que amplia a relevância de estudos a seu respeito. Apesar
de as taxas de desemprego dos jovens com formação universitária ser inferior à dos
jovens com menos anos de estudo, em diversos países aquele grupo vem
vivenciando taxas de desemprego crescentes e uma piora nas condições de
trabalho a que estão submetidos (OCDE, 2006).
A transição da escola ou do ensino superior para o mercado de trabalho é um
importante momento da vida dos jovens e tende a ter um impacto significativo sobre
6
suas perspectivas futuras, tanto pessoais como profissionais (HOGAN & ASTONE,
1986; ROBERTS, 2003; OIT, 2006b). Diversos estudos mostram que os jovens que
enfrentam o desemprego ou são submetidos a condições de trabalho precárias
neste período de transição estão mais propensos a enfrentarem problemas
psicológicos (WINEFIELD & TIGGEMANN, 1991), a permanecerem numa trajetória
de carreira instável (OIT, 2006b) e a apresentarem comportamentos desviantes, tais
como o consumo de álcool e drogas e a criminalidade (HARTNAGEL, 1998). Além
disso, a maior insegurança vivida pelo jovem na busca de um espaço no mercado de
trabalho pode interferir em outros aspectos de sua transição para a vida adulta, na
medida em que a estabilidade financeira e boas perspectivas de carreira têm
impacto sobre a decisão do jovem em constituir uma família – casar e ter filhos – ou
sair da casa dos pais/provedores em busca de sua independência (GOLSCH, 2003).
Nesse sentido, a compreensão das dificuldades enfrentadas e das formas como o
jovem percebe e lida com elas torna-se ainda mais importante, uma vez que
representa um problema social que não se limita ao mercado de trabalho.
Para as organizações que contratam jovens profissionais com formação superior,
com o intuito de renovar sua força de trabalho e formar seu futuro quadro de
lideranças, conhecer suas aspirações e percepções também se mostra relevante, na
medida em que lhes permite adaptar suas estratégias de recrutamento e seleção e
oferecer condições de trabalho mais alinhadas às expectativas deste grupo,
contribuindo para ampliar sua produtividade, satisfação e permanência na empresa.
Além disso, o conhecimento mais profundo deste público também pode orientar o
desenvolvimento de políticas públicas que contribuam para facilitar esta etapa de
transição. No Brasil, os dados da PNAD de 2008 mostram que, dos jovens com
idade entre 18 e 24 anos, apenas 14% estavam cursando o ensino superior (IBGE,
2009b). Apesar de representar uma minoria, o estudo deste grupo ganha relevância
na medida em que a promoção de uma maior qualificação da força de trabalho é
entendida como uma alternativa para melhorar a competitividade da economia
brasileira e reduzir as desigualdades sociais.
Com relação à metodologia utilizada, a pesquisa tem relevância por duas razões.
Em primeiro lugar, em função de sua contribuição teórica ao tema do
desenvolvimento da carreira de jovens universitários, uma vez que estudos que
7
adotam a grounded theory têm como produto final justamente a elaboração de
modelos teóricos explicativos de uma realidade social.
Em segundo lugar, observamos que esta metodologia tem sido pouco utilizada no
campo da administração, sendo mais comum em estudos da sociologia, psicologia e
enfermagem (BIANCHI & IKEDA, 2008). Ichikawa & Santos (2001) “apresentam” a
metodologia no principal encontro de pesquisadores desta área do conhecimento5 no
ano de 2001, evidenciando o baixo conhecimento e uso da mesma até então. Além
disso, num artigo que analisa a produção científica em recursos humanos nos anais
deste mesmo encontro ao longo da década de 1990, Caldas, Tonelli & Lacombe
(2002) constataram que nenhum utilizou a grounded theory6. Notáveis exceções
ficam por conta dos trabalhos mais recentes de Bandeira-de-Mello & Cunha (2004),
de Bacellar, Ikeda & Ângelo (2005) e de Petrini & Pozzebon (2008). Desta forma, o
presente estudo pode contribuir, ainda, para estimular o seu uso e ampliar o leque
de opções metodológicas aos pesquisadores da área.
1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Este estudo tem como foco o entendimento das percepções sobre o mercado de
trabalho e estratégias de inserção de jovens com formação universitária. Desta
forma, não serão considerados os jovens que ingressam ou buscam se integrar ao
mercado de trabalho sem formação superior. Além disso, limitamos o conjunto de
jovens universitários àqueles oriundos de cursos de Administração de Empresas,
como forma de garantir maior homogeneidade do grupo pesquisado.
Nosso objetivo, conforme colocado, é o de compreender como o jovem faz sentido
de suas vivências, quais são suas expectativas de carreira, e como procura se
preparar para sua inserção definitiva no mercado de trabalho, após a conclusão do
curso universitário. Nesse sentido, adotaremos um enfoque qualitativo, procurando
captar com profundidade suas percepções e ações, abrindo mão, portanto, de um
estudo mais abrangente que cobrisse um conjunto representativo da população
universitária brasileira.
5 Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD). 6 O método do caso predomina em 90% dos trabalhos de cunho qualitativo.
8
Uma outra abordagem da questão poderia se dar a partir da visão das empresas
contratantes, onde se buscaria investigar as exigências e as competências
requeridas na seleção de jovens para sua força de trabalho. No entanto, nosso foco
se limitará à perspectiva do jovem e às suas próprias percepções sobre as
demandas das empresas.
Como a metodologia de pesquisa utilizada neste estudo é a da grounded theory,
cujos detalhes serão apresentados mais a frente, não podemos antecipadamente
propor uma delimitação teórica, já que o método prevê a construção de uma teoria e
não a validação ou o teste de teorias e conceitos já existentes. Além disso, dado que
o modelo teórico desenvolvido emergiu dos dados coletados, também não foi
possível prever de antemão a que outras perspectivas teóricas ele se relacionaria.
Por essas razões, a delimitação ficou restrita aos sujeitos pesquisados.
1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
Neste capítulo introdutório apresentamos os objetivos da pesquisa, procuramos
destacar sua relevância teórica e prática, e discutimos sua delimitação.
No Capítulo 2 – Aspectos Metodológicos – explicamos o paradigma e a estratégia de
investigação adotados e, em seguida, apresentamos as principais características da
grounded theory, a metodologia de pesquisa que orientou a elaboração deste
estudo. Por ser uma metodologia que, na sua concepção, se propõe a orientar o
trabalho de coleta e análise de dados, mas não de forma inflexível e única (GLASER
& STRAUSS, 1967; CHARMAZ, 2006), também nos preocupamos em apresentar o
percurso metodológico que seguimos durante toda a pesquisa, visando dar maior
transparência ao trabalho e credibilidade aos resultados encontrados.
O Capítulo 3 – Revisão da Literatura – contém uma breve revisão da literatura sobre
temas ligados ao trabalho e à carreira profissional. Discutimos as transformações
econômico-sociais verificadas nas últimas décadas e seu impacto sobre o mundo do
trabalho, os temas da empregabilidade e do significado do trabalho, e algumas
teorias de carreira, incluindo os primeiros esforços de teorização e o debate mais
recente a respeito de suas novas formas.
Como o propósito da grounded theory é a construção de uma teoria fundamentada
nos dados e não em teorias pré-existentes, a revisão da produção científica é
9
propositalmente menos extensa do que em estudos mais convencionais. A ideia por
trás dessa orientação é a de que o pesquisador deve ir a campo com a chamada
sensibilidade teórica7, mas sem ideias e conceitos pré-concebidos a respeito do
tema, conforme será mais elaborado no capítulo da metodologia.
Ao final do capítulo apresentamos dados sobre o ensino superior no Brasil e sobre
os jovens brasileiros, incluindo um levantamento de estudos nacionais que buscam
compreender sua realidade.
No Capítulo 4 – Resultados – apresentamos os resultados da análise dos dados da
pesquisa, incluindo o perfil demográfico do grupo pesquisado, um breve descritivo
do histórico pessoal de cada um dos entrevistados e alguns temas que se
mostraram relevantes durante o processo de análise. Em seguida, passamos à
discussão do modelo teórico fundamentado nos dados.
No capítulo 5 – Discussão – fazemos uma discussão do modelo teórico à luz da
literatura sobre o tema, com o objetivo de comparar e contrapor as descobertas e
proposições do modelo com teorias e trabalhos existentes, ampliando em alguns
casos os temas abordados na revisão de literatura e trazendo outros novos, quando
pertinentes. Aqui também são apresentadas as implicações do estudo para
instituições de ensino, pais e responsáveis, empresas contratantes e jovens em
começo de carreira que se encontram no ensino superior ou que pensam nele
ingressar.
No sexto e último capítulo, encerramos com nossas considerações finais e
sugestões para futuras pesquisas.
Dos apêndices constam o detalhamento de alguns aspectos metodológicos – o
roteiro das entrevistas e a lista final de códigos criados durante a análise dos dados
– e exemplos de pesquisas que adotaram a metodologia da grounded theory, como
forma de ilustrar algumas de suas características.
7 O conceito de sensibilidade teórica é definido por Vergara (2005) como a habilidade do pesquisador em analisar a relevância dos dados, considerando os objetivos da pesquisa, e atribuir-lhes significado.
10
2. ASPECTOS METODOLÓGICOS
2.1 GRUPO PESQUISADO
Os jovens representam um grupo bastante heterogêneo em qualquer sociedade,
incluindo a brasileira. O nível educacional e a origem sócio-econômica são fatores
que notadamente diferenciam os jovens quanto às suas oportunidades e trajetórias
profissionais (FRIGOTTO, 2004). Desta forma, na escolha grupo a ser pesquisado,
foi necessário optar entre a homogeneidade e a representatividade. Como nosso
objetivo é avaliar em profundidade as perspectivas dos jovens, demos preferência à
primeira opção e nos focamos na análise um grupo específico de jovens, aqueles
que optaram pela formação universitária, de ambos os sexos.
O tipo de curso universitário é outro fator que tende a levar a importantes diferenças
de perspectiva e, mantendo nosso foco na homogeneidade, optamos pelo curso de
Administração, por entendermos que o “mundo dos negócios” foi um dos mais
afetados pelas transformações econômico-sociais das últimas três décadas e que
modalidades flexíveis de trabalho são cada vez mais comuns nesta área,
contribuindo para o nosso objetivo de avaliar as expectativas e vivências dos jovens
em relação a esta questão. Além disso, a autora possui experiência como docente
de cursos de Administração e como coordenadora de cursos de extensão em
marketing e recursos humanos, o que despertou seu interesse e sua sensibilidade
teórica em relação às vivências desses jovens. A familiaridade em relação ao público
pesquisado é importante na medida em facilita a empatia, o entendimento da
linguagem utilizada pelos entrevistados, a conquista de sua confiança e a
compreensão da realidade por eles vivenciada (FONTANA & FREY, 1994).
Nas etapas iniciais da pesquisa, pudemos observar ainda que o prestígio da
faculdade tem impacto não desprezível sobre as perspectivas profissionais de seus
alunos. Dessa forma, optamos por limitar o grupo pesquisado a jovens oriundos de
instituições de ensino superior que obtiveram nota máxima, equivalente à nota cinco,
no ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), um critério objetivo
utilizado como indicativo de sua qualidade e prestígio. No estado do Rio de Janeiro,
foram oito as instituições de ensino superior cujos cursos de Administração
11
obtiveram a nota máxima no exame realizado em 20068. Dessas oito instituições,
quatro são públicas e quatro são privadas, conforme apresentado no Quadro 2.1 a
seguir.
Quadro 2.1 – Cursos de Administração com nota 5 no ENADE 2006
Instituição de Ensino Superior Sigla Município
Privadas
Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM Rio de Janeiro
EBAPE-FGV FGV Rio de Janeiro
Faculdade de Economia e Finanças IBMEC IBMEC Rio de Janeiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-RJ Rio de Janeiro
Públicas
CEFET CEFET Rio de Janeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Rio de Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Rio de Janeiro
Universidade Federal Fluminense UFF Niterói
Por fim, optamos por abordar apenas jovens com alguma experiência profissional,
seja de estágio ou de trabalho. Isto porque consideramos, também com base em
pesquisas anteriores, que tais vivências tornariam a entrevista mais rica em termos
dos aspectos que nos propomos a investigar. Em pesquisas qualitativas,
recomenda-se a escolha intencional de entrevistados que melhor ajudem o
pesquisador no entendimento do problema e das questões de pesquisa
(CRESWELL, 2003; GLASER, 1978 apud COYNE, 1997).
2.2 PARADIGMA DE INVESTIGAÇÃO
Creswell (2003) destaca que uma das primeiras etapas na condução de uma
pesquisa deve ser a escolha de um paradigma de investigação, aqui entendido
como o conjunto de suposições filosóficas a respeito da natureza da realidade e as
epistemologias e ontologias a ele associadas.
Guba & Lincoln (1994) definem paradigma como um sistema básico de crenças ou
visão de mundo que guia o pesquisador não apenas na escolha da metodologia de
8 O ENADE de 2006 foi o único que incluiu alunos de cursos de Administração. A realização de um novo exame
12
investigação, mas também ontologicamente e epistemologicamente. A ontologia diz
respeito ao entendimento do que é a realidade, enquanto a epistemologia refere-se
à relação entre o investigador e seu objeto de estudo (DENZIN & LINCOLN, 1994).
Naturalmente, estes três aspectos estão inter-relacionados, na medida em que a
crença do investigador a respeito do que seja a realidade (ontologia) imporá
restrições quanto à sua epistemologia e o guiará na escolha de determinada
metodologia de investigação. Guba & Lincoln (1994) apontam, ainda, para a
existência de quatro paradigmas – positivismo, pós-positivismo, teoria crítica e
construtivismo –, discutidos a seguir com relação aos seus aspectos ontológicos,
epistemológicos e metodológicos.
De acordo com os paradigmas positivista e o pós-positivista, a realidade é única e
definida a partir de mecanismos e leis naturais. As pesquisas de cunho positivista e
pós-positivista têm como objetivo primordial identificar explicações causais e fazer
previsões sobre os fenômenos estudados. Sob estes paradigmas, a crença na
objetividade e na lógica justificariam a transformação da experiência humana em
variáveis quantificáveis (GUBA & LINCOLN, 1994). Além disso, o conhecimento se
desenvolve com base em generalizações que não levam em consideração o tempo e
o contexto. O pesquisador e seu objeto de pesquisa são vistos como entidades
independentes e existe a crença de que o pesquisador pode conduzir sua
investigação de forma neutra e objetiva, sem influenciar seus pesquisados ou ser
influenciado por estes (GUBA & LINCOLN, 1994). Em outras palavras, assume-se a
possibilidade de um observador passivo e não tendencioso.
Kincheloe & McLaren (1994) procuram descrever o paradigma da teoria crítica de
forma abrangente, reconhecendo, porém, a grande diversidade de perspectivas,
algumas delas antagônicas, a ele associadas. Como ponto em comum, os autores
colocam que os pesquisadores e teóricos vinculados à teoria crítica buscam usar
seu trabalho como mecanismo de crítica social e, ao confrontar os indivíduos com as
injustiças da sociedade ou de alguma esfera social, visam à sua transformação e
emancipação. Os autores apontam, ainda, as seguintes suposições comuns aos
pensadores alinhados à teoria crítica:
� Todo pensamento é essencialmente mediado por relações de poder constituídas
social e historicamente;
está prevista para o final de 2009.
13
� Fatos não podem ser isolados do domínio dos valores e possuem uma conotação
ideológica intrínseca;
� A relação entre conceito e objeto e entre significador e significado nunca é fixa ou
estável e é frequentemente mediada pelas relações de produção e consumo
capitalistas;
� A linguagem é central à formação da subjetividade;
� Alguns grupos sociais são privilegiados e a opressão que caracteriza as
sociedades contemporâneas é mais vigorosamente reproduzida quando os
sujeitos em posições subordinadas aceitam seu status social como natural,
necessário ou inevitável;
� As práticas de pesquisa dominantes geralmente estão, apesar de muitas vezes
de forma não intencional, envolvidas na reprodução do sistema de opressão
(KINCHELOE & MCLAREN, 1994).
Para os que subscrevem ao paradigma construtivista, a realidade é múltipla,
construída por cada um dos sujeitos a partir de suas vivências e experiências
sociais, sendo que, naturalmente, alguns de seus elementos podem ser
compartilhados por indivíduos e grupos sociais. Não existe, portanto, uma realidade
única que seja a verdadeira e que independa do indivíduo (GUBA & LINCOLN,
1994). Os construtivistas acreditam que o conhecimento e a verdade são criados – e
não descobertos – e que este processo de construção se dá continuamente, na
medida em que o indivíduo testa e modifica seus entendimentos à luz de novas
experiências (SCHWANDT, 1994). Além disso, os significados atribuídos às
experiências são encarados como complexos e multifacetados, construídos a partir
das interações sociais e influenciados por normas sociais e pelo contexto histórico
no qual o indivíduo está inserido. Desta forma, o pesquisador construtivista
frequentemente se foca nos processos de interação e se mantém atento ao contexto
específico em que ocorrem (CRESWELL, 2003). Com relação à epistemologia, o
paradigma construtivista assume que o investigador e seu objeto de estudo estão
interativamente conectados e se influenciam mutuamente. Desta forma,
metodologicamente é necessário que pesquisador e pesquisado interajam, e o
entendimento da realidade dos sujeitos pesquisados é essencialmente interpretativo
(GUBA & LINCOLN, 1994).
14
A opção por um ou outro paradigma envolve uma escolha pessoal do pesquisador,
associada à forma como este entende que seja a realidade e à sua crença a respeito
dos meios mais frutíferos de compreendê-la. Acreditamos, em linha com o
paradigma construtivista, e em oposição aos paradigmas positivista e pós-positivista,
que a realidade é socialmente construída pelo indivíduo e não algo único e dado.
2.3 ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO
A opção pelo paradigma de investigação orienta a escolha da estratégia de
investigação. Em primeiro lugar, de acordo com Creswell (2003), deve-se optar por
uma abordagem quantitativa, qualitativa ou mista. A opção pelo paradigma
construtivista não implica necessariamente na escolha de uma abordagem
qualitativa ou quantitativa (GUBA & LINCOLN, 1994), mas no presente estudo,
optamos pela primeira em função das perguntas que orientam a pesquisa e das
características do contexto pesquisado. Conforme apontam Denzin & Lincoln (1994,
p. 4), pesquisadores qualitativos “buscam respostas a questões que enfatizam como
a experiência social é criada e o sentido que a ela é dado. Em contraste, estudos
quantitativos enfatizam a mensuração e a análise de relações causais entre
variáveis, e não processos”.
Para investigar o tema da relação do jovem universitário com sua carreira e o
mercado de trabalho, optamos por uma abordagem qualitativa por entendermos, em
primeiro lugar, que estamos diante de um cenário novo, fruto das profundas
transformações econômicas e sociais por que tem passado o Brasil nas últimas
décadas e que tiveram grande impacto sobre o mercado de trabalho. Uma questão
ainda pouco investigada, e que inspirou este trabalho, é a das percepções do jovem
universitário a respeito deste cenário notadamente mais adverso, além de suas
estratégias para enfrentá-lo.
Num passado não muito distante, a inserção do jovem universitário no mercado de
trabalho parecia mais simples. Nas palavras de Teixeira & Gomes (2004, p.48), “se
há algumas décadas o diploma universitário era garantia para emprego bem
remunerado (...), hoje a realidade é diferente”. Desta forma, a perspectiva de
encontrar trabalho numa empresa logo após a formatura e nela galgar os degraus da
chamada escada corporativa deixa de ser viável para uma parcela significativa de
jovens que busca no ensino superior uma forma de garantir uma posição privilegiada
15
no mercado de trabalho. Conforme sugere Kanter (1997, p. 307), a carreira
corporativa tradicional é “uma ideia lembrada com frequência que se aplica a um
número cada vez menor de pessoas”. Na busca de seu espaço no mercado de
trabalho, o jovem precisa lidar com maiores incertezas e, em certa medida, se vê
com uma gama maior de opções, ainda que muitas delas estejam associadas a uma
vida profissional mais precária e instável.
Em segundo lugar, o estudo de como o jovem faz sentido desta nova realidade do
mercado de trabalho e se ajusta a ela envolve uma multiplicidade de aspectos que
não poderiam ser plenamente compreendidos a partir de uma abordagem
quantitativa. Em termos gerais, podemos dizer que na pesquisa quantitativa
trabalha-se com poucas variáveis e muitos casos, enquanto que a pesquisa
qualitativa baseia-se numa amplitude maior de variáveis, estudadas a partir de
poucos casos (CRESWELL, 1998).
Adicionalmente, em função das próprias transformações no mundo do trabalho,
acreditamos que a investigação do tema aqui proposto pode levar à descoberta de
perspectivas inteiramente novas, o que também suscita a realização de uma
pesquisa de caráter qualitativo. Também por esta razão, optamos pela grounded
theory como metodologia de investigação, uma vez que ela permite a identificação
de categorias, conceitos e relações que contribuem para o entendimento teórico do
tema. Nesse sentido, nosso objetivo envolve não apenas a descrição da realidade
vivenciada pelos jovens, mas sobretudo a construção de um modelo teórico a
respeito desta vivência.
2.4 METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
A metodologia de investigação utilizada neste estudo é a da grounded theory, que
pode ser traduzida como “teoria fundamentada nos dados”9. O objetivo desta
metodologia é viabilizar a construção de modelos, conceitos e/ou proposições
teóricas a partir dos dados obtidos no campo. Conforme aponta Charmaz (2006, p.
2), “os dados representam a base da teoria e a análise desses dados permitem a
construção de conceitos”. Desta forma, buscamos a construção de um modelo
9 Utilizamos no restante do trabalho o nome original em inglês, em linha com estudos nacionais que discutem (cf. Vergara, 2005) ou adotam esta metodologia.
16
teórico pelo método indutivo, e não pelo lógico-dedutivo, tradicional em pesquisas
quantitativas.
Considerando a perspectiva epistemológica de que o pesquisador não pode ir a
campo esquecendo-se ou ignorando seus conhecimentos adquiridos e sua própria
leitura do mundo social, iniciamos o estudo reconhecendo a presença desses pré-
conceitos, mas mantivemos a mente aberta em relação às descobertas que adviriam
do trabalho de campo. Nas palavras de Charmaz (2006, p.17), “conceitos sensíveis
e perspectivas disciplinares fornecem um ponto de partida, não um fim”.
Antes de entrarmos na discussão da grounded theory, faremos uma breve
apresentação das origens e pilares do interacionismo simbólico, perspectiva teórica
– associada ao paradigma construtivista – que orientou o presente trabalho e muitos
outros que adotam esta metodologia de investigação (CHARMAZ, 2006).
2.5 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO
Baseamos a presente exposição no texto de Joel Charon (2006), que apresenta o
interacionismo simbólico como uma perspectiva, ou seja, como uma forma de se
compreender a realidade. Segundo o autor, sempre que adotamos uma perspectiva,
somos necessariamente levados – conscientemente ou não – a dar destaque a
determinados aspectos da realidade em detrimento de outros. O interacionismo
simbólico, nesse sentido, dá especial importância (1) à interação social; (2) ao
pensamento, que representa a interação do indivíduo com si mesmo; (3) à definição
da realidade, que por sua vez é resultado da interação social e do pensamento; (4)
ao presente, que é mais importante do que passado na determinação de como
agimos; e (5) à noção de liberdade, que implica que o indivíduo tem um papel ativo,
e não passivo, frente ao ambiente.
2.5.1 Origens
O interacionismo simbólico tem suas origens no trabalho de George Herbert Mead
(1863-1931), pesquisador da Escola de Chicago que foi fortemente influenciado pelo
pragmatismo – que se torna, por si só, uma base importante para o interacionismo
simbólico –, pelo trabalho de Darwin e pelo behaviorismo (CHARON, 2006).
Com relação ao pragmatismo, quatro ideias importantes que influenciaram o
pensamento de Mead. A primeira é a de que o ser humano define e interpreta a
17
realidade de acordo com a situação em que se encontra. Desta forma, não existe
uma realidade única que se apresenta para o indivíduo, mas sim uma realidade que
é ativamente construída por este. A segunda é a de que as coisas em uma situação
são definidas de acordo com o uso que têm para a pessoa naquele momento, de
forma que o significado das coisas depende de como o ator pretende usá-las.
A terceira diz respeito ao conhecimento. Para os pragmatistas, fatos, ideias e
experiências são julgados pelo indivíduo de acordo com sua aplicabilidade e não por
estarem intrinsecamente certas ou erradas. “Aquilo que acreditamos pode ou não
ser verdade – na realidade, pode estar completamente errado. Nossas ideias não
são julgadas por sua veracidade ou falsidade, nem são julgadas de acordo com o
quão cuidadosamente as aprendemos. Elas funcionam e por isso as usamos e as
lembramos” (CHARON, 2006, p. 30). Por fim, em quarto lugar, os pragmatistas
acreditam que o estudo do ser humano deveria se centrar na ação. O que importa é
o que as pessoas fazem em situações concretas.
A influência de Darwin sobre Mead e o interacionismo simbólico pode ser associada
ao entendimento do mundo como dinâmico, e não estático. Dessa forma, Mead via o
indivíduo como um ator em constante mudança, e não como uma personalidade
consistente e estruturada. Do behaviorismo, Mead trouxe a crença de que devemos
entender o ser humano a partir daquilo que faz, e não em relação àquilo que é, o
que também faz parte das ideias centrais do pragmatismo.
2.5.2 Características
Os conceitos de símbolo e de objeto social ocupam uma posição de destaque no
interacionismo simbólico. Um objeto social é qualquer objeto de uma situação que o
ator utiliza naquela situação. Seu uso é intencional – é usado para atingir objetivos –
e ele emerge socialmente, uma vez que seus usos e significados são aprendidos
nas interações sociais. Podem ser objetos físicos, animais, outras pessoas, o
passado e o futuro, nós mesmos (self), símbolos, ideias e perspectivas, emoções.
Alguns podem passar despercebidos em determinadas situações e o mesmo objeto
pode ser percebido de diferentes formas em diferentes situações. Um único objeto
físico pode, portanto, representar uma multiplicidade de objetos sociais.
O símbolo é um tipo especial de objeto social, utilizado para representar outros
objetos sociais e para a comunicação – com nós mesmos e com os outros. Os
18
símbolos são sociais porque são produto de algum tipo de convenção. Em outras
palavras, os símbolos só existem porque vivemos em sociedade e interagimos uns
com os outros. Além disso, símbolos são significativos – porque sabemos o que ele
representa – e significantes, já que o emissor os usa intencionalmente.
Para os interacionistas simbólicos, o símbolo é extremamente importante para o ser
humano, em primeiro lugar porque é por meio dele que definimos a realidade. De
acordo com Charon (2006, p. 61), “os objetos em nosso ambiente não revelam para
nós o que são. O significado não vem dos objetos. Ao invés disso, nós classificamos
objetos com símbolos. (...) O ambiente não é mais um estímulo físico para nós; ao
invés disso, ele é interpretado através dos símbolos que aplicamos a ele. A realidade
sobre a qual agimos é verdadeiramente uma realidade simbólica”. Em segundo
lugar, o símbolo é importante porque torna possível a vida em sociedade. É através
dele que (1) somos socializados e compartilhamos a cultura, (2) nos comunicamos e
aprendemos a cooperar uns com os outros e (3) podemos registrar o passado e
acumular conhecimento e sabedoria. Por fim, é o símbolo o que nos torna humanos
e, portanto, diferentes dos outros animais. A essência do ser humano pode ser
associada ao uso de símbolos. “Os humanos dão nome, lembram, categorizam,
percebem, pensam, deliberam, resolvem problemas, transcendem o tempo e o
espaço, transcendem a si mesmos, criam abstrações, criam novas ideias, e se
direcionam – tudo isso através do símbolo” (CHARON, 2006, p. 69).
O conceito de self também ocupa posição de destaque para os interacionistas
simbólicos, entendido como um objeto social que, assim como o símbolo, emerge da
interação social. O self representa um ambiente interno na direção do qual agimos.
Não é o mesmo que personalidade ou que identidade. Por ser um objeto social, ele
está sempre em mudança, sendo constantemente definido e redefinido nas
interações sociais. Por essa razão, é entendido mais como um processo do que
como uma entidade estável. Outro aspecto importante do conceito de self diz
respeito à nossa capacidade de agir sobre ele. “Nós ficamos com raiva de nós
mesmos, dizemos a nós mesmos o que fazer, nos definimos metas e objetivos e nos
comprometemos com nós mesmos” (CHARON, 2006, p.79).
Em resumo, podemos definir o interacionismo simbólico como uma perspectiva
teórica que assume que a sociedade, a realidade e o self são construídos pela
interação, e que esta é inerentemente dinâmica e interpretativa. Procura discutir
19
como as pessoas criam, representam e mudam significados e ações, assumindo que
elas podem e de fato pensam sobre suas ações, ao invés de apenas responder
mecanicamente a estímulos externos (CHARMAZ, 2006)10. Na presente pesquisa,
portanto, buscamos estudar as motivações e os significados da construção de uma
carreira profissional para jovens estudantes universitários, além dos processos e
ações (estratégias) a ela associados.
2.6 A GROUNDED THEORY
2.6.1 Histórico
A criação da grounded theory deve-se aos sociólogos Barney Glaser e Anselm
Strauss, que em 1967 publicaram o livro The discovery of grounded theory. Neste
trabalho, os autores formalizam a metodologia desenvolvida ao longo de sua
pesquisa em hospitais, publicada em 1965 sob o título Awareness of Dying
(VERGARA, 2005), e propõem estratégias metodológicas para o desenvolvimento
de teorias a partir das vivências de campo, e não de hipóteses testáveis elaboradas
a partir de teorias já existentes, conforme advogavam os pesquisadores ligados ao
paradigma positivista. A publicação daquele livro representou, portanto, uma
contraposição a este paradigma, que predominava na época.
Glaser & Strauss (1967) fizeram não apenas uma crítica epistemológica como
também apresentaram recomendações de ordem prática e sistemática para a
realização de pesquisas qualitativas, defendendo a ideia de que a análise qualitativa
tem uma lógica própria e que é possível criação de teorias a partir dela. O objetivo
dos autores era o de levar a pesquisa qualitativa para além de estudos meramente
descritivos e em direção à construção de modelos teóricos explicativos. Para eles,
uma teoria fundamentada nos dados explica o processo sob estudo em termos
teóricos inteiramente novos, define as propriedades das categorias teóricas e
frequentemente demonstra as causas e condições sob as quais o processo emerge
e varia, além de delinear suas consequências.
Charmaz (2006) afirma que a grounded theory representa a fusão de duas tradições
sociológicas divergentes: o positivismo da Universidade de Columbia, onde Glaser
10 Esta perspectiva teórica se contrapõe a outras que dão maior destaque ao papel das instituições e minimizam as possibilidades de ação do sujeito frente à realidade.
20
obteve sólido treinamento quantitativo, e o pragmatismo da Escola de Chicago, onde
Strauss fez seu doutorado. O rigor do método pode ser associado às raízes
quantitativas de Glaser, enquanto que seus objetivos se alinham às perspectivas
teóricas predominantes na Escola de Chicago, incluindo a de que os seres humanos
são agentes ativos de suas vidas e não apenas recipientes passivos de forças
sociais mais amplas. Por essa razão, as noções de agência, processos emergentes,
significados social e subjetivo, e o estudo das ações são parte central do método – e
explica o interesse despertado entre os pesquisadores que adotam o interacionismo
simbólico como perspectiva, incluindo a própria Charmaz (2006).
2.6.2 Definição
A grounded theory pode ser definida como um conjunto de princípios e práticas
sistemáticos, porém flexíveis, que guiam a coleta e a análise de dados qualitativos e
que tem por objetivo a construção de teorias fundamentadas nesses dados. O
método dá ênfase à investigação de processos e tem o estudo da ação como tema
central (CHARMAZ, 2006; STRAUSS, 1987).
Charmaz (2006) define processo como um conjunto de sequências temporais que se
revelam gradualmente e que possuem demarcações identificáveis. O estudo de um
processo permite a identificação de como eventos únicos se conectam e se
constituem em um todo maior. O processo que buscamos estudar é o da construção
de uma carreira profissional, sob a perspectiva daqueles que se encontram no início
do mesmo. As demarcações identificáveis são as primeiras ideias sobre que
caminho seguir, a escolha do curso universitário, e a vivência das primeiras
experiências profissionais e universitárias, além de outras atividades de preparação,
tanto objetiva (qualificação) como subjetivamente (articulando o futuro).
Em certa medida, a grounded theory não pode ser considerada uma metodologia de
investigação única, composta por regras inflexíveis. Glaser & Strauss, na
apresentação inicial do método, convidavam os pesquisadores a usarem-no de
forma flexível e, além disso, eles mesmos modificaram seu entendimento ao longo
do tempo, seguindo caminhos distintos (RENNIE, 1998; CHARMAZ, 2006;
VERGARA, 1995). Desta forma, é possível encontrar na literatura diferentes
interpretações a respeito da condução de pesquisas com a utilização desta
metodologia, e por esta razão, Charmaz (2006) prefere usar a expressão grounded
21
theory methods, no plural, como forma de captar esta diversidade de interpretações
e de possibilidades de utilização dos princípios básicos do método.
Nesse sentido, é importante notar que tanto pesquisadores objetivistas, alinhados
aos paradigmas positivista e pós-positivista, como aqueles orientados pelo
paradigma construtivista vêm utilizando a metodologia da grounded theory
(CHARMAZ, 2000). Em defesa de uma abordagem construtivista, a autora destaca:
Pesquisadores podem usar os métodos da grounded theory para ampliar seu conhecimento da experiência subjetiva e para expandir sua representação, sem se distanciar dela e sem aceitar suposições e procedimentos objetivistas. Uma grounded theory construtivista assume que as pessoas criam e mantêm mundos significativos através de processos dialéticos de significação da realidade e de ação a partir dela. Dessa forma, a realidade social não existe independentemente da ação individual (CHARMAZ, 2000, p. 521).
No presente estudo, seguimos a interpretação proposta por Charmaz (2006) que,
além de se alinhar ao paradigma construtivista e ao interacionismo simbólico,
procurou levar em conta as evoluções metodológicas que ocorreram nas últimas
quatro décadas. Na próxima seção apresentamos os principais termos utilizados na
grounded theory e, em seguida, partimos para a discussão das características do
método e sua aplicação na condução deste estudo.
2.6.3 Terminologia
Antes de entrarmos na discussão das características da metodologia e como foi sua
aplicação na condução deste estudo, consideramos pertinente apresentar uma
definição dos principais termos utilizados e que, em alguns casos, são específicos à
grounded theory.
Codificação: atividade de categorização de segmentos de dados (transcrição das
falas dos sujeitos, por exemplo) com um pequeno nome (código), ao mesmo tempo
resumindo e explicando seu conteúdo; é o primeiro passo do esforço de análise, em
que pesquisador interpreta as informações contidas nos dados (CHARMAZ, 2006);
Código: nome atribuído a segmentos de dados; no apêndice C são apresentados os
códigos criados na codificação e mantidos até o final da análise realizada para este
estudo.
22
Memos: comentários escritos pelo pesquisador à medida em que analisa os dados,
capturando ideias e pensamentos, comparações e conexões, além de novas
questões a serem investigadas (CHARMAZ, 2006).
Memos teóricos: textos em que o pesquisador descreve questões teóricas,
hipóteses, sumários de códigos e outras considerações importantes à teorização;
permite que se acompanhe os resultados das codificações, estimula novas
codificações e é um importante meio para a integração da teoria (STRAUSS, 1987).
Categorias: são elementos conceituais de uma teoria (DEY, 1999); representam
códigos mais abstratos e com maior poder analítico; em outras palavras, quando
códigos se tornam mais densos e analiticamente relevantes, estes são alçados à
condição de categoria (CHARMAZ, 2006).
Categoria ou processo central: categoria ou processo que é central à integração da
teoria (STRAUSS, 1987).
Fenômeno: “a ideia central, evento, acontecimento ou incidente (...) ao qual um
conjunto de ações está relacionado” (STRAUSS & CORBIN, 1990, p. 96).
Conforme se pode observar pelas duas definições acima, categoria, processo e
fenômeno central podem ser entendidos como sinônimos. No presente estudo,
optamos por considerar categorias/processos centrais como componentes de um
fenômeno central, que é justamente o principal objeto de investigação. Desta forma,
identificamos três processos centrais – descobrindo a profissão, qualificando-se e
articulando o futuro –, posteriormente integrados sob um único fenômeno, chamado
de construindo uma carreira em Administração.
2.7 CARACTERÍSTICAS DO MÉTODO E SUA APLICAÇÃO
Nesta seção discutimos as principais características da grounded theory – entendida
como um conjunto de princípios e práticas que orienta a coleta de dados e as
diversas etapas de codificação e análise – e como as mesmas foram aplicadas na
condução deste estudo. Demos destaque às orientações de Charmaz (2006), mas
também levamos em consideração o texto original (GLASER & STRAUSS, 1967) e
as proposições posteriores de Strauss (1987), Strauss & Corbin (1990) e Glaser
(2004).
23
2.7.1 Fontes de dados
Com relação às fontes de dados, não existe uma forma específica mais indicada.
Pelo contrário, recomenda-se o uso de múltiplas fontes – entrevistas, observações,
documentos, diários e cartas, questionários, estatísticas econômicas, sociais e
demográficas, etc. – como forma de aproximar o pesquisador de seus pesquisados,
enriquecer a análise e ampliar a credibilidade do estudo (CHARMAZ, 2006;
STRAUSS, 1987). Segundo Charmaz (2006, p. 14), “dados ricos são detalhados,
focados, e completos. Revelam visões, sentimentos, intenções e ações dos
participantes, assim como os contextos e as estruturas de suas vidas”.
No presente estudo, utilizamos a entrevista em profundidade como principal método
de coleta de dados. Além disso, realizamos uma pesquisa quantitativa em uma das
instituições de ensino superior consideradas neste estudo, que tinha por objetivo
compreender as razões de escolha do curso de Administração, interesses e
perspectivas profissionais. Foram consultados 153 alunos da disciplina de
Administração da Carreira ao longo de três semestres letivos (em 2008 e 2009).
Para o presente estudo, fazemos uso das respostas a apenas uma das perguntas do
questionário, que buscava identificar o por quê da escolha do curso de
Administração, conforme será discutido na seção 4.3.2 – Por que Administração?
A convivência da autora com jovens estudantes universitários, nas atividades de
docência e coordenação de que participa desde 2004, também representou outra
fonte importante de dados, uma vez que diversos deles costumam expressar
expectativas e inquietações a respeito de sua carreira profissional11. Também
fizemos uso de informações secundárias a respeito do jovem brasileiro extraídas de
pesquisas realizadas junto a este público (ABRAMO & BRANCO, 2005; FIRJAN,
2007; IBGE, 2009b).
Por fim, Charmaz (2006) e Glaser (2004) sugerem a utilização da literatura científica
como fonte adicional de dados, conforme discutido a seguir.
2.7.2 O papel da revisão de literatura
O papel da revisão de literatura na grounded theory tem sido alvo de controvérsias
(CHARMAZ, 2006). Em sua descrição original do método, Glaser & Strauss (1967)
11 Como uma das disciplina lecionadas é a de Gestão de Carreiras, os alunos têm a oportunidade de se expressar a respeito do tema, além de nos procurar para discutir o assunto fora da sala de aula.
24
propõem a sua realização somente após uma análise independente dos dados, de
forma a evitar que o pesquisador leve consigo para o campo categorias analíticas já
existentes e acabe por “forçar” a adequação de seus dados a elas. Charmaz (2006,
p. 165) coloca que “o objetivo esperado ao se postergar a revisão de literatura é
evitar a importação de ideias pré-concebidas”, encorajando o pesquisador a
desenvolver um entendimento próprio a respeito do que vê.
No entanto, também de acordo com a autora, Glaser e Strauss posteriormente
revisaram sua proposição ou adotaram uma posição ambígua. Enquanto Strauss
passa a admitir que o pesquisador sempre traz consigo conhecimentos e
experiências anteriores, Glaser é ambíguo, ao defender que este não deve se
contaminar por ideias existentes, mas admitir, por outro lado, o uso de
conhecimentos adquiridos durante a elaboração de códigos teóricos. Outros
estudiosos também rejeitaram a proposição inicial de Glaser & Strauss (1967),
destacando que estes autores foram “inocentes” ao assumir que é possível ao
pesquisador ir a campo como uma “tabula rasa” (CHARMAZ, 2006, p. 165).
Charmaz (2006) recomenda, portanto, uma revisão de literatura anterior ao início do
trabalho de campo que vise aos seguintes objetivos: (a) mostrar capacidade de
identificação de estudos relevantes, (b) demonstrar habilidade na discussão das
ideias e descobertas apresentadas nesses estudos e (c) apresentar conexões entre
esses trabalhos e o estudo que se pretende realizar. Ao final da análise, a revisão de
literatura deve ser usada, segundo a autora, para (a) avaliar estudos anteriores, (b)
revelar lacunas em relação ao conhecimento existente e discutir como a teorização
proposta responde às mesmas, (c) posicionar o estudo em relação ao conhecimento
existente de forma a esclarecer a contribuição proposta.
Em linha como o proposto por Charmaz (2006), entre outros, elaboramos uma
revisão de literatura inicial como forma de aumentar nossa sensibilidade teórica a
respeito do tema e, após a conclusão do modelo teórico, voltamos a ela com o
objetivo de posicionar nossas descobertas em relação à produção acadêmica
existente.
2.7.3 Coleta, codificação e análise
Uma característica marcante e distintiva do método é que a análise começa logo no
início do processo de investigação e, desta forma, a coleta e a análise de dados
25
acontecem de forma simultânea. A partir das análises iniciais, novas questões são
identificadas, o que leva à necessidade de busca de mais informações no campo.
Por esta razão, quando se utiliza a grounded theory, não é possível definir o
tamanho da amostra antecipadamente. Inerente ao método está a chamada
amostragem teórica, que prevê a ida do pesquisador ao campo sempre que surgirem
questões a respeito das categorias e relações identificadas. O processo de coleta e
análise de dados só termina quando ocorre a saturação teórica, ou seja, quando as
categorias identificadas durante a análise estão plenamente entendidas. Mais à
frente abordamos com mais detalhes a questão da estratégia de amostragem e o
conceito de saturação teórica.
A análise de dados se dá por meio de várias etapas de codificação, que pode ser
definida como “meios para categorizar segmentos de dados com um pequeno nome
que simultaneamente resuma e explique cada um desses segmentos” (CHARMAZ,
2006, p. 43). A codificação representa a espinha dorsal da pesquisa e corresponde
ao elo de ligação entre a coleta de dados e o desenvolvimento da teoria. Com base
na codificação, o pesquisador “define o que está acontecendo com os dados e
começa a esforçar-se para captar seu significado” (CHARMAZ, 2006, p. 46).
Strauss & Corbin (1990), assim como Strauss (1987), propõem três tipos de
codificação, chamadas de aberta, axial e seletiva, enquanto Charmaz (2006) sugere
uma codificação inicial, que seria seguida de uma codificação focada e outra teórica.
Glaser & Strauss (1967), em sua formulação inicial do método, não chegam a propor
o uso de diferentes etapas de codificação, mas defendem que a codificação e a
análise devem se dar em paralelo, e não separadamente.
Se o analista deseja gerar ideias teóricas – novas categorias e suas propriedades, hipóteses e inter-relações entre hipóteses – ele não deve se confinar à prática de codificar antes e analisar os dados depois, uma vez que, na criação de teorias, ele está constantemente redesenhando e reintegrando suas noções teóricas à medida em que revê seus materiais (GLASER & STRAUSS, 1967, p. 101).
Desta forma, o uso de diferentes fases de codificação, conforme proposto por
Charmaz (2006), Strauss (1987) e Strauss & Corbin (1990), pode ser entendido
como um mecanismo para direcionar o pesquisador no sentido desta integração
entre codificação e análise. A despeito de algumas diferenças de orientação entre
26
esses autores, é possível identificar semelhanças na essência dessas três etapas,
conforme veremos a seguir.
No início do processo de codificação (codificação inicial ou aberta), o pesquisador
associa segmentos de dados a rótulos ou códigos12 que buscam caracterizar o que
cada segmento representa. Esses rótulos permitem a destilação e a organização dos
dados, além de facilitar a comparação entre diferentes segmentos. Neste início, o
pesquisador deve se manter “próximo aos dados” e aberto ao que eles mostram,
criando códigos que procurem captar conceitos e dimensões relevantes, ainda que
estes sejam provisórios e sujeitos a modificações na medida em que a análise evolui
(STRAUSS, 1987).
O escrutínio do dados deve ser feito minuciosamente, podendo se dar inclusive
“linha a linha ou até mesmo palavra a palavra” (STRAUSS, 1987, p. 28; CHARMAZ,
2006). Glaser (2004) sugere a codificação linha a linha como forma de evitar que
categorias importantes deixem de ser percebidas e para garantir a riqueza e a
densidade da análise. Uma outra sugestão importante para esta primeira etapa é o
uso de códigos in vivo, que significa atribuir o nome a um código exatamente como
utilizado pelo participante.
Também recomenda-se o foco em ações e processos e, para tanto, o uso de verbos
no gerúndio, ao invés de substantivos, é fortemente estimulado (por exemplo,
construindo ao invés de construção, realizando, e não realização). Apesar de sutil,
esta diferença permite que o pesquisador adquira um maior senso de ação e
sequência, captando mais profundamente os seus significados para os atores
(CHARMAZ, 2006; STRAUSS, 1987).
Cabe ressaltar que grande parte das pesquisas que utilizam a metodologia, de
diferentes área do conhecimento, usam o gerúndio para representar categorias e
processos centrais – a começar pelo estudo original de Glaser & Strauss, chamado
Awareness of Dying, que através deste título procuram mostrar que até mesmo a
morte pode ser vista como um processo. Para nos mantermos fieis à tradição dos
usuários do método, também adotamos o gerúndio na definição dos processos e
categorias, incluindo o título – construindo uma carreira em Administração –, que
busca evidenciar o fenômeno central sob investigação. No apêndice D
12 Charmaz (2006) faz uma diferenciação entre código e categoria, conforme será visto adiante, enquanto Strauss (1987) utiliza apenas o termo “categoria” desde as primeiras etapas de codificação.
27
apresentamos um breve apanhado de pesquisas baseadas na grounded theory,
nacionais e internacionais, e os processos, fenômenos e/ou categorias centrais
identificados, como forma de exemplificarmos o uso do gerúndio.
Strauss & Corbin (1990) e Glaser (2004) sugerem ainda que se façam comparações
ao longo da codificação aberta, de forma a agregar precisão e especificidade à
análise. Cabe ressaltar que a comparação – de segmentos de dados, códigos e
categorias – é estimulada durante todos os estágios de análise e interpretação dos
dados e representa uma estratégia analítica essencial à metodologia, chamada de
“método comparativo constante” (constant comparative method). Apesar de a
comparação de dados ser utilizada em outras metodologias de análise qualitativa, o
que diferencia a grounded theory, na visão de seus formuladores, é que esta
envolve procedimentos sistemáticos de codificação e análise que explicitamente
estimulam o seu uso (GLASER & STRAUSS, 1967).
A partir dessas considerações, nesta primeira fase de codificação procuramos: (a)
nos manter abertos e próximos aos dados; (b) proceder à codificação de forma
espontânea; (c) dar foco às ações; (d) utilizar códigos curtos, simples e precisos,
usando o gerúndio sempre que possível; e (e) comparar segmentos de dados, como
forma de estimular o pensamento analítico.
De acordo com Charmaz (2006), na etapa seguinte, chamada de codificação focada,
procura-se utilizar os códigos mais importantes e/ou mais frequentes para uma nova
verificação dos dados. A partir desta análise, que também envolve o uso de
comparações, serão desenvolvidos os códigos focados, assim denominados por
serem mais “diretos, seletivos e conceituais” e, portanto, mais apropriados à
categorização dos dados. Desta forma, alguns códigos podem ser descartados,
outros podem ser integrados num único código mais denso – podendo então se
transformar numa categoria – e outros podem ser diretamente alçados à condição de
categoria, que representa um código mais abstrato e com maior poder analítico.
Neste processo de criação de categorias, busca-se paralelamente delinear suas
propriedades, ou seja, seus atributos ou características (STRAUSS & CORBIN,
1990).
A codificação axial, recomendada por Strauss (1987) e Strauss & Corbin (1990), têm
o mesmo objetivo da codificação focada proposta por Charmaz (2006), na medida
em envolve uma análise mais profunda e separada de cada um dos códigos ou
28
categorias identificados na etapa inicial, com vistas à identificação de suas
propriedades. Cabe destacar, porém, que a codificação axial envolve procedimentos
mais rígidos do que a codificação focada e tem sido, por essa razão, alvo de críticas
(GLASER, 1978 apud RENNIE, 1998). Segundo Strauss & Corbin (1990), a
codificação axial deve se enquadrar em um paradigma de codificação (the paradigm
model) por meio do qual busca-se a identificação das condições que levam à
ocorrência de um fenômeno, o contexto em que emerge, as estratégias de ação e/ou
interação através das quais o fenômeno é abordado e suas consequências.
Na codificação axial nosso foco é em especificar uma categoria (fenômeno)13 nos termos das condições que a faz emergir; do contexto (seu conjunto específico de propriedades) no qual está inserida; das estratégias de ação/interação através das quais ela é manipulada, gerenciada, realizada; e das consequências dessas estratégias (STRAUSS & CORBIN, 1990 apud DEY, 1999, p.106).
Os autores defendem que a sua identificação confere maior precisão e densidade à
análise. Glaser (1978 apud RENNIE, 1998), porém, afirma que o “esquema teórico”
ao qual a codificação axial procura se enquadrar é apenas um entre muitos outros
possíveis e pode levar o pesquisador a “forçar” a adequação dos dados a ele, o que
vai diretamente contra os preceitos da grounded theory, que prevê a emergência de
esquemas teóricos a partir dos próprios dados.
No presente estudo, realizamos a codificação focada, conforme proposto por
Charmaz (2006), e ficamos atentos, mas não limitados, à identificação das
subcategorias como propostas por Strauss & Corbin (1990). Ao longo do processo,
porém, acabamos considerando a adoção deste paradigma de codificação
pertinente e adequado ao fenômeno sob investigação. Conforme se poderá observar
na descrição do modelo teórico, associados a cada processo ou categoria central
identificamos variáveis associadas ao contexto, condições intervenientes, estratégias
e consequências.
Cabe ainda registrar que a codificação inicial ou aberta foi realizada ao longo da
análise das quatro primeiras entrevistas, quando chegamos a um total de 197
códigos. Ao final desta etapa, fizemos um esforço de consolidação e eliminação,
reduzindo-os a 56. A partir desse momento, o processo de codificação das
13 Esta colocação corrobora nosso entendimento de que categoria e fenômeno podem ser tratados como sinônimos, conforme sugerido anteriormente na descrição da terminologia.
29
entrevistas se modifica, uma vez que os códigos criados até então se consolidam e a
criação de novos passa a ser mais rara. O esforço de análise se volta para o
adensamento dos códigos já existentes, através da identificação de suas
propriedades e de relações com outros códigos. De acordo com o que prevê a
metodologia, portanto, passamos da codificação aberta para a codificação focada.
Ao longo desta segunda etapa, em que foram analisadas outras 17 entrevistas,
criamos mais 26 códigos e eliminamos outros 11, totalizando 71 ao final do trabalho
de análise. Nenhum código foi criado durante a codificação teórica, já que o objetivo
desta etapa, conforme será discutido em seguida, é a construção do modelo teórico.
Esses detalhes do processo de codificação são apresentadas no quadro 2.2 a seguir
e a lista final de códigos consta do apêndice C.
Quadro 2.2 – O processo de codificação
Entrevistas Códigos criados
Códigos eliminados ou consolidados
Códigos ao final do
processo
Codificação inicial 4 197 141 56
Codificação focada 17 26 11 71
Codificação teórica 10 0 0 71
TOTAL 31
Por fim, Charmaz (2006) propõe a realização da codificação teórica, em que se parte
para a identificação de relações entre as categorias identificadas durante a
codificação focada, de forma a se iniciar o processo de conceituação, integração e
consolidação da teoria emergente. Para Strauss & Corbin (1990), esta etapa final é
chamada de codificação seletiva e envolve a seleção de uma categoria central (core
category), a identificação de como as demais se relacionam com ela e o refinamento
das diferentes categorias, quando necessário. Os autores afirmam que, apesar de
algumas relações entre categorias começarem a se desenvolver na etapa anterior, é
na codificação seletiva que esta busca é feita de forma sistemática. Enquanto
Charmaz (2006) não expressa a necessidade de identificação de uma categoria
central, Strauss & Corbin (1990), assim como Glaser (2004), defendem sua
importância e sugerem que é em torno dela que a teoria será desenvolvida.
30
Na medida em que o pesquisador prossegue (...) uma categoria central começa a emergir. Essa variável central, que parece dar conta da maior parte das variações em torno do problema focal do estudo, se torna o foco para novas coletas de dados e para os esforços de codificação (GLASER, 2004, p.10).
Em linha com Charmaz (2006) e com a proposição original de Glaser & Strauss
(1967), no presente estudo admitimos a possibilidade de emergência de uma ou
mais categorias centrais, tendo em mente, porém, a importância da construção de
uma teoria que fosse parcimoniosa – um importante critério de avaliação da
qualidade de uma teoria fundamentada nos dados.
Chegamos, portanto, a três categorias ou processos que consideramos centrais,
mas depois disso buscamos identificar o fenômeno central que representasse a
diversidade de etapas e situações identificadas nesses processos. Os processos
centrais – chamados de descobrindo a profissão, qualificando-se e articulando o
futuro – foram portanto integrados sob um fenômeno central, denominado
construindo uma carreira em Administração.
2.7.4 A redação de memos
Durante todas as etapas de codificação, o pesquisador é estimulado a escrever
memos ou notas a respeito dos códigos e categorias identificados ou qualquer outra
ideia que lhe venha à mente, permitindo-o elaborar sobre as categorias identificadas,
especificar suas propriedades, definir as relações entre as elas e identificar lacunas
analíticas. A redação de memos é, portanto, outra característica marcante do
método e é estimulada para que o analista sistematicamente reflita sobre aquilo que
vê no material coletado, tornando a análise menos especulativa e mais
fundamentada nos dados (GLASER & STRAUSS, 1967). Para Charmaz,
a redação de memos sucessivos durante todo o processo de pesquisa mantém o pesquisador envolvido na análise e o ajuda a aumentar o nível de abstração de suas ideias. À medida em que se redige memos, alguns códigos se sobressairão e tomarão a forma de categorias teóricas. Memos captam seus pensamentos, capturam as comparações e conexões feitas, e cristalizam questões e direções para o pesquisador prosseguir (2006, p. 72).
Strauss (1987) sugere, ainda, que a redação de memos corresponde a um “diálogo
interno” do pesquisador consigo mesmo e pode ser usada para captar “percepções,
pressentimentos, hipóteses” e outros pensamentos. Na medida em que a análise
avança, esses memos se tornam cada vez mais integradores, representando, assim,
31
uma etapa intermediária essencial entre a coleta de dados e a redação dos esboços
da teoria (CHARMAZ, 2006; STRAUSS, 1987).
Neste estudo, realizamos todas as etapas de codificação, assim como a redação de
memos, com o apoio do software Atlas TI®, desenvolvido especialmente para
pesquisadores que adotam o método da grounded theory. As entrevistas em
profundidade foram transcritas e inseridas no software, que permite a criação de
códigos associados a partes do texto transcrito. Os memos podem ser associados
aos códigos ou mantidos de forma independente (free memos). Em nossa análise
escrevemos tanto memos vinculados aos códigos – para elaborar sobre os mesmos
e seus significados14 – como memos livres, mais usados para integração e
elaboração do modelo teórico. Também utilizamos uma ferramenta do sistema que
permite a criação de redes (networks) de códigos, o que facilita a definição de
relações entre os mesmos.
2.7.5 Diagramação
Nas fases finais da análise, Charmaz (2006) recomenda o uso da diagramação e/ou
da classificação (sorting) dos memos redigidos nas fases anteriores, com vistas ao
desenvolvimento teórico da análise. A classificação permite que o pesquisador
evolua na comparação das categorias analíticas, tornando-as mais abstratas e
integradas, enquanto que a diagramação é uma tática que oferece uma
representação visual das categorias e suas relações. Ao final desta fase, o analista
estaria pronto para a redação de seu relatório de análise.
Em nossa pesquisa, utilizamos o recurso da diagramação com apoio do software
Microsoft Office Power Point®, que possui diversas ferramentas para a construção de
figuras. Estas foram, em diversas ocasiões, integradas aos memos elaborados no
Atlas TI®. Na descrição do modelo, que consta do capítulo 4, apresentamos as
diagramações finais de cada um dos processos, de forma a facilitar o seu
entendimento.
14 Analisando retrospectivamente, observamos que este procedimento garantiu uma maior densidade conceitual à análise.
32
2.7.6 Estratégia de amostragem
Na grounded theory, a estratégia de seleção dos participantes é feita de duas
diferentes formas: a amostragem inicial realizada no começo da pesquisa e a
amostragem teórica, que ocorre ao longo da análise.
A amostragem inicial representa um ponto de partida da pesquisa e, por essa razão,
deve-se levar em conta a necessidade de encontrar material relevante para o estudo
em questão. Glaser (1978 apud COYNE, 1997) sugere que o pesquisador encontre
grupos que maximizem sua possibilidade de obtenção de dados e procure pessoas
com maior conhecimento do tema em estudo. Para Glaser & Strauss (1967), a
seleção inicial da amostra deve ser definida em função do problema a ser
investigado, e não com base num sistema teórico predefinido.
A amostragem teórica, por sua vez, começa quando o pesquisador, a partir das
primeiras análises, identifica a necessidade de buscar novos dados, e continua até
que ocorra a saturação teórica das categorias sob estudo. Ao longo das diferentes
etapas do processo de análise, especialmente durante a redação dos memos, o
pesquisador identifica lacunas analíticas ou pontos a serem explorados, o que
suscita a busca novos dados. “Quando questões inevitavelmente surgem e lacunas
em nossas categorias aparecem, buscamos dados que respondam a essas
questões e possivelmente preencham tais lacunas” (CHARMAZ, 2006, p.3).
Em função da estratégia de amostragem teórica, indispensável ao método da
grounded theory, não é possível definir antecipadamente o tamanho da amostra, já
que o pesquisador retorna ao campo sempre que necessário, guiado pela
construção de sua teoria. Nas palavras de seus formuladores:
Amostragem teórica é o processo de coleta de dados para a criação de teoria através do qual o analista simultaneamente coleta, codifica e analisa seus dados, e decide que dados devem ser coletados em seguida e onde encontrá-los, de forma a desenvolver sua teoria à medida em que emerge. Este processo de coleta de dados é controlado pela teoria emergente (GLASER & STRAUSS, 1967, p. 45).
O principal objetivo da amostragem teórica é, portanto, permitir que o pesquisador
aprofunde sua elaboração a respeito das categorias que compõem a teoria em
construção, identificando e refinando suas propriedades, e clarificando as relações
entre elas. De acordo com Charmaz (2006), a amostragem teórica permite que o
pesquisador: (a) especifique propriedades relevantes das categorias e aumente a
33
sua precisão, (b) torne a análise mais teórica e menos descritiva, além de mais
abstrata e generalizável, (c) explique as relações analíticas entre as categorias e (d)
aumente a parcimônia das conceituações teóricas. Este processo deve continuar até
o momento em que novas propriedades parem de emergir ou, em outras palavras,
até que ocorra a saturação teórica, que é inerente à condução de uma amostragem
teórica.
A saturação [teórica] significa que o sociólogo não encontra dados adicionais através dos quais possa desenvolver propriedades de uma categoria. Uma vez que repetidamente vê exemplos similares, o pesquisador se torna empiricamente confiante de que a categoria está saturada. (...) Quando a saturação ocorre, o analista normalmente descobre que alguma lacuna em sua teoria, especialmente em categorias-chave, está praticamente preenchida. (...) O critério para se determinar a saturação é, portanto, uma combinação dos limites empíricos dos dados, a integração e a densidade da teoria, e a sensibilidade teórica do analista (GLASER & STRAUSS, 1967, p. 61-62).
Neste estudo, conforme já colocado, investigamos as perspectivas de jovens
universitários que optaram pelo curso de Administração – de uma das oito
instituições de ensino que obtiveram nota máxima no ENADE – e que já tivessem
algum tipo de experiência profissional, como estagiários ou funcionários de
empresas. Na amostragem inicial, foram realizadas 21 entrevistas em profundidade
e nossa estratégia para seleção dos jovens levou em conta a facilidade de acesso
aos mesmos (conveniência), além da busca pela diversidade, na medida do possível
– procuramos abordar homens e mulheres, de diferentes instituições de ensino15. A
seleção da amostra inicial com base em critérios demográficos é sugerida por
Charmaz (2006), mas não envolve uma busca por representatividade, já que trata-se
de uma pesquisa qualitativa e não quantitativa.
Para a identificação e abordagem de alunos, utilizamos nossa rede de contatos com
professores de algumas dessas instituições. Na ESPM, no IBMEC, na FGV e na
UFF, fomos pessoalmente a salas de aula desses professores convidar os alunos
para participar da pesquisa. Aqueles que se interessavam eram convidados a nos
fornecer dados de contato e a informar os melhores dias e horários para a realização
das entrevistas – distribuímos um formulário para facilitar o preenchimento desses
dados. Na PUC, a professora enviou um e-mail aos alunos convidando-os para a
15 Como a abordagem se deu em sala de aula ou por e-mail, não foi possível obter informações mais detalhadas sobre cada um dos jovens que se dispôs a participar da pesquisa.
34
pesquisa e pedindo aos interessados que entrassem em contato, também por e-mail,
com a pesquisadora. A partir daí, os voluntários eram contatados individualmente, as
entrevistas agendadas e posteriormente realizadas.
Não entrevistamos alunos da UERJ porque quando encontrarmos um professor que
poderia fazer a ponte com os alunos, a universidade entrou em greve. Na UFRJ e no
CEFET, como não tínhamos conhecimento de professores dessas instituições,
utilizamos nossa rede de contatos pessoais e conseguimos encontrar um aluno de
cada uma delas.
Após as primeiras entrevistas (amostragem inicial), realizamos mais dez entrevistas
de adensamento teórico (amostragem teórica), seguindo os pressupostos da
metodologia. Cabe registrar, no entanto, que não escolhemos esses jovens com
base em nenhum critério específico, já que as dúvidas e questionamentos
levantados durante a elaboração do modelo – e que suscitaram o retorno ao campo
– eram extremamente subjetivas, só passíveis de serem identificadas durante a
própria realização das entrevistas. Procuramos, porém, preencher as lacunas em
termos das faculdades consideradas na pesquisa, buscando jovens da UERJ, UFRJ
e CEFET, que estavam sub-representadas na amostra inicial. Conseguimos cumprir
nosso objetivo nas duas primeiras, mas tivemos dificuldades de encontrar alunos do
CEFET, que ficou com um único aluno entrevistado – ver quadro 2.3. Após a análise
desse novo material, conseguimos fechar as lacunas que haviam no
desenvolvimento do modelo, atingindo a chamada saturação teórica.
Quadro 2.3 – Amostragem inicial e teórica
IES Amostragem
inicial Amostragem
teórica Total
ESPM 3 1 4
FGV 5 0 5
IBMEC 3 0 3
PUC-RJ 5 0 5
CEFET 1 0 1
UERJ 0 3 3
UFF 3 0 3
UFRJ 1 6 7
TOTAL 21 10 31
35
2.7.7 Validação dos resultados
Com relação à validação dos resultados e em linha com as proposições de
Henderson (1998), durante as fases mais avançadas da análise de dados,
submetemos o modelo a um comitê de aconselhamento composto por profissionais
com conhecimento prático a respeito do tema. O objetivo do comitê foi atuar, num
primeiro momento, como “advogado do diabo” em relação às descobertas da
pesquisa e, mais tarde, na validação dos resultados encontrados, de forma a
contribuir para sua credibilidade.
Para o presente estudo, trabalhamos com dois comitês de praticantes, que se
reuniram em dois momentos distintos da pesquisa. O primeiro foi formado pela
professora orientadora desta tese, por uma profissional que atua como coach de
carreira junto a administradores, pela coordenadora do curso de Administração de
uma das instituições de ensino consideradas na pesquisa e por uma profissional de
recursos humanos, especializada em recrutamento e seleção. Neste primeiro
encontro, o comitê atuou mais como advogado do diabo, apontando desvios e
possíveis caminhos. O segundo comitê de praticantes foi composto pelo ex-diretor
de uma das instituições de ensino consideradas na pesquisa e por outro profissional
de recursos humanos que vem atuando há mais de 15 anos na alta administração
de grandes empresas contratantes. Neste segundo encontro, o foco foi a validação
dos conceitos teóricos identificados.
Também visando conferir credibilidade à pesquisa, mantivemos uma trilha de todas
as atividades relacionadas à mesma, apresentada a seguir.
36
Quadro 2.4 – Cronologia das atividades da pesquisa
Mês/Ano Tipo de Atividade Descrição
2007 Julho Redação Elaboração do capítulo introdutório com objetivos,
relevância e delimitação do estudo (a) Agosto Revisão da literatura Revisão de literatura Roteiro Elaboração do roteiro das entrevistas Setembro Entrevista Realização das entrevistas 1 e 2 Revisão da literatura Revisão de literatura (continuação) Outubro Entrevista Realização da entrevista 3 Revisão da literatura Revisão de literatura (continuação) Redação Redação do capítulo da metodologia Novembro Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 1 (b) Redação Redação do capítulo da revisão de literatura Dezembro Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 2 Validação Defesa do projeto de tese 2008 Janeiro Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 3 Modelo teórico Elaboração dos primeiros memos teóricos Entrevista Realização da entrevista 4 Fevereiro Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 4 Análise Desenho da trajetória profissional dos quatro primeiros
entrevistados Entrevista Realização das entrevistas 5 e 6 Março Análise Análise e reorganização dos códigos (c) Modelo teórico Redação de memos teóricos Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 5 Abril Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 6 Maio Modelo teórico Identificação da primeira categoria central “qualificando-se” Redação Refinamento do capítulo da metodologia Junho Entrevista Realização da entrevista 7 Julho Análise de entrevista Codificação e análise da entrevista 7 Entrevista Realização das entrevistas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 Agosto Análise de entrevista Codificação e análise das entrevistas 8, 9 e 10 e 11 Modelo teórico Identificação da segunda categoria central: “descobrindo a
profissão” Setembro Entrevista Realização das entrevistas 14, 15, 16, 17 e 18 Análise de entrevista Codificação e análise das entrevistas 12, 13, 14 Modelo teórico Início da elaboração do modelo teórico – criação dos
primeiros diagramas do processo social básico (d) Outubro Entrevista Realização das entrevistas 19, 20 e 21 Modelo teórico Continuação do esforço de elaboração do modelo teórico Novembro Análise de entrevista Codificação e análise das entrevistas 15, 16 e 17 Modelo teórico Diagramação do modelo teórico, composto por três
processos sociais básicos (o terceiro apenas esboçado) Validação Apresentação do modelo teórico para o comitê de
praticantes Dezembro Modelo teórico Ajustes no modelo, a partir das críticas e sugestões do
comitê de praticantes
37
Quadro 2.4 – Cronologia das atividades da pesquisa (cont.)
Mês/Ano Tipo de Atividade Descrição
2009
Jan-Mar “Licença maternidade” Interrupção dos trabalhos da tese Abril Análise de entrevista Codificação e análise das entrevistas 18, 19, 20, 21 Maio Modelo teórico Refinamento do modelo teórico Roteiro Preparação do roteiro das entrevistas de adensamento
teórico Junho Entrevista Realização das entrevistas 22, 23 e 24 (adensamento
teórico) Julho Entrevista Realização das entrevistas 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31
(adensamento teórico) Análise de entrevista Análise das entrevistas 22, 23, 24 e 25 Agosto Análise de entrevista Análise das entrevistas 26, 27, 28, 29, 30 e 31 Modelo teórico Conclusão do modelo teórico Validação Apresentação do modelo teórico para o comitê de
praticantes Setembro Redação Redação do capítulo dos resultados (e pequenos ajustes no
modelo) Outubro Redação Ajustes no capítulo de resultados Revisão da literatura Revisão de literatura, visando posicionar o modelo
desenvolvido à luz da literatura existente. Redação Redação do capítulo da discussão à luz da literatura
existente Novembro Redação Redação da conclusão e ajustes finais
Notas: (a) A versão final aqui apresentada sofreu pequenas alterações em relação a esta primeira versão. (b) Durante a codificação e análise de todas as entrevistas, redigimos memos sobre os códigos e as falas dos entrevistados associadas aos códigos. Também foram redigidos memos teóricos (free memos, na terminologia do Atlas), com o objetivo de identificar relações entre códigos, categorias e processos centrais. (c) Neste momento, após a codificação e análise da quarta entrevista, passamos da codificação aberta para a codificação focada, conforme explicado. (d) Nesta fase da análise, ainda não estava claro se emergiriam um ou mais processos centrais. Somente mais tarde fica claro que as categorias qualificando-se e descobrindo a profissão, eram, na realidade, dois processos centrais ao modelo.
38
3. REVISÃO DE LITERATURA
3.1 ORGANIZAÇÃO DO CAPÍTULO
A literatura sobre trabalho e carreira é extremamente ampla, visto que os temas
atraem o interesse de cientistas e pesquisadores de diversas áreas do
conhecimento, tais como economia, sociologia, ciência política, antropologia,
filosofia, psicologia e administração. Desta forma, procuramos nos focar em alguns
de seus aspectos, a começar por uma análise do novo contexto econômico e social
que os jovens enfrentam na sua busca por um espaço no mercado de trabalho.
Discutimos, portanto, as mudanças econômicas e sociais que levaram à constituição
deste novo mundo do trabalho e suas principais consequências, incluindo o
desemprego, que se consolida como estrutural, a flexibilização das relações de
trabalho e as mudanças na organização interna do trabalho. O tema da
empregabilidade também é abordado, uma vez que tem ocupado uma posição de
destaque tanto na literatura especializada como na grande imprensa, e parece ter
sido incorporado no discurso dos jovens. Apresentamos, ainda, a evolução recente
de importantes indicadores do mercado de trabalho no Brasil e no mundo, com
destaque para a situação dos jovens.
Também procuramos conceituar o termo “trabalho” e discutir a questão do
significado do trabalho e sua evolução ao longo do tempo. Em seguida, abordamos
o tema da transição para a vida adulta, na qual a busca de uma colocação no
mercado de trabalho se insere. Fazemos ainda um breve levantamento da evolução
das teorias de carreira, incluindo o debate a respeito dos novos modelos de carreira,
e encerramos com alguns dados sobre o jovem brasileiro, foco deste estudo,
incluindo um levantamento bibliográfico da produção científica nacional sobre este
grupo, com o intuito de enfatizar a carência de estudos que abordam a questão do
trabalho junto a jovens universitários.
3.2 O CONTEXTO MACROECONÔMICO E MACRO-SOCIAL
3.2.1 Um novo sistema social
As sociedades capitalistas vêm passando por importantes transformações desde
meados da década de 1970, período em que o capitalismo viveu uma crise de
acumulação e passou por um amplo processo de reestruturação (HARVEY, 2004).
39
Diversos cientistas sociais postulam que a chamada era industrial, nascida da
Revolução Industrial em meados do século XVIII, chegou ao fim (DE MASI, 2000;
RIFKIN, 1995). Em seu lugar estaria emergindo uma sociedade pós-industrial –
também chamada de sociedade de informação (BELL, 1973), do conhecimento
(DRUCKER, 2002) ou ainda de sociedade dos serviços –, marcada por relações
econômicas, sociais e políticas inteiramente novas.
A sociedade industrial pode ser caracterizada, entre outros fatores, pelo predomínio
do setor industrial na formação da renda nacional e na geração de empregos, pela
concentração de trabalhadores assalariados nas fábricas e nas empresas, pelo
predomínio de critérios de eficiência e produtividade como forma de otimização de
recursos, pela crescente urbanização, pela produção e consumo de massa, e por
uma crença no progresso e bem-estar crescentes. A peculiaridade da sociedade
industrial, em relação a outros períodos históricos, residiria no surgimento de novos
modos de produção e no vigoroso progresso tecnológico (DE MASI, 2000).
Com relação à sociedade pós-industrial, Kumar (1997) faz uma análise crítica de três
importantes teorias que buscam explicar seu surgimento e suas características – a
teoria da sociedade da informação, a pós-fordista e a pós-moderna. De acordo com
o autor, a teoria da sociedade da informação enfatiza o desenvolvimento de novas
tecnologias da informação como responsável por importantes mudanças no trabalho,
na política e na vida familiar. Da perspectiva do trabalho, a evolução das tecnologias
da informação leva os trabalhadores das fábricas para o setor terciário e os
transforma em trabalhadores do conhecimento, em oposição ao trabalho braçal
característico da sociedade industrial. A teoria pós-fordista, por sua vez, dá destaque
ao surgimento de novas relações produtivas, em que a produção em massa de bens
padronizados – típica do fordismo – é substituída pela produção flexível e
diversificada, associada à fragmentação do mercado consumidor, e onde a ênfase
passa do custo para a qualidade. Numa comparação entre estas duas teorias,
Kumar (1997, p. 49) mostra que “se a teoria da sociedade da informação enfatiza as
forças de produção, a pós-fordista dá mais destaque às relações de produção”. Por
fim, o autor analisa a teoria pós-moderna, que seria mais abrangente do que as
anteriores no que diz respeito aos aspectos responsáveis pela transformação das
sociedades contemporâneas. Uma importante ideia associada à pós-modernidade é
40
justamente a fusão dos “diferentes reinos da sociedade – político, econômico, social
e cultural” (KUMAR, 1997, p.113).
Diversos autores apresentam um olhar crítico, ou mesmo pesaroso, sobre essas
recentes transformações. Sennett (2006, p. 13), por exemplo, destaca que a
fragmentação das instituições, incluindo a da grande empresa capitalista, criou
condições sociais instáveis e impôs aos indivíduos novos desafios, tais como a
busca incessante pela capacitação e a necessidade de se viver sem uma
perspectiva de longo prazo, “migrando de uma tarefa para outra, de um emprego
para outro, de um lugar para outro”.
Bauman (2001) não acredita que tenhamos saído da modernidade, apenas que
entramos numa outra fase. De qualquer forma, ele também apresenta a sua crítica
aos novos tempos, fazendo uso das metáforas do sólido e do líquido para
representar essas duas fases da modernidade. Segundo o autor, até o surgimento
do que ele chama de “modernidade líquida”, as mudanças se davam pela
contestação às estruturas vigentes, mas o objetivo era sempre a reconstrução do
sistema social sob outras bases, igualmente sólidas. O capitalismo, por exemplo, no
seu nascimento, atacou as sólidas instituições pré-capitalistas, mas emergiu sob
novas bases, também sólidas e de longo prazo. Com o advento da “modernidade
líquida”, a individualização e a mentalidade de curto prazo passam a prevalecer, não
sem fortes impactos sobre diversos aspectos da condição humana, entre os quais o
trabalho. No que diz respeito à relação entre capital e trabalho, o autor utiliza as
metáforas do casamento e da coabitação para ilustrar esses dois momentos. Se no
tempo do fordismo havia um casamento entre capital e trabalho, no sentido da
dependência mútua e do compromisso de longo prazo, ainda que conflituoso, o que
vemos hoje é apenas uma coabitação, em que o que vale é o presente e os
interesses individuais e de curto prazo.
A modernidade sólida era, de fato, também o tempo do capitalismo pesado – do engajamento entre capital e trabalho fortificado pela mutualidade de sua dependência. Os trabalhadores dependiam do emprego para sua sobrevivência; o capital dependia de empregá-los para sua reprodução e crescimento. Seu lugar de encontro tinha endereço fixo. (...) Para o bem e para o mal, os antagonistas estavam unidos por uma dependência mútua (BAUMAN, 2001, p. 166-168).
Boltanski & Chiapello (2005), por sua vez, evidenciam sua perplexidade ao constatar
que, a despeito do surgimento de um capitalismo pujante e reestruturado, após a
41
crise da década de 70, as condições sociais a que estão submetidas um número
crescente de pessoas se deteriorou de forma expressiva. Referindo-se
especialmente à situação da França, ressaltam a existência de taxas de desemprego
crescentes, a insegurança daqueles que se mantêm empregados, o aumento da
pobreza entre a população em idade ativa e a estagnação da renda do trabalho.
Os autores entendem este processo como uma mudança no “espírito do
capitalismo”, definido como “a ideologia que justifica o compromisso com o
capitalismo” (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005, p. 41), especialmente entre os
menos favorecidos com o sistema. Inicialmente, no final do século XIX, sua
justificativa se encontrava na ética protestante – que valorizava o trabalho e a
acumulação –, nos valores burgueses, representados pela figura do burguês
empreendedor, e na crença no progresso, no futuro e na ciência. Num segundo
momento, entre as décadas de 1930 e 1960, a ênfase passa do indivíduo para a
organização – representada pela grande empresa industrial – e ganha destaque a
figura do dirigente assalariado. Neste estágio do capitalismo, sua legitimação se
baseia no ideal de progresso, que ganha ainda mais força, e no ideal de justiça
social, viabilizado pela colaboração entre grandes empresas, trabalhadores e o
Estado, que permitiu a ampliação dos direitos dos trabalhadores e uma melhora
expressiva de sua qualidade de vida. A transição do segundo para o terceiro espírito
do capitalismo ocorre ao longo da década de 1970, inspirado pelos ideais da
flexibilidade – enquanto fator que amplia a liberdade individual –, da autonomia, da
criatividade e da inovação, da competência e da meritocracia, em detrimento da
rigidez representada pela hierarquia.
Um tema recorrente neste debate sobre as transformações do capitalismo e das
sociedades é o da globalização – aqui entendida como uma forte interdependência
entre as nações, associada a políticas de flexibilização e desregulamentação
comercial, financeira e do mercado de trabalho, e à crescente importância das
corporações transnacionais – e seus efeitos sobre os estados nacionais, as
economias, as empresas e as pessoas, enquanto trabalhadores, cidadãos e
consumidores. Therborn (2000) defende que não deveríamos falar de globalização,
mas de “globalizações”, dado que ela opera sobre diferentes aspectos da vida
social, econômica, política e cultural.
42
A globalização é importante para o estudo do mercado do trabalho na medida de
seu impacto sobre a distribuição do emprego no mundo. Pochmann (2001) afirma
que as atividades mais complexas e bem remuneradas de planejamento e controle
tendem a ficar nos países centrais, enquanto que o trabalho mais “simples e
rotineiro” de “execução e produção” são transferidos para os países mais pobres,
onde a qualificação da força de trabalho e o custo do trabalho são menores. Por
essa razão, é importante considerar que as realidades do mundo do trabalho de
diferentes países tendem a ser bastante diversas, dependentes das políticas
internas em relação ao emprego e da forma de inserção de cada país no cenário
mundial. Ainda que a desregulamentação, o desemprego estrutural e a maior
flexibilidade nas relações de trabalho sejam uma realidade para um grande número
de países, em função da própria globalização e da maior interdependência entre as
nações, generalizações exigem cautela. Além disso, a globalização está também
associada a um acirramento da concorrência intercapitalista, um dos fatores
responsáveis pelas transformações sócio-econômicas que tanto vêm afetando o
mundo do trabalho.
3.2.2 Crise e renovação
Harvey (2004), em linha com a teoria pós-fordista, sugere que estamos assistindo à
passagem de um padrão fordista de organização do capitalismo para um sistema de
acumulação flexível. De acordo com o autor, a emergência do padrão fordista,
caracterizado pela produção e pelo consumo de massa, pode ser situado no início
deste século, mais precisamente em 1914, quando Henry Ford formalizou a jornada
de oito horas de trabalho e a remuneração de cinco dólares por dia na linha de
montagem de automóveis de sua fábrica em Michigan, EUA. Essencialmente, este
modelo de organização da produção representou uma nova forma de controle e
gestão da força de trabalho. Sob o padrão fordista, os processos de trabalho são
fragmentados e observa-se a separação definitiva entre a concepção e o controle do
trabalho, de um lado, e sua execução, de outro.
O padrão fordista enfrentou algumas barreiras no período entre guerras (resistência
da força de trabalho e baixa intervenção estatal), mas se consolidou no período que
vai do fim da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 70, expandindo-se por
todo o mundo capitalista desenvolvido. Nesse período, a viabilidade, a consolidação
e a própria expansão deste sistema se deu em função de um equilíbrio de forças
43
entre o trabalho organizado, o grande capital e o Estado. As vantagens obtidas pelos
trabalhadores em termos de ganhos reais de salários reduziram sua resistência em
relação a um sistema de trabalho rotinizado e distanciado. O capital corporativo, a
partir de investimentos que viabilizavam o aumento da produtividade, garantiam o
crescimento dos salários e uma sólida realização de lucros. O Estado, por sua vez,
passou a controlar os ciclos econômicos por meio da combinação de políticas fiscais
e monetárias, garantindo a estabilidade macroeconômica necessária a este período
de expansão. Também relevante foi o papel do Estado como mediador das relações
entre trabalho e capital e como fornecedor de um “salário social”, garantindo
seguridade social, assistência médica e educação aos trabalhadores (HARVEY,
2004). Era o Estado de bem-estar (welfare state).
No âmbito das organizações, o trabalho nas linhas de montagem era rotinizado e
formalizado, exigindo uma organização interna baseada na hierarquia. As
habilidades necessárias envolviam o conhecimento do processo produtivo da
empresa, o que implicava numa valorização da estabilidade da mão-de-obra. O
crescimento econômico observado neste período também garantia uma relativa
estabilidade dos trabalhadores numa mesma empresa.
Mesmo em seu apogeu, porém, o modelo fordista enfrentava dificuldades. Havia, por
exemplo, a insatisfação dos trabalhadores que não conseguiam se beneficiar dos
ganhos do fordismo. De certa forma, os trabalhadores das grandes empresas –
homens, brancos e sindicalizados – representavam um grupo privilegiado. As
insatisfações no terceiro mundo, a burocracia estatal e as críticas à vida
“padronizada” do consumo de massa também representavam ameaças (HARVEY,
2004).
A crise definitiva do fordismo se deu com a recessão de 1973, mas suas causas são
múltiplas. Em primeiro lugar, o aumento da competição internacional implicou uma
redução da lucratividade das empresas, limitando sua capacidade de investimento e
crescimento. Além disso, essa menor lucratividade resultou em uma redução da
arrecadação de impostos que, aliada aos crescentes gastos associados ao Estado
de bem-estar, levou à formação de crescentes déficits fiscais. A solução inicialmente
encontrada pelos governos foi a emissão monetária, que se converteu em inflação,
com impactos sobre o poder aquisitivo dos trabalhadores, reduzindo seu potencial
de consumo. A primeira crise do petróleo, de 1973, agravou a situação, na medida
44
em que o forte aumento dos preços deste importante insumo representava uma
pressão a mais sobre os custos e a lucratividade das empresas (HARVEY, 2004).
Para Antunes (1999, p. 29-30), os sinais de esgotamento que o capitalismo
apresenta a partir da década de 70 podem ser evidenciados pelos seguintes fatores:
� Queda da taxa de lucro, causada, entre outros fatores, pelo aumento dos custos
do trabalho, associados à intensificação das lutas sociais dos anos 60;
� A incapacidade do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção em
responder à retração do consumo, por sua vez associada ao desemprego
estrutural que naquele momento começava a se tornar realidade;
� “Hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos
capitais produtivos, o que também já era expressão da própria crise estrutural do
capital e de seu sistema de produção”;
� Crise fiscal do Estado capitalista, associada aos mecanismos de funcionamento
do welfare state.
Gorz (1999, p. 12) observa que, a partir da década de 70, a expansão econômica
obtida nos trinta anos anteriores através de políticas de cunho keynesiano –
estímulo do Estado à produção e à demanda com base em políticas fiscais e
monetárias expansionistas – atingiu seu limite, caracterizando o “fim de uma era em
que produção, demanda, produtividade e lucros puderam crescer harmonicamente”.
Diante da crise, o capitalismo precisou, em certa medida, se reinventar. A rigidez do
mercado de trabalho e dos compromissos do Estado foi identificada como a fonte
dos problemas intrínsecos ao sistema capitalista. Por essa razão, políticas
neoliberais ganharam espaço e observamos, especialmente a partir da década de
80, um movimento de redução da intervenção governamental na economia,
representado pelos amplos processos de privatização e pela desregulamentação da
atividade produtiva. Segundo Pochmann (2002, p. 14), “as vitórias de Thatcher na
Inglaterra em 1979, de Reagan nos Estados Unidos em 1980, de Kohl na Alemanha
em 1982 e de Schluter na Dinamarca em 1983, terminaram sendo, junto com os
demais governos de direita que logo se difundiram em outros países, os vetores de
um histórico rompimento com as políticas de integração social do pós-guerra”.
As empresas, por sua vez, passaram a buscar a flexibilidade através de mudanças
tecnológicas que reduziam sua dependência em relação à mão-de-obra (emergência
45
de processos produtivos intensivos em capital), da introdução de novas formas de
gestão do trabalho, e da transferência de fábricas para zonas onde o custo do
trabalho era menor e seu controle, mais fácil – menor intervenção do Estado na
regulamentação do mercado de trabalho e menor poder dos sindicatos. Um vigoroso
processo de fusões e aquisições também começou a se observar nesse período,
igualmente em resposta às pressões de custos e à rigidez do mercado de trabalho.
De acordo com Harvey (2004, p. 140), a crise do sistema capitalista e as soluções
encontradas pelo grande capital levou à emergência de um “sistema de acumulação
flexível”, que “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. A produção em massa foi sendo
paulatinamente substituída por processos mais flexíveis, que viabilizavam a
aceleração do giro de capital por meio da expansão do ritmo de inovação de
produtos e da exploração de nichos de mercado. Cabe ressaltar, porém, que essa
aceleração teria sido inútil sem uma mudança nos padrões de consumo. Nesse
sentido, observamos uma expansão dos modismos e a intensificação de
mecanismos de indução de necessidades (marketing), além da transformação
cultural a estes associada.
A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação das formas culturais (HARVEY, 2004, p. 148).
Como uma das ideias centrais deste capitalismo reorganizado é a da flexibilidade,
acaba-se por transferir para os trabalhadores o peso das incertezas do mercado.
Bauman (2001, p.70) utiliza uma interessante metáfora para enfatizar o quanto este
ideal de flexibilidade atinge capital e trabalho de forma desigual.
Hoje o capital viaja leve – apenas com bagagem de mão, que inclui nada mais do que pasta, telefone celular e computador portátil. Pode saltar em qualquer ponto do caminho, e não precisa demorar-se em nenhum lugar além do tempo que durar sua satisfação. O trabalho, porém, permanece tão imobilizado quanto no passado – mas o lugar em que ele imaginava estar fixado de uma vez por todas perdeu sua solidez de outrora; buscando rochas, as âncoras encontram areias movediças.
Internamente às empresas, esta flexibilidade se apresenta na forma da
reorganização do trabalho, onde ganham destaque a polivalência, o autocontrole e a
autonomia dos trabalhadores (flexibilidade funcional). Externamente, observamos a
46
flexibilidade quantitativa, na medida em que as empresas reduzem o contingente de
trabalhadores formais e estáveis ao mínimo possível, complementando a mão-de-
obra necessária através de mecanismos não convencionais, tais como a
subcontratação e os contratos de emprego temporário (BOLTANSKI & CHIAPELLO,
2005), conforme discutiremos a seguir.
3.3 AS REPERCUSSÕES SOBRE O MUNDO DO TRABALHO
Nas análises sobre os efeitos da renovação do capitalismo sobre o mundo do
trabalho, é possível identificar duas perspectivas opostas. A maior parte dos autores
que se dedicam ao tema procura enfatizar os seus impactos negativos (ANTUNES,
1999; BAUMAN, 2001; BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005; POCHMANN, 2002;
SENNETT, 2003; entre outros), mas existe uma corrente mais otimista, que entende
o atual desemprego estrutural (ou a menor demanda por trabalho) como uma
oportunidade de se reduzir o tempo gasto com o trabalho, o que permitiria ao
indivíduo dedicar-se a atividades mais prazerosas.
De Masi (2001, p. 17), um dos principais pensadores desta corrente, postula que as
soluções até hoje vislumbradas para solucionar o desequilíbrio entre oferta e
demanda por trabalho – retardar o ingresso dos jovens no mercado de trabalho,
antecipar a aposentadoria dos que se encontram trabalhando, reduzir a jornada de
trabalho, ampliar o treinamento durante a vida produtiva, criar novas atividades ou
trabalhos supérfluos, ou recorrer ao teletrabalho e outras modalidades de trabalho
flexível, que facilitariam o “encontro entre oferta e procura” – não resolveriam o
problema e que o único “caminho eficaz” seria aquele “baseado no replanejamento
da existência e no abandono do trabalho como única razão da vida e única fonte de
poder aquisitivo”. Gorz (1999, p. 5) também aponta para a necessidade de uma
mudança social que reduza a centralidade do trabalho, entendido como o trabalho
assalariado (wage-based), mas é contundente em sua crítica à atual fase do
capitalismo. Segundo o autor, a massiva eliminação de postos de trabalho
promovida com a emergência do pós-fordismo poderia significar uma oportunidade
para a proliferação de um trabalho sob novas bases, mas representou mais uma
forma de dominação e exploração da classe trabalhadora, na medida em que o
trabalho permanece como “base para a inserção e os direitos sociais e como um
caminho obrigatório para a auto-estima e a estima dos outros”.
47
Pochmann (2002) procura relacionar as estratégias de reestruturação capitalista e
seus impactos sobre o mundo do trabalho, entre os quais destacamos:
� Redução do emprego direto na agricultura e na indústria e ampliação do
emprego no setor de serviços, mas de forma insuficiente para absorver o
excedente de mão de obra agrícola e industrial, gerando o desemprego
estrutural;
� Redução das atividades manuais tradicionais e expansão do emprego com
múltiplas especializações funcionais, associada a mudanças na organização
interna do trabalho;
� Maior participação dos empregados nas decisões empresariais e individualização
do salário, que passa a ser vinculado às metas de produção e vendas, ambos
também associados a mudanças na gestão interna do trabalho;
� Surgimento de novas modalidades de trabalho, com a redução do emprego
estável e o aumento do subemprego e de ocupações atípicas;
� Mudança no significado do trabalho, associada à rápida obsolescência de
habilidades, ao individualismo e à redução dos laços de solidariedade entre
empregados e desempregados;
� Descentralização das negociações coletivas, queda na taxa de sindicalização e
diminuição dos movimentos grevistas.
Antunes & Alves (2004, p. 343), por sua vez, afirmam que a classe trabalhadora está
se tornando “mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada”, em função
das seguintes tendências:
� Redução do proletariado industrial tradicional – manual, estável e especializado –
herdeiro da fase taylorista/fordista;
� Aumento do novo proletariado fabril e de serviços, representado por
trabalhadores terceirizados, temporários, subcontratados, informais, etc.;
� Aumento do trabalho feminino, absorvido em condições mais precárias – trabalho
informal e em tempo parcial –, ocupando predominantemente postos que exigem
menor qualificação e recebendo remuneração inferior à dos homens;
� Expansão dos “assalariados médios” no setor de serviços, que absorveu parte
dos trabalhadores “expulsos do mundo produtivo industrial”;
48
� Crescente exclusão dos jovens;
� Crescente exclusão de trabalhadores com idade próxima aos 40 anos,
considerados “idosos” e “inadequados”.
Nesse sentido, observa-se que as transformações do mundo do trabalho vêm tendo
impacto desigual sobre os diferentes estratos da população, de acordo com variáveis
tais como faixa etária, classe social (QUADROS, 2003) e nível de qualificação
(GUIMARÃES, 2002). Alguns autores apontam ainda para a criação de dois grupos
bem distintos de trabalhadores (GUIMARÃES, 2002; GOLSCH, 2003; HARVEY,
2004; BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005). De um lado se situam os “sobreviventes”
(GUIMARÃES, 2002) ou “grupo central” (HARVEY, 2004), representados por uma
mão-de-obra qualificada que permanece empregada ou com possibilidades de se
reintegrar ao mercado de trabalho formal. Do outro, encontram-se os excluídos ou
“grupo periférico” (HARVEY, 2004), composto por trabalhadores menos qualificados,
entre os quais se incluiriam os jovens com pouca ou nenhuma experiência
profissional.
Nas próximas seções, abordaremos o problema do desemprego no Brasil e no
mundo – com destaque para a situação do jovem –, o surgimento e a consolidação
de novas modalidades de trabalho, em substituição ao trabalho tradicional e estável,
e as mudanças na forma como as empresas internamente organizam e estruturam o
trabalho.
3.3.1 O problema do desemprego
A emergência do sistema de acumulação flexível está associado a elevados níveis
de desemprego estrutural, já que os processos produtivos passam a ser cada vez
mais intensivos em capital e a adoção de novas tecnologias viabiliza a
racionalização do uso da mão de obra nas empresas. Em outras palavras, produz-se
mais com cada vez menos trabalhadores. As fusões e aquisições também vêm
sendo responsáveis pela eliminação definitiva de postos de trabalho.
O desemprego no mundo
A escassez de emprego é uma realidade na maioria das economias capitalistas,
sejam elas desenvolvidas ou em desenvolvimento. De 2003 até a crise do final de
49
2008, o mundo capitalista viveu um período de forte expansão, com taxas de
crescimento variando entre 3,6% e 5,2% ao ano – média de 4,7% (FMI, 2009). No
entanto, esse cenário positivo não foi suficiente para reduzir de forma significativa o
desemprego ou a pobreza daqueles que trabalham, evidenciando um descasamento
entre crescimento econômico e a oferta de empregos de qualidade, típico da atual
fase do capitalismo.
Em 2007, último ano antes da crise que abalou todo o mundo capitalista, a economia
mundial se expandiu 5,2%, enquanto a taxa de desemprego caiu apenas 0,3 ponto
percentual, alcançando 5,7% (OIT, 2009) – ver gráfico 3.1. Naquele ano, o
desemprego atingiu 180,2 milhões de pessoas, aos quais se somam 1,215 bilhão de
trabalhadores cuja renda familiar é inferior a 2 dólares por dia. Considerando que há
3,2 bilhões de trabalhadores no mundo, constata-se que aproximadamente 44%
destes não conseguem auferir, a partir de seu trabalho, uma renda suficiente para
livrá-los da pobreza (OIT, 2009).
Gráfico 3.1 – Crescimento e desemprego no mundo
6,5% 6,4% 6,3%6,0%
5,7% 5,9%
6,8%
3,6%
4,9%4,5%
5,1% 5,2%
3,0%
-1,1%-2,0%
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009*
Taxa de desemprego Taxa de Crescimento Econômico
(*) Estimativa. Fonte: Elaboração própria com base nos dados da OIT (2009) e do FMI (2009).
Com a crise econômica do final de 2008, que arrastou grande parte das economias
para a recessão, a expectativa é a de que essa situação piore, especialmente entre
50
os trabalhadores mais vulneráveis, dentre os quais se incluem os jovens – tema que
abordaremos mais à frente. Se em 2008 a taxa de desemprego total apresentou
uma pequena elevação em relação ao ano anterior, chegando a 5,9%, a expectativa
é a de fique próxima a 6,8% em 2009 – podendo atingir 6,5% num cenário mais
otimista ou 7,4% num mais pessimista (OIT, 2009).
Entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico)16, a taxa de desemprego observada em 2008 foi de 6,0%, 0,3 ponto
percentual maior do que a de 2007. A nação com a mais alta taxa de desemprego é
a Espanha (11,4%), seguida pela Eslováquia (9,6%) e pela Turquia (9,4%).
Destacam-se positivamente a Noruega e a Holanda, ambas com taxa de
desemprego inferior a 3,0% – equivalente a 2,5% e 2,8% respectivamente (OCDE,
2009).
Na América Latina e Caribe, a taxa de desemprego média anual chegou a 7,5% em
200817, dando continuidade a uma queda observada desde 2003, quando o
desemprego na região atingiu 11,0%, mas situando-se acima da taxa de 5,8%
registrada em 1990. A expectativa, no entanto, é de que esse ciclo de melhoria seja
interrompido em 2009, com um recrudescimento do desemprego. Em relação aos
países da região, o Brasil, cuja taxa de desemprego atingiu 7,9% em 2008, se situa
numa posição intermediária. As mais altas taxas foram registradas na República
Dominicana (14,0%), Colômbia (11,5%) e Jamaica (11,1%), países com desemprego
superior a 10%. Cuba destaca-se positivamente, com uma taxa de desemprego de
1,6%, assim como Costa Rica (4,8%) e México (4,9%), países que alcançaram um
desemprego abaixo de 5% (CEPAL, 2009).
Num estudo sobre o desemprego na juventude, a Organização Internacional do
Trabalho constatou que o desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos cresceu
13,6% entre 1997 e 2007, quando atingiu 71,4 milhões ou 11,9% da força de
trabalho nesta faixa etária, conforme apresentado no Gráfico 3.2 (OIT, 2008). Apesar
da melhoria observada nos últimos quatro anos, a expectativa é a de que a crise
16 Os vinte membros originais da OCDE são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. Subsequentemente tornaram-se membros: Japão (1964), Finlândia (1969), Austrália (1971), Nova Zelândia (1973), México (1994), República Tcheca (1995), Hungria (1996), Polônia (1996), Coréia (1996) e Eslováquia (2000). 17 Dados preliminares.
51
financeira mundial tenha um impacto severo sobre este grupo de trabalhadores.
Estima-se que o desemprego tenha aumentado para 12,2% em 2008, podendo
atingir entre 13,0% e 15,1% em 2009 (OIT, 2009).
Gráfico 3.2 – Evolução do desemprego: jovens entre 15 e 24 anos
62,8
66,869,7 69,9 69,1 69,2
73,174,9 74,7 73,5
71,410,9%
11,6%
12,1% 12,1%
11,9%11,8%
12,4%
12,6%12,5%
12,2%
11,9%
10%
11%
12%
13%
50
55
60
65
70
75
80
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Desemprego - Milhões Taxa de Desemprego
Fonte: OIT, 2008.
A OIT também ressalta que a situação do jovem no mercado de trabalho é
relativamente mais frágil do que a da população adulta. Os jovens representam
40,2% do total de desempregados, mas apenas 24,7% do total da força de trabalho
(15 anos ou mais). Em todas as regiões do mundo, os jovens têm mais chances de
estar desempregados do que os adultos, conforme mostra o Gráfico 3.3 (OIT, 2008).
Além disso, são eles os mais sujeitos, tanto em países industrializados quanto em
desenvolvimento, a condições de trabalho instáveis e intermitentes. “Jovens
trabalhadores frequentemente se encontram trabalhando por longas horas, sob
contratos informais ou de curto prazo, com baixa remuneração, pouca ou nenhuma
proteção social, reduzido treinamento e sem nenhuma voz no trabalho” (OIT, 2006b,
p. 20-21).
52
Gráfico 3.3 – Razão entre a taxa de desemprego de jovens e adultos
2,62,4 2,3
3,7
4,4
2,82,6
3,2 3,2
2,0
2,82,4 2,5
3,0
5,0
2,8 2,83,1
3,4
1,8
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
1997 2007
Fonte: OIT, 2008. (*) Commonwealth of Independent States (antiga União Soviética).
De acordo com a OIT (2006b), diversos fatores parecem contribuir para este
fenômeno. Em primeiro lugar, é possível que o jovem seja preterido em função de
sua menor experiência. Em períodos de expansão econômica, portanto, as
empresas dariam preferência à contratação de adultos com mais experiência,
recorrendo por último à contratação de jovens. E em períodos de retração
econômica, os jovens seriam os primeiros demitidos, visto que o custo de demissão
de profissionais com menos tempo de trabalho é menor e que a empresa tem menos
recursos investidos em sua formação. A esta explicação é dada o nome de last-in,
first out. Em segundo lugar, é possível que o jovem tenha menos experiência na
busca de emprego e menos conhecimento do mercado de trabalho. Enquanto o
jovem tende a recorrer essencialmente aos contatos com familiares e amigos, o
adulto tem ainda a possibilidade de conseguir um trabalho através de referências de
seus antigos colegas e empregadores. Em terceiro lugar, existe a possibilidade de
que o jovem passe mais tempo procurando por um emprego que atenda aos seus
interesses, assumindo que este tenha apoio familiar para permanecer nesta busca.
53
Quando o jovem não possui tal apoio e, portanto, não pode se manter
desempregado, aumentam as chances de que aceite qualquer ocupação disponível,
independentemente das condições de trabalho e da adequação ao seu nível
educacional. Existe ainda uma explicação associada à falta de mobilidade do jovem,
que teria menos recursos financeiros para se deslocar para regiões com maior oferta
de emprego. Por fim, é possível que haja um efeito associado à mensuração da taxa
de desemprego. Como a inatividade entre os jovens tem aumentado – em função de
sua maior permanência no sistema educacional ou porque não têm mais esperança
de encontrar trabalho (desalento) –, o denominador da fórmula de cálculo da taxa de
desemprego tem se reduzido, causando um efeito positivo sobre a taxa.
A OIT (2006b) aponta, ainda, que existe uma ligação muito forte entre o desemprego
e a exclusão social, já que a dificuldade de inserção no mercado de trabalho cria um
senso de vulnerabilidade e inutilidade, podendo inclusive levar o jovem à
criminalidade. Além disso, o desemprego no início da vida profissional pode
comprometer seriamente o futuro do jovem, na medida em que existe uma
importante relação entre a experiência de desemprego e as perspectivas futuras de
recolocação. Cabe ainda registrar que a conquista do primeiro emprego representa
uma importante etapa da transição para a vida adulta. A falta de emprego e a
insegurança acabam por ampliar o tempo de dependência do jovem em relação a
suas famílias e, entre aqueles que não contam com apoio familiar, podem levá-lo a
sair da escola mais cedo ou a se submeter a condições precárias de trabalho.
O desemprego no Brasil
A situação atual do mercado de trabalho no Brasil não difere muito, em grande
linhas, da observada no mundo: desemprego elevado e maior dificuldade de
inserção dos jovens, relativamente aos mais velhos e experientes. A evolução do
desemprego e do perfil do emprego, porém, apresentam algumas especificidades,
associadas principalmente aos mecanismos de integração do Brasil à economia
mundial e à sua participação na divisão internacional do trabalho. Além disso, é
importante registrar que nos países periféricos ou em desenvolvimento, ao contrário
do que se observa nas economias desenvolvidas, existe um grande setor informal,
“composto por trabalhadores que, ao não conseguirem se empregar no setor formal,
54
dinâmico e protegido da economia (...), encontram nessas atividades uma alternativa
de subsistência” (RAMOS, 2007, p. 9).
Segundo Pochmann (2001, p. 8), a partir da década de 1980 observa-se “um
movimento mais geral de concentração da pobreza, do desemprego e dos postos de
trabalho mais simples e mal remunerados nos países pobres”, entre os quais se
inclui o Brasil. Esta situação deve-se, em grande medida, ao papel das corporações
transnacionais no redesenho da produção e do emprego no mundo. Essas
empresas vêm crescentemente centralizando as atividades de pesquisa,
desenvolvimento tecnológico, comando e planejamento em seus países de origem,
transferindo para os países periféricos as atividades de execução e produção, mais
simples e rotineiras.
Além disso, a crescente exposição do país à concorrência internacional – fruto de
reformas liberalizantes que ganharam força a partir da década de 1990 – levou as
empresas brasileiras a implementar mudanças estruturais que tiveram forte impacto
sobre a quantidade e a qualidade dos empregos demandados. A concentração
observada em diversos setores produtivos, fruto de falências, fusões e aquisições,
teve impactos negativos sobre a demanda por trabalho, assim como a adoção de
novas tecnologias, que não apenas reduziu a quantidade de empregos disponíveis,
como passou a exigir trabalhadores mais qualificados. A isso somaram-se a
terceirização e os cortes de pessoal, adotados como forma de racionalizar a
estrutura de custos das empresas.
O comportamento do desemprego nos anos 1990 e em boa parte da década
seguinte evidencia esse movimento de redesenho da estrutura produtiva brasileira,
conforme mostra o gráfico 3.4 a seguir, elaborado com base nos dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Entre 1995 e 1999, a taxa de
desemprego cresceu de forma consistente e, nos primeiros anos deste novo século,
oscilou em torno dos 10%.
55
Gráfico 3.4 – Evolução da taxa de desemprego
7,26,8 6,7
7,6
8,5
9,7
10,410,1
9,9
10,5
9,7
10,2
6
7
8
9
10
11
12
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Ramos (2007). Obs.: A PNAD não foi realizada em 1994 e 2000.
Cumpre aqui ressaltar que não existe um consenso a respeito do papel de políticas
liberalizantes sobre o comportamento do emprego. De acordo com Pochmann (2001;
2002), há quem acredite que passada esta fase de ajustes da estrutura produtiva –
associada à introdução de novas tecnologias e a novos modos de organização do
trabalho e de gestão empresarial – o nível de emprego volte a aumentar. Além disso,
há autores que, apesar de assumirem os efeitos negativos da abertura econômica
sobre o mercado de trabalho, acreditam que a solução para o problema do
desemprego passa pela adoção de reformas que flexibilizem a legislação trabalhista
(RAMOS & REIS, 1997; NERI, CAMARGO & REIS, 2000; PASTORE, 2006).
Para Neri, Camargo e Reis (2000, p. 1), por exemplo,
o país se não quiser conviver com elevadas taxas de desemprego estrutural, terá de adotar reformas importantes na sua legislação trabalhista, cujo objetivo é aumentar os incentivos para que empresas e trabalhadores invistam em qualificação e treinamento ao longo da relação de trabalho.
Pochmann, por outro lado, faz parte da corrente de autores que atribui os problemas
do mercado de trabalho à adoção de políticas macroeconômicas liberalizantes e
recessivas, à ausência de uma política industrial ativa e à competição desregulada.
Os efeitos combinados, a partir de 1990, de políticas recessivas, de desregulação e redução do papel do Estado, de abertura comercial abrupta, de taxas de juros elevadas e de apreciação cambial seriam responsáveis
56
por um cenário desfavorável ao comportamento geral do emprego nacional (POCHMANN, 2002, p.85).
Dedecca (2003, p. 136) também associa a “reorganização econômica” aos
problemas do mercado de trabalho brasileiro, com destaque para o crescimento do
desemprego urbano, a perda de poder de compra daqueles que vivem da renda do
trabalho e a maior desigualdade de rendimentos entre a população ocupada. “Se é
verdade que todos aqueles que auferem renda do trabalho perderam poder de
compra, é real que os ocupados de renda mais elevada conheceram perdas
inferiores àqueles de renda mais baixa”. O autor também afirma que as diversas
medidas adotadas, ao longo da década de 1990, com o objetivo de flexibilizar as
relações de trabalho, ao contrário do postulado por seus defensores, pouco impacto
tiveram sobre as taxas de desemprego.
Na Figura 3.1, apresentamos alguns indicadores do mercado de trabalho no ano de
2005, também elaborados por Ramos (2007), com base em dados da PNAD daquele
ano. Apesar de relativamente desatualizadas, optamos por expor essas informações
por englobarem o conjunto da população brasileira, dando-nos uma visão mais
abrangente da situação do emprego no país. As informações mais recentes,
baseadas na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, cobrem apenas seis regiões
metropolitanas – Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e
São Paulo –, conforme veremos mais à frente.
57
Figura 3.1 – Indicadores do Mercado de Trabalho Brasileiro (2005)
População184,4 milhões
População em Idade Ativa(PIA)*
150,2 milhões
População Economicamente Ativa(PEA)
94,3 milhões (62,8%)
População Não-Economicamente Ativa(PNEA)
55,9 milhões (37,2%)
PEA Efetiva89,8 milhões (95,2%)
PEA Marginal **
4,5 milhões (4,8%)
Ocupados80,6 milhões (89,8%)
Desocupados9,2 milhões (10,2%)
Ocupados por Posição na Ocupação
Protegidos 34,1 milhões 42,3%Empregados sem carteira 20,1 milhões 24,9%Conta-própria 18,3 milhões 22,7%Não-remunerados 4,5 milhões 5,6%Empregadores 3,6 milhões 4,5%
Desempregados por Faixa Etária
10-14 anos 0,2 milhão 2,2%15-24 anos 4,5 milhões 48,9%25-49 anos 3,9 milhões 42,4%50 ou mais anos 0,6 milhão 6,5%
Fonte: Ramos, 2007. * População com 10 anos ou mais de idade18. ** Pessoas que exercem atividades voltadas para o auto-consumo, construção para fins próprios e qualquer tarefa não-remunerada.
Conforme se pode observar, havia 4,5 milhões de jovens com idade entre 15 e 24
anos sem emprego em 2005, valor equivalente a 48,9% do total de desempregados.
A taxa de desemprego desse grupo foi de 20,7%, bem superior à média de 10,2%
verificada para o conjunto da população. Também é importante notar o elevado
contingente de empregados sem carteira assinada (24,9%) e, portanto, sem
qualquer proteção e direito trabalhista. Se definirmos o grau de informalidade da
economia como a razão entre trabalhadores sem carteira, por conta própria e não
remunerados sobre o total, constata-se que em 2005 o nível de informalidade era de
aproximadamente 53% (RAMOS, 2007).
18 A inclusão de crianças entre 10 e 14 de idade na PIA deve-se ao fato de que o trabalho infantil, a despeito de sua proibição legal, ainda persiste no Brasil. Nas palavras de Ramos (2007, p. 11), “a admissão do trabalho infantil como realidade de fato permite estudos e análises mais condizentes com a realidade do mercado de trabalho brasileiro”.
58
Considerando-se as seis regiões metropolitanas citadas anteriormente, observamos
uma redução consistente do desemprego entre os anos de 2003 e 2008,
possivelmente como reflexo do crescimento econômico robusto observado no
período – ver gráfico 3.5. A despeito desse cenário mais favorável, é importante
destacar que tal patamar é ainda elevado. Uma taxa de desemprego próxima a 8%
significa quase dois milhões de trabalhadores buscando, sem sucesso, uma
colocação. Além disso, dados relativos aos primeiros nove meses de 2009 mostram
que a crise econômica mundial deflagrada no final de 2008 teve um impacto
negativo sobre o emprego, ainda que bem mais ameno do que o esperado
inicialmente (IPEA, 2009).
Gráfico 3.5 – Taxa de desocupação e crescimento econômico
1,2
5,7
3,24,0
5,7 5,1
12,311,5
9,8 10,09,3
7,98,4
0
2
4
6
8
10
12
14
2003 2004 2005 2006 2007 2008 Jan-Set2009
Taxa de crescimento real do PIB Taxa de Desocupação
Fonte: elaboração própria a partir de dados do IBGE (2009a) e do IPEA (2009).
A situação do jovem também permanece problemática. Em 2008, aqueles com idade
entre 18 e 24 anos representavam 17,1% da PEA (População Economicamente
Ativa), mas respondiam por 36% do total de desocupados. Enquanto a taxa média
de desemprego ficou em 7,9%, a dos trabalhadores daquela faixa etária atingiu
16,6%, sendo ainda pior entre os mais jovens, conforme mostra o gráfico 3.6, que
59
também inclui indicadores para a região metropolitana do Rio de Janeiro (IBGE,
2009a).
Gráfico 3.6 – Taxa de Desocupação – Total e no Rio de Janeiro
18,8%
28,8%
16,6%
6,2%2,8% 7,9%
11,1%
21,2%
16,9%
5,8%2,6%
6,8%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
10-14 anos 15-17 anos 18-24 anos 25-49 anos 50+ anos TOTAL
Total (6 RM) Rio de Janeiro
Fonte: elaboração própria a partir de dados do IBGE (2009a).
Numa análise com dados da PNAD de 2001, Quadros (2003) observa que, do total
de jovens desempregados, 43% estavam em busca da primeira ocupação. Desta
forma, pode-se inferir que, uma vez que o desemprego estrutural torna a oferta de
trabalho abundante, os jovens que a cada ano ingressam no mercado de trabalho
vêm enfrentando dificuldades crescentes de inserção, sendo preteridos em favor do
contingente de desempregados com experiência anterior.
Uma vez abordadas as questões quantitativas relativas ao mercado de trabalho
mundial e brasileiro, passamos à discussão das mudanças de ordem qualitativa
verificadas no mundo do trabalho, associadas às transformações do capitalismo e,
mais precisamente, à reorientação das empresas em sua relação com a força de
trabalho.
3.3.2 Novas relações de trabalho
A necessidade de flexibilidade, associada a esta nova fase do capitalismo, tornou as
relações de trabalho mais instáveis. O emprego regular vem sendo aos poucos
substituído pelo trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. A lógica da
60
flexibilidade leva as empresas a manter o menor quadro de empregados fixos
possível, recorrendo de forma crescente a essas diferentes modalidades.
Por esta razão, e conforme já discutido, pode-se observar uma “dualização” do
mercado de trabalho, que passa a se dividir entre uma mão-de-obra estável,
protegida e bem remunerada, atuando nas grandes empresas, e um grande grupo
de trabalhadores pouco qualificados, mal remunerados e desprotegidos, atuando
sem qualquer estabilidade nas pequenas empresas prestadoras de serviço
(BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005). Este aspecto é também apontado por Golsch
(2003) e Harvey (2004), para os quais o mercado de trabalho está crescentemente
dividido entre insiders ou trabalhadores centrais, que ocupam posições permanentes
nas empresas, e outsiders ou trabalhadores periféricos, representados pelos
inativos, desempregados e trabalhadores “inseguros”, cujas relações de trabalho são
de caráter temporário.
Boltanski & Chiapello (2005), na sua discussão sobre o que chamam de
“desmantelamento do mundo do trabalho”, afirmam que a subcontratação, associada
a um movimento de terceirização e foco no core business, surge como alternativa
para reduzir a ligação direta da empresa com o trabalhador, na medida em que esta
transfere para terceiros a fabricação de partes de produtos – em alguns casos o
produto inteiro – e a prestação de serviços, tais como limpeza, transporte,
atendimento ao cliente, tecnologia da informação, pesquisa, consultoria, etc.
Segundo os autores, esta tendência seria responsável pela crescente participação
das pequenas empresas na geração de emprego e pela criação de grupos e redes
de empresas, possibilitando a combinação de poder de mercado com flexibilidade.
Com relação ao mercado de trabalho brasileiro, Machado da Silva (2003, p. 159)
postula que estamos num período de “desconstrução do assalariamento”, associado
a um movimento de pressão pela flexibilização da legislação trabalhista e ao
processo de terceirização. A transferência de trabalhadores das empresas-mãe para
as empresas terceirizadas leva, segundo o autor, a uma deterioração de sua
situação, visto que “os novos postos de trabalho são quase sempre piores, seja em
termos das condições de trabalho, da remuneração, da segurança no emprego e da
garantia de direitos sociais”. Além disso, observa-se um “incremento da ilegalidade
da relação empregatícia, que pode ser visto como a face perversa (e falsa) da
terceirização” (MACHADO DA SILVA, 2003, p. 169).
61
O emprego temporário, seja na forma de contratos por tempo determinado ou em
tempo parcial (part-time), representa outra faceta da instabilidade no trabalho, e é
usado pelas empresas também como mecanismo de flexibilidade, na medida em que
viabiliza o aumento das horas trabalhadas em períodos de pico, sem o pagamento
de horas extras, que custam mais (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005).
Mesmo para os trabalhadores “centrais”, que correspondem à parcela mais
qualificada da força de trabalho, pode-se observar uma deterioração de sua
situação, em função da intensificação do tempo de trabalho e da competitividade
exacerbada. Para Machado da Silva (2003, p. 171), “este pequeno grupo de
trabalhadores paga um alto preço por sua situação de mercado privilegiada”. De
acordo com Kanter (1997), o aumento de número de horas trabalhadas seria,
primeiramente, uma tentativa dos funcionários de parecerem insubstituíveis, em
resposta ao temor de serem dispensados em reestruturações. Além disso, haveria o
fato de que a nova configuração das relações profissionais estabelece uma conexão
direta entre resultados e ganhos (bônus atrelado ao desempenho), exercendo uma
sedução para o aumento do tempo de dedicação ao trabalho.
O impacto da flexibilização das relações de trabalho sobre os jovens também tem
sido documentada. Golsch (2003), num estudo com jovens espanhóis, afirma que
estes estão cada vez mais submetidos a modalidades precárias de trabalho, o que
afeta a sua percepção de segurança e, consequentemente, outros aspectos da
transição para a vida adulta. De Vries e Wolbers (2005) mostram que o surgimento
de modalidades de emprego não-tradicionais ou flexíveis na Holanda tiveram um
impacto negativo sobre os jovens em busca de sua primeira colocação no mercado
de trabalho, especialmente aqueles com menos anos de estudo. Considerando
todos os países da OCDE, os autores observam que 50% dos jovens entra no
mercado de trabalho a partir de empregos temporários.
3.3.3 A organização interna do trabalho
Independentemente do rótulo que se dê a este novo modelo de organização da
produção e do trabalho, e das variações encontradas nas diferentes empresas nos
diferentes países, é possível identificar algumas características marcantes e comuns
ao toyotismo ou neofordismo, ou ainda especialização flexível (HARVEY, 2004), esta
última podendo ser entendida como uma síntese dessas novas formas de
62
organização do trabalho e da produção, cujo objetivo, da perspectiva do capital, é
ampliar sua flexibilidade e adaptabilidade às flutuações e incertezas do mercado.
Antunes (1995) procurou ressaltar, numa comparação com o modelo fordista,
algumas características marcantes desse novo processo produtivo dito flexível. Em
primeiro lugar, temos o operário industrial operando várias máquinas e atuando em
equipes de trabalho, enquanto que sob o fordismo cada trabalhador operava uma
máquina de forma individualizada. Em segundo lugar, a rigidez fordista cede lugar a
um processo produtivo e a uma organização do trabalho flexível, necessários para a
produção de uma variedade maior de produtos. Por fim, haveria a substituição
paulatina da integração vertical característica do fordismo pela horizontalização, em
que a empresa subcontrata e terceiriza parte de sua produção, conforme já
discutido.
O impacto sobre os trabalhadores dessas mudanças na forma de organização do
trabalho dentro das empresas é fonte de controvérsia (ANTUNES, 1999). Alguns
defendem que trabalho se tornou mais criativo e que o trabalhador dispõe hoje de
mais autonomia na execução de suas funções, além de participar mais do conjunto
do processo produtivo. Segundo Antunes (1999, p. 48), esses autores acreditam que
as novas formas de organização do trabalho “possibilitaram o advento de um
trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, dotado de
maior realização no espaço do trabalho”.
Outros não acreditam que estas mudanças estejam associadas a uma nova forma
de organização do trabalho, mas representam apenas uma intensificação de
processos e tendências existentes, com consequências negativas para o
trabalhador. Por fim, há aqueles que identificam elementos de continuidade e de
mudança, mas compartilham deste enfoque crítico. Antunes (1999), cuja visão se
alinha a este último conjunto de autores, destaca o crescimento da intensidade do
trabalho, dado que a polivalência e o auto-controle hoje exigidos dos trabalhadores
permitem um maior controle sobre o trabalho a um custo menor e representam uma
exploração não apenas da força física como também da capacidade mental do
trabalhador – sua imaginação e sua capacidade organizativa e de cooperação.
Nesta mesma linha, Alves (2000, p. 113) postula que os Programas de Qualidade
Total, os Círculos de Controle de Qualidade, entre outros, são estratégias adotadas
pelas empresas com o objetivo de manipular o “consentimento operário” e de
63
capturar a subjetividade do trabalhador. Além disso, o autor aponta para a
“destruição do coletivo operário, através da terceirização, da descentralização
produtiva e do desemprego”.
Numa interessante comparação entre as características do trabalho duro e
rotinizado, associado ao modelo fordista, e as do trabalho flexível do novo
capitalismo, Sennett (2003, p. 49) procura mostrar que a rotina, a despeito de seus
problemas, pode ser positiva, na medida em que permite aos trabalhadores construir
uma narrativa para suas vidas. “A rotina pode degradar, mas também proteger; pode
decompor o trabalho, mas também compor uma vida”. Alternativamente, o trabalho
flexível, muitas vezes visto como libertador, tende a trazer enormes dificuldades para
o trabalhador. Em primeiro lugar, o autor adverte que essa liberdade pode não existir
de fato, na medida em que a empresa substitui o controle formal, representado pela
hierarquia, por mecanismos alternativos de controle – essencialmente a imposição
de metas de desempenho cada vez mais difíceis. Além disso, a organização flexível
provoca a degradação emocional do trabalhador, uma vez que este executa um
trabalho ao qual tende a ser indiferente e distanciado, pois que transitório
(SENNETT, 2003).
3.4 A QUESTÃO DA EMPREGABILIDADE
Frente a este cenário de flexibilização das relações de trabalho e de reorganização
interna do trabalho, o tema da empregabilidade – definida como a capacidade do
trabalhador de manter o seu emprego ou conseguir uma nova colocação se
necessário – vem ganhando destaque e o termo é cada vez mais assimilado e
difundido na mídia, entre os profissionais de recursos humanos e gestores de
políticas públicas (LEMOS, 2004; HELAL, NEVES & FERNANDES, 2004). Em
primeiro lugar porque representa uma explicação, ainda que incompleta e falha, para
o problema do desemprego.
O desemprego atual vem sendo caracterizado como essencialmente tecnológico, e nada mais natural que apostar na requalificação da mão-de-obra como forma de minorar os impactos da introdução das novas tecnologias sobre o nível de emprego. Neste contexto, vem ganhando realce cada vez maior a noção de "empregabilidade", ou seja, propiciar aos segmentos mais vulneráveis da população trabalhadora as condições mínimas para a obtenção de emprego (RAMOS & REIS, 1997, p. 20).
64
Cardoso (2000), porém, defende que o desemprego é hoje um problema estrutural e
inerente à modernização do parque produtivo e à entrada da concorrência
internacional, e não pode ser atribuído à rigidez da legislação trabalhista ou à falta
de qualificação da força de trabalho. Segundo o autor, “as noções de flexibilização
do mercado de trabalho e de empregabilidade” são “faces da mesma moeda de
destituição ou diluição das instituições sociais de respaldo ao funcionamento do
mercado de trabalho”.
A crescente demanda por mão-de-obra mais qualificada, fruto da reestruturação
produtiva e da introdução de tecnologias mais modernas e complexas, além da
maior exposição das empresas nacionais à concorrência internacional, é outro fator
que estimula o debate sobre a empregabilidade, na medida em que representaria
uma possível saída para os problemas de competitividade da economia brasileira.
O conceito de empregabilidade que ganha espaço, porém, é aquele que impõe ao
próprio trabalhador a tarefa de se ajustar às condições do mercado de trabalho.
Embora esse conceito – chamado por Gazier (2001) de “empregabilidade de
iniciativa” – seja hegemônico, não se trata do único existente, conforme veremos a
seguir.
3.4.1 Histórico do conceito
Nesta seção, apresentaremos a evolução do conceito de empregabilidade descrita
por Gazier (2001) e também apresentada por de Grip, van Loo & Sanders (2004).
Nosso objetivo é mostrar que o entendimento do que é empregabilidade depende do
contexto histórico e está associado à forma como se identificava os problemas e se
buscava soluções para o equilíbrio entre oferta e demanda por trabalho.
Introduzido na Inglaterra e nos Estados Unidos, a primeira versão do conceito de
empregabilidade data do início do século passado e era entendido como uma
simples dicotomia entre aqueles com condições para o trabalho e aqueles que, por
problemas físicos, mentais ou familiares, não poderiam ser absorvidos pelo mercado
de trabalho. Chamado de “empregabilidade dicotômica”, esse conceito prevaleceu
até a década de 1950 e orientava as políticas públicas em relação aos pobres. Os
empregáveis eram encaminhados para obras públicas e os não-empregáveis eram
direcionados aos programas de assistência social. Esse sistema era criticado por
65
não levar em consideração as condições do mercado de trabalho e por não permitir
uma gradação entre a condição de empregável e não-empregável.
A partir da década de 1950 e 1960 surgem versões mais modernas do conceito, que
também se expande para além das fronteiras anglo-saxônicas, especialmente a
França.
Uma delas é a “empregabilidade sócio-médica” (socio-medical employability),
voltada para os trabalhadores com deficiência. A partir das deficiências e aptidões
físicas e mentais identificadas, selecionava-se aqueles em que uma intervenção era
possível e desenvolvia-se programas para sua inserção no mercado de trabalho.
Esta versão é rapidamente substituída por uma mais abrangente, direcionada a
todos os trabalhadores com dificuldades de inserção, denominada “empregabilidade
da força de trabalho” (manpower policy employability). Sob esta perspectiva,
buscava-se medir a distância entre as características individuais do trabalhador
(aspectos fisiológicos e sociológicos, como sua mobilidade e apresentação) e
aquelas requeridas pelo mercado de trabalho, permitindo o desenvolvimento de
programas governamentais de treinamento. Esses dois conceitos, desenvolvidos nos
Estados Unidos, eram criticados por sua ênfase excessiva no indivíduo e também
porque os testes desenhados para medir a empregabilidade dos trabalhadores não
previam corretamente sua capacidade de inserção no mercado de trabalho.
Paralelamente, na França da década de 1960, desenvolveu-se o conceito de
“empregabilidade de fluxo” (flow employability), cuja preocupação centrava-se na
mensuração da velocidade com que um determinado grupo de desempregados
encontrava uma posição no mercado de trabalho. Este conceito representa uma
inovação em relação aos anteriores, na medida em que levava em consideração o
lado da demanda por emprego e a dimensão coletiva do problema do emprego.
Por fim, chegamos às duas versões mais recentes do conceito: a empregabilidade
de iniciativa (iniciative employability), que data dos anos 1980, e empregabilidade
interativa (interactive employability), desenvolvida na década de 1990.
O conceito de empregabilidade de iniciativa estabelece que a responsabilidade pela
conquista de um espaço no mercado de trabalho cabe exclusivamente ao indivíduo.
Por outro lado, de acordo com o conceito de empregabilidade interativa, as chances
de um indivíduo manter-se ativo no mercado de trabalho estariam associadas a
66
quatro fatores: as características individuais (sobretudo as relacionais), as
habilidades específicas à ocupação, a situação do mercado de trabalho e as
políticas de qualificação do trabalhador promovidas tanto por empresas quanto pelo
Estado (DE GRIP, VAN LOO E SANDERS, 2004).
Cabe ressaltar que enquanto o conceito de empregabilidade interativa permanece
obscurecido, o de empregabilidade de iniciativa assume papel de destaque, na
medida em que se mostra mais alinhado às novas condições do mercado de
trabalho e ao ideário liberal. Nesse sentido, o discurso da empregabilidade de
iniciativa cumpre dois papéis importantes num cenário de flexibilização das relações
de trabalho. Objetivamente, informa aos trabalhadores a respeito das novas
demandas dos empregadores. Subjetivamente, esclarece que a responsabilidade
pela conquista de um emprego e pelo seu desenvolvimento profissional cabe
exclusivamente ao próprio trabalhador (LEMOS, 2004).
3.4.2 Determinantes da empregabilidade
Alguns estudos foram realizados com o intuito de identificar os determinantes da
empregabilidade. Na literatura internacional, temos o trabalho de Fugate, Kinicki &
Ashforth (2004), que identificam a identidade de carreira (career identity), a
adaptabilidade pessoal (personal adaptability) e os capitais humano e social como
os três principais componentes da empregabilidade. Segundo os autores, cada um
desses elementos isoladamente entra com a sua contribuição, mas combinados
possuem um efeito sinérgico importante, conforme ilustra a figura 3.2.
67
Figura 3.2 – Os componentes da empregabilidade
Capitaishumano e social
Identidade de carreira
Emprega-bilidade
Adaptabilidade pessoal
Fonte: Adaptado de Fugate, Kinicki & Ashforth (2004).
A identidade de carreira permite que o trabalhador saiba “quem é” e “o que quer ser”,
contribuindo para sua motivação. Na medida em que as carreiras planejadas pela
empresa e a estabilidade caracterizam uma quantidade cada vez menor de postos
de trabalho, aumenta o número de possíveis trajetórias profissionais a serem
seguidas e, consequentemente, a importância de se ter clareza quanto aos objetivos
e aspirações pessoais. A adaptabilidade pessoal representa a possibilidade e o
desejo do trabalhador de adaptar-se proativamente às demandas de cada situação –
aumentando seu valor para a organização e suas perspectivas de sucesso na
carreira. Esta capacidade seria determinada, essencialmente, por cinco
características individuais:
� Otimismo, que significa a capacidade de ver os desafios como algo positivo,
como uma oportunidade de aprendizado;
� Disposição para aprender, que envolve tanto o aprendizado formal como o
informal, a partir da análise proativa das oportunidades e ameaças do ambiente;
� Abertura à mudança e a novas experiências, flexibilidade;
� Lócus de controle interno, que representa a crença na capacidade de influenciar
as diferentes situações enfrentadas; as pessoas com lócus de controle externo,
por sua vez, tendem a acreditar que não têm controle sobre os acontecimentos
de sua vida;
68
� Autoconfiança, que significa a crença interna sobre a capacidade de sucesso ao
lidar com desafios (FUGATE, KINICKI & ASHFORTH, 2004).
A importância do capital social para a empregabilidade reside nas redes de
relacionamento como fonte de informação sobre oportunidades profissionais e de
influência no ambiente de trabalho. Já a teoria do capital humano, que tem origem
nos escritos de Schultz (1971, em reprodução de artigo de 1951), postula que
quanto maior o estoque de capital humano de um indivíduo, maior será sua
produtividade marginal e, portanto, maior será o seu valor para o mercado de
trabalho. Originalmente, o capital humano era operacionalizado, essencialmente,
pelos anos de estudo e pela experiência profissional. Mais recentemente, o conceito
foi expandido e passa a considerar conhecimentos, habilidades e aptidões (as
chamadas KSAOs – knowledge, skills, abilities and others) que não apenas são
valorizadas pelas empresas, mas que também permitem que o trabalhador
identifique novas oportunidades no mercado de trabalho (FUGATE, KINICKI &
ASHFORTH, 2004).
No Brasil, encontramos o estudo de Helal (2005), que propõe um modelo explicativo
da empregabilidade, definida como a probabilidade de um individuo estar
empregado, a partir da teoria do capital humano, já mencionada, da teoria do capital
cultural de Bourdieu e do conceito de capital social, que envolve múltiplas
teorizações. Desta forma, a empregabilidade seria determinada pela posse dos
capitais humano, cultural e social, conforme apresentado na Figura 3.3.
69
Figura 3.3 – Modelo explicativo da empregabilidade
Capital Humano
Capital Cultural
Capital Social
Empregabilidade
Fonte: adaptado de Helal (2005).
Com relação à operacionalização dessas variáveis explicativas, o autor propõe que o
capital humano seria determinado pelos anos de estudo e tempo de experiência
profissional, além da migração (sim ou não), que representaria uma boa
aproximação para o grau de ambição da pessoa. O capital cultural seria medido pela
participação em atividades de alto status cultural, pelo nível educacional e
ocupacional dos pais e pela renda familiar. Por fim, o capital social seria medido
através da participação em grupos e organizações (HELAL, 2005).
3.4.3 Críticas à empregabilidade de iniciativa
As críticas ao conceito de empregabilidade de iniciativa podem ser divididas em
externas, associadas às definições que o norteiam, e internas, relacionadas aos
seus pressupostos (NÁDER, 2006). Com relação às críticas externas, cabe registrar
a fragilidade e a amplitude dos conceitos de empregabilidade e competência.
(...) são termos específicos o suficiente para serem invocados pelos eleitos do mercado de trabalho – legitimando seu ingresso e permanência neste – e para servirem de receituário a ser recomendado aos que desejam fazer parte do seleto grupo de profissionais “competentes”; ao mesmo tempo são vagos o bastante para taxar todos os fracassados na disputa como incompetentes ou “inempregáveis”, pois sempre haverá alguma coisa que lhes faltou; alguma habilidade que não foi suficientemente desenvolvida; sempre haverá um motivo para justificar a exclusão daqueles que, da
70
suposta disputa meritocrática por postos de trabalho, só guardam o sabor amargo da derrota (LEMOS, 2004, p. 5).
Cardoso (2000), por sua vez, formula uma crítica interna ao conceito de
empregabilidade, em função de sua fundamentação na teoria do capital humano
(SCHULTZ, 1971). De acordo com esta teoria, as diferenças individuais de renda
decorrem das características individuais do trabalhador e, desta forma, o estimula a
investir em sua própria qualificação ou, em outras palavras, na construção de sua
empregabilidade, garantindo-lhe acesso privilegiado ao mercado de trabalho. O
problema é que esta conclusão é incongruente com o conceito de racionalidade do
agentes, um dos pilares da teoria econômica neoclássica na qual a teoria do capital
humano está inserida. Se todos os trabalhadores são racionais, como prevê a teoria
neoclássica, todos buscarão se qualificar de acordo com as exigências das
empresas contratantes e, portanto, não haveria diferencial de rendimentos
associado a esta maior qualificação, já que o crescimento da oferta de trabalho
qualificado pressionaria os salários para baixo. Só é possível haver diferencial de
rendimentos se apenas uma parcela da força de trabalho ampliar suas qualificações,
o que introduziria uma segmentação dos agentes no mercado de trabalho,
incompatível com o pressuposto da concorrência perfeita, base desta teoria.
Além disso, a empregabilidade, ou a maior qualificação da força de trabalho, é
frequentemente entendida como uma solução para o problema do desemprego.
Conforme adverte Cardoso (2000), isto equivaleria a dizer que a oferta de trabalho é
capaz de criar sua própria demanda, reproduzindo a chamada Lei de Say,
descartada por Keynes ainda na década de 1930.
3.4.4 Conclusão
A predominância do conceito de empregabilidade de iniciativa, nas suas dimensões
objetiva e subjetiva, cumpre um importante papel na adequação da força de trabalho
à nova realidade do mercado. Objetivamente, informa ao trabalhador sobre as
demandas das empresas em termos dos conhecimentos e habilidades necessários.
Subjetivamente, contribui para introduzir os novos valores do mercado de trabalho –
notadamente, que as empresas não são mais responsáveis pela carreira de seus
empregados e que, num cenário de instabilidade e mudanças constantes, é o
trabalhador o responsável por seus próprios desígnios e que a sua segurança está
em ser empregável, e não mais em estar empregado.
71
Para efeito deste estudo, cabe-nos investigar em que medida o jovem universitário
incorporou este conceito de empregabilidade ou, em outras palavras, até que ponto
ele atribui somente a si mesmo a responsabilidade por encontrar o seu espaço no
mercado de trabalho. Além disso, também parece importante analisar que tipo de
habilidades e competências são consideradas importantes para o seu sucesso
profissional, dada a fragilidade destes conceitos.
Na próxima seção, partimos para uma discussão a respeito do trabalho e seus
significados. Faremos um resgate histórico do conceito e seu papel ao longo do
tempo para, em seguida, abordarmos estudos que procuraram investigar o
significado do trabalho nas sociedades contemporâneas.
3.5 O TRABALHO E SEUS SIGNIFICADOS
3.5.1 O que é trabalho?
O termo trabalho na língua inglesa data de 1776 e é definido como o “esforço físico
dirigido a atender às necessidades materiais da comunidade” (DICIONÁRIO
OXFORD DE INGLÊS apud BAUMAN, 2001). No Brasil, o Dicionário Aurélio
(FERREIRA, 1999) apresenta diferentes definições para o termo, entre as quais
destacamos: (1) aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um
determinado fim; (2) atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual,
necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento; (3) o
exercício dessa atividade como ocupação, ofício, profissão, etc.; (4) trabalho
remunerado ou assalariado; (5) qualquer obra realizada; (6) esforço incomum; luta,
faina, lida, lide; (7) tarefa para ser cumprida; (8) tarefa, obrigação, responsabilidade;
(9) atividade humana, considerada como fator de produção.
Esta grande diversidade de definições evidencia o caráter multifacetado do trabalho
e também sugere a sua importância para as sociedades contemporâneas. Ao longo
do tempo, porém, o trabalho nem sempre teve papel de destaque, conforme
discutiremos a seguir.
Nas sociedades primitivas, o trabalho do homem representava apenas um
complemento ao trabalho da natureza e “era regido por um sistema de deveres
religiosos e familiares” (ALBERNOZ, 2002, p. 16).
72
Applebaum (1995), num resgate da evolução do conceito de trabalho ao longo da
história ocidental, começa com a sociedade homérica, na qual o trabalho fazia parte
das atividades sociais, de forma que não havia um “mundo do trabalho” separado.
Esta realidade se transforma no período clássico, quando qualquer tipo de trabalho
remunerado passa a ser considerado como uma forma de escravidão. Aristóteles,
assim como Platão e Sócrates, acreditava nos efeitos degradantes do trabalho sobre
o corpo e a mente. No mundo grego, aponta Albernoz (2002, p. 46-47), “o homem só
age livremente quando sua ação não gera nada além dela mesma”. Desta forma, a
praxis – a atividade não produtora – prevalece sobre a poiesis, “a operação de
fabricação, a atividade do artífice onde o ato se realiza num objeto produzido”, e o
ideal de homem livre aparece como o do usuário, não o do produtor. Apesar disso, o
trabalho na terra tinha valor e prestígio porque por meio dele se estabeleceria um elo
com a divindade.
Ao longo da república e do império romanos, segundo Applebaum (1995), os
trabalhadores manuais e os que trabalhavam para outros em troca de remuneração
eram considerados inferiores, enquanto que aqueles que trabalhavam para si
mesmos gozavam de algum prestígio social. No entanto, o status dos artesãos foi
aumentando na medida em que o trabalho escravo entrou em decadência durante o
império.
Para os hebreus da antiguidade, conforme mostra o Antigo Testamento, Deus era
divino trabalhador, o que mostra que o trabalho não poderia ser algo desonroso. Os
rabinos trabalhavam e havia uma certa solicitude em relação ao trabalho. Também
os primeiros pensadores cristãos – particularmente São Pedro e Santo Agostinho –
tinham visão positiva em relação ao trabalho (APPLEBAUM, 1995).
Ao longo dos primeiros séculos da Idade Média surgem novas técnicas e inovações,
melhorias na organização do trabalho, e o reconhecimento do trabalho manual e do
treinamento e educação para o trabalho artesanal. A posição da igreja era de que a
vida espiritual era aprimorada pelo trabalho, uma vez que este representava (a) uma
proteção contra os perigos da ociosidade, (b) uma oportunidade para a caridade e a
auto-suficiência da comunidade e (c) um meio pelo qual o homem exercia seu
controle sobre a natureza, tornando o seu trabalho a imagem do trabalho de Deus –
a criação. Nesse sentido, o trabalho que criava coisas era valorizado, mas não o
trabalho do mercador. Este panorama muda com o crescimento da importância das
73
cidades, quando os mercadores, por seu poder e riqueza, puderam alcançar o
reconhecimento que buscavam (APPLEBAUM, 1995).
De acordo com Applebaum (1995), é na Idade Média, mais precisamente no período
das corporações de ofício e dos sistemas de aprendizes, que emerge a nossa visão
romantizada do trabalho, baseada na ideia do artesão trabalhando com suas
próprias ferramentas, controlando o processo de seu trabalho, possuindo
conhecimentos e habilidades, e vendendo seu produto.
O conceito moderno de trabalho começa, ainda segundo Applebaum (1995), com o
protestantismo, expresso nas ideias de Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564).
Weber (2004) identifica em Lutero a valorização do conceito de chamado ou
vocação19, a partir do qual o único meio de agradar a Deus não está em abandonar o
mundo material, mas sim no cumprimento dos deveres intramundanos, através do
exercício da vocação profissional. Com relação ao pensamento calvinista, o autor
ressalta o dogma da predestinação – “por decreto de Deus, alguns homens são
predestinados à vida eterna, e outros preordenados à morte eterna” (WEBER, 2004,
p. 91) – como principal responsável pelo surgimento de uma poderosa ética do
trabalho. Isto porque o homem deveria aceitar seu destino e a única coisa possível a
fazer é louvar a Deus, e essa louvação se daria pelo trabalho duro.
Para Weber (2004), a ética protestante representou um poderoso estímulo ao
surgimento do que ele chama de “espírito” do capitalismo.
A valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado, sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da regeneração de um ser humano e da autenticidade de sua fé, tinha que ser, no fim das contas, a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui temos chamado de “espírito” do capitalismo (WEBER, 2004, p. 156-157).
O iluminismo inglês do século XVII marca mais um avanço no sentido da visão
moderna do trabalho. Hobbes, por exemplo, acreditava que todos deveriam trabalhar
para cumprir com suas obrigações em relação à sociedade que, por sua vez, lhes
retribuiria com o direito à cidadania. O pensamento político de Locke também estava
intimamente ligado à ideia de que o valor das coisas advinha do trabalho gasto em
sua produção, teorização que posteriormente foi desenvolvida por Adam Smith e
19 Beruf, em alemão, e calling em inglês.
74
Marx. Com relação ao iluminismo francês, destacam-se os trabalhos de Diderot,
Voltaire e Rousseau. Diderot defendia o racionalismo e progresso humano e
acreditava que era sua missão ensinar os trabalhadores a se valorizarem. Voltaire foi
responsável por propagar a ideia de que o progresso se daria pelo esforço humano
e Rousseau, influenciado pela ética do calvinismo, dizia que o trabalho é um dever
do homem (APPLEBAUM, 1995).
No século XIX – o século do industrialismo – o trabalho adquire um lugar central na
vida das pessoas e passa a pertencer à esfera pública, na forma do trabalho
assalariado, permitindo ao indivíduo adquirir uma existência e uma identidade
sociais. Para Applebaum, no século XX, a despeito da intensificação destas
tendências, ironicamente se assiste a um “enfraquecimento da ética do trabalho”, já
que apenas os trabalhadores mais qualificados teriam a perspectiva de um trabalho
satisfatório. “Para a maior parte das pessoas, o trabalho é considerado tempo gasto
para o benefício de outros” e a satisfação é buscada fora do ambiente de trabalho
(1995, p.61). Esta visão, porém, não é consensual e, nesse sentido, passaremos à
discussão de recentes teorizações que buscam explicar o significado do trabalho
para as pessoas e como este vem evoluindo em resposta às recentes
transformações no mundo do trabalho.
3.5.2 O significado do trabalho
A sistematização dos estudos sobre o significado do trabalho permitiu uma
ampliação do conhecimentos a respeito do papel do trabalho na vida das pessoas e
sobre suas transformações. A pesquisa realizada pelo grupo de pesquisa MOW
(MEANING OF WORKING INTERNATIONAL RESEARCH TEAM, 1987), a partir da
década de 80, tornou-se paradigmática e deu origem a diversos estudos que
tomaram por base sua metodologia e/ou interpretações (RUIZ-QUINTANILLA &
WILPERT, 1991; ENGLAND, 1991; HARPAZ, HONIG & COETSIER, 2002; ARVEY,
HARPAZ & LIAO, 2004). No Brasil, Bastos, Costa & Pinho (1995) utilizaram esta
metodologia para analisar o significado do trabalho junto a trabalhadores brasileiros
com empregos formais.
O significado do trabalho pode ser conceituado como uma representação social, ou
seja, uma realidade construída e reproduzida pelos sujeitos de uma sociedade
(SALANOVA, GRACIA & PEIRÓ, 1996). Para Ruiz-Quintanilla (1991), o significado
75
do trabalho é uma interpretação partilhada do que as pessoas desejam e esperam
do trabalho. Neste sentido, influencia as ações individuais e a natureza da
sociedade, mas ao mesmo tempo é influenciado pela cultura e pelas variáveis
relativas ao macro-ambiente.
O significado do trabalho diz respeito aos valores, crenças e expectativas dos
indivíduos a respeito do trabalho, e é influenciado pelos processos de socialização
primária e secundária, especialmente na escola. (INGLEHART, 1997; RUIZ-
QUINTANILLA, 1991). Além disso, do ponto de vista do indivíduo, seriam também
importantes sua história pessoal e a experiência profissional acumulada
(SALANOVA, GRACIA & PEIRÓ, 1996; RUIZ-QUINTANILLA, 1991). Por outro lado,
esses significados influenciam o que as pessoas desejam e esperam de seu
trabalho, e o que acham que devem dar no trabalho (QUINTANILLA, 1991). Desta
forma, podemos definir o significado do trabalho como:
um conjunto de crenças e valores em relação ao trabalho que os indivíduos (e grupos sociais) desenvolvem antes (socialização para o trabalho) e durante o processo de socialização no trabalho. Trata-se de um conjunto de cognições flexíveis, sujeitas a trocas e modificações em função das experiências pessoais e alterações em aspectos situacionais ou contextuais (SALANOVA, GRACIA & PEIRÓ, 1996, p. 49).
3.5.3 As dimensões do significado do trabalho
De acordo com o grupo de pesquisa MOW (1987), o significado do trabalho é um
construto composto por cinco diferentes dimensões: centralidade do trabalho,
normais sociais sobre o trabalho, resultados valorizados do trabalho, importância das
metas laborais e identificação com o trabalho.
A centralidade do trabalho diz respeito às crenças sobre a importância geral do
trabalho em qualquer fase da vida. Pessoas com alta centralidade do trabalho
tendem a ter grande identificação com o trabalho e consideram-no um aspecto
central de suas vidas (MOW, 1987; ARVEY, HARPAZ & LIAO, 2004; HIRSCHFELD
& FEILD, 2000). A centralidade do trabalho pode ser medida de forma absoluta e
relativa (MOW, 1987). No primeiro caso avalia-se a importância do trabalho em si e
no segundo, a sua importância relativamente a outras esferas da vida – a família, o
lazer, a religião e a comunidade. Alguns estudos têm mostrado a importância relativa
do trabalho, indicando que este é considerado o segundo aspecto mais importante
76
da vida dos indivíduos, vindo apenas atrás da família (MOW, 1987; ENGLAND,
1991; BASTOS, COSTA & PINHO, 1995; HARPAZ, 1999).
As normais sociais sobre o trabalho dizem respeito às crenças e expectativas em
relação a direitos e deveres no trabalho. O primeiro aspecto envolve expectativas em
relação às responsabilidades das organizações e da sociedade em relação a todos
os indivíduos e o segundo envolve as obrigações dos indivíduos para com as
organizações e a sociedade no que concerne ao trabalho.
Os resultados valorizados do trabalho dizem respeito às razões pelas quais o
indivíduo trabalha. A pesquisa MOW (1987) distingue seis aspectos que o trabalho
pode proporcionar: status e prestígio, remuneração, manter a pessoa ocupada,
contatos interpessoais, servir à sociedade e auto-expressividade. A importância dos
aspectos laborais, por sua vez, diz respeito às características esperadas de um
trabalho quando de sua realização. Os onze aspectos elencados pela pesquisa
MOW (1987) são: um trabalho interessante, ajuste entre habilidades e
requerimentos, variedade, autonomia, bom salário, boas oportunidades de
promoção, boas condições físicas de trabalho, bom horário, oportunidades de
aprender novas coisas, estabilidade e boas relações interpessoais.
Comparando essas duas últimas dimensões – resultados valorizados do trabalho e a
importância dos aspectos laborais –, Salanova, Gracia & Peiró (1996) esclarecem
que enquanto a primeira refere-se ao conteúdo básico do trabalho e às razões pelas
quais os indivíduos trabalham, a segunda está associada a conteúdos mais
específicos, ou seja, a aspectos relativos ao dia-a-dia no trabalho.
3.5.4 Estabilidade ou mudança no significado do trabalho?
De acordo com Drenth (1991), duas abordagens podem ser dadas à dinâmica do
significado do trabalho: a sociológica e a psicológica. Sob a perspectiva sociológica,
os valores em relação ao trabalho são resultado da interação do indivíduo com o
macro-ambiente e devem, portanto, ser analisados em relação a fatores
socioeconômicos, nível educacional dos pais, religião, classe social, urbanização e
cultura. A abordagem psicológica, por sua vez, entende os valores em relação ao
trabalho como um produto do indivíduo, mas existe divergência quanto à
estabilidade desses valores ao longo do tempo. Os que defendem a tese da
estabilidade, segundo Drenth (1991), acreditam que os valores estariam ligados ao
77
desenvolvimento da personalidade e à socialização primária, e permaneceriam
estáveis ao longo da vida. A tese da mudança, por outro lado, pressupõe que os
valores se modificariam em função de experiências e papéis desempenhados nas
várias fases da vida.
Estas perspectivas encontram uma síntese na abordagem interativa proposta por
Drenth (1991). Segundo o autor, valores razoavelmente estáveis adquiridos no início
da vida podem sofrer modificações em função da continuidade do processo de
socialização e este seria, naturalmente, afetado pelas condições macro-sociais.
A despeito das documentadas transformações sociais, os estudos sobre as
mudanças no mundo do trabalho conduzidos nas últimas três décadas não trazem
conclusões convergentes sobre os rumos do significado do trabalho. England
(1991), por exemplo, numa pesquisa realizada entre 1982 e 1989 nos Estados
Unidos, conclui que houve, entre esses dois períodos, uma queda de pequena a
moderada na centralidade do trabalho. Com relação às normas sociais sobre o
trabalho, o autor não encontra evidências de mudanças significativas na forma como
os trabalhadores percebem seus direitos e deveres no trabalho. Por fim, no que
concerne à importância dos aspectos laborais, o autor não encontra nenhuma
mudança “dramática”, apenas um crescimento da importância atribuída a fatores
econômicos – bom salário e boas oportunidades de promoção. Ao replicar, em 1989,
um estudo conduzido na Alemanha em 1983, Ruiz-Quintanilla & Wilpert (1991)
concluem que o significado do trabalho, enquanto construto multidimensional, se
manteve estável nesse período, havendo apenas uma diminuição discreta na
centralidade do trabalho em favor de uma maior valorização do lazer.
Lowe & Krahn (2000) compararam as atitudes de jovens estudantes canadenses em
1985 e em 1996, no momento em que concluíam o ensino médio. Com relação aos
aspectos valorizados no trabalho, os autores não encontraram diferenças
significativas entre esses dois grupos. Apenas a remuneração adquiriu mais
importância, enquanto que um trabalho interessante e boas relações interpessoais
no trabalho permanecem como os principais desejos desses jovens. Por outro lado a
aspiração ao exercício de uma ocupação profissional, em detrimento de atividades
técnicas e manuais, apresentou um crescimento significativo, especialmente entre as
mulheres. Outra descoberta interessante da pesquisa diz respeito à relação entre as
experiências de trabalho e as aspirações profissionais. Para ambas as coortes, a
78
experiência de trabalho durante a vida escolar está associada a uma menor
aspiração em termos de carreira.
Diante dessas evidências não conclusivas a respeito das transformações no
significado do trabalho, um dos objetivos deste estudo é investigar a importância do
trabalho na vida dos jovens universitários e o que eles buscam e esperam de seu
trabalho. A despeito das especulações de que as dificuldades de inserção no
mercado de trabalho estariam levando os jovens à alienação e a uma ética do
trabalho mais frágil, as primeiras evidências que obtivemos mostram que a conquista
de um espaço no mercado de trabalho é fundamental para esses jovens,
especialmente se considerarmos o tempo dedicado às atividades de preparação e a
importância que atribuem ao reconhecimento no ambiente de trabalho.
Na próxima seção, abordaremos o tema da transição para a vida adulta, visto que a
inserção do jovem no mercado de trabalho, foco desta pesquisa, corresponde a uma
das etapas deste processo de transição.
3.6 A TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA
A transição para a vida adulta é um tema recorrente na literatura, analisado sob
diferentes perspectivas por pesquisadores das áreas de ciências sociais, economia e
psicologia. O alto desemprego entre os jovens é um dos fatores que tem influenciado
o interesse pelo tema (HOGAN & ASTONE, 1986).
Durante a adolescência, os jovens passam por transformações físicas e hormonais
e, em sua passagem para a vida adulta, vivenciam importantes transições sociais,
incluindo a obtenção do primeiro emprego (transição escola-trabalho), a saída da
casa dos pais/provedores, a união, que em algumas sociedades se dá
concomitantemente à saída da casa dos pais, e a maternidade ou paternidade
(HOGAN & ASTONE, 1986).
Naturalmente, esses processos de transição estão inter-relacionados. Hogan &
Astone (1986), por exemplo, sugerem que o casamento precoce tende a inibir a
opção por mais anos de estudo, tanto para homens quanto para mulheres.
Evidências empíricas mostram, ainda, que a decisão de se unir a um cônjuge e,
sobretudo, de ter filhos, está associada à percepção de segurança no emprego nas
fases iniciais da carreira (GOLSCH, 2003). Desta forma, e conforme já ressaltado, o
79
desemprego e os modelos flexíveis de emprego têm um impacto social mais
profundo, visto que não fica restrito à esfera profissional da vida dos jovens.
3.6.1 A transição escola-trabalho
Com relação ao processo de obtenção do primeiro emprego, Hogan & Astone (1986)
afirmam que existe uma diferença marcante entre a transição de jovens que apenas
completaram o ensino médio e a transição daqueles que completaram o ensino
superior. Isto se dá, possivelmente, porque o tipo de trabalho a que aspiram esses
dois grupos de jovens é bem diferente, assim como o processo seletivo das
empresas. Como a quantidade de informação sobre o jovem graduado no ensino
médio é menor, as estratégias dos empregadores tendem a ser diferentes, mais
baseadas em sinais externos.
De acordo com Russell & O’Connell (2001), as possíveis transições que ocorrem no
início da trajetória profissional são da escola para o primeiro emprego, do emprego
para o desemprego (demissão) e do desemprego para um novo emprego. Os
autores sugerem que o jovem tende a passar por todas essas transições, visto que o
começo de sua carreira é frequentemente turbulento e instável, caracterizado por
empregos instáveis e múltiplas transições. Nos países da OCDE, por exemplo,
aproximadamente 25% dos jovens se vê desempregado no início de sua inserção no
mercado de trabalho e 50% dos empregos encontrados por aqueles que saem da
escola são temporários (OCDE, 1998).
As perspectivas de emprego dos jovens dependem, naturalmente, de fatores
macroeconômicos e de suas características individuais. Entre estas, destacam-se
idade, gênero, nível educacional, experiência profissional anterior, duração do
desemprego ou inatividade e a existência de filhos. Entre os aspectos macro, a
demanda agregada por trabalho, os gastos governamentais com políticas de
emprego, os regimes de regulação do mercado de trabalho, os benefícios oferecidos
à população desempregada e a natureza da ligação entre o sistema educacional
foram identificados como relevantes (RUSSELL & O’CONNELL, 2001).
Com relação ao processo e ao grau de sucesso desta transição, Tchibozo (2002)
aponta para quatro diferentes abordagens: determinista, aleatória, caótica e
estratégica. De acordo com a abordagem determinista, a família e a origem sócio-
econômica seriam as principais responsáveis pelos resultados da transição. A
80
perspectiva randômica estabelece que o curso da transição é essencialmente
aleatório e que as decisões individuais têm pouca influência sobre os resultados
alcançados. A abordagem caótica se assemelha à randômica, mas atribui papel
importante às primeiras experiências, que seriam inclusive responsáveis por eliminar
os possíveis impactos da família e da origem sócio-econômica. Por fim, a
abordagem estratégica estabelece que o processo de transição da escola para o
trabalho é explicado pelas decisões individuais.
Considerando-se a perspectiva estratégica, os agentes fazem escolhas intencionais
(mas não necessariamente racionais) levando em conta (1) o comportamento dos
outros agentes (empregadores, governo), (2) sua história e ambiente social e (3) o
fato de que contam com informações limitadas sobre o mercado de trabalho ou, em
outras palavras, de que precisam lidar com a complexidade e a incerteza
(TCHIBOZO, 2002). Neste estudo, procuramos analisar as estratégias adotadas pelo
jovem em sua busca por um espaço no mercado de trabalho, em linha com esta
última perspectiva.
Além da literatura sobre a transição para a vida adulta, as teorias de carreira
também compõem o pano de fundo para o presente estudo, dada sua importância
para o entendimento das escolhas e estratégias profissionais. A este tema
dedicamos a próxima seção, na qual fazemos um resgate das diversas teorias que
buscam explicar o conceito.
3.7 A CARREIRA PROFISSIONAL
3.7.1 Definição
O conceito de carreira, compartilhado por diferentes perspectivas teóricas, é definido
por Arthur, Hall & Lawrence (1989) como a sequência de experiências de trabalho de
uma pessoa ao longo da vida. De acordo com os autores, uma carreira reflete a
relação entre a pessoa e os “provedores de posições sociais”, ou seja, instituições e
organizações, e como essa relação evolui ao longo do tempo. Nesse sentido, a
noção de carreira envolve a conexão entre aspectos internos (identidade) e externos
ao indivíduo (posição na sociedade).
Apesar de haver definições mais estreitas do conceito de carreira, associadas à
noção de progresso, assumiremos aqui, em linha com Arthur, Hall & Lawrence
81
(1989), entre outros, que qualquer pessoa que trabalha tem uma carreira. Desta
forma, os jovens universitários, foco deste estudo, a partir do momento em que
começam a pensar sobre possíveis caminhos profissionais e a se preocupar com
sua inserção no mercado de trabalho, estão construindo uma carreira profissional.
3.7.2 Teorias de carreira
As teorias de carreira podem ser classificadas em quatro tipos (SONNENFELD &
KOTTER, 1982 apud ARTHUR, HALL & LAWRENCE, 1989). O primeiro, de cunho
sociológico, preocupa-se com a relação entre a origem sócio-econômica e os
resultados da carreira. O segundo foca-se em aspectos psicológicos e procura
investigar as diferenças interpessoais e suas implicações em termos de escolhas
ocupacionais. Um terceiro tipo, cuja origem remonta à sociologia e à psicologia, tem
como foco os estágios da carreira que acompanham a escolha e o desenvolvimento
profissional. Por fim, o quarto e mais recente tipo, com origem na psicologia, busca
investigar o percurso da vida adulta e a relação entre a carreira e outras atividades
igualmente importantes para as pessoas.
Além da psicologia e da sociologia, outras ciências também vêm dando sua
contribuição ao estudo da carreira, incluindo a antropologia, que investiga as fases
da carreira enquanto ritos de passagem, a ciência política, com foco nas
necessidades de poder, riqueza, prestígio e autonomia, e a economia, cuja ênfase
se dá na distribuição das oportunidades de trabalho e no acúmulo de capital humano
(ARTHUR, HALL & LAWRENCE, 1989).
Com relação às teorias psicológicas, cabe ressaltar, por sua tradição, aquelas que
buscam compreender como são feitas as escolhas profissionais, assumindo que a
escolha de uma ocupação, a adaptação a essa escolha e o sucesso na carreira são
produtos de duas forças que interagem entre si: a pessoa e o ambiente (BETZ,
FITZGERALD & HILL, 1989). O modelo conceitual (matching model) proposto por
Parsons no início do século passado marca o início dessas teorizações. De acordo
com o modelo, uma escolha ótima de carreira dependeria de três passos: o auto-
conhecimento, o conhecimento do ambiente de trabalho e o uso de algum método
de adequação entre as características pessoais e as do ambiente. Os trabalhos de
Super (1953) e Holland (1973) também merecem destaque, por terem estimulado
um grande número de pesquisas empíricas e também pela influência exercida sobre
82
aqueles que trabalham com orientação vocacional. Por sua relação com o modelo
teórico que iremos propor no próximo capítulo, deixaremos a apresentação mais
detalhada dessas teorias para o capítulo 5, onde discutimos o modelo à luz das
teorias existentes.
Com relação às teorias sociológicas, Barley (1989) observa que a primeira noção
sociológica de carreira foi desenvolvida na Escola de Chicago e destaca o trabalho
desenvolvido por Hughes, que assim definia o conceito de carreira:
Uma carreira consiste, objetivamente, de uma série de posições sociais e ofícios claramente definidos (...). Subjetivamente, uma carreira é aquela perspectiva através da qual a pessoa vê sua vida como um todo e interpreta o significado de seus diferentes atributos, ações e daquilo que acontece consigo (HUGHES, 1937 apud BARLEY, 1989).
O trabalho de Hughes e seus alunos levaram ao desenvolvimento de quatro temas
relacionados à sua conceituação de carreira. Em primeiro lugar, está a “dualidade
ontológica”, representada pela fusão de aspectos objetivos e subjetivos.
Objetivamente, a carreira corresponde a uma sequência de posições sociais e
situações por meio da qual o indivíduo avalia seus movimentos no meio social.
Subjetivamente, considera-se os significados que a pessoa atribui à sua carreira ou
o sentido que ela atribui às suas realizações. O segundo tema diz respeito à carreira
enquanto uma série de ritos de passagem, termo utilizado na antropologia para
designar as ocasiões rituais em que uma pessoa passa por uma transformação em
sua posição social. O uso desta metáfora serve para enfatizar o fato de que uma
carreira se desenvolve em diferentes fases ao longo da vida, apesar de não estar
associada a mudanças temporalmente definidas, como no caso dos ritos de
passagem tradicionais (BARLEY, 1989).
O terceiro tema estabelece que as carreiras são propriedade da coletividade. Desta
forma, as escolhas de carreira estão sempre limitadas às possibilidades do contexto
social em que o indivíduo está inserido. Somente quando um caminho é reconhecido
como socialmente aceitável ele passa a ser percebido como uma possibilidade e,
nesse sentido, “as pessoas não fazem sua carreira, mas a carreira faz as pessoas”
(BARLEY, 1989, p. 51). Além disso, os grupos de referência têm um importante
papel na medida em que servem de modelo para as opções de carreira a serem
seguidas e dão pistas para o julgamento do progresso na carreira. Por fim, a carreira
representaria um elo de ligação entre o indivíduo e a estrutura social. Nesse sentido,
83
não apenas o indivíduo é moldado pelas instituições às quais pertence como
também é responsável por dar-lhes significado (BARLEY, 1989).
3.7.3 Novas modalidades de carreira
Outro tema que vem sendo abordado na literatura diz respeito ao surgimento de
novas formas de carreira, diferentes do modelo tradicional, segundo o qual a gestão
da carreira era essencialmente conduzida pela empresa e se pressupunha uma
relação de longo prazo. Arthur & Rousseau (1996), por exemplo, criaram o termo
“carreira sem fronteiras” (boundaryless career) para descrever um modelo de
carreira que, ao contrário da corporativa, é gerenciada pelo próprio trabalhador,
envolve múltiplos empregadores e exige dele investimentos em qualificação e na
construção de redes de relacionamento, além de flexibilidade funcional e mobilidade
geográfica.
Outro termo usado para registrar essa mudança é o de “carreira proteana”, cunhado
por Douglas T. Hall, em 1976. Seu objetivo era apontar para o surgimento de um
novo padrão de carreira, sob inteira responsabilidade do indivíduo e no qual os
critérios que definem o sucesso são subjetivos (HALL, 2004), em oposição à
ascensão dentro de uma organização que media o sucesso na carreira tradicional. O
termo “proteano” vem de Proteu, o personagem da mitologia grega que podia
assumir diversas formas, de acordo com sua vontade. Por essa razão, este adjetivo
vem sendo usado para representar a versatilidade, o mutável e a capacidade de
assumir várias formas, habilidades cada vez mais exigidas do trabalhador.
Se considerarmos as exigências que essas novas modalidades de carreira impõem
ao trabalhador, observa-se sua íntima relação com a ideia de empregabilidade de
iniciativa, discutida anteriormente. Nesse sentido, o trabalhador proteano (HALL,
2004), aquele que assume múltiplas formas e define sua própria trajetória, longe das
amarras da empresa, torna-se o novo ícone do mercado de trabalho.
3.8 O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
Nesta seção, apresentamos alguns dados referentes ao ensino superior no Brasil, já
que nosso objetivo é o de compreender a realidade de jovens que optaram por
buscar o diploma deste nível educacional. Começamos com alguns dados sobre a
evolução do ensino superior no Brasil e especificamente sobre os cursos da área de
84
Gerenciamento e Administração e, em seguida, discutimos as questões da evasão e
da avaliação da qualidade dos cursos e instituições.
3.8.1 Dados demográficos
A quantidade de pessoas, jovens e adultos, que busca a formação superior como
forma de garantir um espaço no mercado de trabalho vem crescendo de forma
significativa nos últimos 10 anos. Entre 1997 e 2007, o número de matrículas em
cursos de graduação presenciais cresceu mais de 150%, saltando de pouco menos
de 2 milhões para 4,88 milhões de alunos (INEP, 2000; 2009a). Desse total, 25% se
encontravam em instituições públicas e o restante em faculdades privadas.
Este forte crescimento foi viabilizado pelo aumento no número de instituições de
ensino superior e de cursos oferecidos, especialmente na iniciativa privada. Somente
entre 2002 e 2007, o número de IES subiu de 1637 para 2281, o que representa um
crescimento de 39,3% no período. Os cursos de graduação oferecidos, por sua vez,
tiveram um aumento ainda mais expressivo, de 63,1% nesses cinco anos. Em 2007,
havia 23.488 cursos de graduação presenciais, dos quais 2.886 (12,3%) ligados à
área de Gerenciamento e Administração (INEP, 2009a).
Também segundo o INEP (2009a), houve um aumento de 59,3% no número de
vagas oferecidas entre 2002 e 2007, quando foram abertas 2,82 milhões de vagas.
No entanto, desse total, apenas 1,48 milhão foram preenchidas, o que significa que
1,34 milhão ficaram ociosas. Concorreram a essas vagas um total de 5,191 milhões
de candidatos. Cabe ainda registrar que 757 mil pessoas concluíram a graduação
em 2007, valor que representa um crescimento de 62,3% em relação a 2002, cinco
anos antes.
Com relação aos cursos ligados à área de Gerenciamento e Administração, cumpre
registrar sua grande atratividade junto aos estudantes. De todos os existentes, os
dessa área responderam, em 2007, por 19% das vagas, 14% dos candidatos
inscritos e 19% dos ingressos, mais do que qualquer outro. Ingressaram nesses
cursos um total de 281 mil alunos, conforme mostra o quadro 3.1. O segundo
conjunto de cursos com maior número de ingressos foi o da área de Educação, com
235 mil alunos, seguido pelo curso de Direito, com 157 mil. Também é interessante
observar a variedade de ênfases e enfoques entre os cursos dessa área do
conhecimento (INEP, 2009b).
85
Quadro 3.1 – Vagas, candidatos e ingressos no ensino superior (2007)
Áreas / Programas / Cursos Vagas
Oferecidas Candidatos
Inscritos Ingressos
Básicos / Programas Gerais 425 2.953 412 Educação 484.087 704.707 235.449 Humanidades e Artes 111.026 189.583 52.009 Ciências Sociais, Negócios e Direito 1.186.859 1.934.762 634.274 Ciências, Matemática e Computação 277.264 495.705 140.337 Engenharia, Produção e Construção 223.147 507.095 129.906 Agricultura e Veterinária 45.584 147.551 30.267 Saúde e Bem-Estar Social 396.324 1.097.527 221.701 Serviços 99.226 111.877 37.600 Total 2.823.942 5.191.760 1.481.955 Ciências Sociais, Negócios e Direito 1.186.859 1.934.762 634.274 Gerenciamento e administração 526.364 749.572 281.227 Administração 389.321 565.532 212.625 Administração bancária 80 90 50 Administração de agronegócios 340 1.309 208 Administração de cooperativas 442 285 155 Administração de empresas 6.432 18.339 3.808 Administração em comércio exterior 416 407 153 Administração em marketing 1.238 963 523 Administração hospitalar 4.832 4.541 1.844 Administração hoteleira 120 11 4 Administração industrial 100 418 100 Administração pública 4.295 12.861 1.847 Administração rural 200 43 - Ciências gerenciais 430 287 196 Competências gerenciais 19.031 17.027 8.555 Empreendedorismo 30 201 30 Gestão ambiental 270 941 234 Gestão da ciência 1.000 4.806 848 Gestão da segurança 3.380 4.799 1.646 Gestão de comercio 12.233 7.949 4.282 Gestão de empresas 50 42 29 Gestão de negócios 280 142 48 Gestão de negócios internacionais 180 215 100 Gestão de pessoal / recursos humanos 33.395 40.057 19.103 Gestão de qualidade 3.285 2.542 1.394 Gestão financeira 21.606 23.838 8.996 Gestão logística 23.378 41.927 14.449
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do INEP (2009b).
86
Por fim, é importante registrar que havia 799 mil alunos matriculados em cursos de
Gerenciamento e Administração em 2007, o que corresponde a 16% do total de
matrículas, e que 120 mil novos administradores se graduaram em 2007, número
também equivalente a 16% do total de formandos (INEP, 2009b).
3.8.2 Evasão na educação superior
O crescimento do ensino superior no Brasil nos remete à questão da evasão escolar.
Em outras palavras, cabe-nos questionar até que ponto as pessoas que ingressam
numa faculdade chegam a, efetivamente, concluí-la. No Brasil, a evasão anual
média observada entre 2001 e 2005 foi de 22%20, um percentual elevado se
considerarmos que atinge aproximadamente um em cada cinco estudantes
universitários. Comparativamente a outros países, a taxa de evasão brasileira situa-
se num nível um pouco inferior ao de outros países latino-americanos, à exceção de
Cuba, mas superior ao de diversos países da OCDE (LOBO, MOTEJUNAS,
HIPÓLITO & LOBO, 2007).
Diversos fatores podem estar contribuindo para esse resultado, incluindo a
insatisfação com o curso escolhido, dificuldade em conciliar trabalho e estudo, por
conta do horário de aulas, e falta de tempo, em função de compromissos familiares
tais como o cuidado com filhos menores (ANDRIOLA, ANDRIOLA & MOURA, 2006).
Como o estudo citado foi realizado numa universidade pública, o problema da falta
de recursos para pagamento da mensalidade não aparece, mas este pode ser um
outro importante motivador da evasão entre alunos de instituições privadas.
No quadro 3.2 apresentamos algumas informações sobre a evasão no ensino
superior brasileiro. Conforme se pode observar, a evasão é mais elevada nas
instituições privadas do que nas públicas, e nas faculdades, relativamente a
universidades e centros universitários – corroborando a hipótese de que problemas
financeiros podem levar ao abandono do curso. Com relação às regiões, cumpre
registrar a menor evasão verificada na região Norte.
20 Para o cálculo deste percentual, foi feita uma “comparação entre o número de alunos que estavam matriculados num determinado ano, subtraídos os concluintes, com a quantidade de alunos matriculados no ano seguinte, subtraindo-se deste último total os ingressantes desse ano. Assim, mede-se a perda de alunos de um ano para outro: a evasão anual” (LOBO, MOTEJUNAS, HIPÓLITO & LOBO, 2007, p. 5).
87
Quadro 3.2 – Evasão no ensino superior brasileiro: média 2001-2005
Por Categoria Administrativa
Públicas 12% Por Região Geográfica Privadas 26% Norte 16%
Nordeste 21% Por Organização Acadêmica Sudeste 22%
Universidades 19% Sul 22% Centros Universitários 19% Centro-Oeste 23% Faculdades 29%
Média geral: 22%
Fonte: Lobo, Motejunas, Hipólito & Lobo (2007), com base em dados do INEP.
No quadro 3.3, apresentamos os cursos de graduação que apresentaram as maiores
e as menores taxas de evasão em 2005, de um total de 47 cursos analisados
(LOBO, MOTEJUNAS, HIPÓLITO & LOBO, 2007)21. Cabe ressaltar a baixa taxa de
evasão observada nos cursos de Medicina e Odontologia e a taxa de 33% para o
curso de Administração, bem acima da média geral. Com relação a esses
resultados, é possível especular que as carreiras onde o papel da vocação, aqui
entendida como a identificação por parte da pessoa de que ela possui as habilidades
e aptidões, ou seja, a inclinação necessária ao exercício de determinada profissão,
tende a ser mais relevante, como a medicina e a odontologia, apresentam evasão
mais baixa do que cursos como o de Administração, Marketing e Publicidade, e
Ciências da Computação, cuja amplitude de possibilidades profissionais torna menos
direta a relação entre as inclinações percebidas e o exercício da profissão. Além
desse aspecto, também é possível especular que cursos cujas perspectivas
profissionais sejam mais difíceis ou limitadas tenham uma taxa de evasão maior.
Esse pode ser o caso, por exemplo, de cursos como o de matemática e física.
Independentemente do tipo de curso, porém, é possível considerar que a evasão
será tanto maior quanto menor for o conhecimento do estudante a respeito do curso
e da profissão a ele associada – habilidades necessárias, disciplinas a serem
cursadas e perspectivas profissionais.
21 Foram excluídos do quadro os dados relativos a cursos de formação de professores, por conta de distorções circunstanciais apontadas pelos próprios autores.
88
Quadro 3.3 – Evasão por curso de graduação em 2005
Curso % Curso %
Matemática 44% Medicina 5%
Marketing e Publicidade 36% Odontologia 9%
Educação Física 34% Pedagogia 11%
Física 34% Agronomia 11%
Administração 33% Engenharia Elétrica 11%
Processamento da Informação 31% Geografia 12%
Ciências da Computação 30%
Design e Estilismo 27%
Jornalismo 26% Fonte: Lobo, Motejunas, Hipólito & Lobo (2007), com base em dados do INEP.
3.8.3 Avaliação de cursos e instituições de ensino
Em resposta ao aumento no número de instituições de ensino, especialmente no
setor privado, e evidenciando uma preocupação do Estado com a oferta de um
ensino superior de qualidade no país, em 2004 foi criado o SINAES – Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior –, que tem por objetivo avaliar a
qualidade dos cursos e instituições de ensino desse nível.
O sistema é composto por três instrumentos principais de avaliação:
� O ENADE, que mede o desempenho dos estudantes;
� A avaliação dos cursos de graduação, que busca avaliar a organização didático-
pedagógica, o corpo docente e técnico-administrativo e as instalações físicas,
além do desempenho do corpo discente medido pelo ENADE;
� A avaliação institucional, que busca mensurar a qualidade das instituições de
ensino superior como um todo.
De acordo com o INEP22, o ENADE tem por objetivo medir o desempenho dos
estudantes “com relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes
curriculares dos cursos de graduação, o desenvolvimento de competências e
habilidades necessárias ao aprofundamento da formação geral e profissional, e o
nível de atualização dos estudantes com relação à realidade brasileira e mundial”.
22 Informações extraídas do website do INEP (www.inep.gov.br) acessado em setembro de 2009.
89
O ENADE dos cursos de Administração foi realizado uma única vez, em 2006, e em
2009 está prevista a realização de mais um exame, seguindo a diretriz que prevê
uma periodicidade trienal de avaliação para cada curso. No quadro 3.4 a seguir,
apresentamos a lista dos cursos cujos alunos fizeram o ENADE, incluindo o que está
previsto para o final de 2009.
Quadro 3.4 – Cursos avaliados no ENADE
Ano Cursos
2004 Agronomia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional e Zootecnia.
2005 Arquitetura e Urbanismo, Biologia, Ciências Sociais, Computação, Engenharia (em 8 grupos), Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Matemática, Pedagogia e Química.
2006 Administração, Arquivologia, Biblioteconomia, Biomedicina, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Comunicação Social, Design, Direito, Formação de Professores (Normal Superior), Música, Psicologia, Secretariado Executivo, Teatro e Turismo.
2007
Agronomia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Tecnologia em Agroindústria, Tecnologia em Radiologia, Terapia Ocupacional e Zootecnia.
2008
Arquitetura e Urbanismo, Biologia, Ciências Sociais, Computação, Engenharia, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Matemática, Pedagogia e Química, e os Cursos Superiores de Tecnologia em Construção de Edifícios, Alimentos, Automação Industrial, Gestão da Produção Industrial, Manutenção Industrial, Processos Químicos, Fabricação Mecânica, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Redes de Computadores e Saneamento Ambiental.
2009 (previsto)
Administração, Arquivologia, Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Comunicação social, Design, Direito, Estatística, Música, Psicologia, Relações Internacionais, Secretariado Executivo, Teatro e Turismo e os Cursos Superiores de Tecnologia em Design de Moda, Gastronomia, Gestão de Recursos Humanos, Gestão de Turismo, Gestão Financeira, Marketing e Processos Gerenciais.
Fonte: INEP.
Na próxima e última seção, apresentamos informações diversas a respeito do jovem
brasileiro e um levantamento bibliográfico sobre a produção científica nacional que
investiga este grupo.
90
3.9 O JOVEM E OS JOVENS BRASILEIROS
Antes de abordarmos aspectos da realidade dos jovens brasileiros, cabe uma breve
discussão a respeito do que se entende por jovem e por juventude. Em primeiro
lugar, é importante ressaltar que juventude é uma categoria histórica e socialmente
construída e que, portanto, tem variado ao longo do tempo, juntamente com a faixa
etária daqueles que são considerados jovens. “São arbitrários culturais e regras
socialmente construídas que determinam em que momento e por meio de que rituais
de passagem se muda de uma fase da vida para a outra” (NOVAES & VANNUCHI,
2004, p. 10).
Sposito & Carrano (2003), por sua vez, mostram que a juventude tem sido entendida
como uma etapa do ciclo de vida marcada por incertezas e instabilidades, e
associada a determinados “problemas sociais”, cujo entendimento e debate também
têm variado ao longo do tempo. Segundo os autores, em determinados contextos
ganham destaque os “atributos positivos dos segmentos juvenis”, mas em outros são
enfatizados os desvios de conduta e as dificuldades vividas por esse grupo
(SPOSITO & CARRANO, 2003, p. 19).
Considerando-se tais colocações, o presente estudo se insere no debate sobre um
dos “problemas sociais” vividos pelos jovens, o da inserção profissional,
reconhecendo as incertezas e os dilemas intrínsecos a esta fase da vida.
3.9.1 Dados demográficos
A faixa etária do grupo considerado jovem não é consenso entre os pesquisadores.
No Brasil, as estatísticas populacionais oficiais, publicadas pelo IBGE, consideram
jovens aqueles com idade entre 15 e 24 anos, fase que corresponderia à transição
da adolescência para a vida adulta. De acordo com Frigotto (2004), porém, em
alguns países são considerados jovens pessoas com até 32 anos. Em função do
alongamento da expectativa de vida e da maior complexidade da transição da
adolescência para a vida adulta, Pochmann (2004a, p. 221) defende “o alargamento
da faixa etária circunscrita à juventude para algo entre 16 e 34 anos de idade”.
Na seleção dos entrevistados para esta pesquisa, admitimos jovens com até 29 anos
de idade. Em linha com Pochmann (2004a), observamos que, no caso daqueles com
menor poder aquisitivo, o ingresso no ensino superior tende a ser retardado em
função de atrasos anteriores (no ensino fundamental e/ou médio), questões
91
financeiras e/ou dificuldade de aprovação no vestibular, o que por sua vez tende a
ser decorrência de um ensino médio de baixa qualidade. Além disso, o tempo de
permanência no curso de graduação também pode ser maior, novamente em função
de questões financeiras e/ou porque o trabalho concomitante à educação dificulta a
conclusão do curso. Por fim, esta flexibilização de faixa etária nos permitiu incluir na
pesquisa jovens que, por diferentes razões, se encontravam num segundo curso de
graduação, ou que optaram por ingressar no ensino superior depois de algum tempo
de trabalho técnico, o que foi enriquecedor.
De acordo dados da PNAD, em 2008 havia 49,8 milhões de jovens entre 15 e 29
anos, equivalente a 26,2% da população total. Aqueles com idade entre 15 e 24
anos, considerados nas estatísticas e estudos sobre emprego e desemprego na
juventude, totalizavam 33,5 milhões, ou 17,7% da população total. Os jovens com
idade entre 18 e 24 anos, contemplados nas pesquisas sobre frequência ao ensino
superior, somavam 23,2 milhões – ver quadro 3.5 (IBGE, 2009b).
Quadro 3.5 – População residente por grupos de idade
(em 1.000 pessoas)
Faixa Etária Brasil % sobre o total de
jovens % sobre o total da
população
15 a 17 anos 10.290 20,7% 5,4% 18 a 19 anos 6.681 13,4% 3,5% 20 a 24 anos 16.561 33,3% 8,7% 25 a 29 anos 16.239 32,6% 8,5% Total 15-29 anos 49.771 100,0% 26,2% Outros totais 15-24 anos 33.532 17,7% 18-24 anos 23.242 12,2% 18-29 anos 39.481 20,8% População Total 189.953
Fonte: Elaboração própria com dados da PNAD 2008 (IBGE, 2009b).
No quadro 3.6 a seguir, apresentamos alguns indicadores a respeito da educação da
juventude brasileira. Como se pode observar, temos apenas 14% dos jovens com
idade entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior, sendo 12% entre os que
têm 18 ou 19 anos, e 15% entre o grupo de 20 a 24 anos. Também vale registrar
que há 34% de jovens com 18 ou 19 anos ainda cursando o ensino fundamental ou
92
médio, o que significa que sua educação sofreu atrasos (por repetência ou
abandono) ou começou tardiamente.
Quadro 3.6 – Indicadores educacionais da juventude
(em 1.000 pessoas)
Faixa Etária População
Frequência à escola
Total Alfab. Fundam. Médio Superior (*)
Valor Absoluto
18 a 19 anos 6.681 3.075 11 458 1.829 777 20 a 24 anos 16.561 4.007 27 404 1.132 2.444
Total 23.242 7.082 38 862 2.961 3.221
% do total da faixa etária
18 a 19 anos 46% 0% 7% 27% 12% 20 a 24 anos 24% 0% 2% 7% 15%
Total 30% 0% 4% 13% 14% Fonte: Elaboração própria com dados da PNAD 2008 (IBGE, 2009b). (*) Inclui mestrado e doutorado.
Frigotto (2004) argumenta que os jovens brasileiros representam um grupo bastante
heterogêneo e, por essa razão, considera mais apropriado utilizarmos o termo
“juventudes”, especialmente se levarmos em conta as realidades dos jovens
brasileiros de diferentes classes sociais. Uma importante diferença diz respeito à sua
inserção no mercado de trabalho. Enquanto os filhos da classe trabalhadora se
inserem no mercado de trabalho, formal ou informal, de forma precoce e
frequentemente precária, grande parte dos jovens das classes média e alta retarda
essa transição. Além disso, o nível de remuneração no mercado de trabalho, o
acesso à escola, o tempo de escolaridade e a qualidade do ensino estão
intimamente relacionados à origem social do jovem (FRIGOTTO, 2004).
Com relação ao acesso à escola e ao tempo de escolaridade, é importante registrar
que a situação tem melhorado, apesar de ainda ser extremamente desigual. A
introdução de legislação que impõe limites ao trabalho de crianças e adolescentes e
os programas de apoio financeiro às famílias de baixa renda com filhos em idade
escolar (como o Bolsa Família) permitiram uma ampliação significativa do tempo de
escolaridade de jovens oriundos das classes populares. Ainda hoje, no entanto,
93
apenas 58% dos jovens brasileiros com idade entre 16 e 19 anos estão fora do
mercado de trabalho e apenas 61% estudam (IBGE, 2009b) – de acordo com
Pochmann (2004a), muitos deles fora de sua respectiva série escolar.
A postergação da entrada no mercado de trabalho é fundamental para a ampliação
da qualificação do jovem e para a melhoria de suas condições no mercado de
trabalho. Por ingressar mais cedo no mercado de trabalho e, portanto, com menos
tempo de escolaridade, os jovens mais pobres acabam ocupando posições com
menor remuneração e menores chances de ascensão. Por outro lado, os jovens
oriundos das classes média e alta, por possuírem melhores condições de
financiamento de sua inatividade, chegam ao mercado de trabalho com mais tempo
de escolaridade, em condições de obter posições melhores e mais bem
remuneradas (POCHMANN, 2004a). Pesquisas realizadas em outros países
também evidenciam que o retardamento da entrada no mercado de trabalho e a
obtenção de mais tempo de escolaridade são fatores importantes para o sucesso
profissional do jovem (RUSSELL & O’CONNELL, 2001).
No presente estudo, nos focamos nos jovens que optaram pela educação
universitária e, apesar de termos nos concentrado em instituições de ensino mais
conceituadas, pelas razões já expostas, encontramos jovens de diferentes estratos
sócio-econômicos, o que contribuiu para enriquecer o conteúdo da análise.
3.9.2 Pesquisas sobre o jovem brasileiro
Nesta última parte da revisão de literatura, apresentaremos os resultados de um
levantamento bibliográfico de estudos que tiveram como foco o jovem brasileiro,
realizado em novembro de 2007, publicados em revistas científicas nacionais ou
apresentados nos encontros da ANPAD – Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Administração. Nosso objetivo foi evidenciar a carência de estudos a
respeito do jovem e sua relação com o trabalho, especialmente os que buscam a
formação universitária.
Para tanto, pesquisamos, em primeiro lugar, a biblioteca eletrônica SciELO Brasil,
que na época continha por 230 periódicos nacionais, distribuídos entre diferentes
áreas do conhecimento, conforme apresentado no Quadro 3.7.
94
Quadro 3.7 – Periódicos por área do conhecimento
Área Nº de periódicos
Ciências Agrárias 26
Ciências Biológicas 27
Ciências da Saúde 67
Ciências Exatas e da Terra 21
Ciências Humanas 53
Ciências Sociais Aplicadas 21
Engenharias 13
Linguística, letras e artes 02
Total 230
Fonte: SciELO Brasil, 2007 (http://www.scielo.br).
A pesquisa bibliográfica foi realizada utilizando-se o recurso da busca por assunto,
disponível no website desta base de dados (http://www.scielo.br), através do qual é
possível identificar todos os assuntos abordados nos textos existentes. Partimos das
palavras “jovem” e “juventude” e realizamos duas buscas, considerando as seguintes
palavras no campo assunto:
� Jovem, jovem trabalhador, jovens, jovens e adultos, jovens e educação, jovens
executivos;
� Juventude, juventude brasileira, juventude e educação, juventude e gênero, juventude e trabalho, juventudes.
Na primeira busca obtivemos um total de 79 artigos. Considerando apenas os artigos
das áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, chegamos a um total
de 57 artigos23. Na segunda busca, obtivemos 49 artigos e todos foram incluídos na
análise. Desta forma, pudemos identificar um total de 106 artigos nacionais que
abordam o tema do jovem e/ou da juventude. Após esta seleção, partimos para a
leitura dos resumos dos mesmos e sua categorização por temas, conforme
apresentado no Quadro 3.8. Sete artigos foram excluídos por tratarem de jovens de
outras nacionalidades e outros três porque discutiam questões relativas à
metodologia da pesquisa.
23 Os outros artigos eram das áreas de ciências da saúde e de ciências agrárias.
95
Quadro 3.8 – Artigos nacionais sobre os jovens
Área Nº de
Artigos % do total
Jovens & Trabalho 7 7%
Educação de jovens e adultos 22 23%
Educação de jovens 9 9%
Violência, delinquência e comportamento de risco 12 13%
Sexualidade & saúde sexual 10 10%
Mídia & cultura jovem 9 9%
Inserção social, ser jovem, socialização 7 7%
Raça e gênero 6 6%
Políticas públicas voltadas para o jovem 4 4%
Relações familiares e intergeracionais 4 4%
Consumo 2 2%
Religião 1 1%
Engajamento político 1 1%
Imigração 1 1%
Tempo / Futuro 1 1%
Total 96 100%
Dos 96 artigos restantes, apenas sete (7%) discutem a questão do jovem e sua
relação com o trabalho. Identificamos, ainda, que o tema mais recorrente é o da
educação (31 artigos, ou 32% do total), com 22 artigos sobre a educação de jovens
e adultos e 9 que discutem especificamente a educação da perspectiva do jovem. O
segundo tema mais abordado é o da violência e outros comportamentos de risco,
que inclui o consumo de álcool e drogas, com 12 artigos publicados. Em seguida
aparecem os temas da sexualidade e da saúde sexual, com 10 artigos, e o das
manifestações culturais do jovem, incluindo sua relação com a mídia, com 9 artigos.
Dos sete artigos que abordam o trabalho da perspectiva do jovem, dois utilizam
metodologias quantitativas. Um faz uma análise do perfil sócio-econômico de jovens
metalúrgicos e outro analisa a relação entre as idades em que ocorrem as transições
de saída da escola, entrada no mercado de trabalho e formação da família. Dois
estudos utilizam metodologias qualitativas. Um aborda a inserção profissional dos
jovens no campo da economia solidária e do associativismo e o outro discute os
sentidos do trabalho para jovens executivos brasileiros (MORIN, TONELLI &
PLIOPAS, 2007). Dois outros estudos fazem uma discussão teórica a respeito da
96
relação entre escola e trabalho (POCHMANN, 2004b; NAKANO & ALMEIDA, 2007).
Por fim, o estudo que mais se aproxima daquele que pretendemos realizar aborda,
com base em dados qualitativos e quantitativos, as percepções de jovens
metalúrgicos sobre as mudanças organizacionais e tecnológicas por eles
vivenciadas (MARTINS, 2001). No entanto, este artigo investiga jovens operários,
dos quais apenas 4,2% tinham o ensino superior incompleto ou completo.
A segunda parte da pesquisa bibliográfica foi realizada no website da ANPAD
(http://www.anpad.org.br). O recurso de pesquisa disponível nos permitiu identificar,
entre os artigos apresentados nos eventos promovidos pela associação, aqueles
que contivessem as palavras “jovem” ou “jovens” no título ou no resumo do mesmo.
Foram encontrados 14 artigos que continham a palavra “jovem” e 46 artigos com a
palavra “jovens” (excluindo os que se repetiram em relação à busca anterior). Deste
total de 60 artigos, 21 foram excluídos por não tratarem especificamente da
população jovem brasileira24 e os 39 restantes abordam diferentes temas a respeito
do jovem, apresentados no Quadro 3.9 a seguir. Conforme se pode observar, o
jovem enquanto consumidor tem recebido mais atenção do que o jovem em sua
relação com o trabalho.
Quadro 3.9 – Artigos apresentados em eventos da ANPAD
Área Nº de
artigos % do total
Trabalho & carreira 7 23%
Marketing para jovens e consumo de jovens 16 52%
Projetos sociais voltados para jovens 4 13%
Políticas públicas relacionadas ao jovem 4 13%
Educação 3 10%
Socialização organizacional 1 3%
Processo sucessório 1 3%
Treinamento & desenvolvimento 1 3%
Moral dos jovens executivos 1 3%
Percepções sobre o Estado 1 3%
Total 39 100%
24 Muitos artigos foram excluídos em função do sistema de busca, que se dá no resumo do artigo e não por assunto. Resumos que continham, por exemplo, as expressões “empresa jovem”, “disciplina jovem”, “mais jovem”, etc. foram selecionados na busca, mas não dizem respeito especificamente à população jovem.
97
Dos sete artigos que abordam o tema do trabalho e carreira, um discute exatamente
a questão da transição da universidade para o mercado de trabalho, mas adota uma
abordagem apenas descritiva junto a uma amostra de 20 jovens (MELO & BORGES,
2005). Com base em entrevistas semi-estruturadas, as autoras procuraram
investigar os seguintes tópicos:
� Percepção da transição universidade-mercado de trabalho;
� Avaliação da universidade;
� Avaliação do mercado de trabalho;
� Percepção das dificuldades para conseguir emprego;
� Percepção das facilidades para conseguir emprego;
� Imagem da profissão;
� Projetos futuros de trabalho.
Dois artigos investigam a questão da formação da identidade de jovens
trabalhadores de empresas multinacionais e os quatro restantes abordam os
seguintes temas, sendo os três primeiros a partir de abordagens quantitativas e o
último através de uma análise qualitativa:
� A percepção de 45 jovens recém-formados a respeito do trabalho em uma
empresa estatal, comparativamente ao trabalho em empresas privadas (HEMAIS,
CARVALHO & AZEVEDO, 2002);
� Percepções de 202 jovens universitários – que se encontravam trabalhando no
momento da pesquisa – a respeito do mercado de trabalho, incluindo as razões
da escolha da empresa em que trabalham, os aspectos valorizados e não
valorizados nestas empresas e o conceito de profissional de sucesso (COIMBRA
& SCHIKMANN, 2001);
� As atitudes em relação ao trabalho e à busca de emprego junto a 13 jovens de
baixa renda que se encontravam, no momento da pesquisa, procurando emprego
(RABIA, CHRISTOPOULOS, PINTO & GRISOLIA, 2006);
� As respostas de 120 jovens universitários às perguntas “o que é trabalho” e “o
que não é trabalho” (OLIVEIRA & SILVEIRA, 2007).
A partir desta análise da produção científica nacional, podemos concluir que os
temas da relação do jovem universitário com o seu trabalho e de sua inserção no
98
mercado de trabalho têm sido pouco investigados, o que contribui para relevância do
estudo aqui proposto.
99
4. RESULTADOS
4.1 ORGANIZAÇÃO DO CAPÍTULO
Neste capítulo são apresentados os resultados da análise dos dados. Em primeiro
lugar, traçamos um perfil dos entrevistados, incluindo informações demográficas e
uma breve descrição do histórico pessoal e familiar de cada um. Em seguida
discutimos alguns temas que emergiram como relevantes durante o processo de
análise. A última parte do capítulo é dedicada à apresentação do modelo teórico
fundamentado nos dados, como previsto na metodologia da grounded theory.
4.2 PERFIL DOS ENTREVISTADOS
Conforme definido na metodologia, a seleção dos sujeitos englobou jovens com
alguma experiência profissional (de estágio ou trabalho) e oriundos de cursos de
Administração que obtiveram nota máxima no ENADE. O primeiro critério teve por
objetivo enriquecer o conteúdo da entrevista e o segundo foi adotado para dar maior
homogeneidade ao grupo estudado, uma vez que, nas etapas iniciais da pesquisa,
foi possível observar que a qualidade e a reputação da faculdade têm um impacto
não desprezível sobre as perspectivas profissionais dos alunos. Isto porque muitas
empresas tendem a privilegiar, em seus processos seletivos, jovens oriundos dessas
faculdades, e também pela relação que existe entre a qualidade da IES e o nível
sócio-econômico dos alunos, o que também impacta suas perspectivas profissionais,
por razões que serão aqui discutidas.
Desta forma, este estudo busca analisar a situação de jovens que se encontram
numa posição relativamente privilegiada na busca por um espaço no mercado de
trabalho, o que é importante na medida em que a maioria dos estudos sobre a
juventude brasileira olha para as camadas menos favorecidas.
Entrevistamos 31 jovens, sendo 15 homens e 16 mulheres. Todos possuíam, na
data da entrevista, idade entre 20 e 28 anos25. Apenas uma é casada e os demais
são solteiros. Estas e outras informações constam do quadro 4.1 a seguir. Os nomes
foram trocados para preservar o anonimato dos respondentes e, conforme se pode
observar, a escolha foi feita de forma que a ordem das entrevistas correspondesse à
25 Média = 22,1; moda = 20; mediana = 22 anos.
100
ordem alfabética de nomes, de forma a facilitar a localização dos entrevistados
durante a leitura.
Quadro 4.1 – Perfil dos entrevistados
No. Nome Fictício Sexo Idade
(1) Estado
Civil IES Ano
ingresso (2)
Ano saída
(3)
Data entrevista
Duração entrevista
(min.)
E1 Adriana F 22 Solteira ESPM 2005 2008 11/09/07 74
E2 Aline F 20 Solteira ESPM 2005 2008 11/09/07 51
E3 Antonio M 23 Solteiro ESPM 2005 2008 23/10/07 67
E4 Bernardo M 20 Solteiro UFRJ 2005 2009 24/01/08 77
E5 Carlos M 20 Solteiro IBMEC 2005 2009 22/02/08 82
E6 Celso M 20 Solteiro IBMEC 2006 2009 28/02/08 106
E7 Cristiane F 23 Solteira IBMEC 2003 2008 24/06/08 51
E8 Daniel M 20 Solteiro PUC-RJ 2006 2010 14/07/08 61
E9 Douglas M 22 Solteiro PUC-RJ 2003 2009 14/07/08 59
E10 Eliane F 25 Solteira PUC-RJ 2000 2009 15/07/08 49
E11 Elisa F 20 Solteira PUC-RJ 2006 2009 15/07/08 77
E12 Ernesto M 23 Solteiro PUC-RJ 2003 2009 24/07/08 101
E13 Fernando M 22 Solteiro CEFET 2004 2009 24/07/08 59
E14 Gabriela F 24 Solteira FGV 2002 2008 16/09/08 98
E15 Gisele F 21 Solteira FGV 2005 2008 19/09/08 49
E16 Guilherme M 24 Solteiro FGV 2005 2010 19/09/08 77
E17 Heitor M 20 Solteiro FGV 2006 2009 25/09/08 50
E18 Helena F 20 Solteira FGV 2006 2009 26/09/08 67
E19 Jacqueline F 21 Solteira UFF 2005 2009 07/10/08 78
E20 Joana F 24 Solteira UFF 2005 2009 07/10/08 70
E21 Joaquim M 23 Solteiro UFF 2004 2009 16/10/08 32
E22 Leila F 20 Casada UERJ 2006 2009 08/06/09 75
E23 Mateus M 21 Solteiro UFRJ 2006 2009 15/06/09 29
E24 Mauro M 28 Solteiro UFRJ 2003 2009 15/06/09 51
E25 Nelson M 22 Solteiro ESPM 2006 2010 02/07/09 38
E26 Paula F 22 Solteira UERJ 2006 2010 02/07/09 44
E27 Regina F 23 Solteira UFRJ 2004 2009 03/07/09 52
E28 Reinaldo M 25 Solteiro UFRJ 2002 2009 09/07/09 87
E29 Rosana F 21 Solteira UFRJ 2006 2010 09/07/09 34
E30 Ruth F 26 Solteira UFRJ 2004 2009 09/07/09 90
E31 Sabrina F 20 Solteira UERJ 2006 2009 09/07/09 47 (1) Idade na data da entrevista. (2) Corresponde ao ano de ingresso no primeiro curso de graduação. (3) Data esperada de conclusão do curso de graduação em Administração.
101
O gráfico 4.1 a seguir mostra o número de entrevistados em cada uma das
instituições de ensino. Considerando-se o tipo de IES, tivemos 17 de faculdades
privadas e 14 de instituições públicas.
Gráfico 4.1 – Entrevistados por Instituição de Ensino
45
3
5
1
3 3
7
ESPM FGV IBMEC PUC-RJ CEFET UERJ UFF UFRJ
Privadas: 17 Públicas: 14
No gráfico 4.2 apresentamos a distribuição dos entrevistados por idade. Conforme
se pode observar, a maior parte se concentra na faixa que vai dos 20 aos 23 anos.
Gráfico 4.2 – Entrevistados por idade
10
45 5
32
1 0 1
20 anos 21 22 23 24 25 26 27 28
102
A seguir apresentamos uma breve descrição de cada um dos entrevistados, com
aspectos de sua realidade por eles enfatizados durante a entrevista e que tendem a
ser relevantes para o entendimento de sua trajetória de carreira, incluindo vivências
pessoais e a trajetória profissional dos pais, irmãos e outros parentes e amigos
próximos.
4.2.1 Adriana
Os pais de Adriana se separaram quando ela tinha sete anos. Ela e a irmã mais
velha ficaram morando com a mãe, que alguns anos depois casou-se novamente e
teve mais um filho. Seu padrasto faleceu e ela tem pouco contato com o pai, que
mora numa outra cidade do estado do Rio de Janeiro. Conforme ela nos informa,
"proximidade é zero".
O pai estudou Engenharia de Computação, trabalhou como professor em
faculdades, mas parece nunca ter se estabilizado em atividade alguma. Atualmente
tem uma empresa própria, que também não vai muito bem. A mãe é formada em
História, mas nunca trabalhou na área. Tinha um cargo administrativo num curso de
inglês, mas parou de trabalhar quando o terceiro filho (meio-irmão de Adriana)
nasceu. Hoje trabalha autonomamente corrigindo provas de inglês. Adriana observa
que a mãe nunca precisou se preocupar com trabalho, já que recebe uma pensão do
pai, que era militar: “ela nunca teve que trabalhar, nunca teve que se preocupar com
isso, trabalha meio que para ter um extra, tem a pensão".
Adriana parece viver num ambiente harmonioso e se sente confortável em usar o
espaço da família para desabafar e extravasar as vivências e dificuldades no
trabalho.
4.2.2 Aline
Aline nasceu e cresceu em Niterói. Seus pais se separaram quando tinha sete anos
(assim como Adriana) e ela vive desde então com a mãe e uma irmã mais velha.
Tem pouco contato com o pai e parece sentir um certo ressentimento disso.
A mãe é formada em educação física, mas nunca trabalhou na profissão. Atualmente
estuda filosofia e teologia e dá aulas de crisma. A irmã estuda medicina e adora o
que faz. Aline fala com bastante orgulho da irmã que, segundo ela, “nasceu para
isso”.
103
Aline parece conviver muito bem com a família, à exceção do pai, recebendo apoio e
estímulo em relação à sua vida profissional.
Minha mãe é maravilhosa, minha irmã também, meus avós são ótimos, adoro eles, meus primos todos, tenho contato com todo mundo. Minha família é muito boa, eles dão muito incentivo a tudo, não sei, uma educação boa, eu gosto da minha família. (Aline)
4.2.3 Antonio
Antonio mora com a mãe num apartamento alugado na Tijuca. É filho único e perdeu
o pai quando tinha entre 12 e 13 anos. Antes de falecer, o pai teve um acidente
vascular cerebral e ficou paralisado, passando a depender bastante da família para
se movimentar. O pai concluiu o ensino médio e trabalhava como gerente de vendas
numa loja de jóias localizada no Saara, tradicional centro comercial do Rio de
Janeiro. A mãe concluiu apenas o ensino fundamental e trabalhou por 20 anos como
vendedora nesta mesma loja. Atualmente atua como autônoma vendendo jóias e
roupas e conta com a ajuda de Antonio nas despesas da casa.
4.2.4 Bernardo
Bernardo mora no bairro do Flamengo com a mãe, uma irmã e um irmão mais
velhos, sendo portanto o caçula da família. Os pais se separaram quando ele tinha
um ano de idade. O pai é ausente e sequer contribui com o sustento da família, que
fica integralmente por conta da mãe. Bernardo diz que sua vida em casa é tranquila,
“convivência boa”.
A mãe é economista e trabalha no Tribunal de Contas do Estado e a irmã é formada
em Direito e trabalha no TRT – ambas são concursadas. O irmão é formado em
Estatística e trabalha numa empresa de pesquisa de marketing. O pai é economista
do IBGE. Interessante observar que, apesar dos exemplos da família, Bernardo não
pensa no concurso público como uma opção de carreira.
4.2.5 Carlos
Carlos mora com os pais e duas irmãs, uma mais velha e outra mais nova. O pai é
engenheiro e fez carreira no mercado financeiro. A mãe é arquiteta e trabalhou a
vida inteira com moda. Ao comentar o fato de que seus pais seguiram carreiras não
relacionadas à graduação que cursaram, ele ressalta “eu acho que é meio tradição
na família fazer uma coisa e [trabalhar com outra]”. Carlos está cursando
104
Administração, mas pretende trabalhar com cinema, decisão que tomou ainda no
ensino fundamental.
A irmã mais velha está fazendo faculdade de Comunicação nos Estados Unidos e o
desejo do pai era que ele também estudasse fora. Carlos, porém, optou por ficar no
Brasil, por acreditar que a construção de redes de relacionamento no país será
importante para sua carreira. Ele pretende, no entanto, fazer pós-graduação no
exterior.
4.2.6 Celso
Celso mora com os pais, um irmão mais novo e uma irmã mais velha, que está
cursando Comunicação Social na ESPM. O pai é formado em Engenharia
Metalúrgica e atualmente está abrindo uma construtora. A mãe formou-se em
Engenharia Civil e trabalha como designer numa empresa multinacional.
Os pais de Celso são de Niterói, mas ele nasceu em Manaus. A família se mudou
para lá porque o pai foi trabalhar para uma empresa na Zona Franca de Manaus.
Mais tarde abriu uma construtora com alguns sócios, também em Manaus. Nesse
período, a mãe terminou o curso de Engenharia na Universidade Federal do
Amazonas, fez mestrado e passou a trabalhar como professora. Alguns anos depois,
conseguiu uma bolsa do CNPq para fazer doutorado nos Estados Unidos.
A família se mudou para lá, onde permaneceu por oito anos, período em que Celso
tinha entre quatro e doze anos. Ao longo desse tempo, a mãe terminou o doutorado
e foi trabalhar numa empresa americana, enquanto o pai ficou como “dono de casa”,
já que não tinha autorização para trabalhar. Possivelmente por conta dessa
experiência do pai, Celso acredita que a vida pessoal, mais especificamente o
casamento, pode atrapalhar o desenrolar de sua vida profissional.
4.2.7 Cristiane
Cristiane perdeu o pai, arquiteto, quando tinha dois anos de idade. Segundo ela, o
pai tinha uma veia empreendedora, já que costumava comprar casas para reformar
e revender por um preço mais alto. A família vivia em Florianópolis, cidade onde
Cristiane nasceu, mas retornou para o Rio de Janeiro após a morte do pai. A mãe
casou-se novamente, mas se separou alguns anos depois.
105
Atualmente Cristiane mora com a mãe, uma arquiteta museógrafa – especializada
no desenvolvimento de espaços para museus e exposições – que sempre trabalhou
como autônoma. O irmão mais velho, que mora sozinho, estudou Design e também
trabalha como autônomo. A experiência da mãe e do irmão parece ter feito com que
Cristiane rejeitasse a ideia da vida autônoma e almejasse um emprego formal.
Eu vi minha mãe a vida inteira sem renda certa. Eu acho que isso pesou um pouco. Eu acho que o fato de você estar empregado e ter a sua certeza, dá uma segurança que eu não tive, que eu não vi minha mãe ter. Aqueles altos e baixos deixa todo mundo muito [inseguro]. (Cristiane)
4.2.8 Daniel
Daniel mora na Vila da Penha com a mãe, a irmã mais velha e a avó materna. Os
pais se separaram quando ele tinha entre sete e oito anos. Ele diz manter contato
com o pai, mas a participação da mãe em suas escolhas de carreira parece ser mais
intensa. Ela é formada em História e trabalha como funcionária pública concursada
no Centro Cultural da Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde. Seu trabalho
envolve a montagem de exposições e pesquisas históricas nesta área. O pai foi
jogador de futebol na década de 80 e hoje trabalha na comissão técnica das divisões
de base de um grande clube carioca. Segundo Daniel, tanto o mãe como a pai
gostam muito do que fazem. A irmã fez faculdade de Arquivologia na UNIRIO e
atualmente está cursando Ciências Contábeis na UFRJ.
4.2.9 Douglas
Douglas morou no Rio de Janeiro até os dez anos, quando mudou-se com a família
para Friburgo. Sua mãe estava com medo da violência – sofria de síndrome do
pânico – e todos acharam melhor uma mudança para uma cidade menor. Quando
começou a faculdade, passou a morar com os avós em Niterói. Tem uma irmã um
ano mais velha, que estuda Letras com habilitação em tradução na PUC-RJ.
Seu pai é médico. Atua em hospitais como funcionário público e possui um
consultório próprio que, segundo Douglas, dá prejuízo. A mãe também é funcionária
pública e trabalha como coordenadora pedagógica de uma escola do município de
Friburgo. O avô está aposentado como fiscal da Alfândega (funcionário público
federal) e a avó nunca trabalhou. Interessante observar que Douglas não parece
106
falar com orgulho do fato de que seus familiares são funcionários públicos. Ele
mesmo não pensa em fazer concurso, apesar de valorizar a segurança no trabalho.
4.2.10 Eliane
Eliane mora com os pais e uma irmã mais velha em Ipanema. O pai é engenheiro
formado pelo IME. Tinha uma empresa de engenharia com o pai dele (avô de
Tatiana), mas a empresa fechou quando ele morreu. Estudou para concurso e hoje é
auditor fiscal. A mãe é engenheira química formada pela PUC-RJ e também é
funcionária pública, atuando na Eletronuclear. A irmã mais velha fez Engenharia de
Telecomunicações na PUC-RJ e trabalha numa grande empresa deste setor.
4.2.11 Elisa
Elisa mora com os pais e um irmão um ano mais novo em Campo Grande, bairro
que fica a uma grande distância da universidade onde estuda e de seu local de
trabalho. Os pais de Elisa não fizeram curso superior. A mãe é “do lar” e o pai
trabalha como preposto para uma empresa terceirizada da Petrobras. Eles
chegaram a ter uma ótica no bairro em que moram, justamente com o avô de Elisa,
mas decidiram se desfazer do negócio após sua morte. O irmão mais novo estuda
Administração na UFRRJ. Ele passa a semana na casa da avó, que mora em
Seropédica, e retorna para casa nos finais de semana.
4.2.12 Ernesto
Ernesto é filho do segundo casamento dos pais, que se uniram quando tinham
aproximadamente 35 anos. Tem uma irmã de 41 e um irmão de 40 anos do primeiro
casamento da mãe. O pai não teve filhos no primeiro casamento. A mãe casou-se
pela primeira vez com 18 anos e só começou a fazer faculdade depois da
separação. Estudou Letras na PUC-RJ, mas nunca chegou a trabalhar na área.
Sempre gostou de pintura em porcelana e apenas mais recentemente começou a
dar aulas e a pintar “com intuitos comerciais”, nas palavras de Ernesto.
Hoje em dia, além de pintar, digamos, com intuitos comerciais, ela também dá aula de pintura em porcelana. Além de ser dona de casa. (Ernesto)
O pai é formado em Direito na UERJ, mas fez carreira como executivo de empresas
do setor de seguros. Fez dois cursos de pós-graduação, na PUC e na Universidade
107
de Bristol, na Inglaterra, este último antes de conhecer a atual esposa, mãe de
Ernesto.
4.2.13 Fernando
Fernando mora com os pais no bairro do Maracanã. Possui uma irmã oito anos mais
velha, que mora com o marido no mesmo prédio. Seu pai fez carreira no Banco
Boavista, foi demitido quando o banco foi vendido e nunca mais se recolocou no
mercado de trabalho formal. Chegou a cuidar da cantina do prédio onde moram e
atualmente é taxista e aposentado pelo INSS. Nunca concluiu o curso de graduação
em Administração, optando por se dedicar exclusivamente ao trabalho: "meu pai
começou Administração, mas largou por causa do banco". A vivência do pai parece
ter sido marcante para Fernando, que afirma que nunca trabalharia em banco.
A mãe é formada em Serviço Social, trabalhou como funcionária pública estadual no
Hospital Pedro Ernesto e hoje está aposentada. A irmã é formada em Pedagogia,
fez mestrado e entrou para o doutorado. Ela leciona na UERJ e está envolvida em
alguns projetos de consultoria.
4.2.14 Gabriela
Gabriela é a caçula de uma família de 4 filhos. O irmão mais velho é casado e tem
dois filhos, a irmã está separada, e o irmão mais próximo (quatro anos mais velho) é
solteiro e trabalha em São Paulo. Gabriela saiu da casa dos pais recentemente e
está morando com uma amiga.
O pai é médico radiologista, assim como o irmão mais velho. Ambos trabalham para
diferentes clínicas e hospitais. A irmã é dentista e o irmão mais próximo é designer,
formado pela PUC-RJ. A mãe de Gabriela é americana e atua como professora de
inglês e tradutora. Possui vínculo com algumas instituições, mas também trabalha
como freelancer.
4.2.15 Gisele
Gisele nasceu em São Paulo e veio para o Rio de Janeiro quando tinha dois anos. A
família é do interior daquele estado e, segundo ela, "de origem muito, muito
simples". Atualmente mora com a mãe e o irmão, que é dois anos mais velho do que
ela. Os pais estão separados há sete anos. Diz que todos se dão bem, mas parece
108
ter uma relação especialmente mais próxima com a mãe, que trabalha há muitos
anos como secretária executiva de uma grande empresa multinacional e possui
apenas o ensino médio, já que começou a trabalhar cedo e sempre precisou
contribuir para o sustento da família.
O pai é dono de uma empresa que revende autopeças para veículos de grande
porte (tratores, caminhões). Começou a estudar Administração, mas depois mudou
para Engenharia Mecânica. O irmão é formado em Comunicação Social pela ESPM
e trabalha numa agência como redator publicitário.
4.2.16 Guilherme
Guilherme nasceu no Méier e aos 12 anos se mudou para Bento Ribeiro, onde mora
com os pais e uma irmã mais nova. O pai possui apenas o ensino médio e é
funcionário concursado do Ministério da Saúde. A mãe foi dona de um salão de
beleza, fechou para fazer faculdade de estética e agora está tentando montar um
novo negócio na área. A irmã mais nova estuda Informática na Universidade Estácio
de Sá.
Guilherme parece ter recebido pouco estímulo dos pais e parentes próximos, muitos
dos quais militares, para ingressar no ensino superior. Segundo ele, a mentalidade
de seus familiares, que não seria muito diferente da de outras famílias também mais
pobres, é a da busca da estabilidade de um emprego público.
Como eu venho de uma família de classe média, pobre assim, a maior parte da minha família não tem nível superior. Uma boa parte são funcionários públicos, são militares, entendeu? E eu observo (...) que a maior parte das pessoas, que são de classe média e para baixo, elas querem ser funcionário público, para viver tranquilamente, ver que não vai passar [necessidade], não vai ter problema nenhum, não vai ficar desempregado. E minha família não é diferente disso. (Guilherme)
4.2.17 Heitor
Heitor mora com os pais e uma irmã mais nova em uma casa no bairro do Grajaú,
onde também vivem outros parentes. Os pais são donos de uma loja num shopping
da região. A mãe trabalha como vendedora e o pai atua como administrador do
negócio. Segundo Heitor, seu pai “começou de baixo, como camelô”, e nunca
chegou a cursar o ensino superior. A mãe é formada em Economia, mas nunca
109
exerceu a profissão. Como teve filhos nova, optou por cuidar da família. Apenas
mais recentemente começou a trabalhar, ajudando o marido na loja que possuem.
4.2.18 Helena
Helena nasceu e foi criada em Cabo Frio. Só se mudou para o Rio de Janeiro
quando começou o curso de graduação em Administração. Morou sozinha por um
ano e meio, sustentada pelos avós maternos, e atualmente mora com a mãe, que
decidiu sair de Cabo Frio para ficar mais perto da filha. Os pais são separados e ela
tem uma irmã mais velha, formada em fisioterapia, que trabalha como professora de
pilates em Cabo Frio.
Os pais foram empresários do ramo de turismo. Tinham uma empresa na Argentina,
que praticamente faliu em 1999 com a crise daquele país, e depois em Búzios,
ambas com foco em turismo receptivo. Quando decidiram se separar, o pai
continuou com a empresa e a mãe passou a atuar como gerente de uma pousada
em Cabo Frio e, mais tarde, de um hotel no Rio de Janeiro. O pai chegou a estudar
Engenharia, mas nunca se formou. A mãe é formada em Biologia e, mais velha, fez
faculdade de Turismo & Hotelaria.
O exemplo dos pais da Helena parece tê-la desestimulado a pensar numa carreira
empreendedora, já que ela os viu tendo dificuldades por problemas que fugiam ao
seu controle. Nesse sentido, a vida de empregado é vista como mais fácil do que a
de empresário: "ser gerente de pousada também não é tranquilo, mas é bem mais
fácil do que ser dono, onde todas as responsabilidades caem sobre você".
4.2.19 Jacqueline
Jacqueline viveu por quatro anos em Brasília com os pais e seus dois irmãos mais
velhos, e voltou para Niterói quando estava concluindo o ensino médio. Depois do
retorno, seus pais se separaram e atualmente ela vive com a mãe e os irmãos. A
família recebe pensão do pai e, por isso, ela não precisa ajudar em casa. Em
contrapartida, cuida de suas despesas pessoais e não pede mais dinheiro aos pais.
O pai é dentista e trabalhou na Marinha até se aposentar. O irmão mais velho
formou-se em Direito, largou tudo e hoje faz faculdade de Cinema na Universidade
Estácio de Sá. O outro irmão estuda Ciência da Computação na UERJ e faz estágio
110
na IBM. A mãe é dona de casa, “fez faculdade de Psicologia, mas não se formou.
Largou tudo para criar os filhos".
4.2.20 Joana
Joana mora em São Gonçalo com os pais e uma irmã três anos mais nova do que
ela. O pai é gerente de informática de uma empresa de software líder no mercado de
sistemas ERP para empresas de transporte. A mãe concluiu o ensino médio e
trabalha há muitos anos como revendedora da Natura. A irmã estuda Educação
Física na UFRJ e parece já ter certeza do que quer profissionalmente – trabalhar
com deficientes físicos. Joana acha admirável o prazer e a certeza da irmã em
relação ao trabalho. "Ela ama, de paixão. Ela é novinha e já está certa que quer
fazer isso. É ótimo".
Joana fala com muito orgulho da trajetória do pai, que só tem o ensino fundamental.
Começou como boy numa empresa de transporte rodoviário, foi trabalhar no
departamento pessoal (DP), chegou a chefe do DP e depois foi para a empresa de
informática onde está até hoje, gozando de status e prestígio pelo conhecimento e
experiência que possui. Esse exemplo mostra que a carreira tradicional seguida por
muitos pais ainda serve de exemplo para os jovens de hoje.
4.2.21 Joaquim
Joaquim mora em Niterói com a mãe. Os pais se separaram em 2001 e nenhum dos
dois casou novamente. Tem duas irmãs mais velhas que já são casadas e uma irmã
por parte de pai, hoje com 18 anos.
O pai é dono de uma casa lotérica e de uma loja que vende biscoitos e doces. A
mãe é formada em Pedagogia e trabalha com educação de jovens e adultos. As
irmãs são formadas em Nutrição e Fisioterapia e trabalham nas suas respectivas
áreas.
4.2.22 Leila
Leila casou-se no início de 2009 e até então vivia com os pais e um irmão quatro
anos mais velho. O pai está atualmente aposentado. Por causa de problemas com
bebida alcoólica, afirma Leila, “ele não teve muita oportunidade de crescimento
profissional”. Seu último trabalho antes da aposentadoria foi como bilheteiro do
111
Metrô. A mãe é funcionária pública estadual. Foi contratada como merendeira, mas
está desviada de função e atualmente trabalha no departamento pessoal de uma
escola pública. Ambos só concluíram o ensino médio. O irmão também fez concurso
público (nível médio) e trabalha como agente de saúde. Segundo Leila, ele não
gosta do que faz no trabalho e pretende, após concluir o curso de Mecânica
Industrial que está em andamento, buscar oportunidades no mercado privado.
4.2.23 Mateus
Mateus vem de uma família pobre, que não parece dar muito valor aos estudos e à
educação superior. Sua mãe é supervisora de caixa de uma rede de supermercados
e o pai trabalha como autônomo fazendo manutenção de ar condicionados. Ambos
estudaram até o ensino médio. Ele conseguiu entrar na faculdade com alguma
dificuldade, mas tem muitos sonhos – e medos – em relação ao futuro.
O meu objetivo maior é o sucesso na carreira, o crescimento, porque a minha família não tem um histórico de sucesso profissional, de grandes feitos, de grandes posições. Então eu quero sair desse grupo, quero iniciar uma nova história, pra fazer diferente. (Mateus)
Mateus mora com a mãe e dois irmãos mais novos, que ainda estão no ensino
médio. Os pais se separaram há alguns anos.
4.2.24 Mauro
Mauro mora com os pais no Méier. Ele tem uma irmã mais velha que mora sozinha e
é funcionária pública. Seu pai é formado em Engenharia Elétrica e trabalhou por
muitos anos como funcionário público concursado da Rede Ferroviária Federal,
empresa pela qual se aposentou. Depois disso, continuou trabalhando, inicialmente
para grandes empresas do setor de telecomunicações e atualmente como
autônomo, desenvolvendo projetos de eletricidade. Segundo Mauro, “meu pai é meio
workaholic, se ele parar de trabalhar ele sente muita falta”.
A mãe era professora do município, mas pediu exoneração para acompanhar o
marido, que havia sido transferido para Juiz de Fora, e também para ter mais tempo
para cuidar da família que estavam planejando construir. Depois disso, nunca mais
trabalhou.
112
4.2.25 Nelson
Nelson mora com os pais e uma irmã mais nova em Vila Valqueire. O pai é
empresário – tem uma pizzaria, um açougue e é sócio de uma fábrica de gelo – e a
mãe gerencia um mercadinho do qual é associada. Ambos começaram a faculdade,
mas nenhum dos dois chegou a se formar. O pai estudou Administração, mas
desistiu por causa do trabalho, enquanto a mãe abandonou o curso de Biologia após
engravidar de Nelson.
4.2.26 Paula
Paula mora em Cascadura com os pais e uma irmã. Ela é a caçula de uma família
de três filhos e a primeira a optar por um curso universitário. O irmão primogênito é
fuzileiro naval, casado e pai de dois filhos, e a outra irmã trabalha como estoquista
num supermercado. O pai é motorista autônomo de Kombi e a mãe é dona de casa.
Ambos concluíram apenas o ensino médio.
4.2.27 Regina
Regina e o irmão três anos mais velho foram morar com a mãe após a separação
dos pais. Algum tempo depois a mãe se casou com um paulista, passando a ficar
uma semana com os filhos, em Niterói, e uma semana com o marido, em São Paulo.
O pai também casou-se novamente e vive com a esposa em Niterói.
Tanto o pai quanto a mãe de Regina são dentistas. Eles chegaram a ter um
consultório juntos, mas desfizeram a sociedade após a separação. Logo em
seguida, o pai foi trabalhar com o pai dele, avó de Regina, que tinha uma
construtora. A empresa faliu e o pai está atualmente desempregado e fazendo
faculdade de Direito. A mãe também está desempregada e com dificuldades de se
estabelecer profissionalmente, já que se divide entre duas cidades. O irmão é
museólogo, fez mestrado em Museologia e está fazendo doutorado em Antropologia
na UFF.
4.2.28 Reinaldo
Reinaldo é paulista e mora sozinho no Rio de Janeiro desde que começou o curso
de Administração na UFRJ. Seus pais se separaram quando ele tinha sete anos.
Ambos são professores universitários. O pai é engenheiro mecânico, com doutorado
113
na Inglaterra. É professor da USP e tem uma empresa de consultoria na área. A mãe
é bióloga e professora da UFMG.
Segundo Reinaldo, ele cresceu “pelo mundo”. Já morou em São Paulo, Inglaterra,
Belo Horizonte, Alemanha e Campinas. Atualmente, o pai mora em São Paulo e a
mãe em Belo Horizonte. Tem ainda uma irmã mais velha que mora em Campinas e
é formada em Engenharia de Alimentos pela Unicamp.
4.2.29 Rosana
Rosana mora com os pais e um irmão dois anos mais novo no Ingá, em Niterói. O
pai é engenheiro mecânico, a mãe é engenheira civil e o irmão estuda Direito na
UFF.
O pai fez carreira trabalhando em estaleiros, a maior parte do tempo com
suprimentos. Quando foi demitido de seu último emprego, optou por estudar para
concurso público e atualmente trabalha na área de suprimentos da Embrapa. A mãe
trabalhou por 22 anos na Vale do Rio Doce, foi demitida e também está pensando
em fazer concurso público. Rosana fez concurso para a Embrapa, estimulada pelo
pai, e atualmente exerce uma função de nível médio naquele órgão.
4.2.30 Ruth
Ruth foi criada pela madrinha de batismo de seu pai, a quem ela chama de mãe de
criação. Ela é fruto de uma relação fortuita e nunca teve qualquer contato com a mãe
biológica.
Eu conheci minha mãe biológica, mas ela não teve participação nenhuma na minha vida, literalmente participação nenhuma, nem boa, nem má, vamos dizer assim. (Ruth)
Ela morou a maior parte da vida com a mãe de criação, o marido e duas irmãs de
criação. Viveu com o pai quando tinha entre oito e doze anos, mas não parece ter
gostado muito da experiência, em função de dificuldades de relacionamento com a
madrasta. Aos 20 anos, saiu de casa para morar com uma amiga.
O pai de criação foi dono de auto-escola, mas nos últimos anos de vida atuava como
autônomo. A mãe de criação sempre trabalhou na secretaria de uma escola. O pai
biológico foi policial civil no Rio de Janeiro, concluiu o curso de Direito e há alguns
114
anos foi aprovado num concurso para Delegado no Espírito Santo, onde mora
atualmente.
4.2.31 Sabrina
Sabrina vive com os pais e um irmão mais novo, que ainda se encontra no ensino
médio. Os pais são donos de um pequeno colégio do ensino fundamental em
Campo Grande, bairro onde moram. O pai cuida da parte financeira do negócio,
enquanto a mãe, formada em Pedagogia, é responsável pela área pedagógica. O
pai concluiu apenas o ensino médio, já que precisou começar a trabalhar para ajudar
no sustento da família após o falecimento inesperado do pai. Antes de abrirem a
escola, com recursos que o pai tinha economizado, a mãe trabalhou num abrigo
para menores infratores e foi diretora de uma creche do município.
4.3 TEMAS RELEVANTES
4.3.1 O que ser quando crescer? Começando a pensar a carreira
Praticamente todos os entrevistados afirmam ter pensado na vida profissional ainda
na infância, procurando responder à tradicional pergunta “o que você quer ser
quando crescer?” Esses pensamentos frequentemente surgiam por estímulo de pais
ou parentes próximos, refletindo a importância do trabalho em nossa sociedade e o
papel da família neste processo. Apenas Adriana, Eliane e Gabriela afirmam que só
vieram a refletir sobre a carreira durante o ensino médio. Uma delas, porém, dizia
que seus familiares se encarregavam de pensar por ela, evidenciando mais uma vez
o papel da família no estímulo do interesse da criança pelo trabalho.
Bernardo também diz não ter refletido muito sobre o que gostaria de ser e seu caso
é interessante na medida em que tinha “talento” para o desenho e a música, que
poderiam tê-lo estimulado a seguir uma carreira numa dessas áreas. No entanto, ele
parece ter mais vivido seus talentos do que vislumbrado neles alternativas
profissionais. Chega a considerar o curso de Design, mas na época do vestibular
descarta a possibilidade de seguir uma carreira ligada ao desenho ou à música,
possivelmente por não se mostrar disposto a enfrentar os sacrifícios associados a
uma carreira mais voltada para o lado artístico.
Quando eu era mais novo eu desenhava muito bem, eu tenho essa parte de criatividade muito boa, sempre toquei violão, e sempre dei para essas
115
coisas. Mas aí eu perdi um pouco o interesse na época do vestibular, e comecei a saber de Administração e me interessei. (...) Eu ainda gosto, mas não tenho mais aquele saco, assim, de ficar tocando duas horas por dia, que era, tinha, era necessário. (Bernardo)
Os sonhos da infância de cada um dos entrevistados são apresentados na segunda
coluna do quadro 4.2. Junto às jovens mulheres, a profissão de professora é a que
mais aparece – cinco vezes em dezesseis –, e entre os homens predomina o sonho
do prazer, da fama e da riqueza associados à carreira de jogador de futebol. Cinco
dos quinze jovens do sexo masculino mencionam esse desejo, nas palavras de
Nelson, “pelo dinheiro e porque é divertido jogar futebol, você faz com prazer”.
A terceira coluna do quadro traz as ideias de carreira que passaram pela cabeça do
jovem durante o ensino médio. Tais considerações já se mostram bem mais
alinhadas aos cursos de graduação existentes, refletindo sua intenção de cursar o
ensino superior e possivelmente o ajuste de suas expectativas à disponibilidade de
cursos de graduação.
O quadro 4.2 também contém os cursos tentados na época do vestibular (colunas
Vestibular 1 e Vestibular 2). Alguns jovens não foram aprovados no vestibular no
primeiro ano e, por essa razão, voltam a fazer no ano seguinte, conforme aparece na
coluna Vestibular 2 (os jovens aprovados na primeira tentativa têm essa coluna em
branco). Apenas Antonio fez vestibular mais de duas vezes – para Informática e
Ciência da Computação, sem sucesso, por dois anos consecutivos, e para
Administração na IES onde trabalha nos dois anos seguintes, conseguindo ser
aprovado na segunda tentativa.
Cinco jovens, cujos nomes estão em destaque, só optaram pela Administração
depois de fazer, integral ou parcialmente, um outro curso de graduação. Para esses
jovens, a coluna Vestibular 1 contém o primeiro curso de graduação que fizeram, e a
coluna Vestibular 2 mostra a sigla ADM e a forma de ingresso no curso de
Administração, dado que nem todos precisaram fazer um novo teste.
116
Quadro 4.2 – Ideias e escolhas de carreira
Nome Fictício
O que pensava na infância
Ideias no ensino médio
Vestibular 1 Vestibular 2
Adriana - Eventos PCULT / ADM / TUR
PCULT / ADM / CS / TUR
Aline Arquiteta ADM ADM / CS -
Antonio Médico, jogador de futebol, advogado, policial INF(1) INF (2 anos) ADM
Bernardo Designer, músico ADM ADM -
Carlos Jogador de futebol, cineasta Produção de Cinema ADM / CS -
Celso Dono de banco ADM / ENG ADM / ENG / TUR -
Cristiane Piloto de avião; comissária ARQ, Decoração, Moda ADM -
Daniel Jornalista JOR; Atleta ADM -
Douglas "alguma coisa voltada para ADM"
ADM / RI / ECO / CTB ADM / RI -
Eliane - CS CS ADM (diploma)
Elisa Médica, dentista, pediatra Hotelaria(1) CS / RP / ADM -
Ernesto Dono de empresa de design (sobrenome Corporation) ENG / ECO ENG ADM
(vestibular)
Fernando Palhaço, lixeiro ADM ADM / BIO -
Gabriela - ECO / DIR ECO / EST ADM (transferência)
Gisele Executiva de empresa ADM ADM -
Guilherme Jogador de futebol, cantor, desenhista INF(1) / ADM ADM ADM
Heitor Engenheiro aeronáutico; Presidente do Brasil
ADM / DIR / PSI / FIL / HIS ADM -
Helena Médica, atriz, modelo DIR / ECO / ADM DIR / ADM -
Jacqueline Professora, contadora CTB / RI / ADM ADM -
Joana Professora INF(1) CS / PCULT ADM
Joaquim Jogador de futebol CS CS / ADM / DIR ADM / DIR
Leila Professora, "mulher de negócios" ADM(1) ADM -
Mateus Advogado ADM ADM -
Mauro "MacGyver" Mecânica(1) ENG ADM / INF
Nelson Jogador de futebol INF(1) / PSI / ADM ECO / ADM -
Paula Jornalista, peleontóloga JOR / HIS / DIR / ADM(1) ADM / JOR -
Regina Veterinária, psicóloga PSI, BIO, LET, JOR PSI ADM
(vestibular)
Reinaldo Piloto de avião ENG.AER / C.AER ENG.Aer / ENG.Mec
ADM (vestibular)
Rosana Professora ADM / RI ADM -
Ruth Cirurgiã plástica RI / ADM ADM ADM
Sabrina Secretária, professora ADM / ENG ADM / ENG -
(1) Ensino médio técnico.
117
Eliane entra para Administração como portadora de diploma, já que havia se
formado em Comunicação Social. Ernesto cursa alguns anos de Engenharia, faz
vestibular para Administração e ao ser aprovado, tranca a matrícula no curso
anterior. Gabriela estuda Economia e Estatística por um ano, tranca matrícula no
curso de Estatística e, após três anos de graduação em Economia, decide pela
transferência interna para o curso de Administração. Regina começa a cursar
Psicologia na UFF e, após três anos de curso, decide fazer vestibular para
Administração, passando a cursar as duas faculdades simultaneamente (UFF e
UFRJ). Por fim, Reinaldo começa cursando Engenharia Mecânica, transfere-se
posteriormente para o curso de Engenharia Aeronáutica em outra universidade,
desiste depois de quatro anos de faculdade (no total), faz vestibular novamente e
ingressa no curso de Administração.
Analisando as informações da coluna Vestibular 1 para os 26 jovens que estão no
primeiro curso de graduação (excluindo-se, portanto, os cinco jovens que se
encontram na segunda graduação26), observa-se que metade deles fez prova para
mais de um curso. Esse resultado evidencia as dificuldades e incertezas vividas
nessa importante fase da carreira e mostra que as escolhas no vestibular são
orientadas não apenas pelos interesses profissionais, mas também (1) pelo receio
de não passar para o curso mais desejado e (2) como uma forma de proteção contra
tais incertezas, mesmo quando há um bom grau de clareza quanto aos interesses
profissionais.
O exemplo de Celso se encaixa no primeiro caso. Além do vestibular para
Engenharia e Administração, faz também para Turismo, especialmente por medo de
não ser aprovado nos outros dois. De fato, ele não consegue passar para
Engenharia, mas é aprovado no vestibular para Administração. Fernando, que se
enquadra no segundo caso, havia definido que queria estudar Administração para
trabalhar com marketing em empresas do setor de telecomunicações. No entanto, se
sente bastante confuso no terceiro ano do ensino médio e, estimulado por colegas,
faz vestibular também para Biologia, por gostar e ter facilidade com química no
26 Como o foco do estudo era a escolha do curso de Administração, na entrevista com alguns desses cinco jovens, não exploramos as tentativas feitas no primeiro vestibular. Por isso, eles foram excluídos desta análise.
118
colégio27. No seu caso, quando recebe o resultado positivo do vestibular para
Administração, nem chega a verificar se havia passado para Biologia.
Quando aprovados para mais de um curso, alguns inclusive optam por cursar dois
deles simultaneamente, para avaliar se tomaram a decisão certa. Isso é o que
aconteceu com Aline. Ela havia decidido que estudaria Administração para trabalhar
com marketing, ainda assim faz vestibular para Comunicação Social e Administração
e fica cursando-os simultaneamente por dois anos.
Para a UFF, por exemplo, tinha escolhido fazer jornalismo. Até passei, fiz 4 períodos de Jornalismo junto com Administração. Aí eu tranquei e não sei se eu vou voltar ou não. Não acho que a vale a pena porque meu objetivo mesmo é trabalhar com administração. Foi boa a experiência inicial, aprendi algumas coisas de escrita, técnicas, mas não é o que eu quero, não quero ser jornalista. (Aline)
A opção por múltiplos cursos de graduação na época do vestibular representa,
portanto, uma forma de aumentar as chances de aprovação, além de permitir ao
jovem ganhar um pouco mais de tempo até a decisão final sobre que caminhos
seguir, o que também está associado à opção de cursar, por um tempo, duas
faculdades simultaneamente.
Sobre os cinco jovens que optaram por Administração depois de já terem cursado,
total ou parcialmente um outro curso de graduação, constata-se que essa segunda
escolha é bem mais focada – todos optam apenas pelo curso de Administração –,
evidenciando sua maior experiência e maturidade.
Com relação à escolha da IES, observamos que muitos jovens fazem vestibular para
um grande número de faculdades, visando minimizar o risco de não aprovação e
também para ampliar o leque de opções de cursos, conforme será discutido mais à
frente.
4.3.2 Por que Administração?
A opção por Administração se dá por diferentes motivos. Na maior parte dos casos,
as razões podem ser comparadas às de outros cursos e profissões, mas parece
haver uma especificidade em relação à Administração, percebida como uma boa
27 Segundo informações que obteve junto aos seus colegas, quem gosta de química deve estudar Biologia, porque quem faz faculdade de Química só estuda matemática.
119
opção pelos jovens que chegam ao final do ensino médio sem nenhum interesse
mais concreto. A variedade de opções abertas ao administrador serve de atrativo e,
conforme apontado por mais de um entrevistado, “quem não sabe o que quer,
escolhe Administração”.
Na análise aqui apresentada, faremos uso dos dados qualitativos obtidos junto aos
entrevistados e também de uma pesquisa quantitativa com estudantes de uma das
IESs consideradas no estudo, conforme colocado no capítulo 2. No caso dos
entrevistados da fase qualitativa, identificamos a razão predominante e também as
motivações secundárias, conforme apresentado no gráfico 4.3 e discutido em
seguida.
Gráfico 4.3 – Por que Administração: pesquisa qualitativa
14
3 3 3
88 8
23
4
0
5
10
15
Interesse Perspectivas prof issionais
Adiamento da escolha Matérias do colégio Condições favoráveis
Razão principal Razão secundária
A primeira razão que leva à escolha do curso é o interesse efetivo pela profissão de
administrador, associado ao trabalho do administrador ou a uma imagem construída
em torno da profissão – usar terno e gravata ou tailleur e sapato alto, ser um(a)
alto(a) executivo(a). Também aqui inclui-se aqueles que têm interesse pelas
habilidades desenvolvidas no curso de Administração, como é o caso de Carlos, que
pretende ser produtor de cinema.
Outra razão está ligada às perspectivas profissionais abertas ao administrador. Por
ser um curso abrangente, em que o estudante desenvolve habilidades em diferentes
120
áreas, tais como marketing, finanças, recursos humanos, logística, etc., existe a
percepção de que isso facilitaria a inserção profissional. A lógica é a de que, se por
acaso uma área estiver ruim, é possível conseguir uma posição em outra. Ou que as
múltiplas habilidades desenvolvidas aumentariam o interesse das empresas por
esse tipo de profissional. Existe ainda a percepção de que o administrador é mais
valorizado e bem remunerado do que outros profissionais, tais como o jornalista e o
contador.
Além disso, a possibilidade de trabalhar em diferentes áreas parece exercer uma
atração sobre alguns jovens, possivelmente porque serviria de antídoto contra a
monotonia. No imaginário de alguns, não seria complicado trabalhar numa área por
um tempo e depois mudar para outra, apesar de sabermos que essas mudanças não
são tão fáceis quanto parecem, já que nos processos de recrutamento as
organizações acabam por priorizar profissionais que já tenham alguma experiência
anterior.
A variedade de opções profissionais abertas ao administrador representa, também, a
oportunidade de adiamento da escolha, e essa é outra importante razão que leva à
opção pelo curso de Administração. Para os que pensam assim, existe a percepção
de que a graduação em Administração abre múltiplas perspectivas profissionais, que
só precisariam ser pensadas mais à frente, durante o curso. Conforme aponta
Cristiane, “Administração é sempre uma possibilidade. Acho que todo mundo que
está em dúvida do que vai fazer, considera Administração”. Nesse sentido, o curso
de Administração é percebido como a opção para aqueles que não querem optar ou
que não sabem que caminho seguir. Também é uma alternativa para aqueles que
têm medo de errar. Nesse caso, a lógica é a de que, por ser mais abrangente, a
Administração minimiza o risco que o jovem percebe de não gostar do curso e ter
que começar tudo de novo, fazendo vestibular para um outro curso de graduação.
A habilidade e/ou o interesse por matérias cursadas no ensino médio também
orientam a escolha do curso de graduação. A facilidade e/ou o gosto por matemática
e por disciplinas mais “humanas”, tais como história e português, servem de estímulo
à escolha da Administração como curso de graduação. A razão pela qual se faz a
associação entre algumas matérias de colégio e o curso de Administração deve-se
às provas discursivas do vestibular. De alguma forma, o jovem parece considerar
que, se uma matéria recebe destaque no vestibular, através de sua escolha como
121
prova discursiva, ela deve ser necessária ao exercício da profissão. Além disso, a
facilidade que o aluno tem com a disciplina, que implica mais facilidade de
aprovação no vestibular (já que as provas discursivas são mais importantes),
também serve de estímulo. Cabe aqui destacar a fragilidade de uma escolha feita
com base desse critério, já que as matérias cobradas numa prova do vestibular (no
caso de Administração, usualmente são matemática e história) têm pouca relação
com o exercício da profissão de administrador. A hipótese que levantamos é a de
que este critério é tão mais importante quanto menor a consciência e conhecimento
do jovem a respeito de si mesmo e das diferentes profissões.
Por fim, entre os entrevistados foi possível associar a opção pelo curso de
Administração a condições favoráveis a tal escolha, tais como a possibilidade de
obtenção de uma bolsa de estudos, a facilidade de mudança (para os que
escolheram Administração depois de já estarem na faculdade, cursando outra
graduação) e a facilidade de aprovação no vestibular, relativamente a cursos mais
concorridos, como o de Comunicação Social e o de Engenharia.
Com relação à pesquisa quantitativa, havia a seguinte pergunta aberta: por que você
escolheu estudar Administração? As respostas foram lidas e classificadas pela
autora em sete categorias, apresentadas no Gráfico 4.4 a seguir.
Gráfico 4.4 – Por que Administração: pesquisa quantitativa
7%
14%
6%
3%
14%
38%
42%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Outras / Não respondeu
Para cuidar dos negócios da família / empreender
Inf luência familiar
Matérias que gostava no colégio
Adiamento da escolha
Perspectivas prof issionais
Interesse / gosto / identif icação com a administração
Resposta múltipla; N=153
122
Cabe registrar que uma mesma resposta pode ter sido enquadrada em mais de uma
categoria, já que para alguns a opção pelo curso de Administração é motivada por
mais de um aspecto. Por exemplo, vários jovens indicaram ter optado pelo curso em
função do gosto por Administração, mas também pela variedade de oportunidades
de trabalho.
Assim como na pesquisa qualitativa, as principais razões que levaram à opção pelo
curso são o interesse pela Administração e as perspectivas profissionais abertas ao
administrador. O adiamento da escolha e as matérias de interesse no colégio
também aparecem em ambas as pesquisas. A influência familiar e a perspectiva de
empreender ou cuidar dos negócios da família, no entanto, só foram encontradas na
pesquisa quantitativa, o que pode ser explicado se considerarmos que a IES onde
foi realizada a pesquisa quantitativa é conhecida por atrair filhos de empresários. Por
outro lado, as condições favoráveis só aparecem uma única vez na pesquisa
quantitativa (classificada como outras respostas / não respondeu). Essa diferença
pode ser explicada se considerarmos que tais condições favoráveis são observadas
entre jovens de classe sócio-econômica inferior, mais raros naquela IES.
Com relação à opção “adiamento da escolha”, selecionamos algumas respostas
representativas do pensamento de jovens que optaram por Administração por essa
razão, para ressaltar essa característica marcante do curso.
Pois é um curso abrangente em que posso conhecer um pouco de cada área. Sendo assim, após o término do curso posso procurar uma especialização na área que me identifiquei.
Por indecisão do que realmente queria. Como o curso de administração passa por diversas áreas, achei que seria o mais correto para mim. Agora que já sei o que quero, pretendo fazer um mestrado na área.
Por não saber muito bem a carreira que queria seguir, então achei que ADM me daria uma noção de áreas diferentes.
Porque não sabia o que fazer.
4.3.3 A escolha do curso de Administração como um processo
A partir do esforço de análise das diferentes razões que levaram à opção pelo curso
de graduação em Administração, identificamos que essa escolha pode ser entendida
como um processo. Com base no relato dos entrevistados, identificamos três
123
possíveis processos de escolha, que se diferenciam em função do grau de certeza
quanto aos interesses profissionais no momento da escolha – ver figura 4.1.
Figura 4.1 – O processo de escolha do curso de Administração
Interesse por Administração
ADM / ECO / RI / ENG / CTB ADM
A.Optando com consciência
Interesses difusos
ADM / CS / CTB DIR / ECO / ENG
INF / JOR / PCULT / RI / RP / TUR
Não tem ideia
Dá para passar no vestibular?Dá para cursar?
Como é o mercado de trabalho? E as alternativas profissionais?
ADM
Possíveis cursos identificados a partir das matérias de interesse no colégio
OU“Quem não sabe o que quer, escolhe ADM”
ADM
B. Fazendo cálculos e
concessões
C. Adiando a escolha
O primeiro processo, chamado de optando com consciência, foi observado entre
aqueles que já tinham o interesse pela administração identificado quando foram
fazer vestibular, seja em função da imagem que possuíam da profissão, do interesse
pela vida executiva ou por áreas da administração, ou ainda em função dos
conhecimentos que esperavam adquirir durante o curso. Nesses casos, a opção fica
limitada ao curso de Administração e a outros percebidos como similares, tais como
Economia, Relações Internacionais, Engenharia e Ciências Contábeis.
Naturalmente, como todos os entrevistados optaram pelo curso de Administração, o
processo culmina com essa escolha.
O segundo processo, chamado de fazendo cálculos e concessões, é observado
entre os jovens que apresentavam interesses difusos e/ou interesses percebidos
como pouco viáveis na época do vestibular, aqui incluindo jovens que viveram a
frustração de não serem aprovados para os cursos de sua preferência. Nesses
casos, o jovem se faz uma série de questionamentos:
� Dá para passar no vestibular? Alguns cursos considerados mais difíceis e
concorridos, como os de Engenharia e Comunicação Social, são descartados do
leque de opções. Há jovens que desistem antes mesmo de tentar o vestibular,
outros após uma ou mais tentativas frustradas de aprovação;
124
� Dá para cursar? Alguns jovens também questionam sua capacidade de concluir o
curso ou o esforço envolvido, descartando aqueles considerados mais difíceis,
como o de Engenharia. A falta de recursos para pagar uma faculdade privada
(como a de Relações Internacionais) ou para financiar toda a qualificação
percebida como necessária ao exercício de uma profissão (de diplomata, por
exemplo) também são limitações que inviabilizam determinadas escolhas;
� Como é o mercado de trabalho? Esta pergunta envolve as oportunidades de
trabalho associadas à profissão. Se o mercado de trabalho é percebido como
difícil (o mercado para jornalistas é “muito difícil, muito fechado”), restrito
(“turismo e hotelaria fecha muito”, “economia fecha muito”) ou a remuneração
média é insatisfatória (“contador fica pobre”, “jornalista ganha mal”), o curso
também pode ser descartado;
� E a variedade de alternativas profissionais? Mesmo depois dos questionamentos
anteriores, o jovem pode chegar nesta etapa do processo com dois ou mais
cursos em seu leque de opções e a Administração ser escolhida por
proporcionar, na visão do jovem, uma variedade maior de alternativas de
trabalho. Conforme já colocado, essa diversidade é vista como positiva, por um
lado, por ser um antídoto contra a monotonia e, por outro, por dar mais
segurança de que o jovem não precisará fazer um segundo vestibular. A lógica é
a de que se o jovem escolher um curso menos abrangente e não gostar, terá que
fazer outro vestibular e começar tudo de novo, risco que é minimizado no caso de
um curso mais variado como o de Administração. Em outras palavras, quando o
medo de errar está presente, a Administração pode acabar sendo a opção
preferida.
O terceiro processo envolve jovens que não tinham nenhuma ideia do que fazer na
época do vestibular. Como nesses casos a opção pelo curso de Administração
envolve postergar a decisão a respeito de que caminhos seguir, o chamamos de
adiando a escolha. Neste processo, o jovem, na falta de outro critério mais relevante,
pode levar em consideração a relação entre as matérias do colégio que gosta e/ou
tem facilidade e as provas específicas do vestibular para os diferentes cursos. A
partir do leque de opções identificado através desse critério, o curso de
Administração acaba sendo escolhido porque abre diferentes oportunidades de
carreira, que podem ser decididas mais tarde, quando o jovem estiver mais maduro
125
e consciente do que quer profissionalmente. É possível, ainda, que o curso de
Administração seja escolhido exclusivamente por essa razão, independentemente
das matérias de interesse no colégio.
4.3.4 As escolhas de cada um
A seguir, discutimos como se deu o processo de escolha de cada um dos 31
entrevistados e as razões que os levaram a optar pelo curso de Administração,
aspectos que estão, naturalmente, relacionados – ver quadros 4.3 a 4.6. Os jovens
que decidem estudar Administração por interesse e pelas perspectivas profissionais
parecem ter optado com consciência (Processo A). Aqueles que optam por
Administração em função de condições facilitadoras seguem o Processo B – fazendo
cálculos e concessões. Por fim, o Processo C, adiando a escolha, é verificado entre
jovens que optam por Administração justamente para postergar a decisão sobre que
caminhos seguir e também entre aqueles que escolhem baseados nas matérias do
colégio. Este último caso representa um adiamento da escolha na medida em que o
jovem parece efetivamente não ter ideia do que pretende fazer e alcançar
profissionalmente, deixando esta decisão para depois do ingresso na faculdade.
Cabe colocar que os três jovens que se enquadram nesse caso veem a
Administração com bons olhos justamente por ser um curso “amplo”.
Quadro 4.3 – Número de entrevistados por processo de escolha
Processo / razão da escolha Nº de
entrevistados
Optando com consciência 17
- Razão: Interesse por Administração 14
- Razão: perspectivas profissionais 3
Fazendo cálculos e concessões 8
- Razão: condições favoráveis 8
Adiando a escolha 6
- Razão: Adiamento da escolha / medo 3
- Razão: Matérias do colégio 3
126
Optando com consciência
Os 17 jovens que seguiram este processo de escolha naturalmente tinham uma boa
ideia do que queriam quando optaram por Administração, seja por um interesse
genuíno pela profissão de administrador, seja pelas boas perspectivas profissionais
associadas a esta opção de carreira.
Quadro 4.4 – Optando com consciência
Nome Fictício Interesse Perspectivas
profissionais
Adiamento da escolha / medo
de errar
Matérias do colégio
Condições favoráveis
Aline Mundo empresarial / marketing
Bernardo Mundo dos negócios
Carlos Produção de cinema
Douglas "Sempre quis alguma
coisa voltada para ADM, era inevitável".
Eliane Ser bem remunerada Gostava de ler, de humanas
Aproveitar disciplinas da CS
Ernesto Pretende trabalhar com ADM.
Fernando Interesse por marketing e
telecomunicações "abre portas"
Gabriela "curso amplo" Facilidade de transferência
Gisele Interesse pela vida executiva
Guilherme Interesse pela
profissão / gestão de empresas
"Porque comecei a gostar de dinheiro"
Helena Quero trabalhar em empresas
Joana Interesse por ADM despertado com o
trabalho Mais fácil de passar
Leila "Porque eu gostei, gostei muito da área"
"Por causa da polivalência da área.
(...) Porque a vida não fica monótona".
Mateus "Poxa, é pra isso aqui mesmo que eu sirvo"
Nelson Interesse por negócios e o
mercado financeiro
Regina Interesse por Administração e RH
Reinaldo Interesse por
Administração e gestão
Obs.: Os campos mais escuros representam a motivação principal e os que estão mais claros mostram as razões secundárias.
127
Aline escolhe estudar Administração por realmente ter se interessado por marketing
e o mundo dos negócios, após ter participado do programa mini-empresa, iniciativa
da ONG Junior Achievement com estudantes do ensino médio.
Até então não sabia o que eu ia fazer. Aí lá na escola onde eu estudava, já com 16 anos, no segundo ano, eu participei de um programa de uma ONG, a Junior Achievement, chamado programa mini-empresa. Lá que eu descobri o mundo empresarial que nem conhecia tão profundamente, aí descobri marketing, fui diretora de marketing da mini-empresa. Aí foi tão legal que eu falei ‘é isso o que eu quero da minha vida’. (Aline)
Bernardo se interessa pelo mundo dos negócios após ter pesquisado sozinho sobre
as diferentes carreiras e profissões, na época do vestibular. Apesar de ter
habilidades com desenho e música, não chega a pensar numa carreira nessas
áreas, aparentemente por não se sentir disposto a enfrentar as dificuldades da
carreira artística.
Ah, eu gosto de negócio, do mundo empresarial, eu gosto, eu gosto de ler sobre, economia eu gosto, não sei, o mundo de negócios mesmo, negociações, e mercado, sempre gostei, e depois comecei a descobrir o que era mesmo, a dimensão do negócio, aí me interessei mesmo de verdade. (...) Escolhi sozinho, ‘vou fazer Administração, tem cara de ser maneiro’. (Bernardo)
Carlos escolhe Administração por ser o curso que viabilizaria a sua carreira como
produtor de cinema. Ele fica em dúvida entre Comunicação Social e Administração,
mas segue a segunda opção em função dos conhecimentos que teria oportunidade
de adquirir.
Meu melhor amigo faz comunicação na PUC, mas ele sempre quis a área mais técnica de cinema, que é direção ou edição. (...) E eu senti que há grande carência nessa outra área, na minha opinião, o outro ponto de vista, administração. E eu sabia, que óbvio, que eu ia mandar muito melhor em comunicação, que eu ia me dar muito melhor, mas eu senti que o que eu queria era o outro lado. (Carlos)
Douglas comenta que sempre considerou uma carreira ligada à Administração, por
ter habilidade com matemática e “negócios” – gostava de estimar os gastos antes de
chegar ao caixa do supermercado, costumava alugar coisas suas no colégio para
ganhar dinheiro –, além de se imaginar trabalhando de terno e gravata.
Eu acho que eu sempre quis alguma coisa voltada para Administração, era inevitável. Sempre me via vestido assim, usando terno. E eu sempre gostei de número, minha mãe até conta que eu alugava meus bonequinhos no
128
colégio, no supermercado eu fazia as contas antes da caixa, eu gostava sempre de fazer conta e não sei, sempre me interessou isso. (Douglas)
Nesse sentido, sua escolha se deve a um interesse genuíno por Administração,
associado às habilidades percebidas como necessárias ao exercício da profissão.
Por gostar e ter facilidade com línguas, chega a considerar o curso de Relações
Internacionais, mas descarta essa opção ao perceber que o domínio de línguas
também seria útil para sua carreira em Administração. Seu caso é uma evidência de
que a perspectiva de fazer uso das habilidades possuídas é um norteador das
escolhas profissionais, em linha com teorias tradicionais de carreira. Os cursos de
Contabilidade e Economia também são considerados, em função da possibilidade de
aplicação de seus conhecimentos de matemática, mas o de Administração parece
ter sido escolhido por conta de seu interesse por relacionamentos interpessoais, que
acredita que não encontraria se optasse pela profissão de contador ou de
economista.
Eliane é formada em Comunicação Social e sua opção por este curso de graduação
parece ter sido orientada pela perspectiva do prazer, já que gostava de ler e
imaginava que teria muita leitura durante o curso.
Qual é a faculdade mais divertida? (risos) Não, mas eu gostava muito de ler, aí eu: ‘ah, vou fazer comunicação porque eu vou poder ler muito’. (Eliane)
Na escolha da segunda graduação, porém, as perspectivas profissionais parecem
ter falado mais alto. Seu objetivo era fazer um curso que lhe permitisse ser melhor
remunerada por seu trabalho, já que a breve experiência que teve como jornalista
evidenciou uma situação de baixos salários e poucas perspectivas profissionais.
Comunicação só tem essas histórias, de empresa que faliu e de salário baixo. Eu já fui ficando meio apavorada quando chegou o fim da faculdade. Depois eu fui para essa última, (...) as pessoas todas ganhavam muito pouco, reclamavam. (...) Depois que eu entrei para Administração, no meu primeiro estágio eu já ganhava igual à mulher que estava lá há dez anos. (Eliane)
Ela ficou em dúvida entre Engenharia e Administração, mas a segunda opção
parece ter sido escolhida em função de seu interesse pela leitura e pela área de
humanas. Além disso, a perspectiva de concluir o curso em apenas três anos
também serviu de estímulo.
O problema da Engenharia é que eu sempre gostei muito de ler, muito. E eu achava que ia ficar muito maçante pra mim uma faculdade, cinco anos só de
129
números. Não que eu não goste de números, mas eu sou um pouco ligada à área de humanas. Aí Administração na verdade caiu perfeito, porque além de eu cortar um ano das matérias humanas de comunicação, ia faltar só três anos para eu me formar, e tinha matérias tanto de leitura, quanto de exatas. Então eu fiz. (Eliane)
Ernesto, assim como Eliane, também está na segunda graduação. O primeiro curso,
de Engenharia, foi escolhido em função das habilidades que possuía no colégio e
também por uma certa pressão do pai, que o estimulou a optar por uma “carreira
tradicional” – Engenharia, Medicina ou Direito.
Sempre tive muita facilidade com matemática, eu gostava muito de química, física também não era um empecilho pra mim. Considerando isso, somou todos os fatores para me levar a fazer Engenharia. (Ernesto)
Durante o curso de Engenharia, porém, vive uma experiência de trabalho na
Empresa Júnior da PUC que foi determinante para despertar seu interesse pelo
mundo dos negócios. Por essa razão, faz vestibular para Administração na mesma
Universidade e, após ser aprovado, opta por trancar o curso anterior.
Administração, acho que é o curso mais voltado para a área do conhecimento com que eu tenho intuito de trabalhar. Que é justamente (...) administração de empresas, marketing. (Ernesto)
Fernando decide ainda no ensino médio que queria trabalhar com marketing e com
telecomunicações, e a escolha do curso de Administração foi uma consequência
natural deste desejo. Cabe registrar, no entanto, que no terceiro ano do ensino
médio chegou a ter dúvidas, evidenciando a dificuldade envolvida numa escolha tão
importante quanto a do curso superior, já que percebida como decisiva. Por gostar
de química, é estimulado por colegas a tentar o curso de Biologia.
No terceiro ano tinham me falado: ‘se você gosta de química, tenta Biologia, porque se você fizer Química você só vai ver matemática’. Então é aquele negócio, um bando de informação no terceiro ano, eu não sabia... ‘vou fazer Biologia’. (Fernando)
Desta forma, ele faz vestibular para Administração e para Biologia, mas opta pelo
primeiro imediatamente após ser aprovado, nem se interessando pelo resultado do
outro vestibular. Além disso, Fernando destaca que a graduação em Administração
“abre portas”, o que representa um estímulo a mais à escolha do curso e evidencia
uma preocupação com a inserção profissional após a conclusão do curso.
130
Estimulada por seu gosto por matemática no ensino médio, Gabriela começa os
cursos de Economia e Estatística. Após um ano opta pelo de Economia e, dois anos
depois disso, decide se transferir para o curso de Administração, na mesma
faculdade. Ao justificar essa mudança, afirma que o curso de Economia era muito
teórico e distante da realidade, evidenciando uma decepção com o conteúdo
estudado, e que o curso de Administração seria “mais amplo”, ou seja, abriria
múltiplas oportunidades de inserção profissional. A especialização na sua área de
interesse viria depois, através de um mestrado.
Achei o curso [de economia] muito teórico. Você pegava a teoria e a previsão do que você deu e não batia. Isso vai desmotivando. Aí eu falei, ‘não, vou mudar para Administração, porque é um curso amplo’. Você pode trabalhar com RH, pode trabalhar com evento, pode trabalhar com finanças, com o que você quiser trabalhar você trabalha. Aí depois eu me especializo num mestrado, foi isso que eu pensei. (Gabriela)
Gisele sempre quis estudar Administração em função da imagem que tinha da
profissão e da carreira executiva. Sua mãe trabalhava como secretária executiva
numa multinacional e ela pôde, desde criança, observar o dia-a-dia da vida
empresarial. Além disso, a admiração que sentia por uma amiga da mãe foi decisiva
para que surgisse nela o sonho da carreira executiva.
Minha mãe sempre trabalhou na Xerox e eu sempre vivi muito dentro da Xerox. Aí eu via aquelas pessoas trabalhando, porque minha mãe tem uma amiga, que é a tia Beth. (...) É uma mulher e tanto, uma mega executiva, que eu achava o máximo. Eu falava ‘cara, quando eu crescer eu quero ser que nem a tia Beth’. (...) Eu queria ser uma executiva, e eu não sabia em que área, então para mim era Administração, porque eu gosto. (Gisele)
Desde pequeno, Guilherme descobria formas de ganhar seu próprio dinheiro, já que
seus pais tinham poucos recursos e ele recebia uma “mesada restrita”. Ele vê no
curso de Administração e no mundo dos negócios uma forma de continuar ganhando
seu próprio dinheiro. Além disso, se interessa pela profissão ao ver os desafios
gerenciais que sua mãe enfrentava como dona de um salão de beleza.
[Escolhi Administração] porque eu comecei a gostar muito de dinheiro. (...) E por causa da minha mãe. (Guilherme)
Helena se interessou pelo mundo empresarial por estímulo de um primo de sua mãe,
que era empresário. Ficou em dúvida entre Economia e Administração e a opção por
Administração deveu-se à sua maior abrangência e à relação mais estreita com sua
131
ambição profissional, que é a de trabalhar em empresas, especialmente
multinacionais.
Porque Economia era muito limitado. E Administração me dava um olhar melhor sobre aquilo que eu queria. Eu quero trabalhar em empresas, então meu objetivo é trabalhar em multinacionais e tal. (Helena)
Joana decide não tentar o vestibular após o término do ensino médio. Começa um
cursinho pré-vestibular e alguns meses mais tarde vai trabalhar na empresa em que
seu pai trabalhava. Quando decide fazer vestibular, opta pelo curso de Comunicação
Social na UFRJ e UERJ, além de Produção Cultural na UFF, mas não é aprovada.
Publicidade na UFRJ era surreal, era muita competição, muita. (Joana)
Como não é aprovada, fica mais um ano fazendo cursinho, tenta Administração na
UFF e é aprovada. Com a experiência de trabalho, Joana parece ter descoberto seu
interesse por Administração, o que lhe possibilitou fazer uma escolha consciente.
Aí eu comecei a ver que o que eu lidava ali, tinha muito a ver com o que eu era, porque o trabalho faz você refletir como você é na vida real. (...) Aí eu percebi que eu tinha várias características de administração. Aí eu pensei “cara, na administração eu posso ver um pouco de informática, posso ver um pouco de marketing que eu gosto, tem a ver com toda a minha fissura por organização”. (...) Aí não teria como fazer outra coisa senão Administração. (Joana)
Leila se interessou por Administração no último ano do ensino fundamental, após
fazer um curso de auxiliar técnico de administração oferecido por uma escola
privada do bairro onde morava. Por conta desta vivência, ela faz o ensino médio
técnico em Administração e, dando continuidade a este interesse, opta por também
fazer a graduação em Administração.
Na faculdade eu prestei para Administração também, porque eu gostei, gostei muito da área. (Leila)
Mateus diz ter escolhido Administração por ter a ver com o seu perfil e sua
personalidade. Na visão dele, a Administração seria a carreira com o melhor ajuste
entre suas habilidades e os requisitos da profissão. Conforme ele observa, “poxa, é
para isso aqui mesmo que eu sirvo”.
Nelson faz ensino médio técnico em informática, mas não se interessa em construir
uma carreira na área. Na época do vestibular, começa a pesquisar sobre as
diferentes profissões e se interessa pelos cursos de Administração e Economia,
132
dada a perspectiva de um dia ter um negócio próprio e também pela vontade de
conhecer mais a respeito do mercado financeiro. Começa a cursar Administração na
Gama Filho e depois se transfere para a ESPM, onde parece ter confirmado seus
interesses profissionais: “eu estou muito feliz com o curso. É isso mesmo que eu
quero”.
Ele [o curso de Administração] engloba realmente aquilo que eu imaginava. (...) Recursos humanos, financeiro, contábil, tudo que você precisa realmente para entrar numa empresa, administrar essa empresa e ter sucesso, entendeu? (Nelson)
Para Regina, o interesse pela Administração surge durante a faculdade de
Psicologia. Uma experiência de estágio em recursos humanos despertou nela o
interesse por outras áreas da empresa, estimulando-a a fazer um segundo curso de
graduação.
Quando fiz vestibular realmente eu fiz para psicologia. Mas eu fiz para psicologia querendo mais trabalhar com a área de recursos humanos. Já fiz pensando nisso. Foi realmente a área em que eu mais me interessei ao longo da faculdade. Ao longo da faculdade eu vi que gostava muito dessa área, comecei a estagiar em recursos humanos, e eu vi que queria conhecer outras áreas da empresa também, porque não queria ficar restrita à área de recursos humanos. Aí resolvi fazer faculdade de Administração. (Regina)
Reinaldo também opta por Administração depois de já estar na faculdade. Em seu
caso, foram quase quatro anos cursando Engenharia Mecânica e depois Engenharia
Aeronáutica, até que ele descobrisse que sua vontade era mesmo trabalhar com
administração e gestão.
Eu gostava muito mais de estar gerenciando e vendo o todo do que sentado no computador calculando qual que tinha que ser a espessura da longarina da asa, essas coisas. Aí falei ‘acho que ADM é mais minha praia’. Estava meio com o cérebro fritado de exatas, acho que humanas também é uma coisa mais... mais flexível pra cabeça, não é tão rígida. Eu acho que ela te dá margem de você desenvolver um pensamento próprio, para tomar decisões e tal. Na engenharia não tem muita decisão. Se o resultado é 157, o resultado é 157, ponto. (Reinaldo)
Assim como no caso dos outros entrevistados que optaram por Administração
depois de já estarem no ensino superior (Eliane, Ernesto e Gabriela), as escolhas de
Regina e Reinaldo se mostraram mais maduras e conscientes, o que não é
surpresa, em função das experiências que tiveram, especialmente profissionais, e da
maior idade.
133
Fazendo cálculos e concessões
Todos os jovens que seguiram este processo de escolha da profissão, conforme
veremos a seguir, encontraram na Administração uma alternativa mais viável do que
a inicialmente almejada.
Quadro 4.5 – Fazendo cálculos e concessões
Nome Fictício Interesse Perspectivas
profissionais
Adiamento da escolha / medo
de errar
Matérias do colégio
Condições favoráveis
Adriana "Dá para trabalhar com tudo"
Queria PCULT, mas não passa no
vestibular
Antonio "Me apaixonei por marketing" Bolsa de estudos
Elisa Mais fácil de passar do que CS
Jacqueline ADM e pós em comércio exterior "Contador fica pobre"
RI não tem faculdade pública no Rio.
Joaquim
"Administração tem várias vertentes, você
pode ir para vários lados".
Mais fácil de passar do que CS
Mauro "Gama de opções que a administração oferece
(...) é bem vasto" Não passa para
Engenharia
Paula "Muito fácil para você conseguir emprego"
Mercado saturado para profissionais de
Direito
Ruth Abrir "leque de experiências de
trabalho". Não dá para ser
diplomata
Obs.: Os campos mais escuros representam a motivação principal e os que estão mais claros mostram as razões secundárias.
Adriana tinha vontade de trabalhar com eventos – interesse que surgiu no ensino
médio – e, por essa razão, tenta por dois anos consecutivos o vestibular para
Produção Cultural na UFF (entre outros). Como não passa, mas é aprovada no
curso de Administração da ESPM, decide seguir em frente, acreditando inclusive que
esta seria uma opção melhor, por dar a ela mais oportunidades de trabalho. Desta
forma, a escolha de Adriana está associada a condições favoráveis (aprovação no
vestibular), mas também à variedade de opções profissionais que a Administração
oferece.
Tentei produção cultural na UFF, mas acabei não passando. Fiz um ano de cursinho para tentar de novo, fiz o cursinho por causa da UFF. Aí fiz a
134
ESPM, passei e falei ‘pronto, dá para trabalhar com tudo, vamos nessa’. (Adriana)
Antonio fez ensino médio técnico em informática, se interessou pela área e chegou a
fazer vestibular para alguns cursos relacionados em instituições públicas (Ciência da
Computação na UFRJ e na UFF, Informática na UERJ, Sistemas de Informação na
UNIRIO), mas sem sucesso. Como trabalhava na ESPM, que oferecia bolsas de
estudos para funcionários, acaba optando por estudar Administração28. Ele comenta
que se apaixonou por marketing, mas a razão predominante parece ter sido as
condições favoráveis, ou seja, a aprovação no vestibular e a bolsa de estudos
integral que recebeu.
Eu queria informática, processamento de dados ou fazer ciência da computação. Aí eu entrei aqui para a ESPM. (...) Aí comecei a me apaixonar pela área de marketing. Conversando com os professores eu vi que eu gostava bastante da área de marketing, administração, aí eu resolvi fazer faculdade para cá. (Antonio)
Elisa fez um curso técnico de Hotelaria no ensino médio, mas a experiência serve
apenas para mostrar que esta não é uma área em que gostaria de atuar
profissionalmente, especialmente em função do ritmo de trabalho, considerado
exaustivo. Depois pensa em ser jornalista, mas é desestimulada pela mãe, que
considera o mercado “muito difícil, muito fechado”. Mesmo assim, chega a fazer
vestibular para Comunicação Social para universidades públicas (UFRJ, UERJ e
UFF), mas não é aprovada em nenhum deles. Paralelamente, se inscreve na PUC
pelo ProUni29 e escolhe Administração, por achar que seria mais fácil ser aprovada.
Desta forma, assim como no caso de Antonio, a opção por Administração surge
como paliativo de um curso mais desejado, mas inviável, dada a dificuldade de
aprovação no vestibular.
Por gostar de matemática, Jacqueline pensa inicialmente em ser contadora, mas
desiste ao ouvir dizer que as perspectivas profissionais não eram boas e que
“contador fica pobre”. Depois descobre o interesse por Relações Internacionais, em
função do contato com esse universo nos anos em que morou em Brasília, mas
acaba escolhendo Administração como paliativo desse desejo maior. Como no Rio
28 A ESPM oferece cursos de graduação em Administração, Comunicação Social, Design e Relações Internacionais. 29 O ProUni – Programa Universidade para Todos – é uma iniciativa do governo federal que concede a jovens carentes bolsas de estudo integrais ou parciais em faculdades privadas.
135
de Janeiro não havia faculdades públicas que oferecessem aquele curso e ela não
teria recursos para pagar uma faculdade privada, opta por Administração, na
expectativa de posteriormente fazer um curso de especialização e trabalhar com
comércio exterior.
Queria fazer Relações Internacionais, fazer concurso para o Itamarati, essa coisa toda. Morei quatro anos em Brasília, acho que lá você se envolve um pouco com isso, você vê muita gente, você vê as embaixadas, você visita. Então acho que é todo um clima que favorece. (...) Só que quando fui fazer vestibular a gente estava voltando para o Rio. Aí fui fazer vestibular pra UFF, aí não tinha Relações Internacionais, pra fazer Relações Internacionais tinha que ser uma particular. (...) O padrinho do meu irmão trabalha com comércio exterior, ele é formado em Administração, fez pós-graduação, mestrado em comércio exterior, aí ele falou pra mim: ‘faz Administração com especialização em comércio exterior’. Quando entrei na faculdade realmente esse era o meu objetivo. (Jacqueline)
Durante a faculdade, porém, Jacqueline se interessa pela área de logística e
praticamente desiste da ideia de trabalhar com comércio exterior.
Joaquim gostaria de ter cursado Comunicação Social, para trabalhar com jornalismo
esportivo, mas não consegue passar no vestibular. A ideia do curso de
Administração surge a partir das experiências da irmã e do cunhado, e ele acaba se
convencendo de que seria um curso interessante, pela variedade de opções
profissionais e pela possibilidade de trabalhar com marketing esportivo. Novamente,
portanto, a Administração surge como uma segunda opção, uma alternativa a um
curso mais desejado.
Comunicação eu queria fazer por causa do esporte, queria trabalhar com isso. E Administração também, a princípio eu queria fazer marketing esportivo, me especializar. E a minha irmã do meio, ela começou a fazer Administração, mas ela trancou e fez fisioterapia. O meu cunhado também é formado em Administração. Não era um curso difícil de passar, e é interessante. Administração tem várias vertentes, você pode ir para vários lados. (Joaquim)
Assim como aconteceu com Jacqueline, Joaquim também muda de ideia durante a
faculdade. Inicialmente tinha por objetivo trabalhar com marketing esportivo, mas
durante o curso acaba se interessando por finanças. Esses casos evidenciam, mais
uma vez, as idas e vindas durante a escolha da profissão.
Mauro havia feito o ensino médio profissionalizante em mecânica e decide tentar o
vestibular para Engenharia. Não consegue ser aprovado e acaba optando por
136
trabalhar como técnico numa empresa de manutenção aeronáutica, onde
permanece por aproximadamente dois anos. A crise que abalou o setor de aviação
após o atentado às torres gêmeas em 2001 o levou a perder o emprego. Diante da
falta de perspectivas nesta área, considera novamente ingressar no ensino superior.
Incentivado por um amigo, que já cursava Administração na UFRJ, ele pesquisa um
pouco mais sobre o curso e se interessa ao se dar conta da amplitude de opções
profissionais.
Busquei informações, fui ver qual a gama de opções que a Administração oferece, parece que desde a financeira até a área de humanas, então é bem vasto. ‘Pô, legal, vou fazer para Administração. Gostei!’ E assim foi. (Mauro)
Paula já havia feito ensino médio técnico em Administração e decide continuar
estudando Administração no ensino superior, especialmente em função da facilidade
em se conseguir emprego na área. Ao longo da entrevista, porém, fica claro que ela
não tem interesse pela profissão e não gosta do que faz, e que sua escolha foi
decorrente das dificuldades esperadas na área em que efetivamente gostaria de
atuar.
Chega uma fase da sua vida em que você tem que decidir, tem que fazer o que você gosta, mas às vezes o que você gosta no curto prazo não vai te proporcionar aquilo que você precisa. Então talvez seja mais fácil você adiar um pouco e fazer depois. Então preferi fazer dessa maneira. (...) Todo mundo fazia [Direito], tinha milhões de bacharéis no mercado, um montão de gente desempregada. Administração, apesar de ter muita gente, é uma coisa muito fácil pra você conseguir emprego. Direito eu acho bem menos, muito, muito menos. (Paula)
Paula ainda tem a expectativa de fazer o que acredita gostar. Ela espera concluir o
curso de Administração, passar num concurso público para ter estabilidade, e depois
cursar uma faculdade de Direito.
Ruth tinha o sonho de ser diplomata e, por conta disso, chega a pensar no curso de
Relações Internacionais. No entanto, ela percebe sozinha que não teria condições
de arcar com os investimentos necessários em termos de qualificação para seguir
carreira nesta área. Ao pesquisar sobre as diferentes carreiras em jornais,
especialmente na Revista Megazine, do jornal O Globo, o curso de Administração
surge como uma possibilidade interessante, por ser um curso amplo, que daria a ela
a possibilidade de ter múltiplas experiências de trabalho. Seu interesse parece
residir nos conhecimentos variados que poderia adquirir ao viver diferentes
137
experiências profissionais. Ao explicar essa questão, compara o curso de
Administração com o de História, cujas alternativas profissionais, na sua percepção,
se limitariam à vida docente.
Aí eu achei que Administração ... eu vi que era um curso bastante amplo. (...) E aí eu me interessei porque vi que com as empresas você poderia ter experiências fora, com o trabalho adquirir também cultura e conhecimento. Achei que era uma carreira que seria mais promissora para o mercado, e ao mesmo tempo não me prenderia. Não seria tão específica (...) Eu achei que com Administração eu conseguiria conhecimento e abriria meu leque de experiências de trabalho. (Ruth)
Adiando a escolha
Quadro 4.6 – Adiando a escolha
Nome Fictício Interesse Perspectivas
profissionais
Adiamento da escolha / medo de
errar Matérias do colégio Condições
favoráveis
Celso Algum interesse por ADM com ênfase em
sistemas
"Administração um curso muito bom
porque ele é muito abrangente"
"eu sempre fui muito mais do lado de
matemática"
Cristiane
Eu sempre tive um problema com tailleur e salto alto. (...) Eu gosto
da imagem da executiva.
"todo mundo que está em dúvida do que vai
fazer, considera ADM"
Daniel
"Futuramente eu vou poder saber qual carreira eu vou
seguir"
"tinha habilidade com conta, gostava muito de
Matemática, gostava muito de ler e escrever"
Trabalhar como jornalista exige
rede de contatos
Heitor Algum interesse por administração pública
Gostava de MAT e de
HIS, matérias das provas específicas
Rosana "Dá para depois
escolher ser muita coisa".
"Escolhi ADM por causa das específicas
do vestibular".
Sabrina Possibilidade de se especializar depois
Facilidade com matérias das provas
específicas
Obs.: Os campos mais escuros representam a motivação principal e os que estão mais claros mostram as razões secundárias.
Os jovens que seguem esse processo optam por Administração, em primeiro lugar,
por ser um curso abrangente, que abre muitas alternativas profissionais e lhes
permite postergar a decisão sobre que caminhos seguir. Também ocorre com
aqueles que decidem com base nas matérias de interesse no colégio, evidenciando
138
um certo desconhecimento a respeito das diferentes profissões. Em ambos os
casos, também fica clara a pouca consciência do jovem a respeito de seus próprios
interesses.
Celso vive muitos dilemas na época do vestibular e não consegue efetivamente ter
certeza de nenhuma escolha.
Então quando chegou a hora do vestibular foi bem difícil, porque eu tinha interesses demais e nada muito concreto. (Celso)
Nas considerações sobre que curso escolher, pensa nas matérias que gostava no
colégio (matemática e física) e considera fazer Engenharia, apesar do medo de não
passar no vestibular e de não dar conta do curso. Pensa também em Turismo e
Hotelaria, mas descarta esta opção por considerar que teria um campo de atuação
muito restrito, o que é entendido como um problema na medida em que, se vier a
não gostar do curso, teria que começar tudo de novo.
Eu acho, na minha opinião, pode até ser mentira, mas turismo e hotelaria fecha muito. Então achei que se eu fizesse e não gostasse, depois ia ser meio difícil, ia ter que fazer outro vestibular, ia ter que fazer outra faculdade. (Celso)
Nesse sentido, a Administração surge como uma alternativa melhor por abrir
diferentes alternativas profissionais. Conforme ele afirma, “acho Administração um
curso muito bom porque ele é muito abrangente”. Além disso, a breve experiência de
trabalho que teve com os tios empresários e o próprio exemplo de suas vidas
profissionais serviram para que Administração se tornasse uma possibilidade.
Eu tenho alguns tios que entraram muito no mundo dos negócios, eram empresários mesmo. Então, mais pela convivência com eles, eu sempre achei aquilo mais legal [do que engenharia civil, profissão dos pais]. (Celso)
Por fim, nas pesquisas que realiza na época do vestibular descobre que o IBMEC
oferecia uma ênfase em sistemas de informação, o que desperta o seu interesse
pelo fato de gostar de informática.
Aí chegou naquele ponto em que eu resolvi falar "Administração é o que eu quero". Ainda mais quando eu vi que o IBMEC tinha administração de sistemas de informações. (...) Aí que eu vi que eu também gosto muito de informática, então enquadra bastante coisa do que eu quero, então eu acho que vai ser por aqui. (Celso)
O caso de Celso evidencia bem as incertezas vividas pelos jovens na época do
vestibular. As matérias que gostava no colégio, as habilidades percebidas (descarta
139
engenharia civil, a profissão dos pais, por não se achar bom o suficiente em
desenho), os interesses pessoais (pelo mundo dos negócios e por informática), a
profissão dos pais e de amigos e parentes próximos, as experiências de trabalho,
tudo isso é considerado na escolha do curso de graduação. Diante de tantas
considerações e possibilidades, ao escolher o curso de Administração ele parece ter
feito a opção por não optar, ou seja, acaba por protelar a escolha sobre o caminho
profissional a seguir. Esta opção também parece ser a mais segura, já que minimiza
a probabilidade de ele ter que voltar à estaca zero e fazer outro vestibular, fator que
o afastou do curso de Turismo e Hotelaria.
Cristiane também tinha dúvidas sobre que caminhos seguir. Fez orientação
vocacional na época do vestibular e acabou optando por Administração, mas sem
muita convicção de que estaria fazendo a escolha certa.
Até hoje eu não sei dizer [porque escolhi Administração]. (...) Administração é sempre uma possibilidade, acho que todo mundo que está em dúvida do que vai fazer, considera Administração. (Cristiane)
Ela pensou em seguir uma carreira “mais criativa” em função do seu ambiente
familiar – a mãe é arquiteta e o irmão, designer –, mas acaba desistindo por também
ver com bons olhos a vida de administradora: “eu gosto da imagem da executiva”.
Daniel pensa primeiro em fazer jornalismo, mas desiste possivelmente por conta das
dificuldades que enfrentaria para encontrar trabalho que, segundo ele, dependeria
de uma boa rede de contatos nas empresas do setor. Ao pesquisar sobre os cursos
de graduação nos manuais do vestibular se interessa por Administração,
especialmente por permitir a ele protelar a escolha sobre que carreira exatamente
seguir, mas também por ter relação com as matérias que gostava no colégio e com
as quais tinha habilidade.
Como eu gostava muito de ver televisão, gostava muito de mídia, gostava muito de televisão, muito de rádio, muito de jornal, eu falei assim: ‘nossa, eu vou ser jornalista’. Aí depois eu parei pra pensar e falei: ‘será que é isso mesmo?’ Aí depois eu fui vendo que tinha habilidade com conta, gostava muito de matemática, gostava muito de ler e de escrever, eu falei: ‘nossa, onde eu vou me encaixar, em que profissão?’ Então quando eu vi Administração eu achei legal, porque eu vi que poderia escolher um segmento para poder atuar. Então eu falei assim, ‘no estágio em que eu estiver futuramente eu vou poder saber qual carreira vou seguir’. (Daniel)
140
Heitor também tinha pouca ideia do que iria fazer quando chegou a época do
vestibular. Conforme aconteceu com outros que não tinham nenhum interesse mais
forte, levou em consideração as matérias que gostava no colégio, considerando sua
relação com as provas específicas do vestibular de cada curso de graduação.
Pensei em Direito, Psicologia, Filosofia, História. E aí acabei ficando com Administração. (...) Não tinha nenhuma ideia certa do que eu ia fazer em Administração. Entrei porque essas duas matérias que eu mais gostava [matemática e história] eram as específicas. (Heitor)
Rosana afirma ter pensado em muitas profissões, mas não parece ter pesquisado
mais a fundo sobre nenhuma delas. Cogita Engenharia, a profissão dos pais, mas
desiste por achar que não teria muito contato com pessoas, algo que afirma gostar.
Também considera o curso de Direito, mais pela perspectiva de fazer um concurso
público do que pelo conteúdo do trabalho em si.
Quando fui crescendo eu fui ficando mais em dúvida (...), não me identificava com nada. Pensei em Direito, mais pra fazer concurso, porque achava que eu podia passar e tal, sempre fui boa aluna. Por último pensei em Administração, mas na realidade quando escolhi Administração foi por causa das específicas do vestibular. Eu fui fazendo uma eliminatória. As específicas são as que eu mais tenho domínio, e era uma área assim também muito ampla, dá para depois escolher ser muita coisa. Foi assim que eu decidi. (Rosana)
Ela chega a fazer orientação vocacional e a psicóloga a orienta no sentido de uma
carreira em administração. No entanto, sua escolha final parece ter sido orientada
mais pela questão das especificas do vestibular, conforme visto na sua declaração
anterior, e também pelo adiamento da escolha, associado ao medo de errar e se ver
obrigada a recomeçar.
E aí eu decidi pensando também no que fazer depois, que em Administração dá pra escolher muita coisa. Não quis me fechar numa questão, porque se de repente tivesse errado, seria mais difícil usar aquilo para alguma coisa. Administração tem áreas que são totalmente diferentes. Dá pra fazer várias coisas. (Rosana)
Sabrina também leva em conta as matérias do colégio e as provas específicas do
vestibular. Por ser boa aluna em biologia e química, acaba sendo estimulada pelos
amigos a tentar o curso de Medicina, opção que é rapidamente descartada porque
ela acreditava não ter habilidades psicológicas necessárias ao exercício dessa
profissão.
141
Todos os meus amigos esperavam que eu prestasse vestibular pra medicina. Só que eu sempre me senti psicologicamente fraca para tragédia. Então adorava biologia, química, e tal, mas me ver dentro de um hospital, uma família chorando pela pessoa que morreu, ou que perdeu a perna, eu não conseguia me ver nessa situação. Tem que ter sangue frio, eu não tenho, choro à toa. Medicina não, não vai dar certo. (Sabrina)
Diante da indecisão e da ausência de um interesse mais forte, Sabrina recorre aos
editais do vestibular, checa as provas específicas e decide por exclusão. Ela olha os
cursos com provas específicas de matemática e história e exclui aqueles em que via
algum defeito. Economia e Relações Internacionais, por exemplo, são descartados
porque ela não se interessava por política. A Administração parece ter sido escolhida
por não ter nada que a desagradasse.
Economia eu não fiz porque nunca tive muita paciência com política. (...) Aí pensei em Relações Internacionais, que caía na mesma coisa. E todos os cursos, assim, que eu me lembre que eu fui olhando, tinham algum defeito pra mim que eu achava que não ia gostar de estudar aquilo. (Sabrina)
Além disso, também é estimulada pelos tios a fazer Administração em função da
variedade de opções profissionais, o que possibilitaria a ela postergar a escolha dos
caminhos a seguir.
Eles [os tios] falaram ‘Administração é legal, é um campo legal onde você pode cair para recursos humanos, finanças, marketing, logística. Aí você pode decidir isso numa pós, já que você está em dúvida ainda’. Eu falei ‘ah, então é isso mesmo’. (Sabrina)
Conclusão
Os resultados aqui apresentados sugerem, em primeiro lugar, que a Administração é
um curso frequentemente escolhido por jovens que têm pouca ideia do que
pretendem profissionalmente, na medida em que é abrangente e abre múltiplas
alternativas profissionais. Na apresentação do modelo teórico, fazemos algumas
considerações sobre os fatores e experiências que tendem a auxiliar o jovem a
descobrir ou a ter mais clareza a respeito de seus interesses profissionais.
Além disso, observamos que muitos jovens optam pelo curso de Administração
como um paliativo a escolhas preferidas, mas percebidas como inviáveis, seja em
função da dificuldade de aprovação no vestibular, seja pela carência de recursos
para o pagamento da faculdade ou de outros investimentos percebidos como
necessários à carreira. Ao contrário do primeiro caso, esse fator possivelmente não
142
é exclusivo do curso de Administração. Apesar de fugir ao escopo deste trabalho,
podemos imaginar, por exemplo, jovens que optam por estudar Biologia por
entenderem que o curso de Medicina seria muito difícil de passar ou de cursar, tanto
da perspectiva acadêmica como em função dos investimentos em materiais didáticos
e de trabalho.
Outros aspectos relativos às razões e ao processo de escolha são abordados
quando apresentarmos o modelo teórico mais à frente neste capítulo, e também no
próximo, em que discutimos as descobertas do presente estudo à luz da literatura
existente.
4.3.5 A escolha das instituições de ensino superior
Com relação à escolha da IES, quatro questões nos pareceram relevantes. Em
primeiro lugar, além de optarem por fazer vestibular para mais de um curso de
graduação, pelas razões expostas anteriormente, existe uma tendência a se buscar
o maior número possível de instituições de ensino, também como forma de
minimizar o risco de não aprovação (como acontece na escolha do curso) e para
viabilizar a tentativa de diferentes cursos de graduação. Parece haver um
entendimento por parte do jovem de que faz parte de sua obrigação fazer prova para
uma grande quantidade de faculdades, mesmo que o interesse por algumas delas
seja pequeno. Gisele, por exemplo, já havia identificado uma preferência pela FGV,
mas mesmo assim faz vestibular para mais quatro faculdades: ESPM, UFRJ, UERJ
e UFF. Observamos que os pais exercem uma influência importante nesse sentido,
evidenciando que a tensão desta etapa da vida envolve não só o jovem, mas toda a
sua família.
Em segundo lugar, cabem alguns comentários sobre as percepções dos jovens em
relação às faculdades públicas e privadas e como isso influenciou suas decisões.
Existem duas visões predominantes a respeito das faculdades públicas. Por um
lado, sua boa reputação é ressaltada, tanto por jovens que estudam numa delas
como por estudantes de faculdades privadas. Celso, por exemplo, afirma que teria
optado pela UFRJ se tivesse sido aprovado no vestibular para Engenharia,
especialmente por conta de seu nome.
Eu teria ido, eu teria ido mais pelo peso que a faculdade tem, porque o IBMEC naquela época eu conhecia, mas o fundão é o fundão. Mesmo hoje
143
em dia a faculdade estando um lixo fisicamente, ela tem um nome, muito, muito forte, e no mercado de trabalho, infelizmente, é o que pesa. (Celso)
Por outro lado, o excesso de greves, com o consequente descumprimento do
calendário escolar, e a falta de organização e infra-estrutura são pontos ressaltados
por praticamente todos os jovens, independentemente do tipo de faculdade onde
estudam. Para os que estão em cursos privados, estes aspectos justificam, em
alguma medida, esta sua opção. Douglas, inclusive, opta por se transferir da UFF
para a PUC, atrasando em alguns anos a conclusão do curso, justamente por conta
desses problemas.
Comecei Administração na UFF. Só que eu tive muitos problemas lá na faculdade, eu peguei três greves, quando não tinha [greve] os professores não iam, estava meio complicado. Aí quando a minha irmã entrou na PUC, eu vi como era diferente, como era mais organizado, aí eu conversei com meus pais e fiz a transferência. (Douglas)
Considerando-se apenas os jovens que estudam nas faculdades públicas, apesar de
darem destaque à sua reputação, muitos deles têm severas criticas às suas
respectivas faculdades, especialmente em relação à qualidade e dedicação dos
corpo docente. Parece haver uma grande disparidade entre os professores dessas
instituições, com alguns dedicados e efetivamente interessados nos alunos e na
atividade docente, e outros altamente desmotivados, que sequer comparecem às
aulas assiduamente. Leila, que estuda na UERJ, e Bernardo, da UFRJ, falam sobre
este ponto.
Eu acho uma universidade muito boa, mas está um pouco abandonada, pelo governo e pelos próprios professores, porque já tem uma cultura de ‘eu posso fazer qualquer coisa que o governo me paga da mesma forma, então eu ensino qualquer coisa, os alunos fingem que aprendem qualquer coisa, e sai todo mundo satisfeito’. (Leila)
Uma pessoa de fora que vai assistir a aula de certos professores, vai falar: ‘não é possível, esse cara não podia estar nem na pior faculdade privada do país’. Você vai para uma matéria, não assiste uma aula, faz um trabalho ridículo, o cara nem olha, te dá um oito e você passa. (Bernardo)
Com relação às faculdades privadas, o ponto mais destacado pelos jovens que
fizeram essa opção é o da qualidade do ensino e do corpo docente, especialmente
no que diz respeito à disponibilidade do professor, dentro e fora de sala de aula.
Eu gosto muito daqui, é um curso que tem muita matemática, e eu vejo que matemática hoje é a linguagem do mundo moderno, de negócios, né? Tem
144
excelentes professores que eu posso tirar dúvida a qualquer momento. Isso também me incentiva bastante. (Guilherme)
Em terceiro lugar, notamos que alguns jovens que estudam na universidade pública,
apesar de reconhecerem suas limitações, fizeram esta opção por percebê-la como
uma obrigação para com os pais e/ou como forma de retribuição pelo dinheiro
investido em sua educação – vários estudaram em colégios privados –, poupando-
os, desta forma, de mais vários anos de despesas. Rosana, por exemplo, foi
aprovada para três faculdades públicas e duas privadas, e acaba optando pela
UFRJ. Ela explica porque não foi para uma das pagas: “não quis fazer isso com eles,
não achei justo. Depois de tanto tempo investindo”. Regina, por sua vez, afirma nem
ter pensado na possibilidade de cursar uma faculdade privada.
Eu pensei assim, meus pais me bancaram no melhor colégio que podiam, a vida inteira, eu tenho mais que a obrigação de passar para uma faculdade pública. Me cobro muito nesse sentido. (Regina)
Para outros, existe a sensação do orgulho de não depender mais dos pais para o
custeio de sua educação. Além disso, observamos a pressão de pais e familiares no
sentido da opção pela faculdade pública, tanto por conta da economia de recursos,
como também pela reputação que essas escolas gozam junto a esse grupo.
Como meus tios estudaram em faculdade pública, todo mundo sempre bombardeava muito que tinha que ser faculdade pública. (Sabrina)
Por fim, a quarta questão diz respeito à preocupação do jovem com a reputação de
sua faculdade, seja ela pública ou privada, possivelmente pela percepção de que o
valor do diploma que irão obter depende, em grande medida, disso. Os comentários
a seguir são exemplos dessa inquietação.
Eu acho que daqui a um tempo, infelizmente, a UFRJ já não vai estar mais entre as melhores. E tomara que demore para o mercado perceber isso, talvez, mas eu acho que não. Tenho medo de sair e o mercado já ‘pô, UFRJ’. Porque hoje em dia eles olham com bons olhos, mas eu tenho medo de sair e a galera falar ‘pô, UFRJ, ninguém tem aula’. (Bernardo, UFRJ)
Então, acaba que a concorrência vai ter um espírito muito parecido com o daqui, e isso é perigoso, porque aí você tem que realmente se preocupar com a qualidade do que você está oferecendo. (Cristiane, IBMEC)
145
4.3.6 Percepções sobre o mundo do trabalho
Nesta seção apresentamos uma discussão a respeito de como os jovens percebem
o mercado de trabalho, um aspecto do contexto em que vivem que emergiu como
relevante na construção do modelo teórico.
A percepção que mais se destaca entre os entrevistados é a de que o mercado de
trabalho é extremamente competitivo. Essa foi umas das descobertas que
surpreenderam, dada a posição relativamente privilegiada desses jovens. Seria
possível considerar que, por estudarem em faculdades com boa reputação no
mercado, tais jovens se sentiriam seguros de que conquistariam uma posição
satisfatória no mercado de trabalho. No entanto, a percepção que parece
predominar é a de que estudar numa boa faculdade é condição necessária, mas não
suficiente para o alcance de seus objetivos profissionais – mais ambiciosos para uns
e mais difusos para outros, conforme será discutido adiante.
Acho que hoje [o mercado de trabalho] é muito competitivo, a gente tem muitos profissionais de qualidade saindo todos os anos das faculdades prontos para ingressar no mundo, e entre tantos outros que já estão lá, que já se formaram antes de mim. Então acho que está bem complicado. (Helena)
Se você tiver um currículo bom, você está ali, se você tiver um currículo mais ou menos, já era, e se você tiver um currículo muito bom, você ainda vai ter que brigar. (Bernardo)
Ao tentar fazer sentido dessa competição, observa-se três tipos de explicação, um
deles bastante contraditório. A primeira justificativa é a da sobre-qualificação,
conforme amplamente discutido na literatura (TEICHLER, 1999). No entendimento
dos jovens que pensam dessa forma, as empresas buscariam trabalhadores com
nível superior, mas o tipo de trabalho oferecido não seria condizente com as
expectativas de quem optou por investir num curso universitário. A competição, sob
esta ótica, residiria em torno das melhores ocupações.
Eu acho que hoje é uma concorrência brutal. É dificílimo. (...) Eu acho que tem emprego, tem, mas não do jeito que as pessoas gostariam, por exemplo, com um bom salário, numa boa empresa. (Elisa)
Trabalho tem para todo mundo, é só o pessoal topar trabalhar numa área que pode ser menos do que eles acham que tinham que estar trabalhando. No Brasil tem emprego de sobra, agora, é só o pessoal topar fazer o trabalho. (Celso)
146
O segundo grupo, que corresponde à maior parte dos entrevistados, acredita que
existe espaço no mercado de trabalho, mas apenas para aqueles que investem em
sua qualificação, na busca de um diferencial em relação à “concorrência”.
Você tem que ter uma boa faculdade, tem que ter um bom curso, você tem que se dedicar. Não adianta você terminar a faculdade sem nunca ter estagiado, sem nunca ter feito nada e achar que o mercado de trabalho vai te abraçar, porque não vai. (Jacqueline)
Se você é bom, se você estuda para isso, eu acho que o mercado está bom, sempre tem gente procurando. (Gisele)
Por fim, um outro grupo de jovens procura ressaltar que “oportunidade existe, o que
falta é qualificação”, acreditando que a qualificação seria a resposta para o problema
da inserção profissional. Em seguida, porém, acaba por constatar que há
profissionais bem qualificados sem emprego ou uma carência de oportunidades, o
que seria inconsistente com a explicação anterior. Esta percepção evidencia uma
contradição, mas pode ser entendida se considerarmos, por lado, uma justificativa
para o investimento que optaram por fazer em sua qualificação e, por outro, suas
próprias dificuldades (ou de pessoas próximas) na conquista de uma colocação,
mesmo tendo boas credenciais. Os comentários de Aline e Antonio são
representativos desta contradição.
Às vezes eu acho que tem trabalho, mas o que falta mesmo é qualificação das pessoas. (...) Porque eu vejo muita gente reclamando que não tem emprego e tem várias empresas precisando, oferecendo vagas. (...) É claro que muitos não tiveram oportunidade. Mas eu vejo várias pessoas que tiveram oportunidade, que têm um bom currículo e não têm emprego. É uma coisa assim, chocante claro, preocupante para a gente que está estudando numa faculdade boa. Claro que a gente espera estar sempre empregado e tal. (Aline)
Eu acho que as oportunidades existem, mas o que não existe ainda, ou o que está faltando, é qualificação, porque tem muitas pessoas hoje em dia que procuram emprego, vão nas empresas, mas por que não são recrutadas? (...) Porque não têm qualificação, não têm aquela qualificação técnica que a empresa necessita. Eu acredito que a oportunidade no mercado de trabalho hoje em dia existe, não existe muita, mas existe. (Antonio)
Nos dois últimos grupos, observa-se a internalização do conceito mais difundido de
empregabilidade – o da empregabilidade de iniciativa –, que situa no indivíduo a
responsabilidade pela conquista de um posto de trabalho. Cabe aqui observar que
este tipo de interpretação tende a ser mais confortável, na medida em que
147
representa que estaria nas mãos do próprio jovem – e não nas do mercado – o
controle sobre sua carreira e seus desígnios, bastando a ele ou ela “correr atrás” da
qualificação. Desta forma, independentemente da explicação encontrada para a
situação do mercado de trabalho, é praticamente unânime entre os jovens
entrevistados o entendimento de que a inserção no mercado de trabalho depende
fortemente do investimento em qualificação e de que esta responsabilidade estaria
nas mãos de cada um deles. Tal percepção evidencia, além da internalização do
discurso da empregabilidade de iniciativa, a compreensão da vigência de um novo
modelo de carreira, ou novo contrato (CAPPELLI, 1999), aquele em que o jovem – e
não mais a empresa – é responsável por seu desenvolvimento pessoal e por definir
seus próprios caminhos. E é o que torna a qualificação uma processo central na vida
desses jovens, conforme será discutido mais à frente.
4.3.7 Procurando trabalho e vivendo a primeira colocação
O levantamento do histórico profissional dos jovens foi, naturalmente, um dos
tópicos abordados nas entrevistas. Dois aspectos dessa trajetória se revelaram
bastante significativos para os entrevistados: a procura por trabalho e as vivências
na primeira colocação.
O jovem perece ter dois mecanismos básicos para sua inserção nas organizações:
(1) redes de relacionamento e (2) processos seletivos tradicionais, considerados
meritocráticos, mas que guardam um elevado grau de subjetividade. No primeiro
caso, os laços fortes (parentes, amigos próximos, professores) tendem a prevalecer,
já que são mais comuns nesta fase da vida. Só profissionais mais experientes
ampliam sua rede através da construção de laços fracos, que acabam se tornando
mais importantes e eficientes para a conquista de postos de trabalho, em linha com
as proposições de Granovetter (1974). Apesar de conseguir trabalho por meio de
sua rede de relacionamentos, o jovem não parece fazer investimentos voltados
especificamente à sua construção.
Com relação aos processos seletivos, observamos ser comum estratégia de
participação em vários deles simultaneamente, sendo a grande empresa, cujos
processos são mais longos e difíceis, frequentemente privilegiada.
Eu fiquei seis meses procurando, fazendo processo, aquela chatice toda.(...) Inscrição online, aí faz entrevista, aí faz o não sei que, aí faz a prova de conhecimentos gerais, aí faz a prova online de novo ... ah, não dá. (Adriana)
148
Isso torna a procura cansativa e, em alguns casos, frustrante, já que a seleção tende
a carregar um elevado grau de subjetividade e o jovem que é reprovado (a maioria,
já que a relação candidato-vaga tende a ser grande) fica sem saber exatamente as
razões, deixando-o com um sentimento de rejeição e inadequação, que vão
crescendo na medida em que novos resultados negativos são descobertos.
Fiquei fazendo um monte de entrevistas, quase entrei para várias [empresas], sempre quase entro, né? (Bernardo)
A Shell, por exemplo, eu não passei na dinâmica. Aí eu fiquei arrasada. (...) O da Coca-Cola foi um arraso total porque eu não passei nem na prova. Realmente é muito difícil. (Elisa)
Cabe ressaltar que essa situação é agravada pelo fato de que são raras as
empresas que se preocupam em explicar ao candidato as razões de sua eliminação.
A demora, também comum, aparece ainda como mais uma fonte de ansiedade.
Com relação à primeira experiência trabalho, usualmente um estágio, foi
interessante observar a expectativa gerada pelo momento. “Dar conta” do trabalho é
algo que preocupa e causa ansiedade nesse começo. Depois que o jovem consegue
"aprender o serviço" ou “pegar as manhas” das atividades que realiza, a expectativa
passa a ser a do desempenho de um trabalho mais interessante, menos rotineiro, o
que é associado ao crescimento vertical na organização.
No quadro 4.7 a seguir apresentamos algumas dimensões da categoria “vivenciando
o trabalho” extraídas das entrevistas, evidenciando uma clara diferenciação entre o
trabalho almejado para o futuro e aquele que não é valorizado, mas que alguns
percebem como comum nessa fase da vida ou até mesmo necessário, por fazer
parte do processo de amadurecimento e aprendizado.
Quadro 4.7 – Dimensões da experiência de trabalho
Dimensão Trabalho atual Trabalho desejado
Tipo de trabalho Do dia-a-dia Analítico
Grau de inteligência Burocrático Complexo
Visibilidade (pela alta administração) Baixa Alta
Rotina Muito rotineiro Pouco rotineiro
Amplitude Micro / operacional Macro / estratégico
Oportunidade de aprendizado Não Sim
149
Por fim, cabe ainda registrar que o medo da não inserção e a percepção de que
experiências de trabalho são importantes nesse processo de qualificação – ou de
construção de um bom currículo – acabam por levar alguns jovens a aceitar o
primeiro trabalho que surge, mesmo que pouco atraente, com foi o caso de
Bernardo.
Primeiro eu estagiei no Banco do Brasil uns seis meses, foi meu primeiro estágio. Não foi muito bom não, banco não tem nada a ver comigo, tinha que fazer uma parte operacional chata, burocrática, e não podia ser efetivado porque é do governo. (Bernardo)
4.3.8 Uma rotina desgastante
A intensa preocupação com a qualificação, que exige dedicação aos estudos e ao
trabalho, acaba por ter impacto sobre o dia-a-dia dos jovens. Durante esta fase da
vida, em que precisam conciliar o estudo com as primeiras experiências de estágio
ou trabalho, praticamente todos os entrevistados têm uma rotina diária bastante
desgastante. Dependendo da distância entre o local de moradia e os locais de
trabalho e estudo, e das exigências da empresa em que trabalham, esse desgaste é
maior ou menor. Os que sofrem com as longas distâncias a serem percorridas têm
inclusive suas horas de sono comprometidas.
Deixo Niterói cedo para ir para a IBM em Botafogo. (...) Aí quatro horas da tarde eu vou pra PUC, tenho aula de cinco às dez, onze horas, e aí eu vou pra Niterói, durmo o pouco que dá. Quando eu tenho que estudar, já cheguei a dormir uma hora e meia por dia. (...) Final de semana é pra descansar, né? (Douglas)
Ao serem questionados sobre esse tipo de vida, os jovens demonstram uma postura
de resignação, alegando que tal rotina faz parte da vida de um jovem que está em
processo de preparação para a conquista de uma posição definitiva no mercado de
trabalho. Nesse sentido, alguns afirmam que o dia-a-dia intenso (1) faz parte desta
fase da vida e (2) é necessário para que alcancem uma posição melhor ou mais
estável no futuro.
Eu não me arrependo de fazer isso não. Eu acho que lá na frente eu vou colher os frutos disso. (Elisa)
Apesar disso, o sacrifício à vida pessoal é percebido por alguns desses jovens.
Hoje em dia eu venho pra faculdade, daqui vou pro estágio, do estágio vou pra casa. E tento fazer alguma coisa, mas normalmente o tempo não dá.
150
Acho que nos últimos períodos o meu tempo está muito escasso. Tempo é um dos bens mais valiosos que eu não tenho. (Helena)
Eu não tenho tido lazer, praticamente. Segunda a sexta é uma correria, chego em casa nove, dez horas. Quando venho para a UERJ, onze, meia noite. E aí durmo, no outro dia seis, sete horas estou acordando para correr para o estágio. E aí no sábado eu quero fazer a unha, cabelo, mas não consigo acordar cedo. Sábado só acordo depois das onze. Não consigo. Acumula a semana inteira, sábado vou dormir. E aí acordo às onze, tem sempre um trabalho para fazer, cuido um pouco de mim. Aí as amigas ligam “vamos sair”, e eu “ah, não, vem aqui, conversa comigo um pouco que eu vou dormir cedo também”. Mas sinto falta de vida social. Estou querendo férias desesperadamente. (Sabrina)
A atividade física é uma das primeiras a ser deixada de lado quando há falta de
tempo. Conforme observa Celso, “eu sempre fui de jogar futebol, pelo menos uma
vez por semana, mas recentemente tem sido meio difícil”. A principal exceção é
Roger, que parece conseguir manter uma rotina estável de exercícios físicos. Cabe
registrar que seu pai foi atleta profissional (jogador de futebol) e que ele próprio
considerou seguir uma carreira como jogador de handball – opção que foi
descartada em favor da Administração. Alguns alegam fazer exercício quando dá e
outros parecem nunca ter conseguido criar uma rotina de atividades.
Se por um lado o jovem acredita que trabalho e estudo concomitantes são
necessários e aceita essa realidade com alguma tranquilidade – a despeito de todo
o desgaste envolvido –, pudemos observar, por outro lado, um dilema quando trata-
se do equilíbrio entre a dedicação aos estudos e o foco no trabalho. Nesta disputa, a
balança pode tender para ambos os lados. Alguns parecem priorizar o trabalho,
possivelmente por perceberem a importância da experiência profissional para o
currículo. Outros escolhem a faculdade, optando por se desligar de estágios que
estavam, por conta da demanda de tempo, prejudicando seu desempenho
acadêmico: “eu saí porque eu realmente não estava conseguindo levar a faculdade”
(Eliane). Em ambos os casos, porém, a vontade de concluir a faculdade e de manter
um bom coeficiente de rendimento (CR) está presente. Nesse sentido, as fases em
que os entrevistados ficam sem trabalho, especialmente depois da primeira
experiência, podem envolver uma maior dedicação aos estudos, seja para aumentar
o CR, seja para cursar mais disciplinas e “adiantar a faculdade”.
151
4.4 MODELO TEÓRICO
4.4.1 Conceitos e categorias
Antes de entrarmos na apresentação do modelo teórico desenvolvido, cabe-nos
discutir alguns conceitos das ciências sociais que emergiram ao longo de sua
construção, assim como algumas categorias associadas à própria metodologia da
grounded theory.
Grupos de referência
O primeiro conceito é o de grupos de referência que, segundo Shibutani (1955),
refere-se aos grupos que funcionam como ponto de referência quando fazemos
comparações ou contrastes, especialmente em relação a nós mesmos. Para
Johnson (1997, p.121), “o grupo de referência é um conjunto de indivíduos que
usamos como padrão de comparação, pouco importando se fazemos ou não parte
desse grupo”. Peter & Olson (1999) ressaltam, ainda, que os grupos de referência
influenciam nossas percepções e comportamentos e englobam a família, amigos
próximos, colegas de trabalho, grupos de associações formais, vizinhos, etc. Desta
forma, os grupos de referência representam uma importante ligação entre as
pessoas, suas ações e o sistema social (MERTON, 1968 apud LAWRENCE, 2006).
Com relação especificamente à carreira, Barley (1989) afirma que os grupos de
referência podem servir de modelo através dos quais as pessoas identificam
possíveis caminhos profissionais a serem seguidos – conforme observamos com os
entrevistados desta pesquisa –, além de oferecer indicativos para o julgamento de
seu desenvolvimento profissional.
Os capitais de Bourdieu
Também utilizamos os conceitos de capital econômico, cultural e social propostos
por Bourdieu (BONNEWITZ, 2003). A noção de capital está ligada a uma abordagem
econômica, na medida em que é algo no qual se investe com vistas à obtenção de
um retorno em algum momento futuro.
A primeira forma de capital proposta por Bourdieu é o capital econômico,
representado pela posse de bens econômicos tais como renda, patrimônio e bens
152
materiais. Já o capital cultural refere-se às qualificações intelectuais produzidas pelo
sistema escolar ou transmitidas pela família (BONNEWITZ, 2003). Inclui desde
regras de etiqueta e a capacidade de falar e escrever bem (JOHNSON, 1997),
passando pela posse de bens culturais (capital cultural em estado objetivado) até os
diplomas e certificados escolares, as “certidões de competência” (JOHNSON, 1997)
que representam o capital cultural em estado institucionalizado (BOURDIEU, 2008b).
A teoria do capital cultural de Bourdieu – desenvolvida em resposta à teoria do
capital humano (SCHULTZ, 1971) – defende que o sistema educacional reproduz as
desigualdades sociais, uma vez que o desempenho acadêmico dependeria do
estoque de capital cultural acumulado no seio da família, na forma de referências
culturais, conhecimentos considerados apropriados e legítimos, além do melhor
domínio da língua culta. Nesse sentido, a posse de capital cultural se mostra
positivamente relacionada à posse de capital econômico.
Também fazemos uso do conceito de capital social, aqui entendido como as redes
de relacionamento que o jovem possui e que o ajudam na carreira, especialmente
pelo acesso a oportunidades profissionais, contribuindo para a conquista das
primeiras colocações, num momento em que a qualificação possuída ainda não
permite uma grande diferenciação em relação aos outros jovens. Cristiane, por
exemplo, conseguiu seu primeiro estágio com o apoio de uma tia que tinha bons
contatos numa grande empresa nacional. Neste começo de carreira, os jovens
tendem a ter currículos relativamente vazios ou “puros”, nas palavras de um dos
entrevistados, o que aumenta a importância das indicações de membros de sua rede
de relacionamentos para a conquista de um estágio ou posto de trabalho, tema
discutido recorrentemente na literatura (cf. GRANOVETTER, 1974).
Bourdieu (2008b, p. 67) define capital social como “o conjunto de recursos atuais ou
potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou
menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em
outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não
somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo
observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações
permanentes e úteis”. O volume de capital social que uma pessoa possui, ainda
segundo o autor, “depende da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar
153
e do volume de capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de
cada um daqueles a quem está ligado” (BOURDIEU, 2008b, p. 67).
Desta forma, existe uma relação positiva entre a posse dessas três formas de
capital, o que explicaria a continuidade das desigualdades sociais ao longo do
tempo.
Categorias da grounded theory
Conforme abordado na metodologia, durante o processo de análise acabamos
optando pelo uso do paradigma de codificação (the paradigm model) proposto por
Strauss & Corbin (1990), segundo o qual deve-se buscar a identificação do contexto,
condições intervenientes, estratégias e consequências (categorias analíticas)
associados aos processos centrais sob investigação, lembrando que uma categoria
ou processo torna-se central à construção do modelo teórico justamente na medida
em que outras categorias a ele se relacionam.
As variáveis ou categorias de contexto representam aspectos mais abrangentes
(macro) que cercam os jovens e que, naturalmente, são percebidos por estes como
relevantes. Já as condições intervenientes dizem respeito à micro-realidade do
jovem, alguns relacionados especificamente às suas vivências.
O conceito de estratégia envolve ações e interações do jovem – inclusive com si
mesmo (self) –, suas respostas a questões, problemas ou eventos de seu dia-a-dia.
Apesar do termo estratégia nos remeter a um conceito de opção ou escolha, voltado
ao alcance de objetivos, na construção de nosso modelo consideramos como
estratégias tanto ações intencionais como não intencionais. Por exemplo, cursar
disciplinas na faculdade é, na realidade, uma obrigação. No entanto, ela acaba por
ajudar o jovem na identificação de interesses profissionais e, desta forma, foi
considerada uma estratégia no processo de descoberta da profissão. Isto porque
muitos jovens que ainda não sabem exatamente que caminhos trilhar
profissionalmente, usam ativamente o espaço da sala de aula para vislumbrar
possíveis interesses. Pode não ser uma estratégia adotada unicamente com este
objetivo, já que cursar disciplinas é parte indissociável da graduação, mas está
presente neste processo. As consequências, por sua vez, referem-se aos resultados
das ações e interações (estratégias) ligadas ao processo.
154
4.4.2 Os processos centrais
O modelo teórico que emergiu da análise de dados é composto por três processos
centrais: descobrindo a profissão, qualificando-se e articulando o futuro profissional.
A Figura 4.2 a seguir posiciona cada um desses processos numa linha do tempo.
Como se pode observar, o fenômeno que procuramos descrever tem início com o
processo de descoberta da profissão, que vai do momento em que a pessoa começa
a pensar sobre carreira e profissão, na infância ou na adolescência, e continua até
quando o jovem percebe que está no caminho certo, ou seja, que está construindo
uma carreira que poderá lhe trazer satisfação ou que as escolhas feitas até então
viabilizarão o alcance de seus objetivos profissionais. Algum tempo depois,
usualmente durante o curso de graduação, o jovem parece se dar conta de que
precisará, durante toda a vida profissional, dedicar-se à sua qualificação. Em outras
palavras, existe a percepção de que a preocupação com a qualificação estará
sempre presente, o que faz deste um processo contínuo. O processo de articulação
do futuro profissional emerge a partir do momento em que o final da faculdade se
aproxima e o jovem percebe que precisa lidar com essa transição e se preparar para
sua inserção definitiva no mundo do trabalho.
Figura 4.2 – O modelo teórico
Descobrindo a profissão
Articulando o futuro profissional
Qualificando-se
155
Cabe ressaltar que a construção da carreira é um fenômeno dinâmico e que, em
outras fases da vida, pode acontecer uma revisão dessas primeiras descobertas e
perspectivas profissionais. Nessas outras fases, o processo possivelmente será
diferente do que propomos, mas tal questão foge ao escopo do presente trabalho.
Desta forma, o modelo teórico aqui desenvolvido diz respeito a uma fase específica
da carreira de jovens que optaram pelo ensino superior em Administração, que vai
das primeiras ideias sobre que caminhos seguir, ainda na infância ou na
adolescência, até o final do curso de graduação. Conforme fica evidente na análise
das entrevistas, esse período da construção da carreira é frequentemente permeado
de idas e vindas, com medos, conflitos e questionamentos.
A partir daqui partimos para a descrição de cada um dos três processos centrais: (1)
descobrindo a profissão, (2) qualificando-se e (3) articulando o futuro profissional. Ao
longo de toda a exposição, nos preocupamos em inserir citações dos jovens
entrevistados como forma de ilustrar os argumentos propostos. Algumas falas,
porém, podem aparecer mais de uma vez, nos casos em que dizem respeito a
diferentes aspectos do modelo.
O primeiro processo – descobrindo a profissão – envolve a busca pela identificação
do tipo de trabalho que o jovem gostaria de desempenhar no futuro, ou o
entendimento de que a opção pelo curso de Administração foi acertada, dado que a
escolha do curso superior é para muitos um momento de angústia e incertezas. Em
outras palavras, esse processo tem início quando a pessoa começa a pensar “o que
quer ser quando crescer” e se fecha no momento em que ela identifica que fez a
“escolha certa”, ou seja, que quer construir uma carreira como administrador ou que
o conhecimento de administração é o que o levará a atingir seus objetivos. É
importante registrar que alguns jovens, mesmo próximos da conclusão do curso,
ainda não estão seguros do que querem profissionalmente. Ou seja, esse processo
de descoberta da profissão pode não se concluir nem mesmo com o término do
curso de graduação.
O segundo processo – qualificando-se – é mais simples e envolve o entendimento
por parte do jovem de que a preocupação com a qualificação estará presente
durante toda a sua trajetória profissional. A partir daí, diversas estratégias são
adotadas no sentido da construção de um diferencial em relação à “concorrência”,
ou seja, os outros profissionais com quem concorrerão ao longo da carreira,
156
implicando, para muitos, na intensificação da já intensa rotina de atividades.
Subjetivamente, pode envolver uma maior confiança no futuro – entre aqueles que
se sentem preparados para o mercado de trabalho – ou uma insegurança sobre sua
capacidade de conquistar uma posição condizente com as expectativas e sonhos
que construíram.
O terceiro processo – articulando o futuro profissional – começa a partir do momento
em que o jovem vê a conclusão do curso de graduação se aproximar e percebe que
precisa pensar sobre o que fazer dali para frente. Conforme será apresentado,
utilizamos a ferramenta weberiana dos tipos ideais e identificamos quatro tipos de
jovens, que se diferenciam justamente pela forma como articulam o seu futuro, o que
por sua vez depende de algumas características pessoais. Para cada um desses
perfis, procuramos determinar como reagem e traçam estratégias para lidar com
esse momento de transição.
4.4.3 Descobrindo a profissão
Conforme já observado, a descoberta da profissão é o processo em que o jovem
busca identificar o que quer profissionalmente – o que fazer, que caminhos seguir e
que objetivos alcançar. Culmina com a percepção de que ele ou ela está no
“caminho certo”, ou seja, de que poderá, com as decisões tomadas até então,
alcançar seus objetivos profissionais, mesmo que estes ainda não estejam tão
claramente definidos. Esta percepção possui um alto grau de subjetividade e, por
essa razão, pode mudar em função de novos acontecimentos e experiências
pessoais e profissionais.
A descoberta da profissão pode, portanto, ser entendida como um processo de
autoconhecimento, em que o jovem, a partir de um determinado contexto e diante de
certas condições, adota estratégias, intencionalmente ou não, que o ajudam a
identificar que caminhos seguir profissionalmente. Esse processo pode ser dividido
em três etapas bem definidas, associadas à forma como é organizado o sistema
educacional brasileiro, especialmente à existência do vestibular como mecanismo de
acesso ao ensino superior e à forma como os cursos de graduação são
estruturados. O fato de que o jovem faz vestibular para um determinado curso de
graduação – ou a prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), conforme
será discutido mais adiante – e que este curso tem forte relação com as alternativas
157
de inserção profissional que terá no futuro, é definidor dessas três etapas,
apresentadas na Figura 4.3 e discutidas em seguida.
Figura 4.3 – As etapas do processo de descoberta da profissão
Vivendo as primeiras experiências
(ensino fundamental e médio)
Escolhendo o curso e a IES
(vestibular)
Vivenciando a faculdade
(ensino superior)
A primeira etapa – chamada de vivendo as primeiras experiências – ocorre
normalmente no período que vai da infância até o ensino médio. É desencadeado a
partir do momento em que criança/adolescente começa a pensar na vida
profissional, normalmente estimulada pelos adultos à sua volta, em casa e na
escola, que fazem a tradicional pergunta “o que você quer ser quando crescer”.
Também envolve experiências, vivências e atividades que despertam interesses
e/ou ampliam o entendimento das diferentes carreiras e profissões existentes.
Em seguida, temos uma etapa mais curta e bem definida, que normalmente vai do
final do ensino médio até o ingresso na faculdade, e envolve as escolhas sobre o
que fazer no vestibular – que cursos de graduação e para quais faculdades30. Esta
etapa, chamada de escolhendo o curso de graduação e a IES, tem grande
importância para o jovem que opta pelo ensino superior, na medida em que o curso
de graduação escolhido é percebido como definidor de suas alternativas
profissionais futuras. Desta forma, essa etapa é marcada, para muitos, pela
30 O termo faculdade será usado como sinônimo de instituição de ensino superior, para dar mais fluência ao texto e por ser o mais comumente usado pelos jovens para se referir à sua IES, independentemente de ser uma universidade, centro universitário ou faculdade propriamente dita.
158
ansiedade em torno de uma escolha percebida, se não como definitiva, pelo menos
como crucial.
Cumpre apontar que o acesso ao ensino superior em algumas instituições de ensino
pode ser feito através da prova do ENEM, dispensando, desta forma, a realização do
vestibular. Da mesma forma, porém, os jovens que fazem aquele exame também
precisam definir os cursos de graduação e faculdades aos quais se candidatarão.
Entre os entrevistados, apenas Carlos não chega a fazer vestibular e utiliza os
resultados do ENEM para ingressar na IES de sua escolha. Esse número, porém,
tende a aumentar na medida em que mais e mais faculdades passarem a adotar o
resultado dessa prova como critério de seleção para o ingresso em seus cursos de
graduação, substituindo, total ou parcialmente, o vestibular. O Programa
Universidade para Todos (ProUni), do Governo Federal, também adota o resultado
do ENEM como critério para a concessão de bolsas de estudo em instituições
privadas. Dois dos entrevistados são bolsistas do ProUni, mas também tentaram o
vestibular para universidades públicas.
Por fim, a terceira etapa refere-se ao período em que o jovem está na faculdade,
durante o qual cursa disciplinas, faz cursos extra-curriculares, e começa ou dá
continuidade às suas experiências profissionais. Este período é marcado por uma
intensa rotina de atividades na faculdade e fora dela e foi denominado de
vivenciando a faculdade. A seguir passaremos à discussão mais detalhada dessas
etapas, incluindo o contexto, condições intervenientes e estratégias envolvidas em
cada uma delas.
4.4.4 Vivendo as primeiras experiências
Esta primeira fase do processo de descoberta da profissão começa quando a
pessoa ensaia as primeiras considerações sobre que caminhos seguir
profissionalmente e vai até o momento em que o vestibular se aproxima e é
necessário escolher que cursos tentar e para quais instituições de ensino superior.
Conforme já observado, a maioria dos entrevistados começa a pensar sobre a
profissão, ou o que ser quando crescer, ainda na infância, usualmente estimulados
pelos adultos com os quais convivem, na família e na escola. Poucos são os que só
atentam para o assunto mais velhos, quando o fim do ensino médio e a proximidade
do vestibular praticamente os força a pensar na carreira. Nesse sentido, e conforme
159
será discutido em maior detalhe mais adiante, a chegada do vestibular representa
um importante momento de reflexão, já que a grande maioria dos jovens
considerados na pesquisa sequer considera a hipótese de não fazer faculdade. Na
realidade, mesmo que o jovem optasse por não ingressar no ensino superior, como
foi o caso de Mauro, a conclusão do ensino médio envolveria uma transição para o
mundo do trabalho, exigindo, da mesma forma, reflexões e ações por parte do
jovem.
Essas primeiras experiências vividas ao longo do ensino fundamental e médio
servem para mostrar trajetórias que podem ser interessantes, mas também permite
que a pessoa identifique caminhos que não devem ser seguidos. Em outras
palavras, a vivência dessas primeiras experiências serve para mostrar o que se
quer, mas também o que não se quer, ou ainda o que não se pode, se percebido
como inviável.
A partir do momento em que entende que precisará escolher uma profissão, a
criança/adolescente passa por diferentes experiências que o(a) auxiliam nesse
processo. Essas chamadas “estratégias” de identificação de possíveis caminhos a
trilhar ou de trajetórias a evitar podem ser combinadas em quatro grupos,
identificados a partir das vivências dos entrevistados:
� Participar de cursos e atividades;
� Cursar escola técnica;
� Trabalhar / estagiar;
� “Ver o mundo”.
Nem todos passam necessariamente por todas essas experiências, mas cada uma
delas, quando vivida, amplia o conhecimento da criança/adolescente sobre as
diferentes profissões e tende a ajudar nesse processo mais amplo que chamamos
de descoberta da profissão. De forma mais imediata, tais experiências resultam nas
seguintes consequências:
� Identificando interesses;
� Descobrindo o que não quero;
� Descobrindo o que não posso – ou “caindo na real”.
160
Ainda com relação a esta etapa do processo, não identificamos nenhuma variável
contextual significativa, possivelmente porque, nesta fase da vida, o universo da
criança/adolescente está limitado a aspectos mais próximos de sua realidade, as
chamadas condições intervenientes. Com relação a tais condições, foi possível
identificar três delas, que impactam a forma como essa etapa é vivenciada pelo
jovem: grupos de referência, capital cultural e capital econômico. A figura 4.4 a
seguir ilustra essa primeira etapa do processo de descoberta da profissão, incluindo
condições intervenientes, estratégias e suas consequências.
Figura 4.4 – Vivendo as primeiras experiências
Consequências
Identif icando interesses Descobrindo o que não quero “Caindo na real”
Estratégias
Participar de cursos e atividades
Cursar
escola técnica
Trabalhar /
estagiar“Ver o mundo”
Condições intervenientes
Grupos de referência Capital cultural Capital econômico
Contexto e condições intervenientes
Conforme colocado, não observamos nenhum aspecto contextual que tivesse
impacto relevante sobre esta etapa do processo. Com relação às condições
intervenientes, foi possível identificar, em primeiro lugar, a influência de grupos de
referência. No presente estudo, observamos que as primeiras ideias sobre que
caminhos seguir são frequentemente influenciadas por grupos de referência da
161
criança/adolescente, que neste caso englobam a família, amigos próximos de
familiares, além de grupos profissionais com os quais a criança tem contato direto ou
indireto – professores e jogadores de futebol.
Aline, por exemplo, pensou primeiramente em ser arquiteta por causa de uma tia
que era arquiteta.
Eu lembro que eu jurava que ia ser arquiteta. Engraçado, era pequenininha e talvez por influência da minha tia que era arquiteta, não sei por que eu cismei que ia ser arquiteta. (Aline)
Por conta desta influência, ela participa de um curso em que o adolescente passa
um dia em contato com determinada profissão e a arquitetura foi a escolhida por ela.
Essa experiência, cabe ressaltar, fez com que ela desistisse da ideia, por não ter se
identificado com o trabalho.
Tinha lá [no curso] uma profissional de arquitetura, uma arquiteta, ela ensinava uns conselhos, aí até então tudo bem. Aí ela resolveu levar a gente na prática, eu achei tão chato. Falei ‘Deus me livre fazer isso pelo resto da minha vida’. Ela começou a falar de viga para a ponte não cair, que o prédio não sei o quê. Eu falei ‘não, não é isso que eu quero’. (Aline)
Mais à frente, no ensino médio, ela participa do programa mini-empresa da ONG
Junior Achievement e, desta vez, a experiência desperta nela o interesse pela
administração e, mais especificamente, pela área de marketing.
Celso também considera determinadas profissões em função de parentes e amigos
dos pais. Ele se interessa por turismo e hotelaria em função de um casal de amigos
que era dono de pousadas na Ilha Grande e em Búzios, e também descobre o
interesse por computadores por conta de um tio que tinha negócios na área.
Eu tenho amigos dos meus pais que têm, por exemplo, negócios na Ilha Grande, pousadas em Búzios também. Eu também já trabalhei com eles, então é uma área que eu acho muito interessante, eu trabalhava mais como guia, porque eu falo inglês e alemão, no espanhol a gente fala um ‘portunhol’. (Celso)
Adriana é outra que parece ter se interessado por marketing por influência de uma
prima.
Eu acho que o que me deu um certo viés assim para marketing foi uma prima que eu tenho por parte de mãe, que ela é bem próxima da gente, ela morou lá com a gente em Botafogo uma época, o pai dela sempre morou fora, ele era diplomata. (Adriana)
162
A profissão dos pais é quase sempre considerada uma possibilidade a ser seguida.
No entanto, cabe registrar que nenhum dos entrevistados mencionou o interesse de
seguir a profissão do pai ou da mãe, sendo que alguns deles falam explicitamente
das razões que os levaram a não querer trilhar o mesmo caminho dos pais. Helena,
cujos pais são empresários do ramo de turismo, é avessa à ideia de ser
empreendedora e tem por objetivo profissional fazer carreira como executiva de
empresa, possivelmente porque seus pais enfrentaram muitas dificuldades em seus
negócios. O mesmo pode-se dizer de Nelson, que tem pais empresários, mas
expressa uma grande vontade de ter um emprego estável, ao contrário do que viu
acontecer com seu pai, que passou por muitas dificuldades até se estabilizar: “quero
um emprego aonde eu faça o que eu goste e que tenha certa estabilidade”.
Guilherme se interessou pela administração, entre outros fatores, ao ver as
dificuldades de sua mãe como dona de um salão de beleza. No entanto, esse
interesse parece mais associado à vontade de ajudar do que propriamente por ter a
mãe como um exemplo a ser seguido. Celso é outro que menciona explicitamente
que não teria o menor interesse em seguir a profissão dos pais (ambos são
engenheiros civis), por acreditar não ter, como eles, habilidade para o desenho,
considerada necessária ao exercício desta profissão.
Nesse sentido, as vivências profissionais dos familiares servem de exemplo para a
criança/jovem. No entanto, uma trajetória parece só se transformar em aspiração se
é percebida como bem sucedida – o que não ocorreu com Helena, Nelson e
Guilherme – e também se o jovem percebe que tem as habilidades necessárias ao
exercício da profissão considerada, o que não observamos no caso de Celso.
O interesse em torno de algumas profissões, como a de jogador de futebol entre os
meninos, e a de professora entre as meninas, também parece estar relacionada ao
papel dos grupos de referência. Como o futebol faz parte do universo dos meninos,
é natural que seus ídolos acabem servindo de exemplo na construção de suas
aspirações profissionais. O mesmo ocorre com as professoras entre as meninas, já
que nesta fase da vida a maior parte dos educadores é do sexo feminino. Ao sentir
atração pela figura da professora, é natural que a menina pense em trilhar o mesmo
caminho profissional desta pessoa que ela admira.
O capital cultural foi identificado como a segunda condição interveniente desta etapa
do processo de descoberta da profissão. Isto porque a posse de capital cultural –
163
representada pelo acesso a diferentes bens (livros, por exemplo) e manifestações
culturais (visitas ao cinema e a museus, teatros, exposições, etc.), e também pelo
nível ocupacional e cultural de pais e familiares – amplia a possibilidade de o jovem
identificar interesses e opções profissionais. Carlos, por exemplo, menciona que seu
interesse pela redação de roteiros veio da convivência com seu avô, um escritor
publicado.
A terceira condição interveniente é o capital econômico ou condição sócio-
econômica31, na medida em que a posse de recursos financeiros viabiliza o acesso a
cursos e vivências que ajudam a criança/jovem na descoberta de interesses
profissionais. Carlos, por exemplo, fez um curso de cinema nos Estados Unidos que
foi determinante para que ele confirmasse seu interesse pelo cinema. O mesmo
ocorreu com Aline, que fez o já mencionado curso de experimentação da profissão
por um dia.
Desta forma, a posse dos capitais econômico e cultural se combinam no sentido de
dar ao jovem acesso a informações e vivências em relação às diferentes profissões,
ajudando-o neste processo de descoberta.
A condição sócio-econômica funciona como condição interveniente também por
outra razão. O entendimento de que determinadas carreiras exigem pesados
investimentos em termos de qualificação faz com que jovens mais humildes “caiam
na real” e excluam certas profissões de seu leque de opções. Esse foi o caso de
Ruth, que chega a sonhar com a carreira de diplomata, mas rapidamente percebe
que não teria as condições econômicas necessárias à viabilização desse sonho.
Estratégias
A partir dessas condições intervenientes, os jovens adotam basicamente quatro tipos
de estratégias que, intencionalmente ou não, os ajudam no processo de descoberta
da profissão nesta fase que vai da infância até o ensino médio. A primeira delas,
conforme já apontado, é participar de cursos e atividades. Os casos de Aline e de
Carlos, já mencionados, são exemplos dessa estratégia.
A outra estratégia, compartilhada por oito dos entrevistados, envolve cursar escola
técnica em paralelo com o ensino médio. Antonio, Guilherme, Joana e Nelson
31 Ao longo do trabalho tratamos estes termos como sinônimos.
164
fizeram curso técnico em informática. Elisa fez Hotelaria no Colégio Técnico da
Rural, vinculado à Universidade Federal Rural, e Mauro cursou escola técnica de
Mecânica. Por fim, Leila e Paula fizeram curso técnico em Administração na Escola
Técnica Estadual Oscar Tenório, unidade da Fundação de Apoio à Escola Técnica
(FAETEC).
De acordo com esses jovens, a busca pela qualificação técnica é percebida como
uma forma de garantir o conhecimento de um ofício, que viabiliza o acesso imediato
a oportunidades profissionais, mas também representa um período de
experimentação, em que ele ou ela identifica possíveis caminhos a seguir ou
trajetórias a evitar. Em outras palavras, a escola técnica serve para que o jovem
descubra o que quer, mas também aquilo que não quer. Esse foi o caso de Elisa,
Guilherme e Nelson, que optaram por seguir caminhos diferentes ao do curso
técnico que escolheram. Elisa fez curso técnico de hotelaria e afirma não ter vontade
de se submeter à vida de quem trabalha com turismo, com longas jornadas de
trabalho e pouco tempo livre. Guilherme fez escola técnica de informática e, apesar
de ter gostado do curso, afirma não ter se interessado por seguir carreira na área.
Nelson também descobre durante o curso técnico que a informática era para ele
mais um hobby do que um interesse profissional.
Antonio teria interesse em continuar com informática, mas acabou sendo levado a
estudar Administração, por conta da bolsa de estudos que conseguiu na faculdade
em que trabalhava e por não ter sido aprovado no vestibular para universidades
públicas, já que não teria condições financeiras de arcar com a mensalidade de uma
faculdade privada. Joana chega a trabalhar com informática, área pela qual se
interessa, mas acaba fazendo vestibular para Administração, por conta do estímulo
de um amigo do pai e também porque a experiência de trabalho a leva a se
interessar pelo curso. Leila e Paula, que fizeram curso técnico em Administração,
optam por seguir esse caminho e fazer graduação em Administração. Por fim, temos
o caso de Mauro, que chega a trabalhar alguns anos como técnico em mecânica e
só mais tarde decide tentar uma graduação, por conta das dificuldades enfrentadas
na conquista de um emprego na área.
A terceira estratégia envolve trabalhar e/ou estagiar. Nesta fase da vida, tais
ocupações acontecem em empresas de familiares e/ou amigos, ou ainda por conta
da complementação (obrigatória) da formação técnica, para aqueles que optaram
165
por fazer cursos técnicos no ensino médio. Nesse sentido, os oito entrevistados que
fizeram escola técnica também utilizaram a experiência de trabalho vivida durante o
curso para identificar caminhos a seguir ou trajetórias a evitar, conforme observado
anteriormente.
Além deles, Celso também teve experiências de trabalho nesta fase da vida. Uma
delas foi na pousada de amigos dos pais e outra foi com um tio empresário do setor
de informática. Ambas as experiências serviram para despertar nele o interesse por
essas carreiras. Celso acaba optando pelo curso de Administração do IBMEC, que
oferecia uma habilitação em sistemas de informação.
Um dos meus tios (...) tinha uma loja de computação e teve uma época em que eu passei três meses trabalhando lá com ele, era uma montadora de computador. (...) Eu trabalhei muito na área de montagem, foi aí também que começou a surgir o meu interesse por computador. (Celso)
Por fim, identificamos uma estratégia que denominamos “ver o mundo” e que
corresponde a observações, vivências e experimentações não estruturadas da
criança/jovem que acabam por despertar interesses profissionais. Ernesto, por
exemplo, na infância pensava em ser dono de uma empresa de design, por causa
de uma novela em que havia um escritório famoso.
Acho que era mais o ambiente que a novela transmitia, digamos assim, um certo charme, um apelo glamoroso, que fazia com que as coisas me despertassem interesse. (Ernesto)
Mauro, por sua vez, sonhava em ser o MacGyver, personagem principal do seriado
de televisão Profissão: Perigo, que usava o conhecimento científico e itens simples,
ao invés de armas, para solucionar os problemas com os quais se deparava.
Interessante notar que Mauro acaba optando por fazer escola técnica em mecânica.
Cristiane pensava em ser piloto de avião e depois comissária de bordo porque na
infância viajava frequentemente de avião, já que morou por muitos anos em
Florianópolis e passava as férias com a avó no Rio de Janeiro. Jacqueline tinha o
sonho de ser diplomata, muito em função do tempo em que morou com a família em
Brasília.
Queria fazer Relações Internacionais, fazer concurso para o Itamarati, essa coisa toda. Morei quatro anos em Brasília. Acho que lá você se envolve um pouco com isso, você vê muita gente, você vê as embaixadas, você visita. Então acho que é todo um clima que favorece. (Jacqueline)
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Consequências
Complementando esta primeira fase do processo de descoberta da profissão, temos
as consequências das estratégias descritas acima, que são: identificando interesses,
descobrindo o que não quero e descobrindo o que não posso – ou “caindo na real”.
Conforme apresentado na discussão das estratégias, as experiências de trabalho e
estudo e as vivências do dia-a-dia permitem ao jovem descobrir interesses – como
foi o caso de Carlos e Aline com os cursos e atividades que realizaram, e o de Leila
na escola técnica de Administração. A influência dos grupos de referência, tais como
familiares e amigos de familiares, também faz emergir interesses profissionais.
Além dos casos já mencionados, como os de Aline, com a tia arquiteta, e de
Adriana, com a prima que trabalhava com marketing, temos ainda o caso de Gisele,
cuja mãe trabalhava como secretária de uma grande empresa multinacional. Ao
frequentar constantemente o trabalho da mãe, Gisele teve a oportunidade de
conviver com profissionais da empresa e daí veio o sonho da carreira executiva.
Em segundo lugar, as vivências desta fase da vida revelam caminhos a serem
evitados na vida profissional, como ocorreu com Elisa ao fazer escola técnica de
Turismo e Hotelaria e com Nelson na escola técnica de informática.
Por fim, identificamos que tais vivências e experimentações podem ter como
consequência a descoberta de impossibilidades em termos de opções profissionais.
Em outras palavras, alguns jovens falam em “cair na real” em relação aos seus
sonhos da infância e da adolescência, ao perceberem que não teriam condições de
levá-los adiante, seja por falta de recursos ou em função das dificuldades inerentes
à profissão. Ruth se encaixa no primeiro caso. Ela logo percebe não ter condições
de levar adiante o sonho de ser diplomata, já que vem de uma família de origem
humilde e sem condições de arcar com os pesados investimentos necessários à sua
qualificação. Além da questão financeira, ela também parece se sentir insegura de
sua capacidade de adquirir tantos conhecimentos que acredita serem necessários
ao exercício da profissão.
Eu comecei a ler e me encantei com a profissão de diplomata. Nossa, é lindo, maravilhoso, é culto. Achei o máximo. Aí depois pensei ‘pô, ser diplomata é demais pra mim’, porque você precisa de investimento em muitas línguas, muita cultura, muito conhecimento. Não dá para dar um salto assim, viver no surreal. Vamos tentar uma coisa um pouco mais acessível à realidade. (Ruth)
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Nelson é um dos jovens que sonhava com a carreira de jogador de futebol. Ele
chega a jogar nas divisões de base de um grande time carioca, mas acaba por
perceber as dificuldades que enfrentaria no caminho.
Cheguei a jogar no Vasco e tudo, mas quando você vai crescendo, vai amadurecendo, vai caindo na real. (...) [Por que desisti?] Eu acho que foi a falta de oportunidade e talvez de talento também (risos), sei lá. (...) Joguei no salão, mas não tive muita oportunidade para poder ir para o campo, é muito difícil. Tinha que ter contato, enfim, era complicado. (Nelson)
Antonio também descarta a possibilidade de seguir a carreira de médico,
possivelmente porque, na medida em que passa a conhecer um pouco mais sobre a
profissão, se dá conta das dificuldades e sacrifícios inerentes a ela.
Conclusões
Praticamente todos os jovens começam a pensar sobre a profissão (o que ser
quando crescer) ainda na infância. Somente Adriana, Eliane e Gabriela afirmam não
ter tido interesses profissionais nesta fase da vida. No entanto, observamos ser
baixa a relação entre esses sonhos e as escolhas que efetivamente aconteceram, já
que apenas Douglas, Gisele e Leila manifestaram o sonho de trabalhar com
administração ainda na infância. A explicação para este resultado foge aos objetivos
do presente trabalho, mas é possível especular que o amadurecimento, para o bem
ou para o mal, distancia a criança/adolescente de seus sonhos infantis. Para o bem
na medida em que tais sonhos podem ser fantasiosos e distantes da realidade.
Podemos aqui citar o caso de Aline, que pensava em ser arquiteta mas, após um
contato mais profundo com a profissão, percebe que tinha uma imagem distorcida da
arquitetura e que não iria gostar do trabalho. Para o mal nos casos em que o jovem
abre mão de um desejo genuíno em função da percepção de dificuldades que
poderiam ser contornadas.
Ernesto e Celso manifestavam o interesse de ser donos de empresas, mas no
momento em que pensam isso, possivelmente por ainda estarem na infância, não
associam com o curso de Administração. Evidência disso é que Ernesto começa a
estudar Engenharia, e só mais tarde troca para Administração, e que Jorge escolhe
Administração justamente para postergar a escolha da profissão. Outra possibilidade
seria a perda do interesse pelo mundo empresarial, já que muitos desses sonhos de
infância são descartados ao longo do tempo, na medida em que outros mais
168
consistentes emergem ou o jovem ganha maior entendimento a respeito da
profissão, desinteressando-se.
A principal conclusão a que chegamos é que o contato mais profundo com as
profissões ainda cedo, no ensino fundamental ou médio, é fundamental para abrir a
cabeça da criança/adolescente para as possibilidades que existem e para dar
consistência às escolhas. Aline, por exemplo, participou do programa mini-empresa,
da ONG Junior Achievement, quando estava no ensino médio, e essa experiência foi
decisiva na sua opção pela administração.
Até então não sabia o que eu ia fazer. Aí lá na escola onde eu estudava, já com 16 anos, no segundo ano, eu participei de um programa de uma ONG, a Junior Achievement, chamado programa mini-empresa. Lá que eu descobri o mundo empresarial que nem conhecia tão profundamente, aí descobri marketing, fui diretora de marketing da mini-empresa. Aí foi tão legal que eu falei ‘é isso o que eu quero da minha vida’. Aí desde então eu já quis fazer vestibular para o marketing. Aí falava da ESPM, que era voltada para o marketing e tal, aí sempre foi meu objetivo. (Aline)
Quando tinha aproximadamente 14 anos, Carlos foi estimulado por um orientador da
escola onde estudava a fazer um curso de cinema nos EUA. Depois do curso, ele diz
ter descoberto o que queria profissionalmente – ser produtor de cinema – e desde
então suas decisões são orientadas por este desejo. A opção pelo curso de
Administração foi decorrência do entendimento, alcançado um pouco mais à frente,
de que esta seria a formação que melhor o capacitaria a atingir seu objetivo.
Um cara que me conhecia, como se fosse um psicólogo da escola, conversando comigo, porque eu sempre fui muito amigo do pessoal da administração da escola, ele falou: ‘ah, eu acho que você deveria fazer esse curso, esse curso o pessoal fala’. E aí eu fiz o curso, e quando eu saí do curso eu falei: ‘eu quero fazer produção de cinema’, bem específico. (Carlos)
Para muitos desses jovens, no entanto, a profissão só começa a ser pensada com
mais intensidade e seriedade ao final do ensino médio, a partir do momento em que
percebem que será necessário escolher um curso de graduação. Isso pode ser ruim,
na medida em que o jovem se sente pressionado a fazer escolhas e tem pouco
tempo para dar maior embasamento às suas decisões. A segunda etapa do
processo de descoberta da profissão, discutida a seguir, representa justamente o
momento em que o jovem se depara com a necessidade de escolher o curso de
graduação e a instituição de ensino superior.
169
4.4.5 Escolhendo o curso de graduação e a IES
Praticamente todos os jovens entrevistados sequer pensaram na possibilidade de
não fazer faculdade. Para a maioria, a trajetória idealizada é “vou sair da escola, vou
fazer faculdade e vou arranjar um emprego”, nas palavras de Gisele. Roger parece
ter pensado em não fazer faculdade, mas muda de ideia assim que entra no ensino
médio, estimulado especialmente pela irmã mais velha, que já havia ingressado num
curso superior, e pela mãe.
As exceções ficam por conta de Mauro e Joana. O primeiro opta por ingressar no
mercado de trabalho após a conclusão da escola técnica em mecânica. E só
considera o ensino superior quando é demitido da empresa de manutenção de
aviões para a qual trabalhou por quase dois anos e sente dificuldades de se
recolocar, dada a crise que abalou o setor após o atentado ao World Trade Center
de Nova York, em setembro de 2001. Joana afirma que sempre pensou em fazer
faculdade, mas seu objetivo era trabalhar por algum tempo após a conclusão do
ensino médio para então tentar o vestibular: “eu tinha 17 [ao final do ensino médio],
pensava em começar a faculdade com uns 20 anos". De fato, ela só ingressa na
faculdade de Administração depois de dois anos atuando na empresa em que seu
pai também trabalhava. Essas trajetórias, portanto, diferem um pouco daquela mais
usual, em que o jovem, com a proximidade do fim do ensino médio, já começa a
pensar no vestibular e no seu ingresso no ensino superior.
O fato de que poucos foram os jovens que consideraram a hipótese de não fazer
curso superior não surpreende, dado o grande valor dado à educação superior
formal no Brasil. Conforme observa Edson Nunes, ex-presidente e membro do
Conselho Nacional de Educação, em entrevista à Revista Educação Superior, "há
uma valorização excessiva do bacharelado. Há muitos profissionais formados em
cursos que duram quatro anos, como Direito e Comunicação Social, que enfrentam
dificuldade para se inserir no mercado trabalho, porque esse tipo de formação não
condiz com as reais necessidades do país" (AVANCINI, 2008).
170
Figura 4.5 – Escolhendo o curso de graduação e a IES
Condições intervenientes
Grupos de referência Capital econômico Habilidades e interesses
Consequências
Decidindo o que fazer
Estratégias
Fazer orientação vocacional
Acionar rede de relacionamentos
Pesquisar e ref letir sozinhos
Contexto
Mercado de trabalho
competitivo
Perspectivas prof issionais
Concorrência para cursos e
IESs
Políticas educacionais
Qualidade / reputação da
IES
Nesta segunda etapa do processo de descoberta da profissão, que ocorre ao final
do ensino médio, apresentada na Figura 4.5, o jovem se vê diante da necessidade
de escolher o curso de graduação que irá cursar e em qual IES.
Contexto
Com relação ao contexto no qual o jovem se vê inserido, identificamos que os
seguintes aspectos influenciam, em alguma medida, suas escolhas de curso de
graduação e instituição de ensino superior.
� Mercado de trabalho competitivo;
� Perspectivas profissionais para as diferentes profissões;
� Concorrência para cursos de graduação e IESs;
� Políticas educacionais (ProUni, bolsas de estudo);
171
� Qualidade percebida / reputação da IES.
Na escolha do curso de graduação, a maior parte dos jovens leva em consideração
as perspectivas profissionais associadas às diferentes profissões, na medida em que
existe a preocupação em escolher uma que lhe dê boas oportunidades de inserção e
que ofereça condições de trabalho vantajosas – uma boa remuneração, perspectivas
de crescimento, etc. Nesta etapa, o jovem já percebe o mercado de trabalho no geral
como altamente competitivo e, por essa razão, procura buscar um curso superior
que aumente as suas chances de inserção.
Conforme observado na seção temas relevantes, diversos jovens escolhem estudar
Administração justamente porque percebem que este curso lhes trará muitas
oportunidades. Por outro lado, alguns cursos são descartados justamente por não
terem, na sua percepção, boas perspectivas. O entendimento que “contador fica
pobre” ou que “jornalista ganha mal” serve para excluir tais profissões do leque de
opções consideradas.
A concorrência no vestibular para os diferentes cursos de graduação também tem
impacto sobre as escolhas desta etapa. Alguns cursos são desconsiderados por
serem muito concorridos e, portanto, de difícil aprovação, tais como Comunicação
Social, Engenharia, e Informática / Ciência da Computação / Sistemas de
Informação. Essa desistência se dá, normalmente, após uma ou duas tentativas
frustradas de aprovação, mas também pode ocorrer sem que o jovem sequer tente o
vestibular. Entre os entrevistados, Joaquim e Joana desistem de Comunicação
Social depois de tentarem, sem sucesso, a aprovação. Elisa tinha o sonho de ser
jornalista e, por conta disso, faz prova para o curso de Comunicação Social na
UFRJ. No entanto, declara que tentou Relações Públicas na UERJ por considerar
que seria muito difícil passar para Jornalismo. Celso e Mauro fazem vestibular para
Engenharia, mas não são aprovados, enquanto Antonio tenta por dois anos
consecutivos passar para Informática, Ciência da Computação e Sistemas de
Informação, sem sucesso. Por fim, temos o caso de Adriana, que desiste de
Produção Cultural depois de ser reprovada duas vezes consecutivas. Desta forma, a
Administração surge, para alguns, como um paliativo para cursos mais desejados,
porém inviáveis.
172
Como os vestibulares mais concorridos são para as universidades públicas, observa-
se que esses jovens têm em comum a carência de recursos para financiar o ensino
superior privado. A exceção é Adriana, que acaba por fazer uma faculdade privada.
No seu caso, o problema é que o curso que pretendia cursar (Produção Cultural) só
é oferecido pela UFF.
As políticas educacionais são relevantes na medida em que viabilizam, para jovens
de origem sócio-econômica inferior, o acesso ao sonho do curso superior. Entre os
entrevistados, Daniel e Elisa entraram na PUC através do ProUni, enquanto
Guilherme e Antonio conseguiram bolsas de estudo de suas respectivas instituições
de ensino (FGV e ESPM). Sem tais benefícios, esses jovens provavelmente não
teriam conseguido dar continuidade à sua educação.
Por fim, a reputação / qualidade percebida da IES é outra variável contextual, na
medida em que muitos jovens levam esses aspectos em consideração na escolha da
faculdade. Isto porque a percepção de que o mercado de trabalho é competitivo, e
de que a qualificação é sua principal arma para lidar com essa competição, faz com
o jovem procure uma “boa” faculdade – entendida como uma que ofereça o
aprendizado necessário ao seu desempenho no trabalho e/ou que faça parte do
leque das empresas contratantes. Além disso, o orgulho e o reconhecimento por
estudar numa faculdade de prestígio também parecem ser importantes.
Eu acho a Fundação [Getúlio Vargas] uma instituição muito legal, séria, os professores são bons, você vê casos, você vê vida real, você vê reconhecimento: ‘pô, você estuda na FGV!’ (Gisele)
Cristiane, por exemplo, depois que opta por fazer vestibular para Administração,
decide buscar “a melhor faculdade”. Ela, inclusive, considera mudar-se para São
Paulo, por entender que a EAESP-FGV daria a ela acesso ao melhor ensino
possível em Administração. Acaba indo para o IBMEC porque não é aprovada no
vestibular para aquela instituição. Para jovens que têm condição de escolher entre a
pública e a privada, alguns dão preferência à universidade pública em função de sua
reputação junto ao mercado de trabalho. Celso, por exemplo, que estuda no IBMEC,
afirma que teria ido para a UFRJ se tivesse sido aprovado no vestibular.
Eu teria ido [para a UFRJ]. Eu teria ido mais pelo peso que a faculdade tem, porque o IBMEC naquela época eu conhecia, mas o fundão é o fundão. Mesmo hoje em dia a faculdade estando um lixo fisicamente, ela tem um
173
nome, muito, muito forte, e no mercado de trabalho, infelizmente, é o que pesa. (Celso)
Após ingressarem no ensino superior, diversos alunos de universidades públicas
parecem se dar conta das deficiências em relação à qualidade do ensino nessas
instituições. A maior parte se sente relativamente segura em função da boa
reputação que essas universidades gozam entre as empresas contratantes, mas é
possível vislumbrar uma certa preocupação quanto a este aspecto no futuro,
conforme apontamos anteriormente.
Condições Intervenientes
Entre as condições intervenientes observadas nesta etapa do processo de
descoberta da profissão, os grupos de referência e o capital econômico seguem,
como na fase anterior, tendo sua relevância. Adicionalmente, os interesses e
habilidades percebidas pelo jovem também influenciam a escolha do curso de
graduação.
No caso dos grupos de referência, a influência de familiares e outras pessoas
próximas à família também ocorre na escolha do curso de graduação e da instituição
de ensino superior. Gustavo menciona a participação da irmã e do cunhado na sua
opção pelo curso de Administração – ambos fizeram este curso, apesar de sua irmã
ter desistido antes de concluí-lo. Helena cita a influência de um primo de sua mãe.
Gisele, conforme já mencionado, opta por fazer Administração ao se espelhar no
exemplo de uma amiga da mãe, que era executiva de uma multinacional.
Cabe ainda ressaltar o papel de pais e mães nesse sentido. Conforme observado na
etapa anterior, os jovens naturalmente consideram o exemplo dos pais na escolha
do curso de graduação. O caminho traçado pelo pai ou pela mãe pode ser percebido
tanto como um exemplo a ser seguido como por algo a ser evitado. Entre os
entrevistados da pesquisa, nenhum opta por seguir a trajetória do pai ou da mãe.
Os grupos de referência também influenciam a escolha da IES. Gabriela, por
exemplo, opta pela FGV por ser a instituição recomendada por amigos de sua mãe.
Helena também decide pela FGV por indicação de um primo da mãe, o mesmo que
a havia estimulado a estudar Administração. Eliane parece ter optado pela PUC
porque sua mãe e sua irmã haviam estudado lá.
174
Também é importante observar que alguns jovens oriundos de colégios privados que
optam pela universidade pública assim o fazem como uma forma de retribuição ao
esforço dos pais. A lógica é a de que, ao estudar numa escola privada, o jovem se
qualifica a conseguir uma vaga numa faculdade pública, e essa conquista representa
uma forma de retribuir o esforço que os pais fizeram para arcar com os custos de um
colégio privado. Além disso, observamos que diversos pais têm a universidade
pública em alta conta e orientam seus filhos nessa direção.
O capital econômico do jovem tem influência direta na escolha da instituição de
ensino superior. Entre os mais ricos, todas as opções estão disponíveis: podem
arcar com os custos de uma faculdade privada e, como tiveram acesso a uma boa
educação no ensino médio, a maioria tem condições de passar para uma faculdade
pública. Alguns seguem esta opção, em função de seu prestígio ou, ainda, como
retribuição ao esforço dos pais. Outros, no entanto, decidem pela faculdade privada,
em função do cumprimento do calendário escolar, já que não há greves, e da maior
seriedade e atenção dos professores.
Eu amo a FGV, adoro. Eu não sei se eu conseguiria estudar em uma faculdade pública, porque eu acho essencial a atenção do professor. E eu sei, é obvio que não é todo mundo, mas tem casos de greve, meus amigos estudam todos em faculdade pública, isso me irrita profundamente. (Gisele)
Para os jovens de origem mais humilde, porém, suas opções são mais limitadas.
Alguns se dedicam aos estudos e, com alguma dificuldade, conseguem a aprovação
numa faculdade pública. Outros chegam ao ensino superior através do ProUni,
quando sua situação permite32. Há ainda jovens que obtêm bolsas de estudos
concedidas pela própria faculdade privada, como foi o caso de Antonio na ESPM e
de Guilherme na FGV. Apesar de terem conseguido chegar ao ensino superior, os
jovens de condição sócio-econômica inferior tendem a sofrer limitações quanto às
escolhas de cursos e instituições de ensino – pela dificuldade de aprovação, já que
normalmente estudaram em colégios com ensino mais fraco, ou pela carência de
recursos para custear faculdades privadas, quando não há possibilidade de
32 Para ser elegível ao ProUni, o jovem deve ter estudado em escola pública ou ter sido bolsista integral de escola privada, além de ter renda familiar mensal igual ou inferior a 1,5 salário mínimo para receber bolsa integral, ou entre 1,5 e três salários mínimos para o acesso a uma bolsa parcial de 50%.
175
obtenção de bolsa ou esta possibilidade não é vislumbrada ou considerada pelo
jovem.
As habilidades e interesses também representam uma condição interveniente, uma
vez que o jovem procura levá-las em consideração na escolha do curso de
graduação. Este resultado não surpreende, na medida em que faz todo o sentido
buscarmos uma ocupação numa área de nosso interesse e na qual possamos
aplicar as habilidades que possuímos. As primeiras teorias de carreira já apontavam
para esta conexão entre as escolhas de carreira e valores, motivações, interesses e
habilidades percebidas (por exemplo, HOLLAND, 1996).
No entanto, descobrimos que não é incomum o jovem, na tentativa de escolher uma
profissão de seu interesse e na qual possa fazer uso de suas habilidades, relacionar
as matérias do colégio com as diferentes profissões. Na tentativa de identificar que
matérias de colégio seriam importantes no exercício das diferentes profissões, o
jovem muitas vezes recorre às provas discursivas do vestibular. A lógica é a de que,
se uma matéria é cobrada na prova discursiva, que tem um peso maior, ela deve ser
importante e necessária para a carreira naquela área. O problema é que, no caso de
Administração – e possivelmente em muitas outras carreiras também –, essa relação
é fraca. As provas discursivas para o curso de Administração normalmente são
matemática e história, sendo que esta última guarda uma baixa relevância ao
exercício da profissão de administrador.
Desta forma, o uso desse tipo de lógica evidencia uma carência de informações a
que o jovem tem acesso na hora de fazer suas escolhas e aponta para a
necessidade de se ampliar a sua familiaridade com os diferentes cursos de
graduação e as profissões, incluindo as habilidades exigidas e as competências
necessárias ao seu exercício, ajudando-o a fazer escolhas mais conscientes.
Essa questão se tornará ainda mais importante se considerarmos que, em algum
momento futuro, o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) poderá ser adotado
pelas faculdades em seus processos seletivos, já que é uma prova única aplicada
independentemente do curso de graduação almejado. Se não houver mais provas
diferentes para cursos diferentes, o jovem perderá essa referência, ainda que pobre,
na hora de escolher um curso de graduação.
176
Estratégias
Quando o jovem chega nesta etapa do processo – que corresponde ao final do
ensino médio – sem saber que graduação pretende cursar, observamos a adoção de
três possíveis estratégias, adotadas isoladamente ou em conjunto, todas elas
envolvendo a busca de mais informações sobre si mesmos e/ou os diferentes cursos
e profissões a eles associados. O fato de que muitos jovens chegam ao final do
ensino médio sem ideia do que fazer (20 dos 31 entrevistados, conforme será
discutido mais à frente, na seção quando ocorre a descoberta da profissão?) deixa
mais uma vez evidente a carência de informações de que dispõem para decidir.
Além disso, quatro dos entrevistados mudaram de curso, o que também sugere uma
falta de embasamento com a qual sua decisão foi tomada33.
A primeira estratégia adotada pelo jovem é a orientação vocacional, que significa a
busca de informações sobre si mesmo e sobre as diferentes profissões junto a
profissionais em orientação vocacional e/ou de carreira. Entre nossos entrevistados,
Cristiane e Daniel adotaram essa estratégia. Nelson também pensou nesta opção,
mas acabou desistindo.
A outra estratégia é a de busca de informações e orientação junto à rede de
relacionamentos do jovem, incluindo familiares, amigos de familiares, colegas de
colégio, além de amigos mais velhos e experientes, que já se encontravam no
ensino superior. Algumas dessas pessoas podem fazer parte de grupos de
referência do jovem, mas não necessariamente. Para traçar essa diferenciação,
chamamos o conjunto de pessoas a quem o jovem recorre na busca de orientação
de redes de relacionamento, em linha com a literatura sobre o tema. De acordo com
Fugate, Kinicki & Ashforth (2004), por exemplo, as redes de relacionamento são
importantes para a carreira, entre outras razões, por servirem de fonte de informação
e apoio. Tais redes representam o capital social do jovem, pois além de prover
orientação de carreira, também facilitam o acesso a oportunidades profissionais.
A diferença entre redes de relacionamento e grupos de referência é que a influência
destes tende a ser natural ou não intencional. Já as redes de relacionamento são
ativamente acionadas a partir do momento em que o jovem sente a necessidade de
informação ou orientação. Desta forma, por exemplo, o pai pode ser visto como
33 Regina opta por Administração depois de já estar cursando Psicologia, mas seu caso não representa uma mudança, já que ela fica cursando os dois simultaneamente.
177
parte da rede de relacionamento do jovem, se ele ou ela busca ativamente seu apoio
e orientação, mas também pode ser considerado grupo de referência se o jovem
nele se espelha para direcionar sua carreira, ainda que indireta ou
inconscientemente.
Alguns entrevistados mencionam conversas que tiveram com seus pais e/ou mães
que foram importantes, e em alguns casos determinantes, para suas escolhas. Este
é o caso de Ernesto, que havia considerado estudar Economia, mas acaba optando
por Engenharia depois que o pai, advogado, o estimula na direção de uma “carreira
tradicional”, ou seja, Engenharia, Medicina ou Direito.
Nós estávamos jantando e eu falei para o meu pai: ‘estou pensando em fazer economia’. E ele: ‘não, porque economia não é uma das carreiras tradicionais, eu acho que você tem que fazer engenharia’. E eu: ‘tá bom’. (...) Eu acabei nem discutindo muito, mas com o passar do tempo eu fui vendo que aquilo não era muito o meu interesse. (Ernesto)
Desta forma, observamos que alguns jovens, na tentativa de escolher um curso de
graduação, buscam ativamente informações junto a pessoas de suas redes de
relacionamento, percebidas como bem informadas ou mais experientes. Douglas,
por exemplo, menciona ter buscado o apoio de amigos mais velhos. Ele já chega ao
final do ensino médio com o interesse pela Administração relativamente bem
definido, mas ainda assim busca orientação já que percebe similaridades entre os
cursos de Administração, Economia e Relações Internacionais. Jacqueline afirma ter
conversado com o padrinho de seu irmão, que a aconselha a estudar Administração
e posteriormente buscar uma pós-graduação em comércio exterior, o que seria a
melhor aproximação relativamente a seu desejo de estudar Relações Internacionais
– inviável por conta de sua carência de recursos para pagar uma faculdade
particular34. Celso, por sua vez, conversa com um casal de tios que trabalha numa
empresa de recrutamento e seleção.
Por fim, alguns jovens procuram chegar a uma decisão a partir da reflexão solitária,
sem o apoio direto de ninguém. Essa estratégia também pode ser chamada de soul
searching, na medida em que o jovem se volta para si mesmo com o objetivo de
encontrar o curso de graduação mais adequado às suas características e interesses.
Nesse processo, o jovem também se informa sobre os diferentes cursos de
34 Na época em que tenta o vestibular, não havia cursos de graduação em Relações Internacionais oferecidos por universidades públicas no Rio de Janeiro. O primeiro foi o da UFRJ, lançado em 2009.
178
graduação para achar o mais adequado ao seu perfil. As principais fontes citadas
são os guia de estudantes encontrados na internet e os manuais e cadernos do
vestibular oferecidos pelas faculdades e universidades. Bernardo é um dos jovens
que adotou essa estratégia: “escolhi sozinho, ‘vou fazer Administração, tem cara de
ser maneiro’”.
Consequências
Nesta etapa do processo de descoberta da profissão, a consequência direta dessas
estratégias de busca de informação e apoio é simplesmente a escolha do curso de
graduação e da IES. Em alguns casos, a decisão é mais focada e, em outros, a
insegurança em relação à própria decisão ou à possibilidade de aprovação no
vestibular tornam as opções mais difusas.
Entre os entrevistados, dos 26 que fizeram o primeiro vestibular para Administração
(cinco entrevistados só entram para Administração depois de terem cursado, total ou
parcialmente, outra graduação), apenas 11 fazem vestibular apenas para o curso de
Administração. Os demais tentam dois ou mais cursos, sendo o caso extremo o de
Adriana, que no segundo ano em que faz vestibular (no primeiro ano é reprovada em
todos) tenta os cursos de Produção Cultural na UFF, Comunicação Social na PUC,
Administração na UFRJ, UERJ e ESPM, além de Turismo na UNIRIO.
Cabe ressaltar que Adriana é a que parece ter feito menos uso das estratégias aqui
descritas, tanto da primeira quanto da segunda fase do processo, o que sugere seu
valor no sentido de orientar as escolhas do jovem. Durante o ensino fundamental e
médio, ela não participou de nenhum curso ou atividade, não fez escola técnica e
não trabalhou, além de não ter demonstrado preocupação em explorar as diferentes
profissões. Na época do vestibular, não buscou orientação vocacional e nem parece
ter refletido muito sobre suas alternativas. O único apoio que diz ter obtido foi de
uma prima que trabalhava com marketing.
Conclusões
Na tentativa de encontrar o curso de graduação e a IES mais adequados aos seus
interesses e expectativas, os jovens podem recorrer a três tipos de estratégias,
todas elas voltadas à obtenção de informações – junto a profissionais do ramo
179
(orientadores vocacionais), com pessoas de sua rede de relacionamentos, ou ainda
a partir de uma busca solitária. Nos três casos, essa procura por informações gira
em torno do autoconhecimento e do conhecimento a respeito dos diferentes cursos
de graduação e instituições de ensino.
4.4.6 Vivenciando a faculdade
Esta etapa do processo, chamada de vivenciando a faculdade, começa a partir do
momento em que o jovem ingressa no ensino superior e teoricamente termina com a
conclusão do curso. As entrevistas que realizamos, porém, foram com estudantes de
Administração ainda não formados, uma vez que um dos objetivos da pesquisa era
justamente o de compreender a preparação para sua inserção definitiva no mundo
do trabalho. Nesse sentido, todas as entrevistas foram realizadas durante esta fase
do processo de descoberta da profissão. Aqueles que estavam mais próximos da
conclusão do curso iriam se formar aproximadamente 3 meses após realização das
entrevistas, enquanto que os mais distantes estavam há dois anos da data prevista
de formatura. Cabe observar que, como a construção da carreira é contínua,
qualquer que fosse o nosso recorte em termos do momento de realização das
entrevistas implicaria encontrarmos um dos processos em andamento. Além disso,
como o modelo foi construído a partir dos dados, as etapas do processo ainda não
haviam sido delineadas.
Na figura 4.6 a seguir apresentamos as características desta fase do processo de
descoberta da profissão, que envolve a consolidação, o ajuste ou a revisão das
escolhas feitas até então. Aqui o jovem cursa disciplinas, começa ou continua a
trabalhar ou estagiar, além de realizar outros cursos extra-curriculares. Como
consequência dessas atividades/estratégias, ele pode ganhar mais clareza quanto a
suas escolhas, pode descobrir novos interesses e fazer ajustes em suas
perspectivas e ambições profissionais e pode, ainda, rever completamente suas
escolhas, retornando à etapa anterior, como no caso de jovens que optam por fazer
outro curso de graduação depois de já estarem na faculdade, tendo ou não
concluído e permanecendo ou não no curso anterior.
180
Figura 4.6 – Vivenciando a faculdade
Consequências
Identif icando interesses Ganhando clareza Revendo escolhas
Estratégias
Cursar disciplinas Trabalhar / estagiar Fazer cursos extra-curriculares
Condições intervenientes
Grupos de referência Capital econômico
Contexto
Mercado de trabalho competitivo Perspectivas prof issionais para as diferentes prof issões
Contexto e condições intervenientes
A percepção de que o mercado é competitivo e as considerações a respeito das
perspectivas profissionais para as diferentes profissões seguem fazendo parte do
contexto do jovem nesta fase do processo. No entanto, as vivências e o
amadurecimento podem fazer o jovem rever seus conceitos e, portanto, suas
ambições e escolhas profissionais.
Eliane, por exemplo, opta inicialmente por estudar Comunicação Social com o
objetivo de se tornar jornalista. Ao se aproximar do final do curso e a partir de suas
experiências de trabalho, se depara com a dura realidade da profissão – conforme
ela mesma afirma, “jornalista ganha mal”. Por conta dessa constatação, ela revê sua
escolha e acaba por decidir voltar à faculdade para cursar Administração, cujas
perspectivas de profissionais são, na sua visão, melhores.
181
Com relação às condições intervenientes, seguem sendo relevantes os grupos de
referência e o capital econômico. No caso dos grupos de referência, observamos
que nesta fase ganha destaque o papel desempenhado pelo professor universitário,
que pode servir como orientador profissional, modelo a ser seguido ou simplesmente
como aquele que desperta no jovem o interesse por determinadas áreas da
Administração, em função das disciplinas que lecionam. Adriana, por exemplo,
afirma ter “encantamentos”, o que desperta nela possíveis interesses profissionais.
Eu tenho uns encantamentos, estou encantada com trade [marketing], estou assim alucinada. (...) O que mais me fascina na verdade é o negócio do cigarro, porque eles não têm como fazer propaganda nenhuma, e aí eles só têm que botar para vender. (Adriana)
Além disso, ela também menciona conselhos recebidos de um professor, que
alertava que, na carreira, é importante aprender a “engolir sapos”.
Ele chegou para mim assim e falou (...) ‘tem que aprender, estou te dando esse toque porque é para a tua vida, tem que aprender a engolir sapos’. E no trabalho acontece, você tem que engolir sapo. (Adriana)
Celso menciona o importante papel de uma professora como alguém que o orientava
e lhe dava dicas profissionais e Joana fala de um professor como um exemplo de
sucesso, por ser reconhecido no mercado em que atua e em função de suas
conquistas profissionais.
Eu tenho ícones. Eu tenho um professor lá na UFF que eu acho hors
concours o que ele faz. Ele tem consultoria, dá aula na UFF, fez curso de especialização em Harvard. (...) O nome dele já é a marca dele, todo mundo conhece, não precisa dizer ‘ah, ele estudou em Harvard’. Não, todo mundo sabe que ele é o cara. (Joana)
Com relação ao capital econômico, é ele que viabiliza a realização de cursos extra-
curriculares que ajudam o jovem, em alguma medida, a descobrir ou consolidar seus
interesses profissionais. Nesse sentido, e conforme voltaremos a discutir quando
falarmos do processo de qualificação, observamos jovens que gostariam de investir
mais na realização de cursos, mas são impossibilitados pela falta de recursos
(próprios e/ou de seus familiares) ou ainda por falta de tempo, já que
frequentemente precisam trabalhar mais horas para aumentar sua remuneração e
ajudar em casa ou com os próprios estudos. Aqueles oriundos das classes mais
altas, por outro lado, são privilegiados – seus pais normalmente podem pagar pelos
182
cursos desejados e também dispõem de mais tempo, já que podem trabalhar menos
horas e apenas visando a aquisição de experiência.
Estratégias
A primeira estratégia que ajuda o jovem nessa fase do processo de descoberta de
interesses e ambições profissionais envolve cursar disciplinas na faculdade. Essa
não é uma estratégia deliberada, já que tem que ser obrigatoriamente cumprida, mas
é importante no sentido de dar ao jovem um conhecimento maior sobre as diferentes
áreas da administração e sobre possíveis alternativas profissionais.
Além de Adriana, que afirma ter “encantamentos” com disciplinas, foi possível ver
jovens que começaram a faculdade sem muita certeza a respeito de que caminhos
trilhar na Administração e que descobriram interesses a partir de disciplinas que
cursaram. Bernardo, por exemplo, que pretende construir sua carreira no mercado
financeiro, parece ter se interessado pela área, entre outras razões, porque as
disciplinas relacionadas ao tema eram as melhores. Por estudar numa faculdade
pública, enfrenta com alguma frequência o problema da desmotivação e/ou
desinteresse de certos professores.
Eu gosto quando realmente tem matéria interessante. Quando tem professor bom, tem matérias que eu assisto com o maior gosto, e realmente são as matérias financeiras, porque são mais levadas a sério. (Bernardo)
O trabalho ou estágio realizado nesta fase da vida também ajuda bastante. Para
alguns jovens, tais experiências foram decisivas. Cristiane, por exemplo, descobriu
seu interesse por recursos humanos depois de duas experiências profissionais, na
Empresa Júnior de sua faculdade e como estagiária de uma grande empresa
nacional.
Quando eu entrei para a Empresa Júnior daqui, eles falaram das áreas, o que tinha e tal. Eu fui para RH, eu gostei da área e fui. (...) Antes de decidir que eu realmente queria RH, uma amiga da minha tia estava trabalhando na Braskem lá em São Paulo, em RH. E aí eu estava lá no final de semana, num feriado e eles estavam procurando estagiário, e ela falou: ‘faz uma entrevista com meu chefe pra ver como é uma entrevista, você nunca fez nada do tipo’. E eu fiz e acabou que o cara gostou muito de mim. (...) Aí eu fui e fiquei três meses lá, nas férias, estagiando em São Paulo. Aí sim, aí eu tive certeza que era RH. (Cristiane)
183
No caso de Ernesto, a experiência como presidente da Empresa Júnior de sua
universidade foi fundamental para sua decisão de trancar a faculdade de Engenharia
e mudar para Administração.
Eu acho que existiu um elemento preponderante para que eu tomasse uma decisão de mudar de curso. Foi justamente a experiência profissional que eu tive durante a minha graduação interrompida de Engenharia. Eu entrei para a PUC em 2003. No início de 2005, maio de 2005, eu entrei para a Empresa Júnior da PUC. (Ernesto)
Algumas vezes, o jovem escolhe o estágio mais preocupado com a empresa do que
com o conteúdo do trabalho em si e vai, aos poucos, descobrindo interesses a partir
dessas experiências. Lia, por exemplo, que quando entrou na faculdade tinha a
expectativa de trabalhar com comércio exterior, acaba se interessando por logística:
“eu me surpreendi porque não achei que fosse gostar tanto, gosto bastante”.
Nessa fase da vida, o trabalho também é encarado como mecanismo de
experimentação. O jovem pode já ter ideia do que quer profissionalmente, mas
aceita um trabalho em outra área pela experiência, que é vista como positiva para o
currículo, mas também para confirmar o desinteresse pela área. Esse foi o caso de
Cristiane, que já tinha identificado seu gosto por recursos humanos, mas aceita um
estágio na controladoria da IBM pela curiosidade e pela experiência.
Aí eu fui para a IBM, controladoria. Na verdade, fui trabalhar com faturamento. Sabe, assim, testar a aderência? Zero. Mas foi muito legal. (...) Aí fiquei lá, mas a aderência à área foi zero. Experiência, né?
Por fim, a realização de cursos extra-curriculares também pode ajudar nesse
processo de identificação de interesses profissionais, mas identificamos ser uma
estratégia mais voltada para a qualificação, conforme discutiremos no segundo
processo central, que envolve justamente os diferentes investimentos do jovem
nessa direção. No entanto, foi possível observar jovens que, ao fazer tais cursos,
buscam, além de uma maior qualificação, ganhar mais segurança de que estão no
caminho certo ou, por outro lado, escolher outros caminhos, no caso em que o curso
faz o jovem rever seus conceitos em relação àquela área da administração. No
primeiro caso, podemos inserir Leila e Cristiane. Leila decide fazer um curso de
extensão em logística, depois que uma experiência de trabalho despertou nela o
interesse pela área. Cristiane, por sua vez, decide fazer um curso de extensão em
recursos humanos com o duplo objetivo de se qualificar e de consolidar sua escolha.
184
Fernando, por sua vez, estava na dúvida se gostaria de fazer carreira em marketing
ou em recursos humanos. Após começar um curso de extensão em RH, opta pelo
marketing, já que o curso, apesar de proveitoso, evidencia aspectos que não o
interessavam. Segundo ele, fazer o curso de RH o fez ter certeza de sua opção pelo
marketing.
Está sendo muito bom o curso que estou fazendo, estou conhecendo várias outras coisas que eu não conhecia, mas RH em si, trabalhar com recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, eu não consigo imaginar. (Fernando)
Consequências
Conforme observado na discussão precedente, as consequências diretas das
estratégias adotadas pelo jovem nesta fase do processo de descoberta da profissão
são, em primeiro lugar, a identificação de interesses profissionais, como aconteceu
com Adriana, em função de disciplinas cursadas na faculdade, com Jacqueline a
partir de seu estágio em logística, e com Cristiane após o trabalho e o estágio em
recursos humanos. Além disso, as estratégias descritas também podem ajudar o
jovem a adquirir mais clareza quanto às escolhas profissionais, como foi o caso de
Leila e Cristiane com os cursos de extensão que realizaram.
Por fim, identificamos que algumas dessas estratégias podem ter como
consequência a revisão completa das escolhas feitas até então, como aconteceu
com os jovens que, já estando na faculdade, optaram por iniciar o curso de
Administração. Para uns, a experiência de trabalho é o principal estopim dessa
reorientação profissional. Além do já citado exemplo de Ernesto, Eliane desiste de
ser jornalista após sucessivas experiências de estágio e de trabalho, que
evidenciaram, na sua percepção, as dificuldades inerentes à profissão – baixos
salários e poucas perspectivas de crescimento. Para outros, a decepção com as
disciplinas cursadas na faculdade pode ser decisiva para tal reorientação, como foi o
caso de Gabriela, que achou o curso de Economia excessivamente teórico. Reinaldo
desiste da engenharia por uma combinação desses dois fatores. Ele se decepciona
com a engenharia mecânica e depois com a engenharia aeronáutica à medida em
que vai cursando disciplinas e descobre o interesse por administração em função do
estágio numa grande empresa multinacional.
185
Era um trabalho que tinha já um pouco de administração, tinha um pouco de gestão de projetos. Não era aquela engenharia de faculdade. Como eu estava no começo, assim, os dois primeiros anos de engenharia é cálculo, física um, dois, três e quatro, são matérias chatas, cálculo numérico. Então no trabalho era uma coisa super-legal, dinâmica, e na faculdade era eletromagnetismo. (Reinaldo)
Em resumo, este período é marcado por experimentações teóricas (disciplinas e
cursos) e práticas (trabalho e estágio) que ajudam o jovem a identificar ou consolidar
caminhos a trilhar, ou ainda rever suas escolhas.
Conclusões
A principal conclusão a que podemos chegar com base nas vivências observadas
nesta fase do processo de descoberta da profissão é a de que a construção da
carreira é um processo dinâmico, com idas e vindas para muitos. Alguns chegam ao
curso de Administração sem muita ideia do que exatamente irão fazer dali para
frente. Este foi o caso de todos os jovens que optaram pelo curso justamente porque
ele abre a perspectiva de adiamento da escolha. Outros chegam com uma ideia,
mas mudam com a experiência acadêmica e/ou profissional, como foi o caso de
Jacqueline, que optou pelo curso de Administração para especializar-se em
comércio exterior – o que seria uma melhor aproximação ao seu sonho de estudar e
fazer carreira em Relações Internacionais – mas acaba se interessando pela área de
logística.
Há ainda os que revêem totalmente as suas escolhas, como aconteceu com quatro
dos cinco entrevistados que chegam a começar, ou mesmo terminar, um outro curso
superior (Comunicação Social, Economia, Engenharia, Engenharia Mecânica /
Aeronáutica), para só então optarem pelo curso de Administração. O caso de Regina
não representa uma reorientação, já que ela tinha o desejo de trabalhar com
recursos humanos desde que optou por estudar Psicologia e a decisão de também
fazer uma graduação em Administração foi decorrente de sua percepção de que
este curso agregaria à sua formação acadêmica.
Os exemplos de jovens que passam por mais de um curso de graduação são
comuns, conforme sugerem os dados relativos à evasão escolar apresentados no
capitulo 335, as informações desta pesquisa (quatro em 31 mudaram de faculdade) e
35 Vários fatores podem causar a evasão escolar, sendo um deles a mudança de curso de graduação.
186
a própria experiência da autora como professora da disciplina de Administração da
Carreira, ministrada no Curso de Administração de uma das faculdades
consideradas neste estudo. Em dois semestres letivos, podemos citar mais de uma
dezena de casos de jovens que optaram pelo curso de Administração depois de
terem tentado e se decepcionado, por diferentes razões, com uma outra faculdade –
Medicina Veterinária, Odontologia, Pedagogia, Turismo, Engenharia, Economia,
Informática, Comunicação Social, entre outras.
Essa última situação evidencia a possibilidade que um jovem tem de retornar da
terceira para a segunda etapa do processo de descoberta da profissão. Desta forma,
a imagem representativa dessas fases fica ligeiramente diferente da apresentada
originalmente (figura 4.3). Apresentamos a versão original e a versão ampliada e
definitiva na figura 4.7 a seguir, considerando a situação em que um jovem que,
depois de iniciar o ensino superior, opta por retornar à etapa anterior, escolhendo
um outro curso, na mesma ou em outra IES.
Figura 4.7 – Descobrindo a profissão: versão original e ampliada
Vivendo as primeiras experiências
(ensino fundamental e médio)
Escolhendo o curso e a IES
(vestibular)
Vivenciando a faculdade
(ensino superior)
Vivendo as primeiras experiências
(ensino fundamental e médio)
Escolhendo o curso e a IES
(vestibular)
Vivenciando a faculdade
(ensino superior)
Versão original
Versão ampliada
187
4.4.7 Quando ocorre a descoberta da profissão?
Na discussão precedente, abordamos o processo – chamado de descobrindo a
profissão – no qual o jovem busca encontrar um caminho profissional que seja
percebido como interessante e satisfatório.
Naturalmente, a pergunta que cabe a nós fazer é, em que momento ocorre esta
descoberta da profissão? A resposta a esta pergunta não é direta, dado que o
entendimento por parte do jovem de que ele ou ela se encontra no caminho certo, ou
de que as escolhas feitas até então o(a) levarão a um futuro condizente com suas
expectativas, possui um elevado grau de subjetividade, podendo inclusive mudar em
função de pequenos acontecimentos, sejam eles positivos ou negativos, tais como a
perda do emprego, a efetivação ou não na empresa em que se estagia, ou a
aprovação ou reprovação num processo seletivo.
No exercício de análise que faremos a seguir procuramos identificar, para cada um
dos entrevistados, o momento em que ocorreu tal descoberta ou as razões que
evidenciam que essa descoberta ainda não aconteceu. Conforme colocamos, a
descoberta da profissão pode ou não se dar ao longo dessas três fases do processo.
Em outras palavras, é possível que o jovem chegue ao final da faculdade sem saber
exatamente quais são seus interesses profissionais e para onde gostaria de
direcionar sua carreira, conforme verificamos com alguns dos entrevistados.
Cabe aqui destacar que ao jovem entrevistado não foi feita uma pergunta direta
sobre este ponto – em primeiro lugar porque o modelo ainda não havia sido
construído, mas especialmente em função da subjetividade da questão, que poderia
ser compreendida de formas distintas por diferentes entrevistados. Na figura 4.8 a
seguir apresentamos em que fase ocorreu a descoberta para cada um dos
entrevistados.
188
Figura 4.8 – O momento da descoberta da profissão
No ensino fundamental
No ensino médio
No vestibular
Durante a faculdade
Ainda não ocorreu
05. Carlos09. Douglas15. Gisele22. Leila
02. Aline13. Fernando16. Guilherme18. Helena20. Joana23. Mateus
01.Adriana03. Antonio06. Celso19. Jacqueline24. Mauro26. Paula27. Regina29. Rosana30. Ruth31. Sabrina
07. Cristiane08. Daniel10. Eliane11. Elisa12. Ernesto14. Gabriela17. Heitor21. Joaquim28. Reinaldo
04 Bernardo25. Nelson
Totais: 4 6 2 9 10
No ensino fundamental
Quatro dos jovens entrevistados se descobrem profissionalmente ainda no ensino
fundamental. Carlos tem seu interesse pela profissão de produtor de cinema
despertado após fazer um curso de cinema nos Estados Unidos, estimulado por um
orientador do colégio onde estudava.
E aí eu fiz o curso, e quando eu saí do curso eu falei: ‘eu quero fazer produção de cinema’, bem específico. (Carlos)
Douglas afirma que sempre, ou seja, desde a infância, pensava em seguir uma
profissão ligada à Administração, por gostar de matemática e da imagem da vida
executiva. Na época do vestibular chega a pensar em outros cursos similares, como
Economia e Relações Internacionais, mas acaba optando pela Administração.
Eu acho que eu sempre quis alguma coisa voltada para Administração, era inevitável. Sempre me via vestido assim, usando terno. E eu sempre gostei de número, minha mãe até conta que eu alugava meus bonequinhos no colégio, no supermercado eu fazia as contas antes da caixa, eu gostava sempre de fazer conta e não sei, sempre me interessou isso. Quando eu jogava jogo também. Em banco imobiliário eu sempre era o banco. (Douglas)
189
Gisele também fala que sempre quis estudar Administração. No seu caso, o
interesse veio pela convivência com as pessoas e o ambiente da empresa na qual
sua mãe trabalhava, especialmente uma amiga da mãe, a quem chamava de tia, que
era alta executiva da empresa – conforme já destacamos. A partir deste momento da
infância em que decide buscar o sonho da vida executiva, suas escolhas são
orientadas nesse sentido. Até a opção pela faculdade, a FGV, foi decorrente do
exemplo desta amiga da mãe, que havia estudado lá.
Eu sempre quis fazer Administração, e na FGV. (Gisele)
Leila é outra jovem que descobre seu interesse por Administração ainda no ensino
fundamental. Na infância pensava em ser professora, mas se desestimulou ao ter
um contato mais profundo com a realidade da profissão, através do exemplo de três
tias professoras.
As minhas tias são [professoras]. (...) Aí eu olhava aquilo ali e ‘poxa, não é essa vida que eu quero’. Minhas tias ficavam a semana inteira, o fim de semana inteiro corrigindo prova, várias provas de alunos que escreviam barbaridades absurdas, que eu não sei como é que uma pessoa consegue escrever aquilo. E eu vi que não era o que eu estava buscando. (Leila)
No último ano do ensino fundamental, ela tem a oportunidade de fazer um curso
ligado à Administração e desde então, por ter gostado da experiência, passa a
orientar sua carreira nesse sentido. Faz ensino médio técnico em Administração e
depois ingressa na faculdade de Administração.
Teve uma iniciativa lá em Mesquita – porque eu moro em Mesquita – de uma escola particular. Eu estava na 8ª série, devia ter uns 13 anos... De um cursinho de auxiliar técnico de administração. Aí eu fiz e gostei. (Leila)
Essa inevitabilidade, presente no discurso de Douglas, ou a forte certeza na fala de
Gisele, suscita a questão da vocação em administração. Será que é possível alguém
se sentir vocacionado a trabalhar como administrador? Nas entrevistas de
adensamento teórico, esta questão foi abordada. Nenhum dos jovens afirma ter a
vocação para Administração e alguns não acreditam que tal vocação exista. Outros,
porém, reconhecem esta possibilidade e parecem associar vocação com a posse de
determinadas habilidades necessárias, na sua percepção, à profissão de
administrador, tais como as de comunicação e liderança. A hipótese que levantamos
é a de que em qualquer profissão pode haver pessoas que se sentem vocacionadas
a exercê-la, mas que essa percepção é mais comum naquelas em que as aptidões
190
necessárias e as características da profissão são mais evidentes, como é o caso da
Medicina.
No ensino médio
Seis jovens descobriram seu interesse pela Administração durante o ensino médio.
Para estes, o início do ensino médio veio com a sensação da proximidade do
vestibular, o que os estimulou a pensar a profissão com mais profundidade.
Aline, conforme já mencionamos, se descobriu após participar do programa mini-
empresa, da ONG Junior Achievement.
Até então não sabia o que eu ia fazer. Aí lá na escola onde eu estudava, já com 16 anos, no segundo ano, eu participei de um programa de uma ONG, a Junior Achievement, chamado programa mini-empresa. Lá que eu descobri o mundo empresarial que nem conhecia tão profundamente, aí descobri marketing, fui diretora de marketing da mini-empresa. Aí foi tão legal que eu falei ‘é isso o que eu quero da minha vida’. (Aline)
Fernando afirma que teve certeza de que queria estudar Administração antes de
entrar na faculdade. Mais especificamente, tinha vontade de trabalhar com marketing
em empresas do setor de telecomunicações. Apesar de ter tido algumas incertezas
pelo caminho – por exemplo, também faz vestibular para Biologia –, suas escolhas
têm sido orientadas nesse sentido e ele atualmente ele faz estágio na área de
marketing de uma grande empresa do setor.
Antes de entrar na faculdade eu tive certeza que eu queria fazer Administração mesmo. Pensava em trabalhar com marketing, sempre quis trabalhar com telecom. Entrei na faculdade sabendo que queria trabalhar com telecom. (...) Eu sempre fui muito ligado a celular, tecnologia, comunicação em si, então sempre me atraíram. (Fernando)
Guilherme fez escola técnica de informática, por ser a melhor alternativa dentre as
que tinha (o colégio onde iria estudar oferecia poucas opções), mas durante o curso
descobre seu interesse pela Administração. A convivência com as dificuldades que a
mãe enfrenta na gestão de seu salão de beleza e a crença de que a profissão de
administrador é bem remunerada serviram de estímulo.
Entre os cursos que tinha para escolher, escolhi o de informática. Pra mim era o mais razoável. Eu gostei, mas aí acabou o segundo grau e eu já queria fazer faculdade pra negócios (...) Primeiro por causa da minha mãe, porque ela conversava bastante comigo, e segundo porque eu comecei a gostar muito de dinheiro. (Guilherme)
191
Ele tem enfrentado muitas dificuldades no caminho, mas não desiste de seu sonho
de se tornar administrador. Em primeiro lugar, porque não teve uma boa formação
no ensino fundamental e médio, o que dificultou a sua aprovação no vestibular. Não
tinha recursos para pagar um cursinho, mas acabou conseguindo vaga num pré-
vestibular comunitário, o que foi determinante para seu sucesso. Enfrenta, ainda,
alguma dificuldade para acompanhar o curso de Administração, especialmente nos
primeiros períodos, e também para pagar as mensalidades, já que só passou para
faculdades privadas e na FGV, onde estuda, conseguiu apenas uma bolsa de
estudos parcial.
Helena decide estudar Administração também durante o ensino médio, por estímulo
de um primo da mãe, um empresário que a convence de seu potencial para trabalhar
na área. Ela faz questão de deixar claro que o fato de ter pais empresários não
serviu de incentivo a tal escolha, especialmente pelas dificuldades que os viu
enfrentar. Por essa razão, seu principal objetivo na carreira é alcançar um alto cargo
executivo numa empresa privada.
A administração surgiu não pelo fato dos meus pais serem empresários, porque eu nunca pensei em continuar a empresa deles, mas por uma proposta que eu tive de um primo da minha mãe, que tem uma multinacional brasileira. Ele conseguiu expandir bastante os negócios dele, e ele sempre acreditou muito em mim, me achava muito inteligente, pelos nosso papos. Ele falava: vem trabalhar comigo, vem trabalhar comigo, vem trabalhar comigo. (...) E aí acabou surgindo a ideia. (Helena)
Joana fez ensino médio técnico em informática, mas opta por não seguir carreira na
área. Conforme já discutido, a experiência da escola técnica muitas vezes
representa um caminho a não ser seguido.
Quando terminou o ensino médio eu tinha 17 anos, eu já estava com a cabeça cheia, falei ‘não quero nunca mais ver computador na minha vida’. Aí eu não sabia o que ia fazer, eu falei ‘meu Deus, eu não quero mais informática, mas eu fiz três anos de informática, o que eu vou fazer?’ Aí meu pai falou, ‘cara, faz um cursinho para você entrar para a faculdade’. (Joana)
A ideia de fazer faculdade só surge ao final no ensino médio, diferentemente da
grande maioria dos entrevistados que não considerava outra opção que não a do
ingresso no ensino superior. Depois que começa a fazer cursinho pré-vestibular, se
interessa por Comunicação Social, mas não é aprovada no vestibular. No ano
seguinte ela segue fazendo cursinho preparatório e começa a trabalhar na empresa
em que seu pai trabalhava. É a partir dessa vivência que Joana descobre seu
192
interesse por Administração, evidenciando a importância da experiência prática na
descoberta da profissão.
Aí uns seis meses depois que eu entrei lá [na empresa], (...) eu comecei a ver que o que eu lidava ali tinha muito a ver com o que eu era, porque o trabalho faz você refletir como você é na vida real. (...) Aí eu percebi que eu tinha várias características de administração. Aí eu pensei ‘cara, na administração eu posso ver um pouco de informática, posso ver um pouco de marketing que eu gosto, tem a ver com toda a minha fissura por organização’. Aí eu comecei a ler sobre, e tinha amigas minhas que faziam, e tudo mais. Aí eu falei ‘cara, por que eu não pensei em Administração antes? É a solução dos meus problemas’. (Joana)
Por fim, temos o caso de Mateus, que também afirma ter se encontrado
profissionalmente durante o ensino médio.
[Comecei a pensar em Administração], na verdade, a partir do segundo ano do ensino médio. Eu comecei a ter maior contato com a própria administração, organização de grupos, mesmo para atividades de escola, coordenação de algumas atividades. Então eu comecei a ter uma maior familiaridade com a questão da administração: ‘poxa, é pra isso aqui mesmo que eu sirvo’. (Mateus)
No vestibular
Dois jovens – Bernardo e Nelson – parecem ter se descoberto com a reflexão
motivada pela proximidade do vestibular. Apesar de a certeza só ter vindo com as
primeiras vivências da faculdade, optamos por colocar sua descoberta na época do
vestibular em função das pesquisas que fazem nesse período e da relativa
segurança na escolha. Bernardo só faz vestibular para Administração e Nelson
também tenta Economia, por conta de um interesse pelo mercado financeiro, que ele
rapidamente descobre poder suprir também no curso de Administração.
Bernardo tinha algumas habilidades inatas para o desenho e a música, mas pensa
apenas superficialmente na ideia de fazer carreira numa dessas áreas. Quando o
vestibular se aproxima, ele pesquisa sozinho sobre as diferentes profissões e acaba
decidindo estudar Administração. Apesar de a certeza de que havia feito “a escolha
certa” só ter vindo durante o curso, com as disciplinas e a vivência na faculdade,
acreditamos que sua descoberta tenha ocorrido ainda na época do vestibular, dada
a segurança com que ele fala de sua opção pelo curso.
Na época do vestibular, eu comecei a saber de Administração e me interessei, e eu acho que realmente fiz a escolha certa. (...) Ah, eu gosto de
193
negócio, do mundo empresarial, eu gosto de ler sobre economia, eu gosto, não sei, do mundo dos negócios mesmo, negociações, mercado. (...) E depois que comecei a descobrir o que era mesmo, a dimensão do negócio, aí me interessei mesmo de verdade. (Bernardo)
Nelson ainda tem algumas dúvidas sobre o que fazer no futuro: gostaria de ter um
negócio próprio, mas é estimulado pelo pai – um empreendedor que sofreu muito até
alcançar a estabilidade financeira – a buscar a segurança de uma empresa pública.
Independentemente disso, ele sabe que está no caminho certo e que fez a escolha
certa ao optar pelo curso de Administração. Essa certeza veio na época do
vestibular, sofre um revés com a decepção que teve com a Gama Filho e se
consolida após a transferência para a ESPM.
Eu estou muito feliz com o curso. É isso mesmo que eu quero. Ele engloba realmente aquilo que eu imaginava tanto no mercado financeiro, as empresas, como elas funcionam... Enfim, recursos humanos, financeiro, contábil, tudo que você precisa realmente para entrar numa empresa, administrar essa empresa e ter sucesso, entendeu?
Na faculdade
Em seguida, temos nove jovens que afirmam ter se encontrado depois de já estarem
na faculdade. O ensino médio também foi uma época de reflexões e naturalmente a
Administração surge como uma possibilidade, já que todos fizeram esta opção. No
entanto, a certeza do que fazer e de que caminhos trilhar só veio durante o ensino
superior – especialmente com as disciplinas cursadas e/ou com as experiências de
estágio. Cabe ressaltar que desses nove entrevistados, quatro são jovens que estão
na segunda graduação. Para estes, as matérias cursadas e/ou a experiência de
trabalho que tiveram durante a faculdade serviram para mostrar que precisariam
rever suas escolhas e recomeçar num novo curso.
Eliane chega a terminar o curso de Comunicação Social e só então parece se dar
conta de que não conseguiria construir uma carreira condizente com suas
expectativas. Ao observar, em seu primeiro trabalho já formada, jornalistas com
muitos anos de carreira, mal remunerados e sem perspectivas de crescimento, se vê
diante da necessidade de repensar suas escolhas. O contato com colegas que
estudaram Administração e que conseguiram empregos bem remunerados e com
relativa facilidade serve de estímulo à mudança.
194
É, [escolhi Administração] porque eu conhecia pessoas ... na PUC a maioria das pessoas que se forma já está empregada. E o que eu ganho no estágio é o que eu ia ganhar contratada lá na outra. (Eliane)
Ernesto descobre seu interesse por administração ao viver a experiência de
consultor e depois de presidente da Empresa Júnior da PUC, onde cursava
Engenharia. Por essa razão, faz vestibular novamente e ingressa no curso de
Administração.
Gabriela, assim como Ernesto, decide estudar Administração depois de já ter
passado por outra graduação, no seu caso Economia, um curso que na sua visão
era excessivamente teórico.
Fiz três anos de Economia, depois do terceiro ano de Economia eu olhei e falei “não está legal, não é isso aqui o que eu quero”. Aí eu transferi para Administração. (...) Eu achei o curso de economia muito teórico, não tinha muita aplicabilidade mesmo. (Gabriela)
No entanto, diferentemente de Ernesto, que quando mudou de curso já tinha certeza
do que queria, Gabriela se mostrou um pouco menos confiante de sua escolha. Aos
poucos, porém, se descobre na Administração.
Reinaldo também optou por Administração depois de já ter ingressado e cursado
parcialmente uma outra graduação. Assim como no caso dos outros jovens que
estão no segundo curso, o amadurecimento natural e as vivências de estudo e
trabalho o ajudaram a encontrar um caminho mais satisfatório. Além de estar
confiante de que fez a escolha certa ao optar por Administração, a experiência como
estagiário de uma grande empresa de consultoria despertou nele o interesse pela
área de logística.
De todas as áreas que tinha dentro da [nome da empresa], logística era a que mais me interessava, (...) era a que eu mais enxergava trabalhando. Nos treinamentos eu fui vendo que logística realmente é legal. Eu não me vejo trabalhando em outra área não. Finanças é muito número, acho que eu também estou fugindo disso. Eu acho que logística, pensando no conceito um pouco mais amplo de supply chain, cadeia de suprimentos, é o que eu gosto. É ver o todo, é gerenciar o todo. (Reinaldo)
Dos outro cinco jovens que se descobrem durante a faculdade, dois (Cristiane e
Daniel) escolheram Administração justamente para adiar a escolha – o que parece
ter funcionado, já que conseguiram se encontrar. Dois (Elisa e Joaquim) optaram em
função de condições facilitadoras – conseguiram ser aprovados no vestibular, depois
195
de tentativas frustradas de aprovação no curso de Comunicação Social – e um
(Heitor) em função das matérias de interesse no colégio.
Cristiane opta por estudar Administração sem muita certeza de que estaria fazendo
a escolha certa. A faculdade e as vivências profissionais (na Empresa Júnior e num
estágio de três meses numa grande empresa) foram decisivas para que ela
descobrisse o interesse pela área de recursos humanos. Desde então, ela vem
focando suas ações para construir uma carreira nesta área.
Daniel também se descobre durante a faculdade. Ele opta por estudar Administração
exatamente para escolher que área seguir mais tarde, depois de já ter alguma
experiência profissional.
Então quando eu vi Administração, eu achei legal porque eu vi que eu poderia escolher um segmento pra poder atuar. Então eu falei assim: ‘no estágio que eu estiver futuramente eu vou poder saber qual carreira eu vou seguir’. (Daniel)
E, de fato, é isso que acontece. Depois de algumas experiências de estágio, Daniel
descobre em que área quer trabalhar: “eu quero seguir RH. Eu gosto muito de RH”.
Elisa queria inicialmente estudar Comunicação Social, faz vestibular para todas as
universidades públicas, mas não é aprovada. Incentivada pela mãe, ela acaba se
inscrevendo no ProUni da PUC e opta por Administração, por ser um curso menos
concorrido. Ao ser aprovada, acaba ingressando sem muita convicção de que se
interessaria pelo curso. O primeiro período é realmente decepcionante para ela, que
só persiste porque recebia uma bolsa de estudos integral. Começa a se interessar
por Administração no segundo período e afirma ter se descoberto mais
recentemente, com a proximidade do final do curso.
Só que aí a partir do segundo período eu comecei a gostar de ADM. (...) Agora que eu estou já na reta final do curso, estou começando a definir o que eu quero. Eu fico pensando que, eu acho que foi a melhor coisa que eu fiz foi ter entrado para Administração. Eu acho que hoje eu me identifico muito com o curso, sabe? (Elisa)
Joaquim, assim como Elisa, gostaria de ter estudado Comunicação Social, mas não
é aprovado no vestibular. Acaba se interessando por Administração ao se dar conta
que era um curso mais fácil de passar e que teria a possibilidade de trabalhar com
marketing esportivo. Depois que ingressa na faculdade, porém, acaba se
196
interessando por finanças, área na qual pretende construir sua carreira. Ele,
inclusive, já está fazendo um curso de extensão na área.
Eu gosto muito da área de finanças. Tanto que eu faço até um curso, porque na UFF é muito fraco finanças, quase não tem, tem duas ou três matérias. O restante é aquela coisa, você vai levando. (...) [Depois de formado] eu quero trabalhar com finanças, (...) alguma coisa no mercado financeiro. (Joaquim)
Heitor tinha pouca ideia do que fazer da vida profissional quando ingressou na
faculdade de Administração. Conforme já discutido, sua escolha foi orientada pelas
provas especificas do vestibular, que no caso de Administração eram matemática e
história, duas matérias que ele gostava no colégio. Aos poucos, no entanto, teve o
interesse pela área de finanças despertado e hoje sabe que é esse o caminho que
pretende seguir.
E aí acabei ficando com Administração. Matemática, que eu gostava, específica era história, que eu também gostava. Não tinha nenhuma ideia certa do que eu ia fazer em administração. Entrei porque essas duas matérias que eu mais gostava eram as específicas. (...) Agora mudou, agora é a parte financeira. (Heitor)
Ainda buscando se encontrar
Dez jovens, o que corresponde a aproximadamente um terço dos entrevistados,
ainda não parecem ter se encontrado. As razões que os levaram a optar pelo curso
de Administração são variadas, de forma que não foi possível encontrar uma relação
entre o motivo da escolha do curso e o fato de o jovem ter mais dificuldade de
descobrir seus interesses e anseios profissionais. Cabe apenas ressaltar que dois
dos três entrevistados que escolheram Administração pela razão mais frágil, ou seja,
por conta das matérias de interesse no colégio, ainda não encontraram um caminho
a seguir – Rosana e Sabrina. Apesar de não podermos traçar nenhuma conclusão
em função do número reduzido de casos, este resultado não surpreende, na medida
em que tal mecanismo de escolha evidencia um grande desconhecimento a respeito
dos cursos e profissões, além de um baixo autoconhecimento.
Rosana ainda não sabe exatamente o que quer. No processo de escolha do curso
de graduação, opta por Administração por ter domínio das matérias em que faria
provas específicas, que têm um peso maior no vestibular, evidenciando os parcos
conhecimentos e vivências a respeito das diferentes profissões. Conforme ela
197
observa, falando de uma conversa que teve com a mãe no período do vestibular:
“meu Deus do céu, difícil escolher o que eu vou fazer. Ninguém merece nessa idade
ter que escolher o futuro, muito chato, muito difícil”. Atualmente, fala com alguma
frieza a respeito de sua opção pelo curso de Administração e parece se sentir
deslocada em relação aos colegas, já que acredita não compartilhar de suas
ambições.
Eu gosto de Administração, não me arrependo de ter escolhido, mas não sei se eu tivesse escolhido outra coisa se eu também teria feito com sentimento de tranquilidade. Não há paixão nem ódio pela profissão. (Rosana)
Eu não tenho vontade de fazer o que 90% das pessoas querem, que é ou ter uma própria empresa ou ser o CEO, presidente das maiores empresas. Eu não quero nada disso. (Rosana)
Com relação ao futuro, gostaria de ter uma ONG na área de educação, pensa
também em fazer outro concurso público, desta vez para um cargo de nível superior,
mas nada está muito claro em sua cabeça.
Sabrina também parece não ter muita certeza do que quer. Assim como Rosana,
também escolheu estudar Administração em função das provas específicas do
vestibular. Atualmente faz estágio numa grande empresa e, apesar de gostar do
trabalho, não se sente muito estimulada em função do “ambiente estressante” que
encontra. Pensa em concurso público, em função da vida mais tranquila que teria,
mas em alguma medida se sente culpada por não querer enfrentar os desafios do
mundo privado. Ela tece o seguinte comentário a respeito de uma tia que é
funcionária pública:
Ela vai para o trabalho às dez, chega às quatro, cuida das filhas, tranquilo. Às vezes eu vejo isso como covardia, caramba, que preguiça, não querer trabalhar e ganhar esse dinheiro. Mais uma que vai ser sustentada pelo governo, vamos colocar assim. Aí eu fico pensando e me sinto um pouco culpada por isso. Mas depois paro para pensar em mim e vejo como é a competição, como é desesperador por aí, eu penso seriamente no mercado de funcionalismo público. (Sabrina)
As opções de trabalho no funcionalismo público também evidenciam um certo
desconhecimento a respeito de seus interesses. Sabrina pensa tanto em ser
auditora da Receita Federal como num trabalho na Petrobras, considerando ainda
uma posição na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil).
198
Outros seis jovens deste grupo escolheram Administração em função de aspectos
facilitadores. Adriana por não ter sido aprovada no curso de Produção Cultural da
UFF, Antonio por causa da bolsa de estudos a que teve acesso, Jacqueline porque
era o curso mais próximo ao de Relações Internacionais, seu real interesse,
inviabilizado por questões financeiras, Mauro, que só considera o curso de
Administração depois de ser reprovado no vestibular para Engenharia e de alguns
anos de trabalho técnico, Paula porque não via boas perspectivas para os
profissionais de Direito, seu real interesse, e por fim, Ruth, que não acreditava ter as
condições financeiras e acadêmicas necessárias à construção de uma carreira
diplomática.
Adriana não sabe exatamente o que fazer ou o que quer conquistar após o fim da
faculdade. Acha que seria bom se fosse efetivada no trabalho atual, mas não
acredita muito nesta possibilidade. Está buscando outras alternativas, mas sem
muita certeza do que gostaria de encontrar. Antonio diz que pretende “cair no mundo
empresarial” quando terminar a faculdade, mas também fala em concurso público,
evidenciando uma falta clareza sobre o que pretende alcançar.
Jacqueline começa a faculdade pensando em trabalhar com comércio exterior, mas
acaba se interessando por logística depois que consegue um estágio na área.
Quando questionada sobre o futuro, ela responde:
Acho que já tive um plano traçado, hoje não tenho. Quando eu queria fazer Relações Internacionais eu sabia que ia para o Itamarati. Eu tinha aquilo tudo pronto na minha cabeça. Quando comecei a trabalhar com importação, eu também “ah, não, quando me formar eu vou fazer MBA nisso”. Depois fui trabalhar com logística. Então eu acho que, assim, conforme você muda, você muda um pouco seus parâmetros, vai por outros caminhos. (Jacqueline)
Mauro considera diferentes possibilidades a partir do término da faculdade, mas
nenhuma delas se destaca. Tem tentado a aprovação em programas de trainee, fala
com curiosidade sobre o trabalho em auditoria, afirma se interessar pelo mercado de
capitais e também pensa em voltar a trabalhar com mecânica.
Paula não demonstra muito interesse por construir uma carreira em administração e,
por essa razão, sonha com a perspectiva de um dia ter tempo para fazer o que
gosta, que seria estudar Direito e se tornar juíza. Como este sonho ainda parece
distante e difícil de se concretizar – dado que ela precisa trabalhar para se sustentar
199
–, sua carreira parece um tanto sem rumo. Ela vê o concurso público como uma
possibilidade, mas é possível que ela também enfrente dificuldades, pelas mesmas
razões. Ruth também parece não ter se encontrado na profissão. Ela já viveu
diferentes experiências, fala de muitas possibilidades para o futuro, mas nada
emerge como muito concreto.
Por fim, temos os casos de Celso e Regina. Ele optou pela Administração para adiar
sua escolha da profissão e ainda não parece ter se encontrado. Fala da
possibilidade de trabalhar com consultoria, considera adquirir experiência no
mercado financeiro, mas não está muito certo de onde gostaria de chegar e do que
conquistar.
Regina fez um opção consciente pela Administração, visando trabalhar com recursos
humanos. No entanto, se decepciona ao longo do caminho, em função de suas
vivências profissionais, e agora busca novamente encontrar uma trajetória que
venha a lhe trazer satisfação. Ela é a única jovem enquadrada no processo optando
com consciência que ainda não se encontrou profissionalmente. Na realidade, ela
acreditava saber o que queria, mas sofre uma decepção que a faz repensar suas
escolhas. Os demais jovens que seguiram esse processo já se descobriram,
justamente por sua escolha consciente do curso. Alguns no ensino fundamental ou
no ensino médio (que inclui o período do vestibular). Outros apenas depois de já
terem iniciado uma outra graduação, o que os levou a voltar atrás e a recomeçar na
Administração.
Dos oito jovens que seguem o processo fazendo cálculos e concessões, seis ainda
não se descobriram profissionalmente. Este resultado sugere que o jovem pode ter
dificuldade de se ajustar a uma carreira em Administração quando a escolha do
curso se dá pela impossibilidade (percebida ou vivenciada) de se seguir um caminho
mais desejado. Cabe aqui registrar que este fenômeno não parece ser específico ao
curso de Administração e possivelmente poderá ser observado com jovens que
optaram por outro curso de graduação em função da inviabilidade de um outro mais
atraente.
Por outro lado, dos seis jovens que seguiram o processo adiando a escolha, que
representa aqueles com maior desconhecimento a respeito de seus interesses, três
se encontraram durante a faculdade e três ainda estão nesta busca. Neste caso,
podemos especular que a opção pelo curso de Administração pode ser um bom
200
caminho para aqueles jovens que efetivamente não sabem que caminhos seguir,
considerando-se que a variedade de opções que o curso abre ajuda o jovem a
encontrar algo que desperte seu interesse profissional.
Na próxima seção partimos para a apresentação do segundo processo central –
chamado de qualificando-se –, que envolve todo o esforço do jovem no sentido de
se tornar um profissional mais atraente para o mercado de trabalho.
4.4.8 Qualificando-se
Por estudarem em faculdades que acreditam ser de primeira linha e com prestígio
junto às empresas contratantes, grande parte dos jovens entrevistados tem o sonho
de alcançar um espaço relativamente privilegiado no mercado de trabalho. No
entanto, eles acreditam que estudar numa boa faculdade é condição necessária,
mas não suficiente para o alcance de seus objetivos, o que faz da qualificação um
processo central em suas vidas.
As palavras de Sabrina resumem bem essa preocupação em torno da qualificação,
muito associada à competição em torno das melhores posições.
A competição é muito grande, é muita gente pra poder disputar as vagas que têm. Eu vejo que para você, administrador, faculdade não basta para você. Tem que saber idioma, tem dominar o Excel, você tem saber Access, você tem que estar fazendo uma pós, pensando numa pós, um mestrado, talvez. É muito acelerado o ritmo. (Sabrina)
Brown & Hesketh (2004, p.4) utilizam as expressões tough-entry jobs ou ‘fast track’
managerial positions para falar dessas colocações tão sonhadas, definidas como
“posições chave em grandes empresas multinacionais ou organizações líderes do
setor público que oferecem amplas oportunidades de treinamento e a expectativa de
promoção acelerada para as posições gerenciais médias e seniores”.
Harvey (2004), por sua vez, chama de trabalhadores centrais os profissionais que
ocupam tais posições. Segundo o autor, estes são trabalhadores em tempo integral
percebidos como estratégicos para o futuro das organizações e que, por essa razão,
gozam de estabilidade no emprego, boas perspectivas de ascensão e acesso a
oportunidades de treinamento. Em contrapartida, oferecem às organizações a
flexibilidade funcional e geográfica, dispondo-se a exercer diferentes atividades e em
diferentes regiões do globo, como forma de atender às necessidades de flexibilidade
de seus empregadores. O problema é que, como o próprio autor destaca e como os
201
jovens parecem já ter percebido, tais posições são cada vez mais escassas nas
organizações. Complementando a força de trabalho das organizações, ainda
segundo Harvey (2004), aparecem os trabalhadores periféricos, que gozam de
menor estabilidade e pouca ou nenhuma oportunidade de carreira, sendo compostos
por dois grupos: os trabalhadores em tempo integral que possuem habilidades
facilmente encontradas no mercado e os empregados temporários ou em tempo
parcial, conforme mostra a figura 4.9 a seguir.
Figura 4.9 – Estrutura do mercado de trabalho
Grupo Central:Flexibilidade
funcional
Primeiro Grupo Periférico:flexibilidade numérica
Segundo Grupo Periférico:tempo parcial,
contratos de curto prazo
Fonte: Adaptado de Harvey (2004, p. 143).
Diferentemente do anterior, este processo não possui etapas, apesar de se
estender, na percepção do jovem, por toda sua vida profissional. Em outras
palavras, em algum momento do tempo – quando a entrevista foi realizada,
praticamente todos compartilhavam desta visão – o jovem percebe a importância da
qualificação e entende que será uma preocupação e uma necessidade que o
acompanhará por toda a carreira.
Eu acho bom construir um currículo desde agora, desde cedo, para poder garantir um emprego no futuro. (...) A tendência agora é se manter estudando para sempre, já não tem mais como você parar. (Aline)
202
[O mercado de trabalho] te exige cada vez mais. Você não pode ficar parado, você não pode parar de estudar nunca, tem que se atualizar sempre, se não você vai ficar... como diz um professor, você vai virar massa. (Joaquim)
A qualificação é, portanto, um processo central e contínuo, na medida em que o
acesso a uma posição condizente com as expectativas de quem optou por um curso
superior depende da obtenção de um diferencial em termos de qualificação.
Eu acho que o mercado de trabalho hoje oferece oportunidades para quem obviamente pode se encaixar, pra quem talvez esteja nas faculdades de ponta, e também quem criou diferenciais na sua graduação. (Ernesto)
Na figura 4.10 apresentamos as características desse processo, discutidas em
seguida.
Figura 4.10 – Qualificando-se
Consequências
Conf iando no futuro Sentindo a insegurança
Estratégias
Escolher boa faculdade
Aprender idiomas Fazer cursos Experiência
prof issionalPreparar-se
para uma pós
Contexto
Mercado de trabalho competitivo Políticas de recrutamento das empresas
Condições intervenientes
Capital econômico Centralidade do trabalho Capital cultural
203
Contexto
A percepção de que o mercado de trabalho é altamente competitivo é o que faz da
qualificação um processo ou categoria central. Além disso, o jovem também parece
aceitar que a responsabilidade pela qualificação é inteiramente sua, evidenciando
não apenas a internalização do discurso da empregabilidade de iniciativa, mas
também a noção de que cada um deve ser responsável por sua própria carreira, em
linha com as novas modalidades de carreira (ARTHUR & ROUSSEAU, 1996; HALL,
2004). Apesar de trazerem para si a responsabilidade pela sua própria qualificação,
também em concordância com o novo contrato psicológico que vem se
estabelecendo entre empresas e trabalhadores (CAPPELLI, 1999), a maioria desses
jovens tem a expectativa de construir uma carreira ascendente e estável numa “boa”
empresa, alinhando-se ao antigo contrato.
O foco a ser dado pelo jovem em termos de qualificação depende, ainda, da sua
percepção a respeito das políticas de recrutamento das empresas. Em outras
palavras, o jovem busca compreender o que o “mercado” exige para então tomar
decisões relativas à sua qualificação. Por exemplo, se nos processos seletivos o
conhecimento de inglês é frequentemente exigido, é nessa direção que o jovem vai
procurar se qualificar.
Além disso, a percepção de que as “boas” empresas estão cada vez mais exigentes
em seus processos seletivos cria uma grande pressão sobre o jovem. Parece haver,
nesse sentido, uma corrida sem fim. Na medida em que as empresas cobram o
domínio da língua inglesa, mais e mais jovens correm atrás dessa qualificação. Mas
à medida em que mais e mais jovens dominam o idioma, este deixa de ser um fator
de diferenciação e, por essa razão, as empresas acabam por estabelecer novas
exigências, como o domínio de uma segunda língua estrangeira. Desta forma, cria-
se uma nova pressão sobre o jovem em termos de qualificação, e o processo assim
vai se repetindo. Esta é, na realidade, uma das principais críticas ao discurso da
empregabilidade, já que capacitação não cria empregos, apenas aumenta a
competição em torno dos já existentes.
Cabe aqui observar que, se por um lado a aceitação do discurso da empregabilidade
vem com pouco ou nenhum questionamento, o mesmo não ocorre em relação às
exigências das empresas. Em outras palavras, parece haver uma aceitação do fato
de que cada um deve cuidar de sua própria qualificação, desde que esta não seja
204
percebida como descabida. Podemos usar novamente a questão do aprendizado de
idiomas. Praticamente todos os jovens ou dominam uma língua estrangeira ou
reconhecem que deveriam dominar, já que percebem que perderão oportunidades
profissionais por conta disso. No entanto, alguns são críticos em relação a esta
exigência, nos casos em que seu uso no trabalho é limitado ou praticamente
inexistente.
Eu não sei até onde você tem que ter português, espanhol, francês, alemão para um emprego que não é numa multinacional, sabe? (Adriana)
Além disso, o jovem parece acreditar que, ao buscar as melhores colocações, tais
como os sonhados programas de trainees, terá acesso a experiências que
contribuirão para sua qualificação, o que torna essas posições ainda mais
desejadas.
Condições Intervenientes
Algumas condições intervenientes também impactam a forma como o jovem investe
em sua qualificação. Em primeiro lugar aparece o capital econômico, que é o que
viabiliza o acesso a diferentes formas de treinamento. Os jovens oriundos dos
estratos sociais mais elevados têm uma dupla vantagem sobre os mais pobres: têm
mais dinheiro e mais tempo para investir em sua qualificação. Mais dinheiro porque
seus pais e familiares bancam cursos extra-curriculares, viagens e outras
experiências que aumentam a qualificação do jovem. Mais tempo porque os jovens
mais pobres frequentemente trabalham mais horas do que os mais ricos, já que é
comum ajudarem em casa ou precisarem de recursos para arcar com os custos de
sua educação – transporte, alimentação, livros, etc.
Além disso, a centralidade do trabalho também emergiu como condição
interveniente, já que os jovens cuja centralidade é maior preocupam-se mais
intensamente com sua qualificação e acabam, por essa razão, dedicando-se mais.
Quatro dos entrevistados apresentaram uma baixa centralidade do trabalho, na
medida em que parecem não dar muito valor ao trabalho em si (dimensão absoluta
do significado do trabalho), como é o caso de Adriana, ou dão mais valor a outras
esferas da vida, especialmente a família e o lazer (dimensão relativa do significado
do trabalho), como ocorre com Bernardo, Eliane e Sabrina. Esses jovens
reconhecem a importância da qualificação, mas não têm tanto ímpeto na busca pela
205
diferenciação, relativamente aos jovens que veem o trabalho como parte central de
suas vidas.
Por fim, o capital cultural também é um aspecto relevante nesta corrida pela
qualificação, na medida em que as vivências em casa servem de estímulo à
qualificação e ajudam o jovem que busca se qualificar. Este é, por exemplo, o caso
de Ernesto, cuja mãe é fluente em duas línguas e ajudou a desenvolver nele o gosto
por idiomas e a cultura estrangeiros. Os jovens com baixo capital cultural, por outro
lado, frequentemente têm que lidar com o descrédito e desestímulo de pais e
familiares, que muitas vezes não dão o devido valor à educação. As vivências de
Guilherme e Mateus são representativos dessa situação.
Estratégias
Com relação às estratégias de qualificação adotadas pelos entrevistados, a primeira
delas diz respeito à escolha de uma “boa” instituição de ensino superior, entendida
como ponto de partida nesta corrida pela diferenciação em relação à “concorrência”,
ou seja, os outros profissionais com quem competem por um espaço no mercado de
trabalho.
A opção por uma faculdade que, na sua percepção, é de primeira linha e goza de
prestígio junto às empresas contratantes, representa, na visão desses jovens uma
condição necessária, porém não suficiente para o alcance de seus objetivos
profissionais. Desta forma, eles adotam outras estratégias de qualificação, tais como
estudar uma ou mais línguas estrangeiras, realizar outros cursos extra-curriculares,
buscar experiências profissionais, de trabalho ou estágio, além de preparar-se para
cursar uma pós-graduação após a conclusão do curso de graduação. A opção por
essas estratégias de qualificação deve-se, sobretudo, à percepção de que são elas
as mais valorizadas pelas empresas contratantes.
Com relação às línguas estrangeiras, o inglês é o principal foco. Para os que não
têm esse domínio, verifica-se uma certa apreensão e a constatação de que não
terão condições de competir por determinadas vagas, normalmente aquelas
consideradas boas. Nesse sentido, o domínio ou não do inglês é um fator
determinante para as oportunidades profissionais abertas a esses jovens.
Eu estou com uma dificuldade para entrar em algumas empresas. Embora as melhores empresas me chamem para fazer prova, processo seletivo, eu
206
estou tendo algumas dificuldades porque eu não tenho inglês avançado, sabe? (...) É uma coisa obrigatória hoje pro mercado... mercado das empresas boas, de que você tem que saber inglês. (Guilherme)
Para os que dominam o inglês, observa-se em muitos casos a preocupação com o
aprendizado de uma segunda língua estrangeira, na medida em que o inglês sai do
seu horizonte de preocupações. O domínio de uma segunda língua estrangeira
aparece como um diferencial importante, especialmente para os jovens que
pretendem trabalhar em empresas multinacionais de origem não-inglesa – Nestlé e
L’Oréal são algumas das mencionadas.
Ainda com relação às línguas estrangeiras, observamos ainda a preocupação de
alguns jovens com a realização de cursos no exterior. Além de ser percebida como
uma maneira mais rápida e eficiente para o aprendizado do idioma, a experiência em
si parece ser valorizada pelo mercado e é, portanto, almejada por muitos jovens.
Um bom trabalho em administração hoje em dia tem inglês. É uma coisa fundamental. Quando era adolescente eu era resistente ao inglês, então eu sei que estava atrasado em relação aos outros. Então, para chegar mais ou menos no mesmo nível que a maioria, eu tinha que fazer alguma coisa diferencial, que seria o intercâmbio. (Fernando)
Outros cursos ligados à administração (como de gestão de projetos, por exemplo) e
cursos que envolvem o desenvolvimento de competências gerenciais e/ou
interpessoais (como de liderança, por exemplo) também aparecem como forma de
melhorar a qualificação – passando a fazer parte do já intenso dia-a-dia desses
jovens. Com relação a esses cursos, incluindo os de idiomas, foi possível identificar
uma preocupação com a obtenção de diplomas e certificados formais. A posse da
habilidade por si só parece não ser suficiente, exigindo do jovem a busca por uma
certificação formal. Bernardo fala explicitamente sobre isso:
Eu estou sempre querendo me aprimorar, fazendo curso, esses cursos de mercado são bons. Sem curso eu acho que não dá. Aprender por conta própria, pode até aprender, mas não vai ter muito o que mostrar. (Bernardo)
Nesta mesma linha, Douglas afirma que aprendeu inglês por conta própria e que
buscou um curso apenas para a obtenção de um diploma: “eu fiz para pegar o
diploma”. Parece haver, portanto, uma preocupação com o “preenchimento do
currículo”, que se oporia a um “currículo puro”, vazio, sem nada a mostrar.
207
Em seguida aparecem as experiências profissionais, de trabalho e de estágio. Em
primeiro lugar porque ajuda o jovem a conhecer o mercado de trabalho mais a fundo
e a se preparar para sua inserção definitiva, entendida como o momento em que o
jovem conclui a faculdade, perde a condição de estudante e assume integralmente o
papel de profissional. Essas experiências funcionam como um choque de realidade,
conforme sugere Sabrina:
Eu acho que o estágio está me ajudando muito também nessa preparação [para o mercado de trabalho]. Eu acho que a universidade ela te forma com uma cabeça que as coisas vão ser fáceis. Eu não sei se é uma visão só minha, já ouvi outras pessoas falando isso. Os professores colocam que você estuda numa ótima universidade pública, e que o mercado está aberto pra você, esperando você chegar para assinar a sua carteira. Eles colocam muito isso na sua cabeça. E quando você vai lá e vê que o negócio é bem mais complicado, você acorda um pouco. Então o estágio tem me preparado bastante pra isso. (Sabrina)
Além disso, as vivências de trabalho também são percebidas como uma exigência
das empresas. Conforme aponta Bernardo, “eu acho que, hoje em dia, não tem
como você sair da faculdade sem nunca ter estagiado, não tem como entrar no
mercado de trabalho assim”. No entanto, alguns dos entrevistados se mostram
críticos em relação a esse tipo de exigência, na medida que estamos falando de
profissionais ainda em início de carreira. As palavras de Gisele resumem esta
percepção.
Estágio é a primeira vez que alguém está vendo alguma coisa. Ou tem aqueles estágios que as pessoas ficam lá tirando xerox, entregando cartas, escrevendo texto. Ou então aquele que está exigindo demais, tipo, estágio pede experiência, cara, eu estou procurando emprego, estou na faculdade, como eu vou ter experiência, entendeu? Eu acho que exigem um pouco demais sim. Já querem que você tenha visto quase tudo da faculdade, tipo assim, ‘você já viu macros [de Excel]?’ É uma matéria que a gente só tem no sétimo período, pouquíssimas pessoas já ouviram falar disso. Eu acho que o estagiário está ali para fazer tudo, mas eu acho que ele está muito ali para olhar tudo, para conhecer tudo, eu acho que estão exigindo muito dos estagiários. (Gisele)
Percebemos, ainda, uma certa hierarquia de experiências valorizadas pelos
potenciais empregadores: quanto maior e mais conhecida a empresa, mais valiosa é
a experiência. Fernando, por exemplo, quando perguntado sobre que dificuldades
pode vir a enfrentar em sua vida profissional, menciona esta questão da experiência
profissional.
208
Experiência profissional ... eu até acho que eu tenho bastante [experiência] de estágio, mas também não são experiências tão pesadas, comparado com algumas outras pessoas que eu conheço. Então isso tudo acho que pode ser um obstáculo. (Fernando)
Quando perguntado sobre o que seria uma experiência pesada, ele responde:
“experiências em empresas grandes”. Bernardo também afirma que chegou a pensar
em aceitar uma proposta de estágio da IBM, mesmo tendo definido seu interesse
pelo mercado financeiro, por conta do nome da empresa: “considerei, a IBM é um
grande nome para o currículo”. A importância atribuída à experiência profissional
explica, ainda, a insegurança vivida por muitos deles quando da busca da primeira
colocação.
Por fim, foi possível observar uma grande preocupação com a continuidade do
processo de qualificação. Diversos entrevistados já pensam nos cursos de pós-
graduação que pretendem fazer após a formatura, acreditando, por um lado, que a
popularização do ensino superior reduziu o valor do seu diploma no mercado e, por
outro, que o trabalhador precisa estar constantemente renovando seus
conhecimentos e habilidades.
Pretendo estudar mais, porque faculdade hoje não é nada praticamente. (Gisele)
Consequências
Apesar da quase unanimidade em torno da competitividade do mercado de trabalho
e da importância da qualificação, alguns se mostram mais receosos e preocupados e
outros mais confiantes de que encontrarão o seu lugar ao sol, ou seja, de que
conseguirão se inserir no mercado de trabalho após a formatura, numa posição que
atenda às suas expectativas. Essa diferença é determinada pela confiança do jovem
nas qualificações que conseguiram construir, o que, por sua vez, está fortemente
relacionada à posse de capitais econômico, cultural e social.
Nesse sentido, identificamos duas possíveis consequências associadas a este
processo de qualificação: a confiança no futuro e a sensação de insegurança. Por
um lado, temos um grupo de jovens que confia que conseguirá construir um futuro
profissional alinhado às suas expectativas, já que acredita ter alcançado um nível de
qualificação condizente com as exigências e necessidades do mercado. Por outro
209
lado, há um grupo de jovens que se sente inseguro, por não ter conseguido criar
diferenciais em sua qualificação.
O grupo de jovens mais seguro em relação ao futuro parece perceber sua condição
privilegiada: são fluentes em inglês, tendo inclusive experiência no exterior, falam
uma terceira língua (espanhol, francês ou alemão), dominam plenamente o uso do
computador e têm acesso a redes de relacionamentos que facilitam seu acesso ao
mercado de trabalho. Os casos de Cristiane e de Ernesto são bastante
representativos dessa condição. Cristiane conseguiu seu primeiro estágio numa
grande empresa nacional por conta da indicação de uma tia, fala inglês fluentemente
pois estudou desde pequena num curso, e mesmo antes de se formar já está
fazendo um curso de extensão na área em que pretende se especializar (Recursos
Humanos) numa instituição bastante reconhecida no mercado. Ernesto foi presidente
da Empresa Júnior de sua universidade, costuma viajar ao exterior durante as férias
e possui uma rede de relacionamentos que inclui executivos de empresas,
construída durante o período em que esteve à frente daquela empresa, e jovens de
outros países, o que dá a ele acesso à realidade de diferentes culturas. Sua mãe é
formada em Letras e fala fluentemente inglês e francês, o que serviu de estímulo
para que ele também investisse no aprendizado de línguas.
Eu acho que eles [estudantes de faculdades de primeira linha] têm um tratamento diferenciado no mercado, entendeu? Eu acho que a gente tem uma visão, que não é que ela não seja real, ela é real pra gente, mas ela não se aplica a todos os profissionais. (Cristiane)
Eu acho que mercado de trabalho hoje oferece oportunidades para quem obviamente pode se encaixar, para quem talvez esteja nas faculdades de ponta, e também quem criou diferenciais na sua graduação. (Ernesto)
Joaquim e Antonio, por outro lado, são representantes do grupo de jovens
inseguros.
Ainda não [me sinto preparado para o mercado de trabalho]. Acho que falta um pouco. Pouco não, médio. (Joaquim)
As dificuldades? Eu acho que seriam ... talvez as oportunidades diminuindo, porque ao passo que as empresas estão demandando cada vez mais profissionais qualificados, as instituições [de ensino] vão começar a mandar mais profissionais qualificados para esse mercado. (Antonio)
Para esses jovens, o desenvolvimento de múltiplas habilidades seria uma forma de
lidar com tais inseguranças, já que com habilidades diferentes é possível ocupar
210
diferentes espaços, conforme veremos no processo de articulação do futuro
profissional. A lógica é a de que se não consigo trabalho aqui com a qualificação A,
posso conseguir trabalho ali com a qualificação B. Antonio, por exemplo, fala em
fazer pós-graduação numa área apenas relacionada à administração, como
engenharia de produção, de forma a ampliar suas perspectivas profissionais: “eu
penso em fazer uma pós-graduação em outra área para abrir mais o leque”.
Conclusões
Grande parte dos jovens entrevistados acredita que a conquista de uma “boa”
posição no mercado de trabalho depende do investimento pessoal em torno de
diferentes formas de qualificação. A alternativa a este esforço seria a aceitação de
uma posição inferior, não condizente com as expectativas de quem optou por se
dedicar à obtenção de um diploma universitário. Conforme adverte Celso: “trabalho
tem para todo mundo, é só o pessoal topar trabalhar numa área que pode ser menos
do que eles acham que eles tinham que estar trabalhando”.
Apesar de perceber esta realidade, nenhum dos jovens parece estar disposto a
aceitar conscientemente uma posição inferior, pelo menos até esse momento da
vida profissional, em que as tentativas ainda estão ocorrendo. É possível esperar
que, após enfrentar algumas decepções, alguns jovens acabem por reduzir suas
expectativas em relação à sua inserção no mercado de trabalho. Mauro, por
exemplo, que está no último período da faculdade e vem tentando ser aprovado em
programas de trainee, já parece se dar conta das dificuldades que irá encontrar. Na
sua avaliação, o fato de ser mais velho do que o usual – ele tem 28 anos – está
dificultando sua inserção. Ele ainda procura manter o otimismo, mas é possível
perceber uma ponta de ressentimento e apreensão em relação ao futuro.
Ao ver a qualificação como uma preocupação central para o desenvolvimento de sua
carreira e como o esforço que viabilizará o seu acesso e permanência no mercado
de trabalho, o jovem mostra ter internalizado o discurso da empregabilidade de
iniciativa, segundo o qual a qualificação deve ser uma preocupação exclusiva do
trabalhador, eximindo empresas e Estado.
Além de entender que a qualificação é necessária às suas ambições profissionais, o
que representa uma categoria instrumental, vários entrevistados também parecem
211
ter incorporado a lógica do desenvolvimento pessoal, associada ao terceiro espírito
do capitalismo (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005), segundo a qual o trabalhador
não só pode como deve buscar se aprimorar constantemente. Segundo esta lógica,
a busca pela qualificação também representaria uma obrigação moral, o que
relegaria a um segundo nível aqueles que não se esforçam para tal. Leila, por
exemplo, procura justificar a demissão de funcionários da empresa em que trabalha,
alguns com muitos anos de casa, à sua inabilidade ou não iniciativa de buscar a
qualificação. A mensagem que parece estar internalizada é a de que aquele que não
se desenvolve merece ser demitido.
Eu não me imagino 23 anos na mesma empresa, fazendo a mesma coisa que eu faço hoje, sem nem sequer fazer um cursinho. E foi isso que aconteceu com essas pessoas que saíram. (Leila)
Essa intensa preocupação com a qualificação acaba por ter duas implicações. Em
primeiro lugar, torna o dia-a-dia do jovem extremamente intenso. Além da faculdade
e do estágio, que ocupam praticamente todos os dias e noites, o jovem se sente
pressionado a preencher o pouco tempo que sobra com cursos extra-curriculares,
normalmente aos sábados. Em segundo lugar, fica evidente que os jovens que
dispõem de menos capital econômico acabam tendo mais dificuldades: precisam
muitas vezes de trabalhos ou estágios mais longos (que pagam mais), para ajudar
em casa ou no custeio de seus estudos (alguns são bolsistas ou estudam em
faculdades públicas, mas precisam pagar por transporte, alimentação, livros, etc.), e
possuem menos recursos para financiar tais cursos. Em outras palavras, esses
jovens têm menos tempo e dinheiro para investir na sua qualificação.
Cabe ainda registrar a importância das redes de relacionamento – o capital social –
nessas primeiras fases da carreira. A indicação para vagas de estágio e trabalho,
predominantemente de familiares e professores, permite que os jovens conquistem
suas primeiras posições no mercado de trabalho, mesmo tendo um “currículo puro”.
Por fim, um comentário sobre o papel do currículo e seu gerenciamento. Para muitos
jovens o currículo é algo que se “constrói”, mas que também pode ser “estragado”.
Segundo Aline, por exemplo, sua construção, vista como uma forma de garantir um
emprego no futuro, envolve “ter o maior número de experiências possíveis e poder
fazer cursos de especialização". Nesta mesma linha, experiências ruins, em
empresas com má reputação no mercado, poderiam “estragar o currículo” (Adriana).
212
Esse entendimento é semelhante ao observado por Rocha (2003) num estudo sobre
o que representa a carteira de trabalho para um grupo de porteiros. Segundo o
autor, este documento “vira um instrumento a partir do qual eles identificam, pensam
e classificam a si mesmos e aos outros” (ROCHA, 2003, p.39). Nesse sentido, se
entre trabalhadores menos qualificados a carteira de trabalho é o que identifica o
profissional e o qualifica, entre profissionais mais qualificados o que importa é a
construção de um currículo pleno de vivências. Mais especificamente, enquanto
trabalhadores que ocupam funções mais básicas se preocupam em não “sujar” a
carteira com curtas experiências de trabalho, pulando de empresa em empresa,
profissionais qualificados buscam a “construção” de seu currículo profissional,
através de experiências de trabalho em empresas com bom nome no mercado.
4.4.9 Articulando o futuro profissional
O terceiro e último processo central é o que envolve os anseios, preocupações e
escolhas que precedem a transição definitiva do ensino superior para o mercado de
trabalho, fase em que o jovem vê que perderá a condição de estudante, passando a
adquirir o status de profissional.
Pudemos observar que a proximidade do fim da faculdade suscita uma importante
reflexão. A partir do momento em que se dá conta de que precisará se posicionar em
relação ao futuro, ou seja, sobre o que fazer ao final da faculdade, o jovem passa a
se concentrar no sentido de vislumbrar ou articular o seu futuro profissional. Onde
quero chegar? O que precisarei fazer para chegar lá? Qual é o próximo passo que
preciso dar para alcançar meus objetivos? Essas são as perguntas que povoam a
mente do jovem a partir do momento em que ele ou ela percebe que o ensino
superior está chegando ao fim.
É possível perceber o desconforto e a insegurança de alguns, a ansiedade de
outros, ou ainda uma forte expectativa diante desse importante momento de
transição. Helena, por exemplo, que atualmente estagia numa pequena empresa
com poucas chances de efetivação e cujas perspectivas profissionais estão aquém
de suas expectativas, se sente ansiosa por encontrar logo o seu espaço no mercado
de trabalho. Quando perguntada sobre o futuro, ela responde:
Eu vejo cheio de ansiedade. Sou muito ansiosa pra conseguir logo a minha oportunidade. Só sei que estou aprendendo muito e eu acho isso positivo, pra quando eu tiver uma oportunidade que seja a minha oportunidade, eu já
213
esteja, assim, com uma cabeça e com uma visão e com modos de trabalhar muito melhores do que os outros que não vão estar se preparando pra isso. Então eu acho que vou estar mais preparada e talvez, lógico, com mais chance de conseguir. (Helena)
Antes de entrarmos no detalhamento deste processo, é importante notar que ele
apresenta algumas peculiaridades em relação aos anteriores. Como nos deparamos
com importantes diferenças entre os jovens no que diz respeito à forma como
articulam seu futuro profissional, optamos pela construção de tipos ideais, uma
ferramenta conceitual criada por Weber que permite descrever determinada situação
a partir da observação de casos particulares e de uma análise comparada (GERTH
& MILLS, 1982). Além disso, observamos uma conseqüência associada a cada
perfil, que por sua vez definirá a estratégia adotada, ao contrário do que verificamos
nos outros processos, em que a estratégia determina a consequência – ver figura
4.11.
Figura 4.11 – Articulando o futuro profissional
Perfis
Engajado
Preocupado
Cético
Desapegado
Consequências
Conf iando no futuro
Sentindo a insegurança
Rejeitando o “mercado”
Buscando um espaço qualquer
Estratégias
Concentrar esforços
Abrir o leque de opções
Buscar caminhos alternativos
Ir com a maré
Contexto
Mercado de trabalho competitivo
Condições intervenientes
Autoconf iança em relação à qualif icação Centralidade do trabalho Visão do mercado de
trabalho
214
Na construção do processo de articulação do futuro profissional, portanto, foi
possível identificar a existência de quatro tipos ideais de jovens: engajados,
preocupados, céticos e desapegados, conforme será detalhado mais à frente. Antes,
porém, cabe discutir o contexto e as condições intervenientes, que serviram de base
para a elaboração dos perfis.
Contexto e condições intervenientes
A percepção de que o mercado de trabalho é bastante competitivo representa o
contexto no qual este processo se insere, assim como nos dois anteriores. Isto
porque esta visão está tão incorporada na mente do jovem que ele automaticamente
a leva em consideração ao pensar no seu futuro profissional. Nas palavras de
Sabrina: “as pessoas têm que se preparar cada vez mais. É um querendo engolir o
outro, sai da minha frente que eu vou subir primeiro que você”.
A forma como o jovem articula o seu futuro, ou seja, como ele ou ela elabora seus
sonhos e aspirações profissionais e define suas estratégias de inserção e atuação,
depende ainda de três condições intervenientes, todas associadas a características
pessoais do jovem:
� Autoconfiança em relação à qualificação construída;
� Centralidade do trabalho;
� Aceitação ou não das condições do mercado de trabalho.
Com relação à autoconfiança, um grupo de jovens acredita que o nível de
qualificação que conseguiram construir será suficiente para atender às expectativas
do mercado, enquanto outro grupo percebe a existência de um gap de qualificação,
associado especialmente a uma carência de capital cultural – mas também
econômico e social, já que estas formas de capital tendem a ser positivamente
relacionadas, conforme observa Bourdieu. Desta forma, o estoque destes tipos de
capital entre jovens mais confiantes é predominantemente maior do que o de jovens
que temem por suas qualificações.
Em segundo lugar aparece a centralidade do trabalho, uma das dimensões do
significado do trabalho, conforme definido pelo grupo de pesquisa MOW (1987).
Alguns jovens possuem uma alta centralidade, já que têm uma grande preocupação
em relação ao trabalho. Outros jovens, porém, possuem uma baixa centralidade, por
215
não se importarem tanto com o trabalho ou por se preocuparem mais com outras
esferas da vida, tais como o lazer e a família que esperam construir no futuro.
Por fim, temos a forma como o jovem lida com a percepção de que o mercado de
trabalho é competitivo e de que a conquista de um espaço depende unicamente de
seu esforço individual. Alguns parecem aceitar tais condições como uma realidade
sobre a qual não têm controle e procuram se adequar a ela. Outros reagem
negativamente, adotando uma postura crítica e/ou de rejeição a tais condições. Há
ainda um outro grupo de jovens que não parece refletir muito sobre o assunto, já que
o trabalho ocupa uma posição menos central em suas vidas.
Os tipos ideais
Quadro 4.8 – Perfis e suas dimensões
Perfis / Dimensões
Engajados Preocupados Céticos Desapegados
Realidade do mercado de
trabalho Aceitação Aceitação
Rejeição / questionamento Pouca reflexão
Autoconfiança em relação à qualificação
Presente Ausente Irrelevante Irrelevante
Capital cultural Predominante-
mente alto Predominante-
mente baixo Irrelevante Irrelevante
Centralidade do trabalho
Alta centralidade
Alta centralidade Irrelevante
Baixa centralidade
Objetivos e aspirações
Crescer profissionalmente
Crescer profissionalmente
Cargo público ou vida acadêmica Ter um espaço
Metas mais ambiciosas:
status, prestígio, poder,
conhecimento, auto-realização
Metas menos ambiciosas: sair do operacional,
gostar do que faz
Ambição pela realização Pouca ambição
Empresa privada Empresa privada ou pública
Empresa pública, ONG
Empresa pública ou privada
216
No quadro 4.8 apresentamos os tipos ideais e suas respectivas dimensões, que são
justamente as condições intervenientes discutidas acima, além dos objetivos e
aspirações profissionais que representam a forma como cada um dos tipos de
jovens articula o seu futuro profissional.
Conforme se pode observar pelos campos em destaque, algumas dimensões são
determinantes na caracterização dos tipos ideais. No caso dos céticos, a rejeição ou
questionamento à realidade do mercado de trabalho – percebido como altamente
competitivo e injusto – é o que os diferencia dos demais tipos. Os desapegados, por
sua vez, diferenciam-se dos demais por sua baixa centralidade do trabalho. Os
engajados e preocupados são semelhantes entre si na aceitação das condições do
mercado de trabalho e na alta centralidade do trabalho. O que os diferencia, no
entanto, é a confiança, no caso dos engajados, ou a falta dela, entre os
preocupados, em relação às suas próprias qualificações, o que, por sua vez,
depende do estoque de capital cultural acumulado.
Essas dimensões – autoconfiança em relação à qualificação e capital cultural – são
irrelevantes na construção dos tipos cético e desapegado, já que o pertencimento a
esses dois grupos independe do capital cultural acumulado pelo jovem e do seu grau
de confiança em suas próprias qualificações. A pouca valorização do trabalho e o
questionamento das condições do mercado de trabalho podem, portanto, ser
verificados em jovens com alto ou baixo estoque desta forma de capital.
Os engajados são aqueles jovens que aceitam as condições do mercado de trabalho
sem muito questionamento e confiam bastante que, com o grau de qualificação que
alcançaram, conseguirão conquistar uma posição privilegiada no mercado de
trabalho. A carreira é importante para estes jovens (alta centralidade do trabalho) e
por essa razão, despendem tempo e esforços investindo em sua qualificação, além
de possuírem expectativas de carreira relativamente mais ambiciosas. A posse de
capitais cultural, econômico e social é uma característica predominante dos
entrevistados deste grupo que, por essa razão, sentem que estão numa posição de
destaque para alcançar seus sonhos de carreira. Com relação a tais aspirações,
alguns jovens dão prioridade à conquista de posições de prestígio, enquanto outros
estão mais preocupados com a auto-realização, em encontrar uma posição que lhes
traga prazer e satisfação no trabalho, acreditando, no entanto, que a recompensa
financeira e também o prestígio viriam em consequência. A necessidade de
217
reconhecimento é algo que está presente no discurso de grande parte dos jovens
entrevistados e os engajados não são exceção. Nestes casos, o desejo é ser
percebido como referência ou realizar feitos de destaque.
Os preocupados, assim com os engajados, também aceitam as condições do
mercado de trabalho – competitivo, exigente –, mas como não se sentem
confortáveis com o nível de qualificação que conseguiram alcançar, vivenciam uma
preocupação em relação à sua capacidade de encontrar uma posição no mercado
de trabalho condizente com suas expectativas, construídas a partir do momento em
que ingressaram numa IES de qualidade (na sua percepção). O trabalho e a carreira
também são muito importantes, mas suas ambições em relação ao futuro tendem a
ser mais modestas, relativamente às dos engajados. Alguns falam em “cargos de
gestão”, outros apenas em fazer algo que gostem.
Acho que as pessoas de sucesso são aquelas que fazem o que gostam e têm uma boa família. Eu acho o máximo quando a pessoa fala: ‘eu sou casado, trabalho em tal lugar e gosto de viajar’. Eu falo assim: ‘nossa, essa é uma pessoa de sucesso’. Porque é uma pessoa que tem tudo aquilo que ela quis ter. (Daniel)
A possibilidade de fazer carreira numa empresa pública não é descartada,
especialmente porque existe pressão dos pais nesse sentido, mas em diversos
casos a preferência é pela iniciativa privada, percebida como mais dinâmica e
interessante. Os receios em relação à qualificação que construíram devem-se, em
grande medida, à percepção de que lhes falta o capital cultural (qualificações formais
ou transmitidas pela família) e social exigido pelo mercado, em linha com as
proposições de Bourdieu (2008a). A presença de características ou atitudes
pessoais pouco valorizadas no mercado – associadas à idade, peso, timidez –
também podem agir no sentido de ampliar a sensação de insegurança.
Os céticos são assim definidos exatamente porque são críticos em relação às
condições do mercado de trabalho – opondo-se aos engajados e aos preocupados.
Esses jovens consideram esse mercado excessivamente competitivo e incerto e
percebem que não há espaço para todos, o que lhes causa muitas vezes angústia e
sofrimento. Como têm dificuldades de conviver com essa realidade, vêem como
alternativa o emprego público, a carreira acadêmica ou o trabalho em organizações
não governamentais.
218
Os céticos podem possuir um nível de qualificação que permitiria a ele ou ela
conquistar uma boa colocação em empresas privadas, mas mesmo assim sua opção
é por outros caminhos. Os colegas de faculdade de Rosana, por exemplo, acreditam
que, com suas habilidades de comunicação e liderança, ela teria todas as condições
de encontrar uma boa posição no mercado privado, mas não é esse o caminho que
ela pretende seguir. Quando perguntada sobre o mercado de trabalho, explica:
Muito competitivo, uma competição muito acirrada, muito agressiva. Tem muita oportunidade para administração, eu acho, mas é o curso que mais forma por ano no Brasil, então também tem muita gente. Eu nem vejo, não penso muito, porque eu não quero entrar nessa. Alguns amigos meus, de vez em quando, vira e mexe alguém fala ‘nossa, Rosana, você tinha que fazer estágio para tal lugar, ou fazer tal coisa, porque você é muito boa nisso, naquilo’. (Rosana)
Os desapegados se distinguem dos demais tipos em função de sua baixa
centralidade do trabalho. A percepção que possuem do mercado de trabalho não é
muito elaborada, exatamente porque não dedicam muito de seu tempo a pensar
sobre o tema. Esse jovem é predominantemente do sexo feminino e espera que o
trabalho que venha a conquistar viabilize a sua dedicação a outras esferas da vida,
especialmente à família que pretende construir no futuro. Nesse sentido, o trabalho
numa empresa ou órgão público é visto como uma opção, na medida em que é
percebido como menos intenso do que na iniciativa privada.
Eliane é uma típica desapegada, conforme evidencia seu comentário a respeito da
ideia de sucesso profissional.
Me dá um pouco de medo essa palavra, sucesso profissional. Porque essa palavra vem vinculada a muito trabalho. E aí, como eu acho mais importante a vida pessoal, quando eu penso em sucesso profissional parece que eu vou ter que abdicar muito de outras coisas. (...) Para mim sucesso profissional é só conseguir estar no lugar que você gosta. Não necessariamente virar presidente de uma empresa e ganhar muito. Ganhar razoavelmente. Sucesso pra mim é isso, ganhar razoavelmente, estar num lugar que você sente prazer de trabalhar, e ter tempo pra fazer as outras coisas. (Eliane)
Estratégias e consequências
As estratégias e consequências do processo de articulação do futuro profissional
foram elaboradas para cada um dos tipos ideais e possuem uma particularidade em
relação aos demais processos, conforme mencionamos. As consequências são
219
resultado das características de cada tipo, e as estratégias, por sua vez, são
adotadas a partir das consequências e características de cada um dos perfis.
Os engajados, por acreditarem que foram capazes de construir um leque de
qualificações que os torna atrativos para o mercado de trabalho, se sentem
confiantes em relação ao futuro (consequência). E esta confiança é o que os faz
adotar a estratégia de concentrar esforços para o alcance de seus objetivos.
Cristiane, por exemplo, sonha com uma posição de destaque na área de recursos
humanos de uma grande empresa e vem, desde que “se descobriu”, tomando
decisões que, ela acredita, a ajudarão a conquistar seu sonho. O curso de extensão
em recursos humanos e o estágio que conseguiu recentemente numa grande
empresa de consultoria, para atuar com RH, são exemplos do que ela vem fazendo.
Já os preocupados, por considerarem que as qualificações que conseguiram
construir podem não ser suficientes para uma inserção condizente com seus sonhos,
sentem a insegurança (consequência) e, por essa razão, adotam a estratégia que
chamamos de “abrir o leque de opções”. Esta estratégia envolve manter-se aberto a
diferentes oportunidades que podem surgir e também pode incluir o investimento em
diferentes qualificações após a conclusão do curso superior, seja através de
experiências profissionais variadas ou da busca de cursos em diferentes áreas do
conhecimento. Conforme já mencionado, Antonio pensa em fazer pós-graduação
numa área apenas relacionada à administração, como engenharia de produção, de
forma a ampliar suas perspectivas profissionais: “eu penso em fazer uma pós-
graduação em outra área para abrir mais o leque”.
Desta forma, enquanto os engajados podem concentrar esforços na direção de seus
objetivos profissionais, os preocupados acabam por dispersar suas ações, já que
têm medo de ver seus sonhos frustrados.
O cético é crítico em relação às condições do mercado de trabalho – aqui entendido
como o mercado para os trabalhadores de empresas privadas – por acreditar que a
competição é excessiva e danosa para todos. Por essa razão, acaba por rejeitar a
ideia de se inserir neste mercado (consequência) e adota a estratégia de buscar
caminhos alternativos, tais como a carreira acadêmica e, especialmente, o emprego
público. Rosana, por exemplo, já tem um cargo de nível técnico numa empresa
pública e pretende fazer outro concurso quando concluir o ensino superior.
220
Eu não tenho vontade de fazer o que 90% das pessoas querem, que é ou ter uma própria empresa ou ser o CEO, presidente, das maiores empresas. Eu não quero nada disso. Acho que é uma vida muito ruim, não me vejo fazendo isso e sendo feliz. Essa coisa de correr sempre atrás. Acho muito bom estudar, me especializar, mas não para o mercado, porque as pessoas pisam umas nas cabeças das outras. (Rosana)
Por fim temos os desapegados que, por não se preocuparem com o trabalho da
mesma forma que os demais (baixa centralidade), acabam por não ter grandes
expectativas em relação à sua vida profissional, bastando para ele ou ela encontrar
um espaço qualquer. Também em função desta baixa centralidade do trabalho e do
foco em outras esferas da vida, sua estratégia acaba sendo a de “ir com a maré”, ou
em outras palavras, a de não planejar ativamente a construção de sua carreira,
deixando que seu caminho seja, em boa medida, definido pelo acaso, a partir das
oportunidades que eventualmente surjam.
Vou indo, vou acompanhando a maré. Não sei. As coisas acontecem, não sei até onde você tem um destino tão traçado assim. (...) Eu penso assim, tipo, ‘ah, eu queria um negócio melhor do que aqui, eu quero ter uma chance de ser efetivada’. E aí eu vou vendo quais são as opções. (...) ‘Ah, olha, é uma vaga para faxineiro da TIM’. ‘Não, obrigada’. Eu vou fazendo esse filtro, e acho que a partir daí eu vou traçando o meu caminho. (Adriana)
Conclusões
O processo de articulação do futuro profissional diz respeito à forma como o jovem
pretende dar continuidade à sua carreira profissional, após a conclusão do ensino
superior. Conforme pudemos observar, tais considerações dependem fortemente do
seu perfil, que por sua vez é definido a partir de três variáveis: a aceitação ou não
das condições do mercado de trabalho, a centralidade do trabalho e a confiança em
torno da qualificação que conseguiram construir.
Na próxima seção, apresentamos como cada um dos jovens se enquadra na
tipologia proposta e discutimos como este processo de articulação do futuro opera
para cada um deles.
4.4.10 Os entrevistados e seus respectivos tipos
Apesar de os tipos ideais serem uma construção abstrata, fizemos o exercício de
enquadrar cada um dos entrevistados em um dos perfis. Na figura 4.12 a seguir
221
apresentamos os resultados dessa classificação. Conforme se pode observar, a
maior parte pertence aos grupos dos engajados e preocupados, enquanto que os
céticos e desapegados são tipos encontrados com menos frequência.
Além disso, cinco jovens apresentaram discursos que permitiriam encaixá-los em
mais de um tipo – Bernardo, Fernando, Gabriela, Jacqueline e Joana. Nesses casos,
fizemos um esforço de classificação de acordo com o perfil que consideramos o
predominante. Na análise que se segue, discutimos o enquadramento de cada um
dos entrevistados, incluindo esses casos mais nebulosos. Antes, porém, expomos a
forma como o capital cultural dos entrevistados foi medida.
Figura 4.12 – Os entrevistados e seu tipo ideal
DESAPEGADOS
ENGAJADOS
CÉTICOS
PREOCUPADOS
AlineCarlosCelso
CristianeErnesto
FernandoJacquelineJoana
GiseleGilbertoGraçaNelson
Reinaldo
Gabriela
ReginaRosanaPaula
AntonioDaniel
DouglasEster
Geraldo
JoaquimLeila
MateusMauroRita
AdrianaEliane
Sabrina
Bernardo
222
A mensuração do capital cultural
Uma vez que o capital cultural é uma das dimensões consideradas na criação dos
tipos ideais, desenvolvemos uma metodologia de cálculo deste indicador, com base
nas informações que tínhamos disponíveis e em linha com procedimentos
recomendados e utilizados por outros pesquisadores. Segundo Helal (2005), existem
duas abordagens para a operacionalização do capital cultural. A primeira foca-se em
dados relativos à participação em atividades de alto status cultural, tais como visitas
a museus e teatros, e a segunda utiliza informações sobre o background familiar e
inclui o nível educacional e ocupacional dos pais e a renda familiar.
Para este estudo, e em linha com a segunda alternativa, o capital cultural foi medido
com base em 5 variáveis, que poderiam adquirir valor zero ou um, conforme
explicado abaixo:
� Escolaridade do pai: 1 se possui nível superior e 0 nos outros casos;
� Escolaridade da mãe: 1 se possui nível superior e 0 nos outros casos;
� Colégio onde cursou o ensino médio: 1 se privado, 0 se público;
� IES onde estuda: 1 se estuda em faculdade privada sem bolsa de estudos, 0 nos
outros casos; e
� Critério Brasil de classificação sócio-econômica (ABEP, 2003): 1 para os que
pertencem às classes A1 ou A2 (25 ou mais pontos), 0 para os demais.
Categorizamos os jovens em três níveis de capital cultural, de acordo com a soma
dos pontos obtidos. Os jovens com alto capital cultural são aqueles que acumularam
4 ou 5 pontos, aqueles com médio acumularam 2 ou 3 pontos e os com baixo
somaram 0 ou 1 ponto. No quadro 4.9 a seguir, apresentamos o cálculo do capital
cultural de cada jovem, juntamente com o tipo ideal ao qual pertencem.
O quadro 4.10 que aparece em seguida mostra a relação entre os tipos ideais e o
estoque de capital cultural dos entrevistados. Com relação a esses resultados,
cumpre ressaltar que os engajados possuem capital cultural predominantemente
alto, enquanto que a maior parte dos preocupados têm baixo capital cultural, em
linha com o que observamos na construção dos tipos ideais. Além disso, nota-se que
não há desapegados com baixo capital cultural, o que sugere que aqueles que
efetivamente precisam do trabalho para seu sustento e de sua família acabam por
223
valorizá-lo – assumindo que capital cultural e econômico estão positivamente
relacionados, conforme discutido anteriormente.
Quadro 4.9 – Tipo ideal e capital cultural dos entrevistados
Nome fictício Tipo Ideal Capital Cultural
Escolaridade Ensino médio IES Critério
Brasil Total Pai Mãe
Adriana Desapegado Alto 1 1 1 1 1 5
Aline Engajado Alto 1 1 1 1 0 4
Antonio Preocupado Baixo 0 0 0 0 0 0
Bernardo Desapegado Alto 1 1 1 0 1 4
Carlos Engajado Alto 1 1 1 1 1 5
Celso Engajado Alto 1 1 1 1 1 5
Cristiane Engajado Alto 1 1 1 1 1 5
Daniel Preocupado Baixo 0 1 0 0 0 1
Douglas Preocupado Alto 1 1 1 1 0 4
Eliane Desapegado Alto 1 1 1 1 1 5
Elisa Preocupado Baixo 0 0 0 0 0 0
Ernesto Engajado Alto 1 1 1 1 1 5
Fernando Engajado Médio 0 1 0 0 1 2
Gabriela Engajado Alto 1 0 1 1 1 4
Gisele Engajado Alto 1 0 1 1 1 4
Guilherme Preocupado Médio 0 1 1 0 0 2
Heitor Engajado Alto 0 1 1 1 1 4
Helena Engajado Alto 0 1 1 1 1 4
Jacqueline Engajado Médio 1 0 1 0 0 2
Joana Engajado Baixo 0 0 1 0 0 1
Joaquim Preocupado Médio 0 1 1 0 0 2
Leila Preocupado Baixo 0 0 0 0 0 0
Mateus Preocupado Baixo 0 0 0 0 0 0
Mauro Preocupado Médio 1 0 0 0 1 2
Nelson Engajado Médio 0 0 1 1 1 3
Paula Cético Baixo 0 0 0 0 0 0
Regina Cético Alto 1 1 1 0 1 4
Reinaldo Engajado Alto 1 1 1 0 1 4
Rosana Cético Alto 1 1 1 0 1 4
Ruth (*) Preocupado Baixo 0 0 0 0 0 0
Sabrina Desapegado Médio 0 1 1 0 0 2
(*) Escolaridade dos pais de criação, já que os pais biológicos pouco participam de sua vida.
224
Quadro 4.10 – Tipos ideais e capital cultural: totalizações
Capital Cultural
Alto 16 52% Médio 7 23% Baixo 8 26% Total 31 100%
Tipos Ideais
Engajados 14 45% Céticos 3 10% Preocupados 10 32% Desapegados 4 13% Total 31 100%
Tipo ideal Capital Cultural
Engajados Alto 10 Médio 3 Baixo 1
Céticos Alto 2 Médio 0 Baixo 1
Preocupados Alto 1 Médio 3 Baixo 6
Desapegados Alto 3 Médio 1 Baixo 0
Engajados
Aline sonha em alcançar cargos altos numa grande empresa multinacional e, para
isso, está buscando aprender uma segunda língua estrangeira, uma vez que já é
fluente em inglês. A opção pelo alemão deve-se ao seu interesse pela Nestlé,
multinacional de origem suíça.
Como meu objetivo é trabalhar em empresa grande, que é o que eu quero para o futuro, principalmente multinacional, eu resolvi parar um tempo para poder me dedicar à língua estrangeira [alemão], para então tentar um estágio numa empresa maior. (Aline)
Quando questionada sobre o por quê deste desejo, Aline destaca o desafio
envolvido nesta trajetória de carreira e sua vontade de ser referência em sua área de
225
atuação. O reconhecimento seria, nesse sentido, uma merecida recompensa por
tantos anos de preparação e dedicação.
Eu acho que é o desafio. Não sei. Eu nunca parei para pensar por que é que eu quero isso. É engraçado, eu tenho essa vontade, mas não sei por que. Acho legal quando te pegam como referência para alguma coisa. Por exemplo, tem uma reportagem ‘O CEO da empresa tal trabalha de tal maneira’. Então você vira referência assim. Acho muito legal ter reconhecimento porque você trabalha desde cedo para poder ter uma carreira legal. (Aline)
Carlos também tem grandes aspirações profissionais. Desde muito jovem decide
que quer ser produtor de cinema e seu maior sonho é produzir um longa-metragem.
Eu penso [em sucesso], eu quero. (...) Eu acho que sucesso vem muito com a realização profissional, sucesso tem um lado de reconhecimento também. (...) Eu vejo muito que o reconhecimento vem a partir de você estar realizando aquilo. (...) Com certeza um dos meus sonhos, que eu espero que eu realize, é produzir um longa metragem. (...) Então eu imagino, eu quero estar envolvido em um longa-metragem, como produtor e como roteirista, com o desenvolvimento do projeto mesmo (Carlos).
Celso é outro engajado. Sonha em construir uma carreira de sucesso e entende o
trabalho em consultoria e no mercado financeiro como etapas importantes desse
caminho, dadas as oportunidades de aprendizado que esses tipos de trabalho
proporcionam. Também está comprometido com a ideia de fazer uma pós-
graduação nos Estados Unidos – onde morou por vários anos.
Eu tenho olhado muito, recentemente, a parte de consultoria, mas eu também olho para banco como uma possibilidade. Por mais que eu ache que banco não vai ser o meu futuro permanente, eu acho que passar por banco é interessante, faz bem para a saúde. (...) Em termos dos conhecimentos que você pega lá, que você não vai pegar em outros lugares. É o conhecimento único de lá, e que serve muito para os outros lugares. Então, eu acho que é um lugar que serve de caminho, mas não para parar. (Celso)
Com relação ao futuro, considera importante ter uma boa condição financeira e
crescer profissionalmente, um pouco pelo retorno financeiro, mas especialmente
pelo reconhecimento de um trabalho bem feito e pela confiança depositada em
alguém que é promovido.
Eu acho importante [crescer numa empresa], você saber que está sendo valorizado de uma certa forma, que você cresceu de tal forma que eles agora acham que você pode ser muito mais do que você é no momento. Isso para mim tem um peso muito grande, isso é muito mais motivacional, não só pelo lado financeiro. (Celso)
226
Cristiane reconhece estar numa situação privilegiada e tem sonhos bastante
audaciosos, consistentes com essa posição.
Eu cheguei à seguinte conclusão: eu sou uma pessoa que tem ambição. O Google vai dominar o mundo e eu tenho que estar lá dentro. (Cristiane)
Ernesto também é ambicioso e parece se sentir na obrigação de alcançar uma
posição bem remunerada e de prestígio, dado o nível de qualificação que conseguiu
alcançar.
Acho que é importante eu conquistar um elemento que se chama reconhecimento das pessoas que trabalham comigo. Obviamente é muito bom você ser visto como referência, como uma pessoa que consegue trazer resultado para o seu negócio, para a sua empresa, com trabalho sério. (...) Reconhecimento das pessoas que participam, do meio que trabalha junto com você e também, por um outro lado, de um meio um pouco mais abrangente, que seria o mercado, de que você é um bom profissional, que você consegue entregar resultados consistentes e importantes. Eu acho que os demais fatores estão diretamente interligados e são ou consequência ou então são causa que me levaram a ter reconhecimento. (Ernesto)
Eu não gosto de fugir, de que eu gostaria de ser bem remunerado. Isso daí faz parte sim das minhas ambições. Outro dia eu li uma coisa que me marcou bastante, existem certas pessoas que têm desafios muito maiores do que outras, porque não basta apenas somar àquilo que já tem, e sim que tem que multiplicar. Então acho que meu desafio justamente é nessa parte, eu tenho que aprender a multiplicar. (...) Eu acho que, com toda a formação que eu tenho a oportunidade de ter, eu não posso simplesmente incrementar o valor a curto prazo, a médio prazo. Eu tenho que justamente me dedicar sério para que eu consiga fazer com que haja justamente essa multiplicação de resultados. (Ernesto)
Gisele sempre sonhou com a vida de executiva. Sente algumas inseguranças (de
maneira similar aos preocupados, apesar de possuir alto capital cultural), mas
parece acreditar que com força de vontade e uma boa formação é possível construir
uma carreira bem-sucedida, que para ela envolve alcançar cargos altos numa
grande empresa.
Eu acho que se você é bom, você consegue. Eu acho que tem oportunidade, falta gente que queira mesmo. (...) Eu acho que se você é bom, se você estuda para isso, eu acho que o mercado está bom, sempre tem gente procurando. Tudo bem que se mostra lá aquele negócio de índice de desemprego, tudo bem, mas eu acho que o mercado tem lugar para gente boa. Eu acho que é isso, acho que quando você é bom e quer trabalhar, o mercado está legal, está bom. (Gisele)
Eu não sei se sou ambiciosa demais (...) Antes, quando eu era pequena, meu sonho era trabalhar na Xerox. Eu falei, “cara, eu vou ser presidente da
227
Xerox. Vou entrar na Xerox, vou crescer pouco a pouco e vou chegar lá”. Essa era minha ideia de sucesso e de vida na época. E hoje, se eu entrar na L’Oréal, para mim o sucesso é esse, chegar onde eu conseguir chegar lá, para mim o limite é a presidência. Se eu chegar a diretora de uma área que eu gosto muito, e não queira sair dali, para mim ali é o sucesso. Mas hoje, como eu não conheço, como eu não estou, é chegar à presidência de uma empresa que eu goste de trabalhar. (Gisele)
Heitor é outro que sonha alto. Quer ser diretor de um banco e pensa em futuramente
criar seu próprio banco de investimentos. Além disso, gostaria de contribuir para a
sociedade, ou como professor/diretor de uma escola de negócios ou ainda
exercendo um cargo público, não como concursado, mas por indicação em função
de suas qualificações. Um dos cargos que menciona é o de “secretário da fazenda”.
Se eu chegasse aos 50 anos e tivesse... fosse assim professor, ou até mesmo diretor de uma escola, estaria satisfeito. Eu estaria meio que contribuindo também, mas colocando ideias minhas em prática e ajudando a formar profissionais. E também na área pública, aos 50 anos, contribuir para a sociedade... com algum progresso na área pública que eu pudesse fazer. E o terceiro ponto seria esse crescimento meu profissional, assim, próprio. De ser diretor de um banco, de poder ganhar dinheiro. (Heitor)
Sua definição de sucesso envolve gostar daquilo que faz, ser reconhecido e bem
remunerado por isso e, ainda, contribuir de alguma forma para a sociedade.
Sucesso é realização. (...) E realização é você se sentir bem com o que você faz. Por que você se sente bem com o que você faz? Porque você contribui de alguma forma para a sociedade, porque você tem um retorno financeiro sobre isso, porque você faz bem isso, você é reconhecido pela sociedade pelo que você faz. (Heitor)
Nesse sentido, o interesse pela vida pública parece estar relacionado, em primeiro
lugar, à vontade de contribuir com a sociedade, mas também a um desejo de ser
reconhecido como alguém que tem muito conhecimento e que alcançou seus
objetivos pessoais.
Helena se mostra um pouco ansiosa com a conquista de seu espaço, mas nem por
isso deixa de se enquadrar no grupo dos engajados. Talvez o fato de ter uma saúde
frágil – é diabética e por isso tem o sistema imunológico debilitado – explique essa
insegurança. Ainda assim, procura manter uma atitude positiva em relação ao futuro.
Acho que hoje [o mercado de trabalho] é muito competitivo, a gente tem muitos profissionais de qualidade saindo todos os anos das faculdades prontos aí para ingressar no mundo, e entre tantos outros que já estão lá, que já se formaram antes de mim. Então acho que está bem complicado.
228
Mas eu não deixo de acreditar que o meu espaço está lá e se eu conseguir uma brechinha eu vou conseguir crescer. (Helena)
Sua forte ambição de alcançar cargos de poder e prestígio também evidenciam seu
perfil engajado.
Eu quero ser uma diretora do Eike [Batista]. Porque quando ele se aposentar eu posso ficar ali na presidência dele. (...) Eu estou usando o Eike como um exemplo. Uma multinacional, pode ser multinacional, não brasileira, uma multinacional. (Helena)
Quando questionada sobre o que envolve alcançar esta posição numa empresa
multinacional, ela explica:
Além do dinheiro, eu acho que poder. Porque o mundo todo se move a dinheiro, então é uma coisa que todo mundo gosta, todo mundo precisa. Quem disser que não, pra mim está viajando, está querendo fazer pose de bonzinho. Porque todo mundo gosta de dinheiro. Tudo bem, não preciso de 10 milhões, mas todo mundo gosta de ter o dinheiro pra fazer o que quer, sem ficar pensando ‘vou gastar com isso, e depois o que vou fazer com aquilo?’ Então o meu objetivo é ter um bom salário, eu quero ganhar bem, eu estou me dedicando pra isso, eu estou investindo pra isso. E também a parte do poder, de você se sentir bem, se arrumar, ir para uma reunião onde você sabe, aqui sou respeitada, e ser respeitada pela sociedade em si pelo local que você chegou, e principalmente pela minha família, pelos meus avós lá de Natal que sempre bancaram todos os meus estudos e todos os meus cursos. Eu quero virar para eles e falar assim: ‘olha, tudo o que vocês investiram em mim, tá aqui, eu consegui’. Então, acho que é o poder e a realização de chegar ao topo. (Helena)
Nelson também se enquadra no perfil dos engajados: procura investir na sua
qualificação e tem a expectativa de construir uma carreira em que possa fazer o que
gosta, sendo reconhecido e bem remunerado por isso.
A gente tem que se preparar agora para o futuro. É isso que eu tento fazer, tento me preparar para quando o futuro chegar eu estar preparado e ter sucesso na minha carreira profissional. Penso em formar uma família também, casar, ter filhos... também penso nisso. (...) Sucesso é você fazer algo que você goste, ser reconhecido nisso e ser bem remunerado também. (Nelson)
No entanto, ainda são muitas as dúvidas que possui. Fala em ter um “emprego”, mas
também considera a possibilidade de ter o próprio negócio, além de receber o
estímulo do pai – um empresário que viveu muitos momentos de instabilidade até
conseguir se firmar e ter uma vida mais tranquila financeiramente – para que tente
229
um concurso público. Além disso, ainda não tem certeza se quer atuar na área de
marketing ou no mercado financeiro.
Quero um emprego aonde eu faça o que eu goste e que tenha certa estabilidade e alguma coisa relacionada a marketing ou mercado financeiro. Ainda tenho essa dúvida em qual carreira seguir efetivamente. (Nelson)
Interessante observar que, ao contrário da maioria, acha interessante a perspectiva
de trabalhar numa empresa pequena.
Acho que às vezes em uma empresa pequena você tem até mais oportunidade de crescer do que numa empresa grande. Eu não vejo muito essa... não tenho muito essa ambição de trabalhar em empresa grande. Eu tenho a ambição de fazer o que eu gosto, o que me interessa e de ganhar por isso também. (Nelson)
Profissionalmente, Reinaldo acredita que se sentirá realizado por ter conhecimento e
ser reconhecido como alguém que é “bom naquilo que faz”, buscando “estar sempre
melhorando e aprendendo”. O dinheiro também é importante e, segundo ele, seria
uma consequência de sua qualidade enquanto profissional.
Olha, eu acho que profissionalmente, mais do que dinheiro ou status, o que eu busco é conhecimento. Na [grande empresa de consultoria], você vê que pessoas em cargos mais acima têm muito mais conhecimento. Elas sabem muito mais. E eu vejo e quero chegar naquele lugar, de alguém me perguntar e eu saber responder, eu ter vivência, experiência e saber falar: no projeto que eu trabalhei aconteceu isso, isso e isso e a solução que a gente achou foi essa, essa e essa. Eu acho que quando eu tiver com bastante conhecimento eu vou estar realizado profissionalmente. O financeiro, ele vem junto. (Reinaldo)
Todo mundo quer ter um emprego legal, construir um patrimônio. (...) Acho que mais importante é você ir crescendo por mérito próprio, por conhecimento próprio. E o financeiro vem junto, vem com isso. (Reinaldo)
Seu interesse também é por grandes empresas, por acreditar que nelas o trabalho é
mais interessante e diversificado, e também porque nelas teria a oportunidade de
conviver com pessoas de diferentes culturas e de, possivelmente, ter uma
experiência de trabalho no exterior.
Eu gosto de trabalhar em empresa grande. Tem gente que já prefere trabalhar em empresas familiares. Eu gosto de grandes empresas, multinacionais. Não sei se porque a minha primeira experiência foi com empresa grande, de reuniões, essa coisa de globalização, e reuniões por vídeo conferência. Isso eu sempre achei legal. (...) Por eu me considerar uma pessoa mais cosmopolita, que já estive em várias cidades, eu gosto de contato com pessoas diferentes. Eu não gostaria de trabalhar numa
230
empresa com 15 funcionários, de ver todo dia a cara das mesmas pessoas, e saber que a empresa é ali, é do Rio, os clientes dela são do Rio, os fornecedores são do Rio. (...) Eu gosto de contato com pessoas de outros países, chance de talvez morar fora também. Tudo isso. (Reinaldo)
Gabriela é engajada com uma pitada de cética. É ambiciosa – quer ser bem
remunerada e ter uma vida confortável – e diz pôr o profissional em primeiro lugar.
Ao contrário do engajado típico, porém, rejeita a ideia de participar de programas de
trainees, em função da grande competição, e tem como objetivo ficar na empresa
onde trabalha, evidenciando a opção por um ambiente menos competitivo, mesmo
diante da perspectiva de uma ascensão mais lenta.
[Num processo seletivo para trainee] você fica oito etapas para talvez quem sabe um dia chegar a um cargo. E depois que você pegar o cargo vai estar todo mundo querendo pôr na tua b... Desculpe o termo, mas é isso. Todo mundo querendo que você caia do trono, porque teoricamente você vai ser um futuro gerente. Pra que, se eu tenho a minha paz aqui? (Gabriela)
Esses aspectos apontam para um lado cético, mas o que realmente predomina em
seu discurso é o desejo de construir uma carreira em que possa fazer um bom
trabalho e ser bem remunerada por isso.
Eu dou preferência para o profissional, não tem jeito. Eu penso o seguinte: você tem que ganhar dinheiro enquanto você tem vitalidade pra ganhar. Porque aos 70 anos você não vai ter a mesma gana que você tem aos 20, 30. (...) Você tem que dar preferência para o profissional? Paciência. O namorado vai ficar esperando? Vai ficar esperando. Quer marcar às 9? Paciência, não deu. ‘Bom show, eu não vou poder ir’. (Gabriela)
Fernando, Jacqueline e Joana são jovens engajados que apresentam algumas
características dos preocupados. Fernando e Jacqueline possuem médio capital
cultural, fator que explica parcialmente sua insegurança em relação às qualificações
que construíram. Já Joana é a única representante dos engajados com baixo capital
cultural e optamos por colocá-la neste grupo porque ela confia bastante na sua
capacidade de alcançar seus objetivos profissionais. Uma possível explicação para
isso deve-se ao fato de que ela não tem como meta trabalhar numa grande
empresa, onde a carência de capital cultural teria impacto maior.
Fernando aspira a um cargo gerencial e busca se esforçar para alcançar seus
objetivos, o que o coloca no grupo dos engajados. No entanto, se sente um pouco
preocupado em relação às suas qualificações, o que o faz ter um lado preocupado.
A opção por posicioná-lo como engajado deve-se às qualificações que construiu –
231
apesar da insegurança, ele estagia numa grande empresa, fala inglês, tendo
inclusive uma experiência de estudo no exterior, além de já estar fazendo um curso
de especialização – e à posição onde já se encontrava: trabalhando numa grande
empresa e com chances de efetivação.
O sucesso pra mim é eu chegar aonde eu defini que eu quero chegar, que é justamente chegar a um cargo de gestão daqui a alguns anos. Eu estou correndo atrás disso. Não estou simplesmente deitado esperando, ‘ah eu quero algum dia chegar a algum cargo gerencial’. Não, estou botando toda a minha formação atrás disso. (...) Estou fazendo curso [de extensão] (...). Tem as coisas mais básicas também, como informática, eu sempre procuro aprender mais um pouco. Excel, sempre tem alguma coisa nova. Se eu vejo que meu nível de Excel não está suficiente, eu corro atrás para aprender. Língua também, eu estou muito preocupado mas estou sem tempo de voltar para o inglês. Apesar de ser formado, mas com pouca prática você acaba esquecendo. Quero voltar, de repente começar uma outra língua. (Fernando)
Jacqueline é relativamente menos ambiciosa do que outros engajados e tem médio
capital cultural, o que permitiria enquadrá-la entre os preocupados. No entanto, a
opção por considerá-la uma engajada deve-se à posição que já ocupa – estagiária
de uma multinacional –, à sua aspiração a um cargo de gerência, percebido como
bem mais interessante do que um cargo operacional, e à segurança que possui de
que conseguirá o seu espaço no mercado de trabalho.
Eu gosto muito da visão do gerente, porque acho que o ele se livra um pouco desse dia-a-dia, daquela coisa... porque a gente tem que fazer isso, fazer aquilo. Acho que o gerente tem uma visão mais macro de todo um processo, tem um contato maior com todas as áreas. Eu gosto muito dessa parte de análise. O dia-a-dia eu acho muito maçante, o dia-a-dia operacional. O gerente tem mais responsabilidade, mas ao mesmo tempo ele tem um controle, uma experiência maior. Eu não aguentaria ficar muito tempo – provavelmente eu ainda vou ficar muitos anos – sem ter essa perspectiva de um dia virar gerente de uma área de logística, uma área de supply, uma coisa maior que me permita trabalhar mais com análise do que com o fazer. (Jacqueline)
Quando questionada sobre o que seria sucesso profissional, destaca:
... a perspectiva de você ser uma pessoa reconhecida, dentro da sua empresa, ou dentro daquela área. Você trabalhar numa empresa, as outras pessoas em volta, aquela coisa de te oferecerem uma vaga em outra empresa. Acho que isso, de uma certa forma, é reconhecimento, ter um sucesso profissional. (...) O reconhecimento de que seu trabalho é bem feito, seu conhecimento é valorizado. (Jacqueline)
232
Joana acredita que há boas oportunidades para administradores. Apesar de ter
baixo capital cultural, se sente segura de que conseguirá alcançar suas ambições
profissionais – que não são modestas –, o que a posiciona no grupo dos engajados.
Ela não tem a expectativa de crescer numa empresa, mas espera ser reconhecida
como competente naquilo que faz, inclusive na mídia. A carreira profissional ou
autônoma parece ser uma alternativa possível para o futuro e está relacionada à sua
experiência anterior. Joana trabalhou numa empresa de software e, depois que
optou por sair para dar prioridade aos estudos, chegou a atuar como autônoma na
implantação do software em um cliente. O mesmo vale para a carreira
empreendedora, percebida com uma outra opção para o futuro.
Olha, na minha área especificamente, de administração e tudo mais, eu acho um mercado bem promissor. Porque... não sei ... acho que tem muita gente despreparada ainda, acho que tem muita gente que ... é que depende do perfil. Tem muita gente que vai ser técnico e vai ser técnico para sempre, que vai ser especialista e vai ser especialista para sempre. [Gente] que não quer, (...) que quer ficar com a família e tudo mais, e continuar a ser técnico. Eu, definitivamente, enquanto tiver alguém falando ‘quer?’, eu vou querer. (Joana)
Sei lá, eu queria ser reconhecida, eu sou meio metida, meu nome tem que aparecer em algum lugar. Então quando eu faço alguma coisa, eu tenho aquele padrão de qualidade. Onde meu nome está tem que ser no mínimo perfeito. (...) Mas sei lá, profissionalmente, eu queria só esse reconhecimento mesmo, o serviço que eu fosse prestar fosse reconhecido, sair em revista, sei lá. (Joana)
Preocupados
Antonio pensa em fazer concurso público por considerar o trabalho na iniciativa
privada muito incerto, apesar de mais interessante.
Penso em fazer concurso público porque te dá mais estabilidade financeira. Você hoje entra para uma multinacional, amanhã você pode ser demitido, e na maioria das vezes você não sabe nem porquê. Empresa privada tem muito disso, as pessoas são mandadas embora, são demitidas sem uma justificativa ou com uma justificativa que não tem muito a ver. (...) Então, talvez, eu estava pensando em trabalhar na empresa pública, mais por causa dessa segurança, mas o que me atrai mais mesmo são as empresas privadas, porque a dinâmica é maior. (Antonio)
Esta forma como ele percebe as empresas privadas é uma evidência de sua
insegurança em relação à própria qualificação, o que também aparece implícito no
seguinte comentário:
233
Mas é aquele negócio, a gente planeja o futuro, a gente pensa como pode ser, como vai ser, mas aí quando a gente vai ver, a gente não está tão inserido nesse futuro que a gente sonhou, planejou. (Antonio)
Daniel diz ter ambições modestas:
Eu penso num trabalho que me deixe feliz, que eu acorde e fale assim: ‘vou trabalhar!’ (...) Primeiro eu não tenho, assim, eu tenho ambição, óbvio, mas não tenho ambição: ‘ah, quero ser rico, milionário, bilhardário’. Não, quero ter o básico pra viver, uma casa num lugar bem localizado, possivelmente um carro, se nas férias eu falar: ‘quero ir pra China, quero ir pro Alaska’, eu poder pagar. Quero assim, coisas mínimas, e eu acho que isso tudo com o trabalho você consegue. (Daniel)
Apesar disso, acredita que irá encontrar muitas dificuldades no caminho:
[Espero enfrentar] muitas dificuldades. Primeiro entrar numa boa empresa. Segundo ser qualificado, porque se eu não tiver um nível de conhecimento bom, eu não vou entrar numa boa empresa. Terceiro, pessoas. Eu continuo vendo que as empresas também têm as panelinhas. Então isso também é uma coisa, uma dificuldade também a enfrentar. (Daniel)
O comentário acima sugere que ele pode ter se sentido deslocado numa ou mais
empresas pelas quais passou, justamente pela carência de capital cultural e social,
percebendo isso com um empecilho à sua trajetória. Ao citar as panelinhas, pode
estar se referindo a uma dificuldade de se inserir, por não compartilhar das mesmas
redes sociais de seus colegas ou por não ter o mesmo linguajar e/ou hábitos
culturais e de comportamento.
Elisa percebe claramente sua desvantagem em relação a outros candidatos que têm
mais tempo para se atualizar. Cabe ressaltar que a jovem mora no bairro de Campo
Grande, estuda na PUC, que fica na Gávea, a 60 Km de onde mora, e trabalha no
centro da cidade, gastando com locomoção aproximadamente quatro horas por dia
(duas horas de manhã e duas horas à noite).
A prova da Coca-Cola é muito atualidade, e eu não tenho tempo pra assistir jornal, não tenho tempo pra ler. Então eu cheguei na hora e falei ‘gente!’ Eu sabia que aquilo tinha acontecido, assim, de ouvir falar, mas não sabia os detalhes e é muito difícil porque eles pedem detalhes do acontecimento. (Elisa)
Guilherme associa as dificuldades que tem encontrado para conseguir um estágio
em “boas empresas” à sua origem socioeconômica, que impediram que ele
investisse mais em sua qualificação. Dentre os jovens de origem mais humilde, é o
que tem mais clareza a respeito de sua desvantagem no mercado de trabalho.
234
Eu estou com dificuldade para entrar em algumas empresas. Embora as melhores empresas me chamem para fazer prova, processo seletivo, eu estou tendo algumas dificuldades porque eu não tenho inglês avançado, sabe? É aquilo, eu consegui entrar na melhor faculdade, estou me dedicando, estou tendo excelentes notas, só que eu vim de classe baixa, entendeu? A minha estrutura de ensino começou a ser de ponta só a partir do momento em que entrei na faculdade. E é uma coisa obrigatória hoje para o mercado, mercado das empresas boas, de que você tem que saber inglês. (Guilherme)
Num outro momento da entrevista, Guilherme destaca as vantagens das pessoas de
classe mais alta:
Eu já chego com um gap em relação aos outros alunos porque ... pelas entrevistas que eu faço, para as empresas em que eu estou indo, elas só buscam as pessoas das instituições de elite, dos cursos de elite. E nesses cursos de elite, pelo que eu observo aqui, são as pessoas da classe alta. E as pessoas da classe alta vão para os Estados Unidos, França, muitos aqui falam inglês, francês. Tem uma menina aqui que fala cinco idiomas fluentemente. Não era difícil, desde criancinha, pôde estudar, morar seis meses num país, seis meses em outro, aí não fica difícil, tem essa oportunidade. Então, aqui são raras as pessoas que não sabem inglês fluente. Porque já vem de uma família rica, já vem de um colégio americano, inglês. (Guilherme)
Joaquim também não tem grandes ambições profissionais e, mesmo assim, não se
considera pronto para enfrentar o mercado de trabalho. Ele tem dificuldade de
explicar exatamente porque se sente assim e menciona apenas que falta dedicação
da parte dele, localizando em si mesmo as dificuldades que possa vir a enfrentar.
Ainda não [me sinto preparado para o mercado de trabalho]. Acho que falta um pouco. Pouco não, médio. (...) Falta um pouco mais de dedicação minha. (Joaquim)
Assim como Guilherme, Leila também associa suas dificuldades em termos de
qualificação à sua origem sócio-econômica.
Porque eu estava no inglês, aí saí do inglês e comecei esse [curso de logística], aí vou terminar esse e estou pensando em fazer curso de Excel avançado. Porque eu não consigo ficar parada. Como eu já tenho o sábado como atividade extra, quando tira essa atividade de sábado parece que eu estou completamente à toa. [Faço tudo isso como] preparação para o mercado de trabalho. Porque eu sei que na minha casa eu não tinha condições financeiras de iniciar cursos de aprimoramento mais coesos, coisa que eu tenho disponibilidade de fazer hoje, mas não tenho tempo. Eu tenho que me preparar porque eu estou muito atrasada para o mercado. As pessoas que estudam comigo já falam uma terceira língua e eu estou caminhando para a segunda. Então, eu sei que ainda estou muito aquém de muitos profissionais. (Leila)
235
Mateus é outro jovem com baixo capital cultural e econômico (a mãe é supervisora
de caixa de supermercado e o pai trabalha autonomamente com reparo de ar
condicionados) que tem muito receio de não conseguir realizar seus anseios
profissionais. Apesar de sonhar alto – ser executivo de finanças de uma grande
empresa multinacional –, teme até mesmo não encontrar uma colocação depois que
sair do estágio onde está atualmente, o que para ele é imprescindível dadas as
condições financeiras de sua família.
E o pior é que eu estou vivendo um estágio que eu sei até onde vai. Quando eu não estiver mais na [nome da empresa], meio que a ficha vai cair. E agora? Agora eu tenho que me virar de novo, né? (...) Dá meio que um friozinho na barriga, como é que vai ser o próximo semestre? Sempre dá aquela dúvida: poxa, e se eu não arrumar um emprego, e se eu ficar... (Mateus)
Ruth também faz parte do grupo dos preocupados. Quando pergunto se ela se sente
preparada para o mercado de trabalho, ela responde:
Não muito, fico bem assustada com o mercado de trabalho. (...) Eu acho que tenho capacidade, mas acho difícil convencer os outros que eu tenho capacidade para atender os requisitos das vagas. Principalmente porque eu sinto muito essa pressão de você estar muito pronto, de já ter tanto de experiência, de fazer... não sei... acho que sinto muito essa pressão. (Ruth)
As exigências muitas vezes subjetivas por parte das empresas em seus processos
seletivos fazem com que alguns jovens, mesmo tendo boas qualificações formais, se
sintam inseguros e, portanto, insiram-se no grupo dos preocupados. Alguns parecem
perceber que lhes falta alguma coisa, mas não conseguem reconhecer exatamente
o quê (caso de Joaquim), enquanto outros se sentem injustiçados. Este é o caso de
Douglas, que mesmo tendo boas qualificações e elevado capital cultural (o único
classificado como preocupado) foi sistematicamente reprovado em alguns processos
seletivos, na sua visão de forma injusta.
Eu fico um pouco confuso com isso porque eu fiz alguns processos de seleção que eu mostrava essa vontade minha, sabe? E às vezes pessoas que só queriam entrar para cumprir a hora mesmo, não fazer nada demais, entravam, e eu não. É meio estranho, não sei, tem algumas empresas que, principalmente as menores, elas querem gente esforçada, que vão trabalhar pela empresa, que dão o suor, querem fazer tudo direito, mas as empresas maiores eu não estou vendo que estão fazendo tanto isso, que estão dando tanta atenção a quem quer crescer. (...) Eu perdi um pouco a fé, até parei de fazer alguns processos de seleção quando eu via que podia ser assim [ser reprovado]. (Douglas)
236
Situações como a vivida por Douglas evidenciam o sofrimento compartilhado por
muitos jovens na busca de seu espaço no mercado de trabalho. A amplitude de
conceitos como os de empregabilidade e competência, tema já discutido na literatura
(cf. LEMOS, 2004), acabam por criar este tipo de desconforto. Analisando o perfil
deste jovem, é possível perceber que ele não se encaixa no estereótipo do que
muitas grandes empresas buscam. Douglas é bastante tímido e está acima do peso.
A idade é outro aspecto percebido como impeditivo à trajetória mais sonhada pelos
jovens: entrar num programa de trainee de uma grande empresa, de preferência
multinacional, e lá subir rapidamente para cargos de gestão, “queimando etapas”.
Ainda que esta não seja uma limitação explícita – em muitos processos não é
destacado o limite de idade para participação –, os jovens mais velhos tendem a se
sentir preteridos, como é o caso de Mauro. Ele, que tem 28 anos, chegou a participar
de alguns desses processos, mas foi reprovado em todos ainda nas primeiras fases.
A maioria eu não passei, na verdade porque... bom, hoje em dia eu vejo, pelo que eu estou analisando nesses que eu não tenho passado logo na primeira fase, que é análise de currículo, é um pouco a idade. (Mauro)
A justificativa que parece encontrar para essa rejeição viria de uma visão mais crítica
dos profissionais mais experientes, que em função de suas vivências anteriores não
se sujeitariam a determinadas demandas da empresa.
O cara [recrutador] vai dizer ‘pô, esse cara não vai se prestar a praticamente nada. Eu vou querer sugar o máximo dele e ele vai ficar cheio de coisa porque ele já sabe, já tem uma visão mais crítica. Não vou fazer isso não. Vai ser meio resistente a fazer determinadas coisas’. (Mauro)
Assim como no caso de outros jovens deste grupo, as ambições de Mauro em
relação ao futuro são relativamente modestas. Sua definição de sucesso envolve
basicamente conseguir um trabalho que lhe traga satisfação.
Eu acho que trabalhar no que eu gosto já é um sucesso. Hoje em dia tem tanta gente que faz coisa que não gosta porque tem que trabalhar. Mas eu penso, pra mim esse é o meu objetivo de sucesso: conseguir trabalhar numa área que eu gosto, numa área que me interessa, numa área que me instiga. (Mauro)
Céticos
Regina é uma cética, na medida em que não consegue se ver construindo uma
carreira numa empresa privada. Ela chegou a fazer estágio numa importante
237
seguradora e essa experiência foi definitiva para sua decisão de não mais buscar
uma colocação no mercado privado, exatamente por não concordar com o que
acontece e por entender que a cultura da empresa se opõe aos seus valores
pessoais.
Não estava gostando do trabalho. Eles valorizavam lá muito mais o quanto eu me dedicava ao trabalho e não à faculdade. Eu era mal vista porque eu gostava de estudar, porque eu gostava da faculdade, e porque quando dava o meu horário eu queria vir pra aula. Eu realmente gosto de assistir aula. E eles não valorizavam isso, eles achavam que eu seria uma boa estagiária se eu ficasse lá até mais tarde todo dia. Quando eu estava de férias eu fiz o dobro do meu horário, ficava lá o dia inteiro. Mas quando começaram as minhas aulas eu tive que começar a sair pra vir pra faculdade. Eles falavam pra mim: você está escrevendo monografia, como assim? Pega numa biblioteca e copia, pra que vai perder tempo com isso? Lá era assim. Como eu vou me dar bem numa empresa assim, se os meus valores são completamente diferentes? Não tem como. (Regina)
Ao descartar a alternativa de trabalho no mundo privado, suas opções passam a ser
a vida acadêmica – ela já está se preparando para um mestrado, e sua preferência é
pelo Mestrado em Administração Pública da FGV – ou o emprego público.
Concurso público é uma coisa que eu sempre pensei bastante. Eu preciso de estabilidade, e por outro lado, é também uma questão de cultura organizacional. Acho que eu me adequaria melhor à cultura de uma empresa pública. (...) Eu sou uma pessoa extremamente crítica, então numa empresa privada é muito complicado pra mim, eu acabo tendo um sofrimento muito grande vendo o dia inteiro todas essas pessoas... sei lá, eu sofro pelos outros. Eu vejo as pessoas alienadas ali, totalmente presas naquilo e eu vejo, caramba, qual perspectiva que essa pessoa tem de sair dessa situação? E as pessoas reclamando, as pessoas infelizes, se enganando. Me gera muito incômodo, me gera um desconforto muito grande. (Regina)
Paula também é cética, já que rejeita o que ela chama de mundo capitalista,
percebido como excessivamente competitivo e instável, e o modus operandi das
empresas privadas, nas quais se demite sem maiores consequências. Para ela, a
única saída é o concurso público – onde conseguiria a estabilidade financeira e se
distanciaria de uma realidade que condena.
[O mercado de trabalho é] super, hiper competitivo. Muito complicado, muito difícil. Eu particularmente não gosto, assim, não gosto de capitalista. Por isso que eu quero fazer um concurso porque nessas empresas privadas você está lá, você está bem, tem cargo de gerência, e eles têm a sua vida toda estruturada, mas do nada o estado fica em crise e você é mandado embora. Afeta sua vida, afeta a vida da sua família, dos familiares. Então
238
assim, essa instabilidade do mercado privado eu não gosto, não é pra mim. Eu vejo como que as pessoas ficam aflitas com isso. (Paula)
Se, por um lado, os preocupados com baixo capital cultural gostariam, mesmo diante
de dificuldades, encontrar espaço na iniciativa privada, os céticos de mesma origem,
como é o caso de Paula, têm como principal ambição a aprovação num concurso
público.
A outra cética identificada entre os entrevistados é Rosana. Incentivada pelo pai,
candidatou-se e foi aprovada num concurso, passando a ocupar um cargo de nível
médio numa empresa pública. Ela vê duas opções para o seu futuro profissional:
fazer concurso público depois de formada, na busca de um cargo de nível superior,
ou ainda abrir uma ONG para atuar na área de educação, para ajudar aqueles que
não tiveram oportunidades.
Eu tenho vontade de ter uma... de abrir uma organização não-governamental com ajuda de algumas empresas, para fazer uma escola para pessoas que não pudessem pagar escolas boas, que tivesse não só as matérias normais, mas outras coisas que normalmente crianças nessa situação precisam. (Rosana)
Desapegados
Eliane é uma típica desapegada, que vê o trabalho apenas como uma das várias
esferas de sua vida. Ela dá bastante prioridade às suas atividades de lazer e
também pensa no seu futuro enquanto mãe e profissional, dando prioridade a
empresas que permitirão a ela ter tempo para a família.
Eu acho a [vida] pessoal mais importante. Por isso eu saí da [nome da empresa], porque lá... eu sempre pensei como ia ser quando eu casasse, tivesse filhos. Porque lá não tem hora pra sair. Aí por isso que eu quis procurar uma empresa mais tranquila. Eu acho que não dá, pra mim não dá viver para o trabalho, e não poder ter tempo para outras coisas. (Eliane)
Adriana é outra desapegada, que não pensa muito em trabalho nem no seu futuro
profissional. A questão para ela não é tanto a perspectiva de casar e ter filhos
(dimensão relativa do significado do trabalho), mas um certo desinteresse pelo
trabalho em si (dimensão absoluta do significado do trabalho). Adriana não tem
grandes ambições profissionais e espera apenas encontrar um espaço no mercado
de trabalho depois que se formar.
239
Cara, eu não sei o que pensar do futuro. (...) Eu não sei se eu queria continuar morando no Rio, mas ao mesmo tempo eu não me vejo fora daqui. Não sei se tivesse emprego se eu iria morar em outro lugar, em São Paulo. Nossa, eu não me vejo em São Paulo. (...) Eu não sei o que eu faria, vou indo, vou acompanhando a maré. Não sei. As coisas acontecem, não sei até onde você tem um destino tão traçado assim. (...) Não [penso muito no futuro]. Eu penso assim, tipo, ah eu queria um negócio melhor do que aqui, eu quero ter uma chance de ser efetivada. E aí eu vou vendo quais são as opções, tem o processo da Vale, tem a Texaco, tem a TIM, tem a não sei que, vou vendo as opções. E aí conforme, “ah olha é uma vaga para faxineiro da TIM”. “Não, obrigada”. Eu vou fazendo esse filtro assim, e acho que a partir daí eu vou traçando o meu caminho. (Adriana)
Sabrina, por sua vez, pensa em casar e ter filhos e acha que não vale a pena se
sacrificar para construir uma carreira, que na sua percepção envolve muitos
sacrifícios, especialmente tempo e dedicação, e pouco retorno, até mesmo em
termos financeiros. Sua principal aspiração para o futuro é o concurso público.
Profissionalmente eu não sei se quero ficar no mercado privado não. Eu penso muito em concurso público. Eu acho muito mais fácil. Lá na [empresa do setor de mídia] eu vejo as pessoas que têm um salário absurdo, gente que ganha 30, 40, 50 mil reais, mas não vive. Não sabe nem como está o filho em casa. Eu fico pensando muito assim, quanto eu vou precisar me sacrificar para conseguir uma gerência numa empresa privada. E isso fica muito na minha cabeça. Como minha mãe já há bastante tempo trabalha com escola, e é do lado da minha casa, eu tive minha mãe ali o tempo todo, e meu pai também. Então fico pensando, quero casar, ter os filhinhos e tal, então fico pensando, será que vai valer a pena eu me matar isso tudo pra ganhar 10 mil reais num cargo de gerência? Talvez não. (Sabrina)
Bernardo é o representante masculino dos desapegados. Ele deseja trabalhar no
mercado financeiro, porque é algo que gosta, mas não tem a ambição de chegar
muito longe, especialmente por valorizar a vida pessoal. Esta característica aponta
para uma menor centralidade do trabalho e faz como que ele se insira, portanto, no
grupo dos desapegados.
Sou um cara intermediário, que ganha a graninha ali, está bom, mas também consegue ter a sua vida pessoal, tranquilo. (Bernardo)
O discurso de Bernardo, no entanto, tem um lado cético, uma vez que ele é bastante
crítico em relação à forma como as empresas gerenciam sua força de trabalho.
Segundo o jovem, elas se beneficiam do excesso de oferta de mão de obra e
acabam por explorar seus trabalhadores, na forma de longas jornadas de trabalho e
de exigências descabidas no recrutamento de funcionários.
240
4.4.11 Conclusão final – o fenômeno central
Até aqui apresentamos três processos centrais, associados à forma como os jovens
descobrem seu interesse pela administração, gerenciam sua empregabilidade –
através da busca pela qualificação – e começam a pensar e desenvolver um projeto
de futuro, a partir da proximidade do fim da faculdade.
Ao final do trabalho de construção dessas categorias centrais, nos deparamos com a
necessidade de integrá-las sob um único fenômeno mais abrangente, que
capturasse essa diversidade de etapas e situações. Como a grounded theory é uma
metodologia que envolve a construção de um modelo teórico pelo método indutivo, a
partir dos dados obtidos no campo, ou em outras palavras, de baixo para cima
(bottom-up), faz sentido buscar a identificação do fenômeno a respeito do qual tais
categorias se referem, elevando em mais um nível o processo de teorização – neste
caso, o último.
Fizemos um esforço integrador, portanto, ao final do trabalho de análise, quando
todos os processos já estavam praticamente mapeados. E chegamos ao fenômeno
central, ao qual denominamos construindo uma carreira em Administração – ver
figura 4.13.
Figura 4.13 – O fenômeno central
Descobrindo a profissão
Articulando o futuro profissional
Qualificando-se
Construindo uma carreira em Administração
241
Tal fenômeno envolve, portanto, (1) a descoberta do interesse efetivo pela área, que
pode ocorrer – diferentemente de outras profissões onde a vocação tende a estar
mais presente – antes, durante ou depois da faculdade, havendo ainda a
possibilidade teórica de ela nunca acontecer; (2) os investimentos em qualificação
como forma de lidar com a competição percebida no mercado de trabalho e no
sentido da construção da empregabilidade e, por fim (3) as reflexões suscitadas e
estratégias traçadas para a transição faculdade-trabalho.
Nesse sentido, procuramos mostrar como o futuro administrador vai paulatinamente
construindo sua carreira, desde quando começa a pensar na vida profissional e
busca encontrar um caminho que seja percebido como interessante e satisfatório,
passando pelas dificuldades enfrentadas e esforços de superação, até o momento
em que ele ou ela se vê articulando uma visão de futuro, desenvolvendo estratégias
para alcançar seus objetivos e sonhos e também para lidar com eventuais medos e
inseguranças – inevitáveis para muitos desses jovens que têm na construção da
carreira um aspecto definidor de sua própria identidade.
242
5. DISCUSSÃO
Neste capítulo, discutiremos, em primeiro lugar, o modelo por nós desenvolvido à luz
de estudos anteriores. Para tanto, alguns dos tópicos abordados na revisão de
literatura serão aqui aprofundados e outros ganharão espaço pela primeira vez, em
ambos os casos em função de sua relevância em relação ao modelo. Começamos
com o posicionamento de aspectos dos três processos em relação à literatura
pertinente. Em seguida, buscamos trabalhos que tivessem abordado o conceito de
construção da carreira, relativo ao fenômeno central, e conforme será detalhado
adiante, encontramos uma única teoria que trata especificamente deste construto
(SAVICKAS, 2002).
Na segunda parte deste capítulo, discutimos as possíveis implicações de nossas
descobertas para instituições de ensino, pais e responsáveis, empresas contratantes
e, finalmente, para os próprios jovens que optaram pelo ensino superior e buscam
encontrar o seu espaço no mundo empresarial. Finalizamos com as limitações e
forças da pesquisa.
No próximo e derradeiro capítulo, concluímos o trabalho com nossas considerações
finais e algumas sugestões para futuras pesquisas, que podem lançar novos e
diferentes olhares ao tema aqui abordado.
5.1 O MODELO TEÓRICO À LUZ DA LITERATURA
5.1.1 Identificando interesses e fazendo escolhas profissionais
O processo descobrindo a profissão, aqui proposto, diz respeito à forma como os
jovens identificam interesses e fazem escolhas profissionais, chegando (ou não) à
percepção de que estão “no caminho certo”, ou seja, de que as escolhas feitas até o
momento os colocou num rumo que lhes trará satisfação profissional. Identificamos
que três etapas compõem esse processo para os que optaram por ingressar no
ensino superior de Administração. Em cada uma delas, o jovem tem acesso a
informações e vivências que acabam por auxiliá-lo na identificação de seus
interesses, culminando com o ponto em que percebe ter feito “a escolha certa”.
Eu acho que realmente fiz a escolha certa. (Bernardo)
Aí sim, aí eu tive certeza que era RH. (Cristiane)
243
Estou adorando [o curso de Administração], realmente eu sei que fiz a escolha certa. (Fernando)
Na primeira fase, a maior parte das crianças/adolescentes começa a vislumbrar
alternativas de carreira, identificadas basicamente em atividades, vivências e cursos
(incluindo o ensino médio técnico) ou em função do contato com grupos de
referência, usualmente compostos por pais, familiares e amigos de familiares, ou
ainda por grupos profissionais que acabam por servir como exemplo ou modelo a ser
seguido – especialmente professoras, no caso das mulheres, e jogadores de futebol,
no caso dos homens. Na etapa seguinte, quando o vestibular se aproxima, a busca
de informações se intensifica (junto a orientadores vocacionais e pessoas da rede de
relacionamentos, ou ainda através da pesquisa solitária), especialmente entre
aqueles que ainda não sabem que caminho seguir. Durante a faculdade, que
corresponde à terceira fase, o jovem pode continuar nessa busca, tendo o trabalho e
os cursos (da faculdade e fora dela) como fonte de vivências e informações. Para
alguns, esse é um período em que ainda estão procurando se encontrar, para outros
pode servir apenas para confirmar desejos ou interesses identificados anteriormente,
e para um terceiro grupo pode levar a uma total revisão das escolhas feitas até
então.
Com relação à identificação de interesses, foi possível observar que vivências e
experiências com as diferentes profissões – por meio de cursos, jogos e simulações,
ou mesmo de vivências informais, tais como visitas ao local de trabalho –, ainda na
infância e/ou na adolescência, ajudam o jovem neste processo, facilitando em
grande medida as escolhas que serão feitas dali em diante e dando mais segurança
a respeito das mesmas.
No que tange as escolhas profissionais, especialmente a do curso de graduação,
observamos que estas carregam um enorme peso para o jovem, causando
ansiedade e insegurança, sensação que tende a ser tanto maior quanto menor a
clareza sobre o que fazer. Posto de outra forma, dependendo de como transcorre a
identificação de interesses, a escolha do curso de graduação é feita com mais ou
menos tranquilidade.
Independentemente do grau de segurança, porém, a percepção que parece
prevalecer é a de que essa opção será definitiva e que um erro pode ser bastante
prejudicial para a carreira e a vida. O adiamento da escolha (associado em alguns
244
casos ao medo de errar e ter que recomeçar) foi, nesse sentido, identificado como
um dos fatores que levam à opção por Administração, um curso que, na visão do
jovem, abre múltiplas possibilidades de inserção profissional e passa a sensação de
não comprometimento com um determinado caminho.
É possível considerar que a grande atratividade dos cursos de graduação em
Administração, conforme abordado no capítulo 3, seja justamente decorrente dessa
dificuldade de escolha, evidenciando a necessidade de buscarmos alternativas que
ajudem o jovem nesse processo decisório, conforme abordaremos mais à frente, nas
implicações do modelo. Além disso, podemos levantar a hipótese de que os jovens
que têm menos clareza a respeito de suas habilidades e interesses, ou que se
sentem mais inseguros em relação aos mesmos, têm mais chance de escolher
cursos como o de Administração, onde as perspectivas profissionais são mais
abrangentes. A lógica funcionaria da seguinte forma: “se eu não sei no que sou bom
e o que quero para o meu futuro profissional, é melhor procurar um curso em que
seja grande a possibilidade de me encaixar, de encontrar o meu espaço, na medida
em que for amadurecendo e me conhecendo mais”.
Também seria importante que o jovem não percebesse essa escolha, assim como
as decisões de carreira no geral, como definitiva, já que o atual ambiente corporativo
e de negócios – de emergência de novas modalidades de carreira (ARTHUR &
ROUSSEAU, 1996; HALL, 2004) e de redefinição do contrato psicológico entre
empresa e trabalhador (CAPPELLI, 1999; ROUSSEAU, 1995) – sugere que
mudanças de carreira se tornarão cada vez mais comuns (IBARRA, 2007).
Por um lado, é compreensível a ansiedade envolvida, já que um erro representa um
custo em termos de tempo e recursos, além de um desgaste subjetivo, visto que
uma mudança de rumo irá requerer do jovem uma justificativa para si mesmo e os
outros a sua volta, e uma quebra na continuidade de sua narrativa de vida (IBARRA,
2007). No entanto, as evidências encontradas em estudos que procuraram analisar
processos de mudança de carreira apontam no sentido de uma certa naturalidade
e/ou inevitabilidade. Siciliano (2006, p. 134), por exemplo, ao falar sobre seus
informantes, que optaram por reorientar suas carreiras, observa que “este processo
é por eles entendido não de forma ‘fatalista’, mas como parte integrante da própria
vida”, ainda que tenha sido permeado de dúvidas e sofrimentos. Desta forma, as
evidências empíricas sugerem que o processo de mudança pode ser doloroso, mas
245
que depois de consolidado a sensação que parece prevalecer é a de satisfação,
quando o resultado da mudança é percebido como positivo (IBARRA, 2007;
SICILIANO, 2006).
Quatro dos 31 jovens entrevistados desta pesquisa viveram a experiência de
começar (no caso de Eliane, começar e terminar) um curso de graduação e depois
perceber a necessidade de uma reorientação. É interessante observar que nenhum
deles fala do curso anterior com grande pesar ou como uma perda de tempo. O
sentimento que parece predominar é o de alívio e otimismo por finalmente terem
encontrado um caminho que poderá lhes trazer a satisfação de seus anseios
profissionais, resultado que está em linha com a literatura.
Ainda com relação à escolha do curso de graduação, em nossa pesquisa
identificamos que o interesse genuíno pela Administração serviu de motivação
principal para menos da metade dos entrevistados e que fatores de caráter mais
utilitarista, tais como as perspectivas de trabalho, além do já mencionado adiamento
da escolha, serviram de critério para uma parcela importante de jovens. Acreditamos
que estes fatores tendem a ser menos relevantes em cursos onde as aptidões
necessárias e as características da profissão são mais evidentes, tais como o de
Medicina, por exemplo. Num estudo com estudantes da Universidade Federal de
Minas Gerais, os pesquisadores identificaram que mais de 50% optaram pela
medicina em função da adequação às suas aptidões pessoais e também pela
possibilidade de realização pessoal, sendo que outro grupo importante escolheu por
motivos altruístas e também pela busca do conhecimento. Menos de 10% dos
estudantes optaram por razões consideradas utilitaristas, como razões pessoais e/ou
familiares e por conta do mercado de trabalho (FERREIRA, PERET FILHO,
GOULART & VALADÃO, 2000), resultado que corrobora nossa colocação.
Apesar de reconhecermos a importância de se buscar um curso/profissão em que as
oportunidades de inserção sejam favoráveis, é também necessário que o jovem
encontre uma profissão que seja compatível com suas habilidades e interesses,
especialmente se considerarmos que a demanda por trabalho de diferentes
especializações oscila ao longo do tempo. As teorias ligadas à escolha profissional,
abordadas a seguir, tratam justamente desta questão.
246
5.1.2 Teorias de carreira ligadas à escolha profissional
Conforme discutido no Capítulo 3, as primeiras teorias de carreira foram elaboradas
com o intuito de compreender como são feitas as opções de carreira e, em alguns
casos, propor mecanismos que ajudassem as pessoas a fazer melhores escolhas,
ou seja, a tomar decisões que trouxessem satisfação e/ou adaptação em relação à
carreira escolhida. Essas teorias de traços-fatores (trait-factor theories) propunham,
basicamente, que a escolha, a adaptação e o sucesso na carreira dependeriam do
ajuste entre dois aspectos que interagem entre si: o indivíduo e o ambiente no qual
está inserido (BETZ, FITZGERALD & HILL, 1989). Com relação às variáveis
individuais ou psicológicas consideradas, podemos apontar as habilidades,
relacionadas à performance no trabalho, e os interesses, necessidades e valores,
associados à motivação e à satisfação no trabalho.
O primeiro desses modelos, elaborado por Parsons em 1909, propunha que a
melhor escolha profissional seria aquela em que a pessoa conseguisse o ajuste
entre suas habilidades e interesses e as exigências e oportunidades da profissão.
Na sábia escolha de uma vocação, há três grandes fatores: (1) um claro entendimento de si mesmo, suas aptidões, habilidades, interesses, ambições, recursos, limitações, e o conhecimento de suas causas; (2) um conhecimento dos requerimentos, condições de sucesso, vantagens e desvantagens, compensações, oportunidades e perspectivas das diferentes linhas de atuação; (3) uma verdadeira análise da relação entre esses dois grupos de fatos. (PARSONS, 1909 apud BROWN, 2002, p. 3)
Apesar de simples, essas ideias ainda permanecem no centro das teorias sobre
escolhas profissionais (BROWN, 2002; BETZ, FITZGERALD & HILL, 1989), guiando
trabalhos posteriores como os de Super (1953) e Holland (1973)36, discutidos a
seguir.
Em sua teoria, Super (1953) propõe que a escolha profissional envolveria um
processo de desenvolvimento e implementação de um auto-conceito, e que este
seria decorrência de um ajuste (compromise) entre as aptidões inerentes ao
indivíduo e as oportunidades encontradas – ou seja, um compromisso entre fatores
individuais e sociais. Além disso, o autor sugere que esse processo de equilíbrio
entre realidade e auto-conceito ocorreria através do desempenho de papéis (role
36 Esses autores foram escolhidos por serem considerados os principais teóricos dessa linha de pesquisa em carreiras e porque motivaram um grande número de estudos e teorizações posteriores.
247
playing), seja no imaginário ou em atividades tais como aulas, estágios (part-time
work) e primeiros trabalhos. Por fim, a teoria prevê que a satisfação dependeria da
habilidade da pessoa em encontrar um espaço onde possa fazer uso de suas
habilidades e interesses. Mais especificamente:
A satisfação no trabalho e na vida depende da extensão com que o indivíduo encontra um espaço adequado às suas habilidades, interesses, traços de personalidade e valores; elas dependem de sua inserção num tipo de trabalho, uma situação de trabalho e um estilo de vida em que ele pode desempenhar o tipo de papel em que suas experiências exploratórias e de crescimento o levaram a considerar agradável e apropriado. (SUPER, 1953, p.190)
Esta noção de comprometimento (compromise) já havia sido proposta por Ginzberg
e colaboradores (GINZBERG, GINZBURG, AXELRAD & HERMA, 1951 apud
SUPER, 1953) alguns anos antes. Segundo os autores, o processo de escolha de
uma ocupação culminaria com um equilíbrio entre o eu (interesses, habilidades e
valores) e as oportunidades existentes.
As teorizações de Holland (1973), testadas numa grande quantidade de estudos
posteriores, nos dão conta de que as escolhas profissionais estão ligadas à
personalidade, ou em outras palavras, que as opções de carreira são orientadas por
características individuais – habilidades percebidas, interesses, valores e
motivações. O autor postulava, ainda, que a satisfação, a estabilidade e o
desempenho profissional dependeriam da congruência entre a personalidade da
pessoa e o ambiente em que trabalha (BETZ, FITZGERALD & HILL, 1989).
De forma resumida e simplificada, essas teorias de traços-fatores postulam que a
pessoa deve procurar o autoconhecimento – suas habilidades, interesses, valores e
motivações – e o conhecimento do ambiente, e buscar ativamente uma colocação
em que haja um ajuste entre suas características pessoais e as exigências da
ocupação.
O processo descobrindo a profissão é orientado justamente por essa busca do
ajuste entre pessoa e ambiente, em linha com a literatura. A contribuição que
pretendemos dar envolve o refinamento do caminho seguido pelo jovem até a
descoberta (ou não), incluindo as diferentes estratégias adotadas.
Com relação ao conhecimento do ambiente e das profissões, identificamos que este
é obtido através da busca de informações, mas principalmente por meio de vivências
248
e experiências práticas – o que Super (1953) chamava de desempenho de papéis
(role-playing). Dos 17 jovens que seguiram o processo optando com consciência,
associado a uma escolha mais segura e consciente (como o próprio nome diz), a
maior parte, equivalente a 11 jovens, teve um bom contato com a profissão, a partir
de experiências de trabalho/estágio, de cursos e simulações, ou ainda do convívio
com profissionais da área – ver quadro 5.1.
Quadro 5.1 – Contribuições à descoberta da profissão
Nome Fictício Principais fatores para a descoberta da profissão
Aline Programa mini-empresa da Junior Achievement Bernardo (1)
Carlos Curso nos EUA Douglas (2) Eliane (3)
Ernesto Trabalho na Empresa Jr. Fernando (2) Gabriela (3) Gisele Convívio com colegas de trabalho da mãe
Guilherme Contato com o empreendimento da mãe Helena Exemplo do primo empresário Joana Experiência de trabalho Leila Escola técnica
Mateus Vivências na escola (ensino médio) Nelson (1) Regina Experiência de estágio
Reinaldo Experiência de estágio (1) Bernardo e Nelson apenas buscaram informações. (2) Douglas e Fernando não tiveram nenhum contato mais direto com a profissão. (3) Eliane e Gabriela também não tiveram contato direto, mas estavam mais maduras por terem optado pela Administração depois de passarem por uma outra graduação.
Dos demais jovens, observamos algum desconhecimento a respeito das habilidades
exigidas do administrador, especialmente entre aqueles que parecem acreditar que
as provas específicas e/ou discursivas do vestibular são uma boa aproximação para
as mesmas.
Nesse sentido, nossa hipótese é a de que quanto mais concreto for o contato com a
realidade da profissão, obtido através de experiências e vivências, e não apenas da
simples obtenção de informações, melhor será o conhecimento do ambiente,
facilitando as escolhas profissionais.
249
Com relação ao autoconhecimento, observamos que a maior parte dos jovens não
parece fazer uma reflexão ativa nesse sentido37. O que tende a prevalecer é um
olhar mais para fora (ambiente) do que para dentro (características pessoais). É
claro que o jovem precisa conhecer a si mesmo, em alguma medida, para escolher
um caminho que lhe pareça interessante, mas nosso argumento é que essa procura
não é consciente. Em outras palavras, o jovem não parece perceber o
autoconhecimento como uma necessidade inerente à escolha da profissão e à
gestão de sua carreira.
A maior parte das teorias sobre escolhas profissionais as veem como um processo,
assim como no modelo que elaboramos. Algumas apresentam um enfoque
prescritivo, sugerindo que as melhores escolhas de carreira seriam aquelas que
atendessem a determinadas passos e orientações – como o matching model de
Parsons, por exemplo. No nosso modelo, no entanto, procuramos identificar como
de fato ocorrem as escolhas – sendo a do curso de graduação a mais importante –,
culminando com o momento em que o jovem percebe e sente estar numa trajetória
que poderá lhe trazer prazer e satisfação.
Propomos, ainda, que o processo de escolha do curso de graduação pode seguir
três caminhos distintos, variando de acordo com o grau de conhecimento e
segurança do jovem a respeito de seus interesses e perspectivas profissionais. Além
disso, identificamos os seguintes norteadores da opção pelo curso de Administração:
1. Interesse efetivo pela profissão e pelos conhecimentos adquiridos no curso;
2. Perspectivas profissionais, incluindo maior facilidade de inserção e
remuneração;
3. Adiamento da escolha e/ou medo de errar, na medida em que são muitas as
especializações possíveis e as opções profissionais abertas a um
administrador;
4. Relação entre matérias do colégio (das quais o jovem gosta e/ou tem
habilidade) e provas específicas/discursivas do vestibular;
37 Na disciplina de Gestão da Carreira que lecionamos em cursos de graduação e de extensão, observamos que o conceito de autoconhecimento é algo novo para o jovem – corroborando o que identificamos nas entrevistas.
250
5. Condições favoráveis, tais como a possibilidade de obtenção de bolsa de
estudo, ou a dificuldade/inviabilidade de opções mais desejadas.
O terceiro critério (adiamento da escolha) parece ser uma especificidade associada
à Administração e, possivelmente, a outros cursos que apresentam uma
multiplicidade de opções profissionais – o que exigiria uma investigação mais
direcionada, mas que foge ao escopo deste trabalho. Com relação ao quarto critério
(matérias de colégio), a hipótese que levantamos é de que este será tão mais
importante quanto menor o conhecimento do jovem a respeito de si mesmo
(autoconhecimento) e das diferentes profissões.
Esta questão da escolha baseada nas habilidades e interesses por matérias
cursadas no colégio representa um paradoxo. Se, por um lado, é recomendável a
opção por um curso em que a pessoa possa fazer uso de suas habilidades e pelo
qual tenha interesse, conforme propõem as teorias aqui discutidas, o problema está
em considerar que determinadas matérias do colégio (identificadas em função das
provas específicas/discursivas do vestibular) são um bom indicativo das
necessidades da profissão. No caso de Administração, as matérias do colégio
associadas à profissão são matemática e história, por conta das provas específicas
do vestibular, conforme já colocado. Enquanto a matemática é necessária em muitas
atividades ligadas à profissão de administrador, o mesmo não ocorre com história.
Em certa medida, podemos ver a administração como uma ciência social aplicada
que está sempre se renovando, o que torna o conhecimento e a habilidade com
história muitas vezes irrelevante. Nesse sentido, é importante, conforme voltaremos
a discutir, que o jovem tenha acesso a, no mínimo, mais informações a respeito das
profissões, de forma a se minimizar ou evitar o uso deste critério de escolha.
Ao observar os jovens que optaram por Administração como segundo curso de
graduação, fica claro que a maturidade, associada à sua maior idade e vivências (de
trabalho e estudo), efetivamente ajuda na escolha/descoberta da profissão. Nesse
sentido, cabe-nos considerar a viabilidade de se repensar a estrutura do ensino
superior brasileiro, permitindo que o jovem faça um ciclo básico comum a alguns
cursos, para só então, mas velho e mais maduro, optar por aquele que despertar
maior interesse, em linha com o sistema existente nos Estados Unidos. Em diversas
faculdades daquele país, os dois primeiros anos são dedicados a matérias variadas,
251
a partir das quais o estudante decide por uma área de especialização, também
chamada de major, a qual se dedicará nos dois anos seguintes.
Por fim, gostaríamos de propor uma reflexão a respeito das habilidades do
administrador e dessa possibilidade de ajuste entre habilidades possuídas e
requerimentos da profissão. Justamente em função das múltiplas possibilidades de
inserção profissional – diferentes áreas de atuação (finanças, marketing, recursos
humanos, operações, planejamento e estratégia, controladoria, etc.) e níveis, indo
desde um trabalho mais técnico/analítico até funções de liderança –, cumpre-nos
questionar até que ponto existe um conjunto único de habilidades associadas à
função de administrador. O ponto é, se a administração é uma profissão que envolve
múltiplas competências, como o jovem descobre se as tem? Talvez por isso
tenhamos encontrado tão poucos que afirmavam ter escolhido estudar administração
por vocação, aqui entendida como aptidão ou talento, ou ainda como tendência ou
predestinação, no sentido de um talento inato, conforme definido no dicionário
Aurélio (FERREIRA,1999).
Nenhum dos entrevistados fala espontaneamente na palavra vocação e, quando
questionados, a tendência é considerar que não existe vocação para o trabalho com
administração. Com relação ao conceito, apenas dois jovens parecem ter optado por
conta de uma aptidão inata: Mateus, que diz “poxa, é para isso mesmo que eu sirvo”,
e Douglas, que conseguiu ver ainda jovem um encaixe entre suas habilidades e a
profissão de administrador.
5.1.3 Qualificação, empregabilidade e inserção profissional
O desenvolvimento do segundo processo central do modelo, relativo à qualificação,
trouxe à tona uma questão discutida por Bourdieu (2008a), segundo o qual a origem
social do jovem, expressa pela posse de capitais econômico, cultural e social, é tão
ou mais importante na determinação de sua posição futura do que esforços
individuais em torno da qualificação formal. Em outras palavras, cabe discutir até
que ponto a posse de um diploma universitário – e outros esforços em termos de
qualificação – é suficiente para a conquista da esperada empregabilidade ou se,
como destaca o autor, outros tipos de capital são tão ou mais importantes. O
argumento de Bourdieu (2008), baseado em extensa pesquisa sobre a mobilidade
social na sociedade francesa, é o de que o valor do diploma universitário está
252
positivamente relacionado à posse de capitais econômico, social e cultural – em
suas outras formas.
No Brasil, uma pesquisa realizada pelo economista Carlos Alberto Ramos, publicada
no jornal O Globo (ROSA, 2006), traz evidências que confirmam a tese de Bourdieu.
Segundo o economista, considerando-se os profissionais com curso superior
completo, o desemprego entre os 10% mais pobres da População Economicamente
Ativa (PEA) é de 46,55% contra 2,64% entre os 10% mais ricos. Nesta mesma linha,
Lemos, Dubeux & Pinto (2008) observaram, num estudo com formandos e formados
do curso de Administração de uma importante IES carioca, que aqueles com menor
renda familiar acabam ocupando posições pior remuneradas e em empresas menos
conhecidas, relativamente aos mais ricos. Num outro estudo dos mesmos autores,
porém, as evidências encontradas corroboram a teoria do capital humano
(SCHULTZ, 1971), segundo a qual a atratividade e o valor de um trabalhador para a
empresa, e portanto sua remuneração, seria tanto maior quanto maiores seus
investimentos na própria qualificação. Jovens graduados de diferentes origens
sociais alcançaram posições de qualidade no mercado de trabalho, evidenciando o
valor do diploma de nível superior que obtiveram (LEMOS, DUBEUX & PINTO,
2009).
Cabe ainda mencionar um quarto estudo sobre o tema, realizado a partir do histórico
profissional do universo de trabalhadores com emprego formal na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro38, entre janeiro de 1990 e dezembro de 1999
(BALASSIANO, SEABRA & LEMOS, 2005). As evidências encontradas não apontam
para uma relação significativa entre grau de escolaridade e empregabilidade, medida
como a proporção entre o tempo de emprego e o tempo em que o trabalhador
esteve no mercado de trabalho ao longo do período analisado. Os autores observam
“a falta de evidência do postulado segundo o qual a um aumento na educação
(quando expressa pelo grau de escolaridade) corresponde um aumento na
empregabilidade. É que as diferenças entre as taxas de empregabilidade são pouco
significativas, levando em conta os diferentes graus de escolaridade, o que
desautoriza considerações otimistas quanto à relevância da escolaridade para a
empregabilidade” (BALASSIANO, SEABRA & LEMOS, 2005, p.44).
38 Os dados foram extraídos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ambos do Ministério do Trabalho e do Emprego.
253
No presente trabalho, como acompanhamos a trajetória do jovem até o curso
superior, antes portanto da obtenção do diploma e de sua inserção definitiva no
mercado de trabalho, não é possível testar diretamente a proposição de Bourdieu.
No entanto, foi possível concluir que os jovens que dispõem de um maior estoque de
capital econômico, cultural e social acabam por ter melhores condições de investir
em sua qualificação – na forma de mais tempo, dinheiro e estímulo –, o que tende a
deixá-los mais confiantes em relação ao futuro do que aqueles com menos capital.
Ou seja, todos os jovens entrevistados irão obter o diploma de uma universidade
com prestígio junto às empresas contratantes (capital humano), no entanto, apenas
alguns chegarão ao mercado de trabalho confiantes de que têm capacidade de
alcançar seus sonhos profissionais. Se considerarmos que os jovens têm um bom
grau de compreensão a respeito de si mesmos e do mercado de trabalho, é de se
esperar que, de fato, aqueles mais confiantes efetivamente tenham mais facilidade
de alcançar seus objetivos do que aqueles menos confiantes.
Além disso, considerando-se as pesquisas sobre autoconfiança (self-efficacy) –
conceito proposto originalmente por Bandura (1977) e definido como a crença de
uma pessoa na sua capacidade de desempenhar determinada tarefa ou atividade
que lhe trará um resultado desejado – podemos propor que a confiança do jovem
tende a operar em seu benefício. Isto porque as evidências sugerem que os
indivíduos que confiam em si mesmos (self-efficacy beliefs ou self-efficacy
expectations) tendem a definir objetivos mais ambiciosos (o que é consistente com o
que propomos em nosso modelo) e a se esforçar mais para alcançar seus objetivos,
(BANDURA, 1986 apud ABELE & SPURK, 2009).
Especificamente em relação à carreira, este conceito vem sendo bastante utilizado
em pesquisas sobre as escolhas e o desenvolvimento profissional, e as evidências
mostram que a falta de confiança tende a restringir as opções de carreira (a posição
de Ruth em relação à carreira diplomática pode ser considerada um exemplo desta
relação) e a impor limitações ao sucesso alcançado em relação aos objetivos
traçados (BETZ & HACKETT, 2006). Abele & Spurk (2009), por exemplo, realizaram
um estudo longitudinal e mostraram que a autoconfiança no início da carreira teve
um impacto positivo sobre o sucesso profissional objetivo (salário e posição
hierárquica) e subjetivo (satisfação com a carreira) alguns anos mais tarde.
254
Desta forma, com base no modelo teórico aqui proposto e nas relações sobre auto-
confiança propostas e testadas na literatura sobre o tema, podemos estabelecer a
seguinte relação entre os capitais cultural e econômico, a auto-confiança e o alcance
dos objetivos de carreira, conforme apresentado na figura 5.1. Naturalmente, o
caráter qualitativo dos dados coletados faz com que o teste destas relações fuja ao
escopo do presente trabalho.
Figura 5.1 – Antecedentes e consequentes da auto-confiança
Investimento em
qualificação
Auto-confiança
Capital
econômico
Capital
cultural
Metas mais ambiciosas
Esforço
Alcance das metas de carreira (objetivas e subjetivas)
Capital
social
5.1.4 A qualificação e o novo espírito do capitalismo
Conforme abordado na revisão de literatura, Boltanski & Chiapello (2005)
desenvolveram um interessante trabalho a respeito das transformações econômicas
e sociais que se seguiram à crise do capitalismo da década de 1970. Uma de suas
principais discussões diz respeito às transformações na ideologia de adesão ao
capitalismo. A ideia defendida pelos autores é a de que a reinvenção do capitalismo,
em resposta à crise de acumulação da década de 70, envolveu necessárias
255
mudanças na ideologia que justifica o engajamento dos trabalhadores ao sistema,
por eles chamada de “espírito do capitalismo”. Nesse sentido, a década de 1990
teria sido marcada pela mudança do segundo para o terceiro espírito do capitalismo.
De acordo com os autores, sob o segundo espírito, o capitalismo oferece ao
trabalhador (1) maior autonomia, relativamente ao primeiro espírito, através da
descentralização, satisfazendo o seu desejo de liberdade, (2) oportunidade de
carreira e promoção, satisfazendo o desejo de segurança, (3) um sistema
meritocrático, em substituição ao nepotismo e outras formas de favorecimento
típicas do primeiro espírito, satisfazendo o desejo de justiça, e (4) o progresso e o
crescimento econômico que, ao promover uma melhora nas condições de vida da
população, satisfaz o desejo do bem-comum (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005).
No terceiro espírito, por sua vez, o engajamento do trabalhador seria alcançado
através (1) da liberdade, baseada na criatividade e na flexibilidade, as novas
palavras de ordem do sistema, (2) da verdadeira autonomia, não mais limitada por
padrões de carreira e descrições de cargos, e (3) da auto-realização, obtida com o
desenvolvimento pessoal e o enriquecimento constantes. Em outras palavras, o
capitalismo dos anos 90 busca atrair e engajar os trabalhadores a partir da ideia de
que cada um pode e deve buscar o seu próprio desenvolvimento pessoal
(BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2005).
Apesar de ter incorporado a lógica do desenvolvimento pessoal típica do terceiro
espírito do capitalismo – expressa pela importância atribuída à qualificação e pela
percepção de que tal processo não tem fim –, muitos jovens ainda se mostram mais
alinhados ao discurso do segundo espírito, na medida em que buscam segurança e
estabilidade, além de perspectivas de crescimento na carreira. Em outras palavras,
uma das conclusões a que chegamos com esta pesquisa é a de que o jovem
subscreveu apenas parcialmente ao terceiro espírito do capitalismo – que prega a
liberdade da cidade por projetos e a busca pela auto-realização – e permanece
vinculado à ideologia do segundo espírito, cujo foco é a estabilidade e o crescimento
profissional através da ascensão na hierarquia organizacional. Uma das colocações
dos autores é justamente a de que os mecanismos de engajamento do terceiro
espírito são mais frágeis do que os do segundo espírito, o que explica, em alguma
medida, esse alinhamento de muitos jovens à ideologia anterior.
256
5.1.5 A articulação do futuro profissional e os tipos ideais
No terceiro processo central presente no modelo, elaboramos sobre a forma como o
jovem, ao ver se aproximar o fim da faculdade, passa a pensar mais ativamente no
seu futuro profissional e a considerar alternativas e estratégias para sua inserção
definitiva no mercado de trabalho. Ao mapear esse processo, observamos
importantes variações de jovem para jovem, o que nos fez partir para o
entendimento dessas diferenças e para a construção de tipos ideais, como proposto
por Weber (GERTH & MILLS, 1982). Identificamos alguns fatores que, em seu
conjunto, determinam o perfil do jovem e, consequentemente, a forma como ele ou
ela define sua estratégia de inserção e atuação.
Foram encontrados quatro tipos ideais de jovens – chamados de engajados,
preocupados, céticos e desapegados – que se diferenciam em função dos seguintes
aspectos: (1) autoconfiança em relação à qualificação construída, que por sua vez
está relacionada à posse de capitais cultural, econômico e social; (2) centralidade do
trabalho e (3) aceitação ou não das condições do mercado de trabalho.
O engajado se caracteriza por sua elevada segurança a respeito das qualificações
que desenvolveu, o que o torna mais confiante em relação ao futuro. Por essa razão,
sua estratégia envolve concentrar esforços para o alcance de seus objetivos, que
tendem a ser mais ambiciosos do que os dos demais tipos de jovens. Alcançar
cargos altos em grandes empresas, ter poder e prestígio, conquistar o
reconhecimento não apenas de familiares e colegas, mas também do mercado como
um todo, e ser uma referência em sua área de atuação, são algumas das aspirações
de jovens desse grupo.
O preocupado, como o próprio nome retrata, não se sente confortável com o nível
de qualificação alcançado, o que o torna mais temeroso em relação à sua inserção.
Por conta dessa insegurança, acaba por adotar uma estratégia que chamamos de
“abrir o leque de opções”, como uma forma de ampliar suas possibilidades no
mercado. O cético tem como característica marcante a rejeição às condições do
mercado de trabalho, percebido como altamente competitivo e injusto. Por essa
razão, busca encontrar caminhos alternativos, tais como a carreira no serviço público
ou a vida acadêmica. Por fim, há o desapegado, caracterizado por sua baixa
centralidade do trabalho. Este tipo de jovem não tem grandes ambições e/ou
257
preocupações profissionais, já que seu foco são outras esferas da vida, tais como a
família e o lazer.
A definição de tipos ideais é bastante comum em estudos organizacionais (WOOD
JR., 2000), mas ainda pouco adotada nos estudos sobre carreiras. Hollland e Super,
tradicionais teóricos da área, desenvolveram estudos que envolviam tipologias, mas
que não são exatamente tipos ideais.
Holland (1996)39 criou uma tipologia de personalidades e ambientes, argumentando
que uma pessoa com determinado tipo de personalidade floresceria se construísse
sua carreira num ambiente de mesmo tipo. O quadro 5.2 a seguir mostra os seis
perfis identificados – realista, investigativo, artístico, social, empreendedor e
convencional –, que representam diferentes personalidades em termos de
preferências, valores e aspirações profissionais, e diferentes demandas e
requerimentos do ambiente.
Quadro 5.2 – Tipologia de personalidades e ambientes de Holland
Realista Investi-gativo Artístico Social Empreen-
dedor Conven-
cional
Personalidade
Preferências por atividades e ocupações
Manipulação de máquinas, ferramentas e
coisas
Exploração, entendimento e previsão ou controle de fenômenos naturais ou
sociais
Atividades artísticas,
musicais ou literárias
Ajudar, ensinar,
cuidar, tratar ou servir
outros através de interações
pessoais
Persuadir, manipular ou dirigir outros
Estabelecer ou manter rotinas, aplicação de
padrões
Valores
Recompensa material pelo alcance de
metas tangíveis
Desenvolvi-mento ou
aquisição de conhecimento
Expressão criativa de
ideias, emoções ou sentimentos
Promover o bem- estar dos outros, serviço
social
Conquistas materiais e
status social
Conquistas materiais ou financeiras, poder nas
arenas social, política ou de
negócios
Se vê como Normal, franco Pouco social, intelectual
Não convencional, desordeiro,
criativo
Empático, paciente, com
habilidades interpessoais
Com habilidade de
vendas e persuasão
Com habilidades técnicas em negócios ou
produção
Ambiente
Exemplos de ocupações
Carpinteiro, operador de máquinas
Psicólogo, micro-biólogo
Músico, designer de interiores
Conselheiro, assistente
social
Advogado, gerente de
varejo
Bibliotecário, editor
Fonte: Adaptado de Holland (1996).
39 A descrição original e completa dos tipos é apresentada no livro Making Vocational Choices: a theory of vocational personalities and work environments, Odessa, FL: Psychological Assessment Resources, 1985.
258
Super (1954 apud GIANAKOS, 1999), por sua vez, identificou quatro padrões de
carreira: (a) estável, quando a carreira é escolhida cedo e não há mudanças ao
longo da vida; (b) de múltiplas tentativas, que envolve a mudança de uma carreira
estável para outra; (c) convencional, representada por diferentes experimentações
até uma escolha final, que então se torna permanente; e (d) instável, associada a
uma série de tentativas de escolha de carreira, sem que haja estabilidade em
nenhuma delas.
Além desses estudos tradicionais, encontramos dois outros trabalhos mais recentes
que utilizam o conceito de tipos ideais (BROWN & HESKETH, 2004; TOMLINSON,
2007).
Numa pesquisa realizada junto a um grupo de universitários que participaram de
processos seletivos de grandes empresas britânicas privadas e públicas, Brown &
Hesketh (2004) identificaram dois tipos ideais – jogadores e puristas –, definidos a
partir da forma como gerenciam sua empregabilidade. Jogadores são aqueles que
percebem a busca de uma colocação como uma competição com regras próprias e
procuram se posicionar da melhor forma possível, manipulando as regras do jogo se
necessário for. Os universitários deste grupo buscam criar uma imagem de si com
base na compreensão que desenvolveram a respeito do funcionamento dos
processos seletivos das empresas. Já os puristas acreditam que encontrarão o seu
espaço confiando que o jogo é justo e que a meritocracia prevalece. Em outras
palavras, na sua visão, os mais aptos, talentosos e/ou esforçados serão os que
obterão as melhores posições no mercado de trabalho. Os puristas tendem a
acreditar na integridade dos processos seletivos e que aqueles que merecem são os
escolhidos, procurando, desta forma, expressar verdadeiramente quem são.
Com relação à tipologia por nós elaborada, tanto jogadores quanto puristas
poderiam se enquadrar no perfil engajado, o que faz sentido se considerarmos que
os autores britânicos trabalharam com jovens em busca de uma posição de
destaque em grandes empresas – chamadas de fast track management positions.
Para preocupados, céticos e desapegados, tais posições tendem a ser menos
atraentes. No caso dos preocupados, pela percepção de que teriam dificuldades de
aprovação, e para céticos e desapegados, por seu desinteresse por empresas e
posições com perfil relativamente mais agressivo, respectivamente em função da
maior competitividade e da carga de trabalho exigida.
259
O trabalho de Tomlinson (2007), junto a um grupo de estudantes britânicos em
processo de transição do ensino superior para o mercado de trabalho, buscou
analisar suas perspectivas de carreira e os mecanismos de gestão da sua
empregabilidade, identificando quatro tipos ideais cujas diferenças giram em torno
da sua orientação ou não para o mercado (fins) e dos meios para a conquista de um
espaço (ativo ou passivo). Os carreiristas veem a carreira como um projeto de vida,
enquanto que os ritualistas pensam o trabalho e a carreira como apenas uma das
esfera da vida e, por essa razão, têm aspirações menos ambiciosas. Esses dois
tipos foram os encontrados com mais frequência. O escapista, tipo mais raro, vê o
mercado de trabalho com indiferença e seu desejo seria continuar a manter um estilo
de vida mais descolado. Por fim temos o rebelde, que hipoteticamente – já que
nenhum estudante foi identificado como tal – descartaria qualquer ambição
profissional e faria isso de forma ativa (TOMLINSON, 2007). A figura 5.2 apresenta o
posicionamento de cada um dos tipos, de acordo com o modelo elaborado pelo
autor.
Figura 5.2 – Modelo de orientações dos estudantes
Ritualista
Orientação para o mercado (fins)
Não-orientação para o mercado
Ativo Passivo(meios)
Escapista
Carreirista
Rebelde
Fonte: Tomlison (1999).
Fazendo uma exercício de comparação entre os tipos que desenvolvemos e os
elaborados por Tomlinson (2007), podemos propor que o carreirista tem um perfil
semelhante ao do engajado. O ritualista e o escapista, por sua menor valorização do
260
trabalho, se aproximam do desapegado. Por fim, a não-orientação para o mercado,
presente no escapista e no rebelde, seria uma das características do cético.
Podemos considerar que a tipologia que elaboramos tem três vantagens em relação
às outras aqui apresentadas. Em primeiro lugar, e o mais importante, foi construída
levando em conta a realidade brasileira e suas desigualdades – tanto de renda
(capital econômico), com suas implicações sobre os capitais cultural e social, como
de acesso à educação.
O tipo preocupado deriva, em grande medida, dessa realidade. O jovem com tal
perfil vem de uma origem sócio-econômica inferior, mas consegue alcançar o ensino
superior graças, em alguns casos, a políticas que visam a democratização da
educação (bolsas de estudo de faculdades privadas ou do governo federal, por meio
do ProUni). O convívio com jovens mais ricos e em faculdades com prestígio, o faz
ter acesso a uma realidade que, apesar de próxima, pode parecer inalcançável. Por
conta dessas contradições, o preocupado sonha com um lugar de destaque no
mercado de trabalho, mas tem medo de não conseguir alcançá-lo, fator que é
determinante para sua estratégia de inserção, que envolve justamente ampliação do
seu leque de opções profissionais.
Em segundo lugar, nossa tipologia levou em conta poucos fatores diferenciadores,
tornando relativamente simples o seu entendimento e, possivelmente, a sua
aplicação em estudos futuros. Por fim, acreditamos que essas dimensões que
determinam cada um dos tipos podem ser facilmente identificadas e mensuradas,
permitindo não apenas a validação dos perfis aqui propostos como também a
verificação de sua frequência junto a esse e outros grupos de jovens.
5.1.6 O fenômeno central estudado e a literatura
Ao final da elaboração do modelo, buscamos integrar os três processos sob um
único fenômeno central, ao qual demos o nome de construindo uma carreira em
Administração, justamente por envolver uma sucessão gradual de descobertas e
ações em direção à construção e realização de sonhos e aspirações profissionais.
Ao retornar à literatura em busca de abordagens e teorizações sobre a “construção
da carreira”, encontramos na literatura internacional uma teoria formal que trata
deste construto (SAVICKAS, 2002) e dois outros trabalhos nela inspirados (YOUNG
& VALACH, 2004; HARTUNG & TABER, 2008).
261
A teoria da construção da carreira, proposta por Savickas (2002) como uma
extensão da teoria do desenvolvimento vocacional criada por Super (1990 apud
SAVICKAS, 2002), é composta por dezesseis proposições. Na discussão que se
segue, apresentamos e comentamos cada uma delas em relação ao fenômeno
central por nós desvendado.
1. A sociedade e suas instituições estruturam o percurso da vida de um indivíduo
através dos papéis sociais.
Em nosso modelo, a família, a escola, o mercado de trabalho, as empresas
contratantes e as faculdades são instituições que compõem o contexto ou as
condições nas quais o fenômeno da construção da carreira em Administração está
inserido, influenciando as percepções e escolhas dos sujeitos.
2. Ocupações têm um papel central na vida de homens e mulheres, podendo ser
apenas periférico para alguns – como no caso dos desapegados encontrados
em nossa pesquisa.
3. O padrão de carreira de uma pessoa, ou seja, o nível ocupacional alcançado e a
sequência, frequência e duração dos trabalhos, é determinado pelos seguintes
fatores e sua relação com as oportunidades apresentadas pela sociedade: (a)
nível sócio econômico dos pais, (b) nível educacional da pessoa, (c) suas
habilidades, (d) traços de personalidade, (e) auto-conceito e (f) capacidade de
adaptação.
O fenômeno da construção da carreira aqui elaborado refere-se apenas às suas
primeiras fases, de forma que não é possível prever ou determinar que padrões ela
seguirá. Ainda assim, estão contemplados o nível sócio-econômico, representado
pelas categorias capital econômico e cultural, e o nível educacional, que é um dado
do modelo, já que todos os sujeitos estão no mesmo curso de graduação.
4. As pessoas são diferentes em termos de suas habilidades, traços de
personalidade e auto-conceitos, chamados de características vocacionais.
5. Cada ocupação requer um padrão diferente de características vocacionais, com
uma tolerância ampla o suficiente para abarcar pessoas com diferentes
características em cada uma delas.
262
6. Pessoas estão qualificadas a ocupar uma variedade de ocupações por conta de
suas características vocacionais e requerimentos da ocupação.
Como não trabalhamos diretamente com as características vocacionais dos
entrevistados, que são variáveis de cunho psicológico, as proposições quatro, cinco
e seis não podem ser relacionadas ao nosso modelo, desenvolvido sob os preceitos
das ciências sociais.
7. O sucesso ocupacional depende do quanto a pessoa considera o seu trabalho
adequado às suas características vocacionais.
8. A satisfação no trabalho depende da pessoa ser capaz de se estabelecer numa
ocupação e estilo de vida nos quais desempenhe papéis considerados
agradáveis e apropriados.
Com relação às proposições sete e oito, podemos considerar que o processo
descobrindo a profissão chega ao fim no momento em que esse ajuste pessoa –
ambiente/ocupação é alcançado, ou então quando o jovem acredita, com o que
realizou até o momento, que conseguirá chegar nesse ponto de equilíbrio.
9. O processo de construção da carreira envolve o desenvolvimento de um auto-
conceito e sua implementação nos papéis profissionais desempenhados.
Conforme colocado acima, o processo de descoberta da profissão está intimamente
relacionado a este ajuste pessoa-papel.
10. Apesar de se tornarem mais estáveis do final da adolescência em diante, o auto-
conceito e as preferências vocacionais mudam com o tempo e a experiência.
11. O processo de mudança vocacional pode ser caracterizado por um ciclo que
envolve os estágios de crescimento, exploração, estabilização, gerenciamento e
desengajamento.
12. Um mini-ciclo de crescimento, exploração, estabilização, gerenciamento e
desengajamento ocorre durante transições de um estágio da carreira para outro,
assim como cada vez em que a carreira de uma pessoa é desestabilizada por
fatores socioeconômicos ou problemas pessoais.
Em nosso modelo, a mudança de carreira está prevista, sendo verificada quando o
jovem opta por mudar de curso de graduação ou ainda, de forma mais sutil, quando
muda sua área de interesse dentro da administração. Cabe registrar, no entanto,
263
que nosso modelo trata esta questão de forma mais simplificada, dado que o foco é
a carreira em Administração.
13. A maturidade vocacional é um construto psicossocial que denota o grau de
desenvolvimento vocacional de um indivíduo ao longo dos cinco estágios da
carreira – crescimento, exploração, estabilização, gerenciamento e
desengajamento – e guarda relação com a idade cronológica.
14. Adaptabilidade de carreira é um construto psicológico que denota o quanto um
individuo está pronto para lidar com as demandas de seu desenvolvimento
vocacional.
Em nosso modelo, foi possível observar que a maturidade vem com a idade e
também com a experiência profissional e acadêmica, simplificadamente em linha
com a proposição 13. Olhando para a escolha do curso de graduação, uma das
etapas do processo de descoberta da profissão, é possível considerar que os três
caminhos mapeados diferem justamente em função da adaptabilidade do jovem. Em
outras palavras, alguns jovens se mostram mais aptos do que outros a lidar com as
demandas da época do vestibular, com reflexos na forma como suas escolhas são
conduzidas. Entendemos que esses dois construtos guardam estreita relação: a
maior maturidade vocacional implica uma maior adaptabilidade de carreira,
impactando de forma análoga as escolhas profissionais.
15. A construção da carreira é definida pelas atividades de desenvolvimento
vocacional e decorre das respostas do sujeito a esses tarefas.
16. A construção da carreira pode ser estimulada por conversas, exercícios e
atividades que ajudem a dar clareza e que validem o auto-conceito vocacional.
Em nosso modelo, procuramos justamente mapear as atividades desenvolvidas pelo
jovem que o ajudam na construção de sua carreira – em linha com a proposição 15.
Além disso, entendendo o auto-conceito vocacional como o autoconhecimento a
respeito de habilidades e interesses, observamos que a busca de informações e
especialmente as vivências ajudam o jovem nesse processo de construção da
carreira, corroborando a proposição 16 (SAVICKAS, 2002, p. 154-157).
Considerando-se o conjunto das proposições em relação ao nosso modelo, cabe
ressaltar o papel do contexto na definição das escolhas de carreira, a questão do
ajuste pessoa-ambiente, por nós associada à conclusão do processo de descoberta
264
da profissão, e por fim, os fatores que contribuem para a construção da carreira,
considerados nos dois casos, mas sendo mais detalhado em nosso trabalho.
Por outro lado, cumpre registrar que não nos preocupamos em tratar de variáveis
psicológicas, as chamadas características vocacionais, dado que a pesquisa e a
construção do modelo foram orientadas pela perspectiva da interação do sujeito com
o contexto social, em linha com o interacionismo simbólico e a grounded theory.
Além disso, nosso modelo se concentra num período específico da carreira – que vai
da infância até o final da curso de graduação (equivalente às etapas de crescimento
e exploração, na terminologia do autor) – e abrange profissionais de uma única área
do conhecimento, a administração.
Com relação aos trabalhos inspirados nas teorizações de Savickas (2002), Young &
Valach (2004) sugerem que a carreira é construída através de processos que
envolvem ações e projetos intencionais, voltados para o alcance de objetivos. Em
nosso modelo, também entendemos a construção da carreira como composta por
processos, cada um deles relacionados a determinados objetivos – a descoberta da
profissão, a qualificação como mecanismo de conquista da empregabilidade e a
articulação de um futuro profissional. Hartung & Taber (2008), por sua vez, adotam
um viés mais prescritivo, propondo que a construção da carreira oferece uma teoria
e um modelo de aconselhamento que podem ser usados no sentido da promoção do
bem-estar do profissional.
Com relação à literatura nacional, a expressão construção da carreira tem sido
utilizada, mas não encontramos nenhuma teorização a seu respeito no campo da
administração. Lacombe (2002), por exemplo, discute a importância da construção
da carreira frente a um contexto de redesenho das relações de trabalho, que acaba
por exigir que cada trabalhador assuma as rédeas de sua trajetória profissional,
conforme também destacamos aqui. Segundo a autora, a preocupação com a
construção da carreira profissional daria ao futuro administrador “a possibilidade de
atender às demandas do mercado, se posicionar e de transitar no mercado de
trabalho” (LACOMBE, 2002, p.2).
Versiani & Guimarães (2004), por sua vez, abordam a construção da carreira
empreendedora, com foco na trajetória dos empreendedores e no processo de
aprendizado associado à criação de um novo negócio. Observamos, ainda, que na
265
literatura nacional essa expressão também pode estar relacionada à questão da
história de vida do profissional (por exemplo, FOLLE et al., 2009).
5.2 IMPLICAÇÕES
5.2.1 Implicações para instituições de ensino
A principal implicação para instituições de ensino médio, e outras que lidam com
crianças e adolescentes, diz respeito à importância de se promover o conhecimento
teórico e prático a respeito das diferentes profissões. Seria interessante que essas
instituições oferecessem mecanismos formais de ampliação do contato de seus
alunos com a realidade das diferentes profissões, seja por meio de vivências e
visitas a campo, contatos com profissionais, ou ainda através de jogos e simulações,
tais como o programa mini-empresa da ONG Junior Achievement. Desta forma,
essas crianças e adolescentes teriam a possibilidade de fazer escolhas mais
conscientes a respeito da profissão que pretendem seguir, além de possivelmente
enfrentarem um menor nível de ansiedade nesses momentos de decisão,
especialmente o da escolha do curso de graduação – para aqueles que optam por
este caminho.
Além disso, ao ajudar crianças e jovens a conhecer com mais profundidade as
opções de carreira que têm pela frente e as características de cada profissão, pode-
se contribuir para a redução da evasão no ensino superior, um problema que afeta o
sistema educacional no Brasil e no mundo, conforme apontamos no capítulo 3.
Com relação aos entrevistados desta pesquisa, quatro deles passaram pela
experiência de começar e não concluir um curso de graduação. Ernesto tranca
matrícula na Engenharia, Gabriela desiste dos cursos de Estatística e Economia,
Reinaldo passa, sem concluir, pelos cursos de Engenharia Mecânica e de
Engenharia Aeronáutica, além de Aline, que abandona a Comunicação Social na
UFF – cursado juntamente com o de Administração – depois de quatro períodos.
Além desses, temos o caso de Tatiana, que se forma em Comunicação Social, mas
desiste de seguir carreira na área. Apesar de não entrar no cálculo da evasão
escolar, situações como a dela tendem a ser decepcionantes e desgastantes para o
jovem.
266
Tantas trocas de cursos e experiências frustradas representam um custo financeiro
para os pais (especialmente no caso de faculdades privadas, mas também em
faculdades públicas, em função de despesas com transporte, alimentação e material
didático) e para o Estado (no caso de faculdades públicas), além de retardar a
entrada do jovem no mercado de trabalho, com reflexos negativos sobre a economia
da família e do país. A isso se soma o custo emocional que recai sobre o jovem e as
possíveis repercussões sobre suas perspectivas de carreira, já que há empresas
que parecem preterir jovens mais velhos relativamente aos mais novos, conforme
nos relatou Mauro.
A saída do aluno antes da conclusão do curso também é prejudicial para a IES, na
medida em que representa uma vaga que se torna ociosa sem que seja possível a
recuperação dessa perda. Desta forma, se considerarmos que o desconhecimento a
respeito do curso e da profissão a ele associada é uma importante razão para a
decisão pelo abandono, seria também interessante para as faculdades investir numa
aproximação com jovens do ensino fundamental e médio – como já fazem algumas
delas –, no sentido de ampliar sua familiaridade com o currículo dos cursos, a
profissão e a vida universitária.
5.2.2 Implicações para pais e responsáveis
Os pais e responsáveis também podem dar uma contribuição importante nesse
sentido, não apenas falando sobre suas próprias carreiras mas, especialmente,
permitindo que seus filhos tenham contato com a realidade da profissão, por meio de
visitas aos seus locais de trabalho, por exemplo. A criança/adolescente também
pode ser estimulada a conhecer a profissão de parentes e amigos próximos à
família, ampliando o leque de profissões com as quais terá familiaridade.
Na medida de sua disponibilidade de recursos, os pais também podem promover
esse tipo de conhecimento através de cursos e outras atividades pagas, a exemplo
do que aconteceu com Carlos, que descobriu-se profissionalmente após um curso
de cinema no exterior. Vale lembrar, porém, que permitir que os filhos tenham
contato com sua própria profissão e a de outros familiares não implica em custo para
os pais.
267
5.2.3 Implicações para empresas contratantes
Diversas empresas veem na contratação de jovens profissionais uma forma eficiente
e segura de criar um fluxo estável de talentos e lideranças, que garanta não apenas
a continuidade da organização como também viabilize possíveis planos de
expansão. Desta forma, a atração e a retenção de jovens talentos dependem da
oferta de perspectivas condizentes com suas expectativas.
Neste estudo procuramos investigar quais são os principais sonhos e expectativas
de carreira dos jovens entrevistados. O resultado mais evidente é o de que o sonho
da construção de uma carreira sólida numa “boa” empresa ainda faz parte do
imaginário da maioria dos jovens entrevistados. Em função do enfoque qualitativo da
pesquisa, não podemos afirmar que as descobertas aqui apresentadas sejam
representativas da população jovem, mas fica a sinalização de que, a despeito da
necessidade de flexibilidade que o atual ambiente de negócios exige, o jovem
parece ainda precisar de uma perspectiva profissional mais sólida – ou menos
líquida, para usarmos a terminologia de Bauman (2001). Nesse sentido, seria
interessante para as empresas buscar um meio termo entre a necessidade de
flexibilidade, associada às incertezas do ambiente, e a perspectiva de mais longo
prazo que orienta a vida desses jovens e também a de outros profissionais,
conforme nos relata Sennett (2003).
Os jovens parecem ter internalizado o discurso da empregabilidade de iniciativa,
segundo o qual cada um é responsável pelo desenvolvimento de sua própria carreira
e por ser se manter atraente aos potenciais empregadores. Evidência disso é a
grande preocupação em torno da qualificação, entendida como um processo que se
estenderá por toda a vida profissional. Por conta dessa realidade, as empresas
podem vislumbrar a redução dos investimentos em treinamento e reciclagem de
seus profissionais, pelo menos entre aqueles com maior nível educacional. No
entanto, nossa pesquisa também evidenciou algum desconhecimento por parte do
jovem em relação às exigências das empresas em termos de qualificação. Nesse
sentido, se faz necessária a busca de mecanismos para clarificar tais necessidades,
de forma a orientar o esforço da força de trabalho. Os processos seletivos formais
podem servir de meio para esta orientação, conforme já observamos em relação ao
domínio da língua inglesa.
268
Em resumo, a atração e retenção de jovens passa pela oferta de boas perspectivas
de desenvolvimento e de ascensão na hierarquia organizacional, ainda que o jovem
reconheça que terá que arcar com parte dos custos desse desenvolvimento.
Por fim, cumpre destacar as fortes críticas de alguns jovens aos processos de
recrutamento e seleção das empresas, especialmente as maiores. A subjetividade e
o excesso de exigências estão entre as principais críticas. Por um lado, a
subjetividade pode resultar num desestímulo à participação, reduzindo a eficácia
processo. Por outro, o excesso de exigências, relativamente às demandas do
trabalho, pode criar expectativas pouco realistas em relação ao trabalho a ser
desempenhado, gerando insatisfação e desmotivação, podendo ainda culminar no
desligamento do jovem. Sugerimos, portanto, que estes processos sejam
repensados, de forma a torná-los mais objetivos e transparentes, além de mais
alinhados às exigências da função.
5.2.4 Implicações para jovens em começo de carreira
Para os jovens que pretendem ingressar num curso superior, é importante que eles
busquem conhecer melhor as diferentes carreiras e profissões, preferencialmente
com alguma antecedência, evitando ou minimizando a ansiedade verificada com a
proximidade do momento em que precisam definir o curso pretendido. Neste
processo, as evidências encontradas sugerem que a experiência tende a ser melhor
do que o simples acesso a informações, mesmo que esta se dê junto a profissionais
especializados. Isto porque os jovens que se sentiram mais confortáveis com a
escolha do curso de graduação passaram por cursos e vivências que foram de
grande ajuda.
Para os jovens oriundos de estratos sociais inferiores (os preocupados), caberia
considerar opções alternativas ao sonho da grande empresa, em cujos processos
seletivos a posse de capital econômico, cultural e social tende a ser mais relevante.
A carreira na pequena empresa e a opção pelo empreendedorismo são alternativas,
assim como o emprego público. O mesmo vale, por diferentes razões, para os
desapegados e os céticos. No caso dos desapegados, porque estes dão valor a
outras esferas da vida e a carreira no serviço público pode ser menos intensa. No
caso dos céticos, porque a vida numa empresa pública permite a realização de um
trabalho com sentido, sem a pressão da competição que eles tanto criticam. Nesse
269
sentido, o emprego público emerge como alternativa, por diferentes razões, para um
grande contingente de jovens, explicando a crescente demanda por essa alternativa
profissional.
Se, por um lado, a variedade de opções profissionais que temos atualmente é
positiva, na medida em que permite que diferentes jovens, com diferentes interesses
e aptidões, encontrem um caminho que lhes agrade, por outro também acaba por
trazer dificuldades, ao deixar o jovem perdido, exatamente num momento da vida em
que as dúvidas e os questionamentos são mais regra do que exceção. A fluidez
desta fase da modernidade, conforme apontam Bauman (2001) e Sennett (2003),
traz consigo muitas incertezas. O jovem não pode, naturalmente, mudar esta
realidade, mas a consciência das dificuldades e a busca ativa pelo conhecimento de
si mesmo e do ambiente possivelmente o ajudará neste caminho.
5.2.5 Implicações teóricas
Com relação às implicações teóricas do modelo aqui desenvolvido, cabem algumas
observações. Em primeiro lugar, acreditamos ter aprofundado a investigação a
respeito do processo de construção da carreira, detalhando os diferentes aspectos e
variáveis envolvidas. Naturalmente, nossas descobertas se restringiram a um
universo específico de jovens universitários, mas sua aderência pode ser testada em
estudos futuros com outros públicos.
Além disso, Identificamos que a forma como o jovem percebe o contexto em que
está inserido tem impacto sobre suas estratégias de qualificação e de inserção
profissional. A percepção de que o mercado de trabalho é bastante competitivo faz
com que o jovem, por exemplo, busque antecipar as expectativas das empresas e
oriente sua qualificação nesse sentido.
Por fim, esperamos ter enfatizado a complexidade deste processo de construção da
carreira, que envolve múltiplas variáveis e é, frequentemente, não linear, com idas e
vindas tanto subjetivas, observadas nas reorientações de desejos e expectativas,
como objetivas, verificadas nas mudanças de curso de graduação.
5.3 LIMITAÇÕES E FORÇAS DO ESTUDO
Este estudo possui algumas limitações. Em primeiro lugar, em nome da maior
profundidade e homogeneidade, tivemos que abrir mão da abordagem de um
270
conjunto mais amplo da população jovem brasileira. Ficamos restritos àqueles
oriundos das melhores escolas de Administração e, por limitações de tempo e
recursos, só foram pesquisados estudantes do Rio de Janeiro.
Ao adotarmos uma abordagem qualitativa, abrimos mão de um estudo que pudesse
ser generalizável. Em função da quantidade de sujeitos entrevistados e,
especialmente, das técnicas de seleção utilizadas, que priorizaram a localização de
jovens que pudessem enriquecer o conteúdo da entrevista – sem qualquer
preocupação com a representatividade –, não é possível fazer qualquer
generalização a respeito dos resultados aqui encontrados.
A subjetividade do pesquisador é outra limitação, já que suas experiências e
vivências anteriores podem interferir na condução das entrevistas e na análise das
mesmas. Em pesquisas de caráter qualitativo, no entanto, esta problemática é
reconhecida e entendida como inerente ao processo e, por essa razão, não tivemos
a pretensão de eliminar tal viés, apenas procuramos nos manter abertos ao
entendimento da realidade dos sujeitos pesquisados, como vista por eles mesmos.
Por outro lado, acreditamos que este estudo dá uma importante contribuição à
pesquisa em gestão de carreiras, na medida em que envolve um esforço de
entendimento e teorização da realidade de jovens brasileiros que optaram pelo curso
de graduação em Administração. O uso da grounded theory como metodologia de
investigação também representa um ponto positivo, já que pode estimular outros
pesquisadores da área a adotá-la, ampliando as alternativas metodológicas à sua
disposição.
271
6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS
Neste estudo procuramos compreender como o jovem estudante de Administração
faz sentido de sua carreira, desde o momento em que começa a pensar e a investir
na profissão até quando, com a proximidade da conclusão do curso superior, passa
a sonhar e a vislumbrar alternativas para seu futuro profissional. O que pudemos
observar é que esse é um processo com diversas etapas e repleto de idas e vindas,
dúvidas, encontros e desencontros.
Com relação ao processo de descoberta da profissão, alguns jovens parecem ter se
encontrado, o que ocorre no momento em que percebem estar no caminho certo, ou
seja, numa trajetória que possibilitará o alcance de seus sonhos e aspirações
profissionais. Outros porém, mesmo estando próximos do fim da faculdade, ainda
perseveram nessa busca. O fato de a Administração ser vista como um curso que
abre múltiplas possibilidades profissionais pode, por um lado, atrair jovens
relativamente mais incertos, e por outro, dificultar o processo, justamente por conta
dessa multiplicidade de alternativas.
Nossa hipótese é a de que jovens mais inseguros de suas habilidades e interesses,
ou seja, que sabem menos a respeito de si mesmos (baixo autoconhecimento), e/ou
que têm pouco conhecimento do ambiente e das diferentes profissões, tendem a
optar pela Administração e outros cursos percebidos como “amplos”. Como sugestão
para futuras pesquisas, portanto, caberia testar essa hipótese, comparando jovens
estudantes de cursos de Administração e similares com os de cursos onde o ajuste
entre habilidades e interesses pessoais e da profissão são mais facilmente
identificáveis, sendo a medicina um exemplo típico.
Além disso, observamos que uma das preocupações centrais desses jovens diz
respeito à sua qualificação, o que faz com que este seja um processo central na
construção da carreira em Administração. Ao perceber a grande competição em
torno da melhores posições, o jovem entende que investir em sua qualificação –
aumentando desta forma sua empregabilidade – é a melhor forma de enfrentá-la. No
entanto, e em linha com as proposições de Bourdieu (2008a), diversos entrevistados
parecem perceber que o diploma de um curso universitário, mesmo de uma
faculdade de prestígio, não garante o acesso a postos de trabalho condizentes com
272
suas expectativas, fazendo-os “correr atrás” de outras formas de qualificação, tais
como cursos de idiomas e experiências de trabalho.
O jovem também parece perceber a importância do capital social, especialmente
enquanto fonte de informações sobre oportunidades profissionais (HELAL, 2005;
FUGATE, KINICKI & ASHFORTH, 2004). No entanto, praticamente não observamos
investimentos direcionados especificamente à construção de redes de
relacionamento – o chamado networking –, talvez em função de sua relativa
inexperiência no mercado de trabalho. A exceção fica por conta de Carlos, que tem
buscado ativamente desenvolver relacionamentos na indústria do cinema, onde
pretende construir sua carreira.
O capital econômico também nos pareceu relevante à construção da
empregabilidade, por sua relação com os demais. Além de estar positivamente
relacionado ao capital social, conforme nos mostra Bourdieu (2008a), é ele que
viabiliza, em grande medida, os investimentos em outras formas de capital cultural
(experiências internacionais, por exemplo), importantes por fazerem parte dos
critérios de seleção das empresas.
Ainda sobre a qualificação, parece haver consenso entre os jovens entrevistados de
que esta é uma obrigação que os acompanhará por toda a sua vida profissional,
apontando para a incorporação do discurso da empregabilidade de iniciativa e
eximindo empresas e Estado dessa responsabilidade. A preocupação com a
realização de cursos de pós-graduação, mesmo antes da conclusão da graduação, é
uma evidência nesse sentido e explica, em parte, o forte crescimento deste mercado
verificada nos últimos anos40.
Na construção do processo articulando o futuro, a principal conclusão a que
chegamos é a de que ele depende de alguns fatores que, em seu conjunto,
determinam o perfil do jovem e, consequentemente, a forma como ele definirá sua
estratégia de inserção e atuação. Identificamos a existência de quatro tipos ideais –
engajados, preocupados, céticos e desapegados –, que se diferenciam em função
40 De acordo com a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), os cursos de pós-graduação stricto sensu cresceram quase 90% entre 2000 e 2008, saindo de 1.363 para 2.568 cursos (www.capes.gov.br). Pela menor regulamentação e aceitação junto ao público, é possível considerar um crescimento ainda maior da oferta de cursos de extensão e pós-graduação latu sensu.
273
da confiança nas qualificações construídas, da aceitação ou não das condições do
mercado de trabalho e da importância atribuída ao trabalho.
Com o desenvolvimento desses tipos ideais – que representam uma imagem de
diferentes perfis de jovens que fazem parte de uma nova geração de trabalhadores
que está se incorporando ao mercado de trabalho – esperamos ter contribuído para
ampliar o conhecimento a seu respeito e da realidade com a qual se defrontam.
Como sugestão para futuras pesquisas, caberia criar métricas para o
enquadramento de cada jovem e, para uma amostra mais abrangente e
representativa da juventude universitária, avaliar a aderência desta tipologia e a
frequência de cada um dos perfis.
Com relação às aspirações de carreira, alguns pontos merecem destaque. Em
primeiro lugar, a carreira tradicional, representada pelo emprego formal numa “boa”
empresa, ainda povoa o imaginário de grande parte dos entrevistados,
especialmente os engajados. Os preocupados também têm essa aspiração, mas
temem não conseguir realizá-la e, consequentemente, consideram outras
alternativas. Os desapegados também podem vislumbrar essa possibilidade,
contanto que a cobrança e os horários de trabalho não sejam pesados. Por fim, faz
parte do imaginário dos céticos o trabalho em “boas” empresas públicas, sendo mais
citadas a Petrobras e o BNDES. Na visão desses jovens, uma “boa” empresa é
aquela que goza de prestígio junto à sociedade e dá oportunidades de crescimento
profissional a seus funcionários, aspectos mais frequentemente encontrado nas
grandes organizações, privadas e públicas.
Nesse sentido, a ideia da construção de uma carreira proteana (HALL, 2004) ou sem
fronteiras (ARTHUR & ROUSSEAU, 1996) não parece ter sido plenamente
incorporada por esses jovens, que além de almejar um emprego numa grande
empresa, esperam nela galgar os degraus da chamada escada corporativa. No
entanto, alguns trabalham com a perspectiva de mudar de empresa várias vezes ao
longo da carreira, fator que associam às mudanças nas relações entre organizações
e trabalhadores, conforme abordado por Cappelli (1999), entre outros, e às
dificuldades que imaginam enfrentar. Desta forma, apesar de aceitarem, e em alguns
casos acharem interessante, a perspectiva de trabalhar em diferentes empresas, o
que se alinha ao conceito de carreira sem fronteiras, esses jovens não parecem
274
subscrever inteiramente à sua lógica, especialmente em função da inerente
instabilidade.
Considerando-se as razões que levam ao sonho do trabalho em empresas grandes
e conhecidas, a hipótese que levantamos, com base nos resultados da pesquisa, é a
de que o jovem: (1) valoriza o reconhecimento perante a sociedade, especialmente
familiares e colegas, já que esse tipo de posição tende a falar por si só, fazendo com
que o prestígio da empresa automaticamente se transfira para a pessoa; (2) busca o
reconhecimento do próprio mercado de trabalho, uma vez que ter experiência
profissional numa grande empresa é, na sua visão, “bom para o currículo”; (3) vê
este tipo de trabalho como importante para o seu aprendizado e desenvolvimento
profissional; (4) entende que este é o melhor caminho, dada a visão da carreira
como uma escada, associado ao sonho da ascensão profissional, conferindo-lhe
status e prestígio, além do retorno financeiro/material.
Ao falar sobre as razões que o levaram a optar por uma grande empresa, na qual
trabalha atualmente, Douglas afirma que:
São as oportunidades que têm lá dentro, a oportunidade de crescimento, de aprendizado. (...) Eu acho que são experiências que não é qualquer empresa que dá. Às vezes você fica só naquele ambiente de serviço operacional e não tem perspectiva de crescimento. E na [nome da empresa] (...) você sabe que não vai ficar ali o tempo todo. A minha gerente já falou ‘quando você se formar, eu vou fazer de tudo para você crescer aqui’. (Douglas)
Para alguns, a grande empresa multinacional tem como atrativo adicional a
possibilidade da carreira internacional e do contato com diferentes culturas.
Eu gostaria muito de trabalhar numa multinacional porque tem mais possibilidade de se trabalhar no exterior, conhecer outras culturas e tal. (Aline)
Eu gosto de grandes empresas, multinacionais. (...) Eu gosto de contato com pessoas de outros países, chance de talvez morar fora também. (Reinaldo)
A carreira autônoma ou profissional não é vista, pelo menos neste momento da vida
profissional, como uma alternativa viável. Isto porque o jovem parece perceber que
não possui o prestígio e a reputação necessários ao sucesso sob este modelo
carreira (KANTER, 1997).
275
Alguns jovens pensam numa carreira empreendedora, mas esta opção é
considerada como uma alternativa para um futuro mais distante, já que lhes faltaria a
experiência, o capital financeiro e as redes de relacionamento necessários.
Interessante observar que essa aquisição de experiências e conhecimentos se daria
num emprego formal em organizações maiores. Em outras palavras, alguns jovens
encaram o emprego formal como parte do treinamento necessário à ação
empreendedora, característica também encontrada no pesquisa de Versiani &
Guimarães (2004) junto a empreendedores brasileiros.
A carreira no serviço público é percebida como uma alternativa atraente para
diferentes perfis de jovens, por distintas razões. No caso dos desapegados, porque
dão valor a outras esferas da vida e este tipo de carreira é percebido como menos
intenso. No caso dos céticos, porque a vida profissional no serviço público permite a
realização de um trabalho com sentido, sem a pressão da competição que eles tanto
criticam. Para aqueles que se sentem inseguros de suas qualificações (os
preocupados), o que está associado à carência de capitais cultural e social, a
empresa pública é uma alternativa em função do mecanismo de entrada (o
concurso), que minimiza sua necessidade. Nesse sentido, o emprego público
emerge como alternativa, por diferentes razões, para um grande contingente de
jovens, explicando a crescente demanda por essa alternativa profissional (FIRJAN,
2007). Como sugestão para futuras pesquisas, seria interessante verificar se este
resultado se repete em outras regiões do país. Isto porque é possível que moradores
do Rio de Janeiro, que abrigou a capital da república no passado e concentra um
grande número órgãos e empresas públicas, sejam mais propensos a buscar esta
alternativa profissional do que os de outros estados.
No que se refere ao equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional, observamos que
diversas jovens mulheres que participaram da pesquisa ainda não parecem ter bem
resolvida essa questão. Se as desapegadas claramente dão prioridade à vida
pessoal, as que fazem parte dos outros grupos vislumbram a possibilidade de viver
um conflito, na medida em que desejam construir uma família, mas não gostariam de
prejudicar sua carreira profissional. A estratégia que parece prevalecer, neste
momento da vida, é a de não pensar muito no problema, deixando-o para depois.
Acreditamos que este tema merece uma investigação mais aprofundada,
especialmente considerando-se o contexto de crescente participação da mulher no
276
mercado de trabalho e de maior presença feminina em cargos de gestão, ainda que
muito aquém da dos homens, fruto da discriminação a que são submetidas. No
entanto, como esta temática foge ao escopo deste trabalho, fica como sugestão para
futuras pesquisas.
Também seria interessante investigar, junto às empresas que buscam jovens
universitários para a formação de seus quadros, o perfil de profissional que
gostariam de encontrar, identificando a congruência ou não entre as percepções e
estratégias desses jovens e as exigências das empresas.
Por fim, como ficamos limitados a um grupo específico de jovens, aqueles oriundos
dos melhores cursos de Administração do Rio de Janeiro, seria pertinente
desenvolver novas pesquisas que testem a aderência deste modelo junto a um
grupo mais abrangente e representativo da população jovem universitária brasileira,
começando com estudantes de faculdades de Administração de menor prestígio e
comparando suas perspectivas com as dos jovens aqui analisados. Conforme já
sugerido, seria ainda interessante analisar jovens estudantes de Administração de
outros estados brasileiros. Outro possível recorte para ampliação da investigação
aqui realizada seria o de pesquisar jovens oriundos de outros cursos de graduação,
procurando traçar diferenças e, especialmente, regularidades em relação ao
fenômeno da construção da carreira aqui proposto.
277
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WOOD JR., T. Organizações de Simbolismo Intensivo, RAE – Revista de
Administração de Empresas, v. 40, nº 1, Jan./Mar. 2000.
YOUNG, Richard A. & VALACH, Ladislav. The construction of career through goal-
directed action. Journal of Vocational Behavior, v. 64, p. 499-514, 2004.
292
SITES CONSULTADOS
http://www.anpad.org.br
http://www.capes.gov.br
http://www.eclac.org (CEPAL)
http://www.ibge.gov.br
http://www.ilo.org
http://www.imf.org
http://www.inep.gov.br
http://www.ipea.gov.br
http://www.oecd.org
http://www.scielo.br
293
APÊNDICES
294
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS INICIAIS
Este roteiro sofreu algumas modificações ao longo da condução das 21 entrevistas
iniciais. Algumas perguntas foram excluídas (por terem se mostrado irrelevantes),
outras incluídas (em função de sua necessidade para o processo de análise) e
algumas modificadas para facilitar seu entendimento pelo jovem. A essência do que
se buscou pesquisar, porém, não mudou.
6. Fale um pouco sobre a sua família. (onde cresceu, pais, irmãos, parentes próximos)
7. O que os seus pais fazem? E seus irmãos / parentes (se houver)?
8. Você se lembra de pensar sobre “o que você vai ser quando crescer? Como foi?
9. Por que você decidiu fazer faculdade?
10. Como foi a escolha do curso de graduação?
Que pessoas influenciaram sua escolha? (família, amigos) O que sua família achou dessa escolha? Você pensou em escolher outra faculdade, seguir outro caminho? 11. E a escolha da faculdade/universidade?
12. E o vestibular? (como foi estudar, se achou difícil, quantos vestibulares fez, para que faculdades)
13. O que você está achando do curso? Do que gosta, do que não gosta?
14. O que pensava de administração antes de entrar. E agora? Houve mudança?
15. Que outras atividades você faz além da faculdade? (outros cursos, atividades físicas, lazer) Por que? (checar especialmente a motivação para se qualificar)
16. Me fala um pouquinho do seu primeiro trabalho/estágio. Onde foi? O que você fazia (faz)?
17. Como você se sentiu em começar a trabalhar ?
18. Como é (era) o trabalho? Do que você gostava? Do que não gostava?
19. E o que você achava da empresa/organização? (aspectos positivos e negativos)
� Repetir as questões 11, 13 e 14 para todas as experiências de trabalho.
20. Você gosta de trabalhar? O trabalho é importante para você? Por que?
21. Me fala de um dia típico seu atualmente?
295
22. E o lazer, onde fica? E a vida pessoal?
23. O que você gostaria de fazer logo depois de formado(a)? Por que?
24. Como você vê o mercado de trabalho? (dificuldades, oportunidades)
25. O que você acha que o mercado e as empresas consideram importante?
26. Você costuma pensar no futuro? Por que? Como assim?
27. Como você vê o seu futuro profissional? (com o que gostaria de trabalhar, onde, como se vê no futuro)
28. O que você acha importante conquistar profissionalmente?
29. Que dificuldades acha que pode encontrar no caminho?
30. O que você tem feito nesse sentido?
31. Você se considera preparado para entrar no mercado de trabalho quando se formar? Por que?
32. Você pensa em sucesso profissional? Se não, por que não? Se sim, como você definiria sucesso? O que é ter sucesso?
33. O que você considera importante uma pessoa ter para chegar ao sucesso na carreira? Por que?
34. Há alguém que você considere um exemplo de sucesso? (celebridades, “homens” de negócio, familiares).
35. Dessas coisas que estamos falando, há algo mais que você gostaria de acrescentar?
36. Dados demográficos: nome completo, e-mail, telefone, sexo, idade, estado civil, classe social (questionário ABEP), naturalidade, endereço, onde cursou o ensino médio, período que está cursando e período em que pretende se formar.
296
APÊNDICE B – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS DE ADENSAMENTO TEÓRICO
Nas entrevistas de adensamento teórico, mantivemos as mesmas perguntas do
roteiro original, mas nos aprofundamos apenas naquelas que ainda exigiam, para o
entendimento do problema e o desenho do modelo teórico, mais informações e
detalhamentos.
Além disso, foram adicionadas as seguintes questões:
� Há alguém que você procure ou já tenha procurado para pedir orientação a
respeito da sua carreira? Você sente falta de alguém para conversar?
� De que forma a sua família o apóia na sua carreira?
� Você acha que existe vocação em administração? Existem pessoas com dom
para a administração?
� O que você pensa da palavra “reconhecimento”? O que é? É importante para
você? Por que?
� Como você vê as opções de carreira de um administrador?
297
APÊNDICE C – LISTA DE CÓDIGOS
Lista de Códigos (*)
1 Abrindo o leque de opções 41 Importância do trabalho
2 Adquirindo experiência / amadurecendo 42 Mudar de cidade
3 Alcançar cargos altos / crescer 43 Ociosidade no trabalho
4 Ambição 44 Orgulho
5 Ansiedade 45 Pensando em concurso público
6 Aspectos valorizados no trabalho 46 Pensando grande
7 Auto-definição / identidade 47 Percebendo a empresa pública
8 Avaliando o curso de Administração 48 Percebendo o mundo do trabalho
9 Bom / ruim para o currículo 49 Percepções sobre a empresa
10 Buscando a auto-realização 50 Prazer / satisfação no trabalho
11 Buscando desafios 51 Preconceito contra administração
12 Buscando informações 52 Preparando-se para o vestibular
13 Buscando se diferenciar 53 Pressa de chegar
14 Buscando uma colocação 54 Processos seletivos
15 Capital Cultural 55 Qualificando-se
16 Carreira no Brasil x exterior 56 Querendo ser efetivado(a)
17 Centro de Carreiras/Estágio 57 Reconhecimento
18 Colégio 58 Redes de relacionamento
19 Começando a trabalhar 59 Responsabilidade
20 Competindo por um espaço 60 Sentindo a insegurança
21 Construir uma família 61 Sucesso
22 Cursando escola técnica 62 Trabalho / empresa ideal
23 Dinheiro – importância 63 Trabalho para "sair mais de casa"
24 Empreendedorismo 64 Trabalho voluntário
25 Empregabilidade 65 Usando as aptidões
26 Empresa grande x pequena 66 Valorizando a empresa em que trabalha
27 Empresa nacional x multinacional 67 Vida familiar
28 Enfrentando dificuldades 68 Vida pessoal x vida profissional
29 Escolhendo a profissão 69 Vida Profissional
30 Escolhendo com paixão 70 Vida profissional – Família
31 Estudo x Trabalho 71 Vivenciando o trabalho
32 Fazendo a escolha certa
33 Fazendo escolhas profissionais
34 Fazendo o que gosta
35 Focando a carreira
36 Frustração
37 Futuro
38 Grupos de referência
39 Idade / sem tempo a perder
40 Imagens da profissão (*) Extraído do Atlas TI®.
298
APÊNDICE D – EXEMPLOS DE PESQUISAS COM GROUNDED THEORY
No quadro abaixo apresentamos um breve apanhado de estudos que adotaram a
grounded theory. Este levantamento não teve a ambição de ser abrangente, apenas
de ilustrar a adoção da metodologia, com destaque para as categorias e processos
centrais identificados.
Autor Título Tipo de publi-cação
Instituição ou
publicação Ano Coleta de
dados
Categorias, processos e/ou
fenômenos centrais
Bandeira-de-Mello, R.
& Cunha, C.J.C.A.
Administrando o risco: uma teoria substantiva
da adaptação estratégica de
pequenas empresas a ambientes turbulentos e com forte influência
governamental
Artigo RAC
(Adminis-tração)
2004
Entrevistas em
profundidade com 5
membros de uma empresa
(estudo de caso)
Categoria central:
Administrando o risco
Edwards, K.E.
“Putting my man face on”: a grounded theory
of college men’s gender identity development
Tese de doutorado
University of Maryland,
EUA 2007
10 entrevistas em
profundidade
Processo central: performing masculinity
Girardon-Perlini, N.M.O.
Cuidando para manter o mundo da família
amparado: a experiência da família rural frente ao câncer
Tese de doutorado
Escola de Enfermagem,
USP 2009
Entrevistas em
profundidade com 6
famílias rurais
Categoria central:
Cuidando para manter o mundo
da família amparado
Henderson, S.
The phenomenon of patient participation in their nursing care: a
grounded theory study.
Tese de doutorado
Curtin University of Technology,
Australia (enfer-
magem)
1998
Entrevistas em
profundidade com 33
enfermeiras e 32 pacientes; 142 horas de observação participante
Processo central: accomodating
the incongruence (between nurses
and patients)
Santos, L.C.R.
Re-dimensionando limitações e
possibilidades: a trajetória da pessoa com lesão medular
traumática
Tese de doutorado
Escola de Enfermagem,
USP 2000
14 entrevistas em
profundidade
2 fenômenos: sobrevivendo ao
acidente e vivendo uma
nova realidade. Categoria central: re-
dimensionando limitações e
possibilidades.
Fonte: elaboração própria com base nas respectivas publicações.