Contextos Brasileiros - Videolivraria

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Adriano Carneiro Giglio José Augusto de Souza Nogueira Contextos Brasileiros

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Adriano Carneiro GiglioJosé Augusto de Souza Nogueira

2008

Contextos Brasileiros

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G459 Giglio, Adriano Carneiro; Nogueira, José Augusto de Souza. / Contextos Brasileiros. / Adriano Carneiro Giglio; José

Augusto de Souza Nogueira. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2008. 80 p.

ISBN: 978-85-7638-844-9

1. Capitalismo – Brasil. 2. Guerra fria. 3. Cidadania – Brasil. 4. Neoliberalismo. 5. Globalização.. I. Título.

CDD 330.1220981

Sumário

A formação do Brasil: o atraso para a modernidade | 7Transformações européias | 7Era Moderna | 8Brasil: contradição histórica | 9O passado em seu futuro | 10Início para transformações | 12

A modernização do Brasil | 17A lógica do capitalismo | 17Estrutura social e ideologias políticas | 18Economia e arte moderna | 19A Revolução de 30 e a Era Vargas | 21O modelo de desenvolvimento de JK | 22

O Brasil entre dois mundos | 25A industrialização tardia | 25Política econômica e expansão do capitalismo industrial | 26Economia e política a partir da década de 1960 | 28Novamente governo militar | 29A década de 1980 e as transformações nacionais e internacionais | 34

Cidadania moderna e movimentos sociais | 39A cidadania moderna | 39A nova ordem mundial e seus desdobramentos nas sociedades em desenvolvimento | 43

O Brasil das urnas | 51A modernização “Collorida” | 51FHC: o sociólogo neoliberal | 54

O Brasil e o contexto internacional | 61Transformações do capitalismo | 61Globalização | 63Os principais blocos econômicos | 70

Gabarito | 73

Referências | 77

Apresentação

O objetivo deste livro é possibilitar o contato de estudantes e leitores não apenas a um conjunto de informações e conteúdos, mas também chegarem ao entendimento e interpretação da realidade atra-vés da compreensão dos problemas vividos nas sociedades atuais, em especial na brasileira. Partindo dos pressupostos de longa duração no tempo histórico, em que se observa a permanência de idéias, conceitos e práticas ao longo dos séculos, a estrutura de longa duração escolhida foi o sistema capitalista.

O desenvolvimento do trabalho tem, na análise do modelo capitalista, o fator que possibilita a construção de uma interpretação da formação do mundo atual. Assim, os fatos e momentos históricos dos últimos trezentos anos ocorridos no mundo, tais como as revoluções burguesas, as revoluções industriais, as revoluções socialistas, as duas guerras mundiais, os regimes fascistas, as ditaduras militares na América Latina, a Guerra Fria, a nova ordem mundial, o neoliberalismo e a globalização cujos resultados de forma direta ou indireta concorreram para a formação política, econômica e social do mundo contemporâneo, estão diretamente ligados ao sistema capitalista, não de forma imposta ou subordinada, mas sendo ao mesmo tempo sujeito e objeto das transformações ocorridas na estrutura do modelo capitalista ao longo dos séculos.

Enfim, neste trabalho há um cabedal de conteúdos capazes de instigar o leitor a conhecer e entender a sociedade brasileira contemporânea.

O Brasil das urnas

A modernização “Collorida”Ao assumir a Presidência da República, o presidente Fernando Collor de Mello prometeu transfor-

mar o Brasil em um país moderno, um país de primeiro mundo. O problema é que o país que recebeu de seu antecessor vivia uma hiperinflação e havia saído recentemente de uma moratória (deixou de pagar seus compromissos internacionais). Para tentar sanar os problemas de finanças do país e frear o processo inflacionário, tomou uma atitude arbitrária que nem os governos militares tiveram coragem de tomar: confiscou e congelou o dinheiro das cadernetas de poupança e das contas-correntes da população.

O presidente Collor, auxiliado pela ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, põe em prática a política neoliberal de “Estado mínimo”. Criou, então, o plano que ficou conhecido como Plano Collor e iniciou um programa de privatização de empresas estatais; disponibilidade ou demissão de funcioná-rios públicos; extinção de vários órgãos públicos (LBA, IAA, IBC etc.); eliminação das tarifas alfandegárias sobre produtos exportados, abrindo dessa forma a economia brasileira para os produtos importados; extinção do cruzado e volta ao cruzeiro como moeda nacional valorizada. Mas não pensem que a valo-rização de nosso dinheiro modificou para melhor o quadro econômico do Brasil.

A valorização da moeda, acompanhada pela abertura da economia, trouxe graves conseqüências para o país, pois as importações superaram as exportações; com isso houve queda do Produto Interno Bruto (PIB), queda da produção industrial e desemprego. A dívida externa, a inabilidade da equipe eco-nômica e a falta de apoio dos organismos financeiros internacionais derrubam o Plano Collor; com a queda, os índices inflacionários voltam a crescer.

No início de 1991, o governo lança um novo plano econômico, o Plano Collor II. As medidas pro-postas no plano de caráter neoliberal, postas em prática, conseguem conter o processo inflacionário. A abertura da economia provocou, como pretendia Collor, uma modernização da indústria nacional: a competição com os produtos importados fez com que a produção nacional desenvolvesse um processo de racionalização da produção. Nas grandes empresas, especificamente bancos e montadoras, os fun-cionários foram substituídos pelas máquinas que aumentam os lucros e baixam os custos do produto: o lado perverso desse avanço tecnológico veio com o fechamento de postos de trabalho, e conseqüen-temente, desemprego.

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Contando com a simpatia dos meios de comunicação as medidas de Collor não encontram oposi-ção, o “caçador de marajás” persegue sem tréguas o funcionalismo público, identificado como culpados pela inoperância e ineficácia do governo.

Denúncias, escândalos e o fim do governo CollorO tempo passa e a população começa a perceber que o salário mínimo vigente no país não lhes

permite sair do atraso em que vivem ou adquirir produtos importados, os poucos que há a competência e a inteligência do jovem presidente começam a ser contestadas.

Em 10 de maio de 1992, a revista Veja publica uma denúncia feita por Pedro Collor, irmão do presidente. Na denúncia, Pedro Collor fala sobre um grande esquema de corrupção montado pelo ex-tesoureiro de campanha e amigo pessoal do presidente, Paulo César Farias. O “esquema PC”, como ficou conhecido, que consistia em arrecadar dinheiro através de extorsões e cobrança de propinas nas liberações de projetos e empréstimos feitos a empresas particulares. O dinheiro era desviado para contas-correntes de fantasmas e depois repassado para o presidente e alguns assessores do alto escalão do governo, para pagamento de despesas pessoais. Surgiu ainda uma denúncia contra a primeira-dama Rosane Collor e seus familiares por mau uso e desvio de recursos públicos da LBA, empresa presidida por ela.

O Partido dos Trabalhadores (PT) fez o pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inqué-rito (CPI) para apurar as denúncias contra o presidente. O Congresso Nacional acatou o pedido, porém a CPI ficou sob o controle do Partido da Frente Liberal (PFL), do Partido Democrático Social (PDS) e de seto-res do Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB) aliados do presidente. Tudo indicava que as acusações seriam abafadas e a CPI daria em nada. Será que mais uma vez tudo acabaria em “pizza”?

Porém, no dia 28 de junho de 1992, a revista Isto é publicou uma entrevista feita com Francis-co Eriberto Freire França, motorista particular de Collor. Na entrevista, Eriberto confirmava a relação financeira que existia entre Collor e PC, fato negado pelo presidente. As investigações feitas pela CPI concluíram que o “esquema PC” havia movimentado 260 milhões de dólares em dois anos de gover-no, e que desse montante 10 milhões tinham sido repassados ao presidente para o pagamento de despesas pessoais.

Para se defender dos ataques, Collor convocou a população para ir para as ruas vestidas de verde-amarelo, as cores de sua campanha. A oposição fez o mesmo apelo e pediu que a população fosse para as ruas vestida de preto, em luto contra a corrupção do governo. O movimento ganhou as ruas das principais cidades do país; a oposição ganhou força. No meio dos protestos surgiram dois movimento importantes no processo de impeachment do presidente Collor: o Movimento Pela Ética na Política, que reunia políticos da oposição, intelectuais, artistas e profissionais liberais; e o movimento dos “Caras Pin-tadas”, formado por estudantes ligados a UNE. A pressão exercida por esses grupos em toda sociedade e no Congresso Nacional acabou de vez com a possibilidade de o presidente reverter o péssimo quadro no qual se encontrava.

Collor não percebera que o movimento que o levara à Presidência da República fora um movimento de protesto. Acos-tumado aos grandes acordos entre as elites, aos conchavos de corredor, ao lema “é dando que se recebe”, imaginou que o puro e simples controle da mídia – que fora sua aliada desde os tempos da campanha –, a imposição de um pensamento único, onde o outro era a fonte de todo o mal, bastaria para mantê-lo no poder. Fossem as classes médias exaustas pela inflação, fossem as camadas mais pobres e humildes da população, que ele demagogicamente chamava

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de descamisados, todos aspiravam à mudança. O vínculo de transferência entre a população e seu presidente era a consubstanciação imaginária da mudança, onde qualquer um poderia viver a aventura primeiro-mundista na figura do jovem presidente montado em um jet ski. Ao equiparar-se aos velhos procedimentos políticos, e para dizer a verdade, superá-los em ousadia e arrogância, Collor traía o pacto amoroso estabelecido com o povo – que ele tratara, durante a campanha eleitoral, como minha gente. (SILVA, 2000, p. 86)

Os trabalhos da CPI comprovaram a falta de decoro do presidente: votou-se um afastamento provisório e ficou decidido que haveria um julgamento no Senado Federal; por 76 votos a favor do impe-achment e três contra, chegava ao fim de forma lamentável o governo do primeiro presidente civil, de-pois de mais de 20 anos de regime militar, eleito pelo voto direto. Além da Presidência, Collor também perdeu seus direitos políticos por oito anos. A jovem democracia brasileira passou por um árduo teste e contrariando as expectativas saiu fortalecida. O processo de impeachment foi o maior movimento de massas da história do Brasil, uma verdadeira aula de participação e imposição da vontade popular.

Itamar Franco: uma tentativa conciliação nacionalAo assumir a Presidência da República, Itamar Franco tentou atrair todos os grupos políticos para

comporem seu governo. Apenas o PDS e um grupo do PFL ligado ao ex-governador Antonio Carlos Magalhães, aliados do ex-presidente Collor, mantiveram-se na oposição.

Diferente de seus antecessores que iniciaram seus governos com planos para conter a inflação, Itamar Franco iniciou sua gestão tentando compor um entendimento político nacional, uma aliança que lhe desse força para governar e resgatar a confiança da população nos políticos, tão arranhada com o processo de impeachment de Collor. No campo ideológico, o governo Itamar é contraditório: ora toma decisões nacionalistas, ora adota medidas neoliberais, como a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

O governo de Itamar, na verdade, era um governo de transição, de curta duração, que buscava reordenar a política nacional. Por isso, os problemas políticos continuavam a existir; a corrupção e a malversação de recursos públicos vinham à tona com novos escândalos, como o caso dos “anões do orçamento”, uma quadrilha formada por deputados federais que cobrava propinas para liberar verbas públicas. Até os assessores de Itamar são alvos de denúncia, mas, diferente de Collor, ele os afasta dos cargos para que sejam investigados, retornando ao posto quando fossem inocentados; de jeito simples, o presidente, às vezes, causa problemas ao fazer suas críticas a aliados e oposicionistas, porém entrou para a história do país com o maior índice de aceitação popular de um presidente ao final do mandato.

Enquanto o presidente é amado pelo povo, a opinião pública sobre os políticos continua negati-va, principalmente, quando o assunto é o Congresso Nacional.

E vocês devem estar se perguntando: como estava a inflação no período de Itamar Franco?

Infelizmente, no campo econômico, o país governado por Itamar não era muito diferente do país de seus antecessores, uma vez que os níveis sociais eram alarmantes e os salários continuavam sofrendo com o arrocho, perdendo sua capacidade de compra mês a mês.

Surge no cenário, com o objetivo de combater a inflação e fazer a economia do país voltar a cres-cer, aquele que mais tarde ficaria conhecido em todo país: o ministro da Economia Fernando Henrique Cardoso. Em dezembro de 1993, ele e sua equipe econômica lançam o Plano Real.

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Ao contrário dos outros planos anteriores, esse não traz fórmulas mirabolantes; seu objetivo é gerenciar de forma competente os recursos do governo e diminuir o déficit público. O projeto previa ainda um aumento nos impostos federais e um corte no orçamento da União para o ano de 1994, prin-cipalmente nas verbas destinadas à saúde e à educação. Além das medidas já citadas, a principal meta do plano era uma ampla reforma do Estado brasileiro, administrativa, previdenciária e tributária.

As medidas econômicas do Plano Real interromperam o processo inflacionário e estabilizaram a economia do país; a população respondeu com o crescimento da popularidade do presidente e do mi-nistro da Fazenda. A vitória no controle da inflação credenciou Fernando Henrique Cardoso a disputar a Presidência da República.

As eleições presidenciais de 1994Fernando Henrique Cardoso, apoiado pelo governo Itamar e credenciado por seu trabalho a fren-

te do Ministério da Fazenda, acreditando nas idéias neoliberais para a solução dos problemas do Brasil, busca uma aliança com o PFL, partido adversário de seu partido, o PSDB. Encontra resistência de seus correligionários, pois os quadros do PFL são formados por ex-aliados do regime militar. O PFL, que se encontrava isolado na política nacional, aceita a aliança e indica o senador Marco Maciel para ser o vice da chapa. A oposição vai denunciar o uso da máquina no favorecimento do candidato tucano.

O resultado da eleição presidencial de 1994 dá a vitória em primeiro turno para Fernando Henri-que Cardoso, que obtém 54% dos votos válidos; o segundo colocado foi o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, com 17%.

Além da vitória esmagadora de FHC, a eleição representou a derrota de políticos tradicionais, es-pecificamente Leonel Brizola, que obteve apenas 2% dos votos válidos. Foi uma campanha que marcou o fim dos debates ideológicos e a apresentação de planos de governo, e o marketing foi o elemento principal da disputa.

FHC: o sociólogo neoliberalFernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência em 1995, com a popularidade em alta e maio-

ria no Congresso Nacional e nos estados. Fato novo na história da República do Brasil. As únicas vozes contrárias vinham das forças de esquerda que saíram derrotadas das eleições. Mesmo com maioria no Congresso, o presidente, em busca de apoio negociava cargos e obras com seus aliados em troca dos votos de que necessitava.

A política desenvolvida pelo governo FHC era neoliberal e retornou às privatizações iniciadas por Collor, cujo principal objetivo era a implantação de um “Estado mínimo” no Brasil. FHC, contrarian-do seu passado de esquerda, alegava que o mundo e as idéias haviam mudado e que era necessário se aliar a antigos adversários para poder governar o país. O programa de privatização de FHC superou em muito o de seus antecessores. A oposição reagia acusando o governo de vender o patrimônio público a preços abaixo dos preços de mercado; o governo alegava que as estatais só davam prejuízo e aumentavam a dívida publica e que vendê-las representava mais dinheiro para saúde, educação e infra-estrutura.

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O presidente, apoiado por seus aliados, resolveu enviar uma emenda constitucional para o Con-gresso que permitisse a reeleição presidencial. A maioria do Congresso votou a favor e a emenda da reeleição foi promulgada. A oposição denunciou a compra de votos para a reeleição e pediu a abertura de uma CPI, mas não conseguiu instalar esta e o caso caiu no esquecimento. Antes do término de seu governo, conseguiu aprovar reformas na Previdência Social, que aumentaram o tempo de contribuição para a aposentadoria: 35 anos para os homens e 30 para as mulheres. O sucesso do Plano Real e a emen-da constitucional deram ao presidente a chance de mais um mandato.

A reeleição de FHCNo novo mandato, FHC continuou seu programa de privatizações e as estatais vendidas foram as

da área de comunicações. Houve denúncias de favorecimento de grupos, gravações de acordos, mas no fim, as denúncias não tiveram efeito.

Em 1997, o modelo neoliberal sofreu um violento baque com a crise econômica na Ásia. A crise nas economias dos chamados “Tigres Asiáticos” provocou reflexos nas economias do mundo todo. O Brasil, que adotava uma política de valorização de sua moeda, que tinha paridade com o dólar, desva-lorizou em 50% o real, o que possibilitou a diminuição de importações; dessa forma, evitava a saída de recursos do país, e com o dólar valendo o dobro as exportações aumentaram, fazendo crescer os lucros da balança comercial.

“Depois de ter recuado em abril, o desemprego voltou a crescer em maio e atingiu 8,2% da população economica-mente ativa, a segunda maior taxa já apurada pelo IBGE. A taxa de desemprego aberto nacional divulgada ontem é praticamente igual ao recorde da pesquisa, que foi de 8,28%, em maio de 1984. Em abril, a taxa foi de 7,94%. A situação é mais critica em São Paulo, região que registrou o recorde de desemprego desde o inicio do levantamento. Nos pri-meiros cinco meses do ano, o número de pessoas procurando emprego disparou, crescendo 40%. Em maio, houve um crescimento de 0,8% da população economicamente ativa, ou seja, de pessoas que trabalham ou procuram trabalho. Enquanto o número de pessoas ocupadas em relação ao mesmo período do ano passado cresceu apenas 0,5%, o nú-mero de desocupados cresceu 4,5%. ( SILVA. A persistência do desemprego. Jornal do Brasil, 02.07.1998)

Fernando Henrique Cardoso conseguiu domar o ritmo inflacionário, mas não conseguiu fazer com que a economia crescesse a ponto de criar novos postos de trabalho que dessem conta da deman-da de novos trabalhadores que ano após ano entraram no mercado de trabalho.

O processo de racionalização iniciado com Collor deu seus frutos mais amargos no período de FHC, a modernização e mecanização dos meios de produção extinguiam, ao invés de criar, postos de trabalho. O desemprego em seus governos nunca sofreu queda e o dinheiro da venda das empresas estatais foi usado para amortizar os juros das dívidas internas e externas, que continuaram a crescer. A saúde, a educação e a infra-estrutura do país tinham suas verbas cortadas a cada novo orçamento.

A venda das estatais tirou do governo a condição de investir e fomentar o crescimento do país e a maior prova da falta de investimentos de recursos foi no final do governo quando ocorreu uma crise de abastecimento de energia, provocando falta e racionamento de energia elétrica. Foi o famoso “apagão”.

Um dos marcos do governo FHC foi a criação, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal, criada com o objetivo de conter os gastos nas administrações públicas e punir os abusos com o dinheiro do contribuinte. Outros avanços são contraditórios: o governo cortou verbas da educação e o analfabe-tismo no país caiu; cortou verbas das universidades públicas, mas o Ensino Superior na rede particular aumentou no país.

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Os problemas sociais só aumentaram com as políticas dos dois governos de FHC. O governo fez uma tímida reforma agrária, mas as tensões no campo entre fazendeiros e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) cresciam a cada dia. Os cortes feitos na área de educação e saúde paralisaram hospitais fede-rais e universidades, o funcionalismo mal remunerado lançou mão de longas greves e enfrentamento.

O segundo mandato de FHC terminou de forma melancólica, com altos níveis de rejeição. Des-gastado não conseguiu fazer seu sucessor.

Eleições 2002: Lula versus SerraAs eleições de 2002 não trouxeram mudanças nos grupos políticos que disputavam o poder. Mais

uma vez o PT apresentava como candidato Luiz Inácio Lula da Silva, candidato pela quarta vez à Presidência da República. O outro grupo político continuou representado pela aliança PSDB/PFL, o candidato era José Serra, político conhecido nacionalmente e ex-ministro da Saúde no governo de FHC.

Lula apresentou uma plataforma moderada e escolheu como vice-presidente José Alencar, em-presário mineiro, do Partido Libertador (PL). José Serra, devido à grande rejeição de FHC e sendo do mesmo partido, procurava desvencilhar sua candidatura do governo de FHC. A eleição foi decidida no 2.º turno em que Lula recebeu 52 milhões de votos válidos. Pela primeira vez na história da República brasileira, um homem de origem pobre, um ex-operário, alcançava o cargo mais alto do país.

Lula: um operário no poderA situação do passado às mãos do presidente Lula nem de perto lembrava o que FHC encontrou

em seus dois mandatos. Lula foi eleito presidente, mas não obteve maioria no Congresso Nacional; o país sofria com um enorme desemprego e uma economia entrando em recessão e existiam o risco da volta da inflação uma dívida pública enorme. Os recursos do país haviam caído drasticamente, pois os investidores internacionais amedrontados com a eleição de Lula pararam de aplicar seus recursos no país, e os números das desigualdades no país eram insuportáveis, com milhares de famílias brasileiras vivendo abaixo da linha de pobreza.

Lula escolheu Antonio Palocci para ser o ministro da Fazenda. Palocci colocou em prática um austero plano que tinha dois objetivos: combater a inflação e mostrar aos investidores que o governo e o país mereciam confiança e a ofereciam para os investimentos externos. O plano funcionou e teve um rápido retorno, a inflação foi controlada, os investidores internacionais voltaram a aplicar seu dinheiro no Brasil e a economia deu sinais de crescimento.

Os grupos mais à esquerda do PT, partido do presidente Lula, começaram a pressionar o ministro Palocci, acusando-o de ser neoliberal. Parlamentares ligados a esses grupos votaram contra o governo na reforma da previdência, alegando que a reforma tiraria direitos dos trabalhadores; o governo respon-deu aos protestos alegando que a previdência é deficitária, pois o número de aposentados se aproxi-mava dos números de ativos, e por isso as regras deveriam ser revistas. Os parlamentares insistiram em votar contra e iniciaram campanha contra Palocci, Lula e outros líderes do partido acusados de estarem a serviço dos grupos financeiros internacionais e do projeto neoliberal.

A resposta do PT veio com a expulsão dos parlamentares dissidentes e alguns membros fundadores do partido. Os parlamentares expulsos fundaram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O que estava em

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jogo na realidade era a proposta de um grupo que acreditava que, ao assumir a Presidência, Lula deveria decretar uma moratória e suspender o pagamento de dívida externa; e a de outro grupo, que acreditava que o país deveria cumprir com seus acordos e mostrar ao mundo que o Brasil era um país seguro para seus investimentos.

As críticas feitas ao governo Lula eram direcionadas à política de juros aplicada pelo Banco Cen-tral, comandado pelo tucano Henrique Meirelles, considerada alta e um obstáculo para o crescimento da economia do país, e, segundo os críticos de esquerda, a taxa alta tinha o objetivo de atender aos interesses dos grupos financeiros internacionais.

Contrariando os que o acusam de ser neoliberal, o ministro Palocci aumentou os impostos pagos pela classe média e alta.

Na parte dos investimentos sociais, o governo Lula buscou ampliar a rede que atendia aos mais carentes e criou ministérios e secretarias para reverter o quadro de pobreza e fome. Mas, como vocês sabem, é difícil agradar gregos e troianos e os adversários acusaram o governo de aumentar as despesas do país criando ministérios para contemplar seus aliados.

No último ano do mandato do presidente Lula, o governo foi sacudido por denúncias de corrup-ção feitas pelo deputado federal, antigo aliado de Collor, Roberto Jefferson, presidente do PTB, partido que faz parte da aliança de governo do PT. Jefferson acusou os dirigentes e parlamentares do PT de cria-rem um sistema de propina que garantia o voto dos parlamentares para os projetos do governo federal, o famigerado “mensalão” comandado pelo empresário mineiro Marcos Valério.

De início, Jefferson reconheceu que não tinha provas para suas acusações, mas para oposição foi o bastante para a abertura de uma CPI. A mídia tomou partido e bombardeou o presidente, surgia a todo o momento denúncias ou ofensas contra o presidente que eram publicadas nos jornais e revistas “imparciais” de todo o país.

Deputados renunciaram ou foram cassados, o próprio Jefferson foi cassado e teve seus direitos políticos suspensos por oito anos, porém o objetivo da oposição de vincular a imagem do presidente à corrupção não foi alcançado, pois o crescimento da economia e a melhoria mesmo que pequena na qualidade de vida foram suficientes para manter a popularidade do presidente em alta. Quanto aos acusados, o presidente do PT, José Genuíno, foi afastado da Presidência junto com seus companheiros de direção. Nenhum acusado foi preso e o resultado da CPI caiu no esquecimento.

Texto complementarO Brasil em sobressalto

(PIGALLO, 2002, p. 193-196)

Com a posse de Collor, PC continuou agindo com desembaraço. Intermediava negócios de empresários com o governo, liberava verbas para projetos que lhe interessavam, pressionava mi-

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nistros, dava ordens a presidentes de estatais – era a chamada “operação terceiro turno”. Por seus serviços, sem os quais nenhum empresário se aproximava do governo, cobrava comissões de no mínimo 30%. Seus métodos, que incluíam chantagens, ameaças e extorsões, eram conhecidos. Certo da impunidade, não se importava com o que diziam. Ao contrário, contava histórias, gaban-do-se de uma suposta ascendência sobre o presidente. A fama de PC não demorou a se alastrar. O presidente foi alertado sobre o prejuízo que PC causava à imagem do governo. Preferiu, porém, ignorar os avisos. [...] A maioria dos políticos não queria investigar nada. O governo, por motivos óbvios. A oposição, por temer os efeitos de uma desestabilização política. Tucanos e peemedebis-tas preferiram poupar Collor mantendo-o no cargo, mas enfraquecido pela crise que certamente se arrastaria. Dessa maneira, o presidente dependeria da tutela política deles para chegar ao fim do mandato. Na prática, acenava-se com o pacto da impunidade. Coube ao PT obter o número necessário de votos para criar a CPI. [...] Os trabalhos se arrastavam por um mês quando, no final de junho de 1992, surgiu a testemunha-chave. [...] Eriberto França, motorista que servia a secretária particular do presidente, Ana Acioli, revelou que as contas da Casa da Dinda, residência de Collor, e as despesas da primeira-dama, Rosane, eram pagas por PC Farias. Com depósitos na conta da secretária feitos pela Brasil-jet, empresa de PC, o próprio Eriberto fazia pagamentos a funcionários de Collor e enviava dinheiro a seus familiares. A entrevista encurralava o presidente. [...] Em 25 de agosto, ficou pronto o relatório final da CPI, que considerava o presidente passível de indiciamento em cinco crimes: prevaricação, defesa de interesses privados no governo, corrupção passiva, for-mação de quadrilha e estelionato.

Atividades1. Os fatos relatados pelo autor do texto complementar fazem referência a que acontecimento his-

tórico?

2. O que o autor do texto complementar pretende dizer ao afirmar que “Tucanos e peemedebistas preferiram poupar Collor mantendo-o no cargo, mas enfraquecido pela crise que certamente se arrastaria. Dessa maneira, o presidente dependeria da tutela política deles para chegar ao fim do mandato” ?

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3. Por que o motorista Eriberto França foi considerado como testemunha-chave do caso?

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