CONTO Bailarina

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  • 7/30/2019 CONTO Bailarina

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    A Bailarina

    Era uma vez uma bailarina, mas unia bailarina de papelo,daquelas que mexem simultaneamente os braos e aspernas. Nunca se cansava, e era bonita, bonita a valer.5Tinha saias de papel frisado.Um dia penduraram-na numa parede. O rapazito (como sechamava ele?) Gustavo, que costumava ir quela casa,

    adorava-a, mas ningum o sabia. Nem a tia mais velha nem a mais nova. Julgava-o ele.Entrava na sala, dizia duas palavras aos gatos de veludo que estavam, um de cada lado do10espelho, com belos olhos de contas de vidro a olhar para ele, dava mais uns passos elevantava o brao. Anda c tu, minha beleza! Tirava a bailarina do prego e zs-que-zs, zs-que-zs... Ela danava, levantava as pernas de lado, dava aos braos... Que tentao!Gustavo, puxava-lhe freneticamente pelo cordel. Dana, minha menina, dana! mais, mais,mais! Gustavo foi crescendo e a bailarina sempre na parede. Coitadita, mas no se sabe como,15envelhecia... Desbotaram-lhe as saias, encheu-se de riscos. E esqueceu, tornou-se esquecida.Nem alegre nem triste, porm sempre de braos no ar e de pernas penduradas.L veio um dia mais tarde em que Gustavo tornou a reparar nela. J ele era um tamanho.Como a bailarina das tias o tinha entretido! E riu-se desdenhoso. Antigamente tinha uma saiacor-de-rosa.20

    A carinha dela que ainda era bonita. At lhe lembrava a da bailarina do Salo Foz.Que bailarina! Como ela danava! Dava s pernas e aos braos quase como aquela.Ele ia tornar a experimentar. No estava ningum, a porta encostada... tirou a boneca parabaixo e, como antigamente, sentou-se no cho.J no tinha cordel para se puxar, bolas! Levantou-lhe um brao, depois o outro. Juntou-lhe as25mos. A marota tinha graa! Como a outra... Mas a do Foz corria de c para l e dava umaspalmadas e umas gargalhadas que alegravam toda a gente. Quando ela se ria riam-se todos.Havia de ir tornar a v-la.E quando ela se sentava no cho a fingir que estava amuada? Parecia mesmo uma garota...Gustavo sorria quelas ideias.30

    A porta, encostada, entreabre-se mansamente e a tia mais nova, j de cabelos grisalhos,pergunta-lhe, amvel:

    Ainda gostas da bailarina, Gustavo? Foi os teus encantos. E eu no ta dei nunca com medo deque tu a rasgasses.No, minha tia, j no gosto. Estava distrado.35No tenhas vergonha! Se quiseres dou-ta por recordao.Muito obrigado, minha tia, no preciso.

    Irene Lisboa, In Uma Mo Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma