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R. Bras. Ci. Solo, 35:1745-1757, 2011 (1) Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora apresentada à Universidade Federal de Lavras – UFLA, para obtenção do título de mestre em Engenharia Agrícola (Engenharia de Água e Solo). Recebido para publicação em 7 de julho de 2010 e aprovado em 11 de julho de 2011. (2) Doutorando em Recursos Hídricos em Sistemas Agrícolas, Universidade Federal de Lavras – DEG/UFLA. Caixa Postal 3037, CEP 37200-000 Lavras (MG). E-mails: [email protected]; [email protected] (3) Professor do DEG/UFLA. E-mail: [email protected] (4) Professor do DCF/UFLA. E-mail: [email protected] CONTINUIDADE ESPACIAL DA CONDUTIVIDADE HIDRÁULICA SATURADA DO SOLO NA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO RIO GRANDE, MG (1) Camila Cristina Alvarenga (2) , Carlos Rogério de Mello (3) , José Marcio de Mello (4) & Marcelo Ribeiro Viola (2) RESUMO A distribuição espacial da condutividade hidráulica saturada (k 0 ) é essencial para estudos relacionados a erosão do solo e escoamento superficial. Este trabalho objetivou estudar a continuidade espacial do atributo hidrológico do solo k o na Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, MG, e realizar seu mapeamento por meio de técnicas geoestatísticas, utilizando dados sem e com transformação logarítmica. Os modelos de semivariograma esférico e exponencial foram ajustados ao semivariograma experimental pelo método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) e Mínimos Quadrados Ponderados (MQP). Técnicas de validação cruzada e preditiva foram aplicadas para a escolha do melhor modelo. Os resultados indicaram que, ao se trabalhar com o logaritmo dos dados de k o , houve redução de pontos discrepantes e de anisotropia, entretanto os valores mais elevados de grau de dependência espacial foram observados nos dados sem transformação. O ajuste do modelo esférico, por meio do método MQO, foi o que produziu melhor desempenho na modelagem da continuidade espacial de k 0 . Os mapas gerados a partir dos dados sem e com transformação logarítmica não apresentaram o mesmo comportamento na distribuição espacial dos valores, e o mapa dos dados na forma transformada teve o melhor detalhamento da distribuição espacial. Termos de indexação: Infiltração, geoestatística, hidrologia do solo, recarga subterrânea.

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R. Bras. Ci. Solo, 35:1745-1757, 2011

(1) Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora apresentada à Universidade Federal de Lavras – UFLA, para obtençãodo título de mestre em Engenharia Agrícola (Engenharia de Água e Solo). Recebido para publicação em 7 de julho de 2010 eaprovado em 11 de julho de 2011.

(2) Doutorando em Recursos Hídricos em Sistemas Agrícolas, Universidade Federal de Lavras – DEG/UFLA. Caixa Postal 3037,CEP 37200-000 Lavras (MG). E-mails: [email protected]; [email protected]

(3) Professor do DEG/UFLA. E-mail: [email protected](4) Professor do DCF/UFLA. E-mail: [email protected]

CONTINUIDADE ESPACIAL DA CONDUTIVIDADE

HIDRÁULICA SATURADA DO SOLO NA BACIA

HIDROGRÁFICA DO ALTO RIO GRANDE, MG(1)

Camila Cristina Alvarenga(2), Carlos Rogério de Mello(3), José

Marcio de Mello(4) & Marcelo Ribeiro Viola(2)

RESUMO

A distribuição espacial da condutividade hidráulica saturada (k0) é essencialpara estudos relacionados a erosão do solo e escoamento superficial. Este trabalhoobjetivou estudar a continuidade espacial do atributo hidrológico do solo ko naBacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, MG, e realizar seu mapeamento por meiode técnicas geoestatísticas, utilizando dados sem e com transformação logarítmica.Os modelos de semivariograma esférico e exponencial foram ajustados aosemivariograma experimental pelo método dos Mínimos Quadrados Ordinários(MQO) e Mínimos Quadrados Ponderados (MQP). Técnicas de validação cruzadae preditiva foram aplicadas para a escolha do melhor modelo. Os resultadosindicaram que, ao se trabalhar com o logaritmo dos dados de ko, houve redução depontos discrepantes e de anisotropia, entretanto os valores mais elevados de graude dependência espacial foram observados nos dados sem transformação. O ajustedo modelo esférico, por meio do método MQO, foi o que produziu melhordesempenho na modelagem da continuidade espacial de k0. Os mapas gerados apartir dos dados sem e com transformação logarítmica não apresentaram o mesmocomportamento na distribuição espacial dos valores, e o mapa dos dados na formatransformada teve o melhor detalhamento da distribuição espacial.

Termos de indexação: Infiltração, geoestatística, hidrologia do solo, recargasubterrânea.

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SUMMARY: SPATIAL CONTINUITY OF THE SATURATED HYDRAULICCONDUCTIVITY IN SOIL OF THE ALTO RIO GRANDE BASIN,MG

Spatial distribution of the saturated hydraulic conductivity (k0) is essential in the studyof soil erosion and surface runoff. The purpose of this study was to investigate the spatialcontinuity of the soil hydrologic characteristic k0 in the watershed Alto Rio Grande, state ofMinas Gerais, and to map k0 based on geostatistical procedures, using data without and withlogarithmic transformation. Exponential and spherical semi-variogram models were fitted tothe experimental semi-variograms in two approaches: ordinary minimum square (MQO) andweighted minimum square (MQP). Cross validation and predictive validation were bothapplied to choose the best model. The results showed that the use of log (k0) improved thegeostatistical applicability due to a reduction in the number of outliers and anisotropy; however,the spatial dependency degree was highest for k0 data without log-transformation. The sphericalmodel fitted by MQO preformed best in the spatial continuity modeling of k0. The spatialdistribution in the basin, indicated by the maps developed from data without and with logtransformation was not the same; the map developed on the basis of log-transformed datashowed a more detailed spatial distribution.

Index terms: infiltration, geostatistics, soil hydrology, groundwater recharge.

INTRODUÇÃO

Infiltração é o processo no qual a água, provenienteda chuva ou irrigação, atravessa a superfície do solo.A taxa de infiltração diminui com o tempo até atingirvalor constante, que é equivalente à condutividadehidráulica saturada, influenciando todo ocomportamento hidrológico de uma bacia hidrográfica(Julià et al., 2004). Por essa razão, a condutividadehidráulica saturada é um atributo hidrológicoimprescindível para a modelagem chuva-vazão,dimensionamento de sistemas de irrigação edrenagem, transporte de solutos no solo, recarga deaquíferos, escoamento superficial e transporte desedimentos.

A determinação, no entanto, da condutividade hi-dráulica saturada em condições de campo de forma acobrir toda a área de uma grande bacia hidrográfica écara, demorada e complexa, especialmente pelo fatode esse atributo apresentar elevada variabilidade es-pacial (Moustafa, 2000; Sepaskhah & Ataee, 2004;Fallico et al., 2005; Montenegro & Montenegro, 2006).Julià et al. (2004) destacam, ainda, que a combinaçãode relevo montanhoso, classes de solos variadas e di-ferentes usos do solo produzem um território comple-xo, com comportamento hidrológico diversificado ecomplexo.

A krigagem ordinária é um dos principais métodosde interpolação espacial geoestatística e vem sendousada para mapear os atributos hidrológicos do solocom boa exatidão, gerando mapas com estimativasnão tendenciosas de locais não amostrados e comvariância de estimação mínima, desde que hajamodelagem consistente da continuidade espacial(Cichota et al., 2003; Gomes et al., 2007).

Na literatura, encontram-se trabalhos em que ospesquisadores empregaram o logaritmo dacondutividade hidráulica saturada em procedimentosgeoestatísticos (Montenegro et al., 1999; Cichota etal., 2003; Sepaskhah & Ataee, 2004; Sobieraj et al.,2004; Montenegro & Montenegro, 2006; Souza et al.,2008). A justificativa desses pesquisadores para oemprego dessa transformação é a de que acondutividade hidráulica saturada possui altavariabilidade, apresentando distribuição de frequênciaassintótica. Dessa forma, a transformação logarítmicados dados pode facilitar a aplicação das técnicasgeoestatísticas, uma vez que haveria redução naassimetria dos dados após a sua transformação.Entretanto, conforme destacado por Montenegro et al.(1999), os procedimentos do tipo “mínimos quadrados”em geoestatística têm a vantagem, em relação a outrosmétodos, de requerer o menor número de hipótesesem relação à distribuição de probabilidade dos dadosamostrais. Assim, para aplicação do método dosmínimos quadrados ponderados não é necessário queos dados estejam em perfeita conformidade com adistribuição normal.

São escassas na literatura pesquisas queinvestigaram o efeito da transformação logarítmicana estrutura de dependência espacial de k0. Nessesentido, as propostas deste trabalho foram avaliar ecomparar a continuidade espacial dos dados de k0 elog (k0) e verificar se a transformação logarítmica podeminimizar os efeitos provocados pela alta variabilidadeespacial apresentada por esse atributo e que dificultao ajuste do semivariograma, como a existência de dadosdiscrepantes, assimetria e tendência geográfica dosdados, ou seja, seu comportamento em razão dalatitude e da longitude.

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Com base nas hipóteses levantadas anteriormente,este trabalho objetivou modelar a continuidade espacialda condutividade hidráulica saturada do solo,determinada em condições de campo, na BaciaHidrográfica do Alto Rio Grande, MG, e promover oseu mapeamento por meio de técnicas geoestatísticas.

MATERIAL E MÉTODOS

A Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, localizadano Sul e Sudeste do Estado de Minas Gerais, possuiárea de drenagem de aproximadamente 6.270 km².É constituída por regiões fisiográficas importantes doponto de vista, notadamente, da “produção de água”,como Campo das Vertentes e Serra da Mantiqueira.O clima é do tipo Cwa em grande parte da bacia eCwb na cabeceira, conforme classificação desenvolvi-da por Köppen (Mello et al., 2008). Seu relevo é bas-tante movimentado, apresentando declividade supe-rior a 15 cm m-1 em aproximadamente 90 % da áreada bacia. A classe de solos predominante é oCambissolo, que ocupa cerca de 68 % da área, seguidopelo Latossolo, com 18 %; o uso do solo é dividido empastagens extensivas (29 %), área cultivada (28 %),cerrado (21 %), florestas (13 %) e solo exposto (8 %),conforme figura 1, a qual foi adaptada de Araújo (2006)e Beskow et al. (2009).

Para aplicação do método geoestatístico foram con-siderados dados de condutividade hidráulica saturada(k0), determinada in situ por meio de infiltrômetro dedisco (modelo 2825K1) associado aos acessórios dopermeâmetro de Guelph (modelo 2800K1), em 537pontos distribuídos no espaço da Bacia Hidrográficado Alto Rio Grande. Na figura 2 estão apresentadosos pontos amostrados, com detalhamento espacial desub-bacias hidrográficas do Alto Rio Grande.

Com a finalidade de realizar o mapeamento dacondutividade hidráulica saturada da BaciaHidrográfica do Alto Rio Grande, com base nageoestatística, primeiramente foi realizada a análiseexploratória dos dados por meio de histogramas defrequência, determinação das principais medidas deposição e dispersão, verificação de tendência e gráfico“boxplot”, os quais permitem a identificação de pontosdiscrepantes (“outliers”).

A análise da continuidade espacial dos dados foiconduzida pela função semivariograma, conformedescrito por Journel & Huijbregts (1991), ou seja:

(1)

em que N(h) é o número de pares amostrados [z(xi),z(xi + h)] separados pelo vetor h.

Figura 1. Mapas de solos (a) e uso do solo (b) da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande. Fonte: Adaptados deAraújo (2006) e Beskow et al. (2009).

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Uma vez determinado o semivariograma experi-mental, é necessário ajustá-lo ao semivariograma te-órico. Neste trabalho, foram testados dois modelos desemivariograma caracterizados com patamar (Journel& Huijbregts, 1991; Cressie, 1993):

(a) Modelo esférico

(2)

(3)

(b) Modelo exponencial

(4)

(5)

em que C0 é o efeito pepita; C1 é a contribuição; h é adistância entre pares de pontos; a é o alcance; a* é oalcance prático; e d é a máxima distância na qual osemivariograma é definido.

Os modelos foram ajustados ao semivariogramaexperimental pelo método dos Mínimos Quadrados

Figura 2. Localização e detalhamento dos pontos amostrados na bacia hidrográfica do Alto Rio Grande, MG.

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Ordinários (MQO) e Mínimos Quadrados Ponderados(MQP).

A escolha do melhor modelo ajustado foi realizadacom base nas validações cruzada e preditiva. A vali-dação cruzada é bastante comum como procedimentoválido pela geoestatística, sendo conhecida como “Jack-knifing”, e resumidamente consiste na retirada dosvalores amostrados individualmente, estimando-os porkrigagem com base no modelo de semivariogramaajustado. Maiores detalhes desse procedimento podemser encontrados em Vieira (2000). Para validaçãopreditiva, um conjunto com 100 valores de condutividadehidráulica saturada, que não fez parte do ajuste dosmodelos de semivariograma, foi aplicado. Nessa téc-nica, os resultados da interpolação por krigagem sãocomparados aos observados em campo e totalmenteexcluídos do processo de modelagem do semivariograma.Portanto, a validação preditiva deve ser privilegiadasempre que houver dados disponíveis para isso. Combase nos resultados desses procedimentos de valida-ção, foram calculadas as estatísticas de precisão: erromédio reduzido (ER) e desvio-padrão dos erros (SER),cujas equações, respectivamente, são (Mello, 2004):

(6)

(7)

em que N é o número de dados da validação; z(xi) é ovalor observado no ponto i; z*(xi) é o valor estimadopara o ponto i; e σ(xi) é o desvio-padrão da krigagemno ponto i.

O erro médio reduzido mais próximo de zero e odesvio-padrão mais próximo de 1 foram os primeiroscritérios aplicados para a escolha do melhor modelo,conforme Andriotti (2003). O grau de dependênciaespacial, adaptado de Cambardella et al. (1994), foiaplicado como critério para definição final do melhormodelo.

Todas as análises estatísticas e geoestatísticasforam desenvolvidas pelo software R, utilizando-se o

pacote geoR (Ribeiro Júnior & Diggle, 2001), com osmapas tendo sido gerados pelo programa ArcMap(ESRI, 2004), mantendo-se os parâmetros dosemivariograma obtidos na etapa de modelagem dacontinuidade espacial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análises exploratória e descritiva dos dados

Na figura 3 estão apresentados os gráficos “boxplot”dos dados de condutividade hidráulica saturada sem(a) e com transformação logarítmica (b). É possívelobservar que houve redução considerável deobservações consideradas discrepantes na situaçãocom dados transformados, produzindo apenas cincovalores contra 59 dos dados sem transformação.Borssoi et al. (2009), analisando técnicas dediagnóstico para aplicação da geoestatística, relataramque a existência de observações discrepantes podeinfluenciar decisivamente no uso e aplicação dastécnicas geoestatísticas, especialmente na modelagemdo semivariograma com base em algoritmosassociados à normalidade bivariada, como da máximaverossimilhança, e os dados devem ser removidos.Além desse aspecto, dados discrepantes têm váriasorigens, especialmente relacionadas à obtenção dosvalores, tanto em condições de campo quanto emlaboratório, e a condutividade hidráulica medida emcondições de campo pode apresentar valores muitodiscrepantes numa pequena distância entre umaamostra e outra devido a vários fatores específicos,como fluxo preferencial, para os quais não se temcontrole.

Observando, no entanto, a figura 3, verifica-se queos dados que foram considerados discrepantes nasituação sem transformação constituem valoressuperiores a 3,5 m dia-1 e, no caso dos dadostransformados, estes não foram considerados comodiscrepantes. Essa situação é relevante, uma vez que,quando o processo de krigagem for aplicado para omapeamento, não existirá nenhuma região do mapacom dados sem transformação com valores superiores

Figura 3. Gráficos “boxplot” de dados sem (a) e com transformação logarítmica (b).

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a 3,5 m dia-1, o que pode conduzir a interpretaçõesequivocadas sobre o comportamento da condutividadehidráulica saturada na bacia hidrográfica, bem comosobre seu potencial de infiltração e recargasubterrânea.

Nas figuras 4 e 5 estão apresentados, respectivamen-te, os gráficos para avaliação da presença de tendên-cia geográfica dos dados sem e com transformaçãologarítmica. Em ambas as situações, pode-se obser-var que esses gráficos não mostraram tendência, umavez que os valores de condutividade hidráulicasaturada não tendem a crescer (ou diminuir) de nortepara sul ou de leste para oeste e vice-versa.

Na figura 4, mais proeminente que na figura 5,observa-se que os dados estão mais concentrados emdeterminadas regiões do que em outras. Por essarazão, na fase inicial deste trabalho foi levantada ahipótese e, posteriormente testada, de se trabalharcom uma base de dados reduzida, visando a umadistribuição mais uniforme. Entretanto, essa hipótesefoi rejeitada por não contribuir para a construção deum semivariograma experimental de melhorqualidade e, consequentemente, facilitar o ajuste domodelo teórico a ele.

Cichota et al. (2003), aplicando procedimentosemelhante para identificação de tendência de dadosde infiltração de água no solo ao longo de umatranseção, encontraram significância estatística emseus testes, comprovando que é possível ocorrer essa

situação mesmo em testes de campo criteriosamenteconduzidos. Quando se detecta que os dadosapresentam taxa de aumento (ou diminuição) emfunção das coordenadas geográficas, é dito que elesapresentam tendência, sendo indispensável suaremoção ou um tratamento geoestatístico dos resíduospropriamente ditos. No entanto, essa situação nãoocorreu com os dados levantados neste trabalho, ouseja, sua distribuição em função da longitude e, ou,da latitude não apresenta comportamento específico.Dessa forma, pode-se aplicar a geoestatística tanto nacondição sem transformação dos dados quanto naquelacom dados transformados.

No quadro 1 estão relacionados os resultados daestatística descritiva aplicada aos dados após aremoção dos pontos discrepantes, bem como dos pontospara validação preditiva. As distâncias mínima emáxima entre os pontos amostrados variam de 8 a123.000 m, respectivamente.

O teste de Shapiro-Wilk foi aplicado para avalia-ção da normalidade em ambas as situações e foi signi-ficativo (p < 0,05), ou seja, rejeitou-se a hipótese H0 deque os dados são normalmente distribuídos. No en-tanto, Hurtado (2004), comparando valores do testede Shapiro-Wilk antes e depois da transformaçãologarítmica de dados, observou que os valores da esta-tística W do teste aumentam consideravelmente apósa transformação, concluindo que o tratamentologarítmico dos dados de condutividade hidráulica di-

Figura 4. Gráficos de tendência de dados de condutividade hidráulica saturada sem transformação.

Figura 5. Gráficos de tendência dos dados transformados de condutividade hidráulica saturada.

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minui a assimetria da distribuição. Os resultados doquadro 1 (valor de W), bem como os histogramas defrequência da figura 6, evidenciam essa situação. Ocomportamento do teste de Shapiro-Wilk apresentadopor Cichota et al. (2003) para seus dados de infiltra-ção, transformados em logaritmo, especialmente parainfiltração após 105 min, a qual se aproxima da velo-cidade de infiltração básica e, consequentemente, dacondutividade hidráulica saturada em condição decampo, é semelhante ao do quadro 1, com autores con-cluindo a respeito da apresentação de normalidade deseus dados transformados. No entanto, neste estudonão houve normalização efetiva da distribuição, masredução significativa da assimetria, o que, segundoMontenegro et al. (1999), não impede de se modelar osemivariograma com base nos métodos dos MínimosQuadrados Ordinários e Mínimos Quadrados Ponde-rados.

Modelagem da continuidade espacial dos dados

Na figura 7 estão apresentados os semivariogramasexperimentais das quatro direções principais e osemivariograma unidirecional (linha contínua) dosdados sem (a) e com transformação logarítmica (b).Observa-se, nessa figura, que os semivariogramasapresentaram comportamento semelhante, com amesma estrutura de dependência espacial para as di-

ferentes direções avaliadas, indicando tendência decomportamento isotrópico. No entanto, podem serverificadas algumas discrepâncias em relação aosemivariograma unidirecional quando osemivariograma é plotado nas direções 90 º e 45 º dosdados sem transformação (Figura 7a). Tal comporta-mento não é observado nos dados transformados, ouseja, mesmo nas direções destacadas anteriormente,o comportamento dos semivariogramas ficou próximoao do unidirecional. Essa situação constitui-se numadas explicações plausíveis para as diferenças em ter-mos do comportamento da continuidade espacial dosdados, uma vez que tem sido caracterizada uma situ-ação mais fortemente isotrópica da variabilidade es-pacial quando os dados sofrem transformação, refle-tindo na qualidade e representatividade final dos ma-pas, sendo desejável que isso ocorra.

O resultado da modelagem da estrutura dedependência espacial dos dados sem e comtransformação logarítmica, por meio da funçãosemivariograma, está apresentado na figura 8, comajuste dos modelos teóricos de semivariogramasesférico e exponencial, pelo método dos MínimosQuadrados Ordinários (MQO) e Mínimos QuadradosPonderados (MQP), ao semivariograma experimentalunidirecional. É possível observar, na referida figura,que o semivariograma experimental, em ambas assituações estudadas, apresentou comportamentoperiódico, com elevada semivariância na primeiradistância (“lag”), na qual se espera que pontosamostrados a pequenas distâncias apresentem valoresde k0 similares e, portanto, baixa semivariância. Talfato está relacionado à alta variabilidade espacialexibida pela condutividade hidráulica saturada apequenas distâncias, conforme relataram Buttle &House (1997), Moustafa (2000), Gimènez et al., (2000)Sobieraj et al. (2004), e, principalmente, quando seconsideram as inúmeras combinações de classes,relevo, ocupação e manejo de solo presentes numa baciahidrográfica com as características e dimensõesapresentadas pelo Alto Rio Grande. Esse problemaocorreu mesmo na condição de dados transformados.Apesar do elevado número de amostras obtidas emcampo, a amostragem em pequenas distâncias ficou

Figura 6. Histogramas de frequência de dados sem (a) e com transformação logarítmica (b).

Quadro 1. Estatísticas descritivas dos dados decondutividade hidráulica saturada sem e comtransformação logarítmica

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Figura 7. Estrutura de dependência espacial das quatro direções com os dados sem (a) e com transformaçãologarítmica (b).

Figura 8. Semivariogramas experimentais e teóricos dos dados de condutividade hidráulica saturada sem(a) e com transformação (b).

concentrada em duas sub-bacias hidrográficas, asquais ocupavam, proporcionalmente, pequena área emrelação à bacia do Alto Rio Grande, o que pode tercolaborado para que a semivariância na primeira

distância tenha sido elevada. Contudo, essa situaçãonão prejudicou o desenvolvimento do semivariogramaexperimental, e sua modelagem foi possívelindependentemente do modelo ajustado.

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O comportamento do semivariograma experimentalobservado na figura 8b está em concordância com osresultados verificados por Montenegro et al. (1999).Esses pesquisadores constataram que o variogramaexperimental do logaritmo de k0 apresentou flutuações,caracterizando um comportamento periódico, similarao comportamento sem transformação. Essecomportamento pode ser atribuído à não regularidadeentre as distâncias de amostragem e ao efeito do usodo solo traduzido na presença de solos cultivados enão cultivados na área de estudo, o qual é maisevidente nas camadas superficiais e que caracterizama chamada variabilidade extrínseca. Nesse aspecto,a transformação logarítmica dos dados não produziuresultados diferentes dos dados sem transformação,ou seja, a estrutura espacial não foi alterada.

Ao se observarem, contudo, os ajustes dossemivariogramas na figura 8, é possível analisar, deforma geral, que há uma sensível diferença entre osmodelos ajustados dos dados sem transformação,comparativamente aos dados transformados. Osmodelos desta última situação tendem a modelar, defato, a estrutura de dependência espacial, tendendo aum ajuste mais próximo entre os modelos e métodostestados. Tal situação é reflexo da dificuldade de ajustedos modelos de semivariograma quando os dados sãotrabalhados sem transformação, apesar do bom ajusteobtido com o modelo esférico com efeito pepita fixo.

Nos quadros 2 e 3 estão relacionados os parâmetrosde cada modelo ajustado pelo respectivo método. En-tre os parâmetros do semivariograma, destacam-se oefeito pepita (C0), a contribuição (C1), o patamar (C0 +C1) e o alcance prático (a*). O grau de dependênciaespacial (GD) de cada combinação (modelo/método) foicalculado pela relação entre a contribuição e o pata-mar, conforme Gomes et al. (2007) e Junqueira Junioret al. (2008), ambos adaptando o conceito elaboradopor Cambardella et al. (1994). Observa-se, nessesquadros, que praticamente todas as combinações apre-sentaram estrutura de dependência espacial defini-da, com destaque para a qualidade dossemivariogramas ajustados pelo método MQO paraos dados de k0 sem transformação, com alcance práti-co variando de 8,4 a 180 km. O mesmo foi observadonos dados transformados de k0, porém com alcanceprático entre 17 e 98 km. Ressalta-se, no entanto,que o modelo exponencial, com efeito pepita fixo ajus-tado pelo método MQP para os dados originais de k0,apresentou alcance nulo, o que indica ausência de es-trutura de dependência espacial. Essa foi uma únicasituação em que se obteve o efeito pepita puro.

Entre os modelos teóricos de semivariogramaajustados, destaca-se o modelo esférico, com efeitopepita fixado em 0,2, ajustado pelo método MQO. Esseajuste apresentou grau de dependência espacial naordem de 77 % para os dados de k0 sem transformação

Quadro 2. Parâmetros dos semivariogramas ajustados dos dados sem transformação

Quadro 3. Parâmetros dos semivariogramas ajustados dos dados transformados

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e de 58 % para os dados transformados, sendo esseajuste considerado, respectivamente, de alta emoderada dependência espacial, conforme classificaçãoproposta por Cambardella et al. (1994).

Destaca-se que o modelo exponencial ajustado porMQP, para dados transformados de k0, apresentouefeito pepita nulo, o qual, apesar de desejável, é im-provável devido ao fato de que os dados de condutividadehidráulica apresentam elevada variabilidade mesmoem pequenas distâncias, conforme discutido anterior-mente.

Comparando os parâmetros dos semivariogramasajustados, observou-se que o logaritmo da condutividadehidráulica saturada forneceu valores de efeito pepitareduzidos até pela metade, embora tenha apresenta-do valores moderados de GD. Isso é resultado da trans-formação logarítmica que minimiza as semivariânciascom a redução da amplitude de variação da quantida-de de dados e, consequentemente, produz redução doefeito pepita, resultando em modelos de semivariogramamais consistentes, conforme pode ser observado nafigura 8. Porém, essa redução não resultou em au-mento efetivo do grau de dependência espacial.

Nos quadros 4 e 5 estão apresentadas as estatísticasde precisão oriundas das validações cruzada epreditiva, as quais nortearam, de forma definitiva, aseleção da melhor combinação a ser usada para omapeamento da condutividade hidráulica saturada naBacia do Alto Rio Grande, por meio de krigagemordinária.

Com base nas estatísticas dos referidos quadros, oprocedimento de validação cruzada dos dados semtransformação e transformados apresentou diferençamuito pequena, não contribuindo decisivamente paraa escolha do modelo. Entretanto, a validação preditiva,independentemente da base de dados aplicada (semou com transformação), revelou valores de erro médioreduzidos mais distantes de zero, em comparação comaos obtidos pela técnica da validação cruzada. Esse com-portamento era esperado, pois a validação cruzadaocorre no contexto da base de dados sobre a qual omodelo foi ajustado, enquanto a preditiva se dá no con-texto de dados desconhecidos do processo de modela-gem do semivariograma, devendo este último proce-dimento ser preferido, uma vez que demonstra efeti-vamente a real exatidão do interpolador geoestatístico.

Apesar dos aspectos levantados a respeito dasdificuldades envolvidas com a modelagem dacontinuidade espacial da condutividade hidráulicasaturada, Schaffrath et al. (2008), ajustando osmesmos modelos teóricos aplicados neste trabalho(esférico e exponencial) para porosidade total do solo earmazenamento de água correspondente à umidadena capacidade de campo, variáveis essas associadasao comportamento da condutividade hidráulicasaturada, obtiveram semivariogramas similares emtermos da representatividade da continuidade espacial,especialmente na situação de dados com transformação.Aplicando o modelo Gaussiano, Cichota et al. (2003)obtiveram bons ajustes desse modelo para osemivariograma experimental, o qual foi gerado com

Quadro 5. Validações cruzada e preditiva do logaritmo dos dados de condutividade hidráulica saturada

Quadro 4. Validações cruzada e preditiva dos dados de condutividade hidráulica saturada sem transformação

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base em dados transformados de infiltração após 105min de teste, com baixo efeito pepita e elevado patamar,sendo de qualidade superior aos obtidos neste trabalho.Contudo, os referidos pesquisadores trabalharam com40 dados espaçados de m em m em transeção e apenasum tipo de solo. Essa situação é fisicamente muitodistinta da investigada neste trabalho, o qual buscouamostrar uma bacia hidrográfica com 6.270 km2,constituída por diferentes unidades pedológicas ediversos usos do solo, portanto com grau decomplexidade superior dentro de um processo demodelagem da continuidade espacial, uma vez que asfontes de variabilidade são muito mais diversificadas.

Diante dos resultados e das dificuldades em semodelar a continuidade espacial da condutividadehidráulica saturada, é possível sugerir para seumapeamento, empregando dados sem ou comtransformação, o modelo esférico com efeito pepita fixoajustado pelo método dos mínimos quadradosordinários, os quais apresentaram patamar bemdefinido, moderado grau de dependência espacial eestatísticas de precisão favoráveis, sendo o valor deSER, fornecido pela validação preditiva, determinantena escolha dessa combinação. É fundamental reforçaras observações vinculadas à escolha do modelo desemivariograma. Essa escolha foi conduzida,principalmente, com base em estatísticas de precisãoobtidas a partir da validação preditiva, ou seja, dacomparação das estimativas de krigagem com dadosobtidos em condições de campo e que são desconhecidosdo processo de modelagem do semivariograma. Paraesse tipo de validação, perde-se uma base importantede dados que poderia melhorar ainda mais o ajuste dosemivariograma, contudo reduz, de forma efetiva, asincertezas vinculadas ao processo de validação. Avalidação preditiva é consideravelmente rara emtrabalhos desta natureza devido às dificuldades deamostragem em condições de campo (custos elevados,bem como logística de campo complexa), permitindoconcluir que o procedimento de escolha dosemivariograma também consiste de uma contribuiçãoimportante deste trabalho.

Além dos aspectos destacados anteriormente,ressalta-se que a aplicabilidade do modelo esférico,especialmente à ciência do solo de forma geral e emespecial a dados físico-hídricos (umidade do solo,infiltração, armazenamento de água e condutividadehidráulica saturada), tem sido bastante comum, comrelatos consistentes na literatura sobre o bomdesempenho desse modelo de semivariograma(Schaffrath et al., 2008; Camargo et al., 2010; Ávilaet al., 2010).

Mapeamento da condutividade hidráulicasaturada na Bacia Hidrográfica do Alto RioGrande

Na figura 9a, apresenta-se o mapa de condutividadehidráulica saturada desenvolvido com base nos dadossem transformação logarítmica. Observa-se que os

maiores valores de condutividade hidráulica seencontram, principalmente, na região da Serra daMantiqueira (sul da bacia) e na região de influênciado reservatório de Itutinga/Camargos (Campo dasVertentes), as quais apresentaram valores entre 1,47e 3,50 m dia-1.

Em contrapartida, na figura 9b o mapa gerado apartir dos dados transformados permitiu uma visãomais detalhada da distribuição espacial dacondutividade hidráulica saturada, realçando regiõescom valores mais altos, que superaram 30 m dia-1.No mapa da figura 9a, esses valores não puderam sercaptados devido à eliminação deles com base norespectivo gráfico “box-plot” (Figura 3a), em quevalores superiores a 3,5 m dia-1 foram eliminados paraque o estudo geoestatístico pudesse ser mais bemconduzido. Isso significa que o mapa obtido com basenos dados transformados é mais realista do que o obtidosem transformação de dados, uma vez que valores

Figura 9. Distribuição espacial da condutividadehidráulica saturada com dados sem (a) e comtransformação logarítmica (b).

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superiores a 3,5 m dia-1 foram conseguidos emcondições de campo e em quantidade apreciável(aproximadamente 15,6 % dos dados), e sua existênciaé uma realidade que não pode ser desprezada quandoda geração dos mapas de krigagem. Dessa forma,apesar do menor grau de dependência espacial domodelo de continuidade espacial ajustado aos dadostransformados, essa distribuição mais detalhada émais consistente e fornece informação mais precisado comportamento da condutividade hidráulicasaturada na bacia hidrográfica do Alto Rio Grande.

É importante destacar ainda que ambos os mapasdemonstraram valores elevados de duas regiõesimportantes no contexto de recarga subterrânea, ouseja, na região da Serra da Mantiqueira e nas áreasde Latossolos na porção mais setentrional da bacia.Na 1a situação, conforme hipótese levantada porMenezes et al. (2009), os solos são basicamenteCambissolos, porém apresentam uso do solopredominante em Mata Atlântica, o que proporcionamaiores conteúdos de matéria orgânica na superfíciedo solo, favorecendo o processo de infiltração. Na2a situação, os Latossolos da região, por apresentaremcaracterísticas pedológicas importantes no contextoda infiltração de água, especialmente estruturagranular, constituem áreas expressivas para recargade água subterrânea, no entanto muito suscetível aomanejo do solo (Gomes et al., 2007).

O mapa da figura 9b foi, contudo, capaz deidentificar valores elevados de condutividade hidráulicana região Centro-Sudoeste da bacia. Conforme podeser observado na figura 1, essa região é caracterizadapela ocorrência de Mata Nativa e Cerrado, além detrechos importantes com Latossolos, o que proporcionamaior qualidade física aos solos no contexto deinfiltração, como elevada porosidade drenável e maiorestabilidade de agregados, além de matéria orgânica,a qual contribui de forma relevante para ascaracterísticas destacadas anteriormente (Menezes etal., 2009; Ávila et al., 2010). No mapa da figura 9anão foi possível identificar essa região com o nível dedetalhamento da figura 9b.

Por se tratar de uma bacia hidrográfica estratégi-ca e cuja importância está associada ao seu potencialhidráulico-hidrológico para a geração de energia elé-trica (importantes rios nascem na região e há apro-veitamento hidrelétrico de médio porte – Camargos),este trabalho traz uma contribuição significativa parao manejo sustentável dessa bacia. No contexto de apli-cação prática dos mapas desenvolvidos, especialmenteo da figura 9b, destaca-se a identificação espacial deáreas promissoras no contexto de recarga subterrâ-nea, bem como áreas com menor vulnerabilidade àerosão hídrica, as quais poderão ser manejadas de for-ma mais adequada, visando à manutenção do seu po-tencial de produção de água e, consequentemente, deseu potencial hidrelétrico.

Apesar de a continuidade espacial ser semelhantenas situações sem e com transformação logarítmica,

inclusive no tocante ao melhor modelo desemivariograma, o mapeamento propriamente ditorevelou situações distintas em termos de distribuiçãoespacial, sendo possível observar maior detalhamentono mapa com dados transformados. Tal fato se deve,especialmente, ao menor número de dadosdiscrepantes, além de melhor caracterização deisotropia dos dados transformados.

CONCLUSÕES

1. Com base no procedimento de validação preditivae no grau de dependência espacial, foi possível escolhero modelo esférico ajustado pelo método dos mínimosquadrados ordinários para o mapeamento dacondutividade hidráulica saturada, tanto para dadossem transformação quanto para dados comtransformação.

2. Os mapas produzidos mostraram ênfase distintana distribuição espacial da condutividade hidráulicasaturada para a bacia hidrográfica do Alto Rio Grande.O mapa gerado com base em dados transformadosapresentou melhor detalhamento da distribuiçãoespacial da condutividade hidráulica saturada, sendopossível recomendá-lo para aplicações práticas.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pela concessão de bolsa a todos os autoresdeste trabalho; à CEMIG/ANEEL P&D 176) e àFAPEMIG (PPM IV 060/10), pelo suporte financeiropara a realização dos estudos em campo.

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