CONTATO SOCIAL - Faculdade...

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1 CONTATO SOCIAL REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Nº 2 – ANO 2 - 2012 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE

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CONTATO SOCIAL

REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Nº 2 – ANO 2 - 2012

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE

2

UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA

Cleri Becher de Mattos Leão

Diretora Presidente

Leonardo Becher de Mattos Leão

Diretor Administrativo

FACULDADE GUARAPUAVA - FG

Carlos Alberto Ferreira Gomes

Diretor Geral

CONTATO SOCIAL

REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ANO 2 – Nº 2 - 2012

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE

Artigos Científicos e Resumos Expandidos

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CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes

Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes

Prof. Ms. Grazieli Eurich

Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva

Profª.Ms. Rosimeri Schaia Pedroso

COMISSÃO DE APOIO

Carlos de Jesus Lima (Filosofia)

Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia)

Eliane Lupepsa Costenaro (História)

Gilce Primak Niquetti (Pedagogia)

Jorge Luiz Zaluski (História)

Leticia Larsson (Pedagogia)

Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências Sociais que

já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de especialização Lato Sensu.

4

GOMES, Cerize Nascimento e GOMES, Carlos Alberto

(orgs) . Contato Social: Educação e Diversidade. 107

páginas. Faculdade Guarapuava (FG). REVISTA

CONTATO SOCIAL - ANO 2, Nº 2, 2012.

Palavras-chave: Educação. Diversidade. Sociedade.

Cultura. Intervenção social.

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ÍNDICE

1 – As principais concepções teóricas da sociologia clássica e as concepoções

reprodutivistas. Rafael Morgentale Disconzi .......................................................p.06

2 – Pêssankas em Prudentópolis: história, simbolismo e permanência da cultura

ucraniana. Nikolas Corrent....................................................................................p.29

3- Descompasso entre políticas públicas e inclusão de sujeitos surdos no ambiente

escolar e social – Andrea Ortiz – Co-autora: Cerize Nascimento Gomes.............p.51

4 – Educação e Ditadura Militar: memórias da repressão militar na FAFIG (1970-1973) - Ernando Brito Gonçalves Júnior ............................................................p.61

5 – O imaginário mágico-religioso da umbanda: Dogmas e práticas ritualísticas afro-

brasileiras. Cerize Nascimento Gomes. Co-autoras: Lucélia Terezinha Pietras e

Luciane Pietras. .................................................................................................... .p.78

Resumos expandidos

6- Cultura material e memórias sobre a colonização do Paiquerê na região de

Guarapuava (PR) - Fábio Noima Pelosi...............................................................p.97

7 - Agricultura familiar: cotidiano e trabalho da comunidade do assentamento

Jabuticabal no município de Goioxim (PR) - Jaiton Miqueias Passos Rocha...p.100

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AS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA

E REPRODUTIVISTA DA EDUCAÇÃO1

Prof. Rafael Morgentale Disconzi2

Ciências Sociais - FG

RESUMO: Existem inúmeras orientações metodológicas para o estudo

científico dos problemas educativos que procuram superar a descrição simples de

informações coletadas. A ideia é a realização de um levantamento das abordagens

teóricas da sociologia que são tomadas como pressupostos para se entender as

contradições educacionais, partindo dos clássicos até os contemporâneos advindos

do movimento francês – os “reprodutivistas”. Espera-se ser capaz neste presente

artigo poder fornecer subsídios que fundamentam as diferentes concepções teóricas

da sociologia da educação.

Palavras-Chave: Teorias Sociológicas Clássicas. Educação. Crítico-reprodutivistas.

INTRODUÇÃO

A sociologia é uma ciência que surge com o desenvolvimento do capitalismo.

Então a natureza da reflexão sociológica, que aparece na sistematização de estudos

de seus fundadores mais importantes, está marcada, já em seu nascimento, pela

seguinte questão: como compreender as maravilhas e ao mesmo tempo os

problemas sociais deste novo mundo que desabrochou com o desenvolvimento da

indústria moderna e da sociedade estratificada em classes? Essa pergunta está no

bojo dos acontecimentos históricos vividos pelos autores pertencentes à sociologia

clássica, ou seja, os estudos sobre educação de Auguste Comte, Herbert Spencer,

Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber que trazem uma peculiaridade segundo o

contexto social, político e econômico que estavam inseridos.

1 Artigo apresentado no II Seminário de Pesquisa, Iniciação Científica e Extensão. Desenvolvimento Regional:

Pesquisa e Intervenção Social. Realizado na Faculdade Guarapuava/PR, nos dias 22 a 26 de outubro de 2012. 2 Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais (PUCRS), Porto Alegre/RS. Pós- Graduado em

Metodologia de Ensino em Sociologia (FACEL), Curitiba/PR. Mestrando em Ciências da Educação (UPAP),

Assunção/Paraguai.

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Tais estudos serviram de análise por todo o século XX, principalmente no final

dos anos sessenta e início da década de setenta, quando surge uma corrente de

pensadores chamada de “escola reprodutivista” (Bourdieu, Passeron, Althusser,

Establet e Baudelot), em oposição ao ‘otimismo pedagógico’ estabelecido pelas

formulações liberais e conservadoras.

Ao descrever os desafios que a instituição escolar está passando na

contemporaneidade, não pode-se encará-la de maneira unilateral em relação às

outras instituições que fazem parte da vida social, ou seja, precisa-se levar em

consideração fenômenos pluridimensionais para poder realmente ter uma

consistência na análise sociológica sobre educação. A educação apresenta uma

relação intrínseca com a economia, com a política, relações de poder, fatores

culturais e tecnológicos. Não se pode falar de educação sem discutir o capitalismo.

Uma característica do capitalismo é buscar e criar novos mercados, pois, percebe-se

cada vez mais o crescimento de organizações internacionais e corporações

transnacionais ganhando mais poderes e significância que os próprios Estados

nacionais.

O avanço da globalização e do neoliberalismo na América Latina e,

particularmente no Brasil, está intensificando as contradições provocadas pela

imensa estratificação social. As relações, assim como as pessoas no interior da

sociedade estão se transformando em meros dados estatísticos, sendo julgadas e

classificadas apenas pelo que podem ou não consumir. Os direitos que compõem a

cidadania estão sendo substituídos pelos direitos do consumidor, em outras

palavras, o ser humano está se tornando o próprio produto a ser consumido,

desumanizando-se.

Este estudo quer saber quais são as concepções teóricas da sociologia

clássica e reprodutivista que reúne maior número de elementos que auxiliam na

compreensão sobre a escola e o sistema educacional, levando em consideração tais

objetivos:

Abordar as principais contribuições dos autores clássicos da sociologia sobre

o papel da educação;

Levantar os pressupostos teóricos sobre o movimento francês chamado de

crítico-reprodutivistas no interior da escola;

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Verificar os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma a

transmissão familiar da herança cultural - resultado da diferenças de classes

em desigualdades, sinônimo de fracasso escolar;

Em relação à metodologia desenvolvida na produção do artigo, foi de

natureza bibliográfica e visou alcançar os objetivos que foram propostos.

Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica mediante uma leitura sistemática,

com fichamentos, resumos e resenhas de livros, revistas (periódicos) e textos da

internet, de modo a ressaltar os pontos pertinentes ao assunto em estudo abordado.

1. DO POSITIVISMO AO COMPREENSIVO: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA

CLÁSSICA NOS ESTUDOS EDUCACIONAIS

Os primeiros estudos da sociologia da educação vieram da matriz positivista

no século XIX e XX, inaugurado por Auguste Comte, seguido por Herbert Spencer e

posteriormente por Émile Durkheim, sendo este último seu maior representante. A

educação positivista consiste na formação moral dos membros da sociedade (no

caso a que ele pertence) para que cheguem a um consenso, com base no qual

prevaleceria um estado de harmonia e ordem (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p.19).

Nesse sentido, as formas de ensino da educação formal têm um objetivo claro: a

sociedade industrial só pode se estruturar se cada indivíduo for educado para

contribuir de maneira útil em benefício do todo social.

Auguste Comte (1798-1857) nascido em Montpellier, França, tornou-se

discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. A filosofia positivista o

levou a ser devoto de uma concepção intelectual que vincula diretamente o

pensamento científico, considerado para este(s) como verdadeiro.

De acordo com seu livro Curso de Filosofia Positiva, cunhou o termo física

social (COMTE, 1978a, p.8) para designar a criação de uma nova ciência e,

posteriormente chamou de sociologia na obra chamada de Física Social publicada

em 1838 e Discurso sobre o Espírito Positivo em 1844 (COMTE, 1978b, p. 90).

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Segundo a teoria comteana as sociedades passariam por um processo de

evolução histórica3 que chamou de Lei dos três estados4, onde passariam de um

estado ou estágio menos evoluído para o máximo da racionalidade e progresso que

a humanidade estava constatando (parâmetro para tal desenvolvimento era a

sociedade europeia) - advinda da industrialização e da filosofia positiva.

Em outra obra intitulada o Discurso preliminar sobre o conjunto do

positivismo, Comte deixa claro a perspectiva de consenso e coesão que o

positivismo poderia a vir instaurar no seio societal:

Uma sistematização real de todos os pensamentos humanos

constitui, pois nossa primeira necessidade social, igualmente quanto

à ordem e ao progresso. A realização gradual desta ampla

elaboração filosófica fará espontaneamente surgir, em todo o

Ocidente, uma nova autoridade moral, cuja inevitável ascendência

colocará a base direta da reorganização final, ligando as diversas

populações avançadas através da mesma educação geral, que

fornecerá para toda parte, para a vida pública como para a vida

privada, princípios fixos de julgamento e de conduta. Desse modo, os

movimentos intelectuais e de comoção social, cada vez mais

solidários, conduzem de agora em diante a elite da humanidade ao

advento decisivo dum verdadeiro poder espiritual (...). (COMTE,

1978c, p.97-98)

Nesse contexto do positivismo como religião da humanidade, a educação

teria uma importância preponderante, pois seria o veículo que conduziria a formação

moral às futuras gerações. Parafraseando Nelson Piletti e Walter Praxedes (2010,

p.21):

3 Comte denominou de “evolução do espírito humano” seguindo uma perspectiva linear.

4 Estado Teológico ou “Fictício” - O espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres ou forças

sobrenaturais. Explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa. Este estado evolui do fetichismo ao

politeísmo e ao monoteísmo. O pensamento religioso comanda a racionalidade. Estado Metafísico ou

“Abstrato” - Invoca entidades abstratas, como a natureza. Corresponde tudo que a física, a matemática, a

química, não consegue esclarecer. Estado Positivo ou “Científico” - O homem se limita a observar os

fenômenos e a fixar relações regulares que podem existir entre eles. Representa o estágio máximo da

racionalidade humana. O positivismo como corrente de pensamento baseada na ciência, apresenta-se como a

mais elevada e apurada de produção de conhecimento que a humanidade já conheceu.

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(...) educação e moral se fundem no sistema comtiano em um

processo pedagógico organizado para tornar o indivíduo capaz de

controlar o seu egoísmo por meio do progressivo desenvolvimento de

suas funções afetivas e intelectuais, podendo, dessa maneira,

integrar-se à ordem social positiva.

Na perspectiva positivista o papel central da educação seria de reorganizar a

sociedade que estava em crise (período de profundas transformações sociais

oriundas da Revolução Industrial). Dessa maneira, não se aceita os conflitos

gerados pelos antagonismos provenientes das contradições descritas acima.

A partir dos formuladores originais do positivismo - Auguste Comte

acompanhado pelo inglês Herbert Spencer (1820-1903), este último (pouco

abordado nos manuais de educação) aprofundou uma característica peculiar em

relação a seu antecessor, o paradigma organicista. É organicista porque sua visão

de sociedade se baseia em analogia ao modo como funcionam os organismos vivos

- daí o emprego do termo função5. Segundo a teoria spenceriana, os indivíduos

estariam submetidos às mesmas leis que regulam o mundo natural, em outras

palavras, a sociedade emergiria de uma evolução biológica e social, passando de

um estado uniforme rumo ao multiforme. Spencer em seu livro O que é uma

sociedade? (1977, p.148-149) salienta que a sociedade está em constante avanço e

processo de crescimento:

À medida que ela cresce, suas partes tornam-se dessemelhantes, sua

estrutura fica mais complicada e as partes dessemelhantes assumem

funções também dessemelhantes. Essas funções não são somente

diferentes: suas diferenças são unidas por via de relações que as tornam

possíveis umas pelas outras. A assistência que mutuamente se prestam

acarreta uma mútua dependência das partes. Finalmente, as partes, unidas

por esse liame de dependência mútua, vivendo uma pela outra e uma para

a outra, compõem um agregado constituído segundo o mesmo princípio

geral de um organismo individual. A analogia de uma sociedade com um

organismo torna-se, ainda, mais surpreendente quando se vê que todo

organismo de apreciável volume é uma sociedade (...).

O evolucionismo spenceriano foi fortemente derivado do evolucionismo

biológico de Charles Darwin, a partir desse fato, suas formulações ficaram

conhecidas como ‘darwinismo social’ (COSTA, 2002, p.49). Suas ideias

5 Será a base do funcionalismo elaborado por Durkheim posteriormente. Em linhas gerais, o organicismo é visto

do mesmo modo que os organismos vivos são compostos de partes (órgãos), cada uma com uma função

específica, assim são as sociedades humanas. Cada instituição, como a família, a igreja, o trabalho, o Estado

correspondem uma função no funcionamento do organismo social.

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influenciaram enormemente a sociedade norte-americana, onde sua

teoria teve maior abrangência em várias áreas, porém, no sistema

educacional teve grande repercussão. A frase “sobrevivência do mais

apto” é de sua autoria e, explicava, por exemplo, a diferença no

aproveitamento escolar dos alunos de classes altas em relação aos de

classes baixas, (estes últimos na maioria oriundos de grupos étnicos de

negros, mestiços e latinos de modo geral). Em outra obra de sua autoria

- Como elevar o nível intelectual de nossos jovens, Spencer (1987, p.39)

descreve claramente sua ideia sobre a educação, pois, “a mente

desenvolve-se como todas as coisas que se desenvolvem, ela passa do

homogêneo ao heterogêneo”. Ao relatar sobre a educação infantil, a

criança deveria ser guiada pelos mesmos processos evolucionários que

a humanidade passou:

(...) a gênese da erudição do indivíduo deve seguir a mesma trajetória

que a gênese da erudição da raça. Em rigor, este princípio pode ser

considerado como já expresso por inferência; já que ambos são

processos de evolução, devem ajustar-se àquelas mesmas leis gerais

de evolução já aludidas, e, portanto, devem harmonizar-se entre si.

(SPENCER, 1987, p.44)

Representa uma visão de reprodução contínua de fases e estágios

desenvolvimentistas como Comte já havia descrito. Spencer dá uma importância

excepcional para a educação, relatando que ela é “derivada da transmissão da lei de

hereditariedade” (1987, p. 45), ao ponto de criar uma tentativa de explicação sobre

as imensas desigualdades existentes entre os indivíduos:

(...) sucessivas gerações que transmitiram os efeitos acumulados aos seus

descendentes; se julgamos que as diferenças são agora orgânicas, de

forma que uma criança francesa transforma-se num homem francês mesmo

quando criada entre estrangeiros; e se o fato geral assim ilustrado é de

verdade de toda a natureza, inclusive o intelecto, então concluímos que, se

existir uma ordem pela qual a raça humana dominou seus vários tipos de

conhecimentos, surgirá em toda a criança uma capacidade de adquirir

esses tipos de conhecimentos na mesma ordem. (SPENCER, 1987, p.45-

46)

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Spencer foi um defensor do ensino prioritário da ciência que tinha como

objetivo fornecer aos jovens um conhecimento sobre o funcionamento da natureza

que lhes dessem subsídios de se adaptarem às exigências do mundo moderno,

típico da competição e da concorrência.

O terceiro e o mais importante autor positivista no estudo da sociologia da

educação é o também francês Émile Durkheim (1858-1917). Viveu numa época de

tensão entre o entusiasmo do desenvolvimento da França e o “risco de ver a

sociedade esfacelar-se em uma poeira de indivíduos isolados em decorrência da

quebra dos padrões tradicionais de coesão social” (SOUZA, 2009, p.76). Ele

reivindicava vigorosamente que a educação escolar assumisse essa tarefa, isto é, a

de criar outros novos padrões de solidariedade social numa sociedade submetida a

um ritmo de mudança tão intenso.

É importante ressaltar que Durkheim acreditava que a sociedade exerce uma

coerção social sob indivíduos, definindo-o como uma espécie de pressão para aderir

as regras, hábitos e costumes estabelecidos pelo grupo, comunidade ou sociedade.

Essa imposição é exterior e independente da vontade do indivíduo e chamou de ‘fato

social’6.

Para Durkheim (1978, p. 60) a educação significa “ação exercida por uma

geração sobre a geração seguinte, com o fim de adaptá-la ao meio social...”. Nesse

sentido, a adaptação é uma função imprescindível para o indivíduo na sua vida em

sociedade. Outra palavra largamente utilizada pelos positivistas é o consenso, como

suporte para acomodação da “consciência coletiva”. A ótica durkheimiana confere

que a educação, independentemente do lugar e da época em que é realizada, tem o

mesmo objetivo primordial da socialização – formar o ser social em indivíduo

socialmente ajustado.

No livro Educação e Sociologia, Durkheim esclarece nos seus discursos o

porquê de muitos indivíduos não conseguirem adaptar-se em instituições como o

trabalho, a escola, entre outras. Sua resposta é radicalmente diferente da de Marx,

6 No livro, “As Regras do Método Sociológico” (1895), define o objeto de estudo da Sociologia – “fato social”,

pois, é toda ‘coisa’ capaz de exercer algum tipo de coerção sobre o indivíduo, sendo esta “coisa” independente

e exterior ao indivíduo e estabelecida em toda a sociedade. Os fatos sociais se caracterizam pela coercitividade,

exterioridade e generalidade.

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por exemplo, que fazia severas críticas à divisão do trabalho. Para Durkheim, a

organização do trabalho no mundo moderno

nos obriga a nos dedicarmos a uma tarefa, restrita e especializada.

Não podemos, nem nos devemos dedicar, todos, ao mesmo gênero

de vida; temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a

preencher, e o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos

para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade

e homens de ação. (DURKHEIM, 1978, p. 35)

Infelizmente essa foi à visão que predominou nos cursos de formação de

professores7 e consequentemente em sala de aula por muitas décadas no século

XX.

Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os primeiros

filósofos a desenvolverem na sociologia uma perspectiva que refutassem a visão

positivista na educação. Segundo a concepção materialista-histórica dialética, Marx

acreditara que a educação tinha um papel importante na vida do homem, mesmo

que tal tema nunca tenha sido pauta central nos seus estudos. A concepção

marxiana encara a educação numa perspectiva dialética estabelecendo uma relação

social entre indivíduos e sociedade, em outras palavras, ao mesmo tempo, que os

homens são produtos das circunstâncias históricas, eles também contribuem para

modificar as circunstâncias em que vivem, pois, no seu entendimento, a ação

humana tem a capacidade de mudanças dos processos de transformação da

sociedade (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p. 50).

No livro O Capital (de 1867), Marx e Engels fazem uma análise das condições

de vida dos trabalhadores ingleses na cidade de Manchester8, trazendo relatos da

situação precária das crianças no interior das fábricas. Nesse ponto, Marx conclui

que o tipo de educação dada às crianças oriundas da classe operária era tão débil e

alienante que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais

seus pais operários estavam submetidos. Mais especificamente, descreve às

7 A pedagogia tradicional e especificamente na sociologia da educação a tendência positivo-funcionalista

durkheimiana traz um perfil particular desse educador - como ilustra Paulo Meksenas (2010, p. 52) “o professor,

que deve transmitir as verdades científicas, passa a ser o centro do processo educativo. A aula deve, portanto, girar em torno da figura do professor que deve ser também a autoridade responsável pelo desempenho do ensino

e da ordem dentro da sala de aula. Ao aluno, cabe à obediência, acatar as decisões sem questioná-las”. A relação

professor-aluno fica subentendida como: enciclopédia ambulante (professor) e tábula rasa (aluno). 8 Transformações econômicas, políticas e sociais oriundas pela Revolução Industrial que teve grande impacto na

sociedade inglesa e europeia como um todo.

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“escolas politécnicas e agronômicas” e também às “escolas de ensino profissional

onde os filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados no

manejo prático dos diferentes instrumentos de produção” (Marx, 1968, p. 559).

Então, o filósofo alemão reconhece a existência dessas escolas criadas pela própria

burguesia, revelando um movimento antagônico que envolve a necessidade de

atender à exigência da classe capitalista, imposta pelo modelo industrial.

A denúncia realizada pelo autor sobre a exploração da burguesia que se

apropriaram dos meios de produção em relação aos trabalhadores que restam

vender sua força de trabalho como forma de sobrevivência, isto é, Marx queria

mostrar que o capitalismo pautado nessas relações de produção, desumanizava o

homem. O brilhantismo e profundidade das ideias marxianas aventaram inúmeras

criticas sociais, políticas, econômicas e chegando às relações vitais do ser humano

como:

(...) ver, ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar,

agir, amar, em suma, todos os órgãos de sua individualidade, como

órgãos que são de forma diretamente comunal, são, em sua ação

objetiva (sua ação com relação ao objeto), a apropriação desse

objeto, a apropriação da realidade humana (Marx, 1983, p. 120).

Segundo Alberto Tosi Rodrigues (2007, p.41) Marx e Engels “viam a educação

com os mesmos olhos com que viam o capitalismo”. Mas, como Marx poderia

vislumbrar um processo educacional que contribuísse efetivamente para emancipar

o ser humano?

A partir de Rodrigues (2007) um dos pontos fundamentais seria a educação

de um “novo homem” no sentido comunista de tal modo que ele pudesse de fato

superar a divisão social do trabalho intensificada no sistema capitalismo, que em

última análise, alienava e explorava o ser humano. Segundo a visão marxiana

haveria a possibilidade de “romper, na formação das futuras gerações, com a

separação entre o trabalho manual e intelectual” difundido pela burguesia através da

ideologia liberal (RODRIGUES, 2007, p.43).

Partindo de um método diferenciado, chamado de compreensivo, Max Weber

(1864-1920) inaugura um novo paradigma para explicação dos fenômenos que

cercam a vida social. Os trabalhos produzidos por Weber trouxeram ríspidas críticas

ao modelo de ensino praticado nas escolas na atualidade. Essas críticas

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correspondem à educação técnica e racionalizada promovidas pelo Estado e pelas

instituições de ensino advindas das religiões protestantes (pelo menos na sua

grande e extensa maioria) no séc. XIX, que visavam os ensinamentos burocráticos

da ideologia liberal para servir o mercado, em outras palavras, “educar no sentido da

racionalização também passou a ser fundamental para a empresa capitalista, pois,

ela se pauta pela lógica do lucro, do cálculo de custos, eficiência e benefícios, e

precisa de profissionais (mão-de-obra) treinados para isso” (RODRIGUES, 2007,

p.65).

Mas antes que chegar a essa constatação descrita acima, Weber estudou a

correlação da afinidade entre a racionalidade do protestantismo e a empresa

capitalista e, está levantava um problema teórico: Por que no Ocidente, havia a

coincidência entre as áreas de expansão do protestantismo e as áreas onde

prosperava o capitalismo industrial?

A partir de diversos estudos envolvendo a Reforma Protestante do séc. XVI

iniciada por Martinho Lutero e posteriormente por João Calvino, este último como o

principal expoente do calvinismo, sobre a ética protestante, as éticas econômicas

das grandes religiões e os sistemas econômicos, Weber criou a seguinte hipótese: a

resposta estaria na afinidade cultural entre a ética protestante e a racionalidade do

empreendedor capitalista. Weber destaca três contribuições protestantes: a primeira

corresponde à supervalorização do trabalho (fato que diferenciava entre os

católicos); a segunda a divisão do trabalho como vontade de Deus, fato que

colaborou para o desenvolvimento da economia e a terceira e última, a presença do

lucro, pois a riqueza é encarada como um sinal de recompensa divina.

Em sua obra-prima intitulada A ética protestante e o espírito do capitalismo

(aclamada pela crítica especializada como um dos livros mais importantes do séc.

XX), constata a diferenciação de ensino exercida entre as escolas católicas e

protestantes:

(...) que a maior participação dos protestantes nas posições de

proprietários e gerentes na vida econômica moderna seja atualmente

encarada, em parte pelo menos, como simples resultado da maior

riqueza material por eles herdada. No entanto, há outros fenômenos

que não podem ser explicados da mesma maneira. Só para citar

alguns, há uma grande diferença perceptível, em Baden, na Baviera e

na Hungria, no tipo de educação superior que católicos e protestantes

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proporcionam a seus filhos. O fato de a porcentagem de católicos

entre os estudantes e os formados nas instituições de ensino superior

ser proporcionalmente inferior à população total, pode, certamente,

ser largamente explicado em termos de riqueza herdada. Porém,

entre os próprios formados católicos, a porcentagem dos que

receberam formação em instituições que preparam especialmente

para os estudos técnicos e ocupações comerciais e industriais, e em

geral para a vida de negócios de classe média, é muito inferior à dos

protestantes. Por sua vez, os católicos preferem o tipo de

aprendizagem oferecido pelos ginásios humanísticos. Essa é uma

circunstância à qual não se aplica a explicação acima apontada, mas

que, ao contrário, é uma das razões pelas quais tão poucos católicos

estejam interessados na empresa capitalista. (WEBER, 2003, p.20)

De acordo com Weber, a lógica da extrema racionalização capitalista

ministrada nas escolas protestantes, especificamente calvinistas, não objetivavam o

lucro em si, em outras palavras, a acumulação de capital era uma representação do

esforço e dedicação que provinham do trabalho como ação sagrada que designava

um sinal de recompensa divina, porque Deus a oportunizou com o propósito de

chegar a salvação, ou seja, o conhecimento técnico-fabril empregado nos institutos

puritanos corresponderia uma espécie de vocação religiosa.

Mais notável ainda é um fato que explica parcialmente a menor

proporção de católicos entre os trabalhadores especializados na

moderna indústria. Sabe se que as fábricas arregimentaram boa parte

de sua mão de obra especializada entre os jovens artesãos; contudo,

isso é muito mais verdadeiro para os diaristas protestantes que para

os católicos. Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece

preponderar uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, e

tornar com freqüência mestres artesãos, enquanto os protestantes

são fortemente atraídos para as fábricas, para nelas ocuparem cargos

superiores de mão de obra especializada e posições administrativas.

A explicação desses casos é, sem dúvidas que as peculiaridades

mentais e espirituais adquiridas do meio ambiente, especialmente do

tipo de educação favorecido pela atmosfera religiosa da família e do

lar, determinaram a escolha da ocupação e, por isso, da carreira.

(WEBER, 2003, p.21)

Os estudos weberianos no âmbito da sociologia da educação são pouco

difundidos, geralmente é mais comum na área da religião e na política. Weber traz

para dentro do contexto da cultura e em última análise, no contexto escolar, a

“função ideológica dos valores difundidos tanto na religião quanto nos costumes,

hábitos ou crenças enraizados por grupos sociais, associado a uma função

ideológica, à de inculcação, servindo como forma de legitimação e manutenção da

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ordem estabelecida”, como relata Souza (2009, p.86). Portanto, Weber compreende

a educação :

como dimensão de um amplo processo de racionalização e de

burocratização das sociedades modernas, por meio do qual os indivíduos

desenvolvem formas de racionalidade técnica e científica para a adequação

dos meios disponíveis às finalidades utilitárias visadas pelos agentes, ao

mesmo tempo que as estruturas administrativas burocráticas pretendem

limitar os interesses individuais para estabelecer uma dominação racional-

legal de tipo burocrático que torne possível a vida social. (PILETTI;

PRAXEDES; 2010, p.12).

Weber cria uma tipologia 9 para analisar os fenômenos educacionais,

classificando a educação em: humanística, especializada e carismática, que

corresponde aos três tipos puros de dominação legítima (tradicional, racional-legal,

carismática).

2. A ESCOLA E A REPRODUÇÃO SOCIAL: ABORDAGEM DAS TEORIAS

CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS

No final dos anos sessenta e início da década de 70, surge na França uma

vertente que se contrapõe à educação como o melhor instrumento para a

transformação da sociedade e como possibilidade de ascensão social. Colocava-se,

assim, em oposição às tendências pedagógicas liberais e conservadoras 10 .

Abordavam e enfatizavam em seus trabalhos a ênfase da educação nos aspectos de

reprodução de valores, do imaginário e das condições sociais do capitalismo no

interior dos processos educacionais. Por conta desta ênfase em seus trabalhos,

9 A educação humanística se baseia em cultivar um determinado modo de vida (pode ser de diferentes

comportamentos culturais), sendo que pode ser muito diverso, pois, constitui em um conjunto de atitudes

apoiadas em um ‘ethos’ característico do ideal de cultura. Exemplo: educação da nobreza medieval; da

aristocracia. A educação especializada corresponde à estrutura de dominação legal, ou seja, ligada ao processo

de racionalização e burocratização das sociedades contemporâneas descritos por Weber. O conhecimento

especializado ensinado nessas escolas prepara os indivíduos para o mundo moderno das grandes corporações,

como por exemplo, um administrador de empresas. A educação carismática é típica do sacerdote, de um líder

tribal, de um guerreiro etc. Ela se propõe despertar qualidades humanas consideradas estritamente pessoais, isto

é, extraordinárias que tem as condições de persuasão e convencimento em todo grupo social ou sociedade. 10 Eles estão dentro do grupo de teóricos que seguem e se aprofundam o pensamento de Marx no que se

refere à educação. Seguindo a orientação marxiana e aperfeiçoando-a, o processo educativo que se dá dentro

da escola é desigual, pois a escola é instituição sob controle da classe dominante, reprodutora de

desigualdades sociais.

18

estes autores ficaram conhecidos como “reprodutivistas”, são eles: Pierre Bourdieu,

Jean-Claude Passeron, Louis Althusser, Roger Establet e Christian Baudelot.

Em um artigo de 1966, intitulado “A escola conservadora: as desigualdades

frente à escola e à cultura” e, posteriormente em 1970 no livro “A reprodução:

Elementos para uma teoria do sistema de ensino, Pierre Bourdieu (1930-2002) em

parceria com Jean-Claude Passeron, este primeiro considerado por muitos

especialistas como o sociólogo mais notável da contemporaneidade) rompem com

as explicações fundadas em aptidões naturais e individuais e criticam o mito do

“dom”, desvendando as condições sociais e culturais que permitiriam o

desenvolvimento desse mito. Afirma, também, os mecanismos através dos quais o

sistema de ensino transforma as diferenças iniciais – resultado da transmissão

familiar da herança cultural – em desigualdades de destino escolar (BOURDIEU,

2011, p. 45). Demonstra como os estudantes provenientes de famílias desprovidas

de capital cultural apresentarão dificuldades no processo de significância no que

tange o reconhecimento e pertencimento com as obras da cultura erudita veiculadas

pela escola, enquanto para os alunos originários de meios culturalmente

privilegiados essa relação está marcada pelo tipo de linguagem que facilita o

entendimento verbal tido como “natural”. Ao avaliar o desempenho dos alunos, a

escola leva em conta, conscientemente ou não, esse modo de aquisição e uso do

saber.

Quatro conceitos são fundamentais para compreensão dos seus estudos:

habitus; campo; capital e violência simbólica. O “habitus são estruturas sociais de

nossa subjetividade que se constituem inicialmente por meio de nossas primeiras

experiências (habitus primário), e posteriormente de nossa vida adulta (habitus

secundário)” como descreve Philippe Corcuff (2001, p.51). No livro A economia das

trocas simbólicas, Bourdieu relata que construção do habitus passa pela

interiorização da exterioridade, em outras palavras

como sistema de disposições constituídas que, enquanto estruturas

estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e

unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de

um grupo de agentes. (BOURDIEU, 1992, p. 191)

19

O campo representa uma rede de relações objetivas entre posições que os

agentes estabelecem. Estas posições se definem pelas estruturas que se impõem a

seus agentes, sejam indivíduos ou instituições, a partir do potencial que cada agente

dispõem na distribuição das diferentes espécies de poder ou de capital que estão

em jogo dentro de cada campo (político, religioso, econômico, cultural, artístico etc).

O campo corresponde a exteriorização da interioridade, marcado por agentes

dotados de um mesmo habitus em que se movimentam como jogadores, cujas

posições no jogo dependerão do acúmulo de capital correspondente ao campo que

cada indivíduo ou agente adquirir.

O capital representa vários tipos como Bourdieu definiu: cultural, social,

econômico, político, simbólico entre outros. O(s) capital(s) se inter-relacionam

dialeticamente com o habitus e campo, formando uma tríade: habitus + campo =

capital.

O quarto e último conceito é amplamente discutido na obra A reprodução,

descreve que ação pedagógica (AP) se caracteriza objetivamente por exercer a

violência simbólica,

enquanto que as relações de força entre grupos ou as classes

constitutivas de uma formação social estão na base do poder

arbitrário que é a condição da instauração de uma relação de

comunicação pedagógica, isto é, da imposição e da inculcação de um

arbitrário cultural... (educação). (BOURDIEU, 2008, 27)

Outro livro importante é O poder simbólico e Bourdieu (2009, p.11-12) explica

tal título e conceito como uma forma transfigurada e legitimadora das outras formas

de poder. As leis que regem a metamorfoseação de diferentes espécies de capital

em capital simbólico e, em particular, dentro do sistema de ensino conjuntamente

com o capital cultural solidifica-se como violência simbólica, a partir da “seleção de

significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe”

(BOUEDIEU, 2008, p.29).

(...) é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos

conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de

transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais

entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras,

tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de

20

fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a

dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”.

(BOURDIEU, 2011, p. 53).

Os sistemas de ensino contribuem para a manutenção das relações de força

que geram as desigualdades fundadas tanto na propriedade do capital econômico

quanto do capital cultural. Segundo o autor, a sociologia da educação se constitui

como ciência dotada de um objeto de estudo próprio, a investigação científica “das

relações entre reprodução cultural e a reprodução social” (BOURDIEU, 1992, p.

295).

O legado que os estudos bourdieurianos deixaram, tornaram-se uma espécie

sine qua non para análise dos problemas educacionais, pois marcou que era os

estudos antes e depois da sua existência, corresponderam um avanço sem

precedente no campo da pesquisa e da ação.

Na obra “Ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado” (1983) de Louis

Althusser (1918-1990) apresenta-se a ideia que as instituições sociais como as

escolas, igrejas, trabalho, meios de comunicação, partidos políticos, assim como as

de proteção (polícia, exército...) são utilizados pelo Estado como meio de disseminar

e colaboram para manter (reproduzir) a divisão social em classes econômicas. Os

aparelhos ideológicos do Estado (AIE) são instrumentos que servem a favor do

capital pelo convencimento ou pela força (repressão), com objetivo de reprodução e

manutenção ideológica. Nesse sentido, na perspectiva althusseriana a escola

representa um dos Aparelhos Ideológicos do Estado11.

Há uma clara preocupação com a questão da ideologia em educação12. Esse

ensaio rompe com aquela perspectiva liberal da educação que desinteressadamente

envolve a transmissão de conhecimento. A transmissão de conhecimento é dirigida,

intencional e formadora de opiniões, do qual, a classe dominante transfere suas

ideias sobre o mundo, com o objetivo de reprodução da estrutura social existente. A

escola como uma das instituições reprodutoras e mantenedora da estrutura de

11

O poder da escola decorre do fato de ela lidar com todas as crianças, impondo-lhes a ideologia da classe

dominante. 12

Durante muitos séculos, lembra Althusser, a igreja foi o aparelho ideológico do Estado que assegurou uma

posição dominante no processo de transmissão dos valores culturais, mas, a partir do século XIX, com

separação entre essa instituição e o Estado, a escola passou a ocupar esse lugar.

21

classes, tem o papel de garantir o ensinamento de valores apropriados do

capitalismo.

Parafraseando Moreira e Silva (1995, p.23):

A ideologia, nessa perspectiva, está relacionada às divisões que

organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas

divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade

das ideias que veicula, mas o fato de que essas ideias são

interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos

interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na

organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos

pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição

privilegiada.

Os dois últimos teóricos críticos da educação são Roger Establet (1938--) e

Christian Baudelot (1938--) e desenvolveram conjuntamente a teoria da escola

dualista, pois, realizaram pesquisas extensas nas escolas francesas, nas quais

descobriram que existem duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos

membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe

trabalhadora 13 (GADOTTI, 1999, p.197). Nesse sentido, há duas escolas que

coexistem de forma dissimulada, pelo fato, de que aparentemente elas se alicerçam

na ideologia da classe dominante para se apresentarem como única e universal, que

ofereceriam oportunidades iguais, ou seja, há uma “naturalização” das relações

assimétricas entre classes que se afirmam na base ideológica do liberalismo

embasado na concepção que “todos são iguais”, isto é, “todos gozariam das

mesmas oportunidades”.

Segundo Establet-Baudelot (1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007, p.157), a

escola não é um local de luta para transformar a sociedade, mas somente reproduzi-

la.

13

A primeira classe teria acesso às melhores escolas; seus filhos teriam tempo e recursos para estudar;

disponibilidade e recursos para freqüentar outras atividades que complementam a formação e educação

escolar, quanto à segunda classe, não teriam acesso às melhores escolas nem a complementação dos seus

estudos, seja por conta da falta de recursos financeiros, seja por conta da incompatibilidade com a sua jornada

de trabalho, que os obrigaria a freqüentar cursos noturnos, sem possibilidade de fazerem outros cursos

paralelos.

22

(...) aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas

modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das

relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós

elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma

escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa

fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre as

práticas escolares e o trabalho produtivo.

Nas suas análises concluem que a escola é, na verdade, a instituição mais

eficiente para segregar os indivíduos, por dividir e marginalizar parte dos alunos com

o objetivo de reproduzir a sociedade de classes.

O caráter da escola como instituição que, pelo menos, deveria ser de

socialização no aspecto de promover ensinamentos, de humanização, autonomia,

liberdade, livre arbítrio, equidade, justiça social, respeito às diferenças, é ao

contrário, é mecanismo de formulação e reformulação de subjetividades apropriadas

ao capital. As teorias crítico-reprodutivistas denunciam que a função social da

escola é a de atender ao capitalismo, excluindo conteúdos críticos, formando mão-

de-obra especializada e dócil e reproduzindo a estrutura de classes. É nesse sentido

que os teóricos críticos da reprodução enxergam a educação institucionalizada como

reprodutora de desigualdades.

A pedagogia radical refuta a ideia que no ato da docência e da discência, o

conhecimento pode advir da negação da emancipação de grupos menos

favorecidos. Os educadores críticos apontam para uma ruptura da situação de

opressão que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, estimulam uma

prática educativa que reforçam uma experiência que contribui para construção de

uma nova ordem social. Ser oprimido significa não somente estar subjugado

economicamente, mas não ser respeitado em suas manifestações culturais e,

principalmente, os direitos que compõe a cidadania14. Quem sofre essa condição,

14

Os esforços da educação, relacionado diretamente com a escola de dar conta dos direitos que representam a

cidadania é um caminho árduo. De acordo com Souza (2009) observemos uma situação que era comum até o

final dos anos 80 no território brasileiro (e até hoje tem algumas localidades no país), os diretores de escola da

rede pública estadual eram escolhidos por indicação política. Tínhamos uma relação de apadrinhamento

político na gestão escolar e, gozavam de certo prestígio na comunidade pelo poder que exercia. Neste ponto

percebemos que havia uma clara contradição o que a instituição escolar pregava e o que ela fazia. Então,

poderíamos pensar em modernidade no espaço escolar se ela continuava se curvando ao tradicionalismo

político? Onde estava sua liberdade? Que tipo cidadãos que ela poderia formar se ela própria não era

democrática, pois, negava a autonomia, e participação?

23

muitas vezes, não se percebe como tal e, pior, “naturaliza” tais condições que o

exclui. Um dos objetivos, em termos de reflexão pedagógica, é de fornecer subsídios

para passagem da consciência ingênua para consciência crítica.

QUADRO 1 – Concepção Sociológica da Educação

TEORIA

SOCIOLÓGICA

POSITIVISMO CRITICO

REPRODUTIVISTA

MÉTODO

SOCIOLÓGICO

Positivo - Funcionalista

Dialética

RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO

S ← O S ↔ O

INDIVÍDUO

E

SOCIEDADE

- O meio social produz o indivíduo.

- O indivíduo é reflexo da sociedade.

- Os indivíduos são a soma da

sociedade.

- O meio social (sociedade) é reflexo do

indivíduo, ao mesmo tempo, o indivíduo é

reflexo do meio social. Constitui um

processo relacional.

CONHECIMENTO

Somente o professor detém o

conhecimento.

Se dá através da construção permanente

entre o professor e o aluno.

PROFESSOR

Somente o professor é o detentor do

conhecimento.

Ao mesmo tempo que o professor ensina,

também aprende com a aluno.

É considerado vazio, como uma tábula

Aprende simultaneamente com o

Este é um bom exemplo que mostra como as instituições estão interconectadas na

sociedade, em outras palavras, os problemas encontrados no espaço escolar correspondem, muitas

vezes, problemas advindos de outras instituições sociais, ou seja, há uma nítida relação de

interdependência entre a escola com esferas mais amplas do meio societal.

24

ALUNO

rasa. professor.

ESCOLA

A escola tem a função de imprimir

sobre as novas e futuras gerações

valores e disciplinas da sociedade assim

como ela é.

A escola é o espelho da sociedade. Ou seja,

ela tem contribuído para reprodução das

desigualdades de classes NA sociedade.

EDUCAÇÃO

É a ação exercida pelas instituições que

visam um objetivo: adaptação dos

indivíduos ao meio social. Não aceitam

reformas ou mudanças no sistema.

É definida como forma de dominação

intelectual, social e cultural de classes que

possuem um determinado patrimônio

cultural e econômico em detrimento

outras menos favorecidas.

RELACIONAMENTO

PROFESSOR-ALUNO

Predomina a autoridade do professor.

O aluno não participa, e a comunicação

entre eles é somente para chamar

atenção. A disciplina é imposta, não

tem nenhum tipo de diálogo.

O professor tem a autoridade, mas não é

autoritário. O professor pergunta, conversa

sobre a opinião do aluno, porque é

importante saber o que a turma pensa. O

aluno participa dos conteúdos propostos.

POSSÍVEIS

CONSEQUÊNCIAS PARA OS

ALUNOS

O aluno não participa da construção do

conhecimento. Fato que pode afetar

futuramente na formação, na

capacidade de discernimento. Acaba

tendo uma visão conservadora das

coisas, compreendendo a sociedade

como algo rígido e imutável.

O aluno ultrapassa a visão ingênua da vida,

discernindo os obstáculos que deverá

passar para conseguir chegar ao seu

objetivo. Adquire um olhar crítico das

coisas, entendendo que existe uma relação

desigual na sociedade. Ou seja, saberá que

não vai ser fácil para alcançar o que deseja

para seu futuro.

RELAÇÃO

PROFESSOR-ALUNO

P → A P ↔ A

Fonte: GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8° ed. São Paulo: Ática, 1999. Criada por

DISCONZI, Rafael M.

25

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira corrente sociológica a sistematizar o conhecimento foi o

positivismo. Estudar tais pressupostos é importante para a compreensão de como os

primeiros autores da sociologia construíam seus arcabouços teóricos sobre os

fenômenos sociais, particularmente, sobre os processos educacionais. É evidente

que Auguste Comte, Herbert Spencer e Émile Durkheim seguiram uma formação

intelectual e científica, em termos sociológicos, bastante tradicional e conservadora,

inclusive ideias totalmente desmitificadas pela ciência, como por exemplo a noção

evolucionista (biológica e social), ou seja, a divisão da espécie homo sapiens em

“raças” (caucasóide, negróide e mongolóide).

Outro ponto relevante sobre a concepção positivista da educação é

adequação dos indivíduos para o novo modelo societal – a sociedade industrial.

Precisaria preparar a sociedade e as futuras gerações para a competição e

concorrência típicas do trabalho no mundo moderno.

Os estudos de Marx e Weber marcam uma ruptura significativa com o

positivismo, não somente no método empregado como análise, mas a maneira como

o cientista coloca-se diante do objeto a ser pesquisado. Promovem inúmeras críticas

ao modelo de ensino instaurado no séc. XIX e início do XX (este último por Weber)

nas escolas urbanas advindas do pensamento liberal e industrial.

Um dos temas centrais que envolvia a discussão do sistema educacional na

década de sessenta e setenta era se o ensino ministrado nos colégios auxiliava e

intensificava divisão social do trabalho. Segundo as pesquisas de Marx, Weber e os

teóricos crítico-reprodutivistas, a escolarização fornece uma população dividida, isto

é, produz por um lado trabalhadores intelectuais e, por outro lado trabalhadores

manuais. Ela tem o papel fundamental de produzir indivíduos com características

adequadas para esta divisão. Então, o sistema de ensino está contribuindo para

formação de indivíduos com características de socialização adequadas a divisão

social do trabalho. A educação formal é vista oficialmente como instrumento

necessário para responder estritamente a geração de mão-de-obra necessária para

mercado.

26

O educador e educadora precisam romper com a concepção da escola como

empresa, que tem objetivo de formar o aluno e a aluna somente como valor de troca,

como meros instrumentos de lucro a serviço do capital. Em suas visões o sistema

escolar deve simplesmente reagir às necessidades futuras do mercado de trabalho.

Diferentemente do paradigma positivista-funcionalista de Durkheim onde

enxerga a educação como meio de adaptar e ajustar, levando os indivíduos ao

consenso, o movimento francês chamado de “reprodutivistas”, refuta totalmente a

perspectiva acima, porque as instituições sociais (incluída a escola) não estão

conseguindo dar conta do reconhecimento dos direitos que correspondem à

cidadania. Em outras palavras, há uma negação das condições necessárias para

construção de instituições de educação pública democráticas, como alternativa

frente à exclusão e desamparo que sofrem muitas populações. De acordo com

Bourdieu precisa-se desconstruir a visão comum que considera o sucesso ou o

fracasso escolar como efeitos das aptidões naturais, quanto às teorias do ‘capital

humano’.

É por isso que estudar as principais contribuições da sociologia se torna

relevante para compreensão de tais fenômenos que envolvem a educação. A

desnaturalização do pensamento fatalista é preciso para que haja uma

reinterpretação nas teorias educacionais, assim criando possibilidades para alcançar

uma mudança de caráter qualitativo no ensino.

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fevereiro de 2001. Disponível em http://obeco.planetaclix.pt/robertkurz.htm.

Acessado em 17 de novembro de 2011.

29

PÊSSANKAS EM PRUDENTÓPOLIS: HISTÓRIA, SIMBOLISMO E

PERMANÊNCIA DA CULTURA UCRANIANA

NikolasCorrent

Curso de Ciências Sociais - FG

Orientadora:Profª. Ms. CerizeNascimentoGomes

RESUMO: A presente pesquisa promove o estudo e a reflexão sobre a prática cultural ucraniana de colorir ovos, conhecidos como pêssankas, e tem como objeto de pesquisa,o trabalho realizado no município de Prudentópolis (PR), pelos descendentes de imigrantes da Ucrânia, que através de sua arte fazem com que essa tradição ganhe estatuto de permanência. O trabalho realizado em torno desse costume é acompanhado por pesquisa etnofotográfica e procura descrever a simbologia das cores e dos desenhos utilizados, com enfoque antropológico e social.

Palavras-chave:Pêssankas.Costumes.Símbolos.Festa da Primavera.

Prudentópolis.

INTRODUÇÃO

“Esse seu traço infinito não morrerá, porque a verdade vive eternamente..."

(Verso anônimo de um poema popular da Ucrânia sobre a pêssanka).

O desenvolvimento da presente pesquisa tempor objetivo o estudo sobreum

costume que para muitos é desconhecido, a arte ucraniana de colorir ovos,

conhecidos como pêssankas. As pêssankas são consideradas íconesda cultura

ucraniana, e suas pinturas expressam símbolos e rituais específicos.

Os imigrantes ucranianos radicados no Brasilpreservaram essa prática

ancestral do povo ucraniano. Em Prudentópolis, cidade localizada no Centro-Sul do

Paraná, essa prática é considerada tradicional. Nota-se que além desse, outros

costumes continuam sendo cuidadosamente mantidos pelas pessoas mais velhas,

mesmo que com algumas modificações, devido ao processo de aculturação que os

imigrantes sofreram com a chegada ao Brasil. Entre as outras práticas está a dos

bordados com temas tipicamente ucranianos.

30

Entende-se, porém que nenhum dosmodos de preservar a tradição por meio

do artesanato é tão singular e significativo quanto o interesse despertado nas

pessoas pela arte da pintura feita em ovos de aves comuns da região, mas que a

partir do trabalho feito pelas artesãs são dotados de incrível magia, pois de uma

forma simples e rude, transformam-se em objetos artísticos extremamente delicados.

Muitos desconhecem essa prática, e poucos sabem o que realmente ela

significa.Nesta pesquisa procura-se esclarecer a simbologia desse costume

evidenciando-se assim sua expressão antropológica e social.

1. HISTÓRIA E PERMANÊNCIA

“Tenho a pêssanka em minhas mãos, sobre ela está escrito que eu seja como

flor, como o sol primaveril...” (Verso anônimo de um poema popular da Ucrânia).

Eduardo Sganzerla reconstrói a história das pêssankas no livro "Pêssanka - A

arte ucraniana de decorar ovos no Brasil”, no qual conta a história dessa tradição

milenar trazida pelos imigrantes vindos da Ucrânia, no final do século XIX. O autor

investiga a origem dessa prática, os principais significados de sua simbologia e o

elaborado e refinado trabalho do artesanato paranaense. Sua obra, lançada em

2007, tornou-se rapidamente um clássico, com duas edições simultâneas, em

português e inglês, e por ser o primeiro livro que retrata a Pêssanka criada em

comunidades ucranianas existentes fora de seu país de origem. Segundo o autor:

As famílias de imigrantes ucranianos e descendentes, no Paraná, praticando e aperfeiçoando a arte, por mais de um século, em especial na Páscoa, ajudaram de maneira decisiva a preservar esta magnífica tradição cultural e possibilitar o renascimento da pêssanka na própria Ucrânia.(SGANZERLA, 2007)

Sganzerla viajou à Ucrânia para concluir o livro. Ele visitou as regiões deKiev,

Lviv e o coração da terra das pêssankas, Kolomyia, província de Ivano-Frankivsk,

naUcrânia Ocidental. Segundo ele, foi apenas nessa região dos montes Cárpatos

que a pêssanka sobreviveu aos 70 anos do regime comunista soviético. Foi dessa

região que o costume voltou a ser difundido por todo o país:

Hoje, a pêssanka é um símbolo da reconstrução da Ucrânia. Esta arte confinada aos porões, por muitas décadas, renasce nas aldeias, escolas, clubes e cidades de todo o país, independente desde 1991,

31

com todo o seu brilho histórico, magia e mistérios.(SGANZERLA, 2007)

Historicamente, sabe-se que antes do cristianismo, o oferecimento de ovos

decorados estava relacionado às festas pagãs em comemoração à chegada da

primavera, na qual os ucranianos veneravam a chegada do sol, o Dajbóh, que trazia

o verde novamente às terras negras cobertas de neve no rigoroso inverno da

Ucrânia. Sobre essa crença, Kotvisky explica que:

Assim como outros povos antigos veneravam o Sol, como Apolo e seu carro puxado por leões, os ucranianos reconheciam, no mesmo astro, o ente Dajbóh, e a ele ofereciam homenagens, pois traria luz e calor para a terra. (KOTVISKY, 2004)

Durante os festejos da festa da primavera, era acesa uma grande fogueira no

meio da aldeia, com ofertas de presentes ao Dajbóh, entre eles, estavam as

pêssankas. Também como forma de agradecimento e pedido pelas colheitas, as

pêssankas eram enterrados no campo. A pesquisadora Analu Steffen descreve que

nesse tempo anterior ao cristianismo, os povos ucranianos tinham suas crenças

voltadas para tudo àquilo que se via e sentia e tudo era ligado à natureza,

considerada a fonte de energia e de vida (2004, p.20).

Segundo a pesquisadora, é uma tradição remota entre a comunidade

ucraniana presentear os amigos com as pêssankas, principalmente durante a

Páscoa, mas tambémse presenteiaem outras ocasiões, como nascimentos,

casamentos, aniversários etc., como forma de desejar vida nova, energias positivase

prosperidade.Os jovens presenteiam-se durante a páscoa, oferecendo as pêssankas

mais belas para aquele que mais se ama. Para a autora, as pêssankas eram

oferecidas como presentes desde tempos muito antigos:

É comum, entre os descendentes de ucranianos, oferecer pêssankas como presentes, estabelecendo uma relação simbólica entre quem dá e quem recebe. Tal costume possui registros desde tempos remotos. Segundo Eliade (2002b: 251), na era pré-cristã, em quase toda a Europa, a população comemorava a chegada da primavera, que trazia novamente o verde e a vida para a região. (STEFFEN, 2004,p.19)

É comum também durante a Páscoa, colocar pêssankas na cesta que será

benta na tradicional benção de alimentos ucraniana, cujo ritual é realizado durante o

32

sábado de aleluia. A pêssanka é colocada juntamente com os alimentos, que após a

benção devem ser consumidos no Domingo de Páscoa, provando assim, que a

cultura ucraniana é rica em símbolos cristãos. Relacionado a isso, o escritor

ucraniano Vassílio Burko, em seu livro História de Vassílio nos descreve que:

Nós estávamos na época de Páscoa, tempo de maior importância para os cristãos. Época em que nós, descendentes de ucranianos, temos o costume de, no sábado que antecede a ressurreição, benzer alguns alimentos, que são a “Paska”, um pão decorado, “”kubaça”, lingüiça, “krin”, uma raiz extremamente forte, conhecida na Ucrânia por rábano-de-cavalo, requeijão, manteiga, leitão assado, “Pêssankas”, ovos cozidos, sal etc. A parte religiosa é toda cheia de simbologia. (BURKO, 2010, p. 35)

Foi apenas em 988, através do Príncipe Volodymir, que a Ucrânia adotou o

cristianismo como religião oficial. Mesmo com tal mudança o povo não abandonou

seus antigos costumes. Para evitar conflitos religiosos e culturais o clero fez com

que esse costume fosse ligado ao cristianismo, relacionando diretamente as

pêssankas com a Páscoa. Sobre isso, Vilson José Kotviski explica que a antiga e

tradicional Festa da Primavera tornou-se a Páscoa Cristã, na qual os ucranianos

continuam com as mesmas crenças e costumes, mas com outro sentido festivo.

As pêssankas eram tingidas com a clara e a gema cruas dentro do ovo,

simbolizando a vida e tornando-seum amuleto, capaz de proteger as pessoas e as

casas contra doenças e tempestades.Acreditava-se que, se a pêssanka estourasse,

havia trazido para si más energias, protegendo seu dono. As cascas deveriam ser

queimadas ou enterradas, não podendo, de modo algum, serem jogadas fora.Na

Ucrânia, havia o costume de colocar uma pêssanka junto aos falecidos.

Sobre a permanência dessa prática, a autora, no artigo Arte étnica em

circulação: Aprendizado, produção e consumo das pêssankas, publicado pela

Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP), escreve também que ela não

deve ficar restrita à simbologia tradicional, mas que pode elaborar novos temas além

daqueles prescritos pela tradição:

Por vezes o “engessamento” que sofre uma manifestação cultural ao ser considerada “tradicional/oficial”, ou seja, ao perder sua capacidade de variabilidade e mobilidade, acabam por transformá-la em algo distante e artificial. A força das pêssankas, por exemplo, não está concentrada nos documentos, quadros de símbolos ou relatos estudados que contam sobre sua técnica e simbologia tradicionais, supostamente trazidos da Ucrânia. Sua força está, sim, é em sua produção nas comunidades de descendentes de ucranianos, que acreditam na magia inerente a esse objeto, que o

33

mantém vivo a cada ano que passa, fruindo-o e deglutindo-o completamente. (STEFFEN, 2008, p.911)

Para Sganzerla, a comunidade ucraniana do Brasil,é uma das que mais

cultiva e preserva seus costumes e sua a rica cultura de origem, fora da Ucrânia.

Uma das mais antigas e vigorosas tradições deste povo, a arte de colorir ovos, a

pêssanka, que representa, para quem a recebe, vida nova, renascimento, entre

muitos significados, foi fielmente seguida pelos imigrantes e seus descendentes, no

Brasil, há mais de um século. (SGANZERLA, 2007)

Os ucranianos imigrados para o Brasil, trouxeram da sua terra-natal costumes

e rituais, e fizeram com que eles se vinculassem e fossem mantidos aqui no Brasil.

Sobre isso, a historiadora OksanaBoruszenko ressalta que:

Vindos para o Brasil, os imigrantes ucranianos trouxeram consigo muitas dessas tradições. Conforme permitiam ascircunstâncias e o novo modo de vida, os imigrantes, assistidos por suas igrejas e associações, preservaram essas tradições, dando um novo colorido à terra que os acolheu e lhes serviu de nova pátria. (BORUSZENKO, 1995, p.33)

2. CONTEXTO REGIONAL

Prudentópolis é uma das cidades do Paraná que se destaca na arte

ucraniana, principalmente na confecção de pêssankas. A cidade é conhecida

mundialmente devido à grande imigração de famílias vindas da Ucrânia, no total

70% da população são descendentes de ucranianos (ucraínos), os quais trouxeram

consigo tradições e costumes ricos em espiritualidade e fé. A influência da cultura

ucraniana é tão grande que está presente no dia-dia da população, assim como em

toda a cidade, fazendo com que ela se preserve cada vez mais. Sobre isso, Mônica

Canejo, em matéria para a revista Horizonte Geográfico nos fala que:

A influência ucraniana está presente por todos os lados: nos nomes das ruas, no rosto das pessoas, na presença católica e no grande número de edificações – em geral igrejas – de estilo arquitetônico do leste europeu. No cotidiano se percebe a preservação cultural. (CANEJO, 2002, p. 61)

Existem no município mais de vinte artesãos de pêssankas, divididos entre a

área urbana e rural. É destaque na cidade, a Apruarte Artesanato - (Associação

Prudentopolitana de Artesanato),uma loja comercial que reúne todos os produtos

34

feitos por pequenos artesãos, tais como irmãs, catequistas e artesãos próprios,

disponibilizando-os para a venda. Na zona rural (colônias do interior) existem

artesãos independentes. É cada vez maior o número de pessoas que estão

buscando aprender essa arte.

Em média, cada artesão produz quarenta pêssankas por mês, totalizando um

total de produção de oitocentas pêssankas por mês. As pêssankas são geralmente

feitas por encomendas, sendo a Páscoa o momento no qual a confecção e a

comercialização atingem o ponto mais elevado.

Os artesãos entregam o seu trabalho final para várias lojas da cidade, entre

elas estão a Machula Artesanatos e a Apruarte, mas muitos trabalham e vendem as

suas pêssankas em casa. São esses profissionais que abastecem o mercado de

artesanato ucraniano. A produção feita em Prudentópolis é comercializada em

nívelestadual, nacional, e conquista também mercado internacional.

Nota-se que o poder público local não tem nenhum projeto específico para o

artesanato de pêssankas, além disso, os artesãos observam queos preços pagos

pelos comerciantes não compensa o trabalho que exige detalhes minuciosos e

símbolos surpreendentes. Até o fim da década de 1990 aPrefeitura Municipal de

Prudentópolisoferecia cursos para quem tivesseinteresse em aprender as técnicas

de pintura, mas atualmente não são realizados projetos e programas nessa área.

Mesmo assim, omunicípio já é uma referência na produção de Pêssankas e diversos

pesquisadores e jornalistas realizaram matérias, fotografias e livros sobre o assunto.

Na cidade, Vera Lucia Daciuk, é a principal artesã de pêssankas, sendo

considerada uma referência na arte ucraniana de decorar ovos. Ela é neta de

imigrantes ucranianos e já produz as pêssankas à aproximadamente dezoito anos.

“Conheci essa arte quando estava passando em frente de uma papelaria, onde tinha

várias pêssankas expostas, senti muita vontade de aprender. Mais tarde surgiu a

oportunidade de fazer um curso relacionadoa essa arte, eu fiz e não parei mais”,

conta Vera.

Segundo Vera Lucia Daciuk, a palavra pêssanka deriva do verbo “pessaty”

que significa escrever. A arte daspêssankasconsiste não só em escrever, mas

também em pintar e colorir ovos, com a finalidade de passar uma mensagem,

expressar algo através dos desenhos, símbolos e cores.Esta arte simbolizava o

renascimento da Terra na primavera, agora com a ascensão do cristianismo, passou

35

a simbolizar a Páscoa e a Ressurreição de Cristo, consequentemente a promessa

de um mundo novo, melhor e mais feliz.

A criação das pêssankas é muito antiga. Foi somente em 1992 que

arqueólogos nas ruínas da igreja de Krylos (Ucrânia Ocidental), encontraram uma

pêssanka de cerâmica (argila) datada de 1300 a. C., o que leva a crer que as mais

antigas pêssankas podem ter sido criadas pelo povo ancestral da cultura Trypillia,

que vivia numaampla área do território ucraniano, desde 3000 anos a.C.Em tempos

remotos utilizavam-seferramentas rústicas para se criar uma pêssanka e os

símbolos eram desenhos simples ou hieróglifos. A jornalista Clarise Couto, em

matéria para a revista Globo Rural descreve:

As pêssankas, hoje vinculadas à comemoração da Páscoa cristã por ucranianos e poloneses, datam, entretanto, da era pré-cristã. No folheto da Paróquia São Josafat, explica-se que o costume de pintá--las já existia antes do nascimento de Cristo, associado ao começo da primavera e à ideia de renascimento da vida da natureza. Era comum também relacionar os ovos à vida e à morte e levá-los pintados para o cemitério. Com a adaptação das crenças ao cristianismo, as pêssankas passaram a simbolizar a ressureição de Cristo. "A base da fé é a ressurreição, e o ovo é o símbolo da vida nova", explica o padre Krefer. O pároco conta que, na cidade, muitos já não conhecem as técnicas de pintura dos ovos. Por isso, optam por comprar exemplares artesanais para presentear amigos e parentes. (COUTO, 2010, p. 97-98)

Com o passar dos anos, as ferramentas se aperfeiçoaram, podendo assim,

criar uma pêssanka com maior perfeição e detalhes em seus desenhos. Sobre a

tradição mantida pelos ucranianos no município de Prudentópolis, a jornalista

observa ainda que:

É dessa maneira incomum que os moradores da cidade, de 50,6 mil habitantes, vêm vivenciando a data cristã, há mais de 100 anos. Na cidade, em torno de 70% da população descende de imigrantes ucranianos (ou ucraínos, como eles preferem dizer), que chegaram ao local no final do século XIX. Ao longo das décadas, a Igreja Católica local desempenhou papel fundamental na valorização e preservação das tradições. Ainda hoje, a maior parte das missas é celebrada em ucraniano e a alimentação, os rituais e os símbolos típicos poucas alterações sofreram. (COUTO,2010, p. 96)

Vera explicaque fazer pêssankas é uma arte que exige capricho e dedicação.

Ela relata que os artesãos sabem que um trabalho bonito vende mais fácil e divulga

melhor o artesanato ucraniano feito no município.

36

Figura 1 - Usando um instrumento chamado bico de pena, Vera realça desenhos da

pêssanka; para pintar um ovo de avestruz (foto), ela leva até três dias. Foto: Leandro

Taques.Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1709672-

1488,00.html. Arquivo acessado em 27 de maio de 2012.

Para a produção das pêssankas, têm-se como materiais principais: ovos

brancos, tintas (anilina), cera de abelha, pena e vela. A produção dasPêssankas

passa por três etapas: esvaziamento do ovo, o desenho e a pintura. Primeiro pinta-

se a pêssanka com a anilina amarela, depois a laranja, a vermelha, a verde, a azul e

para finalizar a anilina preta. “A duração da confecção de uma pêssanka depende de

diversos fatores: símbolos, cores e tamanho do ovo. Eu faço pêssankas com ovo de

avestruz, ema, ganso, garnizé, galinha e codorna. A menor pêssanka que eu já fiz,

foi em ovo de pomba rola,era um ovo minúsculo no qual consegui fazer vários

símbolos”, conta Vera.

Em Prudentópolis, próximo à data da Páscoa, vários cursos são ministrados

por artesãos da cidade. Nesses cursos, pessoas de todas as idades participam,

principalmente crianças e jovens. A arte de confeccionar pêssankas também é

passada de geração para geração, os maisvelhos passam para os mais novos,os

pais ensinam os filhos e assim por diante. É a arte ucraniana sendo aprendida

dentro de casa.“Já ensinei várias pessoas a fazer pêssankas, inclusive estou

ensinando minha filha, minha sobrinha e minha irmã, que já estão produzindo

algumas. Elas aprenderam essa arte comigo”, relata Vera.

37

3. SÍMBOLOS E SIGNIFICADOS

Por detrás de uma pêssanka, há grandes simbologias e significados. Cada

cor e cada desenho têm seu significado e sua simbologia. Steffen argumenta que

“as cores utilizadas também possuem um simbolismo próprio, sendo escolhidas

conforme a mensagem a ser comunicada pelo autor” (p.19).

Os símbolos utilizados na confecção das pêssankas são de procedência

antiga, e com o tempo sofreram transformações e adaptações. Referente a isso,

Merosla Krevey, responsável pelo Museu do Milênio em Prudentópolis, em

entrevista para o livro Pêssanka: A arte ucraniana de decorar ovos, de Eduardo

Sganzerla, nos fala que os símbolos têm uma linguagem misteriosa e que a

simbologia usada nas pêssankas, mistura o divino e o popular, formando os traços

essenciais de uma cultura (p. 47).

A simbologia usada na composição de uma pêssanka é grande e repleta de

significados. Normalmente coloca-se numa pêssanka símbolos que traduzem

desejos e sonhos. Em função disso, Sganzerla nos diz que:

A simbologia da pêssanka é ampla e tem muitos caminhos cruzados, traduzindo várias épocas da rica trajetória do povo que a criou. Os significados de seus infinitos motivos, em múltiplas formas, no entanto, partem de um único ponto, a realidade imediata do círculo da vida. Dali, então, transformam-se em representações de esperança, fé, amor e paz. (SGANZERLA, 2007, p. 54)

A cor preta representa a fidelidade absoluta, eternidade ou nascimento. A cor

branca representa a pureza, a inocência e o nascimento. A cor amarela representa a

juventude, a felicidade, a sabedoria, o amor e a pureza. A cor laranja representa a

resistência, a força e é símbolo do sol, estando entre o vermelho significa paixão e

entre o amarelo representa sabedoria. A cor verde representa a renovação da

primavera, fertilidade, saúde e esperança. A cor vermelha é uma cor positiva,

representa a ação, a paixão e o desenvolvimento espiritual. A cor marrom é

considerada o símbolo da mãe terra, e é relacionada com a colheita, pois é a cor do

outono. A cor azul representa o céu, o ar, a vida, a verdade, a fidelidade e a

confiança. A cor roxa representa a fé, a paciência e a confiança (SGANZERLA,

2007, p. 59). Todas as cores e símbolos juntos representam a união de todos os

38

povos, união essa que está presente no cotidiano dos descendentes, que mesmo

longe de seu país de origem, lutaram para que sua cultura se conservasse.

Sobre essa diversidade de símbolos e cores, a pesquisadora Analu Steffen

escreve que:

Existem diversos tipos de pêssankas sendo produzidos e consumidos. A palavra pêssanka deriva do verbo ucraniano pessaty, que significa escrever. Podemos dizer, então, que as pêssankas são “ovos escritos” ou “poemas imagéticos”. Cada traço, figura e cor das pêssankastêm um significado especial, sendo que alguns são presentes em toda a Ucrânia, outros são característicos de determinadas regiões. (STEFFEN, 2004, p.17)

Figura 2 – Figuras de cavalos, carneiros e renas simbolizam riqueza, saúde e prosperidade.

Os chifres sugerem força e liderança. As escadas significam pesquisa, procura e ascensão

na vida. Foto: NikolasCorrent

39

Figura 3 – Figuras de flores simbolizam o amor, caridade, boa vontade e felicidade.

Foto: NikolasCorrent

Figura 4 – Figura de peixes simbolizam o cristianismo.

Foto: NikolasCorrent

40

Figura 5 – Figura de triângulos simbolizam a Santíssima Trindade. Crivos/cestas são os

símbolos que dividem o bem do mal. Foto: NikolasCorrent

Figura 6 –A cruz e a igreja simbolizam a imortalidade e a vitória de cristo sobre a morte. O

sol simboliza crescimento, longa vida, fortuna e prosperidade.

Foto: NikolasCorrent

41

Figura 7 – A borboleta é o símbolo da ressurreição.

Foto: NikolasCorrent

Figura 8 – Figuras de estrelas e rosáceas simbolizam beleza, sabedoria e o amor de Deus

para com o homem. Foto: NikolasCorrent

42

Figura 9 - Pinheiros, árvores, ramos e folhas representam a juventude eterna.

Foto: NikolasCorrent

Figura 10 – Espigas de trigo simbolizam boa colheita.

Foto: NikolasCorrent

43

Figura 11 – Os pássaros, galos ou aves em geral simbolizam fertilidade, masculinidade e a

chegada de boas noticias. Foto: NikolasCorrent

Figura 12 – Chamada de “bezkonétchnyk” (infinita), simboliza a eternidade e as emoções.

Foto: NikolasCorrent

44

4. GALERIA DE IMAGENS

Figura 12 – Pêssankas produzidas pela artesã Vera L. Daciuk.

Foto: NikolasCorrent

Figura 13 – Com o uso da seringa, Vera injeta ar no interior da pêssanka, para queseja

retirada a parte interna do ovo (clara e gema).

Foto: NikolasCorrent

45

Figura 14 - Começando a rabiscar os símbolos no ovo de galinha branco.

Foto: NikolasCorrent

Figura 15 - Queima da cera de abelha para marcação definitiva dos desenhos na pêssanka.

A cera atua como um impermeabilizante para que as cores não se misturem

. Foto: NikolasCorrent

46

Figura 16 –Com o auxilio do “bico de pena”, vera contorna com cera de abelha os desenhos

que anteriormente foram feitos a lápis. Foto: NikolasCorrent

Figura 17 – Pintura da pêssanka feita através de uma tinta chamada anilina.

Foto: NikolasCorrent

47

Figura 18– Secagem da pêssanka após a pintura. “Um momento mágico”, conta Vera.

Foto: NikolasCorrent

Figura 19 – A artesã finalizando os detalhes. Foto: NikolasCorrent

48

Figura 20 – A artesã prudentopolitana Vera Lucia Daciuk durante uma exposição de suas

pêssankas. Foto: NikolasCorrent

Figura 21 – Pêssankas prontas para a comercialização.

Foto: NikolasCorrent

49

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se com essa pesquisa, que os ucranianos de Prudentópolis estão

preservando um costume milenar, assegurando através do seu trabalho que as

pessânkas conquistem estatuto de permanência entre a tradição de povos

ucranianos radicados fora do Brasil.

Os artesãos de Prudentópolisproduzem pêssankas com extrema habilidade e

criatividade, com comercialização no mercado regional, nacional e internacional. A

natureza antropológica do seu trabalho transformou o município em referência

estadual na produção de ovos coloridos com temas ucranianos.

Simbolicamente esse tipo de artesanato é de uma riqueza e diversidade

incomparáveis que possui mensagens belíssimas, que nascem da persistência dos

artesãos, em fazer com que esse costume tipicamente ucraniano perdure em terras

brasileiras.

REFERÊNCIAS

BORUSZENKO, Oksana. Os Ucranianos: boletim informativo da casa Romário

Martins. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1995.

BURKO, Vassílio. História de Vassílio. Curitiba: Imprensa Oficial, 2010.

CANEJO, Mônica. Prudentópolis a cidade das cachoeiras gigantes. Revista

Horizonte Geográfico. Ano 15, n. 79, fevereiro 2012.

COUTO, Clarice. Páscoa ucraína no Brasil. Revista Globo Rural. N. 294, abril 2010.

SGANZERLA, Eduardo.Pêssanka: A arte ucraniana de decorar ovos. Curitiba:

Esplendor, 2007.

SITOGRAFIA

STEFFEN, Analu.Pêssankas: ovos escritos, poemas imagéticos. IPHAN, CNFCP.

Rio de Janeiro: 2004. Disponível em:

htttp://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/catPessaSAP144.pdf.Acesso em 19 de

maio de 2012.

50

STEFFEN, Analu. Arte étnica em circulação: Aprendizado, produção e consumo

das pêssankas.Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP). Disponível em:

http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/084.pdf. Acesso em 29 de maio de 2012.

KOTOVISKI, Vilson José. Pêssankas – artesanato ucraniano. Disponível em:

http://www.pessanka.com.br/pessanka.html. Acesso em 11 de maio de 2012.

KOTOVISKI, Vilson José; SLIWINSKI, Oksana. Pêssankas. Disponível em:

http://www.girafamania.com.br/europeu/materia_ucrania.htm. Acesso em 19 de maio

de 2012.

VOLOCHTCHUK, Jeroslau; ROMERO, Waldomiro. Significados das Pessânkas.

Disponível em: http://pessankas.netsaber.com.br/index. php?c=120. Acesso em 12

de maio de 2012.

OUTRASFONTES

DACIUK, Vera Lucia. Entrevistas concedidas dias 19 e 28 de maio de 2012.

51

DESCOMPASSO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO DE SUJEITOS

SURDOS NO AMBIENTE ESCOLAR E SOCIAL

ANDREA ORTIZ

Co-autora: Profª Ms.Cerize Nascimento Gomes

Ciências Sociais - FG

RESUMO: Promover o debate sobre as políticas públicas para a inclusão de

sujeitos surdos e sua aplicabilidade no espaço escolar é o objetivo central do

presente artigo que procura demonstrar a distância ou o descompasso existente

entre as determinações feitas pela legislação brasileira e o cotidiano escolar.

Debatem-se nesse artigo os pressupostos da lei nº 10.436 de 24 de abril de

2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o

artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, colocando em questão

as preconizações legais e a dificuldade de implementação desses direitos nas

escolas da rede pública e particular de ensino.

Palavras-chave: Educação. Surdos. Inclusão. Políticas Públicas. Legislação.

INTRODUÇÃO

A pesquisa proposta surgiu da necessidade de ampliação dos debates sobre o

descompasso entre as políticas públicas e o cotidiano escolar no que diz respeito a

inclusão de sujeitos surdos na vida escolar e social. Promove-se nesse projeto o

debate sobre as leis que efetivaram a obrigatoriedade do ensino de Língua Brasileira

de Sinais (LIBRAS) nas escolas de ensino infantil, fundamental, médio e superior,

bem como as políticas de inclusão social de pessoas surdas. Procura-se definir

52

alguns conceitos relacionados às comunidades surdas e debater a distância entre as

determinações legais e a prática verificada no processo de ensino-aprendizagem.

O objetivo geral da pesquisa implica em estudar as relações existentes entre

a previsão legal para o atendimento e inclusão de estudantes surdos e a realidade

escolar desses sujeitos sociais. Os objetivos específicos estão relacionados a

identificar na legislação referente ao tema os pressupostos sobre o ensino e a

inclusão de pessoas surdas; promover leituras, reflexões e produção de texto sobre

o processo de inclusão de sujeitos surdos; analisar a capacitação dos professores

para a inclusão desses portadores de necessidades especiais; apresentar os

resultados da pesquisa em eventos científicos que façam abordagem sobre essa

temática.

Para o desenvolvimento e aprofundamento da pesquisa foram utilizadas além

das leis específicas sobre educação inclusiva e da legislação para portadores de

necessidades especiais auditivas, referências teóricas de autoras como Adriana

Laplane, Angela Monroy, Harlan Lane, Gladis Perlin e Karin Strobel,

pesquisadoras da inclusão de pessoas com necessidades especiais auditivas.

Foram utilizadas também como fontes legislação especifica sobre LIBRAS,

reconhecendo-a como meio legal de comunicação e expressão.

1.LIBRAS NA LEGISLAÇÃO

Debatem-se nesse artigo algumas legislações específicas tais como a lei nº

10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro

de 2005, bem como o artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Deve-

se considerar que o decreto aprovado em 2005 preconiza que em um período de 10

anos, ou seja, em 2015 todos os pressupostos legais para implementar o ensino de

LIBRAS no Brasil devem ter sido efetivados.

O estudo feito tem por objetivo contemplar a realidade do cotidiano escolar

dos estudantes surdos no Brasil, a partir da promoção de um debate teórico sobre

as condições de inclusão escolar e social dos sujeitos surdos. Para efeitos

53

legais considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e

interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura

principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. (Decreto nº 5.626 de

22 de dezembro de 2005).

Quanto ao ensino de LIBRAS, o decreto determina que:

Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular

obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do

conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.

§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos

demais cursos de educação superior e na educação profissional, a

partir de um ano da publicação deste Decreto. (Decreto nº 5.626 de

22 de dezembro de 2005).

Sobre o acesso das pessoas surdas à educação, a legislação preconiza ainda

que:

Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir,

obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à

informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e

nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas

e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.

(Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005).

Sobre a formação de professores e os recursos previstos, o decreto assegura

que as instituições federais de ensino devem promover cursos de formação de

professores para o ensino e uso da Libras; a tradução e interpretação de Libras -

Língua Portuguesa; e o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para

pessoas surdas. Prevê também que todas as escolas da rede pública e particular de

ensino devem ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da

Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos.

54

Para tanto as escolas devem ter professor de Libras ou instrutor de Libras;

tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa; professor para o ensino de

Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas e professor regente

de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos

alunos surdos, para garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais

de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas

de recursos, em turno contrário ao da escolarização;

Quantos aos recursos necessários, a legislação entende que devem existir

políticas de apoio na comunidade escolar para o uso e a difusão de Libras entre

professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio

da oferta de cursos. Preconiza que as escolas devem adotar mecanismos de

avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas

escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade

lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa. Os

estabelecimentos de ensino precisam também desenvolver e adotar mecanismos

alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que

devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos.

Devem ainda disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de

informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de

alunos surdos ou com deficiência auditiva

Mesmo com todas essas garantias legais percebe-se porém a dificuldade de

implementação desses pressupostos. Na Faculdade Guarapuava, por exemplo, não

existe nenhum sujeito surdo matriculado em nenhum dos seus cursos de graduação.

Até mesmo para a realização do vestibular tais candidatos encontram dificuldades e

precisam de acompanhamento de profissionais especializados. Percebe-se que o

número de pessoas com formação especifica ainda é insuficiente para atender a

demanda existente e que os recursos necessários também são escassos.

Justifica-se a necessidade de pesquisas do gênero, uma vez que muitos

docentes demonstram dificuldades de comunicabilidade e interação com estudantes

surdos no ambiente escolar, não conseguindo atingir um de seus principais

objetivos, que é o de transmissão de conhecimentos. Para tanto se pesquisaram as

dificuldades e os problemas que o aluno surdo e os profissionais educadores

55

enfrentam em relação à transmissão de conhecimentos. Procurou-se ainda

identificar formas adequadas de trabalhar com pessoas surdas inseridas no contexto

escolar, para que seja facilitada a sua inclusão escolar e na sociedade em geral.

1. O ENSINO DE LIBRAS

As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas

que usam sinais formados a partir da combinação da forma e do movimento das

mãos (alfabeto manual).

Para Gladis Perlin e Karin Strobel ao contrário do que muitos imaginam, as

Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos

surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais

próprias. Segundo elas:

Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis lingüísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados sinais nas línguas de sinais.O que diferencia as Línguas de Sinais das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender uma outra língua, como o Francês, Inglês etc. Os seus usuários podem discutir filosofia ou política e até mesmo produzir poemas e peças teatrais.(PERLIN E STROBEL, 2009, p.2)

A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) tem sua origem na Língua de Sinais

Francesa, mas foi adaptada ao contexto e à cultura nacional. Existem vários

modelos de alfabeto manual no Brasil, com algumas variações entre os estados da

federação. Veja-se na Figura 1, um modelo do alfabeto manual brasileiro:

56

Figura 1.

Alfabeto manual: Disponível em:

http://blog.educacaoadventista.org.br/professoraelly/index.php?op=post&idcategoria=23. Acessado

em 10 de agosto de 2010.

Gladis Perlin, pesquisadora surda explica que um breve olhar através da

história de educação de surdos possibilita compreender “ atitudes atuais dos

profissionais da saúde e da educação, causadores de estereótipos que permeiam as

diferentes representações na educação de surdos”. (PERLIN,2010, p.8). Segundo

ela, as pesquisas se limitam aos registros nos quais os sujeitos surdos eram vistos

como seres ‘deficientes’”.

A pesquisa sobre o processo histórico de inclusão dos sujeitos surdos

demonstra que socialmente e intelectualmente os mesmos eram considerados

inferiores, e que na maioria das vezes passavam a vida em asilos ou até mesmo em

casas para doentes mentais. Perlin e Strobel em Fundamentos da educação de

surdos, explicam que a partir de 1880, quando foi comprovado a partir de pesquisas

57

e experimentos, que as pessoas surdas tinham a capacidade de aprender surgiram

pesquisas e experimentos das diferentes metodologias e formas adaptadas de

ensino. Sobre essas mudanças elas escrevem:

A proibição da língua de sinais por mais de 100 anos sempre esteve viva nas mentes dos povos surdos até hoje, no entanto, agora o desafio para o povo surdo é construir uma nova história cultural, com o reconhecimento e o respeito das diferenças, valorização de sua língua, a emancipação dos sujeitos surdos de todas as formas de opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento espontâneo de identidade cultural! (PERLIN E STROBEL, 2009, p.2)

2. DESCOMPASSO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E REALIDADE ESCOLAR

No Brasil, algumas situações e políticas públicas foram imprescindíveis para o

estabelecimento do debate em torno do processo de inclusão de pessoas com

necessidades especiais auditivas. Atualmente a lei brasileira presume que toda a

criança tem direito a educação independentemente da cor, raça, etnia e condição.

O movimento da educação inclusiva, que surgiu apoiado pela declaração de

Salamanca (1994), defende o compromisso da escola em assumir o papel de

educar cada estudante visando à pedagogia da diversidade, segundo a qual todos

os alunos devem estar dentro do ensino regular, independente de sua origem social,

étnica ou lingüística. Esta declaração foi o marco inaugural dos debates políticos

referentes aos procedimentos inclusivos. Sobre esse documento, Perlin e Strobel

relatam que:

No ano de 1994, os representantes de mais de oitenta países se

reúnem na Espanha e assinam a Declaração de Salamanca, um dos

mais importantes documentos de compromisso de garantia de direitos

educacionais.Este documento declara as escolas regulares inclusivas

como o meio mais eficaz de combate à discriminação e ordena que

as escolas devam acolher todas as crianças, independentemente de

suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou

lingüísticas. (PERLIN e STROBEL,2009, p.54)

Tendo por base esses documentos e essas ocorrências a constituição

Federal do Brasil de 1998 em seu artigo 208 definiu o atendimento aos portadores

58

de necessidades especiais na rede regular de ensino. Em seu artigo 206 trata da

igualdade de condições para a permanência na escola: a educação como direito de

todos e como dever do estado e da família.

Considerando-se que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, prevê que a

educação seja integrada, incluindo os alunos com necessidades especiais no ensino

regular (BRASIL, 1996), percebe-se a influência da Declaração de Salamanca sobre

algumas questões relativas à inclusão no Brasil. A atual Constituição prevê que

sejam consideradas as situações singulares, os perfis dos estudantes, as faixas

etárias, assegurando-se o atendimento de sujeitos com necessidades educacionais

especiais, a fim de que tenham oportunidade de realizar com maior autonomia seus

projetos, afirmando sua identidade cultural e promovendo o desenvolvimento social.

Apesar do debate em torno dos temas relativos à inclusão dos portadores

de inclusão e da legislação vigente, não é preciso muita pesquisa para que se note

que apesar do que é falado e escrito sobre o assunto, as condições reais de ensino-

aprendizagem, são muito diferentes daquelas que são preconizadas por leis e

debates políticos.

Para Angela Monroy as políticas públicas são ineficientes se não forem

acompanhadas de mudanças “não só em relação à sua conceituação, mas

sobretudo a sua inclusão dentro do sistema regular de ensino”. Segundo ela:

Atender as necessidades e potencialidades dos alunos com

necessidades especiais acarreta alguma alteração curricular, seja na

sua constituição ou na forma como é desenvolvido o currículo e na

formação de quem o aplica, ou seja, dos professores. A evolução da

educação dos indivíduos com necessidades educacionais especiais

tem determinado a funcionalidade do currículo, sua aplicabilidade em

contextos diferenciados, apontando esse estudo, dificuldades na

prática cotidiana dos professores da escola especial em elaborar

procedimentos pedagógicos ligados à aquisição das habilidades

adaptativas necessárias à inclusão social”.(MONROY, 2003, p.5)

A realidade da educação no Brasil é caracterizada por classes superlotadas,

com instalações físicas insuficientes e formação docente que deixa a desejar e

essas condições de existência do sistema na educação expondo assim a própria

59

idéia de inclusão como política que, simplesmente, propõe a inserção dos alunos

com diversas necessidades educacionais especiais nos contextos escolares e deixa-

os sem recursos e profissionais habilitados para trabalharem com os mesmos.

(MONROY, 2003, p.5)

Para Perlin e Strobel, a multiplicidade e a abundância de leis relativas aos

sujeitos surdos, nem sempre implicam na sua aplicabilidade, no seu reconhecimento

pela sociedade ou em transformações culturais efetivas. (PERLIN e STROBEL,

2009, p.45). Para as pesquisadoras, em termos de legislação, a Constituição

Brasileira de 1967 já assegurava aos sujeitos surdos alguns direitos relativos à

educação, mas assim como a Constituição de 1988, tais legislações são de difícil

consolidação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se que o decreto aprovado em 2005 preconiza que em um período

de 10 anos, ou seja, em 2015 todos os pressupostos legais para implementar o

ensino de LIBRAS no Brasil devem ter sido efetivados, o estudo em torno de

legislações específicas tais como a lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada

pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o artigo 18 da Lei no

10.098, de 19 de dezembro de 2000 e sua comparação com o cotidiano escolar,

demonstra um descompasso evidente entre o que preconiza a lei e o que existe de

concreto, tanto em termos de formação de professores para ministrar a disciplina de

LIBRAS, quanto em termos de recursos para seu exercício nas escolas da rede

pública e particular de ensino.

Em termos de observação do cotidiano escolar, os estudiosos dessa temática

estudados por ocasião da elaboração do presente artigo, concordam que apesar de

toda a legislação sobre LIBRAS existente desde a Constituição Brasileira de 1967 e

assegurados pela Constituição de 1988, bem como os documentos legislativos

estudados nesse artigo, tais legislações são de difícil implementação. Isso ocorre em

grande parte porque diante da falta de profissionais formados na área em número

necessário e da oferta de recursos específicos para o ensino de LIBRAS, a realidade

60

observada no espaço da sala de aula escapa aos preceitos legais e esse espaço

que deveria ser um local de inclusão acaba se constituindo em mais um lugar de

exclusão.

O cotidiano escolar demonstra que até o momento da escrita desse artigo as

escolas de ensino básico e as instituições de ensino superior ainda não estão

preparadas para a consolidação dos propósitos previstos na legislação em vigor.

Isso significa que o tempo de dez anos, previsto para a implementação das práticas

preconizadas legalmente é um período curto para a constituição de uma pedagogia

própria para sujeitos surdos.

REFERÊNCIAS

LANE, Harlan . A Máscara da Benevolência: a comunidade surda amordaçada.

Lisboa: Instituto Piaget, 1992.

LAPLANE, Adriana. Notas para uma análise dos discursos sobre inclusão escolar. In: GÓES, M.C.R.; LAPLANE, A.L.F. (Org.). Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 5-20. MONROY, Angela. Escolas especiais, às praticas educativas e a aquisição das habilidades adaptativas visando à integração do jovem portador de deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Autônoma de Barcelona, Barcelona, Espanha. 2002. SITOGRAFIA

PERLIN, Gladis e Karin STROBEL. Fundamentos da educação de surdos.

Disponivel em:

http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/prelogin/adl/fb/logs/Arquivos/texto

s/fundamentos/Fundamentos%20da%20Educa%E7%E3o%20de%20Surdos_Texto-

Base.pdf. Acessado em 20 de maio de 2012.

OUTRAS FONTES

BRASIL. LEGISLAÇÃO ESPECIFICA SOBRE LÍNUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS): LEI Nº 10.436 DE 24 DE ABRIL DE 2002, APROVADA PELO DECRETO Nº 5.626 DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005, BEM COMO O ARTIGO 18 DA LEI NO 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000. BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS

HUMANOS. Declaração de Salamanca e linha de ação. Brasília: CORDE, 1997.

BRASIL. SABERES E PRATICAS DA INCLUSÃO: Desenvolvendo Competências

para o Atendimento às Necessidades Educativas Especiais de Alunos Surdos.

Brasília: MEC / SEESP, 2003.

61

EDUCAÇÃO E DITADURA MILITAR: MEMÓRIAS DA REPRESSÃO MILITAR NA

FAFIG (1970-1973)

Ernando Brito Gonçalves Junior

Resumo: este artigo aborda aspectos históricos da formação da primeira turma de

licenciatura em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de

Guarapuava (FAFIG). Para a pesquisa foi delimitado o período de 1970 a 1973,

compreendido nos chamados "Anos de Chumbo" da Ditadura Militar no Brasil sob o

comando do general-presidente Emílio Médici. O trabalho se orienta por abordagens

teóricas da história política e se vale da metodologia de investigação denominada

História Oral, tentando assim reconstruir a memória dos entrevistados. Foram

realizadas três entrevistas, duas delas com professores e uma com um ex-aluno,

indivíduos que vivenciaram a conjuntura em tela. Evidenciou-se, por indícios, que a

cidade de Guarapuava (PR) não ficou fora do olhar dos militares, ou seja, mesmo

sendo uma cidade interiorana e de pequeno porte, Guarapuava sentiu a

reverberação da repressão que se verificava nos grandes centros urbanos.

Palavras-chave: Ditadura Militar; Memória; História Oral.

Este artigo busca analisar vivências e práticas docentes edificadas no período

da Ditadura Militar brasileira. Para esse fim, a pesquisa delimitou como objeto a

primeira turma de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de

Guarapuava (FAFIG), atual Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO),

na cidade de Guarapuava, Paraná, entre os anos de 1970 e 1973. Nossa intenção

foi tentar perceber na documentação, mesmo por meio de indícios, aspectos que

possam ajudar a vislumbrar o cenário das experiências docentes em um período de

tensão, como é característica da maioria dos períodos ditatoriais. Tentamos assim, a

partir do estudo de um contexto reduzido, apreender contextos maiores.

É digno de nota explicar o porquê desse recorte específico. Começamos pela

exposição da baliza temporal, 1970 a 1973, tendo em vista que a mesma não foi

escolhida aleatoriamente. Em termos nacionais, o Governo Militar estava nas mãos

do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), um governo de grandes

transformações em diferentes âmbitos. Na seara da economia, o país crescia

rapidamente. Foi em seu governo que se instituiu o que ficou conhecido como o

“Milagre Econômico Brasileiro”. O PIB nacional crescia a uma taxa de quase 12% ao

ano, enquanto a inflação média anual não passou de 18% (Cf. FAUSTO, 2004, p.

62

485). No âmbito social, foi o momento de maior violência e repressão de todo o

período militar, sendo conhecido como os “Anos de Chumbo” do Regime Militar.

Com investimentos internos e empréstimos do exterior, o país avançou

economicamente e todos esses investimentos geraram milhões de empregos pelo

país. Algumas obras, consideradas faraônicas, foram executadas, como a Rodovia

Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói. Porém, todo esse crescimento teve um custo

altíssimo e a conta deveria ser paga no futuro. Os empréstimos estrangeiros

geraram uma dívida externa muito elevada para os padrões econômicos do Brasil e

essa dívida é um dos maiores problemas econômicos brasileiros até os dias atuais

(Cf. FAUSTO, 2004, p. 486).

Logicamente, a educação também não permaneceu ilesa a esse período e

várias mudanças estavam ocorrendo desde o início da Ditadura com o objetivo de

coagir professores e alunos. O aparato repressivo buscou disciplinar o ensino, bem

como delimitar o tipo de conteúdo que deveria ser abordado na educação brasileira.

Essa forma de cerceamento consolidou-se com o Decreto-Lei 477 de fevereiro de

1969, que classificava como infração disciplinar a participação em qualquer

movimento de resistência ao regime. Outra lei que marcou profundamente o rumo da

educação brasileira nesse período foi a Lei Federal n° 5.692/71, que fundiu e

descaracterizou as disciplinas de História e Geografia, dando origem à disciplina de

Estudos Sociais (Cf. MARTINS, 2001, p. 204). Essa política de fusão de várias

disciplinas para dar espaço à outra que “abrangesse aspectos mais amplos” vinha

sendo discutida em meados da década de 1930, seguindo os ideais das escolas

norte-americanas que adotavam esse modelo. Vale salientar que essa era uma

forma de enfraquecer o ensino crítico, tentando formar alunos sem

instrumentalização para lançar um olhar mais apurado sobre a sociedade. Essa

nova disciplina [Estudos Sociais] surgiu com um caráter dogmático e o ensino

voltou-se para uma questão cívica e patriótica (Cf. BITTENCOURT, 2004, p. 73-74),

valorizando, assim, aspectos que o Regime julgava fundamentais na simbologia da

educação e do brasileiro. Essa era a principal preocupação do Governo Militar em

relação ao ensino. Nas salas de aula, era preciso construir um ideário de Brasil

Grande, que Avança e Vai prá Frente. Nesse sentido, entram em cena disciplinas

que tentariam legitimar o discurso do Regime Militar, como é o caso da disciplina de

Educação Moral e Cívica, que tinha como pressuposto básico a defesa e

63

manutenção de princípios de ordem, segurança, integração social, culto à pátria,

seus símbolos e seus heróis nacionais. Com um profundo sentimento ufanista, tinha

como finalidade uma sólida fusão do pensamento reacionário, do catolicismo

conservador e da Doutrina de Segurança Nacional (combate permanente ao inimigo

interno) (Cf. BITTENCOURT, 2004, p. 84).

Nos cursos superiores, nosso objeto específico de pesquisa, modificou-se o

nome para Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB). Nessa disciplina, obrigatória em

qualquer curso, eram apresentadas de forma ufanista as políticas implementadas

pelo regime para resolver os problemas brasileiros (sócio-econômicos, políticos, de

infra-estrutura, de relações internacionais, de educação, ciência e tecnologia etc.).

Expunha-se, além disso, o papel das forças armadas na guerra revolucionária, no

desenvolvimento do país e na manutenção da segurança nacional. Tudo isso pode

ser claramente visto nos livros didáticos do período. Desta forma, durante o governo

do General Médici, enquanto o Milagre Econômico “viveu seus dias de glória”, a

repressão travava uma verdadeira guerra suja contra os resistentes e, além disso,

buscava-se dominar culturalmente a sociedade pela educação. Inviabilizando o

acesso educacional, tentando imobilizar a crítica e a discussão nas universidades e

interferindo de forma reacionária nos conteúdos de todos os âmbitos educacionais, o

regime perpetuou a sua violência simbólica, unindo censura, propaganda e política

educativa na apropriação da cultura de toda uma sociedade, tentando construir um

patriotismo ufanista e não questionador dos problemas sociais brasileiros, muito

menos da condução e resolução destes pelo governo implantado. Nessa perspectiva

de “inventar uma tradição”, comungamos com o pensamento do historiador Eric

Hobsbawm, que aponta:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com o passado histórico apropriado (HOBSBAWM, 1997, p. 9).

Sendo assim, podemos perceber que a participação na política educativa foi

de capital importância para o projeto legitimador do Regime Militar no Brasil.

64

Após essa visão panorâmica de como estava desenhado o cenário brasileiro

naquela circunstância, voltamos nosso olhar para a cidade de Guarapuava, mais

especificamente para as questões que estavam relacionadas à fundação da FAFIG.

Em meados da década de 1960, alguns grupos sociais de Guarapuava sentiam a

necessidade de implantar uma instituição de ensino superior que suprisse a falta de

professores para atuar no magistério local, além de propiciar uma chance de

formação aos moradores locais que, por vezes, não tinham condições de estudar em

outros municípios. Esses anseios podem ser vistos nessa citação da historiadora e

memorialista guarapuavana Gracita Marcondes:

Desde há muito tempo já havia essa aspiração comum em todos os segmentos da sociedade guarapuavana. O assunto preferido de todas as reuniões estudantis, dos artigos de imprensa local e dos comícios políticos, quando o povo cobrava de seus representantes uma escola de nível superior para atender às reivindicações da grande maioria de jovens de todo o Centro-Oeste do Paraná, cujos pais não possuíam recursos financeiros para sustentar seus estudos em outras cidades, girava em torno da Faculdade (MARCONDES, 1985, p. 91).

Apesar desse ponto de vista ser passível de questionamento, pois a autora

citada foi docente da instituição em questão e pode ter tentado legitimar a causa da

fundação da FAFIG como resultado de um anseio geral da população – haja vista

que esse fragmento foi retirado de um livro comemorativo de 15 anos da fundação

da FAFIG –, ainda assim, através dele, podemos perceber que existia um interesse

e uma preocupação de determinada parcela da população guarapuavana em

implantar uma faculdade estadual na cidade, parcela essa que não tinha

posicionamentos contrários à forma de governo Ditadura Militar e que teve um papel

significativo para a estruturação da instituição.

Nesse grupo de pessoas interessadas na implementação do que viria a ser a

FAFIG destaca-se o então Deputado Moacyr Júlio Silvestre que, segundo

Marcondes, fez da causa a meta prioritária em seu mandato. No ano de 1967, o

Deputado Moacyr Júlio Silvestre apresentou à Assembléia Legislativa um projeto de

lei para a criação da respectiva faculdade. E em 15 de julho de 1968, o então

governador do Estado do Paraná, Paulo Pimentel, sancionou a lei que autorizava a

criação da FAFIG. Logo em 16 de janeiro de 1970, o Presidente da República Emílio

Médici assinou o decreto que autorizou oficialmente o funcionamento da Faculdade

65

Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava. E em uma cerimônia

solene, realizada em fevereiro de 1970, a faculdade deu início às suas atividades.

Depois dessa breve contextualização do cenário em apreço, apresentaremos

a perspectiva metodológica do trabalho. Para essa análise, utilizamos a metodologia

da História Oral, com o intuito de tentar vislumbrar, por meio das experiências de

nossos entrevistados, dados para a elucidação das questões da pesquisa. A História

Oral constitui um campo que vem sendo explorado por vários historiadores dos

séculos XX e XXI. Essa metodologia de pesquisa consiste em realizar entrevistas

com pessoas que, de alguma forma, vivenciaram acontecimentos e períodos do

passado e do presente (Cf. ALBERTI, 2006).

Segundo Verena Alberti: “A História oral permite o registro de testemunhos e

o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de

interpretação do passado” (2006, p. 155). Nesse sentido, a História Oral se constitui

em um caminho profícuo para a elaboração de interpretações históricas, aumentado

ainda mais o arcabouço de fontes que podem ser utilizadas pelo historiador. Com

essa metodologia conseguimos alcançar alguns vestígios históricos que dificilmente

poderiam ser alcançados em outras fontes históricas, haja vista que a História Oral

possibilita, por exemplo, o estudo e a análise das formas de elaboração, vivência e

compartilhamento de experiências de pessoas ou grupos em determinados períodos

históricos. Como aponta Alberti:

A entrevista de história oral permite recuperar aquilo que não

encontramos em documentos de outra natureza: acontecimentos

pouco esclarecidos ou nunca evocados, experiências pessoais,

impressões particulares etc. [...] informações inéditas que podem ser

resgatadas durante uma entrevista de história oral e confrontadas

com outros documentos escritos e/ ou orais (ALBERTI, 2005, p. 22-

23).

Em nossa pesquisa, o objetivo foi analisar a visão que alguns professores e

alunos tiveram do período, sobretudo no aspecto educacional, e contrapor essas

visões configuradas nas entrevistas. Assim, a História Oral possui um valor

significativo na medida em que: “[...] privilegia a realização de entrevistas com

pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas,

66

visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI,

1990, p. 1-2).

Outro aspecto importante a ser observado no que diz respeito à metodologia

da História Oral refere-se à credibilidade ou não da fonte oral enquanto

documentação histórica. Nesse sentido, acreditamos que o documento oral possui o

mesmo grau de subjetividade que qualquer outro documento histórico. Essa

afirmação é totalmente aceita por diversos pesquisadores que trabalham com esse

assunto, como é o caso de Verena Alberti, Paul Thompson, Jacques Le Goff e

Michel Pollak. Para ficar mais claro nosso posicionamento sobre essas críticas,

entendemos que:

Se a memória é socialmente construída, é óbvio que toda documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte oral, tal como todo historiador aprende a fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual ela se apresenta (POLLAK, 1992, p. 8).

Dessa forma, podemos ver que a entrevista oral deve ser analisada como

qualquer outra fonte histórica, e como tal deve ser vista como um “documento-

monumento” conforme aponta o historiador Jacques Le Goff. Para ele, o monumento

é construído para deixar recordações com certo grau de intencionalidade e é essa

intencionalidade que, acredita ele, todo o documento histórico possui. Logo, aponta:

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo (LE GOFF, 1994, p. 547-548).

Seguindo essa linha de raciocínio, fica claro que o historiador que tem como

fonte a entrevista oral deve ser capaz de analisar as condições de sua produção e

do seu produtor –o entrevistado – realizando o que poderíamos chamar de “crítica

67

interna e externa do documento”.

A História Oral tem como seu principal foco de análise a memória.

Entendemos, nesse sentido, que a memória é seletiva e é muitas vezes construída

por determinados grupos. Além disso, enquanto experiência individual, o indivíduo

apenas consegue gravar determinados aspectos que foram, de alguma maneira,

marcantes para ele. Como aponta Pollak:

[...] a sua organização em função das preocupações pessoais e

políticas do momento mostra que a memória é um fenômeno

construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero

dizer que os modos de construção podem tanto ser conscientes como

inconscientes. O que a memória individual grava, recalca, exclui,

relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de

organização.

Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um

fenômeno construído social e individualmente, quando se trata da

memória herdada, podemos também dizer que há uma ligação

fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de

identidade (POLLAK 1992, p. 4-5, grifos do autor).

É digno de ressaltar que não se exclui nesse trabalho a discussão da

diferença entre História e Memória na medida em que é um aspecto que merece ser

analisado mais pontualmente:

Memória, história: Longe de serem sinônimos, tomamos consciência

que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada

por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução,

aberta à dialética de lembrança e do esquecimento, inconsciente de

suas deformações sucessivas, vulneráveis a todos os usos e

manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas

revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e

incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno

sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma

representação do passado (NORA, 1993, p. 9).

Podemos apontar, assim, que memória é um conceito amplo, que designa

um objeto tomado como fonte de estudo de várias disciplinas. Ela só é

transformada em documento histórico a partir do momento em que o historiador

lança seu olhar sobre ela e a toma como objeto de pesquisa. Temos clareza,

68

nesta pesquisa, que os depoimentos coletados são perspectivas atuais da

lembrança, filtradas por anos de reflexões; são, portanto, mais a memória

(reconstruída) do entrevistado do que sua percepção naquela circunstância.

Após as devidas considerações, chegamos agora, efetivamente, ao nosso

objeto, ou seja, tentaremos compreender como os professores e alunos da FAFIG

vivenciaram o cenário de repressão acima parcialmente “remontado”. Para a

construção do trabalho em apreço foram feitas três entrevistas, duas delas com

professores do período e a outra com uma aluna, todos vinculados à área ou ao

curso de História. Comparamos as entrevistas para encontrarmos indícios que

nos possam dar pistas de como essas pessoas vivenciaram esse período.

Através das entrevistas foi possível ter uma visão parcial de como estava o

cenário do ensino superior em Guarapuava no período recortado para análise.

Com a implementação da Lei 5.692/71, o ensino de História foi muito prejudicado,

por ter perdido sua individualidade. Em Guarapuava, os professores também se

sentiram afetados com o cerceamento que a lei instaurou, obrigando-os a ensinar

uma História que elevava os ideais militares. “Na época os livros didáticos traziam

a história que eles queriam que fosse contada, foi uma revolução vitoriosa né”

(LIMBERGER, 200715). Nessa passagem da entrevista com o Professor Huberto

Limberger, docente aposentado da instituição, podemos ver que havia uma

preocupação, por parte dos militares, com os conteúdos que estavam sendo

ensinados em sala de aula. Na entrevista com o Professor Airton Cornehl,

docente aposentado da instituição, também é possível perceber essa censura no

ensino: “Tinha que seguir os princípios da Revolução, que eles falavam

Revolução, eu acho não foi Revolução, foi um golpe de Estado, e tinha que

seguir. Quem fosse contrário à ideologia, normalmente seria afastado”

(CORNEHL, 2007 16 ). Nessas duas passagens podemos ver que o que era

ensinado pelos professores em sala de aula seguia um paradigma nacional,

mostrando claramente a abrangência da Ditadura Militar no que se refere ao

cerceamento do ensino.

Os conteúdos ensinados seguiam padrões por meio dos quais se tentava

construir um sentimento de aceitação do governo militar. Para isso, o governo se

valeu da criação de heróis do Estado e instituiu disciplinas totalmente voltadas ao

15

Entrevista concedida pelo Professor Huberto José Limberger, no dia 27 de abril de 2007. 16

Entrevista concedida pelo Professor Airton Luiz Cornehl, no dia 8 de março de 2007.

69

Regime Militar. As disciplinas específicas do período, OSPB (Organização Social e

Política Brasileira), EMC (Educação Moral e Cívica) e EPB (Estudo dos Problemas

Brasileiros), possuíam um forte caráter dogmático e se valiam de uma leitura

tradicional da História, privilegiando datas e fatos, com uma forte tendência para as

questões políticas e utilizavam uma gama de heróis patrióticos, sem, é claro, fazer

uma leitura mais crítica do conteúdo abordado. Por isso, é evidenciada a grande

preocupação dos militares referente à questão da educação, pois ela é um dos mais

importantes mecanismos utilizados pelo Regime Militar para tentar consolidar sua

forma de governo.

Nesse mesmo sentido, outro ponto que merece destaque diz respeito à

identificação dos professores perante o Estado:

[...] eu, para lecionar a disciplina de Moral e Cívica, eu tinha que todo

ano ir até o DOPS, Delegacia (sic) de Ordem Pública e Social, para

tirar o atestado, porque se não tivesse o atestado do DOPS não

poderia. Então se você fizesse qualquer coisa contrária a ideologia,

pensamento dos militares, você não poderia dar aula. Principalmente

nessas disciplinas, na minha disciplina (CORNEHL, 2007).

O DOPS, Departamento de Ordem Política e Social, órgão repressivo criado

durante o Estado Novo, foi fundamental no período da Ditadura Militar. Ele era

utilizado para cadastrar professores e outras pessoas que por algum motivo eram

consideradas perigosas para o Regime. Esse órgão foi figura marcante na repressão

ideológica que o Governo Militar empregava. Em outra entrevista podemos observar

semelhanças, no que diz respeito a isso: “O que exigiam do Professor de Moral e

Cívica e EPB que eu sempre fui desde que me formei, todo ano tínhamos que ir ao

DOPS em Curitiba e tirar uma nova Certidão de antecedentes Políticos criminais”

(LIMBERGER, 2007).

Nas duas passagens podemos ver que os professores tinham que prestar

contas para o governo sobre suas práticas docentes, e pelas entrevistas é possível

notar que a disciplina de Educação Moral e Cívica era a que mais estava submetida

ao crivo militar. Essa disciplina foi criada no período para enaltecer o Governo

70

Militar, vale salientar que essa era uma forma de enfraquecer o ensino crítico na

sociedade.

Outro ponto importante em nossa análise é a questão da vigilância que os

militares exerciam na FAFIG. É digno de nota que, ao contrário do que ocorreu na

maior parte do tempo nos grandes centros, a vigilância e a posterior repressão eram

efetivadas de formas veladas. Na maioria das vezes eram utilizadas insinuações, por

parte dos militares, para inibir qualquer questionamento. Quando perguntamos sobre

essa questão ao professor Airton Cornehl, obtivemos a seguinte resposta: “A

vigilância era interessante, eu não sei pra ser sincero eu não sei como eles sabiam

tudo o que ocorria em sala de aula. [...] realmente eles observavam. Mas eu acho,

por exemplo, aqui na Universidade eles introduziam” (CORNEHL, 2007). O professor

Huberto Limberger, quando questionado sobre o mesmo assunto, comenta: “No

aspecto político a coisa era muito vigiada, censurada” (LIMBERGER, 2007).

Por meio dos depoimentos dos professores podermos perceber que vigilância

era uma prática constante em sala de aula. Esse aspecto nos mostra, novamente,

que Guarapuava estava na mira do Regime Militar. Sendo assim, colocamo-nos na

condição de começar a desconstruir a idéia de que não houve repressão na FAFIG

por parte do governo militar. Para tanto, remetemo-nos à entrevista da aluna do

período, Walderez Pohl da Silva, docente, na atualidade, da universidade derivada

daquela instituição, que sentia esse cerceamento de forma um pouco diferente. Em

relação a essa questão, diz: “Nós tínhamos um militar em sala de aula. [...] ele era

um líder dentro da sala de aula e ele tinha uma patente, acho que ele era tenente.

Então todos ali tinham a maior consideração por ele” (SILVA, 200717).

Podemos ver aqui que os militares muitas vezes freqüentavam algum curso

da faculdade e, apesar de não podermos dizer qual era o objetivo deles em sala de

aula, é possível compreender que a presença deles influenciava a forma de agir

tanto dos professores como dos alunos. É possível notar tal questão nas

declarações de nossos entrevistados: “Havia o receio, claro, não há nenhuma dúvida

disso” (CORNEHL, 2007), disse o Professor Airton Cornehl. A aluna Walderez Pohl

da Silva, por sua vez, assinala que: “Eu acredito, não que meu colega militar fosse

para isso, mas eu acredito que só a presença dele ali já inibia qualquer

17

Entrevista concedida por Walderez Pohl da Silva, no dia 28 de março de 2007.

71

manifestação” (SILVA, 2007). Ou seja, podemos perceber que a figura do militar

causava certo receio e desconforto em sala de aula, mostrando que só a

possibilidade de ser repreendido já motivava um grande impacto.

Outra passagem muito interessante digna de destaque foi a resposta do

Professor Airton Cornehl à pergunta feita sobre a repressão exercida pelos militares

na FAFIG. Ele respondeu: “Porque eu estava aqui em Guarapuava, em Guarapuava

não havia, por exemplo, na faculdade, não houve, não havia, mas eles sabiam

também o que se passava, mas eles sabiam” (CORNEHL, 2007). Aqui podemos ver

novamente a questão da vigilância, porém fica claro que não houve, em

Guarapuava, repressão tão violenta como ocorria nas instituições de ensino dos

grandes centros.

Foi possível perceber também que os alunos tinham uma visão um pouco

diferente daquela construída pelos professores, porém, em relação à possibilidade

de ser preso ou até mesmo de ser chamado a prestar esclarecimentos sobre

determinados assuntos, as duas categorias compartilhavam do mesmo receio.

Sobre essa questão, Walderez Pohl da Silva assinala: “Ficava tudo muito bem

escondido. Eu acredito que existiam espiões mesmo nas salas de aula. Nós

tínhamos essas notícias, que tinham espiões em sala de aula, que poderia ser

chamada pelo quartel, que tinha que ir ao DOPS para pegar a certidão para dar

aula” (SILVA, 2007). Notamos, novamente, a questão da vigilância permeando as

falas dos entrevistados. Isso pode ser visto em todas as entrevistas, mostrando que

a vigilância era uma prática operante no período e que causava temor na maioria

dos indivíduos.

Em outra passagem da entrevista com Walderez Pohl da Silva, ela nos conta

um fato interessante que proporciona outro campo de discussão. Quanto à pergunta

que foi feita, se havia algum tipo de ameaça entre os próprios colegas de classe, a

resposta foi:

Eu tive um fato muito pitoresco na minha turma de História. Então

recém o Nivaldo Krüger tinha deixado a prefeitura de Guarapuava,

quem tinha assumido era o Moacyr Silvestre, começaram

politicamente alinhados, depois eles romperam. O Nivaldo Krüger, ele

ficou no MDB, e com certeza era oposição ao governo Estadual e

Federal. E o Moacyr Silvestre não, ele se alinhou com o poder

reinante da época. Então por coincidência estavam na minha turma a

72

secretária de educação do ex–prefeito Nivaldo Krüger e a atual

secretária da educação do Moacyr Silvestre, a professora Abadia

Teresinha Jacob. A professora Abadia Teresinha Jacob era uma

figura. Ela tinha uma fixação por coronéis que comandavam o

Exército. Então qualquer coisa que você falasse na sala de aula, ela

era um agente dentro da sala de aula, que ela dizia, eu vou contar

para o coronel, eu vou por no Jornal. Então ela coagia, era a

personalidade dela, não que ela tivesse, eu não acredito que ela

tivesse fundamentação teórica ou motivos, era o simples fato de estar

usufruindo o poder naquele momento, e talvez por, eu não queria

dizer ignorância. Mas ela se portava de uma posição superior porque

ela era amiga do coronel. Então durante os quatro anos da Faculdade

eu fiquei ouvindo, que quem não fizesse as coisas nos conformes, ela

aí contar para o coronel, só não sei se o coronel sabia que ela era tão

amiga dele (SILVA, 2007).

Podemos perceber que o medo de ser repreendido pelos militares era

evidente, ou seja, algumas pessoas utilizavam o discurso de acusar seus colegas

para conseguir alguns benefícios. Isso nos mostra que existia uma pressão

psicológica e que, além da constante presença de militares, havia o medo de ser

considerado “subversivo” e a desconfiança de que havia militares incumbidos de

vigiar tanto professores quanto alunos. Esses elementos nos dão subsídios para

tentar construir parcialmente como era esse cenário ditatorial no município de

Guarapuava, principalmente no ensino na FAFIG.

A última questão que acreditamos ser relevante mostra que não foi apenas no

campo ideológico que houve repressão. Transcrevemos aqui uma passagem da

entrevista com o Professor Airton Cornehl:

Eu nunca tive problema com os militares. Só tive um probleminha

assim que fui chamado no quartel, mas porque eu tava, eu fiz um

comentário assim que não era muito, que fugia um pouco da linha de

ensino, era exatamente eu quando eu estava fazendo um comentário

sobre a política de Platão (CORNEHL, 2007).

Solicitamos para que explicasse um pouco melhor essa questão e ele

respondeu um pouco receoso:

73

Não, esse é porque o seguinte né, chegou no quartel de que eu tava

pregando idéias subversivas, mas como o comandante me conhecia,

porque o pessoal ali eram meus conhecidos. Então daí ele me

chamou só pra, não me intimando, mas só pra conversar, para que eu

não entrasse em determinados detalhes. Não isso aí não, pela má

interpretação, né, A idéia era de Platão, né (risos). Não é minha idéia

(risos) (CORNEHL, 2007).

Aqui fica claro que as ameaças não aconteciam sem um motivo, ou seja,

houve professores que foram chamados no 26° GAC (Grupo de Artilharia de

Campanha), em Guarapuava, para prestar alguns esclarecimentos. Além do mais, o

motivo pelo qual o professor disse ter sido chamado foi por ter tecido um comentário

acerca da República, de Platão, em uma aula de Filosofia. Para nós, isso

demonstra que o período em apreço não foi tão calmo como se pensava. Em uma

passagem sobre o mesmo assunto, o professor Huberto Limberger comenta: “Mas

era em EPB que a gente sentia mais a barra. Até quem trabalhava comigo era o

Professor Bernardo, ele teve problemas com o nosso Exército aqui, ele teve que se

explicar uma vez” (LIMBERGER, 2007). Nessas duas passagens das entrevistas

podemos ver que alguns professores tiveram problemas com o Exército. No

momento em que o professor menciona EPB, ele se refere à disciplina de Estudo

dos Problemas Brasileiros, outra disciplina que surgiu durante o Regime Militar.

Portanto, nessa discussão novamente é possível ver que as disciplinas específicas

do período eram as que mais sofriam fiscalizações por parte dos militares, pelos

claros interesses que eles possuíam em relação a essas disciplinas.

Após a realização e análise das entrevistas podemos perceber que o período

militar foi muito prejudicial ao ensino, no que se refere ao “conteúdo” (o que foi

ensinado), no que se refere aos mecanismos criados, como as leis, para tentar

cercear a capacidade crítica dos alunos, visando diminuir as manifestações contra o

regime, e no que tange a questão da atuação limitada do professor, pois, como

vimos, o educador não possuía liberdade total para falar sobre qualquer assunto em

sala de aula.

Foi possível notar também que o medo foi constante naquela circunstância,

pois, mesmo no ato de lembrar daqueles momentos, ele apareceu/reapareceu. Isso

foi visível principalmente no depoimento do Professor Airton Cornehl, que chegou a

74

nos dizer, depois da entrevista, que não queria se comprometer com determinados

assuntos referentes à Ditadura Militar. O medo que o professor ainda manifesta ao

tratar de determinados assuntos nos mostra que mesmo passados mais de vinte

anos do encerramento da Ditadura Militar ela ainda “cheira a tinta fresca” em sua

memória, o que quase o impediu de discutir determinados assuntos, silenciando,

obviamente, acerca de alguns aspectos.

Fica evidente que houve repressão militar na FAFIG, como pudemos notar

nas entrevistas em diversos momentos, como, por exemplo, nos trechos em que os

entrevistados comentaram a vigilância dos militares em sala de aula, constante

durante o período estudado; a presença deles foi apontada como uma possível

forma de inibir manifestações. Além da vigilância, a “visita” que alguns professores

eram obrigados a fazer ao 26° GAC no município em questão foram as tintas que

deram cor ao cenário da Ditadura Militar em Guarapuava no período recortado em

nossa pesquisa. Em um jogo de escala, o que se percebeu nessa pesquisa foi um

processo de re-significação das formas de repressão da Ditadura Militar em um

contexto local.

Sabendo que, em nossa pesquisa, a compreensão dos processos de

produção, de reprodução e de re-elaboração da memória foi preponderante para a

produção das entrevistas e para o desenvolvimento da análise, percebemos que

alguns aspectos da “memória individual” foram esquecidos ou silenciados por

nossos entrevistados, tendo sido substituídos por elementos da “memória coletiva”

ou “social”. A memória, repleta de particularidades, constitui-se como fonte para a

investigação não apenas dos historiadores, mas para outros grupos, como aponta

Le Goff:

Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma

importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores

da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações

das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam

as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história

são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória

coletiva. (LE GOFF, 1994, p. 426).

75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, nessa análise pudemos constatar que o ensino superior em

Guarapuava, mais especificamente na FAFIG, não passou ileso pelo regime do

presidente Médici, o município em questão ouviu as reverberações emanadas dos

grandes centros. Foi possível perceber também que a repressão em Guarapuava

não ocorreu como em outras cidades: a repressão se concentrava muito mais no

fomento do medo e das ameaças do que na esfera física; os militares instauraram

uma “violência simbólica” e, mesmo sem agressões físicas explícitas, conseguiram

cercear militâncias vindas da FAFIG, pelo menos no período que diz respeito à

pesquisa em apreço.

O que tentamos fazer nesse artigo foi uma releitura do período da Ditadura

Militar desde um olhar local, campo de estudo pouco explorado na cidade de

Guarapuava, com o intuito de trazer contribuições à compreensão do tema a partir

do uso da memória como fonte histórica. Buscamos desconstruir a idéia que muitos

tinham de que a FAFIG passou ilesa por esse processo, mostrando que, para a

instituição, para seus professores e para seus alunos, não foi um período tão

pacífico. Buscamos um “outro olhar”, pois como aponta Reis: “Cada presente

seleciona um passado que deseja e lhe interessa conhecer. A História é

necessariamente escrita e reescrita a partir das posições do presente, lugar da

problemática da pesquisa e do sujeito que a realiza” (REIS, 2005, p. 9). Nesse

sentido, é preciso fomentar as pesquisas sobre as relações entre ensino e Ditadura

Militar, não apenas em Guarapuava. Que esse estudo tenha servido para despertar,

em outros historiadores, inquietações capazes de estimular novas abordagens e

novas leituras.

REFERÊNCIAS

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1990.

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REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 7. ed. Rio de Janeiro:

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77

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Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FONTES

Entrevista concedida pelo Professor Airton Luiz Cornehl, no dia 8 de março de 2007.

Entrevista concedida pelo Professor Huberto José Limberger, no dia 27 de abril de 2007.

Entrevista concedida por Walderez Pohl da Silva, no dia 28 de março de 2007.

78

O IMAGINÁRIO MÁGICO-RELIGIOSO DA UMBANDA :

DOGMAS E PRÁTICAS RITUALÍSTICAS AFRO-BRASILEIRAS

Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes

Co-autoras: Lucélia Pietras e Luciane Pietras

Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava

Resumo: O presente artigo está relacionado à necessidade de produção de material didático para atendimento dos pressupostos pela Lei 10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica. Nesse sentido, escolheu-se uma temática própria da religiosidade e da cultura afro-brasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, incluindo-se informações que possam fundamentar estudos multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico, sociológico, histórico, político e econômico. Palavras-chave: Umbanda. Cultura. Religião. Crenças. Rituais. INTRODUÇÃO

A umbanda é considerada a mais genuína religião brasileira de origem africana

Maria Helena Vilas Boas Concone

A lei nº12.645, sancionada em 16 de maio de 2012, institui o dia 15 de

novembro como o Dia Nacional da Umbanda e somada (Anexo 1) às leis 10.639 de

2003 e 11.645 de 2008, sobre a obrigatoriedade de inclusão de conteúdos de

história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica,

reforça a necessidade de que sejam ampliados estudos e a produção científica na

área.

A existência dessa legislação sugere que as faculdades e universidades, em

especial os cursos de licenciatura, devem se transformar no espaço próprio para

fomentar a pesquisa sobre as questões étnico-raciais relacionadas aos povos afro-

brasileiros e indígenas.

O presente artigo procura abordar aspectos históricos, culturais, sociais e

econômicos relacionados ao imaginário mágico-religioso, como os principais

dogmas, os princípios morais e as práticas de umbanda.

Consideram-se no decorrer do trabalho alguns aspectos relativos ao

surgimento da umbanda no Brasil, aos princípios doutrinários da religião, às suas

práticas, ao cotidiano dos devotos e à organização social umbandista.

79

1. UMBANDA : HISTÓRIA E PRINCÍPIOS

A pesquisa bibliográfica realizada para a produção do presente artigo sugere

que a fundação da umbanda data das duas primeiras décadas do século XX com o

surgimento dos primeiros terreiros nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio

Grande do Sul. A religião é bastante sincrética e reúne princípios do catolicismo, do

espiritismo e do candomblé promovendo a comunhão de princípios da religiosidade

branca européia, negra africana e indígena americana.

1.1. Conceitos e fundação

Entre as definições encontradas para a origem etimológica do vocábulo

umbanda, Cavalcanti Bandeira, em o que é a umbanda afirma que ela é uma

palavra originária da língua kimbundo, utilizada em muitos dialetos bantus, falada em

Angola, Congo e Guiné.

De acordo com o autor a palavra é utilizada para mencionar uma nação

poderosa ou um espírito poderoso. Ela reporta a palavra kimbanda que significa

curandeiro. De acordo com os sentidos em que é aplicada e com sua origem

gramatical é entendida como a arte ou magia de curar, poder de curar, ofício de

ocultismo ou ciência médica.

Em busca de encontrar uma definição própria dos umbandistas, o pai- de-

santo João D`Ogum, do Centro Espírita de Urubatan, de água Branca (SP), procura

explicar e conceituar a umbanda considerando a diversidade de suas raízes :

Em sua origem, participam valores de três culturas principais, a saber: Cultura Branca (européia), através do catolicismo romano e do espiritismo kardecista Cultura Negra (africana), através do elemento escravo; Cultura Vermelha ou Ameríndia, através daqueles que já estavam aqui antes da chegada do elemento branco, e a quem impropriamente chamaram de índios, que o branco tentou escravizar. Concluindo: Por definição, a Umbanda é uma religião espírita, ritmada, ritualizada, de origem euro-afro-brasileira. (D´OGUM, 2010)

A partir das fontes de pesquisa foram encontradas diversas denominações

para os locais de realização de cultos de umbanda: centros de umbanda, templos de

umbanda, terreiros de umbanda e tendas de umbanda.

80

Entre as fontes de pesquisa, além da bibliografia que compõe o referencial

teórico do presente artigo, foram visitados diversos sites de templos, federações e

associações umbandistas.

Inicialmente , do ponto de vista histórico, os umbandistas consideram que a

partir da assinatura da Lei Áurea em 1889, os ex-escravos haviam sido

abandonados a própria sorte e viviam em um quadro social miserável, sem espaço

para expressar sua cultura e suas crenças:

Em 1889 é assinada a "lei áurea". O quadro social dos ex-escravos é de total miséria. São abandonados à própria sorte, sem um programa governamental de inserção social. Na parte religiosa seus cultos são quase que direcionados ao mal, a vingança e a desgraça do homem branco, reflexo do período escravocrata. No campo astral, os espíritos que tinham tido encarnação como índios, caboclos (mamelucos), cafuzos e negros, não tinham campo de atuação nos agrupamentos religiosos existentes.(D’OGUM, 2010)

Observa-se assim que entre as religiões constituídas não havia espaço para

os cultos africanos. Segundo o autor o catolicismo era contrário a idéia de

reencarnação, o espiritismo descartava a hipótese de trabalhar com entidades

indígenas e africanas e o candomblé não aceitava a possibilidade de comunicação

com os eguns, espíritos de pessoas falecidas.

Diante desses desafios é que teria sido criada e anunciada em 15 de

novembro de 1908, em Niterói (RJ), a primeira tenda de umbanda, estabelecida pelo

médium Zélio Fernandino de Moraes. O histórico registra a dissidência existente

entre o médium e o espiritismo kardecista, uma vez que o fundador da umbanda

incorporava um espírito de entidade indígena denominado de Caboclo Sete

Encruzilhadas.

Para explicar essa aproximação dos kardecistas com as religiões africanas,

datada da década de 1920, Lísias Nogueira Negrão, em Umbanda: entre a cruz e a

encruzilhada, disserta sobre o sincretismo nacional a partir das matrizes negras com

ênfase para a macumba e o candomblé, e das matrizes ocidentais com atenção para

o catolicismo e o kardecismo. Segundo ele:

Kardecistas de classe média, atraídos pelos espíritos de caboclos e pretos-velhos que se incorporavam nos terreiros de macumba do Rio de Janeiro, neles adentraram e assumiram sua liderança. (NEGRÃO, 1994, p.113)

81

O autor explica que a umbanda enquanto religião nacional consolidou-se no

momento da industrialização e da urbanização das grandes cidades do país. Para

sua consolidação “construiu um cotidiano encantando de crenças e práticas mágicas

voltadas para as necessidades do seu público interno” (NEGRAO, 1993, p.114). Sua

caminhada dos terreiros de macumba aos templos de umbanda foi preenchida por

transformações com vistas a integrar um repertório de gentes e crenças diversas.

O autor cita Roger Bastide, um clássico nas relações raciais para demonstrar

alguns aspectos sociais e políticos da umbanda:

Roger Bastide, em sua análise que privilegia as relações raciais, considera a macumba como expressão mágica da marginalidade do negro no período pós-abolição; já a umbanda, seria a expressão ideológica da integração do mesmo à sociedade de classes nascente. (NEGRÃO, 1994, p.114)

1.2. Religiosidade e mobilidade social

Compreendendo-se que a umbanda surgiu comprometida com as classes

sociais mais desfavorecidas para as quais prometia um espaço para a expressão de

suas crenças e a prática de seus rituais religiosos, deve entender-se a nova religião

como promotora de inclusão e de mobilidade social em um tempo e em uma

sociedade que rejeitava os seus pobres, principalmente os afrodescendentes e os

povos indigenas.

Esses aspectos devem ser considerados para as tentativas de explicação

sobre a rápida proliferação de locais de cultos de umbanda em diversos estados

brasileiros.

Importante também é a questão relacionada ao sincretismo religioso

promovido pela umbanda. Tendo em vista suas relações com os dogmas do

catolicismo, do espiritismo e do candomblé, a nova religião conseguia reunir

dissidentes dessas três instituições religiosas.

O pesquisador Reginaldo Prandi considera que a partir da criação do

primeiro centro de umbanda do Brasil, diversos terreiros foram fundados no Rio de

Janeiro, com forte expressão na década de 1920. Segundo ele a umbanda surgiu a

partir da conjunção de práticas do espiritismo, bastante rico em princípios

doutrinários, e do candomblé, mais centrado em performances ritualísticas. Além

82

do forte sincretismo entre essas duas religiões, a umbanda conservou também

aspectos simbólicos do catolicismo.

A umbanda, ritualmente muito próxima do candomblé dos ritos angola e caboclo, incorpora em sua doutrina as virtudes do catolicismo — fé, esperança e caridade - empresta do kardecismo o modelos de organização burocrática e federativa. Seu panteão tem à frente orixás-santos dos candomblés e xangôs, mas o lugar de destaque está ocupado por entidades desencarnadas semi-eveméricas, à moda kardecista e africana, ou encantados de origem desconhecida, à moda dos cultos de maior influência indígena: os catimbós, os candomblés de caboclos e as encantarias. (PRANDI, 1990,p.1 )

O autor explica que “a umbanda que nasce retrabalha os elementos

religiosos incorporados à cultura brasileira por um estamento negro que se dilui e se

mistura no refazimento de classes” (PRANDI, 1990) . Sobre essa interação entre as

crenças ele considera que por sua especificidade a Umbanda reúne desde sua

fundação elementos religiosos e culturais que promovem a “valorização dos

elementos nacionais” (PRANDI, 1990 ) a partir da recepção de espíritos de

caboclos, pretos velhos, índios, ciganos, boiadeiros, marinheiros e escravos.

Tais sujeitos são descritos como:

Perdidos e abandonados na vida, marginais no além, mas todos eles com uma mesma tarefa religiosa e mágica que lhes foi dada pela religião de uma sociedade fundada na máxima heterogeneidade social: trabalhar pela felicidade do homem sofredor. (PRANDI, 1990)

A pesquisadora Maria Helena Villas Boas Concone estuda o simbolismo dos

personagens da umbanda. Segundo ela os caboclos e os pretos velhos são os

símbolos-chave dessa religião e marcam presença desde o nascimento do Brasil.

Todos os demais personagens, os baianos que representam o preto jovem; o

mulato, o boiadeiro, o marinheiro, a Pomba Gira e o Zé Pilintra formam a

composição de um quadro simbólico que ajuda na interpretação da história, da

cultura e da formação do povo brasileiro. (CONCONE, 1987)

A partir desses elementos e de seu simbolismo mágico-religioso, as pessoas

que não encontravam lugar em nenhuma das religiões constituídas, especialmente

aquelas pessoas estigmatizadas pelas condições raciais e econômicas, vão

encontrar nos templos de umbanda o seu lugar de pertencimento. A partir dessa

83

nova religião, os excluídos podem restabelecer os vínculos com a pátria e celebrar

na prática dos terreiros a demarcação do seu território.

Nesse sentido, é importante destacar a função da umbanda no que diz

respeito à perspectiva de mobilidade social. Primeiramente o novo espaço oferecia a

possibilidade de expressão das crenças dos excluídos, em seguida, unia essas

pessoas por meio de práticas ritualísticas, concedendo-lhes identidade e o sentido

de pertencimento a uma religião e a uma comunidade.

No que diz respeito ao sincretismo, observa-se que apesar de conservar

aspectos da doutrina kardecista, a umbanda procura romper com a concepção

kármica por meio da qual a vida presente é uma forma de acerto de contas das

existências anteriores, repleta de sofrimentos e provações. Nessa ruptura a sua

ideologia religiosa aproxima-se do candomblé, religião de matriz africana para a

qual a experiência da vida não está relacionada apenas ao sofrimento, mas também

ao ideal idéia de gozar a vida neste mundo e encontrar a felicidade terrena.

Esse sentido de felicidade e gozo extraído do candomblé semeia no campo

social a possibilidade de alterar as rotas da vida, passando de um cotidiano de dor e

sofrimento para perspectiva de uma vida mais alegre e mais feliz.

Tanto os objetivos de mobilidade social, formação de identidade e de

pertencimento à uma comunidade, quanto os de gozar a felicidade na vida terrena,

são segundo os principios umbandista, mais falcimente alcançáveis com o auxílio de

determinadas práticas rituais.

Conforme Prandi:

A umbanda de certo modo rompe com a concepção kardecista do mundo: aqui não é mais uma terra de sofrimentos onde devemos ajustar contas por atos de nossas vidas anteriores. Trazendo do candomblé a idéia, ainda que desbotada, pouco definida, de que a experiência neste mundo implica a obrigação de gozá-lo, a idéia de que a realização do homem se expressa através da felicidade terrena que ele deve conquistar, a umbanda retrabalha a noção culpada da evolução kármica kardecista, assim como, através da propiciação ritual, descobre a possibilidade de alteração da ordem. (PRANDI, 1990 )

Chama-se atenção para o fato que a mobilidade social esta implicitamente

relacionada à possibilidade de alteração da ordem do mundo ou do destino pessoal

por meio de determinadas práticas ritualisticas. Nota-se que os trabalhos e as

demandas realizadas pela umbanda tem como objetivo proteger os devotos, auxiliar

a sua mobilidade social e acompanhar a sua evolução espiritual. Sendo a umbanda

84

uma religião assumida em grande parte por pessoas dos estamentos sociais com

menor poder aquisitivo, suas crenças e suas práticas sugerem a possibilidade de

transformação pessoal e social.

Por meio dos rituais umbandistas os devotos acreditam que poderão alcançar

não apenas a cura dos seus males físicos mas também a abertura de novos

espaços sociais:

É necessário que cada um procure a sua realização plena, mesmo porque o mundo com o qual nos deparamos é um mundo que valoriza o individualismo, a criatividade, a expansão da capacidade de imaginação, a importância de subir na vida. Este pormenor é essencial. Por esta forma de ver o mundo, a umbanda se situa como uma religião que incentiva a mobilidade social, porém mais importante do que isto é o fato de que essa mobilidade está aberta a todos, sem nenhuma exceção: pobres de todas as origens, brancos, pardos, negros, árabes... o status social não está mais impresso na origem familiar. Trata-se agora, para cada um, de mudar o mundo a seu favor. E essa religião é capaz de oferecer um instrumento a mais para isso: a manipulação do mundo pela via ritual. (PRANDI,1990 )

Para a alteração da ordem social ou a manipulação do mundo pela via ritual

são feitos os trabalhos e as demandas com a finalidade de atender as condições de

proteção e de transformação pessoal e social, Lísias Nogueira Negrão salienta que

os umbandistas lançam mão de uma série de práticas repletas de simbolismo

mágico-religioso. Em seus estudos ele procura descrever “ a construção mítica e

ritual, onde a umbanda é vivida em seu cotidiano encantado de crenças e práticas

mágicas”(NEGRAO,1994,114). Sobre isso, Negrão escreve que:

A umbanda dos terreiros é ainda um mundo encantado. São muito poucos os pais-de-santo que têm qualquer interesse secular (político, cultural) além do profissional. Analfabetos ou com baixo grau de instrução, a leitura de textos teológicos racionalizados e racionalizantes é quase inexistente. Apenas alguns deles em poucas tendas de classe média, dotados de maior nível de instrução formal e mais afeitos à reflexão abstrata, lêem e recomendam obras umbandistas, kardecistas e ocultistas. Em geral vivem imersos em seu mundo religioso. Sua realidade é a dos orixás, com os quais convivem no cotidiano das giras, dos trabalhos e das “demandas, com seus guias respondendo às necessidades imediatas de seus filhos-de-santo e seus clientes.(NEGRAO, 1994, p.115)

As demandas podem ser consideradas os principais trabalhos realizados

dentro dos templos de umbanda. Por meio delas os pais e as mães-de-santos

procuram atender as reivindicações e as expectativas das filhas e dos filhos-de-

santo, bem como de seus clientes.

85

1.2. Demandas justiceiras

A demanda, até certo ponto, também é vista como legítima. Desfaz o mal feito

contra inocentes e o faz retornar contra quem o provocou.

Lísias Nogueira Negrão.

Os adeptos da umbanda embasam suas práticas na idéia da existência de

demandas. A palavra é usada para exprimir conflitos e também para sintetizar o uso

de práticas mágicas para combater os adversários dos filhos e filhas de santo e

também a sua clientela, protegendo-os e impedindo que sejam atingidos por ações

de maldade, inveja e ciúme.

Para a participação e a celebração de rituais, bem como para a realização

dos trabalhos espirituais nos centros de umbanda são feitas algumas

recomendações essenciais essenciais como fazer o banho de descarrego, acender

uma vela e oferecer um copo de água para o anjo da guarda, praticar o jejum

alimentar e usar uniforme branco e limpo .

O banho de descarrego é feito com ervas próprias de cada orixá. Em cada

banho são usadas entre uma e sete ervas. As de uso mais comum são as folhas de

alecrim, arruda e guiné. Para o preparo do banho as ervas são colocadas em um

recipiente com água, de preferência água de poço ou mineral, e maceradas com

uma colher de pau. Depois de bem esmagadas as ervas são coadas e colocadas em

descanso por alguns minutos. Depois do banho de higiene a pessoa derrama a água

do descarrego sobre o corpo, do pescoço para baixo. Esse banho tem a função de

eliminar as energias negativas que circulam em torno da pessoa ou que ocupam o

seu corpo físico.

A vela para o Anjo da Guarda deve ser acesa juntamente com pedidos de

proteção, força e iluminação. O copo de água deve ser oferecido com a intenção de

obter clareza e transparência na realização dos trabalhos religiosos.

O jejum alimentar alimentar prescreve o consumo de frutas, verduras,

legumes e carne de peixe. É contraindicado o consumo de carne vermelha e de

animais de sangue quente. Todas essas recomendações devem ser seguidas ao pé

da letra pelos demandantes.

86

Negrão explica que os umbandistas compreendem que por meio da demanda

apenas revidam o mal e o devolvem ao seu emissor. Segundo o pesquisador os pais

e mães de santo só aceitam demandar quando estão convencidos da inocência do

demandante.

Sobre a demanda, o autor relata que:

A demanda implica no caráter conflituoso da vida cotidiana: há inimigos, há pessoas mal intencionadas. Não é errado agir contra eles, defendendo-se e contra atacando. Trata-se de justiça, não de maldade. Quem pratica o mal deve pagá-lo e não só no além, na próxima encarnação, mas aqui e agora. Assim como o bem que se busca, a cura, a resolução de problemas diversos, deve ser imediato, o castigo daquele que provocou o mal deve sê-lo também. (NEGRÃO, 1994, p.119)

O que impressiona no sentido simbólico da demanda, é sua expressão

enquanto detentora de poderes que não são apenas culturais ou religiosos, mas

também morais e jurídicos. Sua ação entra em campo como se fizesse parte de um

verdadeiro processo em que as vítimas procuram proteção contra os seus

adversários.

Para Negrão “trata-se, em estrito sentido durkheimiano, de direito antes

repressivo que restitutivo, totalmente distanciado da virtude cristã do perdão”

(NEGRÃO, 1994, p.120). Dessa forma, na umbanda a demanda possui o poder

mágico-religioso de promover a justiça entre os demandantes e os demandados:

A demanda promove a justiça imediata, no aqui e agora, sem que se espere os castigos e as recompensas do além. Não existe também a mediação institucionalizada de aparato judicial: são os próprios guias e agentes mágicos os juízes e executores da pena. (...)A justiça, vista pela ótica dos subalternos, despossuídos, marginalizados ou precariamente dispostos nos lugares sociais, aparece assim como fundamento moral da prática mágica umbandista. (NEGRÃO, 1994, 120)

A abordagem é bastante interessante para a área de antropologia cultural

quando se trata de polarizar com a concepção religiosa predominante que atribui o

castigo ou a retribuição do mal feito exclusivamente à vontade de Deus. Para a

antropologia jurídica é um tema apaixonante quando foge da concepção do Estado

como agente formal de estabelecimento de penas e castigos. Sobre essa

peculiaridade da umbanda Negrão conclui que:

A prática do castigo aos ofensores pelos próprios ofendidos, mediante a utilização de recursos simbólicos, é peculiaridade sua, compartilhada com os demais cultos afro-brasileiros. Estamos, pois, distantes dos quadros de uma hegemonia moral que atrela os

87

interesses individuais aos sociais e remete a justiça para além da competência das vítimas. (NEGRÃO, 1994, p.121)

Os temas que tratam sobre o desejo humano de fazer justiça com as próprias

mãos ou o acervo literário existente sobre pessoas que tomaram as rédeas do

destino nas próprias mãos, são bastante vastos. A antiguidade clássica e toda a sua

mitologia estão repletas de histórias sobre seres que enfrentam os deuses e lutam

pela sua felicidade ou do seu povo. Para a umbanda no entanto esses casos não

são raros, eles são comuns, pertencem ao seu cotidiano, um mundo mágico-

religioso no qual todos os devotos podem lutar para alterar a ordem da sua vida,

combater os adversários, vencer o sofrimento e alcançar a felicidade.

1.3. Organização burocrática

Como os pais e mãesde-santo, filhos e filhas-de-santo vivem imersos no

imaginário e na prática dos rituais da umbanda, cuidando dos meios mágicos para

obter a proteção dos seus orixás, as fontes de pesquisa deixam entrever que nem

sempre é dada a devida atenção ao processo de racionalização que envolve a

institucionalização burocrática dos templos de umbanda. Sobre o aspecto da

organização dos locais de culto, o autor explica que todos os terreiros “devem ser

registrados em cartório como entidades civis para poderem funcionar legal e

livremente” (NEGRÃO, 1994, p.116). Com essa finalidade foram criadas associações

e federações especializadas que funcionam como despachantes para legalizar os

centros de umbanda em todo o país.

A Federação Brasileira de Umbanda – FBU, por exemplo, é uma das

entidades de cúpula de umbanda, candomblé e demais cultos afro-brasileiros. Com

personalidade jurídica reconhecida em âmbito nacional a instituição tem como

função primordial legalizar os templos, fornecendo alvará de funcionamento,

estatutos e demais documentações necessárias ao exercício das atividades

religiosas e sociais dos mesmos, promovendo através de cursos, o aperfeiçoamento

dos sacerdotes e diretores de cultos das entidades filiadas.

A Federação Umbandista do Estado do Paraná - FUEP, fundada em 25 de

maio de 1968, está devidamente registrada com código nacional de pessoa jurídica

(CNPJ) e declarada personalidade jurídica de utilidade pública estadual, conforme a

88

Lei 8.515/1987, do governo do Estado e pessoa jurídica de utilidade pública

municipal de Curitiba, pela Lei 6.833/1986. A entidade possui regimento interno e

estatuto social e regula o funcionamento dos templos de umbanda estaduais.

2. FUNDAMENTOS DA UMBANDA

A constituição de dogmas que possam ser reconhecidos e assumidos pelos

adeptos é o cerne de qualquer doutrina religiosa. A Umbanda também possui seus

dogmas, crenças e fundamentos. O primeiro deles é que os umbandistas professam

a existência em um Deus eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, onisciente e

onipresente o que pode sugerir que são monoteístas. Porém, em contradição,

acreditam na existência dos orixás com forte poder de intervenção sobre a vida

humana no plano físico e espiritual, bem como na evidência de espíritos de plano

superior, o que pode sugerir que são politeístas.

Os orixás da umbanda são uma incorporação feita a partir das crenças do

candomblé. Quando se estudam os orixás africanos compreende-se que em sua

constituição eles são muito parecidos com o antigo panteão de deuses greco-

romanos, uma vez que mesmo considerados divinos são capazes de sentir todas as

emoções e todas as paixões humanas.

Cido de Osun Eyin, em estudo publicado sobre o título de Candomblé: A panela

do segredo relata que:

Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá aproxima-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são passionais. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. (EYIN, 2000)

Ao falar sobre o sincretismo existente entre os orixás e os santos católicos, é

preciso esclarecer que apesar da disposição com que se aborda essa temática no

meio acadêmico, é necessário lembrar que a adesão inicial dos povos africanos

radicados no Brasil aos símbolos do catolicismo não foi um ato voluntário ou uma

expressão de simpatia aos santos procedentes do continente europeu. Pelo

contrário, o sincretismo foi antes de qualquer coisa uma imposição dos

89

colonizadores da América Portuguesa, uma exigência social diante da qual, sem

saída, os povos africanos tiveram que acatar.

Sobre o sincretismo entre os orixás africanos e os santos europeus Eyin

argumenta que:

Como resultado do sincretismo que se deu durante o período da escravatura, cada orixá foi também associado a um santo católico, devido à imposição do catolicismo aos negros. Para manterem os seus deuses vivos, viram-se obrigados a disfarçá-los na roupagem dos santos católicos, aos quais cultuavam apenas aparentemente. (EYIN, 2000)

O resultado desse choque cultural manifesto pelo encontro de crenças do

catolicismo europeu e do candomblé africano, ocorrido desde a Colônia Portuguesa,

iria se manifestar dentro da umbanda como a decorrencia quase natural de um

processo de miscigenação étnico e religioso.

Dos dogmas cristãos incorporados do catolicismo a umbanda trouxe o seu

principal lema “ amai-vos uns ao outros”, que deve ser expresso e manifesto na

prática da caridade tanto na palavra quanto na ação. Para a umbanda Jesus Cristo

foi o espírito de categoria mais elevada que já encarnou na terra e todos os seres

humanos são iguais, porque são filhos do mesmo Deus e procedem da mesma

origem.

Para os umbandistas o universo está repleto de outros mundos habitados, não

constituindo a Terra uma exceção no universo. O planeta Terra seria um plano de

expiação, aprendizagem e correção moral. Segundo suas crenças existem planetas

com formas de vida mais adiantadas e/ou mais atrasadas em comparação com a

terra.

Entre os dogmas da religião encontra-se a existência de uma cidade

simbólica chamada de Aruanda, que vem a ser uma cidadela etérica e iluminada

habitada por espíritos de luz que trabalham pelo bem e pela caridade, auxiliando a

aprendizagem das almas em seus processos de reencarnação.

A cidade de Aruanda é mencionada no hino da umbanda:

90

A crença na reencarnação é um dos principais dogmas da Umbanda. Por meio

dela os umbandistas defendem a existência de vida fora da matéria e na

sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. O dogma permanece o mesmo

do espiritismo kardecista segundo o qual o espírito não morre, mas sobrevive ao

homem e permanece em seu caminho de evolução.

Também do espiritismo, os umbandistas herdaram a crença na possibilidade de

comunicação com espíritos desencarnados, através da faculdade mediúnica. Para

os umbandistas todas as pessoas têm guias espirituais que as acompanham e com

os quais podem estabelecer comunicação através da mediunidade.

2.1. Mediunidade

A mediunidade é descrita tanto pelos umbandistas quanto pelos espiritistas

kardecistas como a capacidade que todas as pessoas têm , em maior ou menor

grau, em diferentes espécies e formas de manifestação, de servir de veículo de

comunicação entre o plano físico e o plano espiritual.

2.1.1. Sintomas

Entre os sintomas de mediunidade os umbandistas definem algumas

características clássicas como o suor exagerado nas mãos e nas axilas, mãos

molhadas e geladas, maçãs do rosto vermelhas e quentes. Esses são bastante

HINO DA UMBANDA

Refletiu a luz divina, em todo o seu esplendor. Vem do reino de Oxalá, onde há paz e amor.

Luz que reflete na terra, luz que reflete no mar. Luz que vem lá de Aruanda para tudo iluminar

Umbanda é paz e amor, é um mundo cheio de luz. É força que nos dá vida

E a grandeza nos conduz Avante filhos de fé, como a nossa lei não há!

Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá. Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá

91

singulares. Outro sintoma é o da depressão psíquica, a pessoa fica instável e passa

de uma grande alegria para uma tristeza profunda; irrita-se com facilidade, chora

muito, sente melancolia e queixa-se de solidão (D’OGUM, 2012). . Nota-se que os

sintomas psíquicos são bastante comuns aos quadros clínicos de depressão,

bipolaridade e psicose.

A mediunidade pode manifestar-se também por meio de alterações no sono com

estados de sonolência ou insônia profunda seguidos por manifestações de fraqueza

e de cansaço, algumas vezes acompanhados por vômitos e diarréias. Outros

sintomas podem ser a perda de equilíbrio, a sensação de desmaio e a taquicardia.

D´Ogum explica que os sintomas apresentados costumam desaparecer com a

preparação espiritual e o desenvolvimento mediúnico, e que o tempo de cura está

relacionado ao grau de mediunidade, do interesse e da preparação espiritual do

médium.

2.1.2. Espécies

A umbanda reconhece que existem mais de cem espécies ou tipos de

mediunidade, entre os quais os mais comuns são a intuição, a incorporação, a

vidência, a clarividência, a audição, o transporte, o desdobramento e a psicografia.

A intuição é um tipo de mediunidade no qual a pessoa recebe em seu

pensamento, sob a forma de uma sugestão, mensagens provindas de um espírito. A

incorporação é a capacidade de estabelecer sintonia com a vibração do espírito e

permitir que a entidade tome conta do corpo do médium e se manifestar através

dele. A incorporação pode ser parcial quando o médium tem consciência ou semi-

consciência do que está acontecendo ou integral quando o médium fica totalmente

inconsciente. As pesquisas sobre o tema da incorporação demonstram que “a

maioria dos médiuns (mais de 95%) trabalha em incorporação parcial e uma

pequeníssima minoria (menos de 5%), em incorporação integral”(D’OGUM, 2010).

A vidência permite ao médium perceber irradiações de acontecimentos; a

clarividência é a visão de fatos do passado ou do futuro. Segundo D’Ogum a

clarividência é um tipo raro de mediunidade e possibilita ao médium ver o corpo

espiritual e mental de algumas pessoas e conhecer suas vidas anteriores. Na

92

mediunidade por audição é possível ouvir claramente as mensagens dos espíritos

de luz como se estivessem falando aos ouvidos do médium.

No caso do transporte, essa é uma espécie de mediunidade capaz de conduzir a

pessoa em jornadas espirituais para lugares distantes enquanto seu corpo físico

permanece em repouso. Compreendem-se dois tipos de transporte, o voluntário,

quando o mediu se dispõe a sair do corpo e projetar-se no espaço e o involuntário,

quando a pessoa se desloca em sonhos ou em caso de desmaios (D’OGUM, 2010).

Há também o desdobramento que é um tipo de transporte no qual a pessoa que se

projeta torna-se visível para outras pessoas.

Finalmente, a mediunidade por meio de psicografia, que é um tipo bastante

conhecido no Brasil, por meio do trabalho realizado pelo médium espírita Chico

Xavier. Essa espécie de mediunidade é considerada muito comum na umbanda, e

classificada em três modalidades: intuitiva, semimecânica ou mecânica. No primeiro

caso, a pessoa recebe as mensagens e as transcreve movido apenas pela intuição.

No segundo caso o médium vai tomando consciência da psicografia na medida em

que escreve. É um ato semimecânico por meio do qual “o espírito atua,

simultaneamente, na mente e na mão do médium” (D’OGUM, 2010). O terceiro caso

é o da psicografia mecânica, no qual o espírito atua somente na mão do médium,

que escreve sem tomar conhecimento da mensagem recebida.

2.2. Diversidade Religiosa

No que diz respeito à diversidade os umbandistas afirmam que todas as religiões

constituem os diferentes caminhos da evolução espiritual e que todas as correntes

religiosas possuem uma única finalidade, a de aperfeiçoamento dos seres humanos

que estão em processo de aprendizagem e de correção moral.

Para a umbanda existe uma lei de causa e efeito, segundo a qual nada acontece

por acaso e tudo é conseqüência dos atos praticados pela pessoa. O progresso

individual ou as situações na vida são produtos de livre arbítrio ou de escolha de

provas definidas antes mesmo da encarnação do espírito na matéria. Segundo os

umbandistas até mesmo a escolha da religião da pessoa está em correspondência

com o seu grau de compreensão e de evolução na atual vida terrena.

93

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da presente pesquisa possibilitou a compreensão de alguns

aspectos históricos, culturais e sociais relacionadas a umbanda, bem como uma

iniciação aos seus princípios e suas práticas ritualísticas. É preciso que se diga que

é preciso muito estudo sobre o tema para que o pesquisador se aproprie de alguns

conhecimentos sobre os rituais da umbanda.

O artigo que está sendo concluído pode ser considerado apenas uma

iniciação aos fundamentos umbandisticos. Historicamente sabe-se que a fundação

da umbanda data de 15 de dezembro de 1908, e que sua primeira tenda foi

construída em Niterói no Rio de Janeiro. Desde então os centros, templos, tendas e

terreiros de umbanda espalharam-se por todo o país.

PAI NOSSO UMBANDISTA

Pai nosso que estais nos céus, nas matas, nos mares e em todos os mundos habitados.

Santificado seja o teu nome, pelos teus filhos, pela natureza, pelas águas, pela luz e pelo ar que respiramos.

Que o teu reino, reino do bem, do amor e da fraternidade, nos una a todos e a tudo que criastes em torno da sagrada cruz, aos pés do divino salvador e

redentor. Que a tua vontade nos conduza sempre para o culto do amor e da caridade.

Dai-nos hoje e sempre a vontade firme para sermos virtuosos e úteis aos nossos semelhantes.

Dai-nos hoje o pão do corpo, o fruto das matas e a água das fontes para o nosso sustento material e espiritual.

Perdoa, se merecermos as nossas faltas e dá o sublime sentimento do perdão para os que nos ofendam. Não nos deixeis sucumbir, ante a luta,

dissabores, ingratidões, tentações dos maus espíritos e ilusões pecaminosas da matéria.

Enviai pai, um raio de tua divina complacência, luz e misericórdia para os teus filhos pecadores que aqui habitam, pelo bem da humanidade, nossa

irmã. E principalmente pai, nos livre de fazer mal a quem quer que seja.

94

O crescimento dessa religião é creditado às suas origens européias,

relacionadas ao catolicismo e ao espiritismo kardecista; africanas relacionadas ao

candomblé e indígenas por sua ligação com as crenças dos povos nativos

americanos. Esse vasto berço permitiu reunir numa só proposição religiosa

dissidentes de três importantes religiões já constituídas: o catolicismo, o espiritismo

kardecista e o candomblé.

Outros aspectos considerados relevantes são os de possibilidade de

mobilidade social, formação de identidade e o sentimento de pertencimento que

reuniram em torno da umbanda segmentos excluídos da sociedade nacional por

suas condições raciais ou econômicas.

O trabalho realizado permitiu alguns avanços sobre a importância da

umbanda para a elaboração de novas interpretações sobre a história do Brasil e

maiores intervenções sobre o cenário cultural brasileiro.

Nesse sentido, foram contemplados os pressupostos pela Lei 10.639/2003 e

pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e

cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica, com

disponibilização de informações acadêmicas sobre a religiosidade e a cultura afro-

brasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, com

estudos multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico, sociológico,

histórico, político e econômico.

As considerações finais sobre o tema abordado é de que são necessários

maiores estudos sobre o assunto, com recortes específicos sobre personagens,

práticas e dogmas da umbanda que possam conceder argumentos e

conhecimentos que contribuam para com a disseminação do respeito e da tolerância

frente à diversidade cultural existente na sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col.

Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987.

EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo: Mandarim,

2000.

95

NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo

Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994.

NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1973) Umbanda e questão moral: formação e

atualidade do campo umbandista em São Paulo. São Paulo. Tese de

livre-docência. FFLCH-USP.

PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no Brasil

do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 49-74, 1.sem.

1990

SITOGRAFIA

D’OGUM, João. A origem da umbanda. Disponível em:

http://www.centroespiritaurubatan.com.br/estudos/o-que-e-umbanda.html. Arquivo

acessado em 10 e setembro de 2012.

96

RESUMOS EXPANDIDOS

97

CULTURA MATERIAL E MEMÓRIAS SOBRE A COLONIZAÇÃO DO PAIQUERÊ

NA REGIÃO DE GUARAPUAVA (PR)

FÁBIO NOIMA PELOSI

Ciências Sociais - FG

Palavras-Chave: Colonos. Agricultura. Trabalho. Ferramentas. Memórias

A presente pesquisa terá como periodização a ocupação promovida pelos

colonizadores entre os anos de 1940 e 1990 e como localização espacial a

localidade do Paiquerê, localizado numa faixa de fronteira entre os municípios de

Guarapuava, Campina do Simão e Turvo. A fronteira entre Guarapuava e Campina

do Simão é a estrada que chega na localidade, e o que limita Guarapuava e Turvo é

o Rio Piquiri, que nasce nas proximidades da localidade.

Situado no interior do município de Guarapuava (PR), fazendo fronteira

geográfica com os municípios de Campina do Simão e Turvo, aproximadamente a

50 km do centro da cidade, a localidade do Paiquerê foi um contribuinte essencial

para o desenvolvimento do município, pela riqueza de floresta que possuía no final

dos anos 40,e mais aproximadamente em 1947.

A colonização do Paiquerê se deu principalmente pela chegada de serrarias na

região. As dificuldades em colonizar a região eram imensas e se não fosse o fato

das serrarias abrirem caminho, continuaria sendo uma região com poucos

moradores. Porém, antes da chegada destas madeireiras, já existiam moradores no

interior, que foram tomados pelo espírito do desbravamento e pela coragem de

enfrentar a floresta que era muito fechada, e ir abrindo carreiros para colonizar uma

terra que por ser muito fértil, era bastante promissora.

Por meio deste projeto manifesta-se o interesse na realização de uma pesquisa

de campo junto os agricultores da comunidade, com a finalidade de apresentar

aspectos da história, das formas e de técnicas de trabalhos, bem como da vida dos

agricultores responsáveis pela colonização da região Centro-Oeste do Estado.

98

O objetivo geral é o de promover a revisão histórica da colonização do

Paiquerê, na região de Guarapuava, em seus aspectos econômicos, sociais e

culturais. Especificamente procurar-se-á descrever o trabalho realizado pelos

pioneiros na colonização da região; identificar formas de cultivo da terra; Investigar

quais eram as ferramentas utilizadas no manejo agrícola; entrevistar pessoas que

viveram e colonizaram a região na época e analisar aspectos da colonização do

Paiquerê que contribuíram para o desenvolvimento de Guarapuava.

A pesquisa permitirá identificar as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros, no

cultivo da terra como condição de subsistência. O desenvolvimento da agricultura

deve ter sido uma verdadeira aventura de desbravamento uma vez que a área rural

de Guarapuava até os anos de 1945, era praticamente um sertão de mato, além de

ser uma das maiores reserva florestal da América do Sul, conforme relatos feitos

pelos autores que referenciam bibliograficamente o presente projeto.

Entre as leituras que embasam a pesquisa estão algumas de cronistas viajantes

do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Robert Avé-Lallement que em suas

incursões pelo Paraná, descrevem, por meio das obras Viagem pela comarca de

Curitiba e Viagem pelo Paraná,como eram as paisagens sobre as quais nos

reportaremos no decorrer desse trabalho.

Interessante também será a abordagem do antropólogo Claude Levi-Strauss,

que nos anos de 1930 percorreu as terras indígenas do Sul do Brasil e passou pela

região de Guarapuava, conforme relato feito no livro Tristes trópicos.

Na área econômica serão utilizadas referências de Caio Prado Junior, que na

obra História econômica do Brasil descreve o processo de colonização da América

Portuguesa. Ênfase será dada para aexpansão e a crise da produção agrária no

início do século XX.

Serão utilizadas também referencias de autores que tratam especificamente da

história do Paraná e da região de Guarapuava, tais como: Temistocles Linhares,

Nego Miranda, Tereza Urban, Jeorling J. Cordeiro Cleve, Gracita Gruber Marcondes

e Walderez Phol da Silva.

No decorrer da pesquisa procurar-se-á destacar dois aspectos: o da produção

agrícola e o de instalação de madeireiras. A partir de 1920 a economia regional

começava a girar em torno do comércio da madeira, 250 serrarias se instalaram na

região,embrenhadas em meio aquela imensidão de mato. Tais serrarias iam abrindo

99

estradas e seguiam os carreiros feitos por poucos colonos que já tinham se

instalados nas terras das cercanias de Guarapuava.

Esse é o caso próprio do local dapesquisa em questão, a localidade do

Paiquerê, a qual na época era um dos locais mais distantes do comércio de

alimentos e de ferramentas, bem como dos serviços básicos de saúde, entre outros.

Dos fatores expostos, resulta o interesse dessa pesquisa de campo, para

identificar e relatar como sobreviviam os pioneiros que abriram caminhos em meio a

mata para ocupar, povoar e colonizar a região de Guarapuava.

Tendo como linha de pesquisa a Sociologia Agrária, pretende-se construir um

referencial de investigação a partir de entrevistas e contatos com os moradores mais

antigos da localidade. Aos depoimentos coletados será apensado um referencial

bibliográfico consistente com a temática abordada além de fotografias e

documentaçãosobre a colonização do Paiquerê.

REFERÊNCIAS

AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Coleção farol do Saber.

Curitiba: Fundação Cultural, 1995.

CLEVE, Jeorling J. Cordeiro. Povoamento de Guarapuava: cronologia histórica.

Curitiba: Juruá, 2007.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras,

1996.

LINHARES, Temistocles. Paraná Vivo. Coleção Brasil DiferenteCuritiba: Imprensa

Oficial, 2000.

MARCONDES, Gracita Gruber. Guarapuava: História de luta e trabalho.

Guarapuava: Unicentro, 2008.

PRADO JR. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1980.

SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pela comarca de Curitiba.Coleção Farol do

Saber. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.

100

AGRICULTURA FAMILIAR: COTIDIANO E TRABALHO DA COMUNIDADE DO

ASSENTAMENTO JABUTICABAL NO MUNICIPIO DE GOIOXIM- PR.

JAITON MIQUEIAS PASSOS ROCHA

Ciências Sociais - FG

O projeto de pesquisa apresentado trata-se de um estudo de caso

estabelecendo o cotidiano e a identidade dos moradores de assentamento

Jabuticabal em Goioxim – PR, trabalhando aspectos econômicos, sociais, culturais e

políticos.

O município de Goioxim possui, conforme dados do governo Federal, um dos

piores Índices de Desenvolvimento Humano - IDH do Paraná e localizado na região

da Cantuquiriguaçu, conhecida entre os Territórios da Cidadania por possuir um dos

IDHs menos desenvolvidos do Brasil, Goioxim possui um população de 7.993

habitantes, sendo que desses 6.254 residem no meio rural.

Goioxim está dividido em 26 comunidades com aproximadamente 1.954 familias

de pequenos agricultores. Caracteriza-se por possuir grande número de

assentamentos, cerca de 11, com 382 famílias assentadas pela Reforma agrária.

Os agricultores trabalham na produção de milho, feijão, fumo, soja, arroz, mandioca

e na produção de leite. Devido a baixa produção das propriedades e pequena

produtividade por área plantada os agricultores encontram-se descapitalizados.

O tema a se desenvolver durante a pesquisa deve promover o

acompanhamento do cotidiano e das formas de produção dos moradores do

assentamento Jabuticabal em Goioxim (PR). O estudo abordará singularidades da

vida nos assentamentos paranaenses por meio de um cronograma de ações que

envolvem a metodologia científica da observação participante, com técnicas de

pesquisa das três grandes áreas das ciências sociais: sociologia, antropologia e

política.

Serão fundamentais para a complementação do trabalho a coleta de

informações sobre as condições de vida dos assentados, as atividades cotidianas, a

agricultura familiar, os programas de sustentabilidades e as práticas culturais que

101

asseguram a formação de uma identidade própria das pessoas que vivem nos

assentamentos rurais do Paraná.

O objetivo geral de pesquisa é o de investigar aspectos sobre cotidiano e

trabalho dos moradores do assentamento Jabuticabal no município de Goioxim (PR),

observando-se aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Os objetivos

específicos são os de promover estudos teóricos estabelecendo conceitos e

relações entre a agricultura familiar e a historia agrária; investigar aspectos

históricos e sociais da ocupação e do assentamento; coletar dados sobre o cotidiano

dos moradores e as formas de trabalho desenvolvidas na localidade; demonstrar as

condições de vida e as expectativas dos moradores do assentamento; apresentar os

resultados de pesquisa em seminários e eventos científicos para ampliar debates

sobre a temática de estudo.

Sobre a temática dos assentamentos rurais Emília Bandeira Perissato e

Angélica Schiavão Bandeira procuram conceituar o termo e estabelecer relações

entre tais áreas e a questão agrária de luta pela terra no Brasil:

Os assentamentos rurais são áreas destinadas à reforma agrária. Terras improdutivas ou com outra irregularidade podem ser desapropriadas e destinadas para instalação de assentamentos. Terras devolutas também podem ser utilizadas para o mesmo fim. É importante destacar que os proprietários não perdem a terra; eles recebem o valor de sua propriedade e das construções realizadas. As áreas desapropriadas são destinadas a famílias que têm interesse em trabalhar no campo. Elas não ganham a terra; mas tem um plano especial de financiamentos e crédito, e um prazo para pagar. As propriedades em assentamentos não podem ser vendidas. As famílias assentadas podem ou não estar ligadas a um movimento de luta pela terra. (PERISSATO e BANDEIRA,2012, p.3)

Para as autoras que realizaram estudos sobre o município de Querência do

Norte (PR), a criação dos assentamentos não significa mudanças profundas na

estrutura da posse da terra e nem culmina com o fim dos latifúndios, porém tal

política de assentamentos permite o acesso à terra por parte de famílias que não

contavam com tal benefício:

Não podemos considerar assentamentos rurais como sinônimo de reforma agrária. A realização de assentamentos, tal qual vem sendo feita no Brasil, não proporciona alteração na estrutura fundiária em nível mais amplo; localmente os resultados são interessantes, pois o latifúndio se torna terra produtiva e famílias, antes sem terra, podem desenvolver suas atividades em busca de uma melhor qualidade de

102

vida. Todavia, isso não impede que outros latifúndios surjam, e nem extingue a concentração de posse da terra no Brasil.(PERISSATO e BANDEIRA,2012, p.4)

O objetivo de estudo de este trabalho, é pesquisar acerca do assentamento de

Jabuticabal localizado no município de Goioxim no estado do Paraná, levando-se em

consideração que a questão agrária se tornou uma das ramificações da pesquisa

sociológica inerentes ao meio acadêmico dos países latino-americanos. Maria Yeda

Linhares afirma que essa linha de pesquisa ganha cada vez mais espaço no Brasil

com o surgimento dos primeiros estudos relacionados às técnicas de trabalho

agrícola e às relações do homem com a natureza.(LINHARES, 1997 p.165).

No Assentamento Jabuticabal em Goioxim a Agricultura familiar é

predominante, também como a bovinocultura de leite, devido ao relevo declivoso

com poucas áreas planas dificulta a implantação de lavouras, onde se tem como

principal atividade a produção leiteira. O morador do assentamento Oclides Miranda

de Lima conhecido na região como “palito”, foi o primeiro a ser certificado no Paraná

pela produção de leite orgânico pelo programa paranaense de certificação de

produtos orgânicos, o produtor juntamente com sua família conseguiu certificar

também a produção de hortaliças, grãos e frutas.

De acordo com a engenheira agrônoma Carla Leite uma das executoras do

programa, o processo de certificação iniciou-se em 2009, com o apoio da EMATER

e o manejo orgânico tem origem nos laços familiares e no apoio e incentivo

governamental por meio de políticas agrícolas desenvolvidas para os

assentamentos. (EMATER, 2012)

Linhares argumenta que apenas num segundo momento foram privilegiadas

questões como as condições de vida e o cotidiano dos trabalhadores rurais e o

imposto social da introdução de tecnologias agrícolas.

Como se tem ressaltado tantas vezes, a historia da gente

comum que trabalha, come, dorme, gera filhose saberes

variado, e que na sua faina cotidiana transforma a natureza

ao criar meios de substancia e técnicas, custou a entrar nas

preocupações do pesquisador nas preocupações do

103

pesquisador como objeto de estudo. (LINHARES, ANO

p.165).

No que diz respeito ao impacto dos assentamentos ela observa que a falta

de infraestrutura, aliada as dificuldades de estabelecimento na terra e a escassez

de recursos para a agricultura familiar são fatores que exercem efeitos negativos

sob a vida dos assentados e sobre os resultados da produção agrícola e/ou

alternativa.

Nesse sentido, ela avalia que a criação dos assentamentos e as expectativas

que os rodeiam, bem como sua existência enquanto espaço de referencia para

pequenos produtores, fazem com que o assentamento se torne um ponto de

partida de novas demandas e reivindicações que são reivindicadas pelas

comunidades assentadas junto ao poder publico com a finalidade de ampliar a

capacidade organizativa e produtiva dos assentamentos.

Leonilde Servolo de Medeiros analisa o perfil da população estudada indica

os assentamentos vêm possibilitando o acesso a propriedade da terra para uma

população historicamente excluída e que, embora mantendo anteriormente algum

tipo de inserção no mercado de trabalho, o fazia em condições bastante instáveis e

precárias.

Segundo ela a questão agrária no Brasil caracteriza-se pela (re)emergência

de diversas organizações rurais capazes de, novamente, erguerem a bandeira da

reforma agrária e reivindicarem a ampliação do acesso à terra para a população sem

terra do País. O resultado dessas lutas sociais concretizou-se em centenas de

assentamentos rurais, hoje espalhados em praticamente todos os estados

brasileiros. A autora, em suas obras, discute a multifacetada formação dessas novas

áreas, a gênese e o desenvolvimento das formas de reivindicação e pressão social,

o papel das organizações rurais e dos movimentos sociais, as tendências, evolução

e marcas principais dos assentamentos rurais e as relações com o Estado e suas

políticas, além de mapear os principais processos sociais desencadeados no

período, em diferentes regiões, com a multiplicação destas novas áreas.

Medeiros analisa também as dificuldades para os filhos dos agricultores,

familiares se estabelecem como produtores, e considera que os assentamentos

104

representam nas regiões analisadas uma importante alternativa de trabalho e de

acesso a terra para uma população de baixa escolaridade. Para ela a criação do

assentamento tornou possível a essa população, centrar suas estratégias de

reprodução familiar e de sustento econômico na produção de leite como é o caso da

maioria das famílias que serão analisadas.

Com isso os assentados acabam promovendo mudanças na cena política

local e regional. A forte presença dos assentados nos espaços públicos e mesmo

nas disputas eleitorais faz com que essa população conquiste uma identidade social

representativa. Dessa forma acreditamos que passam a atuar como agentes sociais,

transformando seu papel de oprimido em sujeitos de transformação social que lutam

efetivamente por seus direitos.

Será utilizada como referência pesquisa da EMBRAPA (2004) que demonstra

que durante o século XX, a agricultura passou por um processo radical de

transformações. Devido a sua integração à dinâmica industrial de produção e a

constituição do complexo agroindustrial, com a alteração da base técnica e

tecnológica da produção agrícola, assim como a composição das culturas. Neste

mesmo período, houve um acúmulo enorme de conhecimento científico e

tecnológico e é inegável que seus avanços foram cruciais para garantir a segurança

alimentar de alguns povos (EMBRAPA, 2004 apud BRASIL 2004).

As primeiras leituras feitas em torno do tema demonstram como surgiram os

primeiros estudos para especificar as linhas de pesquisa voltadas para a agricultura,

privilegiando - se as praticas agrícolas, ciências e técnicas agrícolas, modos de

produção e meio ambiente.

A partir dessas fontes e informações iniciais, pretende-se realizar a pesquisa

proposta de modo a fazer cumprir os objetivos especificados no presente projeto,

considerando-se os aspectos relacionados a educação, saúde, política, economia e

cultura.

105

Escola do assentamento Jabuticabal em Goioxim (PR). Imagem Disponível em:

http://www.portalcantu.com.br/portal/parana/goioxiim/item/4571-goioxim-jabuticabal-ganha-nova-

escola. Acessada em 19 de novembro de 2012.

Para o desenvolvimento e conclusão do trabalho serão utilizadas serão

utilizadas fontes bibliográficas com suporte teórico de autores relacionados à

temática da história agrária e da agricultura familiar , bem como clássicos de

economia e sociedade. Poderão ser utilizados dados do Instituto Paranaense de

Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e da EMBRAPA. Na pesquisa de

campo junto ao assentamento que é objeto de estudo serão feitas visitas e

fotografias bem como a realização de entrevistas com pessoas do assentamento.

8. REFERÊNCIAS

ARL, Valdemar. Agricultura Familiar: Terra, Alimento e Vida. Passo Fundo- RS:

Berthier, 2001.

106

GIRARDI, PAULON Brasil. A luta pela terra e a politica de Assentamentos rurais

no Brasil: A reforma agraria conservadora. Agraria, São Paulo, 8, pp.73,98. Agos.

2008.

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Domínios da Historia: Ensaios de teoria e Metodologia. Rio De Janeiro: Elsevier,

1997.

PRADO JR, Caio . Historia Econômica do Brasil.Ed 23°. Ed brasiliense 1980.

SALLES, Julieta. Assentamentos rurais e produção de alimentos básicos:

abordagem a partir de um estudo de caso. Cadernos de debate. São Paulo, V1. N1p

1-13. MAI.1995

WANDERLEI, Maria Nazaré Baude. A valorização da Agricultura familiar e

areinvindicação da realidade no Brasil. Revista Desenvolvimento e meio

ambiente, n2. P.29-37. Jul./Dez 2000.

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imprensa partidária na constituição de uma linguagem de classe. Disponível em:

http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/quatro/leo4.htm.

Acessado em 21 de maio de 2012.

NEVES, Erivaldo Fagundes. História agrária e história regional na

perspectivasócio-econômica. Disponível em:

http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/erivaldo_fagundes_neves.pdf.

Acessado em 9 de novembro de 2012.

PERISSATO, Emília Bandeira e BANDEIRA, Angélica Schiavão. Assentamentos

rurais e desenvolvimento local: O caso de Querência do Norte (PR). Disponível

107

em: http://www.dge.uem.br/semana/eixo4/trabalho_36.pdf. Acessado em 19 de

novembro de 2012.

VARGAS, Alexandre. Agricultura Familiar e Sustentabilidade.Disponível em:

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em 9 de novembro de 2012

EMATER DADOS - Disponível em: HTTP//http://www.redesuldenoticias.com.br/noticia.aspx?id=34537. Acessado em 9 de novembro de 2012.