(Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou...

5
REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO 49 I RUSSIA NA IDADB MIEDI! (Continuação) ALBERTO CHILDE Sviatoslav tinha 3 filhos. Dos quais um, iligitimo, Vladimir, filho de Malusha, uma serva. 'rodos tres eram menores. Foram pro- vidos, cada um, de uma parte de herança territorial. O mais velho Jaro- pólk teve a capital Kiev, - Oleg, a região do Pripet, habitada pelos Drevlíanos e Vladimir, recebeu Novgorod a grande. Existiram, porém, entre os irmãos, as mesmas rivalidades e lu- tas que reinavam outrora, entre os principes merovingianos. Lá, tonsu- ravam os herdeiros colateraís, internavam-nos em conventos, mutila- vam-nos como os"enel'\'ados de Jumieges"; aqui, assassinaram-se uns aos outros. Lut, o filho do voívode Svieneld, o velho general e amigo de Svia- toslav, indo á caça, penetrou nas terras de Oleg ; Oleg tambem estava caçando e encontrando o ingressor, informado quem era, o matou. Svieneld incitou desde então o seu rei, Iaropolk, a invadir o territorio drevliano e a se apoderar dele. Não ha duvida que o conselho corres- pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu- cia do irmão. Oleg estava na cidade de Ovrutch, o ataque foi tão repen- tino que fugindo com suas tropas, houve numa ponte sobre um vale, um tremendo atropelo, e caíram ao fosso soldados, cavalos, habitan- tes e o proprio OIeg, sobre o corpo do qual ainda amontoaram-se novas vitimas. Jaropolk que tinha penetrado por outra banda, e procurava o irmão, foi informado do que tinha acontecido. O destino se tinha en- carregado de libertá-I o dum rival. Agora era fingir: mandou tirar o cadáver de Oleg, estendê-lo sobre um tapete, e banhado em lagrimas, vi- rando-se para o velho Svieneld, dizia: "Veja! E' lá o que desejastes?" Vladirnir, em Novgorod, vendo a sorte de Oleg, abandonou sua província e se refugiou á beira do mar Baltico. Si Jaropolk não he- sitava eu! desfazer-se de um irmão legitimo, não se embaraçaria muito. pensava ele com razão, com um irmão bastardo, filho d", serva. Ele ti- R.N.E. 9 1

Transcript of (Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou...

Page 1: (Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu- ... o voívo do mandou mensagem ... de Passau e de Salzburgo queriam exercer

REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO 49

I RUSSIA NA IDADB MIEDI!(Continuação)

ALBERTO CHILDE

Sviatoslav tinha 3 filhos. Dos quais um, iligitimo, Vladimir,filho de Malusha, uma serva. 'rodos tres eram menores. Foram pro-vidos, cada um, de uma parte de herança territorial. O mais velho Jaro-pólk teve a capital Kiev, - Oleg, a região do Pripet, habitada pelosDrevlíanos e Vladimir, recebeu Novgorod a grande.

Existiram, porém, entre os irmãos, as mesmas rivalidades e lu-tas que reinavam outrora, entre os principes merovingianos. Lá, tonsu-ravam os herdeiros colateraís, internavam-nos em conventos, mutila-vam-nos como os"enel'\'ados de Jumieges"; aqui, assassinaram-se uns aosoutros. Lut, o filho do voívode Svieneld, o velho general e amigo de Svia-toslav, indo á caça, penetrou nas terras de Oleg ; Oleg tambem estavacaçando e encontrando o ingressor, informado quem era, o matou.Svieneld incitou desde então o seu rei, Iaropolk, a invadir o territoriodrevliano e a se apoderar dele. Não ha duvida que o conselho corres-pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu-cia do irmão. Oleg estava na cidade de Ovrutch, o ataque foi tão repen-tino que fugindo com suas tropas, houve numa ponte sobre um vale,um tremendo atropelo, e caíram ao fosso soldados, cavalos, habitan-tes e o proprio OIeg, sobre o corpo do qual ainda amontoaram-se novasvitimas. Jaropolk que tinha penetrado por outra banda, e procurava oirmão, foi informado do que tinha acontecido. O destino se tinha en-carregado de libertá-I o dum rival. Agora era fingir: mandou tirar ocadáver de Oleg, estendê-lo sobre um tapete, e banhado em lagrimas, vi-rando-se para o velho Svieneld, dizia: "Veja! E' lá o que desejastes?"

Vladirnir, em Novgorod, vendo a sorte de Oleg, abandonousua província e se refugiou á beira do mar Baltico. Si Jaropolk não he-sitava eu! desfazer-se de um irmão legitimo, não se embaraçaria muito.pensava ele com razão, com um irmão bastardo, filho d", serva. Ele ti-

R.N.E. 91

Page 2: (Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu- ... o voívo do mandou mensagem ... de Passau e de Salzburgo queriam exercer

,5° REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

nha sido creado em parte, na Scandinavia pelo tio materno Dobrynya,e contava sobre um partido de Normandos, sempre aventuroso e enco-rajados pelo sucesso dos predecessores que fizeram um reino J?a terraSlava.

Jaropolk, logo que soube da fuga de Vladimir, mandou a Novgo-rod seus companheiros de armas e conselheiros, para tornar oficialmenteconta da provincia, e declarou-se soberano unico da Russia.

Eram um sonho que realisava e julgava-o bem firme.Mas, tres anos depois, Vladímir, tendo reunido um corpo numero-

so de Normandos, Vareguos, apoderou-se novamente do Novgorod, suacapital, e despachou ao irmão Jaropolk, os palacianos que este tinha es-colhido para governar a provincia em seu nome. "Ide, e dizei ao meuirmão, que estou de volta, que vou encontrá-Io e que se prepare l-disseVladimir --"

Isto se passava em 980, e sem perder tempo, Vladimir atraves-sou as florestas, e apareceu em Kiev; J aropolk se tinha fortalecido na. ci-dade cuidadosamente defendida e enclausurada, com o auxilio do VOlvo-do Blud, em que muito confiava.

Vladimir compreendeu logo o que o sitio lhe podia custar, emhomens e em tempo e recorreu á astucia. Mandou um fiel ao Blud di-zendo: "Ajuda-me, si conseguir matar meu irmão, tu serás para mim,como um pai. Não fui eu o primeiro a abrir a luta na família, foi J aro-polk; e é para me defender que marcho agora contra ele". Blud sedeixou seduzir e passou ao lado de Vladimir , Ardilosamente sugeriuao seu príncipe: "Os Kievlanos entram em entendimento com Vladimire pensam em se entregarem - Foge de Kiev I" Acreditando no seu con-selheiro, Jaropolk retirou-se da cidade e se fechou numa cidade peque-na, Rodnia. <Vladimir aproveitou imediatamente as circunstancias,

_entrou em Kiev, guarneceu-a com suas tropas, e prosseguindo, correupara Rodnia onde assediou o irmão. Breve a fome ameaçou. a cidade, eBlud mostrando dos valos as tropas do inimigo, persuadiu Jaropolkque a resistencia era vã; melhor seria obter a paz, o mais rapidamentepossivel, e como este utimo consentia, o voívo do mandou mensagem áVladimir: "Eu te trarei J aropolk, trata depois do resto:"

'Entretanto, um dos fieis guerreiros do príncipe, o preveniu con-tra aquela traição: Não vá senhor, disse ele, eles te matarão! E' me-lhor fugir para o territorio dos Petchenegos, e de lá, sustentaremos aluta" .

Page 3: (Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu- ... o voívo do mandou mensagem ... de Passau e de Salzburgo queriam exercer

REVISTA NACIONAL' DE EDUCAÇÃO 15'1

Jaropolk não deu fé ao aviso, e foi ao campo de Vladimir, masapenas entrou nos aposentos do irmão, Blud fechou as portas sobre elee dois Varegos o assassinaram.

O conselheiro avisado, Varajko, vendo seu principe morto, fu-giu com seus sodados para as terras habitadas pelos Petchenegos, e co-meçou uma longa guerra contra Vladimir.

Já dissemos, que o grande perigo que ameaçava então a Russiaem formação era a presença ao sul e a leste daquelas tribus asiaticasque periodicamente invadiam os territorios slavos. A fuga de Varajkopode ser encarada como uma traição á jovem pátria, embora preten-desse vingar a morte do seu principe , O certo é que deu força ás pre-tenções dos asiaticos e que a luta se prolongou até 993, quando estes,alcançando o rio Sulá, travaram uma batalha em 'Prubetch, perto dePereyaslavl, onde foram completamente derrotados.

Vladimir sentindo o perigo para o futuro de novas investidas, atão pouca distancia de Kiev, sua capital, resolveu mandar construirtoda uma rêde de fortalezas á beira dos afluentes do Dnieper sobre toda asua fronteira oriental.

Devido, talvez a influencia da sua avó, Olga, J aropolk tendiapara o cristianismo; vimos que a nova religião, embora penetrandoesporadicamente no pais, não tinha entretanto aceitação geral.

Atribuiu-se a este fato. mais do que á simples ambição territo-rial, a luta fratricida a que assistimos.

Efetivamente os primeiros atos do governo de Vladimir forama afirmação categorica dos seus sentimentos pagãos. Ele restaurou oculto dos velhos deuses da natureza, e sobre o morro em frente de Kievmandou erigir os idolos de Perun, o deus do Trovão, de Khors, deus dosol, Stribog, o deus do vento, E' provavel que estas divindades não fos-sem de origem propriamente slava; Perun disso oferece argumento,p. ex.; o seu nome se encontra atravez da Europa prehistoríca e proto-historica - ele tem em inglês ou anglo-saxonio antigo a forma de Per-kins, e é um nome teoforo que possuía o celebre guerreiro Brennus. Haem Herodoto uma asserção curiosa que desconcertou os comentadores:diz ele, que o Danubio tem sua fonte nos Pirineus: ora, a geografia mos-tra que é nas montanhas dos alpes Bernenses, e estes alpes são os de Bren-nus-e não do urso Bar, como se diz v-ulgarmente.Por confusão e ígno-rancia destas antiquissimas relações, os creadores do brazão da cidadede Berna, introduziram um urso no escudo, pensando realizar "armas

Page 4: (Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu- ... o voívo do mandou mensagem ... de Passau e de Salzburgo queriam exercer

52 REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

\

falantes" .-Elas falam, mas falam erraJamente, Berna está sob o partronato não de um urso, e sim do deus nordico Perun.

O paganismo foi portanto restabelecido com seu culto, no iniciodo reinado de VladimirT, em 980; e tudo fazia presumir que estavafirme.

As circunstancias, entretanto, iam em breve, mudar o curso dos-destinos da Russia .

. Vladimir era um político de vistas largas e previdentes. Ele com-preendeu o isolamento em que ia ficar o país no meio da Europa que seassentava sobre duas religiões poderosas, a ortodoxa grega, a catolica ro-mana. Grandes imperios eram os da Itália, e de Byzancio ; e a Russiamais visinha deste ultimo, com esperanças mal caladas de chegar umdia á se estender até esta esplendida capital, não podia hesitar muitotempo.

Era constituir primeiro um laço, susceptível de estreitar mais asrelações entre os dous estados grego e slavo, que preocupou Vladimir; elogo resolveu pedir em casamento Anna, irmã do Imperador.

Em todas suas emprezas, apoiara-se êle em seus companhei-ros de juventude, os Vareguos, guerreiros audazes, mas exigentes.Ele começava a sentir o peso das suas exigeneias, e para se libertar deles,os persuadiu de tomar serviço na côrte e no exercito do seu poderoso-aliado de Byzancio. Mas não foi sem prevenir este ultimo de os mandarás provincias, ás fronteiras, e cuidar de não os deixar tomar demasia-da influencia; eram empreendedores e perigosos. Byzancio teve ensejo-de verificar a justeza destes conselhos.

Para obter a princesa grega, porém, o Imperador fez sentir aVladimir que era conveniente tornar-se cristão. Isto em 988. Opríncipe sluvo compreendeu a vantagem da conversão e não fez objeção .

.A Russia aliás, estava preparada para esta nova ,volta; desde ostempos de Carlos Magno e da creação do Irnperio do OCIdente, a religiãocristã penetrava lentamente, mas progressivamente em terras slavas, aNorica, a Pannonia, a Moravia, estavam organizadas com um clero ca-tolico. Em 863 Rastislav tendo vencido Luiz o Germanico, se achouindependente dos alemães, e repeliu a influencia politica que os bisposde Passau e de Salzburgo queriam exercer sobre o país moravo.

Dous centros religiosos se lhe ofereciam, Roma e Byzancio , Ospovos slavos relutavam a aceitar a fé romana, por que lhes parecia ser-

Page 5: (Continuação) ALBERTO CHILDE · pendia á secreta inveja do principe, pois preparou-se e entrou na proviu- ... o voívo do mandou mensagem ... de Passau e de Salzburgo queriam exercer

REVISTA NACIONAL' DE EDUCAÇÃO 53

'um meio de dominação da. unidade germanica. Os gregos ao contrario,'separavam detidamente o poder espiritual do poder temporal. Era paraeles normal, que a Igreja fosse dependente do poder imperial; era o Ba-sileus que nomeava os bispos e os metropolitos, não aceitava a intromis-são eclesiastica no seu imperio.

Em 860 Rastislav e Swiatopolk se dirigiram a Miguel IrI e pe-diram-lhe que mandasse monges cristãos, capazes de ensinar suas po-.pulações slavas, na própria lingua.

Daí a missão de Cyrillo e Methodo .