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1 CONTATO SOCIAL REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Nº 1 ANO 1 - 2011 PESQUISA ACADÊMICA E INTERVENÇÃO SOCIAL

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CONTATO SOCIAL

REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Nº 1 – ANO 1 - 2011

PESQUISA ACADÊMICA E INTERVENÇÃO SOCIAL

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UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA

Cleri Becher de Mattos Leão Diretora Presidente

Leonardo Becher de Mattos Leão

Diretor Administrativo

FACULDADE GUARAPUAVA - FG

Carlos Alberto Ferreira Gomes Diretor Geral

CONTATO SOCIAL

REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ANO I – Nº 1 - 2011

PESQUISA ACADÊMICA E INTERVENÇÃO SOCIAL Artigos Científicos e Resumos Expandidos

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes

Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes

Prof.Ms. Ernando Brito Gonçalves Júnior

Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva

Profª.Ms. Rosimeri Schaia Pedroso

COMISSÃO DE APOIO

Carlos de Jesus Lima (Filosofia) Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia)

Eliane Lupepsa Costenaro (História) Gilce Primak Niquetti (Pedagogia)

Leticia Larsson (Pedagogia) Luciano (História)

Luciana Sékula (Psicologia) Silvana da Silva Carneiro (Serviço Social)

Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências

Sociais que já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de especialização Lato Sensu.

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2011.

ÍNDICE

GONÇALVES JR. Ernando Brito e GOMES, Cerize Nascimento (Orgs). Contato Social: Pesquisa acadêmica e

intervenção social. 161 páginas. Guarapuava (PR): Faculdade Guarapuava. Revista Contato

Social, Nº 1, Ano 1, 2011. Palavras Chave: Sociedade. Ensino. Pesquisa.

Intervenção. Políticas Públicas.

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ÍNDICE

1 - A educação integral no contexto republicano: corpo, mente e civísmo - Ernando Brito Gonçalves Júnior p. 06 2 - As condições materiais da vida na relação família – escola : A experiência do bairro caçula no Município de Cantagalo(PR) - Márcia Regina Weber p. 21

3 - Crenças e práticas ciganas : um olhar da antropologia sobre a obra Magia cigana de Charles Leland - Gilce Francisca Primak Niquetti, Deorlene Pacheco Fonseca e Claudinor Tomasi p. 37

4 - Jogos de linguagem: Treinamento, maquinaria e formas de vida - Carlos de Jesus Lima p. 50 5 - A teoria da dominação : impressões de Paulo Freire sobre educação e relações de poder na América Latina - Cerize Nascimento Gomes p. 73

6 - Estudos sobre a organização política e a representatividade social da Comunidade Quilombola Invernada Paiol De Telha Fundão – Município de Pinhão (Pr) – Valmir Jocoski p. 98

7 - O ensino de cultura afro-brasileira e as manifestações de religiosidade dos afro-descendentes - Neiva da Cruz Antunes Camargo, Lucélia Terezinha Araujo Pietras e Nicéia Rodrigues p.101

8 - As transformações ocorridas no cotidiano, no comportamento e na constituição da família na sociedade contemporânea - Joelma Eleutério Chimilovsk p. 104 9 - Considerações sobre assessoria e consultoria em serviço social - Sonia Roth Bruger p. 107 10 - Considerações sobre o mundo das relações do trabalho - Megi Monique Maria Dias p. 112 11 - A origem contratual do estado: considerações sobre o modelo hobbessiano - Nayara Cristina Bueno p. 116 12 - Imagens e linguagens urbanas: fotografia das contradições sociais - Ciro Nascimento Gomes e Affonso Markovicz p. 121

13 - Biotecnologias cooperativismo e desenvolvimento sustentável: o exemplo da coopaflora no Município de Turvo – PR - Débora Machado e Deniam José Viana p. 125

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14 - Educação indígena: abordagens temáticas e sociodiversidade dos povos indígenas na região de Guarapuava – Luciane Pietras, Thais dos Santos e Thiago da Luz Brito p. 128 15 - Educação ambiental: quem vai ensinar o que para quem? Larize de Lima Belo e João Luiz de Campos p.131 16 - Considerações sobre a aprovação da união estável entre casais homoafetivos pelo Supremo Tribunal Federal e o impacto social dessa nova forma de família - Lais Martins Oliveira p. 134

17 - O campo como cenário de políticas públicas na área de educação: A experiência do Projovem no município de Candói (PR) - Ilda Aparecida da Silva Ressai e João Rodrigues p. 141

18 - Um olhar da psicologia social sobre a pessoa com necessidades especiais: olhar para a diferença e ser olhado como diferente – Luciana Sékula p. 145 19 - A psicologia do clown no comportamento social: Relato de experiência com o projeto cultural Dantemus do Município de Reserva do Iguaçu - PR - Sergius Ramos p. 149 20 - “Eu” e “não-eu”: Ponderações sobre as relações ocidente/oriente a partir de observações sobre a morte de Osama Bin Laden - Rodolfo Grande Neto p. 155 21 - Bloch e Weber: ensaio sobre os diálogos entre a escrita da história e da sociologia durante os séculos XIX e XX - Gisele Cristina Fogaça p. 161

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A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO CONTEXTO REPUBLICANO: CORPO,

MENTE E CIVÍSMO

Ernando Brito Gonçalves Júnior

Docente do curso de Ciências sociais

Faculdades Guarapuava

RESUMO: A pesquisa em tela tem como objetivo discutir a proposta de “educação integral” apresentada por Dario Vellozo - importante intelectual, escritor e professor que viveu no Paraná entre os anos 1885 e 1937. Segundo Vellozo, seria por meio das educações física, intelectual, moral, estética e cívica que o cidadão estaria apto a ingressar e atuar na sociedade. Nossa análise tomou como fonte seu manual didático intitulado Compêndio de Pedagogia, publicado em 1907, buscando compreender como o autor articula suas ideias de formação do aluno. Assim, na presente pesquisa, buscamos fazer uma análise pautada pela História Intelectual, levando em consideração os elementos textuais e contextuais. Por fim, concluímos que Vellozo defendia que a formação do cidadão deveria ser fomentada pela ideia de formação do corpo e da mente, com base na ciência e em alguns ideais republicanos.

PALAVRAS-CHAVE: Dario Vellozo; Educação; História Intelectual.

O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por

transformações em diversos âmbitos no Brasil. Essas mudanças interferiram de

maneira substancial na sociedade brasileira, pois, além de transformações no

cenário político do país, questões culturais e sociais sofreram impactos devido

às novas formas de pensamento e de projetos sociais. Nesse sentido, seguindo

o exemplo dos grandes centros brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, o

estado do Paraná também respirou esses ares de transformação. De acordo

com Etelvina de Castro Trindade e Maria Luiza Andreazza (2001, p. 66), “[...]

qualquer pessoa que chegasse às cidades paranaenses no período da

Primeira República encontraria, em maior ou menor grau, alguns signos da

então moderna tecnologia: telégrafo, telefone ou luz elétrica; depois

automóveis e bondes”.

Nesse sentido, Amélia Siegel Corrêa aponta, em sua dissertação acerca

da imprensa e política no Paraná, que as ideias de modernização:

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[...] refletiam-se no desenvolvimento material da cidade, cada vez mais urbanizada, com alterações arquitetônicas, difusão da luz elétrica, bondes, calçadas, telégrafo. Obras como a Estrada da Graciosa, concluída em 1873, e a ferrovia, entregue em 1885, trouxeram, para a capital, vários engenheiros (CORRÊA, 2006, p. 31).

O projeto de expansão da capital paranaense foi desenvolvido pelo

governo do estado pautado em um discurso de modernidade e civilização. A

higienização do centro da cidade, a expansão das redes de esgoto, o

alargamento das praças, a arborização e os calçamentos das ruas foram

algumas das prioridades do governo paranaense (TRINDADE E ANDREAZZA,

2001).

Em virtude de todo esse processo de transformação vivenciado em

Curitiba, várias correntes de pensamento ganharam adeptos e começaram a se

destacar no cenário intelectual curitibano. Entre elas, o Anarquismo1,

movimento de defesa de ideias anticlericais2, liderado por Dario Vellozo, o qual

travou uma intensa batalha contra os clérigos paranaenses; os Católicos3, que

lutavam para manter o ensino religioso; e o Simbolismo4, movimento literário

que também teve a participação de Dario Vellozo.

Entre os vários nomes de personagens que se destacaram na época

como intelectuais, no sentido exposto acima, utilizaram como foco de nossa

pesquisa o carioca Dario Vellozo, que viveu no Paraná entre os anos de 1885

até 1937, e teve toda sua produção intelectual gestada nesse estado.

1 Sobre o anarquismo, em Curitiba nos remetemos a VALENTE, Silza Maria Pazello. A

presença rebelde na Cidade Sorriso: contribuição ao estudo anarquista em Curitiba (1890-1920). 1992. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, 1992. 2 Essa questão é bem discutida no livro de MARCHETTE, Tatiana Dantas. Corvo no galho

das acácias: o movimento anticlerical em Curitiba (1896-1912). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. 3 Para maiores informações sobre os projetos educacionais católicos, ver: CAMPOS, Nevio de.

Laicato Católico: o papel dos intelectuais no processo de organização do projeto formativo da Igreja Católica no Paraná (1926-1938). 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2002. 4 Movimento pode ser entendido, segundo D’Onofrio (2002, p. 405): “[...] como movimento

estético. Surgiu na França e vigorou nas duas últimas décadas do século passado, na fase da belle époque, época da boemia de Montmartre, chamados de ‘poetas decadentes’, tomados pela sensação do fin du siècle. Acusa a crise dos ideais do complexo cultural positivista e apresenta uma nova proposta estética, fundamentada em valores espirituais. [...] Voltando, de um certo modo, à estética romântica, o Simbolismo aperfeiçoa o gosto pelo mistério das coisas, na tentativa de captar a realidade secreta do universo, nesse, encontrando uma Alma e descobrindo a correspondência entre os diversos elementos da natureza, expressa artisticamente através da metáfora sinestésica: ideias aromáticas, flor canora, luz falante, cheiro das cores, etc.”.

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A escolha de Dario Vellozo se deve pela sua importância no cenário

intelectual paranaense. Vellozo foi profícuo poeta, tipógrafo e professor de

História, fundou e teve participação na criação de várias revistas e jornais, foi

um dos participantes da fundação do IHGPR (Instituto Histórico e Geográfico

Paranaense) e criou o INP (Instituto Neo-Pitagórico). Além disso, Vellozo via a

educação como o principal caminho para transformar a sociedade,

empenhando-se ao máximo pela instrução da população, fosse através de

suas aulas nas escolas ou no Instituto Neo-Pitagórico, ou de seus textos para

conduzir a uma nova forma de sociedade.

Dario Persiano de Castro Vellozo nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de

novembro de 1869, e mudou-se para Curitiba no ano de 1885, com 16 anos, na

companhia de seu pai e irmão; fez do estado do Paraná seu “lar” e defendeu,

perante os novos traços da República, o lugar do estado no cenário nacional.

Sua vida desde cedo esteve relacionada ao mundo da imprensa e da

literatura. Em seu primeiro emprego, ainda no Rio de Janeiro, trabalhou como

aprendiz de encadernador e posteriormente tipógrafo. Pouco depois de sua

chegada à cidade de Curitiba, trabalhou como tipógrafo do jornal mais antigo

do Paraná, o Dezenove de Dezembro.

Vellozo logo entrou em contato com diversos intelectuais e passou a

integrar esse rico cenário que se configurava na cidade de Curitiba.

Juntamente com outros pensadores do período - como Ermelino de Leão,

Emiliano Pernetta, Júlio Pernetta, Silveira Neto, Romário Martins, entre outros -

, fundou várias revistas e escreveu diversos livros revelando-se um dos mais

fecundos e importantes escritores do Paraná.

Dario Vellozo era também adepto da maçonaria, assim como muitos dos

intelectuais curitibanos desse período, e defensor de ideias “neopitagóricas”.

Foi um dos membros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico

Paranaense, em 1900, e fundou, em 1909, o Instituto Neo-Pitagórico5. Nesse

instituto, além de reuniões para discussões de obras, eram promovidas festas

ao estilo dos cultos helênicos (ANDRADE, 2002).

5 O INP funciona até hoje. Nesse instituto são organizadas reuniões, palestras, cursos e

oficinas abertas ao público sobre diversos temas como filosofia, história das religiões e ocultismo, entre outros. Além disso, a instituição possui uma biblioteca com vários livros publicados por sua editora no período que aqui nos interessa. O INP possui um site com mais informações: http://www.pitagorico.org.br/. Acesso em: 16 de julho de 2009.

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No que diz respeito ao ensino, Vellozo também possuía, para o quadro

em pauta, um olhar diferenciado. Foi professor no Ginásio Paranaense a partir

de 1899, além de colaborador, redator ou editor de revistas voltadas ao ensino,

como A Escola (órgão do grêmio dos professores; 1906-1910), Pátria e Lar

(1912-1913) e Brazil Cívico (1918-1919).

Sua atuação editorial teve visibilidade maior principalmente devido à sua

fama e respeito, adquiridos em seu trabalho como professor. No papel de

educador, ele pôde demonstrar sua vasta erudição:

[...] formando em seus alunos verdadeiros discípulos que se constituiriam, com o grupo dos “novos”, em continuadores das preocupações literárias do grupo do Cenáculo. Foi no periódico fundado por esses seus alunos, o Fanal, que essa admiração ficou expressa, tanto na deferência com que se referiam a Dario, como nas afirmações de que ele os inspirava (DENIPOTI, 2001, p. 80).

Sendo assim, suas preocupações pedagógicas, “[...] aliadas às suas

preocupações com a formação teórica e prática do cidadão, além de seu perfil

intelectual” (DENIPOTI, 2001, p. 80), culminaram na fundação da Escola Brazil

Civico, na cidade de Rio Negro, ao sul de Curitiba, em 1913. A escola trazia,

além das disciplinas teóricas curriculares, cursos profissionalizantes de

agricultura, comércio, artes e indústria (DENIPOTI, 2001). Devido aos conflitos

entre o Exército e os revoltosos do movimento do Contestado, a escola foi

obrigada a se transferir para Curitiba. Porém, não durou muito tempo e antes

de completar um ano foi fechada.

No que se refere à concepção de escola de Dario Vellozo, segundo

Maria Lucia de Andrade (2007, p. 192), para ele a “escola moderna [...] deveria

ser antes de tudo laica, pública, profissionalizante e obrigatória”. Dario Vellozo

ainda escreveu dois livros didáticos que foram muito utilizados pelas escolas

curitibanas: Licções de História (1902) e Compêndio de Pedagogia (1907).

Devido ao seu grande reconhecimento como professor, as obras de

Dario Vellozo supracitadas tiveram repercussão após suas publicações.

Compêndio de Pedagogia teve grande receptividade no cenário educacional

paranaense: “os livros didáticos de Dario Vellozo contavam com um público

cativo entre os professores de todo o país.

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Mesmo antes de sua publicação, já se criava uma grande expectativa

em torno do Compêndio de Pedagogia6 (DENIPOTI, 2001, p. 82).

Vellozo se aposenta do cargo de professor em 1930, porém, continua

escrevendo textos e livros até seus últimos dias. Em 1933, escreve Atlântida,

seu ultimo livro, continua escrevendo outros textos menores e liderando as

reuniões no INP. Em 1937, escreve o que seria seu último texto, Jesus

Pitagórico, já com a saúde debilitada, e falece em 28 de setembro daquele ano.

Para a melhor compreensão da obra, Compêndio de Pedagogia,

faremos uma análise da relação entre a obra e o contexto no qual ela foi

concebida. Para tanto, utilizaremos, como proposta de abordagem, a História

Intelectual, mais especificamente a proposta francesa de investigação histórica

das ideias e de seus produtores, os intelectuais.

Comecemos por destacar a existência de, pelo menos, duas abordagens

ou duas formas de fazer História Intelectual: a intellectual history e a histoire

intellectuelle. A primeira diz respeito a uma abordagem feita principalmente

pelos estadunidenses, voltada mais para as preocupações linguísticas e

literárias de uma obra (CHARTIER, 2001). A segunda, com a qual dialogamos,

surgiu na historiografia francesa e tem como seu principal foco “[...] o

posicionamento das ideias, situando-as em seu contexto (intelectual e histórico)

de produção” (SILVA, 2002, p. 12). Nesse sentido, essa abordagem busca

fazer uma análise visando uma articulação entre os elementos internos e os

externos da obra. Assim, “[...] a história intelectual deve privilegiar a leitura de

um texto em relação ao seu contexto. Isso significa considerar a obra em

relação à formação social e cultural de seu autor, ao espaço ou “campo” de

produção e à conjuntura histórica dessa última” (SILVA, 2002, p. 12).

Acreditamos que a proposta de pesquisa delineada pela História

Intelectual francesa deve ser fomentada em analisar as obras levando em

consideração seu texto e o seu contexto de produção, como bem apontou

Carlos Eduardo Vieira:

6 Segundo Cristiane Vitório de Souza, em dissertação sobre as leituras pedagógicas de Silvio

Romero, Romero possuía uma biblioteca específica de livros sobre educação e, entre eles, existe um exemplar da primeira edição do livro Compêndio de Pedagogia, de Vellozo. Para mais informações, ver: SOUZA, Cristiane Vitório de. As leituras pedagógicas de Silvio Romero. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFSE (Universidade Federal de Sergipe), São Cristóvão, 2006.

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De forma similar a história intelectual investe na análise dos processos de produção, circulação e recepção das ideias e dos discursos científicos, políticos, pedagógicos ou artísticos, desenclausurando-os da lógica e do método internalista da tradicional história das ideias (VIEIRA, 2008, p.80).

No que diz respeito ao intelectual, vários autores se propuseram a

discutir o papel desses agentes na sociedade e alguns traços que possam

qualificar um indivíduo como tal. Carlos Eduardo Vieira nos apresenta quatro

aspectos que, segundo ele, são fundamentais para concebermos os

intelectuais como agentes sociais que possuem certa visibilidade na esfera

cultural e atuam no campo político (VIEIRA, 2010). Os aspectos são

apresentados da seguinte forma:

1) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo do século dezenove e vinte, produziu a identidade social do intelectual; 2) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou de dever social; 3) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a relação entre educação e modernidade; 4) assunção da centralidade do Estado como agente político para a efetivação do projeto moderno de reforma social. (VIEIRA, 2010, não publicado)

7.

Partindo desse pressuposto traçado pelo autor, identificamos que Dario

Vellozo, objeto de nossa pesquisa, pode ser relacionado com as dimensões

descritas acima. Longe de pensarmos em uma definição forçada e engessada,

essas ideias de atuações e vinculações dos intelectuais propostas por Vieira

nos possibilita enxergamos as diversas possibilidades de atuações desses

agentes sociais.

Passamos agora a discutir um pouco a questão do manual produzido

com finalidade didática. Esse artefato da cultura escolar, apesar de ser de fácil

identificação e de, em geral, as distinções entre esse tipo de publicação e

outros livros serem dadas ou apresentadas sem grandes reflexões, à obra de

cunho didático se constitui em um objeto de difícil definição (BITTENCOURT,

2008). Segundo Bittencourt: “é um objeto de múltiplas facetas, e para a sua

elaboração e uso existem muitas interferências” (BITTENCOURT, 2008, p.

301).

Objeto material de grande importância no processo de construção de

uma cultura escolar e de uma tecnologia de gestão da sala de aula e do

7 VIEIRA, Carlos Eduardo. Erasmo Pilotto: identidade, engajamento político e crenças dos

intelectuais vinculados ao campo educacional no Brasil. Curitiba, 2010. Não publicado.

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coletivo de alunos, em que as noções de ordem e de método assumem uma

enorme centralidade, os manuais didáticos foram, simultaneamente,

instrumentos de inovação e de controle, pois atribuíam legitimidade a um

conjunto de ideias e de práticas (e retirarem a outros), ao mesmo tempo em

que apelavam à socialização e afirmação profissional dos futuros professores

com base num conjunto em que se articulavam o saber, o saber-fazer e o

saber-ser. (CARVALHO, 2007)

Entendemos que os livros didáticos “[...] não são apenas instrumentos

pedagógicos: são também produtos de grupos sociais que procuram, por

intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus valores, suas tradições,

suas culturas” (CHOPPIN apud BITTENCOURT, 2004, p. 69).

Assim, Começamos por destacar que a primeira edição da obra

Compêndio de Pedagogia, em 1907, foi subsidiada pelo governo do Paraná e

se tornou de uso obrigatório nas Escolas Normais do estado. Isso nos mostra

que Vellozo comungava, pelo menos em algumas questões educacionais, com

as preocupações e ideias as quais o governo estadual estava interessado em

propagar nesse período e que, em contrapartida, o governo enxergava no autor

e em suas obras instrumentos de divulgação e formação de ideias e de

motivação de ações.

No que tange a elementos textuais da obra, o livro é dividido em três

partes que correspondem aos três anos dos cursos normais. O primeiro ano é

composto por dez lições e começa com uma definição de Pedagogia; em

seguida, apresenta-se uma trajetória histórica da educação, começando pela

educação na Antiguidade, passando pelos povos chineses, egípcios, pelo

período medieval e terminando no que Dario Vellozo chama de tempos

modernos. Nessa primeira parte, Vellozo mostra, portanto, sua definição de

Pedagogia. Segundo ele, a “Pedagogia é a arte e a ciência da educação.

Ensina a ensinar: indica os meios, regras e preceitos de que deve servir-se o

professor a fim de instruir e educar os alunos” (VELLOZO, 1975, p. 395).

A segunda parte do livro (o segundo ano), para a qual dedicaremos um

olhar mais cuidadoso, também é formada por dez lições, tendo início com uma

descrição dos métodos de ensino indutivo e dedutivo, passando por princípios

didáticos, modos, formas e processos de ensino. As últimas lições dessa parte

serão tomadas como os principais objetos de análise e reflexão, pois são as

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que melhor representam a tentativa de formar alunos/professores condizentes

com os ideais republicanos. Essas lições estão divididas em Educação Física,

Intelectual, Moral, Estética e, por fim, a Educação Cívica, cada uma com

algumas ramificações que serão discutidas e apresentadas mais adiante.

A última divisão da obra (o terceiro ano) abarca 11 lições, que se iniciam

com uma abordagem sobre a iniciação à leitura e à escrita, passando por

estudos da língua portuguesa, bem como estudos de geografia, de história, de

ciências, de desenho, de música, de canto, além de instruções morais e cívicas

que o professor deveria ensinar para o aluno.

Indicaremos, a priori, um itinerário para que se possa compreender por

que esses pontos são essenciais para entendermos como Vellozo concebia a

educação. Para ele, a educação era um “[...] conjunto de ponderados esforços

no sentido de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais do

indivíduo, facultando-lhe meios de aperfeiçoamento, para felicidade própria e

alheia” (VELLOZO, 1975, p. 397). Assim, entendia que a educação deveria

ocorrer em vários âmbitos, pois o cidadão pleno deveria ser bem instruído,

possuir aptidões físicas e zelar pelo convívio, buscando uma sociedade

harmônica.

Nesse sentido, lançaremos um olhar mais apurado à lição VIII do

compêndio de Dario Vellozo, intitulada “da educação em geral”. Nesse item,

Vellozo discute a educação e suas ramificações, explicando a importância de

cada uma para formar um indivíduo apto para os desafios da vida e para bem

servir à família, à pátria e à humanidade (VELLOZO, 1975). Acreditamos que

nessa parte do compêndio se concentra o cerne principal da concepção de

educação formulada por Vellozo.

Vellozo entendia que a educação dividia-se em física, intelectual, moral

e estética. Vellozo também cita a educação cívica que perpassaria as outras

formas de educação e teria como objetivo ensinar os direitos e deveres do

cidadão. Assim, a educação física, intelectual, moral e estética propiciariam ao

cidadão cumprir suas atuações cívicas.

Nesse sentido, Vellozo entendia que a educação era um: “[...] conjunto

de ponderados esforços no sentido de desenvolver as faculdades físicas,

intelectuais e morais do indivíduo, facultando-lhe meios de aperfeiçoamento,

para felicidade própria e alheia” (VELLOZO, 1975, p. 397). Assim, entendia que

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a educação deveria ocorrer em diversos âmbitos, pois o cidadão pleno deveria

ser bem instruído, possuir aptidões físicas e zelar pelo convívio, buscando uma

sociedade harmônica. Vale lembrar que a ideia de formação do indivíduo apto

para atuar na sociedade era a premissa central da educação para Vellozo.

A ideia de educação integral apresentada por Vellozo fazia parte de um

esforço de reorganização da educação brasileira que ocorreu no final do século

XIX e início do século XX. Essa reorganização buscou renovar o método de

ensino, bem como ampliar o programa escolar. A base dessa ampliação seria

calcada no princípio da educação integral, que englobaria a educação física,

intelectual e moral (SOUZA, 2000). Percebemos que Vellozo estava em

sintonia com as mudanças educacionais que estavam ocorrendo em cenário

nacional, na medida em que, em seu livro, o autor defende algumas das ideias

de renovação do ensino, como o método intuitivo e a perspectiva de educação

integral, que estavam sendo propostas por alguns pensadores da educação,

como, por exemplo, Rui Barbosa.

A prerrogativa de educação integral, formada pela tríade educação

física, intelectual e moral, foi formulada e difundida a partir da obra de Herbert

Spencer, intitulada: “Educação Intelectual, Moral e Física”, e publicada em

1861. Essa obra buscava unir uma concepção de educação com as aspirações

e necessidades da sociedade moderna. O apelo de Spencer à correspondência

entre a lei da evolução biológica e o progresso social possibilitou a

naturalização da evolução da sociedade e a compreensão da ciência como o

conhecimento mais relevante, o conhecimento útil com aplicação no trabalho,

na arte e na vida diária.

Nessa concepção, corpo e espírito são indissociáveis. O princípio da

educação integral expressava essa compreensão unificada pela qual a

educação seguia as leis da natureza e a ciência revelava-se como o melhor

meio para a disciplina intelectual e a disciplina moral (SPENCER, 1901). Da

mesma forma, Vellozo acreditava que apenas a ciência poderia mostrar um

real conhecimento, assim defendeu em diversos momentos a importância da

ciência na educação como a melhor maneira de se alcançar o conhecimento.

Além dessas proximidades, Vellozo cita o livro de Spencer como uma das

referências suas utilizadas para escrever o compêndio e recomenda-o para ser

lido pelos professores.

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A inserção do pensamento de Spencer na educação brasileira não se

faz apenas por essa discussão de Vellozo, haja vista que Rui Barbosa, em seu

parecer acerca da “Reforma do ensino primário e várias instituições

complementares da instrução pública”, publicado em 1883, compartilhava das

ideias de Spencer e as recomendava à educação pública brasileira (SOUZA,

2000).

Nesse sentido, o primeiro ponto abordado por Vellozo é a Educação

Física. Segundo o autor do “compêndio”, ela é importante na medida em que

auxilia o aluno a se tornar um indivíduo “robusto” e “sadio”. Vellozo ainda

argumenta que, para que o aluno possua uma boa compreensão do que lhe

está sendo ensinado, necessita de um físico forte, pois: “sem robustez, sem

saúde o corpo é débil, fraca a memória, a compreensão mais difícil”

(VELLOZO, 1975, p. 438).

A Educação Física, segundo Vellozo, possui dois elementos principais: a

ginástica e a higiene. Para o pensador, a ginástica tem por finalidade fortalecer

os músculos e aumentar a força do aluno. Já a higiene possui por finalidade

eliminar “maus hábitos” e melhorar a saúde do aluno e a qualidade do

ambiente escolar. Assim, a educação física possibilitaria a constituição de

corpos saudáveis, fortes e vigorosos, auxiliaria a disciplinar os hábitos e

costumes responsáveis pelo cultivo dos valores cívicos e patrióticos. De acordo

com Soares (1994), a educação física das crianças no Brasil emerge atuando

na preparação do corpo feminino para a reprodução dos filhos da pátria e na

preparação do corpo do soldado tornando-o útil à pátria e ao capital, além de

vincular algumas questões de moral, saúde e produtividade do trabalho a essa

educação. Para Vellozo, o futuro cidadão deveria possuir uma saúde e vigor

físicos apurados para bem servir à pátria e à família, que foram duas

preocupações de Vellozo.

O segundo ponto destacado por Vellozo é a Educação Intelectual. De

acordo com ele: “a educação intelectual é o sistema que trata de desenvolver,

elucidar, enriquecer e orientar a mente” (VELLOZO, 1975, p. 440). Destaca-se

a explicação que Vellozo elabora para justificar a Educação Intelectual: “a

educação intelectual proporciona o saber, o conhecimento exato das coisas, a

consciência e a verdade, pela ciência” (VELLOZO, 1975, p. 441). Vellozo

estava encantado com a ciência, encanto esse que atingiu vários pensadores

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do século XIX, período que foi marcado por uma grande adesão as ideias

científicas. Novamente evocamos a figura de Spencer para elucidar a fonte

com a qual Vellozo dialoga. Spencer teceu questões importantes para

entendermos a concepção moderna do papel social da ciência na sociedade e

na educação ao apontá-la como o conhecimento de maior valor:

Assim, para a pergunta que formulamos – quais são os conhecimentos de maior valor? – há uma resposta uniforme – a Ciência. É o veredicto para todas as interrogações. Para a direta conservação própria, para a conservação da vida e da saúde, o conhecimento mais importante é a Ciência. Para a indireta conservação própria, o que se chama ganhar a vida, o conhecimento de maior valor é a Ciência. Para o justo desempenho das funções da família, o guia mais próprio só se encontra na Ciência. Para a interpretação da vida nacional, no passado e no presente, sem o qual o cidadão não pode justamente regularizar o seu procedimento, a chave indispensável é a Ciência. Para a produção mais perfeita e para os gozos da arte em todas as suas formas, a preparação imprescindível é ainda a Ciência, e para os fins da disciplina intelectual, moral e religiosa – o estudo mais eficaz é, ainda, uma vez, a Ciência. (SPENCER, 1901, p. 73)

Para esse autor, a ciência era o conhecimento que melhor revelava o

sentido do progresso e da sociedade dita civilizada do século XIX. Para tanto, a

ciência sobressaía como um conhecimento essencial para a vida moderna, o

conhecimento útil e válido cujas verdades podiam ser aplicadas aos mais

variados negócios da vida prática: na indústria, no trabalho, na conservação da

saúde, no exercício dos deveres políticos e sociais, na condução da vida moral.

Vellozo foi um adepto dessa fé na ciência, e em seu livro podemos perceber a

importância que ele atribui à ciência empírica, defendendo que apenas essa

ciência pode levar ao conhecimento verdadeiro da sociedade.

A próxima questão abordada por Vellozo é a Educação Moral. Ele

acreditava que as faculdades morais formariam o caráter do aluno. Assim, a

Educação Moral tinha por objetivo “[...] desenvolver e formar a vontade,

estabelecendo normas de conduta, ensinando os deveres e as virtudes, para o

Bem” (VELLOZO, 1975, p. 441).

Vellozo ainda defendia que o caráter da criança deveria ser

desenvolvido por uma prática de ensino pautada na verdade científica, pois,

para ele, o “saber leva à verdade; a educação intelectual contribui para a

educação moral, dando ao indivíduo o máximo grau possível de consciência

pelo conhecimento exato das coisas” (VELLOZO, 1975, p. 443). Dessa forma,

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notamos em Vellozo a crença no princípio segundo o qual quanto maior for o

conhecimento fomentado pela verdade científica, melhor será o caráter do

indivíduo.

A concepção de educação moral de alguns republicanos mais radicais

no período da primeira República brasileira - caso de Dario Vellozo - colocou

em evidência a secularização da moral de natureza cívica em detrimento à

moral religiosa. Nesse sentido, convinha, pois, desenvolver sentimentos e

hábitos, cultivar valores morais desejáveis, tais como: respeito à ordem,

disciplina, tolerância, amor ao dever, apreço ao trabalho, o bom emprego do

tempo, a sinceridade, a lealdade e o amor à pátria.

A separação entre o Estado e a Igreja foi a motivação dessa mudança

de moral, que passou a ser voltada ao culto da nação. Vale lembrar que a

transformação não se deu de maneira abrupta e nem por completa, haja vista

que muitas práticas religiosas ainda continuaram a ser realizadas após essa

separação. Nesse sentido, Vellozo acreditava que a moral deveria fazer com

que o aluno soubesse respeitar o próximo para que houvesse uma melhor

convivência e, assim, o país conseguiria uma união melhor para alcançar o

progresso. Portanto, a ideia de respeito e união não estava atrelada a uma

visão religiosa, e sim pautada em uma perspectiva e união para o

desenvolvimento econômico e social do país.

Concomitantemente com a educação moral está a educação estética

para Dario Vellozo. Segundo o autor, “a educação estética desenvolve os

sentimentos superiores, não só é fonte de emoções supremas, como fator da

educação moral” (VELLOZO, 1975, p. 443). Essa educação era dividida,

para ele, em belas letras - que englobava a literatura - e belas artes -

compostas por esculturas, pinturas, arquitetura, música e canto. Vellozo ainda

atentava para o ensino do senso crítico da arte.

A questão da educação estética se fazia presente em discussões de

alguns teóricos educacionais - como Spencer, Froebel e Pestalozzi - como uma

importante faceta da educação. Vale lembrar ainda que Schiller, em suas

cartas, foi categórico ao defender que não é possível elevar moralmente e

racionalmente o ser humano sem cultivar a sua emoção e sensibilidade, sendo

possível apenas o desenvolvimento completo do homem a partir de um

equilíbrio entre a razão e a emoção (SCHILLER, 1995).

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Aproximando essa discussão para o cenário republicano brasileiro, a

educação estética ganhou um componente a mais: o caráter de cívico, ou seja,

foi utilizada, algumas vezes, como forma de auxiliar o ensino cívico. Assim, “[...]

o despertar para a civilidade não se faria apenas com a abertura de escolas,

mas com uma educação estética que envolvesse habilidades manuais,

educação das mulheres para o lar, o contato com a literatura brasileira, os

cantos, a dança [...]” (VEIGA, 2003, p. 406).

Além dessas questões que estavam em voga no período, Vellozo ainda

possuía um apego a mais à educação estética: sua própria veia artística.

Vellozo ganhou notoriedade no cenário curitibano como poeta e produziu

literatura até a sua morte. Tinha familiaridade com a música, pois tocava

instrumentos de sopro, além de ter pintado algumas telas. Seu interesse pelas

artes faz com que ele acrescente importância a essa dimensão, pois, segundo

Vellozo: “os mais delicados prazeres da vida são propiciados pela arte”

(VELLOZO, 1975, p. 443). Isso além de entender que “pedagogicamente a arte

e a moral são inseparáveis” (VELLOZO, 1975, p. 444). Assim, uma boa

educação estética pode ajudar a ter uma boa educação moral.

Por fim, Vellozo discute a educação cívica. O pensador defendia que

todas as outras “educações” deveriam trabalhar juntas para que fosse formada

esta. De acordo com ele: “a função principal da escola é formar futuros

cidadãos, aptos e conscientes” (VELLOZO, 1975, p. 444). Nesse sentido, a

educação cívica teria por finalidade ensinar os deveres e os direitos do

cidadão, estabelecidos em relação à sociedade e à pátria.

Para Dario Vellozo, a educação cívica seria o fim a ser alcançado pela

educação, pois, segundo ele, “educados física, intelectual, moral e

esteticamente, o homem e a mulher ficam em condições de bem servir à

família, à pátria e à humanidade – que tal é o fim da educação cívica”

(VELLOZO, 1975, p. 444). Assim, percebemos que a educação possuía uma

missão específica no pensamento de Vellozo: a formação de pessoas para

servir à pátria e família para que o país pudesse alcançar o seu progresso

pleno, tanto na área econômica, quanto na social.

Após a leitura e análise da obra “Compêndio de Pedagogia”, podemos

perceber que o sentido de servir à pátria se apresenta em consonância com o

discurso republicano em voga no Brasil do final do século XIX e início do século

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XX, tanto em âmbito nacional, como em âmbito estadual. Nota-se assim,

novamente, que Vellozo era adepto do discurso republicano. Dessa forma,

apresentados os elementos fundamentais da educação humana, o indivíduo

seria também um homem político atuante. Nesse mesmo sentido, percebemos

que a educação integral era entendida por Vellozo como um dos fatores

essenciais na formação humana, pois, para alcançar um progresso, a evolução

social que Vellozo acreditava, o homem deveria estar educado em seus

diversos sentidos. Percebemos novamente relações entre Vellozo e Spencer,

no sentido da crença em uma evolução humana, tendo como base a ciência.

À guisa de conclusão, nossa análise procurou discutir alguns aspectos

do pensamento pedagógico de Dario Vellozo manifestados em sua obra

Compêndio de Pedagogia. Seu manual didático, além de indicar aspectos

muito significativos de seu pensamento pedagógico, mostra-nos uma possível

tendência que pairava sobre o cenário da educação paranaense no período em

apreço. A educação, para Vellozo, deveria construir um homem capaz de

pensar politicamente de forma livre (leia-se: republicana) e apto a desenvolver

a sociedade rumo à ordem e ao progresso.

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formativo de Dario Vellozo. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) –

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Não publicado.

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AS CONDIÇÕES MATERIAIS DA VIDA NA RELAÇÃO FAMÍLIA – ESCOLA:

A EXPERIÊNCIA DO BAIRRO CAÇULA NO MUNICIPIO DE CANTAGALO-

PR

Márcia Regina Weber

Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava

Curso de Pedagogia - Unicentro

Orientador: Profº Ms. Alessandro de Melo

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo conhecer e analisar a realidade das condições de existência material das famílias dos alunos da 2ª série A da Escola São Bernardo, bem como sua contribuição para o fracasso escolar destas crianças. O texto fundamenta-se no materialismo histórico de Marx e Engels, proposta na obra A ideologia alemã que procura explicar a sociedade e seu desenvolvimento no decorrer da história. Durante a pesquisa de campo utilizou-se um questionário com respostas objetivas, onde foi possível perceber a precariedade das condições materiais de existência destes indivíduos e a sua relação com o fracasso escolar das crianças oriundas destas famílias. O que pretendeu-se com este trabalho é a contribuição para com o desenvolvimento de práticas conscientes e críticas por parte dos professores favorecendo o avanço da sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Famílias. Materialismo Histórico e Dialético.Sociedade. Crianças.

Introdução

Este artigo tem como objetivo abordar a influência das

questões materiais da existência humana na educação, levando em

consideração que o desenvolvimento da sociedade através da história, dá-se a

partir da evolução das forças produtivas pela ação dos indivíduos em

sociedade, levando em consideração que segundo Marx as classes sociais

não são determinadas apenas pelo capital, mas também pelo capital cultural,

capital social e objetivos sociais e pessoais.

Para isso realizou-se uma pesquisa envolvendo vinte e quatro

famílias residentes no Bairro Caçula na cidade de Cantagalo, região centro-

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oeste do Paraná. Durante a pesquisa aplicou-se um questionário com

perguntas objetivas sobre as condições materiais destas famílias. .

Como fundamento teórico utilizou-se o materialismo histórico,

presente na obra A ideologia alemã de Marx e Engels. Esta obra propõe a

reflexão sobre a realidade histórica e social em que vivem os homens e as

determinações de sua existência, sendo estes diferentes dos animais pelo

trabalho, exercício essencial à sua existência.

A escolha desta teoria deveu-se ao fato de que ela possibilita

explicar de maneira contundente a estrita relação entre as condições materiais

familiares e a educação escolar, considerando que os indivíduos são

determinados pela maneira como produzem sua vida material, por meio de

relações sociais muitas vezes independentes da sua vontade.

Através do caminho percorrido foi possível constatar esta

relação, ao percebermos que a maior parte destas famílias, ou seja, quatorze

delas vivem em degradante situação de pobreza, usufruindo uma renda mensal

bastante inferior a um salário mínimo, visto que são trabalhadores do setor

informal, ou seja, trabalham sem carteira assinada. A renda destas famílias não

as possibilita a aquisição de todos os bens materiais e culturais necessários à

sua sobrevivência. Tendo em vista que a escola muitas vezes desempenha um

papel dominante, não possibilitando chances iguais a todos,determinando

assim a reprodução da divisão das classes sociais. Esta situação afasta cada

vez mais as crianças advindas destas famílias, contribuindo para a

continuidade do modelo capitalista da sociedade. Por isso é que a escola não

pode tornar-se uma ilha, pelo contrario, ela deve estar consciente da realidade

social e política em que está inserida para que possa ser acessível a todos,

garantindo o pleno desenvolvimento da sociedade.

Descrição do município

O município de Cantagalo situa-se na região centro-oeste do

Paraná. Teve sua origem por volta de 1930, quando tropeiros utilizavam-se de

um itinerário próximo ao que é hoje a BR 277 para conduzir gado bovino e

suíno até o município de Ponta Grossa. Na jornada esses homens faziam

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pousada em alguns pontos do caminho, dando origem a algumas localidades,

entre elas Cantagalo.

Os primeiros moradores que se estabeleceram nesta

localidade foram alguns fazendeiros, entre eles: Jacob Fritz, Argemiro José de

Mattos e Augusto Thomas.

O inicio do ensino na referida localidade, deu-se a partir de

1960 com a fundação da primeira escola, inicialmente denominada Escola

Isolada de Cantagalo e posteriormente vindo á chamar-se Casa Escolar Olavo

Bilac.

Em 1982, após uma consulta á população local, Cantagalo foi

desmembrada de Guarapuava, vindo a tornar-se município em 12 de maio do

mesmo ano. Atualmente o município conta com 12.810 habitantes, sendo 57%

residentes na zona urbana e 43% na zona rural. Segundo dados do IPARDES

(Instituto Paranaense de Desenvolvimento e Estatística), 47% da população

cantagalense encontra-se em situação de pobreza ou miséria, vivendo com

uma renda mensal inferior a um salário mínimo. Esta situação pode ser

evidenciada por meio do questionário aplicado às vinte e quatro famílias

envolvidas nesta pesquisa.

Com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,686, (ano

2000) Cantagalo situa-se entre os municípios mais pobres do Parná,

encontrando-se no 371° lugar, entre os 399 municípios do Estado. Analisando

os dados disponíveis no site do IPARDES sobre os municípios vizinhos,

percebe-se que Cantagalo está a frente apenas de Goioxim, sendo

ultrapassado por municípios mais jovens como Candói, Virmond e Nova

Laranjeiras.

No setor educacional, Cantagalo conta com IDEB (Índice de

Desenvolvimento Educacional) no ano de 2007 de 3.7 figurando novamente

entre os últimos do Estado, ficando à frente apenas de Espigão Alto do Iguaçu.

A taxa de analfabetismo da população adulta é de 19,7% , sendo que 47,4% da

população possui menos de 4 anos de estudo e 84% possui menos de 8 anos

de estudos, assim a média de anos de estudo desta população é de 3,9.

São vários os fatores que contribuem diretamente para a

situação de pobreza em que se encontra o município, entre eles está: o

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desemprego, o analfabetismo, o modelo mecanizado da agricultura e a falta de

investimentos em geração de emprego e renda.

Analisando a história do município, não é difícil encontrar

respostas para a situação de miséria deste, pois no passado muitos dos

pequenos proprietários rurais viram-se obrigados a vender suas poucas terras

a grandes fazendeiros. Após a venda da propriedade, estas pessoas

juntamente com suas famílias passaram a resistir na periferia da zona urbana,

desta maneira estes trabalhadores foram levados a vender sua força de

trabalho às indústrias madeireiras que haviam se estabelecido no município em

troca de salários irrisórios. Os baixos salários destes trabalhadores fizeram

com que muitos não conseguissem manter seus filhos na escola.

A situação agravou-se ainda mais na década de 90, quando

algumas destas indústrias transferiram-se para outros municípios, deixando

para trás muitos pais de família desempregados.

Desta forma, iremos analisar os impactos causados pelas

condições materiais das famílias cantagalenses e sua contribuição para o

fracasso de muitas crianças oriundas das famílias menos favorecidas do

município.

No caso especifico aqui analisado, estes impactos serão

estudados em relação a uma amostra dos vinte e quatro alunos de uma 2ª

série, da escola São Bernardo localizada no Bairro Caçula, que obteve um

índice de reprovação de 42% de seus alunos no ano de 2007 e um Índice de

Desenvolvimento Educacional (IDEB) de 3.2.

Sendo assim, percebe-se que as condições materiais e

culturais destas famílias refletem diretamente no desempenho de seus filhos na

escola, pois dos vinte e quatro alunos desta 2ª série aqui estudada apenas dez

nunca reprovaram, porém destes dez, cinco casos apresentam problemas de

leitura, escrita, interpretação ou cálculo. Desta maneira, observa-se que

apenas cinco destes vinte e quatro alunos possuem um desenvolvimento

excelente no que se refere a aprendizagem.

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Fundamentação teórica

Este texto tem como fundamento teórico o materialismo

histórico desenvolvido nas obras de Marx e Engels. Em especial interessa-nos

analisar ainda que brevemente, a concepção materialista presente na obra A

ideologia alemã.

O materialismo histórico é a teoria formulada por Karl Marx e

Friedrich Engels para interpretar a sociedade e seu movimento no decorrer da

história. Esta teoria defende que o movimento da História dá-se devido ao

desenvolvimento da relação das forças produtivas pela ação dos indivíduos na

sociedade. Assim percebe - se que as mudanças sociais ocorrem pelas

relações conflituosas entre as classes sociais que no capitalismo, fase atual em

que vivemos, está dividida entre burguesia e proletariado. Porém, é preciso ser

consciente de que “as classes sociais não são determinadas apenas pelo

capital, mas também por elementos como: capital cultural, capital social,

objetivos sociais e pessoas entre outros”. (MARX, ENGELS, 1991, 36)

Este fundamento nos permite refletir sobre a realidade histórica

social em que os homens vivem e as condições que determinam a sua vida.

Para estes autores, as condições que determinam a vida em sociedade são as

advindas da materialidade da vida. Assim afirmam os autores, “os homens

como sujeitos sócio-históricos somente podem ser entendidos pelo modo como

produzem sua vida em sociedade”. (MARX, ENGELS, 1991, p. 36).

As diferentes formas assumidas pelas sociedades referem - se,

portanto, às diferentes formas desta organização da vida material. Em termos

históricos, os homens se constituem em uma espécie diferenciada de outros

animais pelo fato de que se tornaram capazes de produzir sua própria

existência, sendo assim, ao invés de adaptar-se à natureza, o homem adapta a

natureza a si, tornando-se diferente dos outros animais pelo trabalho. Logo, a

forma desta existência é a própria forma humana que se constitui

historicamente, num processo dinâmico e dialético entre homem, sociedade e

natureza. Resulta que os homens são o que e como produzem a sua vida.

Para melhor elucidar os fundamentos materialistas neste texto

reportamo-nos à MARX e ENGELS, (1991).

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A estrutura social e o Estado nascem constantemente do processo de vida de indivíduos determinados, como atuam e produzem materialmente e, portanto, como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentemente de sua vontade. (p.36).

Sendo assim, os homens são determinados pelo modo como

produzem sua vida material, por meio de relações recíprocas e seu

desenvolvimento posterior na constituição social. Desta maneira, concordamos

com Marx e Engels quando estes afirmaram: “não é a consciência que

determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (1991 p.37). Esta

afirmação é inegável visto que para a sua sobrevivência e de sua família, antes

de tudo o ser humano precisa comer, beber, vestir e morar. Estas

necessidades determinam à produção material do homem, em contrapartida, a

produção da vida material pode alienar o homem e é condicionante de seu

estado social.

Sendo o trabalho um exercício essencial para que o homem

possa suprir suas necessidades de sobrevivência, no capitalismo este obriga-

se a vender a sua força de trabalho ao capitalista em troca de um salário.

Neste contexto, o salário nada mais é do que um nome especial dado ao preço

da força de trabalho.

No mundo do capital, os indivíduos não trabalham para o bem

e o desenvolvimento coletivo, mas para o sucesso particular. As relações são

de competição e concorrência entre os trabalhadores ao invés de serem de

amizade e solidariedade mútua, pois cada qual está interessado no seu bem

particular e não no bem comum. Assim, a condição material da existência

humana, faz com que a classe trabalhadora torne-se cada vez mais oprimida

pela burguesia detentora do capital e dos meios de produção, visto que o

trabalhador assalariado desempenha seu trabalho sem se importar com o

objetivo da atividade que esta realizando, para estes indivíduos a realização

desta é o meio que ele encontra para garantir a sua sobrevivência.

Para o capitalista o produto é sempre mais importante que o

homem e a opressão vivida pela classe operária a torna a força matriz,

sustentáculo de todo o edifício capitalista, porém o salário pago pela venda do

trabalho é quase insignificante, tornando cada vez mais difícil para o

trabalhador deixar a situação de pobreza em que se encontra, pois as

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condições materiais de vida o afasta cada vez mais da escola e do saber

elaborado que torna os indivíduos capazes de compreender e agir sobre a

realidade vivida por eles.

Para esclarecermos melhor a questão recorremos a Marx e

Engels que afirmam:

Os indivíduos que constituem a classe dominante dominam como pensadores, como produtores de idéias, regulam a produção e a distribuição de idéias e fazem com que as suas idéias sejam as idéias dominantes da época. (1991, p.72).

Logo, para a classe burguesa não é interessante que seus

trabalhadores sejam educados e instruídos, pois a tomada de consciência por

parte destes homens tornaria muito difícil a dominação da burguesia, por isso

os capitalistas desejam que os trabalhadores sejam educados apenas o

necessário para evitar desperdícios e garantir a produtividade e o aumento do

capital. Nesta sociedade as relações sociais passam a ser mediadas pela

mercadoria e até mesmo o trabalho torna-se mercadoria. Uma vez que os

operários recebem baixos salários, dificilmente terão acesso à escola e ao

saber elaborado. Sendo assim, segundo MARX: “o que os indivíduos são

resulta, portanto, das condições materiais de sua produção”. (1991, p.28) Logo,

se o indivíduo não tem condições materiais de acesso à educação, se tornará

incapaz não só de compreender o mundo que o cerca, mas também de agir

sobre ele.

Toda produção precisa assegurar a reprodução das condições

materiais, sendo assim, o Estado age como instrumento de repressão,

assegurando a dominação de uma classe sobre outra usando aparelhos

ideológicos como a escola. Desta forma, apesar de o saber ser um produto da

sociedade, na sociedade capitalista eles são apropriados apenas por uma

classe social, a burguesa. Isso nos leva a crer que as diversas formas como

cada indivíduo produz sua vida reflete sobremaneira e diretamente o que ele é.

Logo, quem constrói o mundo é o homem através do seu trabalho e de suas

ações, mas o que os homens são coincide com a sua produção, com o que

produzem e também o como produzem. Em outras palavras aquilo que eles

são depende, portanto das condições materiais da sua produção e existência,

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desta forma, produzindo seus meios de vida os indivíduos produzem

indiretamente a sua vida material. Entretanto, para que haja produção material,

é necessário que o homem antecipe em idéias os objetivos da ação. Mas para

que o homem faça a antecipação destas idéias é preciso que este tenha

acesso ao saber elaborado produzido na sociedade, porém o saber produzido

socialmente, na sociedade capitalista a tendência é torná-lo propriedade

exclusiva da classe dominante.

Por isso faz-se necessária a formação crítica de nossos

professores, para que estes trabalhem de forma diferenciada, não deixando

com que a escola se torne um aparelho ideológico a serviço do estado.

Descrição e análise dos dados coletados

Tendo em vista o método aqui adotado, ou seja, o materialismo

histórico de Marx e Engels, foi construído um instrumento de pesquisa que

levou em consideração elementos constitutivos da materialidade das famílias

envolvidas.

A pesquisa foi feita envolvendo vinte e quatro famílias,

residentes no Bairro Caçula, bairro mais populoso do município. Durante a

realização deste trabalho, foi aplicado um questionário com alternativas e

repostas objetivas sobre alguns dados referentes aos bens materiais e culturais

de cada uma das vinte e quatro famílias envolvidas. Dentre as questões

destacamos: a estrutura familiar, o grau de escolaridade, emprego, renda e

profissão, bens materiais e culturais, estrutura de cada residência, tempo de

estudo, tempo assistindo TV e o tempo que passam com seus filhos. a seguir,

será feita a descrição e análise de cada questão.

A primeira é referente à estrutura familiar. Observa-se que das

vinte e quatro famílias, dezessete são nucleares, ou seja, são constituídos por

pai, mãe e filhos, outros cinco apenas por mãe e filho, e há ainda dois casos

em que as crianças moram com os avós maternos. Nos cinco casos em que as

crianças moram apenas com a mãe, quatro delas são repetentes e três

mostram-se bastante rebeldes, agressivas e sem interesse pelos conteúdos na

escola, não obtendo bom aproveitamento escolar. Em conversas com estas

mães, elas falam sobre suas dificuldades, pois a maioria destas trabalham

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como domésticas ou diaristas para garantir a subsistência de sua família,

sendo assim, muitas vezes no período em que estão trabalhando, as crianças

ficam sozinhas em casa.

A segunda questão refere-se ao grau de escolaridade dos

responsáveis pela família, isto é, pai, mãe ou avós, neste caso encontramos a

seguinte situação: nos sete casos em que as crianças moram apenas com a

mãe ou os avos, estes possuem menos de quatro anos de estudo. Com

relação as dezessete famílias nucleares nota-se que: quatro pais e uma mãe

declaram-se analfabetos, seis pais e sete mães possuem ensino fundamental

de 1ª a 4ª séries incompleto, três pais e três mães concluíram seus estudos de

ensino fundamental de 5ª a 8ª séries incompleto, enquanto que três pais e uma

mãe têm estudo ate 8ª série. Entre estas dezessete famílias entrevistadas,

apenas uma mãe declarou ter iniciado o ensino médio, não o concluindo

posteriormente, e apenas um pai e uma mãe que conseguiram concluí-lo. É

necessário destacar que no último caso descrito estes pais não pertencem à

mesma família nuclear envolvidos na pesquisa há um caso em que pai e mãe

pertencentes ao mesmo núcleo familiar encontram-se em estado de

analfabetismo. Estas situações descritas acima dão sustentação a informações

anteriores que dão conta de que 84% da população deste município possuem

menos de oito anos de estudo.

A terceira questão refere-se a emprego, renda e profissão,

onde se agravam ainda mais os problemas destas famílias, isso porque, sem

dúvida, a renda familiar é uma das mais importantes fontes de constituição

material. Remetendo–nos a Marx em seu texto “salário, preço e lucro”, onde

este autor determina o salário como “a expressão em dinheiro da compra da

força de trabalho por um determinado período”. Em outras palavras, o salário é

o valor de troca da força de trabalho. Desta maneira, percebe - se que grande

parte destas famílias vive em situação precária, sendo que entre as vinte e

quatro famílias, em quatorze delas apenas o pai trabalha em quatro casos o

pai, juntamente com outro membro da família como mãe ou filhos mais velhos

trabalham. Há também um caso em que a mãe e um filho trabalham, e nas

duas famílias compostas por avós e netos em um caso o avô trabalha e no

outro apenas um tio. Entretanto, destas vinte e quatro famílias nove recebem

algum tipo de beneficio do governo como Bolsa-Escola ou Bolsa-Família, assim

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foi possível constatar que três destas famílias vivem apenas deste benefício

sem que nenhum membro da família trabalhe.

Portanto, a renda média destas famílias é muito baixa, não

possibilitando a elas uma melhor qualidade de vida. Segundo os dados

coletados, quatorze famílias sobrevive com uma renda de 0 a um salário

mínimo, sete recebem em torno de 1 a 2 salários mínimos e apenas três

famílias conseguem sobreviver com um pouco mais de conforto e dignidade

possuindo uma renda entre 2 e 3 salários mínimos. Sendo o salário o preço de

troca pela força de trabalho dos indivíduos, e sendo este quase que

insignificante, é possível perceber claramente que estes homens e mulheres

não possuem meios para adquirir todas as mercadorias necessárias à

subsistência de suas famílias.

Outro aspecto que precisa ser levado em consideração é a

questão educacional, pois Marx afirma em seu texto Trabalho assalariado e

capital, que “quanto menor for o tempo de formação profissional exigidos por

um trabalho, menores serão os custos de produção operária e menor será o

preço do seu trabalho, o seu salário” (2006 p.44) Das vinte e quatro famílias,

dezenove possuem menos de oito anos de estudo explica-se em parte a

questão dos baixos salários e suas conseqüentes precariedades materiais de

vida. Como a maioria destes pais possui pouco estudo, muitas vezes não

conseguem entender as atividades escolares para ajudar seus filhos em casa.

O trabalho desempenhado por estes indivíduos é em grande

parte braçal, sendo nove deles ligados a agricultura ou ao setor madeireiro e

outros como: à construção civil, serviços gerais, cabeleireiro, motorista,

empregada doméstica, mecânico e operador de máquina, trabalhos que não

exigem grande esforço mental ou maior grau de escolaridade do que

apresentado por estas pessoas. Destacamos que entre estas vinte e quatro

famílias, há apenas o caso de uma mãe que é professora, trabalho que exige

maior grau de escolaridade. Outro agravante desta situação é o fato que entre

vinte e uma famílias onde há um membro desta trabalhando, doze declararam

trabalhar sem carteira assinada, ou seja, no setor informal, restando apenas

nove para o setor formal.

A próxima questão a ser analisada, refere - se aos bens

materiais e culturais das famílias participantes desta pesquisa. Dos dados

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coletados: quinze famílias declararam possuir livros em casa, entretanto, estes

livros não são livros de leitura ou de pesquisa e sim livros didáticos ou de

histórias infantis, apenas cinco informaram possuir algum tipo de revista em

casa e três declararam possuir algum jornal, porém estes não são provenientes

de assinaturas, mas adquiridos aleatoriamente uma vez ou outra.

Percebe - se a gravidade da situação socioeconômica destas

famílias em se tratando de bens materiais como, TV, rádio, DVD, vídeo - game

e brinquedos, sendo que sete destas declaram não possuir aparelho de

televisão, uma não possui aparelho de rádio, dezesseis não possuem aparelho

de DVD, vinte e duas não possuem aparelho de vídeo - game e cinco não

possuem nenhum tipo de brinquedo em casa.Estas famílias também declaram

que não possuem estes bens em suas residências devido à precariedade de

suas condições socioeconômicas, ou seja, devido a materialidade de sua

existência.

Dando continuidade à descrição dos dados aqui analisados,

discorreremos sobre a estrutura física das residências destes indivíduos, onde

muitos destes domicílios não apresentam todos os cômodos necessários ao

conforto da família. Entre as vinte e quatro residências visitadas, em quinze

delas as crianças não possuem quarto individual, muitas vezes vindo dormir no

mesmo quarto e até na mesma cama que os pais, das nove crianças que

possuem seu próprio quarto, duas não dormem nele por medo do escuro ou

outro medo qualquer, lembrando que estas duas crianças já estão com seus

oito anos completos, retratando talvez certa falta de limites que os pais

deveriam impor. Apenas quatorzes destas residências possuem as salas de

estar, onde a família geralmente se reúne para conversar, assistir TV ou

desenvolver outras atividades. No caso de lavanderia, a parte utilizada para

fazer a higiene das roupas e dos calçados utilizados pela família, apenas oito

residências possuem esse cômodo, nas demais este trabalho é feito ao relento

ou na própria varanda da casa, pois nove residências possuem varanda sendo

seis delas não possuindo lavanderia. Há que se ressaltar que existem seis

domicílios onde cozinha e quarto fazem parte praticamente de um mesmo

cômodo, sendo separado algumas vezes por uma cortina ou nem isso. Ainda

há dois casos mais graves em que duas residências não apresentam sequer

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banheiro, cômodo de fundamental importância para a manutenção da higiene

pessoal dos indivíduos.

Segundo Marx, quanto maior o grau de instrução do operário,

quanto mais o operário precisar se qualificar, mais cara se tornará sua força de

trabalho e conseqüentemente mais alto será o seu salário, sendo estes

indivíduos possuidores de uma baixa escolaridade, submetem-se a trabalhos

que não exijam muito esforço mental, porém estes trabalhos realizados

mecanicamente pelo operário, são pagos com salários bastante reduzidos, que

não permitem a estes trabalhadores condições adequadas de vida para si e

para os seus familiares. Por estes motivos é que se explica parte das

dificuldades financeiras destas famílias. e se seus filhos não tiverem chances

de adquirir conhecimentos, provavelmente esta situação perdurará por um bom

espaço de tempo.

Segundo dados reunidos nas entrevistas, doze das vinte e

quatro crianças aqui analisadas separam menos de 1 hora diária para os

estudos, cinco separam entre 1 e 2 horas e sete não separam nenhum tempo

para estudar em casa. Algumas respostas indicam que o horário de estudo

destas crianças é durante a noite, após o jantar, o que não é recomendável,

pois neste horário elas já se encontram bastante cansadas e com sono. Sendo

assim, fica claro que estas famílias não desenvolvem em seus filhos o hábito

de estudo extra-escolar, tão necessário para a melhor aprendizagem e

aproveitamento destes alunos.

Nas entrevistas realizadas, conversando com os pais, pudemos

constatar que os pais destas crianças são bastante desprovidos de estudos,

apenas oito famílias informaram que o pai ou a mãe ajudam seus filhos nas

atividades escolares enviadas para casa, quatro declararam não ajudar porque

não sabem, cinco disseram que outras pessoas como irmãos, tios e vizinhos

ajudam e sete disseram que ajudam apenas quando sabem, pois quando eram

crianças estudaram apenas a primeira e segunda séries e com o passar dos

anos foram esquecendo o pouco que haviam aprendido, ou seja, são pessoas

praticamente analfabetas, que sabem apenas assinar o nome e ler algumas

palavras, faltando-lhes a noção de interpretação de mundo e dos

acontecimentos sua volta São pessoas que possivelmente serão manipuladas

por outras mis instruídas.

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Em contrapartida à falta de condições para os estudos,

observa-se que das dezessete famílias que possuem TV, em apenas uma

delas houve a declaração de que as crianças assistem TV por tempo inferior a

1 hora por dia, em dez delas as crianças assistem TV por tempo superior a 1

hora diária e em cinco casos os pais foram honestos em declarar que seus

filhos assistem TV por mais de 3 horas diárias.

Sendo a TV um dos meios de comunicação de maior influência

principalmente da população de baixa renda e escolaridade reduzida, e sendo

também propagadora e banalizadora de temas como violência, rebeldia, falta

de limites e até mesmo sexo é comum que estas crianças interpretem como

corretas certas exposições feitas em propagandas e telenovelas, pois muitas

destas, mesmo sendo classificadas para pessoas com idade mínima entre 12,

14 e até mesmo 16 anos, são vistas e interpretadas a seu modo por estas

crianças, e sem dúvida, muitos dos exemplos explicitados pela TV influenciam

de maneira desastrosa para muitas destas crianças.

Durante este trabalho, foi possível detectar as dificuldades

destas famílias no que se refere às questões materiais, culturais e de

escolaridade. Sem dúvida estes fatores manifestam significativa influência

sobre o desempenho escolar dos estudantes. Dos vinte e quatro estudantes da

2ª série A da Escola São Bernardo descreve-se a seguinte situação: apenas

oito alunos não acumularam nenhuma reprovação em seus registros escolares,

estas crianças completaram ou irão completar 8 anos no decorrer deste ano.

Nove destes alunos estão com 9 anos e acumularam uma reprovação, três

estão com 10 anos e acumularam duas reprovações, um está com 11 anos e

acumula três reprovações, um completou 12 anos e já acumula quatro

reprovações e o caso mais grave é de um aluno que está com 13 anos

completos e acumula 5 reprovações, sendo uma na 1º série e quatro na 2°

série. E existe ainda o caso de um aluno surdo que já está com 15 anos e

apresenta uma reprovação no ensino regular.

Sendo assim, não há argumentos contrários a afirmação de

Saviani (1991) que diz: “as crianças das camadas trabalhadoras são vítimas de

uma situação social injusta e opressora” (p.39) Esta afirmação explica-se pelo

fato de que as citadas crianças não possuem as mesmas oportunidades dos

filhos de pessoas pertencentes à classe burguesa, pois devido aos baixos

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salários de seus pais muitas vezes estas crianças precisam deixar a escola

para dar início a sua vida de trabalhador e desta forma ajudar na renda familiar.

Com o pouco estudo que estes puderam adquirir, estarão condenados aos

trabalhos mais insalubres e mal remunerado dando continuidade á vida de

exploração á que seus pais foram submetidos.

Sendo assim, durante este trabalho pode-se perceber que a

situação socioeconômica das vinte e quatro famílias estudadas é bastante

desfavorável, privando-as do bem estar e conforto a que todo ser humano tem

direito. A questão que mais preocupa é o fato de que são as crianças as mais

prejudicadas quando não se tem as condições materiais necessárias à

sobrevivência humana. Assim, destaca-se a necessidade de refletirmos de

forma crítica sobre as verdadeiras faces do capitalismo, pois todos

consideramos que este sistema é bastante injusto e o principal responsável

pelas desigualdades sociais existentes.

Considerações finais

Este artigo configurou-se em um esforço analítico teórico

prático da relação família-escola por meio da teoria materialista de Marx e

Engels que interpreta a sociedade e seu desenvolvimento histórico. Apoiada

neste subsídio pode-se concluir que há uma estreita relação entre as condições

materiais dos indivíduos e seu desenvolvimento social, visto que este

desenvolvimento depende do modo como estes homens produzem seus meios

de vida, determinados por limites e pressupostos independentes de sua

vontade.

No quadro das vinte e quatro famílias estudadas percebe-se

um retrato das condições materiais da cidade de Cantagalo, que na ordem das

cidades paranaenses constitui-se em uma das mais pobres com 47% de sua

população vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, sobrevivendo com uma

renda mensal igual ou até mesmo inferior a um salário mínimo.

Além de constituírem um representativo universo da cidade de

Cantagalo, as condições materiais das vinte e quatro famílias envolvidas nesta

pesquisa retratam a realidade do Bairro Caçula, onde localiza-se a Escola São

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Bernardo que vem sofrendo com sérios problemas de aprendizagem de seus

alunos, chegando a reprovar 46% destes, e obtendo um Índice de

Desenvolvimento Educacional de 3.2 no ano de 2007.

Dados colhidos na pesquisa como renda familiar, emprego,

constituição familiar, escolaridade dos pais, residência, propriedade de bens

materiais e culturais cruzados com a vida escolar dos estudantes nos fizeram

concluir que a desfavorável situação social em que vivem estas pessoas,

contribui para o baixo rendimento de seus filhos na escola, pois muitas destas

famílias vivem em absoluta situação de pobreza, não ofertando aos seus filhos

as mínimas condições de conforto e bem estar.. O analfabetismo ou semi-

analfabetismo dos pais também contribui para a continuidade desta situação,

porque se os pais não possuem o mínimo de conhecimento não conseguirão

oferecer aos seus filhos a ajuda necessária à resolução de suas atividades

extra-escolares.

Porém, não é o caso de caracterizarmos esta relação das

condições precárias destas famílias com o insucesso escolar como

determinada a priori. Ao contrário disso, estes estudos preconizam, como base

para outros estudos, a necessidade de se ir a realidade concreta, perceber as

relações e os obstáculos que se opõem à atuação competente do professor,

para que este, ao executar o trabalho pedagógico, tenha o compromisso de

superação justamente desta determinação que é corrente em nossa sociedade,

tendo em vista que a educação é um dos grandes instrumentos de promoção

de igualdade das condições sociais, Mas para que isso aconteça de fato, é

necessário o compromisso político que é o ponto crítico do processo educativo.

Assim, pretende-se contribuir com este trabalho para novas

pesquisas e práticas pedagógicas mais conscientes e críticas por parte dos

professores, práticas estas que se desenvolvam para além do senso comum e

se tornem atividades intencionais que tenham como ponto de partida a

realidade precária de nossos alunos e escolas, mas como ponto de chegada à

construção coletiva de uma nova sociedade, mais justa e igualitária para todos.

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REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação, São Paulo: Moderna, 1989.

DUARTE, Newton. Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004

IPARDES (Instituto Paranaense de Desenvolvimento e Estatística). Disponível em: http/www.ipardes.gov.br. Acesso em 10 de setembro de 2008.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1991.

MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital e salário, preço e lucro. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CANTAGALO. Disponível em: http/www.cantagalo.net, acesso em 05 de setembro de 2008.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórica - critica: primeiras aproximações, São Paulo Cartez, 1991.

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CRENÇAS E PRÁTICAS CIGANAS : UM OLHAR DA

ANTROPOLOGIA SOBRE A OBRA MAGIA CIGANA DE CHARLES LELAND

Gilce Francisca Primak Niquetti

Deorlene Pacheco Fonseca

Claudinor Tomasi

Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava

Orientadora: Prof.ª Ms. Cerize Nascimento Gomes

RESUMO: Este trabalho pretende uma releitura da obra Magia Cigana: Encantamentos, Ervas Mágicas e Adivinhação, editado em 1891, de Charles Godofrey Leland, fundador e presidente da sociedade de Cultura Cigana. Segundo o autor, a ciganologia tem poucos registros e fontes de pesquisa, resumindo-se nas leis de repressão e expulsão dos povos ciganos. A riqueza de informações reside em lendas, canções e encantamentos preservados pela tradição oral. Este trabalho procura identificar como o povo cigano contribuiu para disseminar em suas andanças, as magias e os medicamentos entre os camponeses de várias regiões, durante sua jornada em direção do Ocidente. Em constante mobilidade, os ciganos mais assimilavam a cultura dos povos por onde passavam, do que a influenciavam. Os grupos que chegaram à Europa no século XV procediam do baixo Egito, Grécia, Chipre e regiões vizinhas. Como resultado, pode-se observar a escassa literatura bibliográfica, bem como pesquisas acadêmicas sobre a origem, costumes e crenças ciganas. Com este estudo pretende-se identificar e valorizar o interesse do autor em registrar e valorizar elementos da cultura cigana, que podem esclarecer aspectos da história desse povo místico.

PALAVRAS-CHAVE: Ciganos. Cultura. Magia. Crenças. Costumes.

1. Introdução

De origem incerta, cercado de mistério e preconceitos,

impiedosamente perseguido ao longo dos séculos,

o povo cigano faz do planeta a sua pátria.

Oscar D’Ambrosio

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Os ciganos pertencem aos grupos que praticamente não possuem

registros históricos com fontes documentais reduzidas aos registros feitos

por leis de repressão e de expulsão que caracterizam os primeiros quatro

séculos de sua passagem pela Europa. Margery Silver entende que o livro

de Charles Godfrey Leland, Magia Cigana: Encantamentos, ervas mágicas e

adivinhação, publicado em 1891, é a mais representativa obra e a única

coletânea autêntica sobre a essência da cultura cigana. Sobre isso ela

escreve:

A tese defendida por Leland – esboçada e documentada não só em sua biblioteca incomum, mas por associações pessoais íntimas de metade de uma vida em estradas abertas ou em clareiras nos campos – é que os ciganos, em extensão muito maior do que qualquer pessoa esteja consciente, tem sido, pelo menos durante uns mil anos, os vendedores andarilhos internacionais dessa permuta de lembranças, magias e medicamentos com a maioria dos camponeses do mundo, durante sua longa trilha em direção ao Ocidente, como os exilados párias da Índia, ao longo dos platões do Afeganistão e da Pérsia, para a Síria e o Egito, e de lá, depois de uma pausa de direção desconhecida, em direção ao norte, atravessando as montanhas do Cáucaso e penetrando os Bálcans, a Grécia e eventualmente a Europa ocidental medieval, onde seu itinerário foi amplamente estendido, à força e voluntariamente, para as praias distantes do continente americano e até mesmo australiano. (SILVER, in, LELAND, 1962, p.9)

Segundo a autora, o interesse pela ciganologia data da emergência

do pensamento etnológico do final do século XIX, momento em que a

antropologia procurava explicar aos homens as razões culturais da sua

existência. Nesse período, marcado pelas crises da Revolução Industrial,

houve um interesse renovado pelos conhecimentos até então

marginalizados como os aspectos mágico-religiosos dos povos até então

excluídos por suas crenças e seus costumes considerados pagãos. Os

primeiros estudantes da cultura cigana encontraram suas origens nos

mistérios e rituais da antiguidade primitiva e em práticas e preocupações

contemporâneas, o que demonstra que em lugar de serem engolidas pela

modernidade, as crenças ciganas pareciam ter avançado com ela:

Os etnólogos começaram, no final do século XIX, a juntar o quebra-cabeça cigano a partir de evidências das características físicas, dos mitos tribais e, mais importante do que tudo, das

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raízes e dos apêndices de sua língua. ( ) Os estudiosos concordaram que por sua condição de estrangeiros e sua facilidade de aprender idiomas novos, os ciganos conseguiam sobreviver onde quer que fossem, bem como pelo acervo de seus conhecimentos tribais de dança, canto, habilidade com os metais e o trato com os animais, ou pela prática da medicina indiana, quiromancia e roubo, quando as oportunidades e o interesse do público permitiam. (SILVER, in LELAND, 1962, p. 10 e 11)

No caso de Leland, ela observa que eu interesse datava de pelo menos

50 anos antes dos primeiros trabalhos de antropologia. Com o tema em

cena, o folclorista tratou de corresponder-se com outros poucos etnólogos

espalhados pelo mundo, que também estavam seriamente interessados no

idioma e na cultura cigana (SILVER, in LELAND, 1962 p.20). Com isso

teriam formado um grupo de estudos e troca de informações que foi

precursor da Sociedade de Cultura Cigana, fundada em 1888. A partir a

descoberta da lingüística, a ciência que estuda as línguas, foi que estudiosos

começaram a seguir as pistas deixadas pelos ciganos, na sua migração

desde a Índia. A principal língua identificada foi o romani. Até hoje, os

ciganos falam o romani, uma língua própria, inclusive com alguns dialetos

específicos. Mesmo esses dialetos, apesar de influenciados pelas línguas e

culturas dos países por onde os ciganos passaram, conservam ainda forte

ligação com o romani. Por meio dos estudos lingüísticos, juntos esses

pesquisadores começaram a investigar a vida cultural dos ciganos, suas

tradições e suas práticas que até então eram desconhecidas:

Secretas como um embrião e escorregadias como a água as crença dos ciganos constituem uma mistura curiosa de elementos pagãos e cristãos, primitiva e sagaz, bucólica e bestial.( ) Esse esforço etnológico conseguiu iluminar verdadeiramente o túnel estreito e profundo dos costumes humanos, escuro até esse momento, que percorrera a cultura ocidental durantes séculos. ((SILVER, in, LELAND, 1962, p.7)

Desde os primeiros estudos os membros da Sociedade

concordavam que o povo cigano por sua constante mobilidade, havia

colaborado para disseminar em suas andanças, as crenças, as magias e os

medicamentos gestados pelo contato com várias culturas, para os

camponeses com os quais conviviam durante sua jornada em direção do

Ocidente. O movimento das caravanas fazia com que os grupos

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assimilassem porções da cultura dos povos por onde passavam, as quais

influenciavam e pelas quais eram influenciados, num intercâmbio

desconhecido em outros povos estudados pelos etnólogos e folcloristas. Os

grupos que chegaram à Europa no século XV vinham do baixo Egito, que, na

Grécia, Chipre e regiões vizinhas e traziam com eles conhecimentos

secretos e curiosos.

Assim sendo, por meio da obra Magia cigana, de Leland, que reúne

uma coleção de encantamentos, simpatias, conjurações, adivinhações e

superstições, pretende-se examinar as práticas e as crenças ciganas, com o

objetivo de identificar as contribuições dos povos ciganos para a cultura

ocidental.

2. Sobre o autor

Charles Godfrey Leland (1824-1903), é descendente de uma família

inglesa que no século XVII imigrou para os Estados Unidos da América,

fugindo das perseguições aos protestantes e dos intermináveis conflitos

religiosos europeus. Filho de pais prósperos, ainda em sua infância

interessou-se pela magia cigana a partir de contos relatados por

empregados da casa. A maior parte da sua infância foi dedicada ao estudo

compenetrado de lendas medievais, contos de fada, casos de fantasmas e

receitas de poções e de encantamentos.

Jornalista, escritor e folclorista norte-americano, em 1870 mudou-se para

a Inglaterra onde pretendia dar continuidade aos estudos sobre os povos

ciganos. Aprendeu a língua romanesa (romani, vem de rom que significa

cigano) e pela convivência harmoniosa com vários grupos e linhagens de

povos ciganos passou a ser considerado um membro da comunidade. Por

seus vários tratados sobre a ciganologia inglesa e a bruxaria italiana, tornou-

se um dos maiores folcloristas do século XIX. Em 1888, fundou a Sociedade

de Cultura Cigana, da qual se tornou o primeiro presidente.

O primeiro livro de Leland sobre o tema foi Os ciganos e sua língua,

publicado três anos depois de seu primeiro contato com os mesmos.

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Publicou também Poesia e mistério dos sonhos e posteriormente, em 1891,

Magia Cigana. Incentivado pelos ciganos interessou-se pela feitiçaria etrusca

e florentina. Embarcou para a Itália onde após anos de estudos, publicou em

1899, um dos seus livros mais conhecidos Arádia: O evangelho das bruxas,

no qual apresentou uma coletânea de conjurações, superstições, costumes,

cerimônias, fetiches, rituais e filtros de amor. Quanto ao livro sobre o qual

está relacionado o presente trabalho, Magia cigana, sua biógrafa escreveu:

O motivo mais urgente que levou Leland a compilar tal volume foi salvar os fragmentos vivos da passagem longa e não registrada dos ciganos pelos caminhos secretos da civilização, antes que fossem completamente extintos. E é em suas obra ciganas que esse interessante autor americano nos dá o seu verdadeiro auto-retrato: o de um cavalheiro vitoriano vigoroso e letrado, de mente inquisidora e coração encantador, vestido com seus trajes ingleses, as longas barbas brancas eriçadas pelo vento que levanta a poeira em torno das tendas de um acampamento de andarilhos romani, com um caderno de anotações em uma das mãos e um amuleto no bolso. ( ) Entre as caravanas, violinos e fogueiras Leland foi iluminado por essas essências selvagens destiladas ao longo dos séculos pela pura imaginação dos homens simples. (SILVER, in. LELAND, 1962, p.26 e 27)

3. Magia cigana – um clássico do século XIX

A obra Magia cigana: Encantamentos, ervas mágicas e adivinhação

foi publicado em 1891, com mais de 300 páginas e 16 capítulos. O primeiro

trata sobre as origens das crenças ciganas e suas relações com a feitiçaria e

o xamanismo; o segundo aborda encantamentos e conjurações para curar

distúrbios dos adultos; o terceiro descreve conjurações, exorcismos e cura

de crianças, bem como as virtudes do alho; o quarto capitulo aborda a

doutrina de magia cigana de vários grupos, os espíritos da terra e do ar e o

costume dos encantamentos com cascas de ovos; o quinto dedica-se aos

encantamentos ou conjurações para curar e proteger animais; o sexto trata

das práticas de encantamento para mulheres grávidas e sortilégios para

prevenir hemorragias menstruais.

No sétimo capítulo de sua obra, Leland versa sobre a recuperação

de propriedades roubadas, confecção de amuletos de amor, poções e filtros

amorosos; no oitavo escreve sobre bruxarias e superstições da Romênia e

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da Transilvânia que são ligadas aos ciganos; no nono capítulo descreve os

encontros e reuniões de mulheres feiticeiras e aborda lendas ciganas; no

décimo enfoca assombrações e hábitos das feiticeiras, espectros e

mistificações ciganas; no décimo primeiro item apresenta o resultado de

estudos sobre o poder mágico inato em todos os homens e mulheres e

relata como pode ser cultivado e desenvolvido esse poder, dissertando

também sobre os princípios da adivinhação.

O décimo segundo capítulo é dedicado à quiromancia (leitura das

mãos), sortilégios românticos e situações autenticas de predição cigana; o

décimo terceiro reproduz uma coletânea de provérbios referentes às

feiticeiras, ciganas e fadas; o décimo quarto capítulo é bastante denso e traz

referências sobre sortilégios mágicos, rimas e encantações infantis com

casos e lendas relatados pelos ciganos; o décimo quarto aborda a confecção

de amuletos ciganos e finalmente, o décimo sexto capitulo do livro trata

sobre a relação da magia cigana com os sapos e encantamentos

relacionados aos sapos.

Sobre a totalidade da obra, a biógrafa Margery Silver, entende que

sua diversidade e singularidade devem-se a erudição do autor, a variedade

do seu material e a profundidade de sua coordenação dos fatos. Acrescenta

ainda crédito a vastidão das suas especulações sociológicas e psicológicas,

ao bom humor do autor e a sua convivência impar com os ciganos. Sobre o

resultado final da obra ela avalia:

Esse foi o último trabalho de Leland sobre os ciganos, publicado pela primeira vez em 1891, quando o autor já estava com quase 70 anos, e representa uma coleta de 20 anos de conjurações, superstições, costumes, cerimônias, fetiches, rituais, exorcismos, encantações e filtros de amor – baixos e vulgares, divertidos e confusos – colhidos de fontes vivas de toda a Europa, o Oriente e a América, e de publicações de escritores antigos, tanto conhecidos como desconhecidos. É um delicioso apanhado de ensinamentos estranhos, cheios de demônios, diabos, danças, canções, sexo, castidade, rapto de criancinhas, gravidez, prognósticos, bruxarias com sapos, com ovos e outras coisas inacreditáveis. Essa obra é diferente de todos os livros já escritos sobre temas ciganos.(SILVER, in LELAND, p.23)

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4. Crenças e práticas ciganas

As crenças ciganas têm como principais características: o estrito

monoteísmo, sem o mínimo indício de algum passado politeísta ou

panteísta; um caráter muito pessoal de Deus, que é acessível e com quem é

possível dialogar e inclusive discutir e que não necessita de mediação; a

existência de um mundo espiritual que consiste em espíritos puros e impuros

, que representam o bem e o mal e que combatem entre si. Quanto à morte,

ela é vista e como uma passagem definitiva ao mundo espiritual, não há

menção de crença em reencarnação. O destino último do cigano depois da

morte é o Paraíso, mesmo os maus podem ser redimidos e ascender ao

Paraíso.

Acredita-se que a adivinhação, a leitura das mãos ou das cartas, bem

como poções, filtros , danças de sedução e outros sortilégios, tenham sido

ensinadas aos ciganos por antigos magos e alquimistas persas. Os poderes

mágicos herdados de ancestrais longínquos e uma vida de intensa

mobilidade acrescentam mistério e romance às lendas desses povos

aventureiros.

4.1. Sortilégios com cabelos, unhas e dentes

Com a finalidade de fornecer idéia sobre alguns costumes ciganos

foram selecionadas algumas passagens da obra. Imediatamente ao receber

seu primeiro banho e unção, o recém-nascido deve ter a testa e o pescoço

marcados com um semicírculo – que talvez represente a lua. Se for menino

deve ser feita uma pasta de feijões que deve ser passada sobre a sua

genitália para assegurar-lhe grande força viril ou sexual. Se for menina deve

ser feita uma pasta com semente de abóbora ou de girassol para que esta

seja fértil (LELAND, p.29).

Os ciganos depositavam grande confiança em sortilégios feitos com

os fios de cabelo e acreditavam que se uma feiticeira ou um bruxo

conseguissem uma mecha do cabelo de uma pessoa poderiam fazer-lhe

grande mal. Existiam várias magias que poderiam ser feitas com os cabelos.

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Por exemplo, se alguém quisesse enfeitiçar um inimigo, deveria recolher

alguns fios do seu cabelo, molhá-los em sua urina e jogá-los sobre suas

roupas para que este não tivesse repouso nem de dia e nem de noite. Para

uma esposa fazer com que seu marido a amasse eternamente deveria

amarrar os fios do seu próprio cabelo aos dele durante três noites de lua

cheia. Para facilitar o parto, deviam-se costurar fios de cabelos vermelhos

em um saquinho e trazê-lo junto ao ventre durante toda a gravidez. O cabelo

vermelho indica boa sorte e são chamados de cabelos solares. Se uma

criança sofre de insônia os cabelos de sua mãe deverão ser costurados nas

roupas da criança e ela dormirá tranqüila (LELAND, 1962, p.31).

Assim como os cabelos, as unhas tinham poder. Unhas cortadas na

sexta-feira deviam ser queimadas e suas cinzas misturadas com a forragem

do gado para que o rebanho não fosse atacado por animais selvagens ou

roubado. Para uma criança crescer colocava-se um pouco das cinzas de

unhas queimadas em sua comida. Para gerar crianças fortes e saudáveis as

mulheres grávidas usavam um colar com unhas e dentes de urso ao redor

do pescoço. Dentes de javali também eram usados (LELAND, 1962, p.33)

4.2. Encantamentos com cascas de ovos

Lendas baseadas com ovos são inesgotáveis. Na Europa Oriental e

Ocidental costumam destruir as cascas de ovos depois de comer para que

elas não sejam usadas pelas feiticeiras. No Oriente o ovo é considerado um

amuleto de sorte e costumam ser usados ovos de avestruz que tem

semelhanças aos ovos de galinha para realização de simpatias. Na Índia há

várias tradições referentes a práticas com ovos. Por exemplo, quando um

parto era difícil, as parteiras quebravam ovos e diziam: “O ovo, o ovo é

redondo. E o ventre é redondo. Que venha esta criança com boa saúde.

Deus a chama!” (LELAND, 1962, p.62). Se uma mulher morresse de parto,

dois ovos eram colocados embaixo de seus braços e o seguinte dístico era

pronunciado: “Quando este ovo for quebrado, aqui não haverá mais leite”.

Acreditava-se que assim o espírito da cigana descansaria no Paraíso.

(LELAND, 1962, p.63).

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Além das práticas, o autor relata várias histórias e lendas sobre feiticeiras

e fadas que usam cacas de ovos para navegar ou voar. Algumas são boas,

outras más. Tudo depende da sorte de quem quebrou os ovos. Para evitar

surpresas as meninas eram ensinadas a quebrar as cascas em pedaços

minúsculos.

4.3. Magia com uso de animais

Os casos sobre uso de sapos, rãs, morcegos, mariposas e outros bichos

pelos ciganos para fazer encantamentos, bem como as orações para curar

ou reaver animais eram famosos. Diante dessas lendas, em algumas

regiões, como as da Romênia os camponeses chamavam os ciganos para

conjurar em qualquer ocasião. Nessa época a maioria das pessoas

acreditava estar rodeadas por legiões de demônios, fantasmas,

assombrações e duendes que não podiam ser vistos pelos homens, mas sim

pelos animais:

Os ciganos acreditam que os cavalos pretos podem ver seres que são invisíveis para os olhos humanos. A maneira misteriosa com a qual os cachorros e os cavalos demonstram sentir medo, quando aparentemente não existe nada visível que possa ser temido – o cachorro latindo à noite, e o cavalo correndo selvagemente, sem a menor dúvida suscitou essa crença. (LELAND, 1962, p.107).

Leland relata que na Húngria , os ciganos usavam sementes de

estramônio ( planta considerada venenosa) e um tambor parecido com o de

um feiticeiro xamã para realizar o ritual de expulsão dos maus espíritos

juntamente com estanhas conjurações. Para acalmar, evitar que os animais

fugissem ou fossem roubados o autor menciona as mais variadas orações.

Para encantar cavalos, animais dos quais precisavam para se locomover,

desenhavam com carvão um anel, na pata esquerda, e na direita, uma cruz

e rezavam:

” Gire, Gire e gire! Seja, seja muito presente. O demônio não virá até você. Pois Deus, Deus estará com você. Bom Deus, afaste do corpo deste cavalo o pai do mal. Que este cavalo seja lindo, brincalhão e bom. Sete espíritos da terra, ouçam! Eu tenho sete cadeias, proteja este animal sempre, sempre”.( LELAND, 1962, p. 106)

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O sapo representa um papel de destaque na feitiçaria cigana, o que é

previsível pois na maioria dos dialetos romani, existem a mesma palavra

para designar o sapo, a rã, e o demônio. Os ciganos e os sapos eram “

aliados próximos “ uns dos outros, e muitas vezes as crianças ciganas

costumavam tê-los como animais domésticos.O autor relata que as

conexões entre ciganos e persas torna-se cada vez mais legítima, porque na

antiguidade esse povo fez do sapo um símbolo e, ao mesmo tempo uma

animal de estimação. Isso porque ele era inimigo da luz e mais do que

qualquer outra espécie conhecia os seres das trevas. Acreditando nisso os

ciganos desenvolveram relações com os mesmos para proteger-se de

demônios. Entre as tribos primitivas os sapos eram dominados pela magia e

serviam como mensageiros do bem e do mau. Na Europa medieval o sapo

representava a gula e a avareza. Na Alemanha crê-se que os sapos

perseguem aqueles que fizeram votos de peregrinação e não os cumpriram.

Entre os ciganos sapos e rãs eram também usados para adivinhações e

poções de amor, conforme segue.

4.4. Poções, simpatias e filtros de amor

Para os ciganos todas as mulheres, em determinadas épocas tem

poderes mágicos. Por isso, todas são feiticeiras. As ciganas, húngaras,

eslavas, indianas e italianas, apesar de terem práticas diversas das

européias, concordavam em promover reuniões rituais em conjunto em

certas épocas, estações ou fases lunares. Relata-se que se uma dessas

mulheres quisesse conquistar um homem, bastaria que subisse solitária

numa noite de lua nova até uma montanha distante, tirasse toda a roupa e

nua dançasse a luz do luar pensando no homem desejado. Essa dança ritual

que teve sua origem na Pérsia, disseminou-se pela Índia e também pela

Espanha, tinha o poder de seduzir e encantar a pessoa amada sem

qualquer uso de filtro amoroso. Isso porque o poder da magia dessas

mulheres poderia ser colocado em ação a partir dos movimentos ritmados

das danças libertinas e devassas. Ao som de violinos, flautas e tamborins, o

autor diz que as danças ciganas são as mais selvagens já encontradas em

qualquer cultura. (LELAND, 1962, p.200).

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Mesmo assim, não eram todas as mulheres que tinham o poder de

sedução pela dança, para esses casos, outras ciganas eram sábias

manipuladoras de poções de amor:

A beberagem mais simples ou menos perigosa, que serve para garantir o amor, é feita da seguinte maneira: em qualquer uma das noites de lua cheia, colhe-se nas campinas, a planta chamada de açafrão, cujas raízes amarelas são posta para secar. Depois, trituram-nas, misturando o resultado com a menstruação, colando-se tudo isso na comida da pessoa cujo amor se deseja conseguir. (LELAND, 1962, p.153)

Do mesmo tipo, existe outra poção, preparada da seguinte maneira:

Na noite de São João, pega-se uma rã verde, colocando-a num receptáculo de barro fechado, cheio de pequenos buracos. Em seguida esse receptáculo deverá ser colocado num formigueiro. As formigas comerão a rã deixando o esqueleto, que será transformado em pó e misturado com o sangue de um morcego e asas de mariposas secas. Essa mistura deve ser colocada secretamente na comida da pessoa a ser encantada. (LELAND, 1962, p.154)

O autor explica que esses encantamentos “abomináveis” são do

conhecimento de muitas feiticeiras que não são ciganas. Eles podem ser

encontrados também entre mulheres européias e práticas africanas, bem

como em toda a parte do mundo. Além dessas poções, o autor relata que

existiam filtros para colocar em bebidas cujas qualidades mágicas estavam

ligadas ao uso de plantas como limeiras, tílias e videiras, cujas folhas

deveriam ser fervidas e depois deixadas no sereno para que fossem

misturadas com gotas de orvalho (LELAND, 1962, p.177)

Para adivinhar o futuro de uma relação amorosa, existia uma maneira

simples e eficaz. Bastava cortar uma maçã em duas partes com uma faca

afiada. Se nenhuma semente fosse partida o romance teria sucesso. Porém

se as sementes fossem cortadas alguém teria o coração partido (LELAND,

1962, p.179).

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo o autor da obra Magia Cigana a feitiçaria sempre esteve

associada aos ciganos e aos poderes mágicos que esses povos receberam

dos seus ancestrais mais longínquos. Desde a antiguidade os povos ciganos

existiram como possuidores do poderes desconhecidos, conhecimentos

secretos e fórmulas mágicas. Aliando-se esses requisitos ao comércio

indiscriminado de encantamentos, adivinhações, quiromancia e poções de

amor, eles tornaram-se pessoas perigosas para aqueles que com eles

convivessem.

O desconhecimento sobre suas práticas e o receio de serem vítimas

das caravanas de ciganos fez com que esses povos fossem marginalizados

e perseguidos em vários lugares, durante os mais diversos períodos da

história.

Apenas a partir dos estudos promovidos pela antropologia e pela

etnologia, a partir do século XIX, foram registradas e publicadas as

primeiras pesquisas sobre as origens, as crenças, os costumes e as

práticas desses povos, até então temidos como ladrões de cavalos, raptores

de crianças, bruxos, feiticeiros, “encantadores de olhos brilhantes e frios

como a lua” (LELAND, 1962, p.33).

O presente artigo construído a partir de leitura da obra de Leland,

deixa claro que ainda são necessárias nova investidas para que se

compreenda a ciganologia. Este trabalho é apenas um indicativo de quantos

caminhos existem para o surgimento de pesquisas sobre esse tema tão

abrangente. É mister que se diga que o comércio da magia cigana tinha

várias características, porém como os povos ciganos eram nômades e

viviam em acampamentos, sem propriedade particular, sua ciência mágico-

religiosa era mais do que qualquer coisa, um meio de sobrevivência.

No que diz respeito ao modo como Leland registrou em seu livro as

práticas desse povo, com conjurações e orações, filtro e poções, sortilégios

e adivinhações, evidencia-se que a obra feita despretensiosamente em

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1891, contem um farto material que serve como fonte de pesquisas para

todos os interessados em conhecer os costumes e a flexibilidade do

cotidiano dos ciganos.

O conhecimento sobre os povos ciganos é de grande valor para a

cultura popular e compreender o significado de suas práticas é fundamental

para a preservação de sua memória. Baçan, entende sua importância

baseado na premissa que em todos os lugares do mundo , nas mais

diversas épocas eles foram ou têm sido os adivinhos, andarilhos e

aventureiros que preservam essa forma de magia religiosa popular que

permanece envolta em estranhamento e marginalização acadêmica e

social.

O desafio apena começou. Ainda estamos longe de compreender a

importância dos povos ciganos e suas contribuições para a história cultural

da humanidade.

REFERÊNCIAS

LELAND,Charles Godfrey. Magia Cigana: Encantamentos, Ervas

Mágicas e Adivinhação. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil ,1962.

SILVER, Margery. Introdução. In. Magia Cigana: Encantamentos,

Ervas Mágicas e Adivinhação. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil ,1962.

BAÇAN, L. P. Ciganos, Os filhos do vento. São Paulo: Ed. A casa

do Mago das Letras, 1999.

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JOGOS DE LINGUAGEM: TREINAMENTO, MAQUINARIA E FORMAS DE

VIDA

Carlos de Jesus Lima

Acadêmico do 1º período do curso de Ciências Sociais –– Faculdade

Guarapuava

RESUMO: Os signos nestas paginas aqui organizados, tem como objetivo apresentar a noção de Jogos de Linguagem do filosofo Wittgenstein como formas de vida, parte dos mundos da linguagem – buscando entender como a linguagem funciona – sua maquinaria. Para tal recorreu-se principalmente a primeira parte da obra Investigações Filosóficas que pertencem ao segundo período filosófico do autor, tendo ele já superado a concepção de “formas lógicas” pertencente ao primeiro período no Tractatus Lógicus Philosóphicus. Considerando um fenômeno qualquer, não devemos tentar descrevê-lo de maneira pré-conceituosa partindo de uma possível fôrma, pronta, acabada, como se tudo já houvesse sido explicado e tabelado de modo que ao consultar uma dada tabela teríamos todas as respostas. Alem disso um princípio explicativo, um fundamento, sendo universal e o único valido para toda e qualquer situação só poderia estar fora do mundo e isto se deve pela necessidade (solipsista) de comandar tudo, existir no todo, durar tudo, ser o todo, funcionar tudo – saber tudo – tornando impossível haver neste mundo um só espanto na consciência, pois no todo ocorreriam os fenômenos exatamente na medida em que todas as gentes antecipadamente os saberiam. Na verdade só haveria ELE. PALAVRAS-CHAVE: Jogo. Linguagem. Função. Filosofia.Educação. Introdução

Como ocorre a transmissão do saber? É possível haver uma paridade

intersubjetiva e compreensiva num mesmo discurso – não seria o caso de

seguido e seguidor? Como se representa à consciência o fenômeno da

linguagem enquanto forma de vida? – foi esta a problemática que serviu de

guia ate então à pesquisa que se deu em referencia à noção de jogos de

linguagem do filósofo Wittgenstein.

No inicio buscou-se (pelas leituras) entender o processo de se transmitir

uma palavra sem o uso da vocalização – linguagem de sinais, por exemplo –

coisa que se tornou supérflua pela complexidade da problemática tratada e

abrangências das considerações do autor pesquisado. Porem não tenho

duvidas que algumas das questões postas de lado devido a maneira de

tratamento textual pelo qual se dera tal pesquisa, não deixaram de ser

esclarecidas, a saber, referente ao aprendizado de uma palavra avançamos

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muito mesmo que tenha sido numa perspectiva do funcionamento da

linguagem de modo geral.

A pesquisa se desenvolveu via analise bibliográfica e partiu da leitura da

primeira parte de Investigações Filosóficas na medida em que trata da noção

de jogos de linguagem e seguiu-se daí como base de todas as demais leituras.

Num primeiro momento se trata nesta pesquisa e de maneira

introdutória, os temas que nortearam a pesquisa no todo. Os temas tratados –

palavra, língua e linguagem – seguem buscando apresentar-se no que houve

de mais claro e simples possível, afim de que, a partir de então se possa

considerar o conteúdo principal reconhecendo inclusive os limites de

tratamento dos mesmos.

Num segundo momento que então serão apresentados os limites

reconhecidos pelo filósofo no livro Tractatus Lógicus-Philosóphicus – formas

lógicas – seguindo os passo dos escritos dele para que se possa compreender

em referencia a isto o que se tornara possível de concluir sobre os jogos de

linguagem frente a problemática em questão – principalmente a saber, como

ocorre a compreensão?.

Nos terceiro e quarto momentos busca-se introduzir o tema em sua

especificidade relativa aos textos de Wittgenstein que serviram de base à

pesquisa.

Enfim, será apresentada a noção de jogos de linguagem a confrontar de

maneira conclusiva (e dentro do possível), ao exposto anteriormente, seja no

objetivo de compreender a evolução de outras noções por vez apresentadas,

seja na conclusão e clareza dos temas e possível solução/resposta à temática.

1. Sobre Wittgenstein

Ludwig Wittgenstein (26 de Abril de 1889 – 29 de Abril de 1951), filósofo

austríaco considerado um dos maiores filósofos do séc. XX, senão o maior. Foi

aluno de Bertrand Russel, que certa vez admitiu ter em sua classe um aluno

tão estranho que não se podia dizer se era gênio ou apenas mais um

excêntrico. Um estranho aluno, que certa vez interpelou seu professor de uma

dada maneira que não se encontrou saída – a questão era: “o senhor poderia

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me fazer a fineza de responder se sou ou não demasiado idiota?”... Sendo

idiota direcionaria seus esforços à aeronáutica e se não, tornar-se-ia filósofo.

Russel então pediu que o estranho aluno escrevesse sobre qualquer coisa da

filosofia. E quando Wittgenstein entregou a Russel seu escrito, não se teve

mais duvida – ali estava um gênio e futuro filósofo.

Wittgenstein é sem duvida um ícone na filosofia da linguagem. Entre

seus trabalhos temos o: Tractatus Lógicus-Philosóphicus, sua primeira grande

obra apresentada inclusive como tese de doutorado. O Tractatus é o livro em

que se apresenta a primeira fase do pensamento do filosofo em cuja pretensão

se tinha dar por finalizados quaisquer problemas da filosofia (problemas da

linguagem) – e se filosofar é pensar sobre aquilo que pode ser dito,

considerando que os problemas são sempre problemas de linguagem, então,

resolvendo os da linguagem, acabar-se iam todos aqueles da filosofia. Foi um

grandioso e impar trabalho em conteúdo e forma de expressão – talvez o livro

mais bem escrito (em termos lógicos) ate hoje. Aspirou-se a perfeição do

discurso filosófico ao tocar os limites daquela linguagem (lógica). Foi em seu

primeiro grande trabalho que Wittgenstein apresentou suas idéias associadas a

noção de forma lógica e tendo resolvido os problemas pretendidos, logo depois

teria o filosofo inclusive abandonado a carreira universitária – pois não havia

mais por que filosofar8. Ate que um amigo fez um gesto com a mão e como se

deixasse um vazio como o que deixei

aqui e lhe perguntasse “qual é a forma lógica disto?” – a partir daí dá-se a

segunda fase de seu pensamento, exposto principalmente na obra

Investigações Filosóficas que ele mesmo chegou a organizar para edição –

mas que só veio a ser lançado postumamente. Alias, o único livro entregue à

edição enquanto ele ainda estava vivo foi o Tractatus. É nas Investigações

Filosóficas que observaremos como o próprio autor ressaltaria, as reflexões

que o acompanharam pelos últimos dezesseis anos de sua vida – é onde

encontramos a definição de Jogos de Linguagem na medida em que se tem

uma superação das formas lógicas expostas no seu Tractatus.

8 Não se deve aqui considerar que uma obra como o Tractatus tenha substituído o valor da atividade que é

filosofar – não é este o sentido a que se propõe o livro, ainda que se tenha lá a resposta para tudo que se

pretendia o trabalho.

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Uma vez que abandonara a perspectiva logicista do Tracatactus o livro

Investigações Filosóficas é escrito de uma forma bem diferente. Neste ultimo o

filosofo não tem aquela postura de estrutura prefixada logicamente, isto é, na

medida em que o lemos temos a impressão de as idéias virem surgindo a partir

daquilo que ele mesmo via e lembrava ao escrever e observar o já escrito e

conjuntamente ao novo mesmo pensado a partir do velho – num ziguezaguear

que construía o próprio discurso ao crescer a partir de si, alimentando-se e

transmudando-se em cada cifra acrescentada. E quando por vezes retoma um

assunto, este já é novo, mais rico e ligado a um conteúdo ainda maior, já olha

de outro ponto e o vê diferente – uma sucessão de presentes que no

instante/agora podem nos dar uma nova lembrança daquilo que passou e

quando o relatamos também construímos, organizamos, etc.

2. Palavra, língua e linguagem

Tendo em mente que o problema – compreender um dado saber

transmitido pelo treinamento... – refere-se à compreensão do que se dá no

confronto entre o transmitir e o receber de uma idéia. Segue-se com relação ao

seguinte pensamento:

Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelos sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indicá-lo. (AGOSTINHO, apud Wittgenstein, 1999, § 1, p.27).

Indubitavelmente é deste modo que as pessoas em geral compreendem

o processo de transmissão de um dado saber. Pensemos no caso de nos

perguntarem: como sabemos que caneta (isto é, a palavra caneta, que faz

referencia a um dado objeto presente em uma de nossas mãos), é caneta?

Com isto tem-se, e é estabelecida uma idéia sobre os objetos, que seria

transmitida através de um sistema sonoro da linguagem, no qual os numerais,

as letras, não passariam de representações formais sobre os mais diversos

assuntos a serem (como referencia à ordem sonora de apreender os seres)

documentados.

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Mas deduzi isto dos seus gestos, a linguagem natural de todos os povos, e da linguagem que, por meio de mímica e dos jogos com os olhos, por meio dos movimentos dos membros e do som da voz, indica as sensações da alma, quando esta deseja algo, ou se detem, ou recusa ou foge. Assim, aprendi pouco a pouco a compreender quais coisas eram designadas pelas palavras que eu ouvia pronunciar repetidamente nos seus lugares determinados em frases. E quando habituara minha boca a esses signos, dava expressão aos meus desejos (Idem).

Temos aqui, talvez a mais simples e objetiva idéia da linguagem como

um todo9. Posto deste modo evidencia-se a relação que há entre objeto

pensado/conhecido e o ser pensante, uma vez que este ultimo se detém frente

a um outro sujeito para ensiná-lo ou aprender com ele. Está posto o apreender

de uma idéia não apenas através da palavra falada, mas também se

compreende que há vários modos de se apresentar uma mesma palavra: com

raiva; com calma; etc. A tonalidade da voz pode mudar mudando também o

seu significado apreendido, sentido, lembrado. E quanto à voz, acrescentamos

também um gesto de adeus, por exemplo, um riso, uma cara de tristeza ou

qualquer outro gesto, seja de mãos ou com os pés talvez – quando tapamos a

boca logo após ter dito algo, dizemos algo que não se ouviu. Deste modo

transportamos a palavra e a própria linguagem a um nível imagético, isto é,

enquanto aprendizagem fazemos pôr um objeto em movimento, uma imagem

em ação, chamamos pela imaginação.

Segundo Agostinho “As imagens são originadas por coisas corpóreas e

por meio das sensações: estas, uma vez recebidas, podem ser facilmente

lembradas, distinguidas, multiplicadas, reduzidas, ampliadas, organizadas,

invertidas, recompostas do modo que mais agrade ao pensamento” (apud,

ABBAGNANO, p. 538). E com isto uma vez que compreendemos o conceito de

imagem como “Representação mental que retrata um objeto externo percebido

pelos sentidos” (JAPIASSÚ, p.143), pois bem, chegando a este ponto, faz-se

necessário distinguir ainda que brevemente os termos: palavra, língua e

linguagem.

9 Alusão feita afinal, em concordância com a postura de Wittgenstein, p. 27.

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55

Palavra: segundo Silveira Bueno (p. 458), é tida como som articulado, com

significação; fala; faculdade de expressão pela voz, etc. Em ABBAGNANO

(P. 740- 741) aparecem dois modos de compreendê-la: um em que o

falante utiliza o código da língua para exprimir uma idéia, e outro cujo

mecanismo psicológico é que lhe permite exteriorizar a idéia – que em

ambos os modos é expressa através de combinações. Ao que parece, a

partir destes aspectos da palavra, consideramo-la um ato individual. Mas

em certo sentido, encontramos (in ABBAGNANO, Idem), uma ambigüidade,

em que a palavra aparece sempre como evento novo ou como ocorrência

sempre da mesma. Temos em um livro o caso de milhares de palavras ao

passo que há também a ocorrência de uma mesma palavra entre tantas em

diversos pontos do mesmo livro – o que talvez devêssemos considerar:

signo e símbolo10.

Língua: segundo S. BUENO, é o “Órgão muscular situado na cavidade

bucal, cuja parede inferior esta presa pela base, e que serve para

degustação, para deglutição e para a fala; idioma; nome de vários objetos

que tem semelhança com o órgão bucal” (BUENO, p. 378), entre outros.

Tomemos para esta discussão o sentido referente à fala, isto é, o idioma.

Para isto, língua é “conjunto dos costumes lingüísticos que permite a um

sujeito compreender e fazer-se compreender” (SAUSSURRE apud

ABBAGNANO, p. 615). Temos aqui tanto a idéia de um sistema/estrutura,

quanto de uma “massa falante”, uma realidade social11.

Linguagem: para BUENO, linguagem é “Utilização dos elementos de uma

língua como meio de comunicação (...) de acordo com cada um, sem

preocupação estética; qualquer meio de exprimir o que se sente ou pensa;

estilo” (p. 378). Tomemos para tanto e em sentido genérico, “o uso de

signos intersubjetivos, que são os que possibilitam a comunicação”

(ABBAGNANO, p. 615).

10

Signo – objeto que é um outro por significado, isto é, a qualidade referencial de um objeto (ex:

sagitário, mapa-múndi, “palavra”).

Símbolo – do grego é aquele que une. É um objeto que qualitativamente representa outro

sem deixar de ser ele mesmo (ex: bandeira, mapa, letra). 11

A partir de ABBAGNANO (p. 615), por vezes parafraseando.

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Tendo discriminado cada um dos termos, a saber: palavra, língua e

linguagem –, eis que nos assalta a questão proposta desde o inicio deste

trabalho: como se dá o processo de aprendizagem de uma palavra – como

ocorre a transmissão do saber? É possível haver uma paridade compreensiva

e intersubjetiva num mesmo discurso – não seria o caso de seguido e

seguidor? Como se representa à consciência o fenômeno da linguagem

enquanto modo de vida?

Para tal, recorro ao termo jogo de linguagem proposto pelo filosofo

Wittgenstein, buscando encontrar um fundamento12, isto é, como se da o

funcionamento indubitável do fenômeno Jogo enquanto modo de vida – sendo

o modo de vida todo aquele fenômeno em que é possível a relação de sujeitos

e objetos como parte de um mundo organizado – como linguagem.

3. Formas lógicas

No Tractatus Lógicus-Philosóphicus Wittgenstein nos brinda com o

§4.1212 em que se diz: “O que pode ser mostrado não pode ser dito”. Ora, o

filósofo expôs concomitante ao supracitado, a noção de forma lógica que num

segundo período veio a abandonar, ou melhor, superar. É por isso que para

compreendermos os jogos de linguagem nas Investigações, faz-se necessário

considerá-los em relação ao exposto no Tractatus – a superação da forma

lógica talvez se de pelo esclarecimento de seus próprios limites desta ate o

ponto de o desenvolvimento fazer surgir os jogos.

Wittgenstein escreve o seu Tratado Lógico-filosófico envolto numa

espécie de atmosfera poético-mística. Considera a Filosofia como aquela

“terapia” responsável por esclarecer os limites da linguagem. Assim, a Filosofia

teria o caráter de terapia que ao ser feita como se ao subir de uma escada –

sobre os desafios da linguagem –, superar-se-iam os problemas filosóficos e só

nos restaria ao final, abandoná-la. Talvez tenha sido esta a postura do filosofo,

a de abandonar seu Tractatus, a sua terapia.

12

Não há em Wittgenstein um fundamento em sentido metafísico da linguagem – limita-se, portanto, a

compreender como a linguagem funciona.

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Como é afirmado naquele tratado, se tudo aquilo que pode ser mostrado

não pode ser dito, significa que o mundo descrito é uma representação da

realidade, mas não pode ser ela. No entanto, para representar algo é sabido

pelo Tractatus, que se necessita possuir a forma lógica daquilo que se

representa forma esta que não pode ser dita, mas apenas mostrada, isto é,

quando digo “este cão!”, faço ver o cão que não pode ser dito quando o

represento. Disto se conclui que a forma lógica é uma necessidade para que o

mundo possa ser representado – comum ao mundo e também à representação

do mundo – ao passo que o representado possa ser algo de sentido.

Enunciemos o Tractatus Lógicus-Philosóphicus no seu ponto inicial com

o intento de explanar os sentidos do discurso do autor para com o conteúdo de

tudo aquilo que foi dito a partir de então (1968 p.55)13:

1 O mundo é tudo o que ocorre.

1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.

1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto consistir em todos os fatos.

1.12 A totalidade dos fatos determina, pois, o que ocorre e também tudo que não ocorre.

1.13 Os fatos, no espaço lógico, são o mundo.

1.2 O mundo se resolve em fatos.

1.21 Algo pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto

permanecer na mesma.

Deveríamos tomar a linguagem como uma casa de vidro através dos

quais acessamos a realidade. Assim o nosso mundo é o mundo real

representado e desse modo conhecido. O mundo é, portanto aquele mesmo da

realidade e não pode ser outro. Sendo deste modo, devemos considerar que a

realidade consiste em tudo aquilo que representamos e mais, é também aquilo

que ignoramos. E nós ignoramos muitos fatos, pois o mundo não depende de

um sujeito – ele é dependente sim de uma corrente de fatos – onde um

determinado fato é um anelo.

13

Segue-se a versão do texto “publicado em 1921 na revista de Oatwald Annalen der Naturphilesephie”

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Quando se diz ser o fato um composto de objetos reunidos, poderíamos

afirmar que o mundo é a totalidade dos objetos que existem. Neste caso

porem, não se pode afirmar nada de um objeto em particular, pois sem o fato

nada há - um cão só pode ser no mundo na medida em que é composto, mas

aquilo que subsiste (componente essencial) no cão não pode ser representado.

Observando um cão, não o podemos conhecer sem um dado lugar –

anelo do mundo – ao qual o cão pertence. Este cão não é uma coisa, mas um

fato que esta no mundo e isto faz denotar sua existência para nós/outros.

Consideramos então que uma representação é factual, ou seja, representa

aquilo que ocorre, é o mundo. Devemos compreender que é o mundo, pois

seguindo os passos de Wittgenstein compreendemos que, uma rede é uma

rede mesmo que mostremos apenas um pedaço dela. Assim é o mundo, sua

totalidade.

Compreender o que é o mundo seria um dado totalmente estranho se

nos representássemos outros fatos que não o próprio mundo na medida certa

de sua existência. Para tanto se compreende a necessidade lógica como

espelhamento concomitante tanto ao mundo quanto à linguagem – o que é na

linguagem é também no mundo. A certa medida da ocorrência de algo assim

pertence também à ordem pela qual dizemos aquilo que ocorre. A isto

chamemos de: forma lógica dos fatos (no mundo e na linguagem)14.

Segundo Wittgenstein a lógica não pode ser representada, pois se

tentássemos teríamos de sair dela levando-a conosco. Levaríamos “tal!” para

que pudéssemos observar “tal!” de fora e por “tal!” logicamente se

compreenderia como pode ser representado aquilo que nesta frase aparece

como logicamente. Tal empreitada revelou-se logicamente impossível porque

nem sequer será possível representar a lógica que faz representar algum fato

com um signo como este “1+1+1=3 logicamente”, isto só é possível de ser

representado pela existência factual de uma forma lógica. Assim, um fato é

sempre lógico, isto é, tem uma forma lógica e, portanto aquilo que digo do fato

é logicamente referente ao mesmo fato – no §4.12: “A proposição pode

representar a realidade inteira, não pode, porém, representar o que ela deve ter

14

Faz-se notar por vezes “aquele” perigo – mundo/linguagem; linguagem/mundo – em distinguir aquilo

que tomamos como mundo do que consideramos enquanto linguagem.

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em comum com a realidade para poder representá-la — a forma lógica” (1968,

p.77).

Retomando aquilo que chamamos noutra instancia de casa de vidro e

através da qual percebemos o mundo, consideremos que para tanto, podemos

imaginar vidros sujos ou limpos pelos quais são enxergados os mesmos fatos

ditos “reais”. Ora, não vemos num fato aquilo que não existe – vemos o fato

como real a partir da realidade – e disto se compreende que ao dizermos o

falso estamos por representar o real, isto é, aquele “vidro” carregado de sujeira

é o que me faz dizê-lo.

Eis que se apresenta frente aos problemas de verdade, o caráter da Filosofia.

Esta tem o objetivo de esclarecer os problemas que não a constituem, a saber,

os problemas da linguagem, isto é, a sujeira do vidro pelo qual vemos o mundo

tal qual ocorre. Como terapia a Filosofia vem pelo esclarecimento dar à

linguagem a superação de seus problemas – conquistado seu objetivo, a

filosofia deixa de atuar. Talvez como uma balsa depois que a usamos para

atravessar um rio que abandonamo-la, não a carregamos por terra firme e

menos ainda como peso em nossas costas. Consideremos para isto, que a

Filosofia é “a” nobre atividade terapêutica – ressaltemos a atividade, pois é isto

o que se pode ser dito da Filosofia: filosofar é pensar sobre aquilo que pode ser

dito – filosofar é revelar e compreender os limites da linguagem. “A finalidade

da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos” (1968, p. 76). Alem do

mais, “A filosofia não é teoria mas atividade” (idem).

Ludwig Wittgenstein (in 1968,) começa seu livro com a frase “O mundo é

tudo o que ocorre”(p.55) e conclui dizendo que, “O que não se pode falar, deve-

se calar” (p.129).

Quanto às suas primeiras idéias brevemente apresentadas neste

trabalho através de uma leitura do Tractatus em que o filosofo resolve os

problemas a que se propôs o trabalho, a saber, que os problemas filosóficos

não existem, são problemas de linguagem. Tendo delimitado o campo da

linguagem não será mais necessário usar uma escada que outrora nos fez

compreender e superar as dificuldades da linguagem – em §4.1212 se

evidencia “O que pode ser mostrado não pode ser dito” (1968, p. 78). Se em

relação à noção de forma lógica nos resta dizer o que pode ser dito e mostrar o

que pode ser mostrado – tem-se aqui delimitado a nossa ação posterior ao

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filosofar – cabe, no entanto considerar a totalidade do que ocorre como o

mundo. E, como no §7 “o que não pode ser dito, deve-se calar”.

4. Do treinamento

Na primeira parte de Investigações Filosóficas, o filósofo anuncia que o

ponto de vista de Agostinho citado anteriormente no inicio deste trabalho,

parece revelar uma imagem da essência da linguagem humana, a saber:

(...) as palavras da linguagem denominam objetos – frases são ligações de tais denominações. – nesta imagem encontramos as raízes da idéia: cada palavra tem uma significação. Esta significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra substitui. (1999, §1 p.27)

Segundo Wittgenstein, se Agostinho estiver certo, a linguagem na qual

falar o nome de um objeto indicado em certas condições – para um sujeito que

por isso aprende a idéia (p.28) –, é treinamento. E deste modo “quem ensina

mostra os objetos” (§6, p.29), caso em que um professor não explica, apenas

conduz. Ele fala o nome e o aluno repete. Assim se ensina e assim se aprende.

Mas este treinamento ou aquilo que representamos como sendo ele, não é o

suficiente para explicar como uma palavra (signo) passa a ser (significar) este

ou aquele objeto, ainda que consintamos à ação de nomear em analogia

àquela de pôr etiquetas num objeto para dizer alguma coisa – como se colada

numa caixa de laranjas uma etiqueta mostrasse letras organizadas da seguinte

forma: “laranja”, sem as aspas talvez. Isto levaria a quem lê tal palavra

(“laranja”), a informação de que ali tem laranjas. Mas, somente se a pessoa

treinou aquele trajeto, isto é, se aquele leitor esta seguindo pelas

determinações de uma etiqueta que aprendeu pelo treinamento. Deve

considerar os limites de treino necessários para uma pessoa poder ler

(“laranja”) e saber que se ali houvesse as letras “limões”, ele saberia pela

etiqueta aquilo que com isso se espera ter na caixa.

Observamos que para tanto, cada objeto apreendido se daria pelo

treinamento. E para de fato ler este texto ou aqueles outros tão comuns em

nosso cotidiano, alem de tantos – de matemática, biologia, psicologia,

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geografia – como é possível ler? Quanto de treinamento tem de ser feito? E

como se daria a transmissão de um dado saber senão por treinamento?

O treinamento por si só não consegue nos representar satisfatoriamente

o processo de significação que se apreende com ele. Isto fica claro em nossas

experiências na medida em que descobrimos pelo jornal, algo de novo, uma

informação nova. Mas, se por acaso não existir coisa alguma a ser conhecido e

sim treinado, talvez estejamos considerando erroneamente a transmissão de

uma mensagem – como passagem de uma coisa a outra ou do

condicionamento daquilo que já esta ali – via treinamento. Não podemos negar

ao treinamento a importância que lhe cabe nem tomá-lo constituído pelo que

não lhe é próprio.

Se ao seguir o filósofo temos de considerar que “O ensino da linguagem

não é aqui nenhuma explicação, mas sim um treinamento” (§5, p.29) –

sabemos agora que no treinamento a fim de apreendermos uma linguagem,

junto nos toca um algo a mais.

O treinamento enfim, já é segundo Wittgenstein, uma linguagem –

linguagem primitiva, em que A mostra a B um tijolo e ao mesmo tempo grita

“tijolo!” até que B através de erros e acertos traga até A o objeto nomeado e

seja por isso recompensado. B aprendeu, isto é, B foi treinado15.

5. Da maquinaria

Se não há possibilidade de compreensão daquilo que (foi treinado), esta

sendo dito ou demonstrado, isto significa que não há uma linguagem sequer,

nem mesmo primitiva. Faz-se necessário lembrar em que consiste a

linguagem, seja ela primitiva ou não. Pois bem, a linguagem é o uso de signos

pelo qual se compreende e se faz compreender algo. Devemos entender,

portanto, como se da uma compreensão – o treinamento por si só não da conta

de fazer compreender.

Devemos pensar em analogia ao processo de leitura. Quando

exatamente podemos afirmar que alguém lê, é quando este possui uma

linguagem, que domina alguns signos, palavras – a leitura limita-se à extensão

15

Treinamento = uma manifestação da linguagem que nos toca com algo a mais; treinar = ensinar; falta a

compreensão;

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de domínio de signos pelo leitor. Bem, se considerarmos que ao ler segue-se

uma tabela, o treinamento nos pos a firme tal tabela, sem a qual não podemos

entender o que esta diante de nossos olhos. O fato é que uma tabela tem

apenas modelos ordenados (A, B, C,...) de certa maneira – se eu buscar nessa

tabela o modelo deste texto, não o encontrarei – sem um modelo

conseqüentemente eu nem sequer poderia tê-lo escrito. Na memória tenho

elementos que compõem o texto, não o texto modelo – lembremos que

Wittgenstein vai para alem dos limites daquilo que afirmara no Tractatus, isto é,

da forma lógica.

Seguindo adiante, pensemos agora nas formulas matemáticas.

Podemos aprendê-las por treinamento. Mesmo assim há nas fórmulas algo a

mais que o exposto nas tabelas – nem todos os resultados, nem todas as

combinações estão na memória, isto é, naquela tabela (ex. 2+192837465=... –

você não procura numa tabela – isto nos remete a idéia de calculo). Então

quando assimilamos uma formula – nas Investigações – junto desta

assimilamos seu funcionamento:

(...) – devo dizer que efetiva a compreensão da palavra? Não compreende a ordem “lajota!” aquele que age de acordo com ela? Isto ajudou certamente a produzir o ensino ostensivo; mas na verdade apenas com uma lição determinada. Com uma outra lição, o mesmo ensino ostensivo dessas palavras teria efetivado uma compreensão completamente diferente. “Ligando a barra com a alavanca, faço funcionar o freio.” – Sim, dado todo o mecanismo restante. Apenas com este, é alavanca de freio; e, separado do seu apoio, nunca é alavanca, mas pode ser qualquer coisa ou nada. (1999, §6, p. 29)

Pois se consideramos uma linguagem qualquer como uso de signos,

aquilo pelo qual isto se apreendeu chamar-se-á também de linguagem. Não.

Aqui Wittgenstein não pergunta qual é a essência da linguagem, mas como ela

funciona. Funcionar parece demasiado aproximar-se da idéia de pôr algo em

movimento, movimentar, etc. Assim, uma coisa que move sempre é movida por

outra como numa roda d’água.

Se observarmos uma roda qualquer, perceberemos que ela só pode ser

uma roda fora do mundo. Quando olhamos para uma roda no mundo, no

entanto ela é uma peça de maquina que só funciona ao fazer parte. Uma roda

qualquer é totalmente inútil. Uma roda é constituinte de um mecanismo e útil na

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medida em que a maquina funciona – é sem duvida deste modo que sabemos

o que é aquele ou este objeto, isto é, sei onde se encontra, conheço seu

espaço e seus limites de encontro às demais peças. Assim um pneu é aquilo

que é ao servir de pneu, pois se um pneu estivesse sempre apto a correr e

morder todos os gatos que miaram durante noite quando pronuncio “pega!”, o

pneu seria isto e não aquilo, etc.

Segundo nosso autor, portanto, sempre que uma pessoa apreende o

significado de um signo qualquer é por que levamos a ele a representação de

um contexto e como parte deste um objeto que indicamos. Assim, quando A

gritou “tijolo!” certamente havia ali pelo menos um tijolo entre vários objetos

dispostos em um dado espaço – momento este em que B aprendeu – em

dadas condições ao ser recompensado negativamente pelos erros e

positivamente pelos acertos – não só o que se desejava com aquele grito, mas

também que os demais objetos ali dispostos não eram desejados por “tijolo!”.

Lembremos agora daquela formula matemática, a saber,

“2+192837465=...”. Considerando o parágrafo anterior temos em concordância

com nosso autor que poderíamos ensinar alguém o numero dois se de acordo

com as condições lhe apresentássemos, por exemplo, duas pedras e em

seguida pronunciássemos a palavra “dois!” – bem, nosso aluno intui pelas

condições ali apresentadas o significado da palavra em relação à quantidade

determinada pelo exercício e treinamento ali feito. Mas como ocorreu esta

intuição? O que é realmente que produz a compreensão da quantidade?

6. Formas de vida

Ainda na primeira parte das Investigações Filosóficas temos a noção de

Jogos de Linguagem que esta explanada do seguinte modo:

Podemos imaginar também que todo o processo de uso de palavras em (216) seja um dos jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna. Quero chamar esses Jogos de “jogos de linguagem”, e falar de uma linguagem primitiva às vezes como de um jogo de linguagem.E poder-se-ia chamar também de jogos de linguagem os processos de

16

parágrafo 2

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denominação das pedras e de repetição da palavra pronunciada. Pense em certo uso que se faz das palavras em brincadeiras de roda.Chamarei de “jogo de linguagem” também a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem entrelaçada. (1999, §7, p. 30)

O jogo de linguagem nos remete a uma noção bem mais abrangente que

aquela das formas lógicas proposta no Tractatus. E assim se segue nas

Investigações:

(...) – há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de empregos do que denominamos “signos”, “palavras”, “frases”. E essa variedade não é algo fixo, dado de uma vez por todas; mas, podemos dizer, novos tipos de linguagem; novos jogos de linguagem surgem, outros, outros envelhecem e são esquecidos. (As mutações da matemática nos podem dar uma imagem aproximativa disso.) A expressão “jogo de linguagem” deve aqui salientar que falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida. (1999, §23, p.35)

Com a noção de formas lógicas o filósofo demonstrou no Tractatus a

maquinaria da linguagem como uma corrente composta de anelos que são os

fatos do mundo ao qual se representa na linguagem. Considera que a forma

lógica não pode ser representada, mas toda representação tem uma forma – o

quadrado tem sua forma especifica que não é senão a forma de um quadrado.

Portanto, é inútil perguntarmos pela forma da forma – esta forma lógica nos da

as condições necessárias para que possamos dizer ou mostrar algo na medida

em que ocorre – e aquilo que não pode ser nem dito nem mostrado esta fora

do mundo como a própria lógica e que por isso, sendo transcendental não tem

forma, é formal, é ideal. Assim é delimitado o campo da linguagem.

Frente a isto é que Wittgenstein passa a investigar como seria possível

representar uma manifestação de dor, ou seja, passa a questionar se existe ou

não a forma lógica de fenômenos como a dor – se a resposta fosse afirmativa a

dor poderia então ser dita ou mostrada – mas este não é o caso. Pois bem, não

se pode representar a dor. Seria ela transcendental? Ideal? Uma forma que,

portanto não pertence ao mundo, isto é, não ocorre no mundo, mas enquanto

forma reconhecemo-la nas condições lógicas necessárias para que a

expressemos?

O problema que se anuncia foi uma das principais influencias nos

trabalhos posteriores ao Tractatus, tanto que consideramos em referencia a tal

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problematica a distinção entre um primeiro e um segundo Wittgenstein – o

primeiro é o das formas lógicas como fundamento da linguagem; o segundo é o

dos jogos de linguagem como forma de vida do mundo ou da própria

linguagem, isto é, como ela funciona.

A noção de jogo referente à linguagem tem para Wittgenstein o sentido

de que uma expressão carrega algo a mais que sua forma, pois alem de dizer

algo, uma expressão é carregada de um querer dizer. E, quando mostramos

algo, no ato de mostrar há também um querer mostrar que se expressa junto a

forma de expressão. Assim a forma de um fato por si só não condiciona o que

me é dito ou mostrado numa expressão. Há algo que não está especificamente

dado numa expressão.

Para que possamos compreender o jogo de linguagem Wittgenstein se

refere à noção geral de jogo, onde não se tem nunca todos os limites – a

palavra pode ser esta ou aquela “palavra!” dependendo de um jogo seja ele

qual for, no qual ela poderá surgir dando ou recebendo um sentido.

Pensemos na seguinte frase: “esta mancha pode ser e não é uma

mancha senão as letras ‘m’, ‘a’, ‘n’, ‘c’, ‘h’, ‘a’; organizadas do seguinte modo:

‘m+a+n+c+h+a = mancha’ numa forma legível, isto é, um nome que substitui

algo que você talvez conheça”. Ela esta subordinada a regras que devem ser

seguidas, mas as regras não podem prever tudo que ocorre num jogo –, como

por exemplo, não está previsto ate quantos metros se permite que a bola suba

verticalmente em relação ao solo, pelas regras de uma partida de futebol.

Sabemos também que não se prevê um limite de força para os chutes a gol.

No §24 de Investigações Filosóficas o filosofo considera:

Quem não tem perante os olhos a multiplicidade das espécies dos jogos de linguagem será talvez inclinado a colocar questões como esta: “Que é uma pergunta?” – é a constatação de que não sei tal e tal coisa, ou a constatação de meu estado de anímico e incerteza? E o grito “socorro!” é uma tal descrição? Pense em quantas coisas diferentes são chamadas de “descrição”: descrição da posição de um corpo pelas suas coordenadas; descrição de uma expressão fisionômica; descrição de uma expressão tátil; de um estado de humor. (1999, p.36)

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Observando que existe uma grande multiplicidade de jogos de

linguagem reconhecemos também que estes por vezes se entrecruzam

perdendo e ganhando sentidos. E Wittgenstein por vezes toma o exemplo de

uma partida em que o jogo é o xadrez. E neste ponto temos de considerar que

ali alem de um jogo há em certo sentido vários jogos – o jogo que se pode

fazer com o cavalo é diferente daquele que se permite com a torre. E, se

pensarmos naqueles pontos nos quais e em dadas condições ocorre que uma

peça passa a substituir outra, como um peão que se torna dama, coisa bem

comum nesse tipo de jogo; ainda que uma peça torne-se outra, porem, de certo

modo ligam-se ambos entre si – jogos que compõem outros jogos e deixam de

ser aqueles ao tornar-se parte deste por fim transformam-se em outros.

O fato de as linguagens (2) e (8) consistirem apenas de comandos não deve perturbá-lo. Se você quer dizer que elas por isso não são completas, então pergunte-se se nossa linguagem é completa; - se o foi antes que lhe fossem incorporados o simbolismo químico e a notação infinitesimal, pois estes são, por assim dizer, os subúrbios de nossa linguagem. (E com quantas casas ou ruas, uma cidade começa a ser cidade?) Nossa linguagem pode ser considerada como uma velha cidade: uma rede de ruelas e praças, casas novas e velhas, e casas construídas em diferentes épocas; e isto tudo cercado por uma quantidade de novos subúrbios com ruas retas e regulares e com casas uniformes. (1999, §18 p. 32)

Se nos remetermos ao que foi tomado como exemplo de fatos expressos

nas formas lógicas do mundo como uma corrente, nos jogos de linguagem não

poderíamos tomá-los apenas como anelos, pois estes de repente se tornariam

correntes extrapolando seus limites e trocando de forma – coisa logicamente

inconcebível.

Uma forma de vida, no entanto tem o caráter de expressar algo que está

privado, como a dor que por vezes desejamos expressar ao mundo ao mesmo

tempo em que se sabe permanecem sem manifestar-se alem de um “ai!” – que

não é a dor e nem podemos saber ao certo se é realmente uma manifestação

de dor, pois pode ser uma mentira, fingimento de que se sente dor. Se

analogicamente com a dor se compreende o jogo como forma de vida,

sabemos que uma expressão de sentimento não é o sentimento nem tem a

forma do que se sente. O jogo por vezes é uma peça de outro jogo que se liga

por parentesco.

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Pode-se representar facilmente uma linguagem que consiste apenas de comandos e informações durante uma batalha. – Ou uma linguagem que consiste apenas de perguntas e de uma expressão de afirmação e de negação. E muitas outras. – E representar uma linguagem significa representar uma forma de vida. (1999, §19 p.32)

Pensemos por parentesco naquelas semelhanças entre familiares: o

olho do filho parecido com o da tia e o cabelo desta com o da neta daquele. As

combinações não são rígidas, podem sempre vir a servir em outras situações

de jogo.

Quando observamos as figuras (117), (2), (3) e (418), notamos na (4) o

duplo sentido daquele desenho e a menos que nos seja mostrado em um

contexto especifico, não decidimos se o desenho é de um pato ou de um

coelho – se é os dois ou nenhum, a dificuldade é insolúvel sem o contexto. A

primeira figura, no entanto diz respeito ao modo que se pensa no Tractatus, ou

seja, dada uma forma lógica o sentido é explicito, seja ele dito ou mostrado.

Tendo em consideração os jogos de linguagem, há necessidade de um

jogo pelo qual possamos fazer em um momento considerá-lo pato e em outro

nos servir de coelho. Alem do mais o que se mostra talvez possa ser tomado

apenas como um desenho ou uma folha de papel. Assim também são as

palavras que podem surgir numa frase como “sujeito!” e ser ao mesmo tempo o

objeto e vice versa – ex: “o prego se transformou em um macaco!” ou “o prego

foi transformado pelo macaco!”.

Se lembrarmos do mundo figurado como uma rede, podemos imaginar

também como seria se considerássemos o sentimento dos peixes que nela se

debatessem. O fato é que podemos compreender um jogo porque de certo

modo também jogamos. Assim poderíamos criar uma estória ou contar uma

historia daquele pato que, imaginemos, enganava as pessoas fingindo ser

coelho. No entanto, saber que aquele coelho poderia expressar algo que só ele

sente não se pode considerar como representação de um sujeito que sente.

Isto é, podemos representar um sujeito que sente dor ao ponto de sentir o que

17

Todas as figuras aqui usadas foram produzidas por este que vos fala em relação às obras aqui citadas de

Wittgenstein e de HEATON, J., 2002;

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ele sente? E isso se percebe por que não representamos coisas como a dor.

Com tais considerações podemos dizer que a dor daquelas pessoas que

encontramos diariamente não nos foi dada ao conhecimento e que jamais a

conheceremos. Assim, quando nos é sabido que alguma parte de nosso ser

dói, jamais poderemos dar a terceiros tal saber, apenas o expressamos – com

gestos, sapateio, grito, lagrima e ranger de dentes que não são as dores que

se sente – são, no entanto as formas de vida que se expressam como partes

de um mundo em jogo. E, deste modo, compreendemos a dor porque vivemo-

la e quando alguém nos diz “sinto dor!” ou “dói aqui!” é pelo parentesco de

nossa própria dor e juntamente pelo jogo com o qual poderíamos enfim

expressa-la também – reconhecemo-nos pelos jogos e seus devidos

significados por parentescos.

Leia-se:

Como já foi dito, em certos casos, especialmente ao apontar ‘para a forma’ ou ‘para o numero’, há vivencias e maneiras de apontar características – ‘características’ porque se remetem frequentemente (não sempre), onde forma ou numero são ‘tidos em mente’. Mas você conhece também uma vivencia característica para apontar a figura de jogo, enquanto figura de jogo? E no entanto pode-se dizer: “creio que essa figura de jogo

chama-se ‘rei’, não esse pedaço de madeira determinado para o qual eu aponto”. (Reconhecer, desejar, recordar-se etc.) (1999, §35, p. 40)

Pois bem, compreendemos então que se nos da alguma coisa à

compreensão, pode ser pelo parentesco que a pode tornar peça de um jogo –

parentesco pelo qual apreendemos seu uso na forma de vida, isto é, no jogo.

Não como uma peça da maquinaria em especifico, mas como um jogo em dado

contexto. A compreensão pode inclusive ser tomada no sentido de seguir uma

regra (ligar, encaixar, relacionar ao contexto aquilo que surge, aparece, é posto

ou nomeado), como no treinamento que já observamos – se eu disser “pule a

cerca!” certamente fará sentido em relação à vivencias de ouvintes e falantes e

não por si só – considere-se o sentido da figura (4) que denota grande aqui

uma grande influencia em nossa compreensão através da obra em relação ao

segundo período filosófico de Wittgenstein.

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7. A título de conclusão

A temática afinal apresentada revela-se pouco mais que um esboço,

tamanha a tarefa em questão. O filosofo aqui apresentado tem tradicionalmente

através de suas reflexões sobre a linguagem, mobilizado vários outros

seguimentos e autores a lançarem-se na pesquisa.

Bem, a Filosofia para Wittgenstein tem o caráter de atividade, isto é, faz-

se necessário que contestemos o tempo todo, a postura daqueles

intelectualóides que presos aos liames da linguagem acabam por enganar-se

ante a visão da verdade – afinal não se conclui nada contra um sistema já

consolidado de dizer uma certa verdade e mesmo de filosofar – uma vez que

permanecem presos a uma reflexão dogmática de se pensar a própria filosofia.

Na visão do filosofo a Filosofia se mantém como uma terapia cujo papel

deveras, é nos libertar dos feitiços da linguagem.

Considerar a vivencia como jogo de linguagem e não apenas os signos

como peças determinadas de um jogo vêm tornar dinâmica aquela maneira de

como vemos toda a linguagem – observemos o uso dos signos num jogo como

parte de algo que o torna significado e ao compreender do jogo se dá o

significado dos seres.

Pensemos na morte, por exemplo, e no que ela significa sendo que

ainda não morremos para que pudéssemos de fato conhecê-la – o que é a

morte? – Talvez... 19

A noção de jogos de linguagem e não a forma de um dizer lógico

formatado nos traz o incomodo de sentir que ao escrever estas páginas,

alguém viveu e ao viver de certo modo aproximou-se da própria morte – porem

talvez a tendo na consciência sem nunca tê-la experimentado, sem conhecê-la

de fato. Mas foi por ter vivido que se deu tal expressão e enquanto se jogava

por nada ou por alguma coisa não se pode negar que ali esteve jogando uma

forma de vida.

ANEXOS20

19

Talvez seja necessário investigar mais a fundo a noção de morte nas investigações - não é o objetivo

porem, deste trabalho;

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Figura (1):

Figura (2):

20

Figuras (1), (2) e (3) em relação à noção de forma lógica a fim de representar o encadeamento daquilo

que compõe um fato;

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Figura (3):

Figura (4)21:

21

Figura que nos serve de referencia à noção de jogo de linguagem;

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, Tradução José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1989. – (Os pensadores) WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logicus-Philosophicus, Tradução José Arthur Giannotti. São Paulo: COMPANHIA EDITORA NACIONAL 2. ed, 1968. – (Biblioteca Universitária) HEATON, John. Wittgenstein Para Principiante, Tradução Daniela Rodrigues Gesualdi Bueno Aires: Era Naciente/SRL. 2002. – (Documentales Ilustrados) ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2003. 1014p. BUENO, Francisco da Silveira et al. Dicionário escolar da língua portuguesa. 9. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1975. 1488p. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo; Dicionário Básico de Filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 2006.

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A TEORIA DA DOMINAÇÃO : IMPRESSÕES DE PAULO FREIRE SOBRE

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES DE PODER NA AMÉRICA LATINA

GOMES, Cerize Nascimento

Coordenadora do Curso de Ciências Sociais Faculdade Guarapuava

RESUMO: Este artigo trata sobre a atualidade do pensamento de Paulo Freire e propõe uma releitura da obra Pedagogia do Oprimido, publicada durante seu exílio no Chile em 1968, no contexto da Ditadura Militar. A produção aprofunda a teoria de que a educação como território de dominação social – analisada a partir do materialismo histórico e dialético de Karl Marx - apresenta-se também como espaço para a libertação de todo e qualquer tipo de opressão. A conexão entre as idéias de Freire e Marx provoca a reflexão dialética sobre uma contradição específica: a educação é afinal um instrumento de opressão ou de libertação social? Ao propor um processo dialético de tal natureza, a Pedagogia do Oprimido, promove um contexto no qual o professor surge como principal sujeito/agente de transformação das sociedades latino-americanas, por meio da reformulação dos métodos de ensino e da apresentação de práticas pedagógicas alternativas. PALAVRAS-CHAVE: Educação. Opressão. Sociedade. Ensino-aprendizagem. Liberdade.

1. Um intelectual com poder de intervenção social

“A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não tem humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se ou de saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar do encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.”

Paulo Freire – Pedagogia do oprimido

“A educação, como prática de dominação, pretende, em seu marco

ideológico, manter a ingenuidade dos indivíduos e acomodá-los ao mundo da

opressão”, escreveu Paulo Freire, em Pedagogia do oprimido, livro publicado

em 1967 durante os primeiros anos da Ditadura Militar no Brasil, no qual

considera que se a educação serve como instrumento de alienação, deve ser

ela também a principal mediadora da libertação. Segundo o autor, por meio do

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aprendizado da leitura e da escrita, inaugura-se o dialogo e os oprimidos

aprendem a pronunciar a sua realidade social:

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras com que os homens transformam o mundo. Existir humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação e na reflexão. (...) Não há dialogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. (...) O ato de amor consiste em comprometer-se com a causa dos oprimidos. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico. Se não amo o mundo, se não amo a vida , se não amo os homens, é impossível o diálogo. (FREIRE, 1987, p. 44 - 45)

Ao denunciar o uso da educação como instrumento de dominação, o

autor não esperava que as elites dominadoras renunciassem à sua prática. Seu

objetivo era o de chamar a atenção dos verdadeiros humanistas para a

necessidade de transformar a educação em instrumento de libertação e não de

segregação social. O significado dessa ação libertadora seria

conseqüentemente a politização das massas, resultado pouco interessante

para as elites nacionais:

Por especial que pudesse ser em teoria o projeto de dar educação às classes trabalhadoras pobres, seria prejudicial para sua moral e sua felicidade. A educação ensinaria os trabalhadores a desprezar sua missão na vida, em lugar de fazer deles bons servos para a agricultura e outros empregos, em lugar de ensinar-lhes subordinação os faria rebeldes e refratários, como se pôs em evidência nos condados manufatureiros. Habilitá-los-ia ler folhetos sediciosos, livros perversos e publicações contra a cristandade. Torná-los-ia insolentes com seus superiores e, em poucos anos, se faria necessário à legislatura dirigir contra eles o braço forte do poder. (GIDDY, in FREIRE, Paulo, 1987, p.74)

Especificamente no caso da América Latina, no qual nove dos onze

países conviveram com regimes militares a partir da segunda metade do século

XX, é preciso chamar a atenção para a imposição dos princípios positivistas

relativos à manutenção da ordem por meio de ostensivo controle social, cujos

métodos envolviam a negação da educação para as classes trabalhadoras e a

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manipulação dos conteúdos programáticos das disciplinas que poderiam

contribuir para o espírito crítico das massas.

A eficácia dessa política estava na adoção de formas próprias dos

regimes autoritários, tais como regime de partido único, toque de recolher,

censura a quaisquer tipos de liberdade de expressão; além de prisão, tortura e

morte de militantes da esquerda, ações essas que, entre outras, tiveram como

resultado a consolidação das políticas pretendidas pelas elites aristocráticas e

burguesas. Sobre esse contexto, observou o historiador Michel Vovelle:

Tenho visitado alguns países da América Latina. Constato – e não julgo, mas apenas observo e aprecio como historiador das mentalidades – uma espécie de consolidação da direita, e penso que isso define bem um universo: o do medo. (VOVELLE, 1989, p.87)

O medo como arma para manter o povo distante de qualquer luta por

qualquer direito, define também o universo político e social do Brasil, durante

o regime militar que vigorou de 1964 até 1985. Nos primeiros anos as ações

foram desenvolvidas para deter os movimentos populares, identificar suas

lideranças e impedir manifestações de protesto. Invadiram-se jornais,

sindicatos, escolas, igrejas, associações e principalmente universidades.

Sindicalistas, camponeses, professores e estudantes foram presos, torturados

ou mortos.

Livros de autores considerados “perigosos” para os militares foram

queimados em praça pública e tiveram sua leitura proibida e sua publicação

vetada no país. Entre os autores que tiveram suas obras banidas pela Ditadura

constam Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Ilich Lenin, Rosa de

Luxemburgo, Leon Trotski, Antonio Gramsci e Berthold Brecht. Estima-se que

Paulo Freire tenha sido o autor nacional com o maior numero de obras

censuradas, apreendidas e queimadas durante o Regime Militar. No caso da

Pedagogia do Oprimido - escrito no Brasil – o livro só foi publicado durante seu

exílio no Chile em 1968. Proibido pelo governo militar até 1974, todas as

publicações encontradas anteriormente foram apreendidas e destruídas.

Freire denunciou a reformulação dos currículos de ensino fundamental,

médio e superior durante a vigência da Ditadura. Nesse momento, as

disciplinas de Sociologia e Filosofia deixaram de ser ministradas no Ensino

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Médio e nos cursos universitários o poder de criticidade das disciplinas de

Ciências Humanas e de Ciências Sociais foi reduzido por meio de severa

vigilância sobre os cursos dessas áreas nas instituições de ensino superior. O

positivismo – um modelo de educação liberal concedida para as massas sob

severo controle do Estado - tomou conta da história, da filosofia, da literatura

e das artes. Os cursos de Licenciatura passaram a graduar professores e

bacharéis sem referências políticas e sociais com o passado.

Conteúdos como a Revolução Francesa de 1789, a formação da classe

operária no século XIX, os movimentos sociais da Primavera dos Povos de

1848, a Comuna de Paris de 1871, Revolução Russa de 1917 ou Revolução

Cubana de 1959, quando ministrados eram colocados fora do seu contexto

social e do seu processo histórico. Diante dessa rigidez dos programas

escolares e da ausência da discussão política nas temáticas estudadas, criou-

se espaço no Brasil, para que os revolucionários que aderissem à luta armada

contra os militares fossem considerados traidores e não defensores da pátria.

Nesse sentido, a educação foi um instrumento de manutenção dos privilégios

econômicos das elites agrárias e urbanas, e também de garantia da ordem dos

militares. Por meio dos currículos escolares divulgava-se a idéia de que o

governo militar era o mais benéfico para o país e que todos os que se

opusessem a ele eram inimigos e traidores da Pátria.

Carlos Marighella, por exemplo, fundador da Aliança Libertadora Nacional

– ALN (1967), apoiou a luta armada contra os militares, foi considerado o

“inimigo público número 1 da nação brasileira”, arrebanhou contra si as forças

militares do exército, da marinha e da aeronáutica, no que é considerado pelos

historiadores a maior caçadas política da história do Brasil. Marighella foi

assassinado em 4 de novembro 1969 pelos agentes do Departamento de

Ordem e Política Social - DOPS, em São Paulo. Sua morte foi comemorada

com festa pelas lideranças políticas do país. Outro exemplo é o de Carlos

Lamarca, um oficial brasileiro de origem operária, que influenciado pela

Revolução Cubana e pelas idéias de Che Guevara, abandonou os quadros do

exército para fundar a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, um

movimento de luta contra o Regime Militar. Matéria publicada pelo Jornal Folha

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de São Paulo em 19 de setembro de 1971, descreve o desfecho da

perseguição ao “Capitão Lamarca” como era conhecido pelos guerrilheiros :

Carlos Lamarca, considerado o mais perigoso líder terrorista no País, foi morto em tiroteio com as forças de segurança, na pequena localidade de Pintada, interior da Bahia. O encontro decisivo ocorreu há dois dias, mas somente ontem foi feita a identificação oficial do cadáver, mediante confronto com as fichas datiloscópicas. (Banco de Dados Folha de São Paulo, domingo, 19 de setembro de 1971 – Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_19set1971.html)

A inércia da população brasileira diante desses fatos e do

desaparecimento de centenas de pessoas deve-se em grande parte, ao fato de

que a liberdade de expressão e o espírito crítico foram varridos das salas de

aula, e, a partir disso, banidos de praticamente todos os espaços públicos.

Durante duas décadas, a educação tinha como finalidade a perpetuação do

militarismo e seu objetivo era impedir qualquer debate ou avanço dos princípios

socialistas, comunistas ou anarquistas. Os grupos de esquerda foram

desarticulados e suas lideranças reprimidas, exiladas ou assassinadas. As

universidades foram transformadas em meras fábricas de diploma.

2. Detidos por “porte” de livro

Em 1968, o professor Paulo Freire, com o qual iniciamos esta

abordagem, teve sua obra Pedagogia do oprimido, publicada no Chile, na

relação de leituras proibidas. Comercializado inicialmente de forma clandestina

no Brasil, o livro certamente figura entre os exemplares mais apreendidos e

queimados pelos militares. Muitas pessoas foram detidas e tiveram que prestar

esclarecimentos sobre o “porte” do livro, como se estivessem realmente

portando uma metralhadora ou um fuzil.

Em Guarapuava, cidade do Estado do Paraná, tornou-se lenda o

episódio em que a professora Neonila Denczuk Gomes, da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras (FAFIG), mesmo sem qualquer militância política,

foi detida por agentes do DOPS para prestar depoimento, simplesmente porque

havia comprado e estava “portando” o livro Pedagogia do Oprimido. Durante

conversa com a professora, ela relatou que permaneceu aproximadamente

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quatro horas prestando depoimentos e que só foi liberada após averiguações

sobre suas atividades profissionais e políticas.

Esse é apenas um dos muitos casos que ocorreram no País.

Certamente algumas pessoas não tiveram a mesma sorte da professora de

Guarapuava e foram após o porte do livro detidas, torturadas ou

desaparecidas. O Arquivo Público do Estado do Paraná (APESP) possui um

acervo de documentos originalmente organizado pelas polícias do DOPS que

atuaram no Estado. .

Alessandro Meiguins ao escrever sobre o período de 1964 até 1969 diz

que a repressão foi maior contra o Movimento Estudantil. Segundo ele, já no

início, em 1964, declarou-se a ilegalidade da União Nacional dos Estudantes

(UNE) e as universidades e faculdades foram palco de invasões rotineiras. Ele

explica que isso ocorreu porque politizado no sentido da esquerda, o

movimento tornou-se um dos principais alvos das ações militares. O autor

escreve sobre a reorganização clandestina da UNE em 1966 e sobre a

influência que os movimentos internacionais da juventude exerceu sobre os

estudantes brasileiros:

A UNE foi reorganizada em 1966 em um congresso clandestino em Belo Horizonte. A Ação Popular (AP), cheia de estudantes, lançou o Movimento contra a Ditadura. Em 1967, as manifestações já eram freqüentes. E com uma lista de motivos enorme: o alto número de “excedentes” – estudantes aprovados nos vestibulares, mas sem vaga para matrícula; um acordo educacional com os Estados Unidos; as prisões e cassações de políticos, sindicalistas e oposicionistas em geral; a censura e outras formas de autoritarismo; e o espírito libertário que contaminara jovens de outros países, que na época tomaram Paris e se reuniram aos milhares em Washington para pedir o fim da Guerra do Vietnã (MEIGUINS, 2011, ed. 091, grifo nosso).

A falta de vagas nas universidades e um acordo com os Estados Unidos

envolvendo assuntos relacionados à educação (grifo) serviram como

adrenalina para intensificar a indignação dos jovens brasileiros. A publicação

da Pedagogia do oprimido nos primeiros anos da Ditadura Militar aumentou a

polêmica relativa à educação e à cassação das liberdades políticas e de

expressão. Entende-se assim, que a preocupação do governo ao impedir a

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circulação da obra estava relacionada ao seu conteúdo considerado subversivo

pelos militares.

Em essência Freire desenvolve um estudo sobre a teoria da dominação

e procura explicar os métodos adotados pela burguesia e pelos poderes

constituídos para assegurar a opressão das massas, impedindo-lhes o pleno

acesso ao conhecimento, a liberdade de expressão e até mesmo de

pensamento. O autor sustenta que a educação oferecida ao povo permite que

as elites alienem e dividam as massas para assim subjugá-las.

O livro, que rendeu ao seu autor a prisão e o exílio, além de expor a

condição dos dominados educados para o silêncio e a imobilidade, tratava a

educação como prática política, que deveria ter por finalidade a libertação de

povos oprimidos na luta incessante pela recuperação de sua liberdade.

Defendia, para tanto, os princípios do materialismo histórico e dialético de Karl

Marx, fundador do socialismo científico e da ideologia comunista.

Freire via o processo de libertação das massas oprimidas como um

parto doloroso capaz de trazer à vida um novo homem, livre da opressão

imposta pela sociedade capitalista, na qual a educação agia sobre os homens

para conformá-los e adaptá-los a uma realidade que deveria permanecer

intocável. No mesmo instante em que anunciava o oficio da pedagogia como

única prática política capaz de libertar os oprimidos, Freire indicava a

importância dos professores nesse processo libertário.

Antes censurado, neste início de século XXI, o livro é uma referencia

mundial para os educadores. No Brasil está próximo da 50ª edição e já foi

traduzido em mais de 20 idiomas, tendo circulado em mais de 100 países.

Conforme o autor, a realidade social é produto da ação humana e a

principal tarefa histórica e social da humanidade é a superação da opressão

(FREIRE, 1987, p.20), ofício para o qual os professores deveriam estar

preparados ao fazer uso do espaço da sala de aula. Freire entende que se as

pessoas podem ser educadas para a opressão, elas também podem ser

educadas para a liberdade. Por meio da leitura e do diálogo crítico, do livre

pensar e pronunciar o mundo, elas poderiam substituir os instrumentos de

domesticação ou adestramento por elementos que promovessem sua

libertação econômica, cultural, política e social.

Sobre a função da pedagogia no processo revolucionário, ele escreveu:

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Se os líderes revolucionários de todos os tempos afirmam a necessidade do convencimento das massas oprimidas para que aceitem a luta pela libertação – o que de resto é óbvio – reconhecem implicitamente o sentido pedagógico dessa luta. Muitos, porém, talvez por preconceitos naturais e explicáveis, terminam usando, na sua ação, métodos que são empregados na educação que serve ao opressor. A propaganda, o dirigismo, a manipulação, como armas de dominação não podem ser instrumentos de libertação. Não há outro caminho senão o da prática da pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase coisas, com eles estabelece uma relação dialógica permanente. (FREIRE,1987, p.31)

Essa práxis dialógica passou a representar na prática o sentido da

proposta de dialética marxista. O espaço da sala-de-aula tornava-se, a partir da

teoria do autor, o espaço viável e próprio para o desenvolvimento do processo

de libertação das massas e de desenvolvimento integrado da América Latina.

Na prática Freire desenvolveu métodos adequados e simples aos ideais

teoricamente do materialismo histórico e dialético. Sua ação sobre a

educação de crianças, jovens e adultos, foi intensa não apenas no Brasil, mas

também no Chile e em alguns países da África, durante o seu exílio. Para o

pedagogo, a educação era uma construção coletiva na qual o professor não

era senhor do saber, mas coadjuvante do processo de ensino-aprendizagem.

3. A superação do modelo de educação bancária pela dialética

Para explicar o modelo de educação adotado pela burguesia, ele criou a

metáfora da “educação bancária”, segundo a qual a escola é a guardiã do

conhecimento da mesma forma que o banco é o guardião do dinheiro. O

professor é o único detentor e distribuidor de saberes e os alunos são ouvintes

passivos que não podem criticar um conteúdo ou emitir opinião sobre um

assunto para não atrapalhar a transmissão dos conteúdos. Dentro desse

princípio, o professor é quem gerencia o conhecimento, distribuindo-o,

emprestando-o, cobrando-o, exatamente como o gerente do banco faz com o

dinheiro. Cabe ao aluno enquanto receptor, ficar quieto e recepcionar os

saberes nele depositados pelo professor e depois devolvê-los no momento da

avaliação com juros e correção monetária. Esse projeto brasileiro de educação

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debatido por Freire é um dos sintomas que confirmam a presença nefasta do

positivismo em sala de aula. Ao criticar esse modelo, Freire entende que:

A educação autêntica não se faz de A para B, nem de A sobre B, mas de A com B mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, gerando visões ou pontos de vista impregnados de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicam em temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação. A linguagem do educador ou do político tanto quanto a linguagem do povo não existem sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, não existem sem uma realidade a que se encontrem referidos.Desta forma, para que haja comunicação eficiente entre eles, é preciso que educador e político sejam capazes de conhecer as condições estruturais em que a linguagem e o pensar do povo, dialeticamente se constituem. (FREIRE, 1987, p.48-49)

Estabelecida a importância de legitimar o mundo através da apropriação

da palavra, já que pensamos, lemos, escrevemos e falamos por meio de

palavras, a inauguração do diálogo deve marcar a superação do exercício

dominador ou de imposição de um discurso sobre os ouvintes. Para ele, tanto

educadores quanto políticos deveriam aprender a ouvir as representações do

mundo criadas e recriadas pelo povo. Sobre isso, argumentou:

Estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda a revolução autêntica. Ela é revolução por isto. Distingue-se do golpe militar por isto. Dos golpes, seria ingenuidade esperar que estabelecessem diálogo com as massas oprimidas. Deles, o que se pode esperar é o engodo para legitimar-se ou a força que reprime. A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de inaugurar o diálogo corajoso com as massas. Sua legitimidade está no diálogo com elas, não no engodo ou na mentira. A revolução autêntica não pode temer as massas, a sua expressividade e a sua participação efetiva no poder. A nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais revolução será. (FREIRE, 1987, p.72)

O que permanece evidente na argumentação de Freire é que, em seu

modo de pensar, a revolução autêntica tem inicio com um processo que

envolve ações simples: conversar, ouvir e falar, ler e escrever, refletir e

debater a existência histórica da humanidade. Muito diferente da idéia de que a

revolução se faz com armas, ele crê que a revolução se faz com palavras. Por

meio da apreensão da palavra que lê, escreve, ouve e fala por meio do diálogo

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os seres humanos estabelecem a dialética e se tornam capazes de criar e

recriar o mundo. No processo de educação para a libertação todos podem

expressar o próprio pensamento e ouvir a própria voz, tornando-se donos da

sua palavra e, por meio dela, sujeitos da história. Destaca o autor:

Não há realidade histórica que não seja humana. Não há história sem homens, como não há uma história para os homens, mas uma história de homens que, feita por eles, também os faz, como disse Marx. E é, precisamente quando - às grandes maiorias - se proíbe o direito de participarem como sujeitos da história, que elas se encontram dominadas e alienadas. O intento de ultrapassagem do estado de objetos para o de sujeitos – objetivo da verdadeira revolução – não pode prescindir nem da ação das massas, incidente na realidade a ser transformada, nem de sua reflexão. (FREIRE, 1987, p.73)

Ao abordar a importância da reflexão das massas, o autor retorna ao

campo da dialética e diz que o pensar sobre o mundo e sobre a realidade é que

leva os homens e as mulheres à compreensão da sua existência histórica.

Segundo ele, a burguesia desenvolveu um sistema de educação no qual pensa

pelas massas e, ao mesmo tempo, impede que elas pensem, alienando-as por

meio da manipulação de programas educativos que não refletem sua

realidade. Sobre esse processo de dominação Freire entende que:

A transformação social exige um pensar constante, que não pode ser negado às massas populares, se o objetivo visado é a libertação. A liderança revolucionária não pode pensar sem as massas, nem para elas, mas com elas. Quem pode se dar ao luxo de pensar sem as massas são as elites dominadoras. [...] A única forma de pensar do ponto de vista da dominação é não deixar que as massas pensem. Em todas as épocas os dominadores foram sempre assim: jamais permitiram às massas que pensassem. A classe opressora não pode pensar com as massas oprimidas e não pode deixar que elas pensem. (FREIRE, 1987, p.74)

Para o autor, a ideologia opressora reconhece as massas como

absolutamente ignorantes e indignas de recepção do conhecimento. Ela tem no

outro o seu oposto. A sua palavra é a única verdadeira e pode ser imposta aos

demais. Ao agir assim, as elites estão literalmente roubando dos oprimidos a

sua palavra e, ao cometer tal ilícito, tornam impossível o desenvolvimento do

diálogo libertador. A manutenção do modelo da educação bancária assegura,

alimenta, expande e legitima o campo de dominação e a hegemonia burguesa.

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Nesse cenário, as minorias comandam as maiorias sem qualquer traço de

culpa, ao contrário, com satisfação:

Desenvolve-se no que rouba a palavra dos outros uma profunda descrença nas vítimas consideradas como incapazes. Quanto mais diz a palavra sem a palavra daqueles que estão proibidos de dizê-la, tanto mais exercita o gosto de mandar, de dirigir, de comandar. Já não pode mais viver se não tem alguém a quem dirija sua palavra de ordem. (FREIRE, 1987, p.79)

Para Freire, a apropriação da educação como instrumento de alienação

e de controle social foi decisiva para a consolidação do projeto de separação,

divisão e submissão dos trabalhadores. Uma vez que todos os conceitos e

assuntos considerados subversivos ou perigosos foram extraídos do debate e

que o aparato estatal e social estava mobilizado em torno dos interesses das

elites, estas estavam livres para manipular informações que lhes permitissem

invadir e ocupar os oprimidos com suas próprias ideologias e desejos. Pode-se

afirmar que esse procedimento gerou nas massas uma espécie inércia ou

transe, como se nelas tivesse sido inoculado um tipo de vírus, que se num

primeiro momento causava sofrimento, num segundo instante anestesiava-as.

Na medida em que as minorias submetem as maiorias, oprimi-las e mantê-las divididas é indispensável para a manutenção do seu poder. A unificação das massas populares significaria uma séria ameaça à sua hegemonia. Daí que toda a ação que possa proporcionar a organização das classes oprimidas é imediatamente freada pelos opressores através de métodos violentos. Conceitos como os de união, conscientização e luta são timbrados, sem demora, como perigosos. E realmente o são, para os opressores. O que interessa ao opressor é enfraquecer os oprimidos mais do que já estão, ilhando-os, criando cisões entre eles, através de uma variada gama de métodos e processos. Desde os métodos de repressão da burocracia estatal, à sua disposição, até as formas de ação cultural por meio das quais manejam as massas populares, dando-lhes a impressão de que as ajudam. (FREIRE, 1987, p. 80)

4. A maldição do recorte e pulverização da história

Entre os métodos de repressão concebidos pelas ações culturais

descritas por Freire, está o uso do método de ensinar por meio de recortes ou

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fragmentos, meio bastante usado para “manejar as massas populares, dando-

lhes a impressão de que as ajudam” (FREIRE, 1987, p.80). Aprofundando-se

nessa questão, o pedagogo sugere que o sucesso da teoria da dominação só é

possível diante de uma visão focalista ou recortada da realidade. Isso implica

em dizer que só se justifica a inércia das massas pela ausência de uma visão

ampla e crítica do processo histórico. Segundo o autor, o foco ou o recorte

pulverizam e distorcem a realidade e, sem a devida contextualização, impedem

a percepção da totalidade histórica. Desse modo, enquanto o mundo capitalista

globaliza-se cada vez mais, os temas passam a ser estudados por áreas,

regiões ou blocos isolados, desarticulando-se assim a possibilidade de

compreensão desse processo histórico juntamente com capacidade de

organização social dos povos oprimidos.

Isso significa que qualquer tema que possa ter uma abordagem global,

não deve ser restrito a um período ou a uma época específicas, sob pena de

perda do seu real sentido. O autoritarismo, por exemplo, pode ser visto como

um conceito real na vida de todos os povos em todos os períodos históricos.

Qualquer recorte deve expor essa condição de totalidade desse conceito. Ele é

tão real no Egito antigo e no Império Romano, quanto na Europa medieval ou

absolutista moderna. Desse modo não pode ser estudado apenas do ponto de

vista dos regimes totalitários contemporâneos, típicos da II Guerra Mundial e

dos regimes militares latino-americanos.

É preciso que se apreenda que como processo histórico o autoritarismo

existe desde que os homens subjugaram os animais, depois as mulheres ou as

tribos inimigas e assim por diante. Isso significa o que? Que o autoritarismo

está implícito no homem e que ele deve lutar contra sua natureza autoritária. E

se deve lutar contra si mesmo, isso sugere que pode lutar contra todos os

autoritarismos que encontrará pela vida afora. Porém, se ao estudar o

autoritarismo o estudante o percebe como fator implícito aos regimes

absolutistas ou totalitários da Europa, mesmo que em alguns momentos o

recorte promova reflexões sobre os regimes militares latino-americanos, pouca

diferença esse conteúdo faz para o aluno porque está relacionado a períodos

passados e deles é prisioneiro.

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Sua compreensão desse conteúdo é que como os regimes totalitários e

militares da Europa e da América Latina foram extintos o autoritarismo acabou.

Foi só uma “coisa” que ocorreu no século XX aqui e na Europa, e que talvez

ainda exista no Oriente Médio ou na China, ou seja, muito distante da sua

realidade. A fragmentação ou focalismo, como prefere Freire, produz ruídos

que interferem no processo de ensino-aprendizagem, no caso do autoritarismo,

o assunto perde referências, conceitos e atualidade. O resultado disso é

extremamente improdutivo, uma vez que o alunado passa a perceber o

autoritarismo como se fosse uma “coisa” de outro tempo ou de outro mundo.

E desse modo, sem o confronto com o autoritarismo, própria da sua

natureza e das relações sociais e políticas que estabelece ao longo da sua

vida, a pessoa jamais terá conhecimento ou forças para lutar contra qualquer

tipo de autoritarismo. É, em grande parte, o tipo de educação que recebe que

faz com que o povo esteja quase sempre ausente e que se sinta, na maioria

das vezes, impotente diante de momentos históricos marcados pelo avanço de

regimes autoritários.

Freire defende o materialismo histórico e dialético de Karl Marx no que diz

respeito à totalidade ou globalidade próprias da história, cuja apreensão pode

conduzir a compreensão dos processos históricos em diversas épocas e

locais. Para o pedagogo, por mais bem elaborados que seja o recorte, por

maior clareza que tenha seu foco, ele sempre limitará as infinitas possibilidades

de debate que o olhar sobre a totalidade consegue oferecer. Desse modo,

podemos interpretar como bastante curiosa a insistência de alguns intelectuais

sobre o uso do recorte, principalmente quando não se aborda a necessidade

de contextualização do seu foco em uma estrutura mais ampla ou global.

Desse modo, Freire sugere que o recorte é apenas uma peça e que só

terá valor de aprendizagem quando inserido no quebra-cabeça ao qual

pertence. Sem essa colagem não há visão possível do contexto o que significa

que não há aprendizado integral, pois os fragmentos promovem uma visão

parcial da realidade, por vezes tão ínfima que confunde os estudiosos e impede

o desenvolvimento do seu espírito crítico. Explica o autor que o uso insistente

do modelo focalista cumpre sua função, que é a de manter as massas

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oprimidas ilhadas, desorganizadas e sem qualquer visão de outras gentes e de

outras áreas em relação dialética com a sua (FREIRE, 1987, p.80).

Nesse sentido, os intelectuais que fazem a opção radical pelo recorte e

descartam a idéia de totalidade marcham na contramão do materialismo

histórico e dialético, que é o único método capaz de incluir os extratos pobres

como sujeitos da história em nível global. Mesmo que estejam repletos de boas

intenções, ainda assim, com seus recortes e seus focos reducionistas, tais

pessoas carregam a bandeira dos opressores e trabalham contra o processo

de libertação das massas.

É preciso que fique bastante claro que assim como a burguesia não

aceita o rótulo de classe opressora e batiza-se de produtora, mesmo sabendo-

se mantenedora de relações sociais antagônicas entre quem compra e quem

vende sua força de trabalho, alguns professores que não aceitam e nem de

longe imaginam ser chamados de positivistas, alardeando-se adeptos de todas

as pedagogias da libertação, traem apenas a si mesmos e aos seus pares, pois

os estudantes reconhecem em curto ou médio prazo todos aqueles que

aplicam em seu ofício cotidiano a teoria da dominação.

Justamente por colocar tais questões em debate, Freire tornou-se uma

referência em educação, bastante polêmico e atuante politicamente o brasileiro

é considerado um dos grandes pedagogos do século XX, em nível mundial.

Como professor denunciou permanentemente que o mau uso da educação é

a principal fonte de misérias do mundo capitalista e que sua apropriação pela

burguesia e pelos governos liberais foi fundamental para que fosse assegurado

o silêncio dos vencidos diante da opressão dos vencedores.

5. As máscaras do positivismo contra a revolução cultural/dialética

O historiador mexicano Carlos Antônio Aguirre Rojas, em Marx: para

uma história crítica, é adepto da teoria de Freire e sugere que existem

procedimentos mais sutis a serem analisados quando se trata de abordar o

triunfo do liberalismo sobre o socialismo ou o domínio dos patrões sobre os

trabalhadores. Para ele, tal poder está relacionado aos princípios positivistas

desenvolvidos por Augusto Comte, fundador da Sociologia no século XIX, cujos

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ideais permitiram estancar o “furor” da Revolução Francesa e dos movimentos

sociais que povoaram o primeiro século do mundo contemporâneo. Segundo o

autor, apesar das críticas que a maioria dos professores costuma estabelecer

contra o método positivista, ele conquistou estatuto de permanência e ainda

hoje dá o tom dos currículos escolares, desde o ensino básico até o ensino

superior na maioria das escolas latino-americanas.

Para Rojas, essa fórmula menos visível de controle das massas, desde a

mais tenra idade, não é menos rígida que as torturas a que eram submetidos

os sublevados durante qualquer regime autoritário. Ele entende que o controle

dos grupos sociais por meio da educação deve ser entendido como uma

estratégia prioritária das elites dominantes em sua guerra contra o menor

avanço das classes populares. A violência do modelo positivista reside no fato

que ele sugere sempre o controle das massas e jamais sua independência

econômica ou política, o que priva as camadas populares do acesso à

cidadania e até mesmo da compreensão do que seriam os tais direitos do

homem e do cidadão, pelos quais seus antepassados ofereceram a própria

vida.

O autor explica que a perda do poder social dos trabalhadores se deve ao

exercício do controle social por meio da educação, e que isso só poderia ser

transformado através da substituição do positivismo de Comte pelo

materialismo histórico e dialético de Marx. Nesse sentido, ele chama a atenção

para a atualidade e a funcionalidade das teorias sociais que privilegiam a

história da luta de classes e colocam na cena acadêmica algumas questões

relacionadas ao desenvolvimento do capitalismo e seus enormes custos

sociais. Custos esses que permanecem negligenciados pela sociedade e pelos

governos, com graves prejuízos para a maioria da população mundial, formada

por pobres, analfabetos, desempregados e excluídos :

A história científica desenvolvida por Marx, e que vem mantendo sua atualidade, é o fato de conceber a história, em todas as suas dimensões, temáticas e problemas abordados, como uma história notadamente social. Isto significa que, além de estudar os indivíduos, os grandes personagens, as elites e classes dominantes, a história deve investigar também os grupos sociais, as massas populares, as classes sociais

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numericamente majoritárias e a todo o conjunto dos protagonistas que até há pouco tempo eram anônimos, e que são as verdadeiras forças sociais, os verdadeiros agentes coletivos que fazem e constroem a maior parte da matéria que constitui a história. (ROJAS, 2003, p.54)

O historiador entende que pertence ao materialismo histórico e dialético

do século XIX o mérito da incorporação sistemática das classes populares

como verdadeiras protagonistas da história. Enfatiza ainda que é através dele

que as pessoas podem finalmente apreender que foram os escravos e as

comunidades arcaicas, assim como os servos, os trabalhadores, os

camponeses e os grupos sociais explorados e submetidos que em grande

medida fizeram a história (ROJAS 2003, p.55). Para o autor, os trabalhadores

e as classes sociais envolvidas em conflitos - com seu trabalho e suas ações

de resistência - fizeram o que em termos concretos foi e é história.

O exemplo mais visível da atualidade e da importância do materialismo

histórico e dialético e dialético de Karl Marx concentra-se hoje na escola

inglesa denominada New Letf ou Nova Esquerda, que reúne autores como Eric

Hobsbawm, Edward Palmer Thompson, Peter Burke, Jim Sharpe e Christopher

Hill, todos empenhados em estudos históricos, políticos, sociais e culturais,

dentro de uma linha neo-marxista, que promove a inclusão de temas e de

sujeitos que até então permaneceram às margens da história.

Tais autores construíram a teoria de que os extratos populares, ao serem

oprimidos de todas as formas pelas classes detentoras do poder, forjaram

novos modelos de resistência que muitas vezes passaram despercebidos para

os historiadores. Dessa forma, por meio do estudo das práticas culturais,

legitimaram áreas de pesquisas - que mesmo diante do esforço de algumas

escolas anteriores – até a década de 1970 ainda permaneciam marginalizadas

nas universidades dos países centrais e que só conquistariam espaço nas

nações latino-americanas, entre elas, o Brasil, a partir dos anos de 1990.

A atuação competente desses intelectuais está gradativamente

promovendo o surgimento de pesquisas livres das amarras da ortodoxia de

toda e qualquer escola, inclusive daquela a que estão filiados, pois na prática

advogam sua libertação do marxismo ortodoxo, extrapolam o debate teórico,

revolucionam o uso das fontes e desafiam os métodos tradicionais de pesquisa

e escrita da história por meio de novas abordagens políticas, sociais e culturais.

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Para Rojas, essas investidas são necessárias para atender aos objetivos de

inserção das massas como sujeitos históricos e de identificação das formas de

resistência popular do passado que ainda estão presentes na sociedade

capitalista (ROJAS, 2003, p.56).

Sem a presença dos intelectuais na cena política, os trabalhadores

estarão entregues à própria sorte. Em sua solidão, as maiorias oprimidas que

já não conseguem nem mesmo pensar contra o sistema que as explora, e

jamais terão forças suficientes para lutar contra ele. Apenas com professores

determinados em promover a desalienação das massas, poderá haver a

necessária ruptura social com o medo, o silêncio, a insegurança e a

ingenuidade, que são algumas das causas de escravização das massas latino-

americanas.

Para Freire, podem justificar sua ausência ao compromisso apenas

aqueles intelectuais que já foram invadidos pela teoria dominante, ou os que

foram amaciados com cargos, ou ainda os que receberam promoção, porque

esses são pagos para desertar. É preciso recordá-los, no entanto, que sua

deserção e seu apego ao status quo só faz crescer a servidão das massas.

Abandonados, silenciados e solitários, os desapropriados do mundo tornam-se

presas fáceis da exploração e da dominação (FREIRE, 1987, p.82). Já para

Thompson, os que conhecem a história e permanecem omissos são aqueles

que transformaram a universidade numa bolha recortada do contexto global em

que ela está inserida, e na qual flutuam justamente para colocar-se à distância

das massas com as quais estão permanentemente em débito.

Para manter a ordem que vem sendo gestada e reelaborada desde o

começo do século XIX, Freire observa que as elites adotaram uma política

permanente de incorporação de mitos e de possíveis lideranças populares.

Exemplo disso é a aderência aparente da imagem de Che Guevara aos

produtos próprios do capitalismo que ele tanto combateu. No caso de líderes

vivos, Freire explica que para cooptá-los, a classe dominante promove a

distribuição de benesses, promoções e cargos como se realizasse leilões. Até

mesmo quando os governos neoliberais desenvolvem ações sociais

ostensivas e campanhas contra a pobreza, Freire é cético em relação à sua

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honestidade e chama tais atitudes de falsa generosidade. Para o autor, todas

essas atividades têm como objetivo final o lucro. Até mesmo as suas “boas

ações” são feitas para a salvação da riqueza, do estilo de vida e do poder com

que a burguesia esmaga os demais (FREIRE, 1987, p.88-89).

Faz parte do show de tais elites a propagação de programas de combate

à fome e à miséria que eles mesmos promovem. Bem como as campanhas

internacionais de solidariedade quando ocorrem desastres ambientais que só

existem em razão da ambição de suas corporações. Também faz parte do seu

show cooptar pessoas que poderiam liderar multidões, para adestrá-las e

depois castrá-las. É por esses meios que as elites vão conformando as massas

aos seus objetivos, mantendo-as imaturas politicamente, incapazes de pensar

sobre suas reais condições de vida e de lutar contra os seus predadores

naturais.

Dentro da mesma linha de ação, Freire recorda que no Brasil, em certas

condições históricas especiais, a burguesia nacional possibilitou a abertura de

diálogo com os trabalhadores com a finalidade de firmar contratos sociais ou

pactos políticos, que cedo ou tarde resultaram no esmagamento das massas.

Os contratos sociais propostos pelos governos latino-americanos em

conluio com a sociedade civil, representada por políticos com interesses

nefastos, para o autor não passam de farsas e crimes contra a boa fé da

população. Segundo Freire, as elites políticas e econômicas só convidam as

massas para o banquete quando precisam de alguém para limpar a sujeira que

se esconde debaixo do seu tapete. Os intelectuais devem ter em mente que a

classe dominante jamais cederá um palmo que seja para permitir o

desenvolvimento de qualquer ação que possa resultar em algum tipo de

reflexão que possa conduzir as massas em direção à consciência de sua

historicidade (FREIRE 1987, p.102).

6. Os humanistas e sua função histórica de libertação das massas

Sabendo-se que a classe dominante jamais abrirá mão de praticar a

teoria da dominação e fará o que estiver ao seu alcance para que o povo não

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pense, Freire costumava dizer que ao denunciar suas práticas, não esperava

que a burguesia abrisse mão de suas ações, mas sim que os humanistas

assumissem a sua função histórica de libertação das massas. Isso significa que

a educação só poderá ser um instrumento de libertação quando os professores

preocupados com esse processo, assumirem em definitivo um compromisso

com a politização e a organização das massas populares.

Nesse caso, um aspecto posto em debate na Pedagogia do Oprimido é a

situação de aderência dos oprimidos aos opressores como maior obstáculo ao

projeto de autonomia e de inserção dos excluídos. Isso significa que além de

enfrentar os projetos já consolidados das elites, os militantes terão que

combater a resistência dos oprimidos. Esse processo deve ser considerado

natural, porque mantidas em cativeiro, inconscientes das decisões políticas e

ingênuas quanto às suas condições históricas, as massas deixam-se invadir,

ocupar e habitar pelos simulacros que as dominam.

Ao ter como única projeção de êxito a imagem da burguesia, como um

reflexo que em tudo cintila, o oprimido entende que não há outra realidade

além da sua que não seja a do opressor. Em seu desconhecimento histórico

para ser livre ele precisa ser o opressor. Assim o trabalhador mais reprimido

pode vir a ser o mais terrível carrasco, porque ele quer ser o opressor. A teoria

de Freire é que esse desejo cristaliza a superioridade dos dominadores. Dessa

forma o opressor não está longe, ele vive dentro do oprimido. Habita seus

sonhos de libertação do sofrimento e da miséria.

O pedagogo procura elucidar que essa ocorrência é fruto da caótica

invasão cultural promovida pela propaganda das idéias, dos produtos e dos

modismos burgueses. Seduzidos pelas formas e pelas cores da publicidade

enganosa, os invadidos reconhecem-se como inferiores e alienam sua cultura,

suas crenças e sua possibilidade de libertação ao dominador. Nesse sentido, a

face mais terrível da educação para a subserviência está impressa no rosto dos

jovens pobres que desejam parecer com os ricos, andar como aqueles, vestir à

sua maneira e falar ao seu modo (FREIRE, 1987, p.87).

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Essa identificação com o mundo do opressor surge como resultado da

falta de concepção histórica e crítica da realidade e persiste pela perpetuação

do silêncio da classe oprimida. Essa condição imposta aos jovens é um dos

sinais mais visíveis de que a opressão, quando não combatida em tempo, é

capaz de invadir o espaço cultural e cristalizar as relações de dominação no

corpo social. A crueldade dessa cristalização é tão desmedida que o indivíduo

ao sofrer a invasão do seu único e ínfimo espaço já não quer travar batalhas

para expulsar o inimigo, mas unir-se a ele contra si mesmo.

Freire usa esse conhecimento para demonstrar que quando não há

capacidade de resistência toda a estrutura social adota e reproduz a feição

dominadora de modo uniforme: os lares, as escolas, as universidades e todas

as instituições sociais funcionam como agências reguladoras da dominação

econômica e cultural. Nesse momento as possibilidades de opressão se tornam

mais refinadas e são potencializadas pelo uso de tecnologias de última

geração, que levam à construção de abismos e ilhas que promovem o silêncio

e o distanciamento até mesmo entre pessoas que vivem na mesma casa.

Nesse caso, as maiores vítimas, como em todas as guerras, são as

crianças e os jovens, que sem endereçar-se politicamente para a rebelião

autêntica e própria da sua idade, com receio da liberdade e proibidos de

pensar, abrem mão do seu direito de sonhar e olham o mundo em que vivem

como se não lhes pertencesse, e as pessoas que as cercam diariamente como

se com elas não tivessem nenhum laço afetivo ou nenhuma afinidade real.

Esse é o aspecto mais terrível da sociedade capitalista, a destruição dos

vínculos humanos e a morte prematura dos ideais e dos sonhos da juventude.

Esse quadro social colabora com os princípios liberais que começaram

com a defesa da propriedade privada e dos direitos individuais, e acabaram por

solapar qualquer ideal de igualdade, liberdade e fraternidade, colocando em

primeiro plano a individualidade do ser. Enquanto a ideologia socialista pensa o

bem-estar das massas e age em defesa da cidadania, do ser e da sua

humanidade, a filosofia liberal propõe a defesa do indivíduo e de seus

pertences, fazendo com que as pessoas vivam voltadas para o próprio umbigo

seduzidas pelo consumismo. Supondo-se que o fim do mundo fosse amanhã, o

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homem liberal faria o possível para salvar sua família, sua casa, sua empresa,

seu carro, sua televisão, seu computador, seu gato e seu cachorro. Se não

pudesse salvar a todos, salvar-se-ia a si mesmo e tudo continuaria bem. Já o

humanista seria aquele capaz de dar a vida por sua comunidade. A capacidade

de pensar nos outros, tanto quanto em si mesmo, é o que distingue o socialista

do liberal.

Diante disso, nota-se que no individualismo da sociedade neoliberal

reside o sentimento de estrangeirismo da juventude. A visão fragmentada de

realidades dispersas no tempo e no espaço, traduz para os receptores apenas

a ignorância de um sistema injusto e dominador que atua contra sua liberdade

de ser, de ter e de sonhar, e contra o qual sentem que não possuem armas

para lutar. A percepção que os jovens têm da sociedade capitalista é de um

cenário cinematográfico no qual as aparências valem tanto quanto a realidade.

Essa percepção de interação entre o real e o virtual desenvolve uma espécie

de indiferença diante de todas as relações políticas e sociais, o que faz com

que seus professores os considerem “completamente” alienados.

Freire entende, no entanto, que tal comportamento não deve ser visto

como manifestação de desinteresse ou ignorância e muito menos de alienação.

Ele sugere que há algo mais profundo nesse suposto alheamento juvenil, e que

até mesmo a ausência de reação e a opção pela apatia podem ser parte de

novas formas de resistência e de rebelião dos jovens contra um modelo

cultural que os trata como inferiores, alienados, preguiçosos, doentes,

incapazes e mal-agradecidos, enquanto eles compreendem perfeitamente que

sua condição social não é fruto da sua debilidade, mas da violência do seu

invasor.

Sobre o sentimento da juventude vitimada pela invasão da cultura

neoliberal que se apossou das suas relações sociais, dos seus conteúdos de

estudo e de todas as mídias que constituem o seu cotidiano, Freire considera

que:

Os jovens sentem a necessidade de renunciar à ação invasora, mas os padrões dominadores estão de tal forma “metidos” dentro deles, que esta renúncia é uma espécie de morrer um

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pouco. Renunciar ao ato invasor significa, de certa maneira, superar a dualidade em que se encontram, dominados por um lado, dominadores por outro. Significa renunciar a todos os mitos de que se nutre a invasão e existenciar uma ação dialógica. Significa deixar de estar sobre ou dentro como estrangeiros, para estar com, como companheiros. [...] Desnudar-se dos mitos e renunciar a eles é uma violência contra si mesmos, praticada por eles próprios. Submetidos ao condicionamento de uma cultura do êxito e do sucesso pessoal, reconhecer sua condição alienada é desfavorável, é o mesmo que frear sua possibilidade de êxito.[...] Isto exige que se instaure uma revolução cultural e um novo poder que não seja só o freio necessário aos que pretendem continuar negando os homens, mas também um convite valente a todos os que queiram participar da reconstrução da sociedade”. (FREIRE, 1987, p. 89 – 90)

Ao expor as dificuldades impostas àqueles humanistas que desejam

impedir a invasão das ideologias dominantes, Freire deixa evidente a

necessidade de um contra-poder que possa despertar as massas do doping

que as faz reféns da teoria da dominação e de um sistema que pretende

transformar crianças e jovens em zumbis . Sem perder de vista que ao

transformar a educação num instrumento de opressão e controle social, as

elites encontraram uma forma discreta e segura para a propagação do seu

domínio, o autor avalia que o impacto histórico e social desse adestramento

pode ser considerado maior que o de todas as guerras historicamente

registradas.

Quando Foucault, em Microfísica do poder, denuncia as práticas que

mascaram a repercussão da disciplina liberal instalada nas fábricas a partir de

1848, como parte vital do programa de conformação dos trabalhadores aos

anseios da burguesia, ou quando Freire denuncia a apropriação da educação

como instrumento de controle social, próprio da teoria da dominação, espera-se

que compreendamos que o problema não está nas instituições, mas nas

relações de poder estabelecidas na sociedade. Quando um estudioso brasileiro

mundialmente respeitado escreve um livro explicando o que é e como funciona

a teoria da dominação, entendendo-a como a base da repressão aos

movimentos populares, bem como da derrota dos trabalhadores na conquista

de direitos humanos fundamentais para a sua sobrevivência e a sua dignidade,

tal teoria merece atenção. E quando esse autor explica que a condição para a

libertação é a intervenção dos intelectuais por meio do exercício comprometido

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do magistério, essa consideração deve ser vista como o maior desafio já

imposto aos professores.

Considerações finais

Os referenciais teóricos utilizados neste artigo permitem afirmar que a

dominação faz parte do cotidiano das massas latino-americanas e que nesse

cenário de opressão a educação é um dos centros vitais para o exercício do

controle e da exclusão social.

Os argumentos usados por Paulo Freire demonstram que a possibilidade

de revolução está presente no cotidiano dos trabalhadores e que, inseridos

nesse contexto, os professores são em virtude do seu ofício, os sujeitos

históricos com maior poder de transformação social.

Essas afirmações estão envoltas em evidente contradição. Ao mesmo

tempo em que a educação pode ser vista como o palco de práticas opressoras,

apresenta-se como cenário de libertação social. É justamente nesse sentido

que a teoria marxista de pesquisar e atuar a partir das contradições sociais

pode ser experimentada. Compreendendo a sutileza desse pensamento, Freire

percebe que somente no local da alienação é que se pode criar o espaço

necessário ao exercício da libertação. Se a educação é a base da teoria da

dominação, por meio dela se dará o imprescindível processo de libertação.

As leituras e sugestões feitas neste artigo, cumprem sua finalidade de

expor que para a libertação da opressão que resultará na assunção do poder

de intervenção das camadas populares sobre a realidade latino-americana,

podem ser elencadas três condições. Primeiramente que se compreenda que o

ofício do professor tem um poder capaz de provocar a transformação social.

Para tanto, é mister repensar, com a devida urgência e praticidade, a

importância da formação de licenciados para atuação em todos os níveis de

ensino. Em segundo lugar, defendem-se metas para a superação da influência

dos métodos positivistas no ofício de professor, o abandono do recorte focalista

em prol da totalidade histórica, juntamente com o reconhecimento de que não

há saber neutro e que o ofício do magistério é também ou essencialmente

político. Finalmente, entende-se que a opção por uma sociedade mais justa

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está intimamente relacionada ao socialismo e que para a superação do modelo

neoliberal, mantenedor da educação como reduto de opressão social, os

intelectuais latino-americanos precisam reconhecer e debater as propostas do

materialismo histórico e dialético.

Considera-se que essas tarefas são imprescindíveis, para que o professor

reafirme sua presença na cena política, como sujeito histórico e agente capaz

de promover a reorganização da ação política dos trabalhadores urbanos ou

rurais que ainda sonham em deter o poder hegemônico que a burguesia

mantém sobre as relações e as práticas sociais na América Latina, bem como

nos países da África, da Ásia e da Oceania que também sofrem a intervenção

política, econômica e cultural do imperialismo europeu ou norte-americano.

Para tanto, as armas aconselháveis por Freire são mais simples que

quaisquer artefatos bélicos de última geração. Os dois autores concordam que

a revolução autêntica exige primeiramente disposição para a dialética, por meio

da reflexão, do diálogo, da pronúncia, da leitura e da escrita de palavras que

possam ajudar os homens e as mulheres do povo a reencontrar sua palavra.

Sugerem ainda, a urgente inauguração de debates sobre as condições

históricas dos trabalhadores em nível global, que lhes assegure a consciência

de sua cidadania e lhes oportunize o contato com sua humanidade perdida em

meio ao turbilhão de coisas colocadas como superiores ao seu desejo de ser

parte deste mundo e sujeitos da sua história.

Finalmente, todos os autores estudados neste artigo entendem que é

preciso adesão a teoria de que a condição para a libertação das massas, é a

ação pedagógica comprometida, desapegada de recortes inúteis e focos

isolados, que academicamente possibilitam apenas a configuração de

contextos, fatos ou conceitos fragmentados, bastante frágeis e descartáveis

diante de um mundo globalizado e de um sistema capitalista cada vez mais

totalizante (ou totalitário).

Conclui-se enfim, que a contribuição de Paulo Freire para a educação é

fundamental para uma época marcada pela intolerância não apenas política,

mas também religiosa, racial, étnica e sexual, na qual se aprofundam também

as diferenças geradas pelo capital econômico e cultural. Nesse contexto, a

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educação ocupa um espaço de vanguarda e os professores emergem como

agentes do projeto de reformulação das políticas públicas, autores da

revolução das práticas pedagógicas, comprometidos com a reorganização dos

trabalhadores, a autonomia das classes populares e a ocupação de espaços

políticos com relações de poder mais equilibradas e mais justas. Isso significa

reconhecer no professor, o profissional dotado dos requisitos necessários para

melhorar as formas de vida de povos e grupos humanos em condições de

opressão.

Referências

BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: A aventura da

modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

HOBSBAWM, Eric.Os trabalhadores: Estudos sobre a história do operariado.

São Paulo: Paz e Terra, 2000.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. MEMMI, Albert. Descolonizado: Retrato do árabe-mulçumano e de alguns outros. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2007. ROJAS Carlos Antonio Aguierre. Marx para uma história crítica. In: Revista Temas e Matrizes. Ano II, p.52. Cascavel: Editora Unioeste, 2003. THOMPSON, Edward. Os românticos: A Inglaterra na era revolucionária. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

VOVELLE, Michel. Jacobinos e jacobinismo. São Paulo: Edusc, 2000. SITOGRAFIA MEIGUINS, Alessandro. Estudantes : É pau, é pedra é o fim do caminho. Disponível em: http://historia.abril.com.br/politica/estudantes-pau-pedra-fim-caminho-434189.shtml. Acessado em 10 de março de 2011.

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ESTUDOS SOBRE A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E A

REPRESENTATIVIDADE SOCIAL DA COMUNIDADE QUILOMBOLA

INVERNADA PAIOL DE TELHA FUNDÃO – MUNICÍPIO DE PINHÃO (PR)

Valmir Jocoski

Orientador: Profª. Ms. Ernando Brito Gonçalves Júnior

Palavras-Chave: Comunidade Quilombola. Organização. Política.

Sociedade.

Esta pesquisa prioriza a abordagem de uma temática regional, com o

propósito de conhecer, divulgar e preservar as práticas políticas da

Comunidade Quilombola Paiol de Telha Fundão, da mesorregião de

Guarapuava, reconhecida como uma das comunidades quilombolas com o

histórico mais polêmico de luta pela posse da terra no Estado do Paraná.

Desde 1998, cerca de cinqüenta famílias estão acampadas a cinqüenta

quilômetros de Guarapuava, em frente à Fazenda Fundão, no Município de

Pinhão, aguardando que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA) efetue a localização e cessão de uma área de 850 hectares para

assentamento dos manifestantes.

Tal questão envolve uma área de terras que teria sido deixada de

herança para os ex-escravos e que teria sido esbulhada nas décadas de 1960

e de 1970, cuja ação envolve diversas instituições, famílias e uma cooperativa

da região. O processo tornou-se conhecido nacionalmente a partir de 1981,

quando o Instituto de Terras e Cartografia (ITC), a partir de estudos da

documentação apresentada pelos representantes dos quilombolas, manifestou-

se pela necessidade de aprofundamento sobre o direito de posse da área de

terras em questão. Desde então uma série de procedimentos foram realizados

e por meio desta pesquisa procurar-se-á identificar de que forma os

descendentes dos escravos estão organizados politicamente para defender o

que julgam ser seu por direito.

Politicamente, sabe-se que a partir de 1995, a Comissão Pastoral da

Terra – CPT, incentivou a formação de uma associação com a finalidade de

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organizar legalmente as ações comunitárias, o que teria resultado na criação

da Associação Pró-Reintegração da Invernada Paiol de Telha, comunidade

para descendente de escravos, definida como - Associação Civil sem fins

lucrativos sob a inscrição 01.194.255/001-03, com endereço à Rua XV de

Novembro, No 3466, 4o andar, sala 404, Guarapuava-Paraná.

Nos primeiros passos da pesquisa foram encontradas evidencias sobre

o apoio de várias entidades estaduais, principalmente sindicais, que teriam se

manifestado em prol da causa dos quilombolas de Paiol de Telha, entre elas a

Associação de Professores do Paraná (APP – Sindicato), Sindicato dos

Bancários de Curitiba; ACNAP (Associação Cultural Negritude e Ação Popular);

Comissão Pastoral da Terra, SISMMUC (Sindicato dos Servidores Municipais

de Curitiba), Instituto Afro-brasileiro, setorial de negros e negras do PT,

Coletivo de Mulheres Negras.

Além dessas entidades, na região de Guarapuava, a Associação de

Paiol de Telha teria conseguido o apoio da Pastoral da Terra, Pastoral Operária

e Pastoral da Criança, do Diretório Municipal do PT, da Associação de Famílias

de Trabalhadores Rurais de Pinhão- AFATRUP, do Sindicato dos Servidores

Públicos e Professores Municipais de Guarapuava e do Núcleo Sindical da

APP - Sindicatos.

Acredita-se que a aproximação com essa comunidade a partir da

intervenção acadêmica, por meio de atividades de pesquisa e de extensão,

poderá contribuir para a produção de estudos sobre as formas de organização

política e social desenvolvidas pelos afro-descendentes que vivem na

localidade de Paiol de Telha.

Alguns documentos que poderão fornecer embasamento legal ao

presente objeto de pesquisa são: a Lei nº. 13.381/ 01, que torna obrigatória, no

Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública e Estadual, o trabalho com os

conteúdos de História do Paraná; Lei 10639/2003, que estabelece a

obrigatoriedade do ensino da temática história e cultura afrobrasileira nos

estabelecimentos de ensino fundamental e médio das redes públicas e

particulares do Brasil; Parecer do Conselho Nacional de Educação- CNE

número 003 de 2004, sobre as Diretrizes Curriculares relacionadas as relações

étnicorraciais, de história e de cultura afro-brasileira; O Estatuto da Igualdade

Racial no Estado do Paraná.

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Para a elaboração do referencial teórico serão utilizados os estudos

feitos pelas historiadoras de Guarapuava Gracita Gruber Macondes e Alcioly

Gruber de Abreu, pela professora Valderez Pontarollo, para o Programa PDE –

PR, por Mirian Furtado Hartung,bem como resultados de Laudo antropológico

realizado por professores da Universidade Federal de Santa Catarina, na

Invernada Paiol de Telha; (UFSC, Laudo Antropológico). Procurar-se-á ainda,

ouvir e registrar depoimentos dos moradores da Comunidade Invernada Paiol

de Telha Fundão, para a elaboração e a finalização dessa pesquisa.

REFERÊNCIAS

ABREU, Alcioly Therezinha Gruber de. A Posse e o Uso da Terra:

Modernização Agropecuária de Guarapuava. Curitiba: Secretaria de Estado

da Cultura e do Esporte, 1986.

_____. e MARCONDES, Gracita Gruber. Escravidão e Trabalho. Fundação

Universidade Estadual do Centro Oeste-UNICENTRO. Guarapuava: 1991.

HARTUNG, Mirian Furtado. O sangue e o espírito dos antepassados:

escravidão, herança e expropriação do grupo negro Invernada Paiol de

Telha. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.

PONTAROLLO, Valderez. As práticas tradicionais religiosas da

Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão: Estudo de

caso sobre a prática da recomenda das almas. Programa PDE/ Estado do

Paraná, 2011.

SCHLEUMER, Fabiana de e OLIVEIRA, Oseias de. (org) Estudos étnico-

raciais. São Paulo: Canal 6 Editora, 2009.

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O ENSINO DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AS MANIFESTAÇÕES

DE RELIGIOSIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES

Neiva da Cruz Antunes Camargo

Lucélia Terezinha Araujo Pietras

Nicéia Rodrigues

Curso de Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava

Palavras-Chave: Cultura. Crenças. Práticas. Ensino. Afro-brasileiros.

Considerando-se que a Lei Nº: 10.639 de 09/01/ 2003 incluí no currículo

Oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática relacionada à “História

e Cultura Afro- Brasileira”, bem como que os povos africanos desempenharam

um papel de destaque na formação do povo brasileiro, apresenta-se esta

pesquisa ainda em sua fase inaugural. Pretende-se com tal estudo pensar

sobre as alternativas existentes para o ensino de questões relacionadas às

crenças, aos costumes e às práticas culturais dos povos afro-brasileiros.

A iniciação aos estudos antropológicos no Curso de Ciências Sociais da

Faculdade Guarapuava, levou-nos à percepção que os conhecimentos relativos

à história e cultura afro-brasileira, ainda são pouco disseminados e pouco

conhecidos, principalmente na região sul do Brasil. No decorrer de nossa busca

por textos didáticos e materiais que nos levasse a compreender as crenças e a

religiosidade dos afro-descendentes, fez com que percebêssemos que esse

tema possui vários focos ainda inexplorados e que se apresenta como um

campo amplo para pesquisas e estudos culturais.

Desse modo, fomos atraídas pela diferença dos costumes e dos ritos dos

povos africanos, especificamente aqueles que foram preservados e que

resistiram ao preconceito e a discriminação imposta pelos imigrantes europeus,

desde a colonização do Brasil. Nesse sentido, investigar essa temática tornou-

se um desafio que pretendemos enfrentar, com a finalidade de estabelecer

concepções sólidas sobre as crenças africanas e seu poder de intervenção

sobre a formação do povo brasileiro.

Nosso objetivo é o de promover estudos sobre a Lei Federal nº

10639/2003 que introduziu o ensino afro-brasileiro no currículo escolar e a

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partir disso propor alternativas para o ensino sobre a religiosidade dos afro-

brasileiros, entendendo-se o estudo cultural, em seus aspectos das crenças e

manifestações populares, pode dar maior visibilidade aos povos, cujos

costumes, foram excluídos do processo histórico brasileiro.

Os questionamentos condutores do nosso trabalho são: quais as

mudanças propostas pela lei que tornou obrigatório o ensino afro-brasileiro em

todas as escolas da rede pública e particular de ensino? Como devem ser

contempladas a diversidade e as relações culturais dos povos africanos? Qual

a importância desses povos no contexto econômico, cultural e social brasileiro?

Essas são algumas questões que problematizam o presente trabalho.

O embasamento teórico desta pesquisa conta com autores como Gilberto

Freire, Mirian Furtado Hartung, Paulo Freire, Octavio Ianni, Caio Prado Junior,

Fabiana Schleumer e Oséias de Oliveira, entre outros.

Esta pesquisa está em consonância procurará com o que preconiza o

decreto presidencial número 6040 de 7/02/2007, que em seu artigo terceiro,

considera que:

Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (Decreto presidencial 6040, art.3º, 2007, p. 22)

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), conforme

alterações propostas pela publicação de 10.639/2003, os professores vem

sendo estimulados a trabalhar a História e Cultura Afro-Brasileira em todos os

currículos escolares, da rede pública e particular de ensino, em áreas

específicas. O tema proposto diz respeito às maneiras de conhecer, divulgar e

preservar as práticas tradicionais das comunidades afro-brasileiras bem como

de valorizar suas manifestações culturais.

Através do parecer CNE/CP 003/2004, das Diretrizes Curriculares, está

incluso no currículo escolar a Educação das Relações Étnicorraciais para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Recentemente as

lideranças do movimento negro paranaense, fizeram aprovar a Lei PL/

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103

N°235/09 que determina feriado Estadual da Consciência Negra no dia 20 de

novembro, em homenagem ao aniversário de Zumbi dos Palmares.

9917-3551

A Secretaria do Estado de Educação (Seed) institucionalizou o Fórum

Permanente de Educação e Diversidade Étnicorraciais do Paraná, o qual

institui as Diretrizes Curriculares para a educação das relações étnicas e

raciais e para o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana em

consonância com determinações do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Todas essas políticas reconhecidas e disseminadas pelo Governo

Federal e Estadual servem de ponto de partida para a elaboração de propostas

que possam corresponder ao que já está aprovado em lei.

O embasamento teórico desta pesquisa conta com autores como Gilberto

Freire, Mirian Furtado Hartung, Paulo Freire, Octavio Ianni, Caio Prado Junior,

Fabiana Schleumer e Oséias de Oliveira, entre outros.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Livraria José

Olympio, 1988.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

HARTUNG, Mirian Furtado. O sangue e o espírito dos antepassados:

escravidão, herança e expropriação do grupo negro Invernada Paiol de

Telha. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.

GOMES, Jackson Jr. et all (org). Paraná Negro: fotografia e pesquisa

histórica. Curitiba: UFPR, 2008.

SCHLEUMER, Fabiana de; OLIVEIRA, Oseias de. (org) Estudos étnico-

raciais. São Paulo: Canal 6 Editora, 2009.

DOCUMENTOS CONSULTADOS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas

transversais. Ética/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,

1997.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei 10.639/2003 e

11.645/2008; sobre as mudanças em relação aos estudos afro-brasileiros.

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AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NO COTIDIANO, NO

COMPORTAMENTO E NA CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA

Joelma Eleutério Chimilovski –

Curso de Ciências Sociais

Faculdade Guarapuava

Palavras-Chave: Educação. Família. Casamento. Cultura. Sociedade.

O presente trabalho apresenta a intenção de pesquisa sobre a

constituição da família, dentro do contexto histórico de diferentes épocas,

buscando enfatizar sua formação social relacionada ao aspecto

numérico,descendência, cultura, religião e papel dos pais na formação escolar

e social dos filhos por meio de informações em diversas fontes históricas e na

obtenção de dados qualitativos .O estudo de fenômenos acerca da família deve

ser realizado levando-se em consideração modelos culturais específicos a fim

de estabelecer posterior comparação com a formação da família

contemporânea.

Considerando-se o conceito de família relacionado à ordem biológica,

faz-se necessário ressaltar seu papel enquanto uma organização da

humanidade que se constituiu sócio-historicamente. A família constitui-se

enquanto instituição social e não como grupo social, pois o conceito de grupo

social refere-se a um processo de interação contínuo dos indivíduos

considerando objetivos comuns, e a instituição se refere ao conjunto de regras

e procedimentos padronizados dos diversos grupos, como exemplo: existem

várias formações familiares, mas o papel relacionado ao pai, a mãe e aos filhos

obedecem a uma regra e basicamente são iguais.

De acordo com o materialismo-histórico, a família se origina com a

necessidade de organizar seus modos de produção. Sabendo, portanto, que os

modos de produção se modificaram com o passar do tempo a composição da

família por sua vez também sofreu alterações que serão apontadas

posteriormente.

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A família trás consigo diversas responsabilidades histórica, social e

culturalmente estabelecidas, que se dão nas relações familiares e se

desenvolvem em contextos culturais diversos. Este estudo refere-se à

composição familiar enquanto uma instituição social seguindo uma variação de

aspectos relacionados à diferentes famílias, abrangendo questões como

número e tipo de casamentos e suas funções principais tais como: função

sexual, reprodutiva, econômica e educacional. Dentro desta perspectiva, torna-

se importante o presente estudo. O objetivo a ser alcançado é realizar um

levantamento de informações acumuladas histórico culturais, a cerca da

funcionalidade e constituição familiar dentro de cada contexto histórico.

A palavra família origina-se desta forma do latim "famulus" que

significava literalmente escravo doméstico. A hierarquia se estabelece com os

patriarcas sobre os membros, para mais tarde, com o aumento da população,

estabelecer-se sobre os escravos (MARX; ENGELS, 1980). Por exemplo, no

início da colonização brasileira a família assumiu a forma patriarcal, na qual o

poder e os direitos são obtidos somente pelo patriarca, ou seja, o marido. A

forma de organização familiar se modificou ao longo do tempo devido às

mudanças econômicas, sociais e culturais como, por exemplo: a popularização

dos métodos anticoncepcionais a partir da década de 60, a legalização do

aborto nos países em alguns países, a aprovação da lei do divórcio no Brasil

em 1977, a decadência do casamento e também a entrada da mulher no

mercado de trabalho decorrente de mudanças sociais que as permitiram se

dedicar a outros interesses além da função de esposa e mãe são aspectos

decorrentes da transformação social.

Todos esses fatores influenciaram diretamente na composição familiar

da sociedade contemporânea, apresentando-se características fora dos

padrões estabelecidos da família enquanto instituição, pois surgem novas

concepções acerca de sua formação, falamos dos novos arranjos familiares

tais como casais homossexuais, casais separados e em segunda união bem

como a transferência de responsabilidades dos pais aos avôs e outros parentes

consangüíneos, no que se refere à formação escolar e humana.

A partir do exposto, pode-se perceber que a família vem se

transformando de acordo com as transformações ocorridas na sociedade

industrial e nos modos de produção. Desse modo, por meio da presente

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106

pesquisa procurar-se-á identificar de que forma essas mudanças afetaram o

cotidiano, o comportamento e a ação dos indivíduos na sociedade, a partir de

um estudo sobre. O trabalho segue na mesma linha de pesquisa almejando a

ampliação de pesquisa e em consequência melhores resultados.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Pérsio Santos. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 1998.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE ASSESSORIA E CONSULTORIA EM SERVIÇO

SOCIAL: ESPAÇO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE

SOCIAL

Sonia Roth Bruger

Graduada em Serviço Social

Faculdade Guairacá

Orientadora: Profª Clarice Battistelli

Palavras-Chave: Serviço Social. Assessoria. Consultoria. Espaço Sócio-

Ocupacional.

O Serviço Social enquanto profissão de intervenção social no Brasil,

desde seu início na década de 1930, vem aprimorando sua ação e formação,

resultando na efetivação de grandes avanços e conquistas em torno dos

espaços sócio-ocupacionais. No trato dos seus espaços sócio-ocupacionais na

contemporaneidade a Assessoria/Consultoria é trazida como objeto de análise

deste estudo, partindo de alguns conceitos, competências, habilidades,

procedimentos e ações realizadas nesse processo de trabalho. A pesquisa de

campo, de caráter principalmente qualitativo, permitiu abordar junto aos

sujeitos entrevistados, o entendimento sobre o tema pesquisado, as

perspectivas e os impedimentos vistos para a atuação nesse espaço

ocupacional, utilizando-se como instrumental de coleta de dados, o

questionário com perguntas previamente formuladas, aplicado junto a

profissionais de Serviço Social, atuantes e não-atuantes em

Assessoria/Consultoria. Diante disso, a pesquisa contribui com a discussão e

produção científica sobre a Assessoria/Consultoria enquanto espaço de

atuação sócio-ocupacional do Assistente Social na contemporaneidade.

O despertar e interesse por explorar este “novo” campo de intervenção

profissional originou-se no campo de estágio: Projeto de Extensão “Assessoria

e Consultoria em Serviço Social”. Esta aproximação com o espaço sócio-

ocupacional trouxe a indagação do motivo da pouca atuação dos profissionais

nesta área. Esta pesquisa teve por objeto de pesquisa a Assessoria e

Consultoria em Serviço Social, tendo como objetivo geral contribuir com a

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108

discussão sobre este espaço, enquanto processo de trabalho do Serviço

Social, levantando suas perspectivas frente ao mercado de trabalho e suas

novas demandas, e trazendo como objetivos específicos: buscar conhecimento

teórico histórico do que é assessoria enquanto processo de trabalho do Serviço

Social, bem como entender as competências conforme regulamentação da lei

profissional; conhecer o processo metodológico e operacional desenvolvido

pelo campo da assessoria; identificar as demandas existentes em assessoria

no Serviço Social; demonstrar/refletir sobre as dificuldades e perspectivas para

a atuação profissional no campo da assessoria, na atualidade. Assim sendo, a

realização da pesquisa se deu em torno de como no contexto atual, a

Assessoria/Consultoria em Serviço Social se faz presente.

No decorrer da trajetória histórica do Serviço Social brasileiro, houve

muitas transformações e conquistas referentes à sua prática profissional e ao

seu espaço sócio-ocupacional. Hoje as transformações não param de

acontecer, sejam no meio econômico, político, cultural ou social, sendo

originadas por um sistema que produz e reproduz os interesses do capital,

gerando a cada tempo histórico, novas roupagens às expressões da Questão

Social, as quais também agregam em si, e com mais força, novas formas de

exclusão. Diante dessas transformações são necessárias inovações no modo

de intervir do Assistente Social em busca de ações que possam trazer

mudanças efetivas, onde a Assessoria e Consultoria podem se tornar um

promissor espaço ocupacional para enfrentamento das demandas sociais

contemporâneas.

Neste caso, o profissional Assistente Social fornecerá uma prestação de

serviços especializados com conhecimento na área social, diagnosticando a

realidade e a necessidade de intervenção, indicando as soluções e ações

corretas a serem executadas, desenvolvendo projetos específicos e viáveis às

necessidades demandadas, buscando viabilizar recursos e alternativas para a

efetivação de direitos. Segundo Ruiz (2006, p. 97/98), “[...] assessorar implica

contribuir para a solução de determinada demanda a partir de atribuições,

capacidades e conhecimentos específicos.”

Buscou-se através da pesquisa biliográfica e documental, a construção

dos conteúdos teóricos e legais, de forma sistematizada, para uma melhor

compreensão do objeto analisado, deparando-se com a ausência de produção

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cientifica específica em Assessoria/Consultoria em Serviço Social, o que

remeteu a busca para outras areas do saber, onde conforme a afirmativa de

Bravo e Matos (Org. 2006, p.19): “O pouco que existe de material publicado

sobre assessoria está localizado no campo da administração [...]”. Com a

pesquisa de campo procurou-se uma maior aproximação com o objeto de

estudo, a partir da vivência dos sujeitos entrevistados em diferentes lugares do

Brasil. Através da pesquisa foi possível identificar que todos os entrevistados

veêm a Asessoria/Consultoria como competência e processo de trabalho do

Assistente Social, sendo um meio de buscar a efetivação e o fortalecimento da

profissão e do Projeto Ético Politico; este processo de trabalho é uma

assistencia técnica sistematizada e contínua, relacionada a área de

atuação/especialização do profissional; através dele se instrumentaliza

grupos/movimentos em matéria especifíca de sua atuação e/ou áreas diversas;

as técnicas de assessoria/consultoria são conhecidas apenas pelos que

exercem esse processo, por iniciativa própria ou aproximação acadêmica.

As dificuldades para a atuação neste processo de trabalho referem-se: a

ausência de reconhecimento e aperfeiçoamento da categoria como um campo

de atuação; entender a visão, missão, filosofia, processo de gestão, dirigentes

e objetivos de trabalho de cada instituição atuante; ausência de alinhamento

conceitual e publicização das técnicas e metodologia; ausência de

conhecimento do profissional, incentivo e desenvolvimento dessa prática no

meio acadêmico.

As demandas inerentes a atuação nesse processo de trabalho são

grandes em todas as áreas no mercado: família, empresas, políticas públicas,

judiciário, instituições como nas demais que se manifestam as expressões da

Questão Social, como perspectiva de um processo de implementação em todo

o território nacional, visando o crescimento da profissão. Este é mais um

espaço sócio-ocupacional em que o Assistente Social pode buscar efetivar seu

Projeto Ético-Político, e traz em si múltiplas possibilidades, uma vez que não

depende de vínculos institucionais e empregatícios, sendo este o único espaço

ocupacional que realmente caracteriza a profissão de Assistente Social, como

liberal.

Considerações finais

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A realização desta pesquisa possibilitou verificar a

Assessoria/Consultoria enquanto competência e atribuição no âmbito dos

processos de trabalho do Serviço Social. Também foi possível identificar que

este processo de trabalho é um campo ainda incipiente na atuação profissional,

devido à ausência de produção teórica e técnica-operacional e, principalmente,

pela pouca apropriação dos Assistentes Sociais nesse espaço sócio-

ocupacional.

Diante das análises de entrevistas constatou-se que as demandas e

perspectivas referentes a esse espaço de atuação profissional são

promissoras, pois são múltiplas diante da nova roupagem das expressões da

Questão Social e das exigências das Políticas Sociais Públicas atuais. Sendo

assim, a Assessoria/Consultoria é um espaço sócio-ocupacional do Assistente

Social, legalizado e regulamentado por lei, porém, é preciso que aconteça a

apropriação desse espaço ainda incipiente, buscando a qualificação,

conhecimento e técnicas que esse processo disponibiliza.

Segundo Iamamoto (2007, p. 48-49), o profissional Assistente Social que

deve ser “[...] um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o ‘tempo

presente, os homens presentes, a vida presente’ e nela atuar, contribuindo,

também, para moldar os rumos de sua história.” Dessa forma, é preciso que

sejam profissionais não só executivos, mas inovadores e audazes, porque se

“[...] não o fizerem, outros farão, absorvendo progressivamente espaços

ocupacionais até então a eles reservados”. Buscar as competências

necessárias para esta forma de intervenção na área social, é um desafio na

atualidade para o Assistente Social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Ética do Assistente Social. Lei 8.662/93 de

regulamentação da profissão.-3. ed. rer. E atual. – [Brasília]: Conselho Federal

de Serviço Social, 1997.

BRAVO, Maria S; MATOS, Maurílio C. de. (org). Assessoria, Consultoria e

Serviço

IAMAMOTO, Marilda V. O serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e

formação profissional – 11. ed. – São Paulo, Cortez,2007.

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111

RUIZ, Jefferson L.de S. A experiencia de Assessoria Política ao Conselho

Regional de Serviço Social 7ª Região – Rio de Janeiro. In: BRAVO, Maria S;

MATOS, Maurílio C. de. (org). Assessoria, Consultoria e Serviço Social. Rio

de Janeiro: 7 Letras, 2006.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O MUNDO DAS RELAÇÕES DO TRABALHO

Megi Monique Maria Dias

Estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação no Campo.

UNICENTRO/Campus Santa Cruz – Guarapuava

E-mail: [email protected]

PALAVRAS-CHAVES: Trabalho. Desenvolvimento Econômico. Produção. Massa.

Analisar as formas de produção do trabalho e de Estado do século XX impõe

a necessidade de uma reflexão sobre o desenvolvimento, bem como as crises que

sucedem a permanência do capitalismo como sistema estruturante da sociedade

contemporânea. Alguns estudiosos definem o Estado como “conjunto de todas as

formas organizadas e, portanto, institucionalizadas das classes capitalistas”

(BRUNO, 2001, p. 11).

O papel assumido pelo Estado em assegurar ao capital sua reprodução por

diversos momentos foi caracterizado por uma atuação dupla. Por um lado mantinha

os ideais de valorização do capital e, por outro, agindo como mediador político dos

interesses antagônicos expostos na configuração da sociedade. (NEVES, 1999, p.

14-15)

Sabe-se que o trabalho baseado nas concepções fordista vigorou por boa

parte do século XX, e foi marcado pela intensificação do trabalho. Compreendidos

como apêndices das máquinas, os operários fordistas estavam submetidos às

rotinas de trabalho: repetitivos, massificados, intenso, atuante em prol do aumento

do lucro capitalista. A precariedade imposta pelo trabalho massificado reforçou uma

segunda tendência do modelo fordista de produzir, a de racionalizar a produção por

vias do parcelamento de tarefas, oriundo do modo Taylorista. (GOUNET, 1999)

O surgimento do fordismo/taylorismo na organização industrial automobilística

levou Ford a aplicar os princípios da organização científica do trabalho, na ambição

de atender um potencial consumo de massas. A primeira característica do fordismo

se constituiu pela produção em massa. Isso foi decorrente ao fato de que apenas

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essa forma de produção poderia ser capaz de reduzir custos de produção e o preço

de venda dos produtos.

Essa nova forma de produção modifica de maneira radical sua organização. O

desenvolvimento das forças produtivas implicou na elaboração de vários discursos

de valorização ao trabalho, dentre eles o Taylorismo, que priorizava o trabalho em

equipe, a qualidade do trabalho, bem como, a multifuncionalidade, a flexibilização e a

qualificação do trabalhador, todos em prol do metabolismo social do capital, na

busca desenfreada e incontrolável do lucro. (MESZÁROS, 1995 apud. PERES, 2010)

Conhecida como época de ouro do capitalismo, o Welfare State, comumente

designado como aquele que envolve responsabilidade estatal no sentido de garantir

o bem-estar básico dos cidadãos, alcançou forte desenvolvimento entre meados da

década de 1940 e de 1970, concomitante aos regimes de democracia de massas. As

políticas desse tipo de Estado envolvem questões como o papel assumido na

extensão da cidadania social, bem como, sua ação na tentativa de transformação da

sociedade capitalista. Esse modelo de organização exige a compreensão das formas

como se relacionam as atividades estatais com o papel exercido pelo mercado e

família em termos de uma proteção social.

A resposta à crise foi a configuração do Estado Neoliberal, com suas

capacidades de Estado rígido e interventor, flexível e mínimo para as questões

sociais. Nesse novo processo a rigidez da produção em massa passava a ser

ancorada na produção flexível, onde a própria ação dos sindicatos será colocada em

cheque. A necessidade de o modo capitalista superar as crises do capital implicou na

adoção de um novo modo de acumulação, ou seja, acumulação flexível de capital,

na tentativa de manter ou obter maiores taxas de lucros, elemento vital para a

manutenção do sistema.

Quando o desenvolvimento econômico do sistema capitalista entrou em crise

em meados dos anos 70, o Estado não mais existia como espaço regulador da crise,

mas se apresentava como um meio de transição para um novo regime de

acumulação, que por sua vez, resultaria em uma modificação do modo de

regulamentação do capital, do mercado e da força de trabalho. (RAMOS, s/d)

A resposta econômica à crise foi a globalização neoliberal, decorrente da

intensificação da exploração dos mercados existentes e dos novos mercados, com o

objetivo de manter o processo de acumulação e centralização de recursos e

riquezas. Conhecidas como categorias-síntese, o Neoliberalismo e o Pós-

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Modernismo tem a capacidade de agregarem a totalidade das relações capitalistas,

fundamentais na relação Capital e Trabalho. Do ponto de vista econômico o

Neoliberalismo teve como marco a publicação em 1944 da obra “O caminho da

servidão”, escrito pelo economista Frederich Hayek para quem o mercado é a ordem

natural e espontânea das coisas na sociedade. Enquanto que o pós-modernismo

caracteriza a perspectiva cultural e educacional do capitalismo contemporâneo.

Se na década de 70 e início da década de 80 os nomes da política neoliberal

foram os de Margareth Thatcher (Inglaterra), Ronald Reagan (E.U.A.) e, no Brasil,

Fernando Collor de Mello (com a abertura do mercado brasileiro e o início das

privatizações). Num momento posterior, Fernando Henrique Cardoso se configurou

como o novo protagonista da radicalização de privatizações (Vale do Rio Doce,

USIMINAS, CSN, Telecomunicações, entre outros), o governo de Luís Inácio Lula da

Silva não ficou imune às reformas do capital e conseguiu aprovar reformas de cunho

liberal (Reforma da Previdência, Tributária – não completa, Lei de Falências,

Parcerias Público-Privada)

A nova Reforma do Estado que institucionalizou o Neoliberalismo teve suas

conquistas ancoradas na relação entre gerente e agente das relações

intercapitalistas, sendo que sua intenção se apresentou muito mais viável para o

equilíbrio do mercado financeiro do que para os investimentos na população.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – Ensaio sobre a afirmação e a

negação do trabalho. Ed. Boitempo, São Paulo, 1999.

ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo

(orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 6.ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003, pp. 09-23.

BOBBIO, N. Estado Moderno. In: Dicionário de política. 7.ed. Brasília: Edunb,

1995.

BRUNO, L. Reorganização econômica, reforma do Estado e educação. In:

HIDALGO, A.; SILVA, I.L.F. Educação e estado: as mudanças nos sistemas de

ensino do Brasil e do Paraná na década de 90. Londrina: EDUEL, 2001. p.3-20.

CÊA, G.S.S. Fundamentos da idéia do empreendedorismo e a formação dos

trabalhadores. In. CÊA, G.S.S (Org). O estado da arte da formação do trabalhador

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no Brasil: Cascavel: Edunioeste, 2007. p.307-325.

GOUNET. T Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo:

Boitempo editorial, 1999.

HARVEY, D. A condição pós-moderna. 11 ed. São Paulo: Loyola, 2002.

MARX, K. O Capital, Livro I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

NEVES, L.M.W. Educação e política no Brasil de hoje. 2.ed. São Paulo: Cortez,

1999.

PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20: taylorismo,

fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

SITOGRAFIA

ALVES, G. Reestruturação produtiva, novas qualificações e empregabilidade.

In: Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho.

Londrina: Práxis, 2007. Disponível em: <http://www.giovannialves.org>. Acesso 2010

PERES, Marcos A. de Castro. Do Taylorismo/Fordismo à acumulação flexível

Toyotista: novos paradigmas e velhos dilemas. Disponível em:

<http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/taylorismo_e_fordismo_toyotismo

1.pdf>. Acesso dia 2011.

RAMOS, Luiz R. Acumulação flexível, Toyotismo e Desregulamentação do

Direito do Trabalho. Disponível em:

<http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/toyotismodireito.htm>. Acesso dia: 2011

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A ORIGEM CONTRATUAL DO ESTADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O

MODELO HOBBESSIANO

Nayara Cristina Bueno

Curso de Especialização em Seguridade Social

Faculdade Guairacá.

E-mail: [email protected]

Palavras-chave: Racionalismo.Thomas Hobbes. Contratualismo.

Introdução

A questão da origem do Estado é muito antiga, por isso, foram

elaboradas diferentes teorias, entre elas estão: a origem pela força, divina, a

partir da vontade dos indivíduos e como conseqüência da divisão da sociedade

em classes.

A origem pela força ou origem violenta do Estado considera que a

organização política resultou ou do poder de convenção ou do poder de

dominação dos mais fortes sobre os mais fracos (Jean Bodin e Gumplowicz);

enquanto que a origem divina considera que Deus criou o Estado, assim, os

reis eram ungidos por ele (Tomas de Aquino, Santo Agostinho); a origem a

partir da vontade dos indivíduos é a primeira que procura explicar

racionalmente a origem e a legitimidade do Estado e será objeto deste estudo;

contrapondo a ela está a origem como conseqüência da divisão de classes

(Marx e Engels), nesta concepção o Estado tornou-se uma necessidade devido

ao desenvolvimento econômico que cria a divisão da sociedade em classes.

Desta forma, a classe que domina a economia precisa institucionalizar sua

dominação através de um Estado.

A origem contratual do Estado ou a origem a partir da vontade dos

indivíduos se assenta, principalmente, em três modelos: o modelo

hobbessiano, o modelo lockeano e o modelo roussoniano. Estas diferentes

construções teóricas explicam e justificam a necessidade do Estado a partir da

dicotomia ‘estado de natureza’/estado civil. Desta forma, percebem o Estado

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como o resultado de um pacto entre os homens, por isso eram chamados de

contratualistas.

As idéias contratualistas emergiram na Europa entre os séculos XVI e

XVIII e compreende todas as teorias políticas que percebem a origem da

sociedade e o fundamento do poder político num contrato, ou seja, num acordo

entre os homens visando o inicio de um estado social e político em detrimento

de um “estado de natureza”.

Assim, os contratualistas eram também racionalistas uma vez que

consideravam a razão humana como essência do real, ou seja, somente a

razão poderia proporcionar o conhecimento adequado da realidade, iluminar o

real e perceber suas conexões, relações, articulações ou interdependência.

Thomas Hobbes (1588 – 1649) filósofo e político inglês viveu em um

período de muitas guerras na Inglaterra, “[...] escreveu sobre política partindo

do problema real e crucial de seu tempo: o problema da unidade do Estado

[...]”(BOBBIO, 1991, p. 26), a qual estava ameaçada pelas discórdias

religiosas, pelo contraste entre Coroa e parlamento e pela disputada em torno

da divisão de poderes, por isso, o seu pensamento central é esta unidade.

(BOBBIO,1991)

Hobbes é considerado o primeiro construtor da teoria do Estado

moderno, sendo este marcado pela ruptura com o Estado Medieval e, ao

mesmo tempo, pela continuidade de uma concepção que transfere para a

“ordem da natureza” os fundamentos da desigualdade social.

O filósofo político escreveu dois livros principais: De cive (Do

Cidadão) em 1642 e Leviathan (Leviatã) em 1651, nos quais assinala a

necessidade de um Estado forte, absolutista, como a única forma do homem

sair da anarquia natural (presente no “estado de natureza”) e estabelecer a paz

(constituição de um Estado).

Estado de natureza, contrato social e estado civil

Hobbes para justificar a necessidade do Estado utiliza uma teoria

hipotética. Assim, faz uso do método resolutivo-compositivo, o que significa

reduzir a realidade a partes mínimas para depois recompô-la como um todo.

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Desta forma, o seu objeto é o Estado e os elementos deste Estado são os

homens. (MARTINS, 2001)

Para Hobbes no “estado de natureza” os homens são iguais, por isso,

são capazes de causar males uns aos outros, chegando ao maior deles: a

morte. Diante disso, numa situação de escassez dos bens, a igualdade faz

surgir em cada um o desejo de possuir a mesma coisa, gerando desconfiança

recíproca que os leva a se preparar para a guerra e, quando necessária, fazê-

la. Além disso, o que impulsiona o luta do homem contra o homem é o desejo

inesgotável de poder:

[...] O poder é definido como o conjunto dos meios empregados para obter uma vantagem futura. Distinguem-se duas espécies de poder: o poder natural, que depende de faculdades eminentes do corpo ou do espírito; e o poder instrumental, que consiste em meios (como riqueza, reputação, amizades) capazes de acrescer o poder natural. [...] (BOBBIO, 1991, p.35).

Assim, considerando a busca inesgotável de poder natural e

instrumental de homens livres e iguais, Hobbes considerava o ‘estado de

natureza’ um estado de guerra de todos contra todos, que só sanava com a

morte. Além disso, a condição de guerra era causada porque cada homem se

imaginava poderoso, perseguido e traído pelo outro. Porém, o homem “natural”

de Hobbes não era um selvagem, mas o mesmo que viveria em sociedade.

Segundo Ribeiro (2006), a maioria dos autores de antes do século XVIII

acreditavam que os homens não mudavam, ou seja, os homens não eram

transformados pela história.

O “estado de natureza” seria a condição anterior a constituição da

sociedade civil e condição pré-social no qual os indivíduos existiam de forma

isolada, pois não existiria aquilo que se chama de sociedade.

Para sair do “estado de natureza” os homens utilizam a razão, pela

qual renunciam a sua liberdade ‘natural’ e a posse natural de bens e riquezas,

em troca da liberdade civil. Ao realizarem um pacto social, ou seja, um contrato

para constituírem um Estado como forma de impedir o avanço do egoísmo e

buscar a paz, garantindo, assim, a vida, os homens transferem ao soberano o

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poder para criar e aplicar leis, tornando-se autoridade política. Neste sentido, o

Estado seria produto da vontade dos indivíduos com objetivo do bem comum:

Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordaram e pactuaram, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens. (HOBBES, 1997, p.145)

Neste sentido, Hobbes defende um Estado dotado de espada para

forçar os homens ao respeito, por isso o poder do soberano deve ser pleno,

absoluto. Com o pacto cada individuo receberá o que o soberano determinar,

uma vez que os contratantes autorizaram todos os atos e decisões do mesmo

e transformaram o direito natural em direito civil, garantindo a vida, a liberdade

e a propriedade privada.

O soberano, para Hobbes, pode ser um rei, um grupo de aristocratas

ou uma assembléia democrática, porque o que importa é a determinação de

quem possui o poder. Ele deve respeitar os direitos naturais: o direito a vida e a

paz.

Diante do exposto, percebemos que para Hobbes o direito de

propriedade dos bens nasce na sociedade civil, que é o Estado propriamente

dito, sendo, então, um efeito do contrato social e de competência do poder

soberano que pode, inclusive, dividir as propriedades entre os governados

como bem entender.

Considerações finais

Hobbes criou uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado

soberano como forma de garantir o direito a vida e a paz. Para isso, estudou de

forma hipotética o homem no seu ‘estado natural’, sem nenhuma autoridade ou

Estado.

Além disso, sua teoria sustenta-se na valorização do individuo, devido

a legitimidade da preservação da vida e da ilegalidade do dano causado por

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outrem. Assim, Hobbes considera o homem artífice de sua condição, rompendo

com as teorias que existiam até então, as quais consideravam Deus ou a

natureza donos do destino do homem.

Contudo, podemos considerá-lo conservador, pois acreditava que a

sociedade só poderia se sustentar pela desigualdade, principalmente entre

soberano e governados.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro, editora Campus, 1991.

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. Francisco C. Weffort

(org). Os Clássicos da Política. 14 ed. São Paulo: Ática, 2006.

SITOGRAFIA

MARTINS, Dayse Braga. O estado natural de Thomas Hobbes e a

necessidade de uma instituição política e jurídica. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2117>. Acessado em novembro

de 2010.

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IMAGENS E LINGUAGENS URBANAS

FOTOGRAFIA DAS CONTRADIÇÕES SOCIAIS

Ciro Nascimento Gomes

Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava

Curso de Publicidade e Propaganda - Unicentro

Affonso Markovicz

Curso de Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava

Palavras-Chave: Linguagem. Fotografia. Imagem. Representação.

Alternativas.

Fotografar é escrever com luz.

Milton Guran

Comunicar-se. Com esse fim os humanos primitivos inauguraram os

gestos, os sons, os desenhos pictóricos, as danças, as músicas cerimoniais,

os jogos, os objetos, os rituais e finalmente as palavras. Na antiguidade com a

codificação dos primeiros alfabetos e o surgimento da escrita, a arte continuou

a expressar a multiplicidade da linguagem humana por meio da arquitetura,

das pinturas, das esculturas, do teatro e da poesia.

Lúcia Santaella escreveu no livro “O que é semiótica”, que existe

simultaneamente uma enorme variedade de outras linguagens que constituem

sistemas sociais, simbólicos e históricos de representação do mundo. Segundo

essa autora, o século XX assistiu nascer e está testemunhando o crescimento

de duas ciências da linguagem. Uma delas é a Lingüística, ciência da

linguagem verbal. A outra é a Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem.

Sobre a descoberta dessa multiplicidade ela escreve:

Cumpre notar que a ilusória exclusividade da língua, como forma de linguagem e meio de comunicação privilegiados, é muito intensamente devida a um condicionamento histórico que nos levou à crença de que as únicas formas de conhecimento, de saber e de interpretação do mundo são aquelas veiculadas pela língua, na sua manifestação como linguagem verbal oral ou escrita. O saber analítico, que essa

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linguagem permite, conduziu à legitimação consensual e institucional de que esse é o saber de primeira ordem, em detrimento e relegando para uma segunda ordem todos os outros saberes, mais sensíveis, que as outras linguagens, as não-verbais, possibilitam. (SANTAELLA, 2007, p.1)

A produção científica da autora possui como meta fazer com que o leitor

perceba que as coisas falam e que procure reconhecer a forma como elas

falam e se comunicam a partir de tudo o que o rodeia:

Haverá, assim, a linguagem das flores, dos ventos, dos ruídos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e, até mesmo, a linguagem do silêncio. Isso tudo, sem falar do sonho que, desde Freud, já sabemos que também se estrutura como linguagem. Tudo aquilo que, na natureza, fala ao homem é sentido como linguagem. (SANTAELLA, 2007, p.2)

Desse modo, imagina-se uma pesquisa científica com uma temática

social, por meio da qual se possa mostrar além do que poderia ser escrito,

usando-se uma linguagem alternativa, no caso a fotografia. Essa opção surge

a partir do referencial teórico da semiótica, segundo o qual a imagem é tão

importante quanto à fala porque possui o poder de capturar o olhar e produzir

interpretações, significados e sentimentos que passam por mutações

estabelecidas unicamente entre quem olha e o que é olhado:

Nessa medida, não apenas a vida é uma espécie de linguagem, mas também todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se transformam e se regeneram como as coisas vivas. (SANTAELLA, 2007, p.2)

Peirce, o fundador da semiótica, ao expor a linguagem das coisas,

explica que o investigador deve estar pronto para novas idéias, novas

experiências e novas observações. Segundo ele, essas escolhas estão

relacionadas ao modo de vida, lugar e tempo nos quais o pesquisador está

inserido. É justamente nesse sentido que se pretende realizar um estudo das

contradições sociais da cidade por meio de fotografias. Isso se torna possível

porque dentro da semiótica e da sua multiplicidade “a descrição e análise das

experiências estão em aberto para todo homem, cada dia e hora, em cada

canto e esquina de nosso cotidiano” (PEIRCE apud SANTAELLA, p.6).

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Acredita-se assim, que a fotografia é um instrumento capaz de captar essas

evidências presentes no espaço urbano.

No que diz respeito à preferência por um estudo que privilegie as

imagens em detrimento das palavras e da produção textual, coloca-se também

o pensamento de Saussure:

A língua é uma bateria combinatória, estabelecida por convenção ou pacto coletivo, armazenada no cérebro dos indivíduos falantes de uma dada comunidade. Somente na medida em que nos submetemos a essas regras. (SAUSSURE, apud SANTAELLA, 2007, p.17)

Um caso que merece citação para validar a importância da pesquisa

acadêmica liberar-se das regras impostas pela linguagem escrita, é o exemplo

do fotografo brasileiro Sebastião Salgado, que em 1997 publicou o álbum

Terra, com lançamento simultâneo em mais de 100 países, e que se constitui

em um dos mais valiosos documentos sobre a situação dos excluídos do Brasil.

Sobre o poder de denúncia social que a fotografia possui, Milton Guran

em “Linguagem fotográfica e informação”, pondera que as imagens fotográficas

possuem um particularismo e uma linguagem própria e inconfundível:

Sendo a participação do autor (fotógrafo) balizada por uma técnica completamente vinculada às especificidades de uma determinada realidade, a foto resultante pode traduzir com bastante rigor a evidência dessa realidade. (GURAN, 1992, p.15)

Para Douglas Kellner, autor de “A cultura da mídia”, as imagens ajudam

a urdir o tecido da vida cotidiana, modelando opiniões políticas e

comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam

sua identidade (KELLNER, 2001, p.34).

Para a conclusão desta exposição é interessante abordar que ao abrir

espaço para a fotografia no universo acadêmico da pesquisa científica, cria-se

uma rota alternativa às mídias que controlam as informações sobre o mundo

social e que, na maioria das vezes, criam simulacros e representações da

realidade. Sobre a necessidade de apresentar experiências que possam

reduzir esse monopólio de informações, o sociólogo Pierre Bourdieu, pede

nossa atenção no livro “Contrafogos”:

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Através do poder quase absoluto que detém sobre os grandes grupos de comunicação, isto é, sobre o conjunto de instrumentos de produção e de difusão dos bens culturais, os novos senhores do mundo tendem a concentrar todos os poderes, econômicos, culturais e simbólicos. E assim estão em condições de impor muito amplamente uma visão de mundo de acordo com seus interesses. (BOURDIEU, 2001, p.95)

Certamente, se as universidades e faculdades ampliarem o seu espaço

para experiências de pesquisa com linguagens alternativas, serão elas a

principal referencia para o desenvolvimento de novos padrões de informação

que possibilitem notícias concretas do mundo social, compreensíveis para

todos os tipos de leitores.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neo-

liberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

GURAN, Milton. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janeiro: Rio

Fundo, 1989.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.

SALGADO, Sebastião. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. Texto digitado, disponível em: <jus-

operandi.blogspot.com/.../o-que-semiotica-lcia-santaella.html>. Acessado em

março de 2011.

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BIOTECNOLOGIAS COOPERATIVISMO E DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL: O EXEMPLO DA COOPAFLORA NO MUNICÍPIO DE

TURVO – PR

Débora Machado

Deniam José Viana

Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava

Orientadora: Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes

PALAVRAS-CHAVE: Agricultura Familiar. Desenvolvimento Sustentável. Ervas

Medicinais. Cooperativismo. Parcerias.

Uma das questões mais debatidas neste início de século, está

relacionada ao surgimento de um modelo de sociedade organizada a partir de

uma base econômica, social, cultural e ambiental mais sustentável. Jalcione

Almeida, em A problemática do desenvolvimento sustentável, procura elucidar

a concepção dessa prática:

A noção de desenvolvimento sustentável vem sendo utilizada como

portadora de um novo projeto para a sociedade, capaz de garantir, no presente

e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e da natureza. Transforma-se,

gradativamente, em uma categoria-chave amplamente divulgada, inaugurando

uma via alternativa onde transitam diferentes grupos sociais.(ALMEIDA, 1997,

p.20).

Tais leituras contribuiram para a elaboração de um projeto de pesquisa

sobre a Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de

Turvo – Coopaflora, que teve sua fundação em janeiro de 2006, no município

de Turvo, Região Central do Paraná, macrorregião de Guarapuava , que

caracteriza-se pela posse e preservação de uma das maiores reservas nativas

de araucárias do Sul do Brasil. Com chuvas regulares, clima frio, altitude média

de 1000m, o município é conhecido regionalmente pelo desenvolvimento de um

programa de cultivo de ervas orgânicas de excelência, tais como Alcachofra,

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alfazema, alecrim, calendula, camomila, capim-limão, carqueja, cavalinha,

chapeu de couro, endro, espinheira-santa, funcho, macela, manjericão,

manjerona, melissa, menta, oregano, pata-de-vaca, poejo, sálvia, sete-

sangrias, tanchagem e tomilho,

A Coopaflora reúne agricultores e técnicos agrícolas e congrega 85

famílias de pequenos produtores rurais, inseridos em uma área de 765

hectares. Incluindo-se familiares, funcionários e prestadores de serviços, a

comunidade atendida pela cooperativa envolve mais de 430 pessoas, que

adotaram o sistema agroecológico de produção como opção de trabalho e

filosofia de vida.

Segundo dados constantes do site institucional “a Coopaflora oferece um

mix de diversos produtos orgânicos desidratados, o qual é composto

basicamente por plantas medicinais, condimentares, aromáticas e erva-mate.

Estes produtos são comercializados a granel ou beneficiados em forma de

chás e temperos. Considera-se ainda que todas as propriedades

compreendidas pela entidade possuem certificação orgânica , o que assegura

a qualidade dos produtos oferecidos aos consumidores.

Os certificados são oferecidos Ecocert, empresa que teve sua origem na

França,na década de 1990, a partir de famílias organizadas em torno dos

movimentos em prol da agricultura orgânica. A Ecocert do Brasil surgiu em

2001 a partir de uma parceria entre agricultores franceses e brasileiros com a

finalidade de referenciar certificação sócio-ambiental para produtos que

incorporam em seu processo de produção, normas de respeito e proteção ao

meio ambiente, reciclagem de materiais e respeito às condições de trabalho.

Os atestados emitidos pela Ecocert tem validade para mercados nacionais e

internacionais.

Desse modo, acredita-se que a Coopaflora contribui de modo

significativo para a conservação dos remanescentes florestais de araucária,

bem como com a recuperação dos ambientes florestais já degradados, ao

mesmo tempo em que busca estimular a melhoria das condições de vida das

famílias de pequenos agricultores , através do desenvolvimento da agricultura

familiar sustentável, baseada na agroecologia.

Entre os benefícios oferecidos pela Cooperativa referendam-se , o

desenvolvimento familiar sustentável; preservação e recuperação ambiental;

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enriquecimento da cadeia produtiva de erva-mate; expansão das atividades

econômicas na Região Central do Paraná; promoção do turismo rural através

da valorização de sua gente e seu ecossistema.

Leva-se em conta a formação de parcerias com organismos como o

Sebrae, Ministério do Turismo, The Nature Conservancy – TNC e Natura

Cosméticos do Brasil. Esta última, promoveu para o Dia das Mães 2011, uma

campanha, na qual colocou em destaque sabonetes de pitanga, juntamente

com a informação de que tais frutos são colhidos pelos agricultores familiares

da Coopaflora. O lançamento dessa campanha em nível nacional, bem como

sua aceitação, foi o insight necessário para a proposição de um estudo

cientifico com recorte espacial regional.

Justifica-se assim o interesse pelo tema e a definição do objeto de

estudo deste trabalho no sentido de observar a integração sistêmica em três

aspectos: a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e

a mudança social.

REFERÊNCIAS

BARRERE, Martine (org). Terra, patrimônio comum: A ciência a serviço do

meio ambiente e do desenvolvimento. São Paulo: Nobel, 1992.

BECKER, Dinizar Fermiano (org). Desenvolvimento sustentável:

Necessidade e/ou possibilidade? Santa Cruz do Sul (RS): EDUNISC, 1997.

CAVALCANTI, C. (org.). Sociedade e natureza: estudos para uma

sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim

Nabuco, 1998.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra: Ecopedagogia e educação

sustentável. São Paulo: Peirópolis, 2000.

SITOGRAFIA

<http://www.arvoredobrasil.com.br/>. Acessado 2011.

<http://www.ecocert.com.br/certificacao.html>. Acessado 2011.

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EDUCAÇÃO INDIGENA: ABORDAGENS TEMÁTICAS E

SOCIODIVERSIDADE DOS POVOS INDIGENAS NA REGIÃO DE

GUARAPUAVA

Luciane Pietras

Thais dos Santos

Thiago da Luz Brito

Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava

Orientadora: Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes

Palavras-Chave: Indígenas. Diversidade. Costumes. Educação. Identidade.

O desafio que se nos coloca, é o de como pensar a diferença. Diferença entre

povos, culturas, tipos físicos, classes sociais: estará fadada a ser eternamente

compreendida e vivida como desigualdade? Como relações entre superiores e

inferiores, evoluídos e primitivos, cultos e ignorantes, ricos e pobres, maiores e

menores, corretos e incorretos, com direitos e sem direitos, com voz e sem

voz?

Aracy Lopes da Silva

A Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, por meio dos

artigos 26, 26 A e 79 B, assegura o direito à igualdade de condições de vida e

de cidadania , assim como garantem igual direito às histórias e culturas que

compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da

cultura nacional a todos os brasileiros. A Lei 11.645/2008 tem a seguinte

redação:

O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os

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conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em 2011).

Desde 2008, o estudo da história dos povos indígenas no Brasil tornou-

se obrigatório em todas as escolas da rede oficial de ensino do país, tanto

públicas como privadas. A lei que determina a obrigatoriedade do ensino do

tema em sala de aula foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e

publicada no dia 11 de março de 2008, no Diário Oficial da União.

A medida, válida para todas as escolas de ensino fundamental e médio,

passou desde então a fazer parte de todo o currículo escolar, sem a

necessidade de mudança na grade curricular. Isso porque a lei sancionada não

exige a criação de novas disciplinas, mais sim uma atenção maior aos

conteúdos sobre os quais possam ser feitas abordagens sobre a questão

indígena. Como a temática indígena é interdisciplinar, entende-se ainda que a

formação dos professores deve adequar-se às mudanças ocorridas na política

educacional:

Os professores devem ser qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimento; com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos indígenas. Estas condições materiais das escolas e de formação de professores são indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e a valorização da história, cultura e identidade dos povos indígenas. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/2008/lei/l11645.htm> Acesso 2011.)

Outra normatização sobre a questão está no decreto 6.861/2009, que

descreve como objetivos da educação escolar indígena a valorização das

culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade

étnica; o fortalecimento das práticas socioculturais e das línguas indígenas; a

formulação e manutenção de programas de formação de professores e de

conteúdos culturais; a afirmação das identidades étnicas e consideração dos

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projetos societários definidos de forma autônoma para os povos indígenas.

(Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2009/Decreto/D6861.htm).

Tomando-se esse referencial normativo para o estudo das

comunidades indígenas, procurar-se-á por meio do desenvolvimento desta

pesquisa identificar as crenças e os elementos da cultura material dos indígenas

da mesorregião de Guarapuava, observando-se sua interação com o meio

ambiente, a produção de objetos como ferramentas, instrumentos, utensílios e

ornamentos, a escolha e utilização das matérias-primas e as atividades

envolvidas na confecção desses artefatos. Além disso, prevê-se a identificação

dos elementos simbólicos relacionado às crenças, costumes e ritos desses

povos indígenas, bem como algumas as formas de sociabilidade tribal.

Desse modo, prioriza-se a construção de conhecimentos teóricos e

o desenvolvimento de projetos de intervenção social que possam contribuir para

a elaboração de políticas públicas de gestão social relacionadas às reservas

indígenas da região de Guarapuava, bem como com novos elementos para o

tratamento da questão indígena em sala de aula.

REFERÊNCIAS

ALVARES, Myriam Martins. A educação indígena na escola e a domesticação

indígena da escola. Boletim do MPEG: Série Antropologia, Belém : MPEG, v.

15, n. 2, p. 223-51, dez. 1999.

LEVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras,

1996.

SILVA, Aracy Lopes da (Org.). A temática indígena na escola. Brasília:

MEC/UNESCO, 1995.

SOUZA, Nabira Gerim (Org). Diretrizes para a política nacional de educação

escolar indígena. Brasília: MEC/SEF, 1994.

DOCUMENTOS

Lei de Diretrizes e Bases da Educação/1996 atualizada em 2011. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acessado 2011.

Lei 6.861/2009 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2009/Decreto/D6861.htm>. Acessado 2011.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL

QUEM VAI ENSINAR O QUE PARA QUEM?

Larize de Lima Belo

João Luiz de Campos

CURSO DE CIENCIAS SOCIAIS

Faculdade Guarapuava

PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Educação. Formação docente.

A questão ambiental entrou nos programas das ciências sociais a partir

da década de 1970, a partir dos movimentos ecológicos gestados pela

contracultura e desde então conquista importantes espaços. No final do século

XX a temática já estava consolidada nos cursos de graduação e também de

pós-graduação das principais universidades mundiais. No início do século XXI,

diante de um quadro ambiental bastante caótico é impossível para a sociologia

negar a importância dos estudos sobre o meio ambiente.

Os cientistas que fazem o mapeamento de dados e coletam informações

sobre as questões ambientais, atestam com preocupação o esgotamento dos

recursos da Terra, a acumulação do lixo e as transformações climáticas. Essa

afirmação é feita por Daniel Botkin, professor de biologia e de estudos do meio

ambiente da Universidade da Califórnia, autor de vários livros sobre ecologia.

Segundo o pesquisador escreve em Qual ecologia para o século XXI? a ciência

e a natureza estão em permanente conflito e quanto mais acelerado é o

desenvolvimento do capitalismo, maiores são os problemas relacionados à

questão ambiental:

O meio ambiente tornou-se uma das principais preocupações dos países desenvolvidos. O lixo, a poluição, o buraco de ozônio são assuntos comuns de discussão. Ninguem deseja instalações industriais perto de sua casa e todos temem os efeitos que podem ter sobre o clima os gases do efeito estufa. Os países em desenvolvimento, por seu lado, continuam na corrida por um maior crescimento econômico e por bem-estar, objetivo que a alguns parece cada dia mais longínquo. (BOTKIN, 1992, p.9)

Como conciliar as exigências do desenvolvimento com as do meio

ambiente? Essa é a grande questão colocada pelo autor.

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Para Botkin, a educação ambiental só ganhou espaço depois que os

resultados das pesquisas sobre o tema se tornaram públicos e que as

catástrofes tecnológicas e naturais multiplicaram-se causando crises e mortes

em várias regiões do Planeta. Fritjof Capra, físico e filósofo, autor de várias

obras sobre poluição ambiental, energia nuclear e saúde pública. No livro O

ponto de mutação, publicado na década de 1980, por meio de projeções

cientificas, ele alertou que as duas últimas décadas do século XX seriam

marcadas por graves crises mundiais que teriam como causa principal a

despreocupação dos países do Norte com o meio ambiente. Sobre isso ele

escreveu:

Milhares de toneladas de material tóxico foram descarregadas no meio ambiente e continuam se acumulando no ar que respiramos, nos alimentos que comemos e na água que bebemos. O ecossistema global e a futura evolução da vida na Terra estão correndo sério perigo e um desastre ecológico em larga escola não está descartado. (CAPRA, 1995, p.20)

Sobre os graves riscos que esses problemas trazem para a saúde

pública o autor traçou um panorama nefasto:

As doenças nutricionais e infecciosas são as maiores causas de morte nos países periféricos, enquanto isso nos países industrializados as pessoas são flageladas por doenças crônicas e degenerativas. Em todo o mundo aumentam os casos de câncer, enfarte e derrame. A depressão e a esquizofrenia parecem brotar paralelamente à degradação da natureza. (CAPRA, 19954, p.22)

A pesquisadora Cerize Gomes, estudiosa da obra de Fritjoj Capra

explica que o autor foi um dos primeiros cientistas a preocupar-se com as

implicações do meio ambiente sobre as questões sociais (GOMES, 2010,

p.81). Segundo ela a análise do impacto do caos ambiental sobre o universo

social é cada vez mais amplo e as estatísticas apresentadas na primeira

década do século XXI confirmaram as conclusões apresentadas nos estudos

de Capra nas duas últimas décadas do século XX.

Diante dos dados cada vez mais alarmantes sobre mudanças climáticas

e caos relacionados à falta de preservação ambiental essa temática conquista

novos espaços na área das Ciências Sociais e das Ciências Humanas, o que

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faz com que os temas relacionados ao meio ambiente sejam cada vez mais

presentes nas linhas de pesquisa de Sociologia, Antropologia e Ciência

Política. Daí o interesse na elaboração de pesquisa que possa resultar na

apresentação de sugestões didáticas sobre a temática ambiental.

REFERÊNCIAS

BOTKIN, Daniel. Qual ecologia para o século XXI?In: Terra: Patrimônio

Cultural. São Paulo: Nobel, 1992.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1995.

GOMES, Cerize Nascimento. Sobre Sociologia: Fundamentos de Teoria

Social para futuros historiadores. Guarapuava (PR): Unicentro, 2010 .

GRIPPI, Sidney. Lixo: reciclagem e sua historia. Rio de Janeiro: Interciência,

2001.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE

CASAIS HOMOAFETIVOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O

IMPACTO SOCIAL DESSA NOVA FORMA DE FAMÍLIA

Lais Martins Oliveira

Curso de Direito – 3º ano

Faculdades Guarapuava.

PALAVRAS-CHAVE: Homoafetividade. Vinculo afetivo. União Estável.

O presente trabalho não tem o intuito de esgotar o tema, mas discorrer

sobre os efeitos e reflexos da recente decisão proferida pelo STF, “equiparação

da união homoafetivas à união Estável”, breve trajetória histórica da causa e

seu efeito na sociedade, bem como se a mesma esta preparada para conviver

com essas sensíveis mudanças.

A liberdade sexual compreende tanto o fato de os brasileiros se

relacionarem com quem quiser, a hora que quiser e como quiser quanto ao fato

de sua orientação sexual. Conforme Maria Berenice Dias, “a sexualidade

integra a própria condição humana do individuo, e lhe acompanha desde seu

nascimento (DIAS, 2010, p. 200)”. Diante disso, o individuo não pode estar

fadado à infelicidades somente para atender padrões sociais impostos pela

maioria.

Contudo, apesar de ser ponto pacífico a necessidade do reconhecimento

dos direitos dos casais homossexuais, a grande questão é se a sociedade esta

preparada para os efeitos da equiparação da união homoafetiva à união

estável?

A mídia mostra as crescentes manifestações de violência contra os

homossexuais no Brasil, a revolta se acentua por parte dos acéticos à medida

que o judiciário reconhece os direitos de tal classe. O que se pretende discorrer

é justamente sobre o desencadeamento de uma onda de preconceito e

violência por conta da disparidade de opiniões e valores que se constata no

vasto território brasileiro.

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Através do método qualitativo, documental e teórico bibliográfico o

presente trabalho compara documentação indireta, posições doutrinárias,

dados, com a intenção de demonstrar a importância de preparar, ou ao menos

tentar preparar a sociedade para receber tal mudança.

O homossexualismo já esteve classificado como doença e instituído na

Classificação Internacional de Doenças - CID, no capítulo “dos Sintomas

Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais”, posteriormente retirado e tendo

seu termo alterado de Homossexualismo, o sufixo “ismo” remete a doença,

para homossexualidade porque o sufixo “dade” significa modo de ser (DIAS,

2010, p.197).

A Lei Maria da Penha (11.340/2006) promoveu novas perspectivas aos

casais homossexuais quando definiu união entre pessoas do mesmo sexo

como entidade familiar, ao protegê-la da violência doméstica, em seu artigo 2°:

“Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, [...] goza

de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”.

Em decisão recente, em maio de 2011, o STF reconheceu união entre

pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Deu-se por julgamento de

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI/4277) ajuizada pela Procuradoria

Geral da Republica e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

(ADPF/132), Ajuizada pelo Governador do rio de Janeiro, Sergio Cabral.

Fundada em preceitos fundamentais constitucionais como igualdade e

liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, acolhida por votação

unânime no congresso, conforme abaixo transcrito:

Obrigatório o reconhecimento, da união entre pessoas

do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro pedido originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante,

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autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão, independentemente da publicação do acórdão. (www.stf.jus.br)

Maria Berenice Dias, ao defender a causa, destaca o principio norteador

da Carta Magna, à dignidade da pessoa humana. Quando se trata de vinculo

afetivo, não há como deixar de invocar a Constituição Federal, nem os

princípios norteadores do Direito (DIAS, 2010, p.199).

Em contra partida a Decisão do supremo, Gonçalves diverge do

posicionamento da ilustríssima corte tanto em relação a equiparação da “união

homoafetiva” à união heterossexual, quanto ao “casamento homoafetivo”,

assim argumenta o autor:

Malgrado alguns países como Espanha, a Holanda, a Bélgica, o Canadá e o Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, admitam o casamento de pessoas do mesmo sexo, no Brasil o casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode ocorrer. Subliminarmente percebe-se a oposição do autor a união de casais homoafetivos e isso se evidência quando relata que “a constituição Federal ao proclamar que os direitos e deveres referentes a sociedade conjugal são exercido igualmente pelo homem e pela mulher , (art. 226, §§°3 e 5°). Só admite-se casamento entre pessoas que não tenham o mesmo sexo, esse posicionamento é tradicional e já salientado nos textos clássicos romanos”. (GONÇALVES, 2008, p.127)

Já o voto do ministro Gilmar Mendes, (ADI/4722), “os homossexuais tem

o mesmo direito concedido aos casais heterossexuais que vivem em união

estável, exceto os direitos típicos da relação entre homem e mulher”. Ou seja,

os homossexuais não poderão realizar o casamento civil, mas terão seus

direitos garantidos.

Acompanhando Gonçalves e totalmente contra a já referida Decisão do

supremo o Advogado da Confederação Nacional Brasileira dos Bispos – CNBB,

Hugo José Cisneiros, se pronunciou afirmando que o supremo Tribunal Federal

ultrapassou os limites de sua competência e com tal decisão descaracterizou a

identidade familiar e ameaçou a sua estabilidade.

Já o voto do ministro Gilmar Mendes, (ADI/4722), “os homossexuais tem

o mesmo direito concedido aos casais heterossexuais que vivem em união

estável, exceto os direitos típicos da relação entre homem e mulher”. Ou seja,

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os homossexuais não poderão realizar o casamento civil, mas terão seus

direitos garantidos.

Contudo, Percebe-se que as divergências não são poucas, nem tão

simples, pelo contrário tocam os íntimos valores morais, da sociedade e

também de seus representantes. Note-se que a disparidade de opiniões em

torno da matéria, está presente em todas as faixas etárias e em todas as

classes sociais. O debate sobre o tema deve se desenvolver com respeito às

diferenças não só de opção sexual, mas também de pensamento. Caso isso

não ocorra, teme-se que quando a proposta chegar ao Congresso Nacional,

manifestações e protestos de ambos os lados possam tumultuar o debate e ter

repercussões prejudiciais ao bem estar e a ordem social.

Assim sendo, um dos objetivos deste estudo é antecipar as reflexões em

torno da questão para que a sociedade possa ter argumentos relativos aos dois

posicionamentos, tanto daqueles que defendem a união homoafetiva, quanto

daqueles que são contra a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo

sexo.

Neste sentido, são inúmeros e incontáveis os reflexos no ordenamento

pátrio da decisão supra citada. A partir de leitura do artigo União Homoafetiva:

o preconceito e a busca pelo reconhecimento citam-se os argumentos mais

relevantes:

1. Evitar o enriquecimento ilícito dos parentes de um dos integrantes do casal em caso do falecimento do outro, ou mesmo que o patrimônio do de cujus se integre ao patrimônio da união por herança vacante; 2.direitos previdenciários; 3. quanto aos consulados em relação aos vistos; 4.seguro DPVAT e a União de Seguradoras privadas; 5. além dos demais direitos de família e direitos sucessórios que serão idênticos para o casal homossexual, 6.tais como adoção. Justamente por isso a necessidade de uma consciência uniforme de toda a sociedade. (MARCELINO, 2009, p.3)

Quanto à omissão legislativa, em seu voto (ADI /4722, pg www.stf.jus.br)

o ministro Ayres Brito relata que o judiciário tem feito “ás vezes do Legislativo”,

fundamentado no Art. 4° da LICC (Lei de introdução ao Código Civil): “na falta

de Lei o Juiz decidirá por analogia, costumes, princípios gerias do direito”.

Desta forma a falta de lei sobre a matéria não é sinônimo de inexistência de um

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direito, afirma o ministro, entendendo ele que as pessoas não podem estar

prejudicadas apenas por omissão legislativa.

Há autores como Berenice Dias que vão mais longe no debate político e

social ao afirmar que a escusa do Legislativo se dá em virtude de medo de

desagradar seu eleitorado ao aprovar Leis que protegeriam a minoria. (DIAS,

2010, p.201).

Para compreender a decisão do STF, argumenta-se que o Estado tomou

como compromisso o artigo 5° da Constituição Federal: “Igualdade, a

Liberdade, a segurança e a propriedade”. Esse é o preceito fundamental,

relacionado à recente decisão do STF, uma vez que todas as circunstâncias

exigem do legislador a tutela legal desta polêmica entidade familiar formada

pelos casais homoafetivos.

Apesar das discordâncias em torno da matéria, percebe-se que tanto a

sociedade civil, quanto os poderes constituídos caminham em direção a

garantia de estabilidade que possa garantir os direitos mínimos aos casais

homoafetivos.

Berenice Dias insiste que a mudança social implica em mudança no

mundo do direito. Segundo ela, é preciso lembrar que há 40 anos a mulher

não integrava o mercado de trabalho e não tinha direito ao beneficio

maternidade, também às questões homoafetivas há pouco tempo não

despertava a atenção do judiciário (DIAS, 2010, p.201). Ou seja, são os

movimentos e as manifestações sociais que movem o debate político, cultural e

jurídico.

Considerações finais

Entendendo-se que a partir do divórcio surgiram famílias mantidas só

pela mãe ou pelo pai; as multifamílias fruto da união de casais separados, com

filhos, a mãe solteira, e agora surge a questão dos casais homoafetivos,

certamente uma das mais polêmicas em torno da vida familiar. Apesar dos

números apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica –

IBGE, a partir do CENSO 2010, de que existem atualmente no Brasil 60 mil

casais homoafetivos o tema encontra resistência em questões morais e

religiosas bastante proeminentes em determinados grupos sociais.

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A discussão dessa pauta permite que se pense em algumas questões

fundamentais, por exemplo, como queremos que as crianças de hoje sejam

adultos mais preparados, abertos às novas formatações de família que já estão

explicitadas no universo do direito, se a resistência à matéria está presente em

todas as famílias?

Ao mesmo tempo como exigir que adultos procedentes de uma

educação conservadora ou pessoas criadas sob o peso do Regime Militar nas

décadas de 1960, 1970 aceitem o casamento homoafetivo? E no caso dos

idosos que passaram a vida toda sem tecnologia, sem internet, sem qualquer

aprofundamento teórico sobre o universo do direito, em um mundo em que as

mulheres não podiam trabalhar nem votar, aceitem tais idéias com

naturalidade? E ainda, o que dizer de uma grande massa populacional que

socialmente e juridicamente aceita, mas moralmente não aceita esse tipo de

união?

Esses questionamentos devem ser debatidos em coletividade e em

profundidade, pois mesmo entre os magistrados existem divergências. Resta

acrescentar que a sociedade evolui justamente a partir dessas contradições e

que a tendência do direito é acompanhar as transformações sociais e

ultrapassar os resquícios do conservadorismo. Ainda assim é preciso

acrescentar que mesmo com a normatização das leis, os poderes Legislativo e

Judiciário não podem impor um comportamento à sociedade.

Como o Brasil é um país de imensa diversidade cultural, social, religiosa

e política, sua população tem condições para o enfrentamento das

problemáticas que decorrem do debate sobre a união homoafetiva. Porém, a

partir desse breve estudo, conclui-se que mesmo com a possível aprovação da

matéria pelo Congresso Nacional, como já o foi pelo STF, ainda assim será

preciso muito tempo para que alguns grupos sociais mais conservadores e

resistentes aceitem esse novo formato de família.

REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, São Paulo. 6° Edição.

Revista dos Tribunais, 2010.

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140

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, São Paulo. Vol. VI, 5°

Edição. Editora Saraiva, 2008.

SITOGRAFIA

MARCELINO, Andrey de Alcantara e outros. União Homoafetiva: preconceito e

a busca pelo reconhecimento. Encontro Internacional de Produção Cientifica

Cesumar. VI EPCC, 2009. Disponível em: WWW.cesumar.br. Acessado em 11

de maio de 2011.

www.ibge.gov.br. Acessado em 11 de maio de 2011.

www.stf.gov.br . Acessado em 11 de maio de 2011.

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O CAMPO COMO CENÁRIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DE

EDUCAÇÃO: SABERES E FAZERES DA TERRA A PARTIR DA

EXPERIÊNCIA DO PROJOVEM NO MUNICÍPIO DE CANDÓI (PR)

Ilda Aparecida da Silva Ressai

João Rodrigues

Curso de Ciências Sociais

Faculdade Guarapuava

Palavras-Chave: Educação do Campo. Políticas Públicas. Agricultura. História.

Sociedade.

O objeto da presente pesquisa está relacionado à educação do campo,

um tema em crescimento desde a última década do século XX e que

recentemente conquistou espaço entre os educadores e financiamentos

públicos governamentais, com a verificação do surgimento de cursos de

graduação e de pós-graduação na área. Desse modo, procurar-se-á por

meio de competente investigação científica, apresentar um panorama das

primeiras mudanças ocorridas no Município de Candói, na região de

Guarapuava (PR), com o registro dos saberes e fazeres que estão sendo

construídos pelos educadores e educadoras do campo, enfatizando sua

relevância social em função de seu compromisso com o desenvolvimento

social e a redução da pobreza, da miséria e da violência.

Ao mesmo tempo, pretende-se estudar a importância da educação do

campo para a produção de alimentos saudáveis, e conseqüentemente, para a

melhoria das condições e da qualidade de vida, não apenas para os

educandos, mas também para os seus familiares e sua comunidade.

A história da luta dos camponeses pela terra e pela educação

A história da educação do campo foi marcada por lutas e conquistas ao

longo do tempo. Na década de 1920 foram criadas as primeiras ligas

camponesas do Brasil, começando pelo nordeste e espalhando-se por todo o

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território. Mesmo que durante o governo de Getulio Vargas, tenham sido

registrados os primeiros avanços dos pequenos agricultores, inclusive na

questão da Reforma Agrária, cuja pauta começou a ser discutida no congresso,

houve repressão às ligas camponesas o que impediu historicamente o

desenvolvimento dos projetos políticos e sociais voltados para a agricultura.

Nas décadas de 1940 e de 1950 houve a retomada do debate sobre o

assunto e a reorganização de projetos considerados prioritários. As lideranças

voltaram a debater os direitos dos pequenos agricultores. Porém, com o golpe

militar de1964 os movimentos ligados à questão agrária foram novamente alvo

de desmobilização social e política, vítimas de censura e perseguição, e os

grupos que haviam sido formados passam para o anonimato.

Somente em 1984 com o fim da ditadura militar os movimentos em

defesa da reforma agrária ressurgiriam com a finalidade de recolocar na ordem

do dia o debate sobre as questões relacionadas à posse e ao uso da terra. Em

1990, o Congresso Nacional retomou o debate sobre a questão agrária. Em

1997, surgiu o Programa Nacional de Reforma Agrária – PRONERA, um

projeto especificamente voltado para a educação do campo, tendo em vista o

atendimento às prioridades apresentadas pelos assentamentos. Em 2002, com

o governo de Luís Inácio Lula da Silva, ocorreram mudanças na base política,

e com o advento do governo do Partido dos Trabalhadores, o projeto

relacionado a educação voltada especificamente para o campo, foi

transformado em lei.

Reflexões teórico-conceituais sobre educação do campo

A partir desse momento, as reflexões teórico-conceituais para as políticas

de educação, passam a ter o campo como cenário das políticas públicas

brasileiras. Este projeto de pesquisa insere-se nessas reflexões e pretende

debater a educação do campo por meio de um estado sobre o Projovem -

Campo Saberes da Terra, um projeto especificamente voltado para as

diversidades encontradas no campo que tem como compromisso atender as

necessidades específicas e múltiplas dos diversos sujeitos que compõem a

população do campo.

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Uma Educação, ou reeducação voltada para a agricultura familiar, passou

a ser no início do século XXI, um conceito promotor de abertura para novas

práticas, tanto no que diz respeito à produção dos alimentos e à boa

alimentação, como no que tange a uma nova postura quanto ao aspecto

ambiental, ou seja, estimular a sustentabilidade e a produção sem o uso de

agrotóxicos e com os devidos e necessários cuidados com o solo, os rios, as

nascentes, dentre outros remanescentes ambientais, fazendo com que tais

ações tornem-se inerentes aos pequenos agricultores, sujeitos do campo.

Soberania alimentar: saberes e fazeres da Terra

Esta concepção sugere novos caminhos a serem cursados e que são

contrários ou alternativos à produção agrícola dos grandes latifúndios,

contrapondo-se a idéia de produzir apenas para satisfazer o sistema capitalista,

tendo como propósito a construção de uma ideologia de produção que está

intimamente relacionada ao que a educação do campo intitula de soberania

alimentar.

Os educadores e as educadoras do Projovem - Campo Saberes da Terra

aparecem nos projetos políticos como investigadores e disseminadores do

conhecimento, com a função de elucidar os seus educandos quanto ao valor

que os mesmos têm como produtores e sujeitos do campo, e de igual modo a

importância da sua intervenção cidadã e transformadora do mundo social.

Portanto, ao elaborar esta intenção de pesquisa, considerou-se de suma

importância a proposta da educação do campo e suas representações para as

Diretrizes Educacionais, uma vez que suas concepções fogem das convenções

e das tradições, tornando propícia, cada vez mais profícuo o intercambio entre

saberes e fazeres do universo rural e urbano.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. O Camponês e seu corpo. In: Revista de Sociologia e

Política. Curitiba, 26 p. 83-92. jun.2006.

BRASIL. Diretrizes operacionais para a Educ. Básica: escolas do campo.

Resolução CNE/CEB n° 1 de 03 de abril de 2002 (MEC – SECAD).

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144

SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no loop da montanha-

russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.140p.

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UM OLHAR DA PSICOLOGIA SOCIAL SOBRE A PESSOA COM

NECESSIDADES ESPECIAIS: OLHAR PARA A DIFERENÇA E SER

OLHADA COMO DIFERENTE

Luciana Sékula

Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava

Palavras-Chave: Olhar. Linguagem. Relações Humanas. Necessidades

Especiais. Exclusão.

Não há ninguém que veja a verdade sem ser com os olhos,

e os olhos são sempre os olhos de alguém.

Gianni Vattimo

A presente pesquisa procura chamar a atenção para as perspectivas sobre

o olhar de quem olha e de quem é olhado enfatizando-se o papel de sujeitos e

de objetos dos diversos olhares. Focaliza-se o tema na apreensão e na

produção da diferença no contexto das relações humanas em geral e

especificamente entre os portadores de necessidades especiais em particular.

Refletir-se-á, neste texto sobre a multiplicidade de formas que podem ser

assumidas na perspectiva de quem olha e de quem é olhado/estigmatizado,

enfatizando-se o papel de sujeitos e de “objetos” de diversos olhares.

Concebendo-se o olhar como uma maneira de posicionar-se no/frente ao

mundo.

Os olhos são considerados o meio mais eficaz de comunicação entre o

mundo interior dos seres humanos e o mundo exterior. Popularmente, fala-se

dos olhos como “janelas da alma”. Os gregos utilizavam a palavra empatia para

significar a capacidade de olhar através dos olhos do outro, pela perspectiva do

outro, capacidade esta considerada como a forma suprema de solidariedade. O

olhar é, também, compreendido como uma linguagem que constrói e se realiza

no contato com os outros, nas inter-relações.

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Neste aspecto aponta-se para níveis de relações humanas que vão do

desconhecimento, passando pela aproximação e simpatia, até a possibilidade

de alcançar a empatia. O texto sugere como foco o olhar na apreensão e na

produção da diferença no contexto das relações humanas em geral e

especificamente entre os portadores de necessidades especiais em particular.

Tomando-se como suporte teorias e experiências procura-se tratar sobre a

diferença entre olhar para a diferença e ser olhado como diferente.

Os seres humanos, individuais e coletivos, passam por diversas fases

concomitantes, sucessivas, costuradas, estabelecendo relações consigo

mesmos e com os outros. Essa demarcação de relações é permeada pelas

concepções advindas de cosmo visões, de ideologias, de teorias da educação-

geradoras e direcionadoras de olhares – e da forma como são implementadas

e mantidas essas formas pelas instituições sociais.

A relação do ser consigo mesmo é uma tarefa de construção e de

desconstrução. O individuo sofre a intervenção de nstituições como família,

escola e igreja que têm no aparato jurídico sua base social. Diante dessas

intervenções percebe-se que há muito que destruir para possibilitar a

construção da individualidade dos sujeitos sociais. Tem-se aqui um aspecto

que caracteriza um dos maiores desafios de uma vida individual que se

manifesta no coletivo, e que tem na escola uma das suas principais mediações.

Esse desafio é a passagem da heteronomia (aquela situação em que se está

completamente susceptível às opiniões dos outros, dependente física ou

emocionalmente dos outros) para a autonomia, a liberdade do individuo para a

construção de processos de criação e socialização.

Na relação com os outros, há alguns estágios ou graus de

proximidade/trocas: a) desconhecimento (o outro não existe); b) indiferença

(existe, mas não me diz nada); c) (in) tolerância (está presente-física ou

afetivamente- e me mobiliza; d) anti/sim-patia (está presente-física ou

afetivamente- e me mobiliza); e) empatia (muda o foco: o decisivo é a forma

como EU “olho”). Isso significa que pelo olhar estabelecem-se relações e

realizam-se experiências que permitem aprendizagens e transformações.

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Nessas trocas são datadas e situadas relações afetivas, que acabam sendo

desencadeadas realizadas num lugar e numa época especificas, responsáveis

pela construção de processos históricos. Esse lugar/tempo caracteriza-se por

ser não inclusivo para a maioria, uma vez que a diferença é apreendida como

defasagem, como defeito social. A diversidade - exatamente a condição que

poderia propiciar o enriquecimento das relações humanas- diante da

padronização social, estabelecida por uma minoria, denominada classe ou

grupo dominante, sofre a interferência de critérios pré-concebidos.

E é neste contexto que a questão do olhar-aqui aprendido no sentido lato,

de órgão da visão e de conexão ideológica - deve ser compreendida, mediante

algumas indagações pessoais: quando olhamos para os portadores de

necessidades especiais conseguimos nos dar conta de que pelo nosso olhar

eles podem estar sendo olhados do ponto de vista dos padrões estabelecidos

por um grupo ou classe dominante? Damo-nos conta de que podemos estar

sendo meros ventríloquos de outras vozes e olhares, interessados em garantir

que os olhados permaneçam no seu lugar? Conseguimos, nos colocar

empaticamente no ponto de vista dos portadores de necessidades especiais

que estão sendo olhados?

Responder a estas questões é fundamental uma vez que há uma diferença

entre a situação de quem é autor/ ator do olhar e da condição de quem é

paciente/receptor de olhares que são dirigidos. Mas uma coisa é você olhar

para; é você dispor-se a; é você engajar-se; é querer olhar e se comprometer

de uma forma diferente com os diferentes, este coletivo que compõe o conjunto

dos portadores de necessidades especiais. Outra coisa bem diversa é você

ser o olhado e não aquele que olha! É ser o que fica na condição de ser olhado

e de ser excluído pelo olhar! Não é que este não olhe. Evidentemente o

excluído continua olhando, mas é muito diferente ser autor do olhar que

estigmatiza e ser o olhado estigmatizado.

É muito, muito diferente colocar-se na condição de quem está sendo olhado,

de quem, por um atributo da sua natureza, por uma diferença no seu corpo ou

pela falta de um sentido, órgão ou algum membro, pela sua etnia, pela sua

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raça, pela sua cor, pela sua religião, pelo seu sexo, ou seja, qual outra

diferença for, é subjugado à condição de quem está sendo olhado!

Entre o que olha e o que é olhado há um oceano de condições diferentes.

O que olha, é soberano, dono do olhar e da direção do olhar. O outro, o

diferente, aquele que é olhado, fica na dependência da decisão e da direção do

olhar daquele que olha! Assim sendo, quem olha tem em suas mãos, parte da

responsabilidade pela escrita de uma história que não pode mais ser relegada

á condição de nota de rodapé.

REFERÊNCIAS

BIANCHETTI, Lucídio. Um olhar sobre a diferença. São Paulo: Papirus, 2000.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora

Nacional, 1976.

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A PSICOLOGIA DO CLOWN NO COMPORTAMENTO SOCIAL

Relato de experiência com o projeto cultural Dantemus do Município de

Reserva do Iguaçu - PR

Sergius Ramos

Curso de Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava

Orientador: Prof. Ms. Ernando Brito Gonçalves Junior

Palavras-Chave: Clown. Comportamento. Educação Social. Improviso. Arte.

A pesquisa em andamento visa estabelecer um parâmetro associativo

com base nos estudos do ofício cômico do clown (palhaço de mil faces). Estilo

de palhaço que busca na própria alma do ator circense o encontro com suas

falhas e necessidades através do improviso individual ou coletivo. O improviso

é um elemento cuja investigação pode contribuir para o exame da constituição

de um espetáculo teatral e através desta o participante expressa suas

emoções. Através de métodos de educação social o estudo será realizado a

partir das experiências conduzidas na aplicação de medidas sócio educativas e

inclusão social através da arte.

Aliando a orientação social com a arte, nos baseamos nas relações

sociais e suas interdependências, a partir das experiências em Educação

Social realizadas pelo Projeto DANTEMUS de Reserva do Iguaçu, que utiliza a

psicologia social como base nas prerrogativas que tangem os participantes

deste projeto. Os dados analisados têm como fonte relatórios dos profissionais

envolvidos, tanto na área das artes quanto na área de atendimento

psicossocial, depoimentos de alunos e pais.

A proposta de investigação visa mostrar as possibilidades de

transformação do comportamento de crianças e adolescentes em cumprimento

de medida sócio educativa ou em risco social, para inclusão através do estudo

das artes circenses, com enfoque no clown e suas perspectivas de explorar o

universo do “eu emocional”. Uma simbiose da máscara da comédia e da

tradição farsesca francesa e anglo-saxônica; unindo essas características o

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clown é a pessoa que fracassa, que bagunça sua vez, e, fazendo isso, dá à

audiência o senso de superioridade. Através de seu fracasso, ele revela sua

profunda natureza humana, que nos comove e nos faz rir, é um perdedor feliz.

Esse é o fio condutor que aliamos a arte ao comportamento como forma de

envolvimento e transformação social.

Sobre a arte

A arte faz parte da vida e da cultura de um grupo, de um povo. É uma

linguagem, uma forma de expressar e comunicar significados por meio de

símbolos. Autor e público se deixam tocar num processo “de duas mãos” que

envolve pensamento, intuição, sensibilidade e imaginação. A arte é a realidade

percebida de outro ponto de vista; o artista desafia as coisas como são para

revelar como poderiam ser.

Presente em todas as culturas, a arte exprime sentidos, educa a

sensibilidade, possibilita o exercício da imaginação. A arte tem uma função

social: retrata uma situação que a sociedade está vivendo e pode despertar

questões sobre ela. Ao fazer um trabalho de arte, desenvolvemos muitas idéias

e utilizamos diversos materiais, dando forma a experiências e valores

humanos. Ampliamos o conhecimento que temos de nós mesmos, do outro e

da realidade em que vivemos. Esse processo contribui para nos tornar

cidadãos. No ofício de arte-educadores trabalha-se diariamente com o jogo

dramático como mediador da criatividade do sujeito que se manifesta na

resolução dos problemas propostos pela própria instrução do jogo.

O homem como ser influenciado pelo meio em que vive é motivo de

estudo constante e o seu corpo físico e psicológico devem ser observados

intrinsecamente, como uma interligação simbiótica. Na vida, nenhuma

manifestação desenvolve-se em uma mesma velocidade, a velocidade

aumenta ou diminui. O movimento tem um começo e um fim, mas a sua

metade não está no meio. Falar do movimento, do ritmo, do espaço e do

tempo, é falar da vida e de seu mistério. "O espaço é a medida do tempo",

disse Aristóteles.

O movimento não é somente um deslocamento de linhas, ele propõe ao

espaço pressões e tensões. As forças jogam assim uma contra a outra, uma

com a outra, dando uma consistência viva e vibrante ao espaço. Definir seu

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percurso é superficial. Uma escultura de Rodin, imóvel em sua própria matéria,

move-se em si mesma e faz com que se mova o espaço que a rodeia:

organizam-se em sua forma as contradições motoras da dinâmica. O

"empurrar/puxar" é o motor direcional que se desenvolve como: empurrar-

se/puxar-se e ser-empurrado/ser-puxado. É nesse nível que o movimento

toma sua verdadeira dimensão, organizando-se, no tempo-espaço, pelo ritmo.

O teatro de alto nível de representação coloca o corpo em um espaço de

tensão mais alto do que o que é usado habitualmente na vida. Chega-se assim

a estabelecer uma escala de tensões do corpo em sete níveis. Cada um

desses níveis acolhe um estilo diferente de teatro, cada vez mais forte, a partir

de deslocamentos variados, tais como caminhar, sentar; também com o uso da

palavra.

A experiência de Reserva do Iguaçu

Usando métodos que envolvem essas premissas, a pesquisa se pauta

em experiências realizadas desde 2008 na cidade de Reserva do Iguaçu com o

projeto DANTEMUS, que absorve os objetivos acima descritos, mas com o

desejo de mostrar que é possível criar uma realidade mais próxima e mais

humana, através da arte que tem a capacidade de transformar a realidade,

viver sonhos e ilustrar mundos imaginários.

Assim como proposta de estudo, o ator principal é o ser humano. Os

alunos recebem informações e transformam estas em ações vivas. E uma

dessas ações resulta em espetáculo de improvisação coletiva, onde o clown –

que é o palhaço de mil faces – é base da criação destas cenas. Poderia ser

somente mais um espetáculo para soltar o riso, mas a preocupação com o

colega que está do lado também faz parte da realidade que nos cerca.

É preciso observar minuciosamente cada movimento, cada ação e, a

partir dessa observação estabelecer metas e métodos flexíveis no

acompanhamento das crianças e adolescentes. A educação através da arte

possibilita alcançar resultados satisfatórios, mas é preciso olhar além do que

enxergamos, é preciso transver esse olhar. O equilíbrio e a racionalidade são

as principais virtudes, não se pode deixar iludir e nem se arriscar. Tudo é

planejado. Porém, às vezes, é preciso imaginar e pular etapas. "O olho vê, a

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lembrança revê e a imaginação transvê. É preciso transver o Mundo", como diz

o poeta Manoel de Barros. Dessa forma as aulas no projeto DANTEMUS,

querendo transver realidades e planejando etapas que poderiam ser facilmente

mudadas conforme as necessidades.

Em uma das experiências de 2008 a proposta foi usar o clown como

forma primária para originar outros personagens, sejam eles sérios ou cômicos.

Os alunos atuaram a partir de um roteiro improvisado sob orientação, onde não

havia falas determinadas, mas ações que davam seqüência à história. Todos

os alunos da rede municipal assistiram ao espetáculo durante a comemoração

do Dia da Criança, possibilitando a reflexão acerca do companheirismo. A

evolução na interpretação foi constante da primeira para a última sessão

apresentada, deixando claro que o contato com o público faz com que os

próprios alunos/atores percebam onde podem e como devem mudar no

contexto que vivenciam.

Buscando atingir cada vez mais os objetivos de identificar as

possibilidades são preparados novos jogos de cena e convivência. Geralmente

os resultados dos jogos são transferidos para um molde estético que irá se

caracterizar em cenas e em futuras “mini” peças ilustrativas, entretanto as

possibilidades do uso do jogo dramático não findam por aí, muito pelo

contrário. Se dermos um passo atrás perceberemos que o ato de selecionar os

jogos compreende em si uma busca por um objetivo. Outro ponto a observar

são os resultados, nada estéticos por enquanto, que emergem de simples

instruções, mas que se intensificadas podem revelar universos que o aluno

mascara no dia a dia.

O projeto trabalhou com a inclusão e desmistificação de conceitos,

buscando valorizar o ser humano em sua identidade social e sugerindo

possibilidades de crescimento. Supervisionado pela Secretaria Municipal de

Assistência Social de Reserva do Iguaçu, o DANTEMUS atende crianças e

adolescentes de 7 a 18 anos com o intuito de despertar além de seus talentos,

a responsabilidade e a convivência social.

Buscando formas alternativas de encontrar estes caminhos, a proposta

está sempre em constante transformação, conforme exigem as mudanças que

todos os dias trilham novas possibilidades. As áreas temáticas abordadas nas

aulas são pensadas em todos os âmbitos, com o intuito de apontar formas de

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convivência/vivência para promover responsabilidade social e valorização do

ser humano, a partir das crianças e dos adolescentes.

Os professores envolvidos no projeto, além de seus conhecimentos

artísticos, constantemente estão em capacitação e planejamento de ações

interdisciplinares e coletivas, objetivando atingir cada vez mais o seu ideal de

intervenção sobre a sociedade, no sentido de propiciar a busca de crescimento

individual e social.

Considerações Finais

Há três anos nesse projeto, a orientação social tem possibilitado ver

mudanças significativas no comportamento social de crianças e adolescentes.

A busca destes pelo aprendizado é visível nas apresentações de resultados

constantemente realizadas em apresentações no Município e na região.

Podem ser apontados diversos aspectos positivos e negativos dos

resultados obtidos, como em todas as coisas que fazemos. Houve uma

melhora significativa no comportamento, na fala e nas formas de analisar as

situações que surgem. O fazer artístico nesse caso, é apenas um subterfúgio

para expor e explorar os sentimentos dos alunos na busca de formas de

auxiliá-los no desenvolvimento como seres humanos. Há a necessidade desse

trabalho constante, pois a cada fase a transformação se faz necessária para

acompanhar a evolução das coisas que mudam a cada instante. Alguns se

encaminham para a vida profissional e com certeza talentos são despertados

nesse processo, ainda que nenhum esteja latente e pronto a atuar

efetivamente, a continuidade é a única forma de preparar de fato o próprio

aluno para ser ‘instrutor/educador’.

Importante é frisar o despertar social e profissional e o encaminhamento

agora para o aprendizado, mas também a auto valorização, o despertar pelo

interesse em observar mais a fundo o próprio desenvolvimento, o envolvimento

com o mundo social, enfim, a capacidade de intervir sobre a realidade e

transformá-la por meio da arte.

REFERÊNCIAS

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“EU” E “NÃO-EU”: PONDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES

OCIDENTE/ORIENTE A PARTIR DE OBSERVAÇÕES SOBRE A MORTE DE

OSAMA BIN LADEN

Rodolfo Grande Neto

Curso de História –2º Ano

Unicentro - Universidade Estadual do Centro-Oeste.

Orientadora: Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Cultura. Eu. O outro. Fronteiras.

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto. Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto.

É que Narciso acha feio o que não é espelho.. (Caetano Veloso)

O texto em questão apresenta uma reflexão a partir da teoria da

dialética e da estética hegeliana, com a finalidade de demonstrar como as

sociedades, principalmente aquelas que se organizam de forma capitalista,

encontram dificuldades em despir seus valores tradicionais para compreender

e aceitar o outro.

Hegel parte da critica aos filósofos românticos que ao analisarem o “eu”

e o “não-eu” acabam desprezando este último, transformando o que não fazia

parte da construção do seu eu, apenas em ponto desconhecido, a ser

superado ao invés de ser apreendido. Para dar embasamento teórico ao

presente estudo validam-se as concepções de Jean Hyppolite em Introdução à

filosofia da historia de Hegel, Paulo Menezes em Hegel e a Fenomenologia do

Espírito, Claude Levi-Strauss em Antropologia estrutural e de Aron Raymond

em Etapas do pensamento sociológico.

As leituras de Hyppolite e Menezes, sugerem que a filosofia de Hegel

incita alguns questionamentos: E se tudo aquilo em que sempre se acreditou e

se entendeu como correto fosse simplesmente uma ilusão? E se Deus na

verdade se chamar Alá ou se for uma mulher? Para que lugar irá todas as

certezas desde sempre cultivadas? Será que o ser humano está realmente

pronto para encarar o que é novo? Estará preparado para aceitar o diferente

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mesmo que ele acabe ferindo suas crenças mais íntimas? Quantos desafios

terão que ser vencidos para realizar o encontro com o outro?

A partir da busca de respostas para tais indagações filosóficas, entende-

se que apesar do discurso acadêmico e midiático sobre a globalização, a

aproximação dos povos, a quebra de fronteiras, a pluralização das culturas e a

aceitação do que é diferente, permanecem descobertos preconceitos que

aprofundam o abismo entre o “eu” e o “não-eu”.

Um exemplo recente desse distanciamento cultural num mundo global,

foi a morte do líder extremista Osama Bin Laden pelo governo dos Estados

Unidos da América e a forma como o mundo Ocidental comemorou o ato

praticado pelos soldados norte-americanos. O que essa celebração da morte

de Bin Laden realmente significa?O comportamento dos governos e da

população dos países centrais do Norte, no momento do abate de um

adversário considerado o inimigo número um do imperialismo, tornou-se uma

referencia para evidenciar a “supremacia” de um pensamento (Ocidente) sobre

outro (Oriente Médio).

Essa mesma dualidade cultural e ideológica está presente na sociedade

mediante a idéia – bastante antiga – da eterna luta entre o bem e o mal. Nesse

sentido, a filosofia ocidental desenvolveu o aparato intelectual necessário para

que jamais, nada que seja contrário a sua crença política, econômica e social,

seja visto com empatia. Isso significa que qualquer visão que possa ser

destoante da ocidental, mesmo que não esteja necessariamente errada, será

automaticamente descartada ou ignorada – ou quando considerada perigosa –

eliminada. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, escreveu sobre essa estratégia,

no caso sobre o comportamento de tribos australianas, porém a mesma

relação pode ser feita em relação aos muçulmanos marcados pelo conflito

entre o “eu” e o “não-eu”:

Um indivíduo consciente de que é objeto de um malefício fica profundamente convencido pelas tradições mais solenes do seu grupo, de que está condenado, e parentes e amigos compartilham a certeza. A partir de então, a comunidade se retrai, todos se afastam do maldito e se comportam com ele como se, além de já estar morto, representasse uma fonte de perigo para todos os que o cercam. (LÉVI-STRAUSS, 2008, p.181).

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Ao se tomar o caso de Bin Laden como objeto de estudo, não se

pretende tornar justificáveis suas atividades ou sua ideologia política , pelo

contrário, tais atos só demonstram um radicalismo idêntico ao dos países

norte-americanos, especialmente os EUA que os muçulmanos tanto criticam. O

objetivo é causar reflexões sobre o modo como o comportamento político de

países de “primeiro mundo” pode ser comparável ao das tribos australianas

Quanto ao imperialismo ocidental capitalista, entende-se que a

manutenção e a defesa do “eu” imperialista - economicamente, belicamente e

politicamente em vantagem sobre povos considerados primitivos ou selvagens

- é semelhante a uma batalha permanente que acaba por não dar chances

para qualquer defesa da outra parte.

Ao partir de países considerados “civilizados” que apregoam a tese de

criar um mundo conectado, um mundo sem fronteiras e sem desigualdades,

esse comportamento monopolizador de riquezas culturais e econômicas, serve

para demonstrar que os pressupostos teóricos que se defendem com unhas e

dentes não se aplicam na prática. Assim sendo, propõe-se confrontar o

discurso do individualismo neoliberal com a diversidade sociocultural, porém

antes disso, é necessário entender que nem sempre – ou quase nunca – a

cultura predominante (do seu ponto de vista) é a mais correta ou a mais

coerente.

As leituras promovidas sobre as referências bibliográficas deste trabalho,

informam que o desejo permanente de estar certo, de estar correto e de ser

coerente e justo é o que causa a relutância do “eu” ocidental em aceitar o “não-

eu”. Isso significa que aquilo que não reflete a si mesmo, mas que sugere a

existência do outro , é condenado à ignorância justamente por ser capaz de

revelar o não ser dos países capitalistas. Como diz a letra de Caetano Veloso:

Quanto eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto. Chamei de mau gosto o que eu vi, de mau gosto, mau gosto. É que Narciso acha feio o que não é espelho. (VELOSO, Caetano, letra da música SAMPA).

Assim sendo, diante do que não é espelho jogam-se reflexos do que nós

somos sobre o ser dos outros povos e nações. Isso ocorre porque retroceder

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diante da diferença seria reconhecer que a soberania dos países imperialistas

não é plena e que seu poder é limitado pelo direito do outro. Ao mesmo tempo

surge naturalmente o reconhecimento de que os conceitos de superioridade e

inferioridade são sempre discutíveis. Tal idéia de relatividade cultural gera

desconforto e instabilidade, pois o encontro com o “não-eu” pode comprometer

projetos, alterar conceitos e mudar aquilo que se considera natural na ordem

mundial imperialista.

Compreende-se com este breve estudo sobre a morte de Bin Laden que

propor alternativas para debater o confronto entre o “eu” (Ocidente) e o “não-

eu” (Oriente) é dispor-se a correr riscos e expor-se em demasia. O ego da

sociedade neoliberal funciona como o verdadeiro ídolo da sociedade ocidental

contemporânea. Coloca-se acima de todas as diferenças e de todos os outros.

Sustentado pelo individualismo e pelo consumismo, o Ocidente nega

permanentemente a existência do outro, mesmo que em seu discurso

pronuncie-se em favor dos direitos daqueles que diariamente exclui.

O reconhecimento do “não-eu” é muito mais difícil do que podem

pressupor as teorias filosóficas e sociais. A concepção do outro, a comunhão

com a diferença significa automaticamente assumir alguma beleza, alguma

singularidade e alguns traços de perfeição no outro, o que sugere

imediatamente as imperfeições do “eu”. Diante dessa constatação, a sociedade

capitalista que funciona como uma grande empresa teme tornar-se obsoleta.

Raymond Aron sugere que para manter seu status quo e parecer literalmente

o melhor de todos os sistemas existentes, o “eu” ocidental coloca-se acima, e

para isso é preciso que todo o resto esteja abaixo.

No sentido de promover uma ruptura com a idolatria da própria

identidade do Norte industrializado, considera-se o objetivo de identificar

aspectos teóricos que na prática permitam reduzir as distancias entre o “eu” e o

“não-eu”. Entre nós e os outros. Nesse sentido, esta pesquisa pretende

encaminhar-se por rotas que impliquem no lançamento de pontes que

aproximem os diferentes, estabeleçam diálogos entre os divergentes e criem

laços entre os distantes.

Para tanto, o conflito entre a idéia de “eu” e “não-eu”, terá que ser

revisitado. Essa visitação tem por meta o reconhecimento dos modos pelos

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quais o eu individualizado passa a excluir automaticamente tudo o que ele não

é. Em teoria, se para negar o que não somos precisamos compreender o

significado de não sermos, a especificidade dessa intenção de pesquisa reside

no fato de dispor-se a pensar sobre o que não somos. O “não-eu” torna-se

nossa referência investigativa. Dessa forma, principia-se a interação entre “eu”

e o outro.

Diante desses pressupostos, prima-se pela dialética Hegeliana, segundo

a qual, tudo o que forma os seres humanos parte de uma idéia de tese,

antítese e síntese, ou seja, um confronto de idéias que se mesclam e acabam

por criar uma mediação, uma simbiose que por meio de construções teóricas

estruturadas, sob os mais variados pontos de vista, nos transformam no que

somos e nos colocam em oposição ao que não somos.

Percebe-se assim, que a criação do próprio “eu”, bem como nossa

concepção do outro, é apenas uma ilusão. Uma vez que para essa gestação,

utilizam-se modelos prontos e padrões definidos - na maioria das vezes

arcaicos e conservadores, ortodoxos e ultrapassados - para classificar o que

somos e o que não somos, pode-se afirmar que o que convencionamos chamar

de próprio “eu” é apenas a somatória de um processo sobre o qual exercemos

pouca ou nenhuma intervenção

A filosofia hegeliana possibilita indagar se as bandeiras levantadas todos

os dias, os ideais defendidos com a própria vida , bem como as crenças cegas

em conceitos e dogmas em nome de um “eu” que recusa a existência do outro,

é sinal de consciência e desenvolvimento ou de ignorância e estagnação.

Concluí-se que não reconhecer o outro não se trata apenas de um

preconceito sem cabimento, negar o diferente está relacionado a um processo

de auto-afirmação que, a partir da construção de uma unidade de pensamento

garante apenas estabilidade e aceitação própria e perante os iguais. Além das

fronteiras do mundo ocidental existe uma porção de terras e gentes, crenças e

costumes, que quando fragilizados, inexistem perante esse “eu” formatado

acima de tudo e todos. Já quando o outro oferece a sombra de possíveis

ameaças, torna-se motivo de guerras contra forças do mal, como foi o caso da

invasão do Iraque e do Afeganistão, no início do século XXI. Essa política

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imperialista extrai das vítimas o sentimento de pertencimento a um povo, uma

religião e uma cultura dignas.

Finalmente, sobre o caso da morte de Osama Bin Laden, bem como no

caso de outros muçulmanos considerados terroristas, ao comemorar a derrota

árabe, automaticamente – mesmo que inconscientemente, se aceita que o

estilo de vida norte-americano tem superioridade sobre os demais. Como a

sociedade brasileira esta constituída a partir dos padrões funcionais e

adaptáveis dos países capitalistas e pouco conhece sobre as sociedades

árabes, com o auxílio da mídia perpetua-se o distanciamento e alarga-se o

abismo entre ocidente/oriente.

As concepções em torno do que somos e do que não somos, sem

reflexões consistentes, continuam a fechar as portas de um mundo sem

fronteiras. Constrói-se assim um mundo economicamente globalizado, mas

culturalmente tribal. A filosofia apresenta-se aqui como uma poderosa

ferramenta de pesquisa para as áreas de Ciências Sociais e de Ciências

Humanas.

REFERÊNCIAS

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo.

Martins Fontes. 1993

HYPPOLITE, Jean. Introdução à filosofia da historia de hegel. Rio de

Janeiro. Elfos, 1995.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify,

2008.

MENESES, Paulo. Hegel & a fenomenologia do espírito. Rio de Janeiro.

Jorge Zahar, 2003.

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BLOCH E WEBER: ENSAIO SOBRE OS DIÁLOGOS ENTRE A ESCRITA DA

HISTÓRIA E DA SOCIOLOGIA DURANTE OS SÉCULOS XIX E XX

Gisele Cristina Fogaça

Curso de História

Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro

Palavras – Chave: História. Historiografia. Sociologia.

Este trabalho procura apresentar uma revisão teórica de alguns autores

da história e da sociologia, com a finalidade de estabelecer novos diálogos

entre as ciências sociais e as ciências humanas. Apesar das diferenças quanto

ao foco de analise, historiadores e sociólogos têm várias semelhanças em seus

conceitos, conforme comparação quanto aos métodos e aos conceitos

abordados por sociólogos e historiadores. Parte-se do pressuposto que apesar

da grande influência de Émile Durkheim sobre a escrita da história de Marc

Bloch, uma das principais referências da Escola dos Annales, este também

apresenta um diálogo muito forte, que por vezes é ignorado, com Max Weber.

Proporcionando assim a interdisciplinaridade, uma das maiores características

apresentadas pelos artigos publicados pela Revista dos Annales.

Compreende-se assim que o século XIX foi marcado por uma escrita

unilateral e factual da história, visando unicamente à política como objeto de

analise e de como a sociedade se organizava a partir do Estado, sendo assim

todos os outros objetos de estudo subordinados ao teor político, como política

econômica, política social, etc. Por outro lado nessa época surgiram muitos

trabalhos no campo das ciências sociais, especialmente aqui analisadas as

contribuições de Weber que buscavam compreender a sociedade em amplos

sentidos, principalmente pela economia e religião.

Já no inicio do século XX, historiadores como Marc Bloch e Lucien

Febvre tentavam apresentar uma nova abordagem que contemplasse uma

visão de como a sociedade agia no individuo, para isso era preciso

compreender cada vez mais a fundo como a sociedade é constituída. Porém, a

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limitação documental que a história se submetia durante o século XIX não

preenchia completamente as necessidades dos novos historiadores, era

preciso ampliar as fronteiras do conceito de documento. Assim a história passa

a dialogar com a sociologia na busca para conhecer os métodos de analise.

Nesse período a história deixa de ser unicamente uma narrativa e começa a

estudar as várias estruturas que compunham a sociedade em seus diversos

períodos.

Sendo o homem o foco principal de estudo da história e a sociedade o

foco da sociologia, ambas acabam se encontrando em diversas análises

semelhantes. A sociologia se caracterizava por ser uma ciência que delimitava

o seu espaço temporal em entender o presente. Logo, história começa a se

aproximar da sociologia quando os Annales passam a problematizar o

presente. É necessário que para se compreender o presente antes de tudo se

entenda o passado. Assim, o olhar presente-passado acaba fazendo com que

história e sociologia comecem a dialogar cada vez mais, já que ambas acabam

se tornando quase dependentes uma da outra.

Para Weber há o homem histórico, aquele que movido pela ação social

passa a agir e modificar a história, não se tornar apenas passivo dela. Nesta

mesma linha de analise, quando Marc Bloch escreve que a história se trata da

“ciência dos homens no tempo”, ele também dá esse caráter de modificador da

realidade ao homem.

Tanto para Weber como para Bloch, não há imparcialidade possível no

homem, ele é justamente movido pelas suas paixões, ao excluir uma coisa ele

naturalmente se aproxima de várias outras e suas ações são o que configuram

o seu presente. O homem então se torna produto das suas escolhas, a

causalidade proposta por Weber. Essa noção de causalidade expressada em

Bloch pode vir a se originar na história como um processo, abandonando a

noção de que ocorriam fatos isolados, mas que todos os acontecimentos

dependiam de outros fatores. Assim a história passa a ser compreensiva e

dependente de entender todas as esferas sociais.

Apesar dessas considerações, Weber e Bloch, ou melhor, sociólogos e

historiadores se desentendem em vários outros aspectos. O sociólogo do

século XX busca eventos que se repitam constantemente na procura de leis

que sejam gerais para toda a sociedade enquanto os historiadores estão mais

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interessados em descobrir o particular, que é a principio, ignorado pelo

sociólogo.

Apesar do diálogo entre historiadores e sociólogos nem sempre serem

tranqüilos, ambas as ciências são muito relacionadas e têm em seus conceitos,

formas muito parecidas de se entender o seu objeto de analise, mesmo que

muitas vezes esse objeto tenha análises diferenciadas de acordo com as áreas

de conhecimento e linhas de pesquisa dos historiadores e dos sociólogos.

Mesmo em se tratando de autores que nem sempre são vistos juntos, podemos

analisar que ao longo dos anos, durante os séculos XIX e XX os estudos das

duas ciências confirmam que estas se complementam, afinal, o objetivo de

ambas é compreender a humanidade e como ela se organiza, seja através da

sociedade ou através do tempo, pela análise dos períodos e dos processos

históricos e sociais.

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de

Janeiro: Joge Zahar, 2001

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo.

Pioneira, 1996.