Contra a dor, pelo movimento -...

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JULHO/AGOSTO DE 2015 | N O 4 WWW.BAHIACIENCIA.COM.BR Contra a dor, pelo movimento Experiências com células-tronco do próprio paciente revertem dor provocada por lesões ósseas e articulares LISTA VERMELHA PESQUISADORES APRESENTAM RELAÇÃO DE ANIMAIS E PLANTAS SOB RISCO DE EXTINÇÃO INSELBERGS BAHIA TEM A MAIOR CONCENTRAÇÃO DE ILHAS TERRESTRES DO PAÍS ESTALEIRO ENSEADA CRISE AMEAÇA INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA DEPOIS DE CEIFAR MILHARES DE EMPREGOS ENTREVISTA EDIVALDO BOAVENTURA O EDUCADOR MULTIDISCIPLINAR

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julho/agosto de 2015 | no 4 www.bahiaciencia.com.br

Contra a dor, pelo movimento

experiências com células-tronco do próprio paciente revertem dor provocada por lesões ósseas e articulares

Lista vermeLha

Pesquisadores aPresentam relação de animais e Plantassob risco de extinção

inseLbergs

bahia tem a maior concentração de ilhas terrestres do País

estaLeiro enseada crise ameaça investimento em tecnologia dePois de ceifar milhares de emPregos

entrevista

edivaldo boaventura

o educador multidisciPlinar

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outros olhares

Memória IV, livro da Academia de Ciências da Bahia (ACB) que documenta as atividades de divulgação cien-tífica da instituição em 2014, em especial as palestras de acadêmicos por ela promovidas, teve lançamento em 9 de junho, na Sala dos Conselhos da reitoria da Universida-de Federal da Bahia (UFBA). À frente do evento estava o presidente da academia, o ex-governador Roberto Santos.

O volume denso, 214 páginas, com jeitão de obra técni-ca, de repente surpreende, corta expectativas certas, abre uma porta inesperada para o encanto, movida pela artista plástica Viga Gordilho. Que trabalho estético é este que instaura uma atmosfera tão onírica a entrecortar de tem-pos em tempos o discurso técnico e científico?

Ouçamos Viga em seu “Tempo gerúndio” (página 8):

“Caminhando, compartilhando, fotografando, pintando, incrustando... compartilho arte e natureza em um tempo gerúndio, visando potencializar as peculiaridades da pai-sagem de cada lugar que transito em cidades ribeirinhas.”

E ainda um pouco: “Nessa caminhada, venho capturan-do paisagens e recolhendo fragmentos para eternizá-los com banho de ouro, prata ou cobre em outro tempo/espa-ço, frágil e precioso. São como pistas plurais que indiciam pontos de deslocamentos ou entrelaçamentos paisagís-ticos, podendo semear reflexões sobre o desmatamento gradativo das nossas florestas”.

A melhor forma para obter o livro, tomar contato com o trabalho contínuo da ACB e uma amostra do trabalho de Viga Gordilho é pedi-lo à instituição.

tempo e imagens de Viga gordilho

série: “Tempo gerúndio”, 7 módulos: fotografia, pintura, fibras, conchas, ouro, prata e cobre, 20 cm x 14 cm, 2014

16 EntrEvista Edivaldo BoaventuraO educador e professor fala da importância do ensino a distância, de sua trajetória pessoal e acadêmica e do trabalho para criar as universidades do Estado da Bahia (Uneb) e Estadual de Feira de Santana (Uefs)

24 CapaTerapia com células-tronco livra pacientes de dores provocadas por lesões ósseas

SeçõeS

3 Outros olhares

7 Carta da editora

8 Rememórias

11 Cartas

12 Poucas e boas

80 Historia em quadrinhos

Artigo

59 De repente, Grafeno, por João Marcelo Ramos da Rocha

4

16

cApA Ilustração: Mauricio Pierro

Conjuntura

32 simpósioEspecialistas apresentam diagnósticos agudos e soluções possíveis para autoridades, pesquisadores e empresários, em evento sobre a propensão da Bahia a inovar

36 EmpreendedorismoAlunas de escola técnica de Recife criam um game sobre uso racional da água e ganham menção honrosa em torneio na Califórnia

produção do ConheCimento

38 BiodiversidadeLagartinho-do-abaeté está entre as 328 espécies da fauna baiana que estão ameaçadas de extinção, segundo pesquisadores

44 GeologiaDe um anterior terceiro lugar, o estado da Bahia tem hoje a maior concentração de inselbergs, as ilhas terrestres

38

44

52

pesquisa e desenvolvimento

49 indústria naval Contratos, projetos industriais e empregos são sugados pela tormenta gerada nas investigações da Operação Lava-Jato

52 indústria naval Estaleiro em Maragojipe se orienta pela produtividade para dar vida nova à construção naval na Bahia e se lançar no mercado global

68 Matéria na Modernidade Conversas filosóficas no sul da Bahia

70 31ª Bienal de arte de são pauloArthur Scovino, artista visual fluminense radicado em Salvador, revigora a desgastada linguagem da instalação

76 intervenção UrbanaMáscaras afro-brasileiras de Renato Silveira foram exibidas no Minhocão, a conhecida via elevada no centro de São Paulo

76

60 tecnologiaEmbalagens biodegradáveis, feitas com biopolímeros e nanocristais de celulose, ajudam a preservar mangas destinadas à exportação

Cultura e humanidades

64 HomenagemConsuelo Pondé de Sena: o vulcão da Bahia adormeceu

6 | JULHO/AGOSTO DE 2015

Editora

Mariluce Moura

Redação

Mariana Alcântara (editora assistente),

Edvan Lessa (repórter)

Arte

Marina Oruê (editora),

Mayumi Okuyama (projeto/consultoria)

Colaboradores

Bruno Marcello, Dinorah Ereno,

Domingos Zaparolli, Fábio Marconi,

Fabrício Marques, José Bento Ferreira,

Léo Ramos, Mariana Sebastião,

Maurício Pierro, Mauro de Barros,

Nádia Conceição, Nara Lacerda

Ferreira, Sérgio Mattos, Tessa

Moura Lacerda

Tiragem

12.000 exemplares

Impressão

Grasb - Gráfica Santa Bárbara

Produção gráfica - Hamiltom Jimmy

Distribuição

Jornal A Tarde

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL

OU PARCIAL DE TEXTOS E IMAGENS

SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

Contato

[email protected]

Tel.: 55 11 3876-7005

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Para assinar

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www.bahiaciencia.com.br

Bahiaciência é uma revista

bimestral da

Aretê Editora e Comunicação

Rua Joaquim Antunes, 727, conj. 61

CEP 05415-012

Pinheiros, São Paulo, SP

Tel.: 55 11 3876-7005

ISSN 2358-4548 OS PARCEIROS DA BAHIACIÊNCIA

ALGUMAS CONVERSAS NO começo des-te ano e a apresentação, em seguida, de uma proposta para viabilizar a parceria entre a Aretê Editora e Comunicação, em-presa que publica a Bahiaciência, e impor-tantes instituições de ensino e/ou pes-quisa do estado da Bahia, prepararam os primeiros acordos destinada a assegurar a continuidade de uma revista baiana de divulgação científica de alto nível.

O que se propõe aos candidatos a parcei-ros é fazer uma assinatura anual de um pacote de 500 exemplares da revista para destiná-los a dirigentes da instituição, lí-deres de grupos de pesquisa, laboratórios, bibliotecas e outras unidades em que haja interesse nessa leitura. Em contrapartida, afora os devidos exemplares, se oferece duas páginas para livre uso da instituição parceira no corpo da revista, com layout diferenciado, sem prejuízo das reporta-

gens pautadas pelo corpo editorial com foco em produções da referida instituição.

Lançada em 2014, com tiragem média de 12 mil exemplares, Bahiaciência destina--se a praticar um rigoroso e atraente jor-nalismo científico para apresentar aos leitores de distintas áreas, em linguagem clara, as contribuições da pesquisa de-senvolvida na Bahia para o conhecimento científico em suas diversas áreas, inclusi-ve as humanidades, e para a inovação no setor produtivo, no contexto do país e do mundo. Tem como norte contribuir viva-mente para o debate profícuo sobre as vias contemporâneas do desenvolvimen-to de um estado tão fortemente marcado por suas singularidades culturais.

Nesta edição 4, temos a honra de apre-sentar nossos primeiros parceiros: a UFBA e a Fiocruz-BA.

Universidade Federal da Bahia

bahiaciência | 7

Mariluce Moura

Por entre crises e retomadas

É um prazer escrever nova carta aos leitores de Bahia-ciência depois de um silêncio involuntário de nove meses pelo meio impresso – sim, porque em seu sítio eletrônico, www.bahiaciencia.com.br, a revista continuou ativa e dan-do conhecimento ao público das mais relevantes notícias e debates sobre a ciência, o desenvolvimento tecnológico e a inovação que têm lugar na Bahia. Devo lhes dizer que foram tempos duros o dessa travessia no nevoeiro, em que a estratégia de levar o barco devagar, como sabiamente re-comendado por Paulinho da Viola em Argumento, tornou--se imperativa.

Nesse meio tempo, a gráfica que imprimiu as três pri-meiras edições da revista, em Recife, fechou as portas. E a retomada da indústria naval da Bahia, objeto da repor-tagem de capa da edição que sairia em dezembro passado, transformou-se em crise profunda, marcada pela demis-são de quase 6 mil pessoas da Enseada Indústria Naval, e pelo desencaminhamento de um notável investimento por ela feito em transferência direta de tecnologia do Ja-pão para a Bahia. Optamos por manter, nesta edição, a reportagem feita em fins do ano passado, precedida por novo texto do jornalista Domingos Zaparolli que atualiza essa complexa e difícil história, como se poderá conferir a partir da página 49.

Mas, dificuldades à parte, Bahiaciência está na rua de no-vo para ser publicada a cada dois meses. E o que possibilita isso é o apoio concreto e precioso à ideia de uma revista baiana de divulgação científica por parte de importantes parceiros – agentes centrais da produção do conhecimento, da busca de novas tecnologias e da geração de inovação, no estado da Bahia. A lista está sendo aberta pela Universida-de Federal da Bahia (UFBA) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-BA) – ver página ao lado –, graças ao empenho direto, respectivamente, do reitor João Carlos Salles e do diretor Manoel Barral Netto. O suporte de outras institui-ções está em fase de acerto e certamente terá se efetivado na próxima edição da revista.

Isso posto, é mais que tempo de abordar esta edição em termos propriamente editoriais, começando pela bela re-portagem de capa, a partir da página 24, sobre a pesquisa de uso de células-tronco na recuperação de lesões ósseas e articulares, provocadas, sobretudo, pela anemia falcifor-

carta da editora

me que inferniza a vida de adultos jovens. O líder desse importante estudo e pesquisa aplicada é o médico ortope-dista, professor da UFBA, Gildásio Daltro. O autor da re-portagem é Edvan Lessa, jovem e talentoso jornalista que integra a mais que enxuta equipe profissional responsável pela produção editorial de Bahiaciência. Além da capa, duas outras reportagens da seção “Produção do Conhecimento” são da lavra desse profissional que neste momento trata de dar continuidade à sua formação com o mestrado em jornalismo científico e cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), o mais conceituado do país. Refiro-me aos textos sobre a lista de espécies animais e ve-getais ameaçadas de extinção (página 38) e sobre os insel-bergs, ilhas terrestres de que o território baiano é o maior repositório no país (página 44).

Na seção “Pesquisa e Desenvolvimento” o destaque vai para a reportagem de Mariana Alcântara, outra competen-te jornalista que agora integra o time fixo da Bahiaciência, sobre o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis para a exportação de mangas na forma fresh-cut (sem casca e sem caroço), feitas com biopolímeros e nanocristais de celulose (página 60). A coordenadora do projeto é Bruna Machado e o ambiente para o desenvolvimento do projeto é o Laboratório de Alimentos e Bebidas do Senai-Cimatec.

Por fim, além de recomendar a leitura da entrevista de Edivaldo Boaventura, feita por mim (página 16), e do úl-timo texto escrito por Guaraci Adeodato, especialmente para a Bahiaciência e enviado apenas três dias antes de seu precoce falecimento (Rememórias, página 8), chamo a atenção também para: os quadrinhos de Bruno Marcello nas três páginas finais da revista; o texto sensível de Ser-gio Mattos sobre Consuelo Pondé (outra grande perda de uma professora e querida amiga), abrindo a seção “Cultu-ra e Humanidades” (página 64); o texto filosófico de Tessa Moura Lacerda, com ilustração/interpretação livre de Nara Lacerda Ferreira (página 68) e os textos sobre artes plásti-cas de José Bento Ferreira (página 70). E seria injusto não recomendar a vocês um olhar especial às fotografias de Léo Ramos e Fábio Marconi e ao trabalho de arte de Marina Oruê e Mayumi Okuyama.

Boa leitura!

8 | julho/agosto de 2015

Desde a infância ouvi muitas referências elogiosas a José Adeo-

dato de Souza, meu avô paterno, que muito me orgulhavam.

Diziam-me que era exímio e brilhante professor, clínico e cirurgião

competente e habilidoso, pai de família extremoso, pessoa boa,

vibrante e alegre. Mas estas falas constituíam flashs sobre facetas

pontuais de sua vida ou de sua personalidade. Faltava-me formar

uma visão mais integrada e compreensiva desse homem que não

tive o privilégio de conhecer. Tentei traçar isso aqui, partindo de

informações verbais de pessoas que o conheceram de perto, de

familiares e de uns poucos escritos sobre ele, sem explorar o ma-

terial documentado no Memorial da Faculdade de Medicina e sem

pretender tecer sua completa biografia.

* * *

José Adeodato de Souza nasceu na cidade de Cachoeira, Bahia,

em 1873. Era filho caçula (o sexto) de Manoel Adeodato de Souza

(1842-1914) e de Mª Elisa Rodrigues de Souza, chamado de Zezi-

nho pela família. Seu pai, como descrevem minhas primas Miriam

Vilarinho e Lívia Teixeira (2012, pág. 35-40), era comerciante de

secos e molhados, administrador de fazendas, rábula famoso em

questões de terra, com uma grande clientela distribuída em várias

localidades do interior, mesmo além do Recôncavo baiano.

A família desfrutava de condições de vida confortáveis. Mo-

rava num sobrado colonial amplo, com muitas janelas, típico das

cidades do Recôncavo. Com isso, puderam propiciar boa forma-

ção humanística e profissional a todos os filhos, que se desta-

caram nas suas respectivas profissões (Miriam Vilarinho e Lívia

Teixeira, 2012, pág. 35-40). Era uma casa aberta aos amigos e

parentes, tendo em alguns momentos acolhido netos órfãos.

José Adeodato de Souza veio completar seus estudos em

Salvador, colando o grau em medicina em 1895, na Faculdade

de Medicina da Bahia, aos 22 anos. Foram seus colegas de turma

Egas Muniz Barreto de Aragão e João Américo Garcez Fróes,

além de outros, que se tornaram também ilustres catedráticos

desta faculdade (Médicos Ilustres da Bahia e de Sergipe, site;

José Adeodato de Souza Filho, 1978).

Sempre foi muito estudioso, tendo acumulado, através dos

anos, amplos conhecimentos na medicina e domínio de várias

línguas estrangeiras (francês, alemão, inglês, espanhol e italiano),

além de grego e latim, que lhe apoiavam o cultivo esmerado da

língua portuguesa. Assim, suponho que ele tenha iniciado seus

disciplinados esforços nesses campos, antes mesmo da sua gra-

duação em medicina, que continuaram incansáveis ao longo da

sua curta, mas intensa, existência.

Na Faculdade de Medicina exerceu distintas atividades do-

centes e realizou vários concursos, seguindo um progressivo

amadurecimento e aprimoramento profissional, com respon-

sabilidades crescentes. O mais importante foi aquele para cate-

drático de obstetrícia e ginecologia, uma das cátedras mais

antigas da Faculdade de Medicina, onde exerceu sua docência

de 1902 a 1911.

Entre estas atividades foi chefe da Enfermaria Militar Provi-

sória, na Faculdade de Medicina, durante a Guerra de Canudos,

e preparador, por concurso, de anatomia médico-cirúrgica, de

1896 a 1902 (Médicos Ilustres da Bahia e de Sergipe, site), que

lhe valeu boa solidez nesse campo.

Segundo meu pai, seu aluno: “Era um dos mais destacados

anatomistas de seu tempo. Quando preparador de anatomia,

além das aulas que era incumbido de dar por dever de ofício,

ministrou muitos cursos particulares, que lhe melhoravam os

recursos financeiros, que eram poucos naquela fase da vida”.

A cátedra de obstetrícia e ginecologia uniu, por muitos anos,

o que se passou a considerar depois diferentes especialidades

médicas, em vista dos avanços mais recentes nesses campos e

das diferenças nas questões tratadas. Uma reforma na estrutura

curricular realizou a separação, em 1911, dessas duas cátedras,

passando meu avô a ocupar a de ginecologia até 1925. Por isso

é considerado por muitos o iniciador, na Bahia, da especialidade

ginecológica, na qual se consagrou como um dos seus maiores

mestres, e a respeito da qual publicou alguns dos seus mais im-

portantes trabalhos, referidos adiante (Médicos Ilustres da Bahia

e de Sergipe, site).

Meu avô casou-se com Olívia Amélia Bacellar, em 4/12/1897,

aos 24 anos, dois anos após a sua graduação em medicina. Era

pequena a diferença etária entre ambos, de apenas três anos; o

que era incomum na fase histórica em que viveram, quando os

maridos costumavam ser bem mais velhos que suas esposas.

Minha avó era natural de Feira de Santana, filha caçula de

Antônio Evaristo Bacellar e Amélia dos Santos Pereira Bacellar,

de um total de 11 filhos, tamanho de prole muito recorrente na

Bahia de fins do século XIX, mesmo na capital, que passava por

alguma modernização nessa fase. Seu pai faleceu precocemen-

te, aos 47 anos, em 16/2/1877, e sua mãe, viúva aos 35 anos, com

tantos filhos, lutou arduamente para conseguir realizar sua vi-

toriosa proeza de criá-los e educá-los segundo os padrões éticos,

materiais e costumes familiares (Miriam Vilarinho e Lívia Teixei-

ra, 2012, pág. 45).

Meus avós tiveram oito filhos, sendo que o primeiro, Heraldo,

nasceu um ano após o casamento e faleceu por volta dos 8 anos.

Os demais foram nascendo em pequenos intervalos de dois ou

rememórias

UM Mestre da Obstetrícia e da GinecOlOGia

JOSÉ ADEODATO DE SOUZA

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três anos na seguinte ordem: Noélia, Herberto, Noêmia, meu pai,

Heloisa, Mª Olívia e Hilda. A essa prole eles incorporaram, ainda

pequeno, um sobrinho de meu avô que ficara órfão de mãe,

Manoelito (Manoel Adeodato de Souza Menezes).

Paralelamente à formação e educação do seu núcleo familiar,

meu avô seguia o progresso acadêmico acima sintetizado e

ampliava significativamente a sua clientela, descrevendo uma

trajetória social ascendente, com repercussões favoráveis sobre

os meios materiais de vida de toda a família.

Um dos seus hobbies principais era fazer objetos entalhados

em madeira, geralmente delicados e de bom gosto. Gostava

muito também de organizar festas dançantes e animadas em

casa, para as quais convidava também alunos seus da faculdade.

Chegou a conhecer três de suas netas: Miriam, Nêda e Lívia,

filhas de Noêmia. Um mês depois do nascimento de Lívia, ele

sofreu uma crise de cólica hepática. Operado de emergência ,

faleceu durante a cirurgia, em pleno vigor dos seus 57 anos

(Lívia Teixeira, 2012)

Na sua maturidade acadêmica, meu avô continuava um gran-

de estudioso e seus conhecimentos amplos e sólidos de medi-

cina eram alicerçados em vasta cultura de ciências básicas, que

se desenvolviam com celeridade, sobretudo na Europa, a partir

de fins do século XIX.

Buscando ativamente sua renovação e atualização acadêmi-

ca, passou em 1907 algum tempo em visita aos melhores centros

e serviços de suas especialidades na França e na Alemanha, em

companhia de sua esposa. Embora estudioso das ciências bási-

cas, não foi um pesquisador ou um investigador, como o foram

Pirajá da Silva, Nina Rodrigues, entre outros.

Foi, antes de tudo, segundo meu pai, “...um professor com

uma inteligência privilegiada e uma cultura humanística inve-

jável. Júlio Adolfo, grande e famoso baiano, pai de nosso mestre

José Olímpio e de nosso colega Júlio Olimpo, costumava emitir

um conceito a respeito de Adeodato e que era muito repetido

por outros: “Adeodato sabe muito e tudo o que sabe traz na

ponta da língua”. E completava: “De fato, dificilmente se podia

ouvir explanações, de improviso, com tanta segurança e preci-

são...” (José Adeodato de Souza Filho, 1978).

Comentários como estes, ouvi, algumas vezes, do meu que-

rido mestre Thales de Azevedo, seu discípulo e colaborador, que

se graduou em medicina e se converteu, mais tarde, num gran-

de e admirado antropólogo.

Destacava-se não só nas aulas teóricas ou expositivas, mas

também no ensino prático das técnicas e procedimentos de

obstetrícia e ginecologia mais atuais e adequados, que realizava,

provavelmente, através do envolvimento dos seus alunos e dis-

cípulos no âmbito de suas atividades em instituições médicas

públicas, especialmente na Santa Casa da Misericórdia.

Tinha grande segurança na atuação clínica na obstetrícia e

ginecologia, era hábil cirurgião e obstetra, operava com grande

destreza e segurança, e “...tido como um dos precursores da

estandardização cirúrgica, que tanto impulso trouxe à medicina

operatória” (José Adeodato de Souza Filho, 1978), realizando o

primeiro parto cesariano na Bahia.

Entre as contribuições que imprimiu à cirurgia ginecológica,

a Histeropexia Ligamentar a Gilliam-Adeodato teve especial

relevo e foi adotada por outros também fora da Bahia, como

salienta meu pai, que a assumiu como assunto de sua tese de

doutoramento (José Adeodato de Souza Filho, 1978).

Com esse elevado padrão de desempenho profissional con-

seguiu conquistar uma vasta clientela na Bahia.

“Mais de 50 trabalhos científicos de grande valor foram pu-

blicados pelo professor José Adeodato de Souza, a maioria

deles na Gazeta Médica da Bahia e no Brasil Médico, bem como

na revista Gynécologie et Obstétrique, e outros periódicos es-

trangeiros” (Médicos Ilustres da Bahia e de Sergipe, site).

Três trabalhos se salientaram pelo mérito invulgar:

“Considerações sobre o Botão Endêmico dos Países Quentes”,

sua tese de doutoramento, estudo de uma doença que constituía

importante problema de saúde pública, hoje conhecida como

leishmaniose americana e praticamente vencida.

“Lições de Emenologia Clínica”, monografia de 250 páginas,

editada pela Livraria Catalina, em 1913, que foi na época o es-

tudo mais completo e bem elaborado sobre a fisiologia e a

clínica da menstruação, escrita em língua portuguesa, sendo

“emenologia” um neologismo por ele criado.

o professor em sua maturidade, com olívia, em Berlim (1907)

10 | julho/agosto de 2015

“Propedêutica Ginecológica”, talvez o mais importante de

todos, também editado na Bahia, sendo considerado em todo

o país como um dos trabalhos clássicos no campo, ainda atual.

Nesse último trabalho fez uma linda dedicatória a meu pai, en-

tão um concluinte do curso médico (reproduzida em Lívia Tei-

xeira, 2012)

Meu pai também salienta outra faceta de meu avô que traduz

o dinamismo de sua inserção na vida da sociedade local do seu

tempo: “...era considerado um grande purista da linguagem fa-

ciação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) lembrou que

Guara , “graduada em serviço social em 1965, se aproximou da

demografia no curso de especialização Formation en Dévelop-

pement que fez no Institut International de Recherche et de

Formation en vue du Développement Haarmonisé (Irfed) em

Paris, em 1967 e 1968”. Ela daria continuidade à sua formação

com a especialização em dinâmica populacional, na Faculdade

de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP),

em 1969, e em demografia, logo em seguida, no Centro Latinoa-

mericano de Población (Flacso/Celade) no Equador. Sua disser-

tação no mestrado de economia na UFBA, em 1976, tratou de

“Migração e Subemprego em Salvador”.

No começo dos anos 1980, o doutorado na Universidade Es-

tadual de Campinas (Unicamp), orientado por Maria Coleta Oli-

veira, lhe deu a oportunidade de elaborar o estudo “Sucessão das

Gerações na Bahia: Reencontro de uma Totalidade Esquecida”.

Ao lembrar esse dado de sua vida acadêmica, o texto da Abep

qualifica Guara como “teórica extremamente séria e ambiciosa,

embora não canônica”. E define sua tese, primeiro, como um

complexo repto teórico que faz parte de sua busca por uma for-

mulação a respeito da reprodução demográfica capaz de inter-

pretá-la, enquanto processo social e histórico. E em segundo

lugar, no plano empírico, como um esforço de reconstrução das

”experiências históricas de mudança na fecundidade e nos pa-

drões de procriação, associadas a alterações estruturais em outras

dimensões da sucessão das gerações”.

Participante ativa do desenvolvimento da demografia no Bra-

sil, Guaraci teve êxito em sua batalha pela inclusão dessa disci-

plina no Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais da UFBA. E conseguiu

também introduzir o questionamento de-

mográfico como linha de pesquisa de seu

Centro de Recursos Humanos (CRH), além

de nele implantar o Laboratório de Análises

Sociodemográficas, do qual foi coordena-

dora até recentemente. O texto da Abep

ressalta que o laboratório funcionou também

como um posto estratégico para Guara

realizar atividades de extensão, como cur-

lada ou escrita. Nos últimos anos de vida vinha escrevendo

para o vespertino A Tarde uma série de artigos semanais, sobre

terminologia médica, com invulgar repercussão. Quando faleceu,

tinha em elaboração um livro em que enfeixava, em forma ade-

quada, os assuntos publicados, estimulado pelos constantes e

numerosos leitores”.

GUARACI E A DEMOGRAFIA NA BAHIA

MARILUCE MOURA

O texto sobre seu avô para a Bahiaciência foi o último escrito

por Guaraci Adeodato Alves de Souza — Guara, para quem teve

o privilégio de conhecê-la de perto. No fim da tarde de 7 de de-

zembro de 2014, ela me enviou um email no tom carinhoso de

sempre. Dizia-me: “Maricota, não deu para mandar uma carta

falando de meu avô como me pediu. Precisava ser algo mais

compreensível. Existiria mais coisa a dizer sobre ele. Tentei reter

o que considero o principal acessível. Agora segue um texto

enxuto em anexo sobre o qual pode fazer ou me indicar as mu-

danças necessárias. Beijão”.

Respondi de pronto, dizendo-lhe que adorara e que não mu-

daria nada, apenas o enquadraria nas normas de edição da re-

vista. E acrescentava que precisava de uma bela foto antiga,

“daquelas que quem faz revista adora”. Mas resolvi telefonar para

ela meia hora depois. Tinha que expressar mais vivamente minha

alegria com esse texto que eu lhe pedira exatamente um mês

antes, num agradabilíssimo almoço de domingo no apartamen-

to de Anete e Rubem Ivo, escandalosamente aberto para a imen-

sidão da baía de Todos os Santos. Entre deliciosas conversas,

muitas risadas e doces lembranças, alimentadas por um extraor-

dinário cozido, ficamos diante do mar até o cair da noite, os

anfitriões, sua filha Any, Guara, Mirabeau — seu companheiro

havia 42 anos — e eu. Insistimos todos para que ela fizesse uma

rememória sobre o trabalho pioneiro do Adeodato avô, a que o

Adeodato pai daria adiante continuida-

de. Ela relutava. No telefonema do dia 7

me disse o quanto estava feliz por ter

escrito o texto e me comunicou que

arranjara uma foto maravilhosa para

ilustrá-lo.

Menos de 48 horas depois, na manhã

de 9 de dezembro, Guara faleceu. No

texto em que deu a notícia da morte

dessa pesquisadora que foi “uma de suas

mais ilustres e antigas sócias”, a Asso-

Teixeira, Livia a. s. e Vilarinho, miriam, Livro inédito documental sobre

a genealogia e biografias das famílias materna e paterna das autoras.

BAHIACIêNCIA | 11

sos, seminários e reuniões, com apoio da pró-

pria Abep, do Centro de Desenvolvimento e

Planejamento Regional de Minas Gerais (Ce-

deplar) e do Núcleo de Estudos Populacionais

da Unicamp (Nepo). “Todas estas inovações

tornaram-se o núcleo de desenvolvimento de

uma área de estudos de demografia na Bahia,

até então inexistente”.

A UFBA também prestou, cinco meses de-

pois, uma homenagem significativa a Guara-

ci, dando seu nome ao auditório do Centro

de Estudos e Pesquisa em Humanidades, o

mesmo CRH pelo qual ela tanto batalhou.

Antes da cerimônia de inauguracão da placa,

suas contribuições científicas e acadêmicas

foram objeto do seminário “Sociologia e De-

mografia: diálogos com Guaraci Adeodato”,

aberto pelo reitor João Carlos Salles. O coor-

denador do CRH, Alvino Sanche, deu conti-

nuidade aos trabalhos e, em seguida, uma

mesa-redonda presidida por Annete Ivo, com

a participação de Maria Coletta, Inaiá Carva-

lho e Iracema Guimarães, todas respeitadas

demógrafas, debateu as contribuições de

Guaraci Adeodato Alves de Souza – segundo

a Abep, “uma das pioneiras que tornaram pos-

sível a constituição da demografia como área

disciplinar em nosso país”.

Seria impossível, contudo, dada a persona-

lidade notável e esfuziante de Guaraci, abordar

apenas suas contribuições intelectuais. O pró-

prio texto da Abep cuidou de lembrar que se

tratava de uma mulher “apaixonada, irreveren-

te, engraçada, bem-humorada, séria, polêmica,

extremamente responsável, politicamente en-

gajada, ‘porreta’”. Sua família, especialmente

seu marido e companheiro por 40 anos, Mira-

beau Alves de Souza, suas filhas Beatriz e Ma-

riana, seu neto Antonio, e seus muitos amigos

– Guara era a melhor amiga de muita gente

– seguramente acrescentariam a isso seu im-

batível espírito guerreiro, sua vasta generosi-

dade e sua capacidade de amar com espan-

tosa largueza. Seu riso, sua gargalhada incon-

fundível e seu coração, digamos, “de manteiga”

eram expressões desse seu ser.

Nada a estranhar, assim, que uma asso-

ciação de caráter profissional, como a Abep,

tenha concluído seu texto com essas palavras:

“Guara não vai deixar apenas saudades. Vai

deixar um imenso vazio tanto na Abep quan-

to em nossos corações”. A amiga fraterna aqui

assina embaixo.

carTas

revista

w Li a primeira edição da revista e achei a proposta declarada precisamente realizada, inovadora na veiculação de informação científica/acadêmica de forma atraente, clara e de acessibilidade tão importante para todos. Traz ao conhecimento o saber contemporâneo e próximo do dia a dia numa cidade pioneira e hoje distante da divulgação dos centros onde se veicula a maior parte da informação científica ou dos eventos acadêmicos. Pura notícia, boas surpresas ao ler, do professor Zilton Andrade à Orquestra Neojiba. Da realização do Centro Tecnológico da Bahia, que deve alavancar a atividade de pesquisa para o desenvolvimento da região e do Brasil, ao risco à saúde humana provocado pelo desequilíbrio ambiental na baía de Todos os Santos, que

todos a protejam. Que seu empenho em editar a revista seja duradouro e alimentado por bons resultados.

armando Guzzardi

On-line

w Flaminia Mastrangeli_Muito bom em tudo que faz. Professor, escritor, palestrante e sem frescura, sabe muito e não era arrogante. Simples e legal. Essa é a lembrança que tenho do meu professor de História João José Reis (Uma revolta dos negros muçulmanos)

w Lazaro Viana_Enseada In-dústria Naval: Até hoje estou sem acreditar que uma indús-tria dessa plenitude pode parar, sinceramente. Muito triste. (En-seada Indústria Naval: o gigante pede socorro)

w Leon Silva_Vamos nos mobi-lizar, gente!” (Um centro de big data em saúde)

12 | julho/agosto de 2015

Difusão Da ciência reconheciDa

Museu

Geológico da

Bahia, que foi

reaberto em

2014

poucas e boas

Museus da Bahia no guia internacional

Sete museus da Bahia estão rela-

cionados no Guia de centros e mu-

seus de ciência da América Latina

e Caribe, lançado em maio no 14º

Congresso da Rede de Populariza-

ção da Ciência e da Tecnologia da

América Latina e Caribe (RedPop),

em Medellín, na Colômbia. Cinco

ficam em Salvador. O Museu de

Ciência e Tecnologia da Bahia, um

dos primeiros museus interativos

de ciência no Brasil, criado em 1989,

é um deles. Ainda na capital baia-

na, são listados os perfis e as atra-

A Secretaria de Ciência, Tecnologia

e Inovação do Estado da Bahia (Sec-

ti) recebeu menção honrosa no 35º

Prêmio José Reis de Divulgação Cien-

tífica, do Conselho Nacional de De-

senvolvimento Científico e Tecno-

lógico (CNPq), que neste ano foi

concedido na categoria “instituição

ou veículo de comunicação”. A Sec-

ti, que disputou com 62 concorren-

ções do Jardim Botânico, do Zoo-

lógico, do Museu de Arqueologia

e Etnologia da Universidade Fede-

ral da Bahia e do Museu Geológico

da Bahia. Outros dois museus do

guia estão em Feira de Santana: o

Museu Municipal Parque do Saber

e o Observatório Astronômico An-

tares. O Brasil abriga 268 dos 464

museus e centros de ciência des-

critos no guia, que está disponível,

em português e em espanhol, no

site www.redpop.org. “O Brasil é

um dos países da região que têm

investido na criação e na manu-

tenção de museus de ciência”, diz

Luisa Massarani, pesquisadora da

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

e coordenadora do guia.

tes, foi agraciada pela difusão da

ciência através de redes sociais, co-

mo o Facebook e o Twitter, em que

interage com os cidadãos. O primei-

ro lugar no Prêmio José Reis coube

à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),

em reconhecimento aos canais de

comunicação em meios impressos,

eletrônicos e digitais que divulgam

conhecimento na área da saúde.

aDiDo agrícolana rússia

Antonio Alberto Rocha Oliveira,

que há 35 anos é pesquisador da

Embrapa Mandioca e Fruticultu-

ra, em Cruz das Almas, assumiu

a função de adido agrícola da

Embaixada do Brasil em Moscou.

Engenheiro agrônomo pela Uni-

versidade de Brasília (UnB), Oli-

veira é doutor em biologia pura

e aplicada pela Universidade de

Leeds, na Inglaterra, e fez pós-

-doutorado em fisiofitopatologia

na Universidade do Havaí. Ele

participou de um processo sele-

tivo com 195 funcionários do

Ministério da Agricultura e de

órgãos vinculados, como a Em-

brapa e a Companhia Nacional

de Abastecimento (Conab), que

escolheu sete novos adidos agrí-

colas. “O adido agrícola tem co-

mo tarefa principal identificar

oportunidades de exportação

para os produtos nacionais, aju-

dando o governo brasileiro na

abertura e manutenção de mer-

cados”, disse Oliveira ao site da

Embrapa. Uma de suas primeiras

tarefas em Moscou foi dar apoio

para a visita que a ministra da

Agricultura, Kátia Abreu, fez à

Rússia, em julho.fo

to

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BAHIACIêNCIA | 13

ciências

hum

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ciências

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aúde

sociais a

plicad

as

engenharias

e c

omputa

ção

exata

s e d

a terra

ciências

agrá

rias

lembranDo a luta pela inDepenDência

O Centro de Memória da Bahia (CMB),

vinculado à Fundação Pedro Calmon,

preparou uma programação intensa

relacionada ao 2 de julho, data que

celebra a vitória dos brasileiros, em

1823, na guerra travada na Bahia

pela independência do Brasil. Entre

as atividades, aulas públicas itine-

rantes foram realizadas nos muni-

cípios de Cachoeira, São Félix, San-

to Amaro, Maragojipe, São Francisco

do Conde e Caitité. A programação

em Salvador começou no dia 30 de

junho. Uma aula pública do histo-

riador Sérgio Guerra Filho, da Uni-

versidade Federal da Bahia, levou o

O Primeiro Passo

para a

Independência

da Bahia, pintura

de Antonio

Parreiras

o censo 2014 Dos grupos De pesquisa

mais pesquisa no norDeste

O desempenho da região Nor-

deste foi um dos destaques do

10º Censo do Diretório dos

Grupos de Pesquisa no Brasil,

divulgado pelo Conselho Na-

cional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico

(CNPq). Enquanto em 2004 os

estados nordestinos abrigavam

14,2% dos grupos de pesquisa

do país, em 2014 o quinhão

elevou-se para 20,4%, quase o

mesmo patamar da região Sul

(22,4%). Na Bahia, o número

de grupos em atividade saltou

de 728 em 2004 para 1.763 em

2014. O avanço foi de 142%,

bem acima dos 82% registrados

nos números nacionais. Os

campos do conhecimento com

maior aumento de grupos no

estado foram as ciências hu-

manas e as ciências sociais

aplicadas (ver quadro). O Cen-

so registrou um aumento na

participação de mulheres no

comando de grupos de pes-

quisa no Brasil – elas eram 42%

dos líderes em 2004 e passa-

ram para 46% em 2014. No

total de pesquisadores dos

grupos, homens e mulheres

ocupam espaços idênticos –

50% para cada gênero.

público a pontos na capital onde

ocorreram batalhas pela indepen-

dência. A data também foi o mote

de uma nova edição do ciclo de pa-

lestras “Conversando com sua his-

tória”, aberto ao público, e o curso

Ensino de história na Bahia, voltado

para professores e estudantes de

história. Jacira Primo, diretora do

CMB, também destaca o projeto “Dois

de julho em debate”, que ocorreu

em escolas da rede pública estadual,

com atividades ministradas pelo his-

toriador Marcelo Siquara, que abor-

dou com os estudantes as batalhas

e os heróis do 2 de julho.

fonte: DGP/CNPq

crescimento dos grupos por área na Bahianúmero de grupos de pesquisa no Brasil

evolução dos grupos na Bahia

0

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

1.600

1.800

2.000

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014

330473

728

9721.090

1.330

1.763

2000 2014

11.760

35.424

144170182

227265

445

279

223

170151 149

107

0

50

100

150

200

250

300

350

500

400

450

linguíst

ica, le

tras e

arte

s

169

128

ciências

Bio

lógicas

161

123

2014

2010

14 | julho/agosto de 2015

A Boeing e a Embraer celebraram

uma parceria para testar tecnologias

capazes de melhorar o desempenho

ambiental de seus aviões. Pelo acor-

do, um avião da Embraer será utili-

zado para a realização de testes a

partir de 2016 no âmbito do Progra-

ma ecoDemonstrator da Boeing.

Criado em 2011, o programa busca

acelerar o emprego de tecnologias

com potencial para reduzir o con-

sumo de combustível, as emissões

de carbono e o nível de ruído, fa-

zendo-as amadurecer mais rapida-

mente. Mais de 50 tecnologias já

foram testadas em modelos da

Boeing como o Next-Generation

737-800, o 787 Dreamliner e o 757.

“A inovação é um dos principais pi-

lares da estratégia da Embraer e te-

mos satisfação de continuar nosso

trabalho com a Boeing para apoiar

o crescimento sustentável da indús-

tria da aviação”, disse Frederico Cura-

do, presidente da Embraer, que as-

sinou memorando de entendimen-

to com Marc Allen, presidente da

Boeing Internacional, durante a

cúpula de comércio Brasil-EUA, que

ocorreu durante a visita oficial da

presidente Dilma Rousseff aos Esta-

dos Unidos, no fim de junho. “Esta-

mos comprometidos com a inovação

e o desenvolvimento de tecnologias

que podem ajudar a atender às me-

tas ambientais da aviação”, disse

Allen, da Boeing. “Trabalhando jun-

tos, avançaremos para melhorar a

eficiência da aviação e reduzir o im-

pacto ambiental.” As duas empresas

trabalham juntas desde 2012 numa

iniciativa para melhorar a seguran-

ça de pousos e decolagens e no pro-

grama do cargueiro militar KC-390.

Em 2015, inauguraram um centro

conjunto de pesquisa em biocom-

bustíveis em São José dos Campos

(SP). Desde 2012, a Boeing tem tra-

balhado em parceria com fornece-

dores, companhias aéreas e agências

governamentais em testes no pro-

grama ecoDemonstrator. As tecno-

logias testadas incluem um novo

winglet, componente posicionado

na extremidade da asa, revestimen-

tos que podem aumentar a eficiên-

cia aerodinâmica do avião, softwares

para melhorar a eficiência em voo e

novos tipos de biocombustível. Já a

Embraer incorpora requisitos am-

bientais nos aviões através de seu

Programa de Desenvolvimento In-

tegrado do Produto Ambientalmen-

te Sustentável.

a primeira expeDição

Boeing 757 testa

novas tecnologias:

menos consumo

de combustíveis

Desempenho ambiental Dos aviões

o Vital de oliveira:

plataforma de

pesquisa

hidro-

oceanográficafo

to

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dia

A caminho do Brasil, o recém-inau-

gurado navio de pesquisa hidro-ocea-

nográfico Vital de Oliveira fez sua

primeira expedição científica para

avaliar a contribuição do oceano Ín-

dico nos processos climáticos do

Atlântico Sul. Um grupo de 18 pes-

quisadores brasileiros embarcou no

navio no dia 25 de junho no porto da

Cidade do Cabo, na África do Sul. A

chegada em Arraial do Cabo, no Rio

de Janeiro, está prevista para 17 de

julho. A expedição conta com pes-

quisadores das universidades do Es-

tado do Rio de Janeiro (Uerj), Federal

de Pernambuco (UFPE), Federal do

Rio Grande (Furg), e do Instituto Na-

cional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Adquirida em 2013 por R$ 162 milhões,

a embarcação é fruto do acordo de

cooperação firmado entre os minis-

térios da Defesa e da Ciência, Tecno-

logia e Inovação (MCTI) e as empre-

sas Petrobras e Vale. “O Vital de Oli-

veira está equipado com o que há de

mais avançado em termos de tecno-

logia”, diz o coordenador para mar e

Antártica do MCTI, Andrei Polejack.

Dotado de cinco laboratórios, também

dispõe de um veículo de operação

remota que pode atuar a uma pro-

fundidade de 4 mil metros.

BAHIACIêNCIA | 15

fé, ciência e muDanças climáticas

O papa Francisco divulgou no dia

18 de junho uma encíclica dedicada

ao meio ambiente. O texto do líder

católico, intitulado “Laudato si, sobre

o cuidado da casa comum”, faz um

diagnóstico sobre o perigo das mu-

danças climáticas e exorta os indi-

víduos a mudar o estilo de vida pa-

ra enfrentar o problema. “A huma-

nidade é chamada a tomar cons-

vitória contra o hiv em cuba

Cuba tornou-se o primeiro

país do mundo, segundo a

Organização Mundial da Saú-

de (OMS), a erradicar a trans-

missão da mãe para o bebê

da Aids e da sífilis. “Eliminar a

transmissão de um vírus é uma

das maiores conquistas pos-

síveis em saúde pública”, dis-

se Margaret Chan, diretora-

-geral da OMS. “Essa é uma

grande vitória na nossa longa

luta contra o HIV e um passo

importante no sentido de ter

uma geração livre da Aids”,

acrescentou. A cada ano, 1,4

milhão de mulheres portado-

ras do HIV ficam grávidas no

mundo. Sem cuidados, há um

risco entre 15% e 45% de que

passem o vírus para o bebê

durante a gravidez, o parto ou

a amamentação. O risco cai

para 1% se medicamentos re-

trovirais forem ministrados

para as mães e as crianças nos

estágios em que a transmissão

pode ocorrer. O número de

crianças contaminadas caiu

nos últimos anos, de 400 mil

em 2009 para 240 mil em 2013.

Desde 2010, Cuba oferece às

mulheres grávidas cuidados

pré-natais, testes de HIV e sí-

filis (também para seus par-

ceiros), tratamento para as

mulheres que testam positivo

e seus bebês, partos cirúrgicos

e substituição do aleitamento.

ciência da necessidade de mudanças

de estilos de vida, de produção e de

consumo, para combater este aque-

cimento ou, pelo menos, as causas

humanas que o produzem ou acen-

tuam”, escreveu. Num movimento

que aproxima fé e ciência, o papa

Francisco recorreu ao diagnóstico

dos cientistas para lidar com o de-

safio. “Existe um consenso científico

muito consistente que indica que

estamos diante de um preocupante

aquecimento do sistema climático”,

disse. “As mudanças climáticas são

um problema global, com graves

implicações ambientais, sociais, eco-

nômicas, distributivas e políticas, e

constituem o principal desafio da

humanidade”, acrescentou. Para

Christiana Figueres, chefe do Secre-

tariado das Nações Unidas para Mu-

danças Climáticas, a encíclica é um

estímulo para que governos cheguem

a um acordo na 21ª Conferência do

Clima em Paris, no fim do ano. “A

encíclica terá um impacto forte. Ne-

nhum papa havia tomado partido

dessa forma”, afirmou.

Papa francisco:

necessidade de

mudar estilos

de vida

16 | julho/agosto de 2015

entrevista edivaldo boaventura

bahiaciência | 17

mariluce moura

fotos Fábio marconi

Um edUcador a toda prova

neste momento, por exemplo, a reflexão sobre o papel da educação a distância, sustentada pela rede e demais tec-nologias informáticas, no desenvolvimento do Brasil e, em particular, da Bahia, especialmente de seu imenso interior, para o qual o habitante de Salvador, ele assegura, mal olha.

Entre os 50 livros que publicou, distribuídos pelos cam-pos da educação, dos ensaios memorialísticos e biográficos e dos relatos de viagem, Educação Brasileira e o Direito lhe é a obra mais cara. “Foi um livro matutado por muito tem-po”, diz. Já entre as instituições que criou ou partejou até aqui em sua longa vida de “cidadão prestante”, as que lhe parecem mais importantes são a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), no front educacional, e os parques Castro Alves e de Canudos, no âmbito cultural.

Expansivo, bem-humorado, grande prosador, Edivaldo Boaventura é marido há 53 anos de Solange, que namora desde os anos em que ele era estudante de direito e ela, uma bela estudante de letras neolatinas, é pai de Lídia e Daniel – sim, ele mesmo, o conhecido ator e cantor Daniel Boaven-

Em 4 de novembro passado, aconteceu na Reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA) o lançamen-to de Um cidadão prestante: entrevista biográfica com

Edivaldo M. Boaventura, livro de Sérgio Mattos publicado pela Quarteto Editora. A rigor, trata-se de um belo traba-lho a quatro mãos: o jornalista, com trânsito pela educa-ção, interroga de forma acurada o educador. E o educador, que, entre muitas outras funções relevantes, já dirigiu um jornal – o mais antigo e respeitado da Bahia –, oferece res-postas claras e bem circunstanciadas sobre seus trajetos pessoais e profissionais.

O resultado desse diálogo produtivo é um retrato que revela os traços fortes e preserva os semitons e nuances de um exemplar cidadão baiano – e feirense, com muito orgulho –, acentuadamente marcado pelo espírito público na construção de sua bem-sucedida carreira de educador multidisciplinar e multifuncional. E incansável, ressalte--se, pois, aos 81 anos, Edivaldo Boaventura segue traba-lhando com vigor e projetando futuros. Ocupa-o muito

orgulhoso cidadão de Feira de santana e

trabalhador incansável, o proFessor inclui

uma universidade e dois parques entre

suas contribuições à bahia

18 | julho/agosto de 2015

tura – e avô derramado de Isadora, Lorena, Jojô e Isabela. A entrevista a seguir foi concedida por ele à Bahiaciência em fins do ano passado, em sua agradável casa de Brotas, com direito a bolo e cafezinho, à simpatia irradiante de do-na Solange e a um sorriso para lá de charmoso de Isadora.

y O senhor é vice-presidente da Academia de Ciências, membro da Academia Baiana de Letras, que já presidiu, e da Academia de Educação, entre outras. Continua orien-tando teses, dando aulas, fazendo palestras, escrevendo... Dessas atividades, qual é hoje a mais importante?A que toma mais a minha atenção é a orientação de alunos na Universidade Salvador (Unifacs), que pertence à Rede Laureate. Tenho oito orientandos com teses e em 2013 botei para fora cinco doutores.

y Com que temas trabalharam esses novos doutores?Dois trabalharam sobre universidade e educação superior, um de meus temas principais de estudo; dois outros sobre Canudos; com outro doutorando tive de substituir a primeira orientadora numa tese sobre adoção internacional de crian-ças, tema difícil em torno de uma experiência dramática. São crianças pobres e negras adotadas por países brancos e ricos e isso traz terríveis problemas de ajustamento.

y Há algo que unifique seus tantos trabalhos? Minha unidade está na educação, embora eu seja consciente-mente multidisciplinar. Sou muito procurado pelos alunos. Minha vida é muito voltada para isso. E em educação meu interesse se concentra em educação superior, em história da educação, sobretudo a baiana, e em metodologia da pesquisa.

y Quantos orientandos seus estão hoje no mercado?Acho que a essa altura já orientei, entre mestrados, dou-torados e monografias de conclusão de curso, mais de 100 pessoas. Participei de mais de 200 bancas e exames de qua-lificação, a maior parte na área de educação.

y O senhor tem dito que o futuro da educação está na edu-cação a distância. Como esse tema mobilizou seu interesse?No seminário que coordeno na Unifacs, “Educação e Desen-volvimento”, comecei a receber muitos pedidos para orientar trabalhos sobre a educação como fator de desenvolvimento. E estou convencido de que educação a distância é um fator fundamental, ao atingir áreas e pessoas muito distantes dos grandes centros deste país continental e do estado da Bahia, que tem mais de 560 mil quilômetros quadrados. Participei há algum tempo de um congresso internacional no qual apareceram os novos moocs [sigla em inglês para massive open online course]. São, podemos dizer, grandes conglomerados de ensino livre, de educação aberta online, dos quais participam grandes universidades como Harvard e instituições como o Massachusetts Institute of Techno-logy (MIT), disponibilizando via web bibliotecas inteiras.O foco, quando trabalho no tema com alunos, tem sido a

formação de professores e de profissionais, mas gostaria de me aprofundar cada vez mais na área.

y Em sua concepção, a educação a distância será mais favorá-vel à educação continuada ou à expansão do ensino formal? Temos que ser pelas aprendizagens híbridas, a presencial e aquela a distância; as duas modalidades devem se comple-mentar. Já usamos o computador em sala de aula, trata-se agora de usar mais intensivamente as tecnologias.

y E isso vem junto com a necessidade de expandir o sistema.Sim, necessidade dramática. A grande maioria dos profes-sores do interior da Bahia ensina numa situação muito pre-cária. Alguns não têm licenciatura e não têm mais tempo de obtê-la – vamos dizer que isso atinja 10%, 15% ou 20% das escolas. Mas outros estão lutando tenazmente para ter uma licenciatura via educação a distância ou pelos métodos mais formais e tradicionais. Há um grande esforço dos professores nesse sentido, até porque a Lei de Diretrizes e Bases deu prazo para que todos tenham licenciatura, mestrado e doutorado.

y No ano passado São Paulo criou sua Universidade Virtual (Univesp), voltada à graduação e pós-graduação a distância, além dos cursos abertos. Há alguma expectativa de forma-ção de uma universidade desse tipo na Bahia?Eu diria que não. A universidade pública que mais trabalha a educação a distância é a Uneb, outras iniciativas estão no setor privado. Não há ainda uma sensibilidade para se criar um grande núcleo. Numa outra concepção, o maior núcleo de educação a distância aqui é a Uneb, com 47 polos espalhados pelo estado e 24 unidades de ensino. As outras universida-des públicas são tímidas. Já a UnoPar, uma universidade privada do Paraná, tem cursos na Chapada Diamantina e uma presença muito grande no país todo.

y Como seu interesse central por educação influencia suas atividades nas academias das quais participa?Eu participo de todas as academias na Bahia, menos a de medicina. Entrei na Academia de Letras muito cedo, aos 36

temos que ser pelas aprendizagens híbridas, a presencial e aquela a distância; as duas modalidades devem se complementar

bahiaciência | 19

anos, uma ousadia de quase adolescente, na cadeira de Cle-mentino Fraga, que tem como patrono Francisco de Castro, o divino mestre. Edith Mendes da Gama e Abreu me saudou assim: “Batestes cedo à porta da Academia, na Academia não se faz vestibular”. Mas eu já era livre-docente e professor ti-tular da universidade, já tinha obras publicadas e estava indo para o Instituto Internacional de Planificação da Educação.

y É sua “casa” mais antiga, então?É. E à proporção que desenvolvi minha carreira na UFBA, minha alma mater a quem devo tudo, fui desenvolvendo na Academia de Letras um outro tipo de conhecimento. As aca-demias são muito idiossincráticas, baseadas nas personalida-des das pessoas, e aí fui me inteirando da cultura baiana, da contribuição médica, dos poetas da Bahia, principalmente os modernistas, como Carvalho Filho, Godofredo Filho etc.

y O senhor foi presidente da Academia?Fui de 2007 a 2010. Minha preocupação foi fazer o novo es-tatuto da Academia, em face do novo Código Civil. Fizemos o programa do Ponto de Cultura, vários seminários, cursos abertos à comunidade, instituímos prêmios, restauramos a estátua de Góes Calmon, obra de Pasquale de Chirico e a levamos para a Academia, que é no palacete Góes Calmon. E tive o cuidado de manter a musealização da casa, muito bonita (onde funcionou por um tempo o Museu do Estado). y Na jovem Academia de Ciências da Bahia, o senhor tam-bém participa do debate sobre educação?Participo. Doutor Roberto Santos foi o único adviser que tive na Bahia. Quando decidiu montar a Academia, me chamou, e eu fui. Continuo aprendendo com ele e com esse projeto de ciência. Vejo uma função importante na Academia, que é reunir as pessoas que fazem ciência. Quais são os prin-cipais grupos? O da UFBA, o mais antigo e consolidado, o da Fiocruz, muito interessante, e outros das universidades estaduais que estão começando a pesquisa, como a Uneb e a UEFS. E núcleos novos estão surgindo. Vejo as quatro universidades estaduais como o canal de encaminhamento do conhecimento, da educação e, posteriormente, da ciência e tecnologia para o interior da Bahia. Evidentemente que agora estão chegando as federais, a do Recôncavo, a do Sul da Bahia, de cuja seleção de professores participei com meu amigo Naomar de Almeida, líder desse projeto, a do Oeste da Bahia e possivelmente virão outras. Levamos 60 anos com apenas uma universidade federal, e agora temos quatro.

y Na Academia de Ciências o senhor é vice-presidente.Sim, sou ajudante de doutor Roberto. Lá existe um grupo que trabalha com educação de ciência, tema que o empolga e também a Irundi Edelweiss, e estamos desenvolvendo agora estudos sobre o que é o professor fascinante, o fascinated professor. Estudos nos Estados Unidos têm demonstrado que esse professor, que exerce uma verdadeira sedução no ensi-no, tem um grande papel na divulgação do conhecimento.

Desenvolvi aí um tema que me fascina, a normalização do conhecimento científico, que requer padrões, paradigmas e, sobretudo, modos de comunicação muito uniformizados. Nós da educação temos apenas uma fatia da normalização, que é a documentação. Mas a normalização atinge o setor empresarial, o setor da economia. Tem, por exemplo, os prê-mios, as prescrições, os pedidos de patente, as certificações, a ISO, e atinge também o mundo acadêmico.

y O senhor também participa da Academia de Ciências Jurídicas e no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.O Instituto é outro grande amor. E na Academia de Letras Jurídicas foi onde tudo começou. Quando vim de Feira de Santana para estudar com os jesuítas, já me interessei pelo direito. Eu sou bacharel, doutor e docente, essa é minha base. Depois acrescentei ciências sociais, economia, fui funcionário da Sudene... No primeiro curso de desenvol-vimento da Sudene me tornei TDE, técnico em desenvol-vimento econômico. Com esse conhecimento, fiz concurso para docente livre aos 30 anos. Isso me abriu a porta da universidade até professor titular. Eu já fazia a multidis-ciplinaridade antes de saber que ela existia.

y A que se propõem hoje as academias? Tenho meditado muito sobre isso. Seu papel é a convivência para a disseminação do conhecimento, o que todas fazem por meio de conferências, cursos e seminários. A nossa aca-demia de letras tem dois seminários anuais: o curso Castro Alves, sobre literatura baiana, e o mais recente, criado por Aramis Ribeiro Costa, atual presidente, e Myriam Fraga, o curso Jorge Amado, que está na terceira edição.

y O senhor nasceu em Feira de Santana, em 1933, em famí-lia tradicional daquela região. Que menino o senhor era?Um menino de chácara. Era das leituras, mas gostava muito da chácara, plantava, fazia leiras, criava pombos, pegava pas-sarinho, subia em árvore. Era e sou muito tímido, curioso, fui aluno da professora Amelinha Assis e me lembro bem de ter plantado uma árvore num 21 de setembro. Depois fui estudar na Escola do Asilo Nossa Senhora de Lurdes, quan-do a Irmã Maria Nazaré Barbosa me alfabetizou. Depois fui para a escola da professora Helena Suzatti. Terminei o curso primário e me preparei para o exame de admissão.

y Vocês eram quatro irmãos?Éramos três e depois veio um temporão, 20 anos mais moço que eu: Carlos, que ficou em Feira de Santana, Osvaldith, a líder da família, uma mulher com invulgar capacidade de trabalho, e o caçula, João Eduardo, que mora em Itamaraju. Meu pai tinha vinculações com o antigo PSD, mas era mesmo um homem muito do trabalho, como bom feirense. Feira de Santana não é só a terra da inteligência e da sabedoria, é também a terra do trabalho.

y Os feirenses são muito orgulhosos de sua origem, por quê?

20 | julho/agosto de 2015

Exatamente porque são trabalhadores. Dizia um amigo meu que a primeira universidade de Feira de Santana foi o bal-cão, ali se ensina a ganhar dinheiro, se ensina a trabalhar. Seu nome antigo é Comercial Cidade de Feira de Santana.

y Ela se estruturou em torno de uma grande feira de gado.Que não existe mais, e também da grande feira que ocu-pava toda a praça central. Meu pai dizia que se procurasse ali o diabo amarrado pelo rabo, tinha alguém vendendo. Vendia-se de tudo.

y Feira é um lugar de entroncamento.Exatamente, duas das principais estradas entre Norte e Sul passam por Feira de Santana. A BR-101 e a BR116, que vão para o sertão e para o norte. Eu vi o crescimento da cidade, que tinha 30 mil habitantes no tempo da guerra. Depois começaram a surgir as pensões dos nordestinos, por causa dessa grande movimentação provocada pelas estradas que cortam a cidade. Hoje são mais de 600 mil habitantes. A ci-dade, muito plana, está em cima de um tabuleiro. Cresceu em direção ao norte, com muitas ruas bem traçadas. Nasci na Praça da Matriz, número 9, hoje Praça da Catedral. Vivi lá até os 11 anos, quando fui para o Colégio Antônio Vieira.

y Foi uma experiência difícil estudar no internato aos 11 anos?Não, me adaptei bem. Fiquei deslumbrado quando vi uma biblioteca com livros estrangeiros, em inglês e francês. Os estudos das humanidades foram importantes para mim. Fiz o ginásio e o colegial entre 1946 e 1953, depois fui para o direito. Foi um tempo de frequentar o colégio, o grêmio do colégio, a JEC.

y De católico tradicional o senhor passou a militante?Militante realmente, e funcional, com os beneditinos. Me converti do cristianismo tradicional para o militante através da Ação Católica. Os beneditinos davam muito apoio aos estudantes e aos professores. Claudio Veiga frequentava o mosteiro, e lá estavam dom Clemente da Silva Nigra, um

homem que entendia muito das artes e foi diretor do Mu-seu de Arte Sacra; dom Jerônimo Cavalcante, um grande contato com a juventude; Irmão Paulo Leishmayer, que fazia a capa das teses dos professores; e depois o abade dom Timóteo Amoroso.

y Antes da JUC, Juventude Universitária Católica, o senhor passou então pela JEC, a Juventude Estudantil Católica?Informalmente. A JUC realmente foi o movimento uni-versitário do meu tempo, muito dinâmico, muito para a frente. Líamos os autores franceses Mounier, Lebret, Tei-lhard de Chardin... Os franceses fizeram a minha cabeça. Frequentávamos a Casa da França com o professor Van der Haegen, e lá eu estudava francês, assistia a filmes em francês e me formei nessa mentalidade francesa.

y Sua formação cultural e ideológica acontece ao longo des-ses anos numa UFBA então efervescente.Sim, até terminar a faculdade de direito, onde tive bons professores. Não eram pesquisadores, eram autodidatas que estudavam e que ensinavam. É o caso de Orlando Gomes, Aderbal da Cunha Gonçalves, Josaphat Marinho e Nelson Sampaio. Quando terminei, já frequentava o seminário de música, assistia aos concertos, às peças de teatro. Tche-cov, por exemplo, fui ver quando era aluno da faculdade de direito, era aquele mundo efervescente da cultura que existia na Bahia, no final dos anos 1950.

y O senhor passou pelas ciências sociais, foi para o direito, adiante fez doutorado nesta área, e há outras transições: como se deu a passagem da Faculdade de Direito para a Sudene, depois para a Faculdade de Administração e, fi-nalmente, para a Faculdade de Educação? Me formei em direito e sempre gostei de direito do trabalho. Fui estagiário na Procuradoria Regional do Trabalho e na Comissão de Planejamento Econômico, liderada por Rômulo Almeida. Na faculdade estava ligado a um grupo que discutia muito a ideologia do desenvolvimento. Eram os anos dou-rados de JK [Juscelino Kubischek], com grande influência do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros),[Antônio Luís] Machado Neto à frente. [Alberto] Guerreiro Ramos deu curso para nós, Roland Corbusier também. Ao me formar, fiz concurso para juiz e passei, mas não tinha vaga, eram só três juntas naquela época. Logo abriu um concurso para a Sudene e eu prestei. Apresentei uma pequena monografia sobre refor-ma agrária e fui fazer o primeiro curso de desenvolvimento econômico da Sudene com os técnicos da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina]. Quebrei a cabeça com as estatísticas, ralei um bocado, mas consegui passar e ter meu primeiro emprego com carteira assinada. O escritório da Bahia estava sem chefe, fui nomeado chefe substituto. Mas em 1962 uma grande seca levou à instituição das frentes de trabalho e lá fui eu compor a Comissão da Seca em Recife.

y Esse período de Sudene é, então, um desvio de rota?

o papel das academias é a convivência para a

disseminação do conhecimento, o que todas

Fazem via conFerências, cursos e seminários

bahiaciência | 21

Não, porque atendia muito aos meus desejos de aprender sobre desenvolvimento e teoria do desenvolvimento. En-quanto eu chefiava o escritório na Bahia, o professor Carlos Brandão deixou a Escola de Administração e me indicou para substituí-lo e lecionar economia. Minha entrada co-mo docente na universidade foi por essa porta, em 1962.Transferido para Recife, fui trabalhar no Departamento de Industrialização da Sudene. E estava lá quando fui nomeado juiz. Eu estava empolgado com a programação em Recife, mas tinha me formado em direito, queria escrever a tese de doutor em direito – era um sistema de doutorado antigo –, então deixei a Sudene, voltei à Bahia e assumi o cargo de juiz da cidade de Maragogipe. Como me sobrava tempo, escrevi a tese e reassumi a Faculdade de Administração. Ficava en-tre Maragogipe e Salvador, viajando de navio. Tinha casa lá e aqui. Permaneci como juiz por sete anos, até 1970. Em 1968 doutor Roberto Santos precisou de uma pessoa que tivesse conhecimento em planejamento e desenvolvimento, então fui montar a Assessoria de Planejamento da UFBA com ele. Eu já era docente livre de economia, tinha feito o concurso na Faculdade de Direito – um grande concurso que permitia chegar à cátedra. Porque quando eu estava com a tese pronta, Silvio Farias me disse que a docência livre de economia política estava aberta, já que o professor Augus-to Alexandre Machado ia se aposentar, e me aconselhou a apresentá-la para docente livre e não para doutor. Assim eu levaria os títulos de doutor e docente livre.

y E o senhor deixou a Faculdade de Administração?Não, porque a docência livre era um título, não um cargo. E, uma vez que era juiz e professor, alcancei um dos grandes ob-jetivos que tinha: estudar na França. Carlos Coqueijo Costa, presidente do Tribunal Regional do Trabalho, me concedeu licença de um ano para eu estudar para o doutorado em desen-volvimento econômico. Em 1964 e 1965 cursei a Universidade de Paris e o Instituto de América Latina, onde desenvolvi o início da minha tese sobre o papel do setor público no de-senvolvimento do Nordeste com o professor Alain Barrett.

y Sergio Mattos lhe perguntou por que, ao se formar em di-reito, o senhor não foi para o exterior como tantos faziam. Não podia. Meu emprego era na Sudene, ela não concederia tal licença. Quando mais tarde pude viajar, sabia que fazer doutorado em um ano é impossível e o que fiz foi preparar o concurso de cátedra. Mesmo assim, fui promovido ao se-gundo ano do doutorado do terceiro ciclo, cuja certidão me deu Fernand Braudel, nada mais nada menos. Mas minha licença terminara, eu tinha que voltar para o Brasil. Havia ainda o rodízio da docência livre, que eu precisava atender. Por esse sistema, três docentes livres se revezavam anual-mente na cátedra de economia política. Era a minha vez e se eu não voltasse perderia a cátedra. Voltei em 1965.

y E que cursos o senhor conseguiu fazer lá?Além do curso de desenvolvimento da América Latina, fiz

um seminário com Alain Barrett durante um ano e apre-sentei minha proposta de tese. Assisti às aulas de Bartoli Raymond Barre, que compunham um bom curso na facul-dade de direito. E, como todos os estudantes estrangeiros, fui mandado a um seminário de metodologia para aprender a fazer o plano da prova e o plano da tese. A maneira bem cartesiana de arrumar as ideias. Foi minha descoberta pa-ra o método, com Descartes. Li Descartes, Henri Guitton e todos aqueles que ajudavam a entender a lógica e a clareza do pensamento francês. Eu digo que é a descoberta do mé-todo, me tornei cartesiano para o resto da vida. Voltei de lá com um projeto de tese, com minha filha bebê e com a ideia de escrever um ensaio sobre o ordenamento das ideias do ponto de vista cartesiano. Eu o publiquei depois pela editora Ática, e o livro está na nona edição. Isso é minha experiência cartesiana na França. Minha outra experiência – comportamental – foi anos depois, nos Estados Unidos.

y Fiquei com a impressão de que seu trabalho na reitoria te-ve uma grande importância na sua carreira. Está correta?Sim, porque assisti doutor Roberto conduzir a reforma da universidade, desestruturar a universidade por cátedra e construir uma universidade montada sistemicamente e em departamentos. Fomos nós que ajudamos a fazer a depar-tamentalização e a distribuição do pessoal docente. É aí que se organiza o campo do conhecimento básico e se criam os Institutos de Matemática, Química, Física, Biologia, a Facul-dade de Letras e também a Faculdade de Educação. Então, todos os professores que ensinavam essas disciplinas básicas foram deslocados para os institutos.

y Mudança que eles não apreciaram muito. No começo, não. Mas a ênfase no conhecimento básico cien-tífico permitiu depois o desenvolvimento da ciência e das tecnologias na Bahia. Eu estava plenamente nesse projeto com doutor Roberto, que orientava e supervisionava tudo muito de perto – com o raciocínio funcional e a inteligência que tem para os números, sempre dizia que não seria difí-cil, que era para ir fazendo –, quando ocorreu uma crise na

eu estava ligado a um grupo que discutia muito a ideologia do desenvolvimento. eram os anos dourados de jk, com grande inFluência do iseb

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Secretaria de Educação. Meu amigo Luiz Navarro de Brito não pôde continuar como secretário por pressão dos milita-res. Ao voltar de uma viagem aos Estados Unidos, Navarro viu que as coisas estavam muito difíceis e decidiu ir para a Europa. Antes indicou alguns nomes ao governador, que se fixou no meu. Era o final do governo. Fiquei um ano e um mês, com enormes obras para terminar.

y Quais os destaques entre elas?O convênio para criar as escolas polivalentes. Fizemos 40, bem construídas e equipadas, todos os professores com li-cenciatura. Mas talvez a razão mais forte para Luiz Viana ter me chamado tenha sido o programa que começara com Navarro de interiorização da educação, com quatro facul-dades de formação de professores – em Feira, Conquista, Alagoinhas e Jequié. Eu estava em dia com isso, trazia a experiência da reforma da UFBA. O governador queria também criar uma universidade do sul da Bahia, mas não houve lideranças educacionais para isso na região. Ao mesmo tempo, o pessoal de Feira de Santana começou a se mexer.

y E nesse momento começa seu trabalho pela criação da Universidade de Feira de Santana.Exatamente. As personalidades mais eminentes da cidade começaram a pensar numa faculdade de medicina e foram pedir apoio a Luiz Viana. E ele lhes disse que Feira merecia uma universidade. É sua, portanto, a ideia. Ele mandou uma lei à Assembleia Legislativa para que criassem as condições para a fundação da universidade e a promulgou em janeiro de 1970. Eu cheguei à secretaria em 15 de fevereiro de 1970. Além das escolas polivalentes e faculdades de educação, havia que acompanhar as obras de ampliação do estádio Otávio Mangabeira, da Biblioteca Central dos Barris, do Museu das Alfaias, em Cachoeira, que já tinha sido inaugurado, e mais o programa dos Centros Integrados. Mais ainda: fui aos Estados Unidos para visitar secretarias de educação e universidades e, ao voltar, deparei com a proposta de Pedro Calmon para a criação do Parque Castro Alves, em Muritiba, na Fazenda Cabaceiras, onde o poeta nasceu, a cerca de 150 quilômetros de Salvador. Como faria? Falei com Hildérico Pinheiro de Oliveira, fizemos uma visita a Cabaceiras, encon-tramos uma escola rural e decidimos que ali seria o parque. Deram-me um arquiteto, mas ninguém sabia o que era par-que na Bahia, este era o primeiro. Hildérico trabalhara com Anísio Teixeira, e foi fundamental nesse projeto. Pedro Cal-mon também desenhou o que imaginava. O parque acabou saindo no segundo semestre de 1970. Deixamos a localidade com quatro salas de aula, então o curso primário completo.

y Como está o parque hoje? E quanto ao parque de Canudos?Ah, cresceu! Está florido e bem cuidado. Quando o terminei, Renato Ferraz disse que podíamos pensar num parque em Canudos, mas o governo estava no fim. Fiquei com a ideia e, quando voltei à Secretaria em 1983, o próprio Renato, que foi o guia de Mario Vargas Llosa para escrever A Guerra do

fim do mundo, reuniu a documentação, e eu mandei fazer o levantamento das terras. São três Canudos. A mais antiga foi destruída pela guerra, que tinha o propósito de não deixar pedra sobre pedra. Mas as pessoas voltaram pouco a pouco, de 1897 a 1968, e reconstruíram a vilazinha. Quando Getú-lio Vargas, como presidente da República, vai a Canudos, os moradores pedem um açude. Resolvem fazê-lo em cima do Vaza-Barris, onde estava essa Canudos retomada. Talvez, no subconsciente, houvesse a esperança de que a inundan-do se acabasse de vez com sua memória. Mas não acabou nunca. Essa foi a segunda Canudos. Por último, enquanto constroem o açude, na parte alta começa a surgir uma outra vila, a terceira Canudos. Essas terras que estão em volta, de um lado da Canudos inundada, onde se deram realmente os embates, é que foram reservadas para parques. São 1.300 hec-tares. Agora está sendo feita sua regulamentação fundiária.

y O que tem dentro da área?Os lugares das sepulturas, os lugares dos principais confron-tos entre as tropas, tem as trincheiras dos conselheiristas e dos militares, e tudo isso está sendo preservado. Quando criei o parque mantive o pessoal que estava lá dentro, não tivemos dinheiro para relocação. Com a regulamentação fundiária, vamos ter que cercar e reservar a parte onde tem as incidências históricas, não pode ter gente nem animais. Isso está sendo feito pela Uneb, que tem um compromisso com o semiárido e a negritude. Já tem lá um Memorial do Conselheiro, tudo feito por influência de José Calazans, o grande historiador de Canudos, cujo centenário se comemora neste ano. Até 1950, dizia-se que não era necessário estudar Canudos porque tudo estava em Euclides da Cunha. Eu dizia que tudo começava em Euclides. Calazans começa a pesquisar a sério Canudos e constrói uma vasta bibliografia a respeito.

y Em relação à Universidade de Feira de Santana, como foi seu trabalho até poder dizer: “está pronta”?Depois da lei que permitiu ao governo criar condições para fazer a universidade, uma fase importante foi a implanta-ção do Conselho de Administração, do qual fiz parte até a universidade ser autorizada, já no governo Roberto San-tos. Demorou seis anos.

y Quando o senhor foi para a Faculdade de Educação?Ante mesmo de deixar a primeira gestão na secretaria esta-va ajudando Leda Jesuíno a concretizar a faculdade com as ideias de Anísio Teixeira. Ele foi pioneiro também na con-cepção dessas faculdades, ao criar a Universidade do Distri-to Federal, em 1934. Depois de escrever a tese de professor titular, me submeti ao concurso na Faculdade de Educação em 1971 e no mesmo dia da defesa fui eleito para a Academia de Letras da Bahia. Em agosto eu voltaria para a França.

y Para fazer o segundo ciclo?Não, vou ao Instituto Internacional de Planificação da Edu-cação da Unesco, com bolsa da Unesco, para estudar planeja-

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mento, financiamento da educação e educação continuada. Aí fui conhecer a educação a distância por correspondência na França, que mandava seus pacotes para o mundo inteiro. Conheci o país por dentro para ver como o departamento da educação funcionava. Fomos à Suíça e à Itália também, voltei, fui coordenar o mestrado, depois fui para os Estados Unidos fazer mestrado e doutorado em educação.

y Sua formação não tinha ultrapassado essa etapa?Eu comecei a trabalhar em educação empiricamente, e queria me aprofundar, ter um conhecimento sistemático. Daí me arrumei com a família para ir. Fomos todos por três anos e os filhos aproveitaram bem.

y De lá trouxe sua concepção da Uneb?Para mim foi um desafio viver nos Estados Unidos. Meu in-glês era de restaurante, na base do “give me” etc. Tive que estudar bastante para escrever papers e participar das aulas. Foi um desafio muito grande para os meus filhos também, porque não sabiam inglês. Lídia foi para a grade 1 por dois anos e nos disse que, se ficasse ali, entraria em qualquer universidade americana, mas não passaria nos vestibulares do Brasil. Então voltou um ano antes. Eu tirei o mestrado profissional na rota do doutorado, fiz o Ph.D, com o exame escrito para sete áreas. Foi o maior desafio da minha vida, felizmente passei neles todos. Depois comecei a preparar a tese, levei um ano fazendo e em três anos vim embora. O doutorado era em administração da educação, então escolhi para estudar do ponto de vista administrativo, histórico e legal o Conselho de Educação, de 1963 a 1975. A experiência de estudar numa universidade americana, com uma biblio-

teca fantástica, foi impactante. Eu trabalhava o dia inteiro na universidade, na parte da library, e por isso intitulei a tese “Viagem à segunda casa. Pen State, Pennsylvania State University, é a cabeça de um sistema de 19 escolas na Common Royalty da Pensilvânia. Nova York também é assim, Al-bany e outros campi, e o mais poderoso de todos é a Universidade da Califórnia, com um sistema de universidades, street colleges, etc. A ideia de mul-ticampi ficou então muito clara em minha cabeça. Em 1983, fui nomeado secretário por quatro anos.

y O governador era...João Durval Carneiro. Fiz então seis leis para a Secre-taria de Educação: transformando o Irdeb [Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia] em fundação, criando o sistema de arquivos da Bahia, instituin-do o Conselho de Educação, criando a Secretaria de Cultura, reformando a Secretaria de Educação e criando a Uneb. Ao mesmo tempo trabalhei com as lideranças regionais para a Universidade do Su-doeste da Bahia, em Conquista. Deixei tudo pron-to, saí no dia 15 de março, no dia 2 de abril saiu a autorização. Já a Uneb hoje tem 24 campi, 35 mil

alunos. Quase o tamanho da UFBA.

y A Uneb tem o mesmo modelo da Unesp. Vocês dialogavam?Sim, isso foi sumamente importante. A Unesp já estava criada e o reitor Armando Otávio Ramos veio me dar uma assessoria gratuita. Também o vice-reitor de planejamento da Universidade de Quebec, no Canadá, veio me ajudar na elaboração da lei de criação da Uneb, tanto que ela é per-feita. A Universidade de Feira de Sanana nesse momento estava se consolidando para ter o credenciamento, e eu consegui deixá-la credenciada, prontinha.

y Em que o senhor concentrou sua atividade com educação após deixar a secretaria?Na UFBA. Nunca abri mão de ser professor. Quando não deu para dar aulas, criei o doutorado em educação, o pri-meiro do Nordeste, e passei a coordená-lo a partir de 1992. Aí fui chamado para o jornal A Tarde, em 1995.

y Como foi a experiência de dirigi-lo? Quando assumi o cargo de diretor-geral, minha primeira preocupação foi a internet. Só quem tinha internet aqui, em 1996, era a UFBA. Contei com Alberto Oliveira, empres-tado pela UFBA, para instalar internet no jornal.

y Sua passagem se deu num período complicado do jornal, com troca de comando, administração de dívidas...Sim. É um tempo de queda das vendas, queda das assi-naturas, e lutei para enfrentar tudo isso. Dei ênfase ao programa A Tarde na Escola. Fiquei até 2012, 17 anos nos quais o jornal mudou muito. w

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Terapia com células-Tronco

livra pacienTes de dores provocadas

por lesões ósseas

Edvan LEssa | ilustração Mauricio PiErro

Caminharsem dor

capa

biologia molecular

o paciente Rodrigo Santos Costa, de 38 anos, estava sob o efeito da anestesia geral no centro cirúrgico do Hospital das Clínicas da Universidade Federal

da Bahia (UFBA), onde trabalha como auxiliar de arquivo. Antes que adormecesse, o professor Gildásio Daltro, pes-quisador e médico ortopedista com larga experiência, lhe perguntou se a última operação feita na cabeça do fêmur para livrá-lo da dor na perna tinha surtido o efeito espe-rado. Num sussurro, o paciente confirmou e em seguida cerrou os olhos, com evidente expectativa pelo sucesso da segunda cirurgia.

Naquela tarde, 20 de fevereiro, a equipe de nove profis-sionais, entre eles dois residentes de medicina, coordenada por Daltro, preparou a caixa de equipamentos, incluindo a agulha de punção que o mestre fixou no quadril esquerdo do paciente e com a qual retirou cerca de 100 mililitros de sangue transportados diretamente por fino tubo a bolsas

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de transfusão. Aí se encontravam as células-tronco capa-zes de se multiplicar e reconstituir outras células, tecidos e órgãos que 1 hora e 15 minutos depois de levadas para outra sala e separadas em um aparelho importado (Sepax) foram injetadas de volta no homem ainda acamado, desta vez na cabeça do fêmur necrosada.

o procedimento faz parte de uma pesquisa realizada em parceria com o Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da UFBA e a Universidade de Paris, na qual

pacientes com lesões ósseas — a maioria provocada pela anemia falciforme — são tratados com células-tronco au-tólogas, isto é, da própria pessoa. O objetivo é regenerar o osso atingido pela morte precoce do tecido ósseo. “Tere-mos proteínas morfogenéticas e terão crescido osteoblas-tos, fibroblastos, condroblastos e adipócitos”, enumera o médico, ao se referir às proteínas que regeneram o osso.

Para levar as células-tronco até o tecido ósseo, foi feita uma perfuração puntiforme no quadril do paciente que permanecera sob anestesia. Através desse ponto, os mé-dicos introduziram uma furadeira de pequeno calibre e perfuraram o osso necrosado. Com uma agulha, e depois uma espécie de tubo, chegou-se até a cabeça do fêmur e foi injetado o material celular previamente preparado. Todo o procedimento era acompanhado com atenção por dois monitores que recebiam a imagem de um grande aparelho, o arco em C ou intesificador de imagem, que emite uma luz fraca. Passadas 48 horas, Rodrigo voltou para a casa.

“Em setembro de 2013 eu comecei a sentir fortes do-res que se estendiam até a perna. Eu tomava remédio e elas não passavam, aí fui procurar ajuda”, lembra Rodri-go. Em fevereiro, cerca de 20 dias depois da cirurgia, ele não se queixava mais de dor e aguardava a revisão médi-ca para saber se aposentaria, ao menos parcialmente, o par de muletas.

Cerca de 480 pessoas de todo o Brasil já foram sub-metidas ao procedimento realizado no Complexo Hospi-talar Professor Edgard Santos (Hupes), nome oficial do Hospital das Clínicas, única instituição com autorização do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para realizar a terapia, gratuita, à base dessas células que se au-torrenovam. Ali, Daltro atua com mais oito estudantes de

pós-graduação do ICS, incluindo biólogos e bioquímicos; a mesma equipe do dia da cirurgia de Rodrigo.

No passado, para tratar de pacientes com osteonecro-se, os médicos removiam o osso necrosado. Em 1986, uma técnica para manter a esfericidade da cabeça do fêmur foi testada. Em vez de substituir o osso, foi injetado no local necrosado cimento de metil metacrilato em forma líquida, que, se transformando ali numa substância dura, poro-sa, não elástica e resistente, recompôs a estrutura óssea.

Pioneiro dessa técnica, o hospital francês Henri Mon-dor obteve depois avanços no procedimento e substituiu, em 2000, o polímero por uma mistura de fósforo e cálcio. Substâncias responsáveis por assegurar a rigidez óssea, elas foram aplicadas com as células-tronco em pacientes que tinham osteonecrose em estágio inicial. Quatro anos depois, a terapia começou a ser testada no Brasil em pa-cientes com anemia falciforme, doença que, segundo o Ministério da Saúde, acomete de 25 mil a 50 mil pessoas no Brasil, apresenta alta morbidade e mortalidade precoce. A prioridade hoje continua sendo esse público, tanto que 63% das pessoas submetidas até agora à terapia exclusiva com células-tronco no Hospital das Clínicas, ou seja, 300 delas, são falcêmicas.

em cerca da metade dos casos, a osteonecrose atinge a cabeça do fêmur, e o restante se distribui democra-ticamente por outras partes do esqueleto. O pior é

que a lesão óssea resultante da anemia falciforme apare-ce no adulto jovem, na fase entre 18 e 40 anos. “É triste, porque esta é uma fase intensamente produtiva da vida e tudo que tínhamos a dizer até bem pouco tempo aos pa-cientes com lesões invalidantes ósseas e de articulações era: ‘aguardem para colocar uma prótese quando tiverem 50, 60 ou 65 anos’”, comenta o professor Daltro. É tam-bém esse discurso que sua pesquisa se propõe a mudar.

AnemiA FAlciForme

Embora atinja brancos e pardos, a anemia falciforme é mais comum entre negros e, portanto, de enorme inci-dência entre baianos. “É uma doença genética, decorren-te de uma característica vinda de cada um dos pais, que leva a um defeito em uma substância existente no nosso

nAs bolsAs de trAnsFusão se encontrAm As

célulAs-tronco cApAzes de se multiplicAr,

reconstituir outrAs célulAs, tecidos e órgãos

e regenerAr A morte precoce do tecido ósseo

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glóbulo vermelho – a hemoglobina, que é responsável pe-lo transporte do oxigênio por todo o nosso organismo”, esclarece a pesquisadora Marilda Gonçalves, do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz (CPqGM-Fiocruz).

Esse defeito modifica o glóbulo vermelho, que normalmen-te é bicôncavo e muito flexível, para um formato alongado que lembra uma foice – daí a palavra falciforme no nome da doença. Essa transformação é chamada de falcização e ocorre principalmente em condições de baixa de oxigênio.

uma característica comum da doença é a ocorrên-cia de dolorosas crises vaso-oclusivas (obstrução de artérias e veias). As células deformadas ficam

rígidas e propensas a se agrupar e aderir ao endotélio (pa-rede interna do vaso), dificultando a circulação do sangue. Além de inflamação, esse bloqueio pode provocar úlceras nas pernas, descolamento de retina, acidente vascular cerebral, infarto, insuficiência renal e pulmonar e proble-mas ortopédicos.

Enquanto o diagnóstico da necrose óssea é feito por meio de radiografia e ressonância magnética, a detecção da anemia falciforme se dá por meio da técnica de eletro-forese, que consegue detectar a hemoglobina defeituosa chamada “S”. Em recém-nascidos, o teste do pezinho – realizado na Bahia pela Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), que atende cerca de 3.500 crianças por ano — mostra se o bebê herdou a doença dos pais.

Dados do Ministério da Saúde mostram que nascem no Brasil cerca de 3,5 mil crianças por ano com doença falciforme e 200 mil com o traço falciforme — quando a pessoa recebe o gene defeituoso de apenas um dos pais e a doença não se manifesta — entre os recém-nascidos vivos. A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) estima que a incidência da doença falciforme seja de 1 por 650 nascidos vivos no estado. Já para o traço falciforme, o percentual varia entre 7% e 10% dos nascidos vivos.

de umA dorzinhA à incApAcitAção

“Dizemos que há uma fase zero da anemia falciforme, na qual a pessoa sente uma dorzinha, cuja causa passa des-percebida pelos exames; a fase um, em que a radiografia não mostra nada, mas a ressonância, sim; a dois, em que os dois exames mostram o problema, sendo que na res-sonância a necrose está mais avançada”, explica Gildásio Daltro. “Na fase três, a cartilagem já está bastante preju-dicada e quase não dá para fazer a terapia celular, e a qua-tro já é artrose.” Dados mais precisos sobre o estado dos pacientes após a operação devem ser em breve publicados em uma revista científica internacional.

Perto do seu quingentésimo paciente, Daltro ressalta que a eficácia de toda a terapia se dá quando a pessoa deixa fo

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como é feita a reconstituição ósseacélulas-tronco do próprio paciente produzem substâncias capazes de regenerar tecido necrosado

1.após a anestesia geral no paciente, a equipe médica utiliza uma agulha de punção no quadril esquerdo e retira 100 mililitros de medula óssea, contendo células-tronco.

2. distribuídas em bolsas de transfusão sanguínea, as células são levadas para outra sala e separadas em um aparelho chamado sepax, onde ficam por 1h15 minutos.

3.com uma furadeira de pequeno calibre é feita uma perfuração no osso necrosado do paciente.

4.devidamente preparadas, as células-tronco autólogas, ou seja, do próprio paciente, são aplicadas no osso com necrose.

5.começam a crescer, então, as proteínas morfogenéticas – osteoblastos, fibroblastos, condroblastos e adipócitos –, que irão regenerar o osso.

6.dois dias depois da cirurgia,o paciente é liberado.

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de sofrer com a dor no osso ou articulações. “Saber quan-tos deixaram de usar muleta não é importante. Quando os pacientes passam pela cirurgia, esperamos que eles se livrem da dor”, afirma.

Assim como o auxiliar de arquivo, muitos pacientes chegam ao pequeno consultório em que o pesquisador atende, no segundo andar do HC, usando muletas. Daltro as recomendou a Rodrigo, por exemplo, tão logo diagnos-ticou, há dois anos, sua osteonecrose bilateral, para evitar o agravamento do problema.

O doutor Gildásio tem grande demanda de pacientes. De frente para o médico, a secretária Vanessa Sampaio ad-ministra a caixa de email do seu consultório. Grande par-te das mensagens recebidas é de médicos ou de pacientes que tomaram conhecimento da eficácia da cirurgia pela mídia ou por meio de outros canais e querem se submeter ao procedimento.

No ano passado, entre janeiro e junho, apenas uma cirurgia desse tipo foi realizada no Hospital das Clínicas, devido a “uma crise de gestão hospitalar”, segundo o pes-quisador. Atualmente, 500 pessoas aguardam na lista de

espera. Alguns chegam a levar meses para ser atendidos, a exemplo do funcionário operado pela primeira vez em outubro de 2014. “O tratamento é muito bom, eu faria novamente. Agora vou correr atrás para pedir uma res-sonância dos ombros, que incomodam bem menos, mas também doem”, relata Rodrigo Costa.

entre os episódios mais curiosos de pacientes que che-gam sem muita informação ao consultório, o profes-sor Daltro lembra o de uma espanhola que percorreu

quase 7 mil quilômetros, entre seu país e a Bahia, depois que seu médico lhe avisou sobre o tratamento existente em Salvador para melhorar a dor óssea. Acompanhada por seus seguranças, depois de insistir em prantos na recepção, Daltro a recebeu. Seu diagnóstico, porém, era de artrose — ele só trata osteonecroses —, e a espanhola teve que retornar ao seu país sem a terapia.

Outro paciente que, mais recentemente, recebeu uma negativa de tratamento foi ninguém menos que o repre-sentante da Associação Baiana das Pessoas com Doenças Falciformes (Abadfal) em Feira de Santana, a 108 quilô-

o tratamento nos hemocentros

por ser uma doença hematológica, os pacientes da anemia

falciforme são tratados nos hemocentros (Hemoba). de

acordo com a hematopediatra e coordenadora do

ambulatório da Fundação Hemoba, larissa rocha, existem

aproximadamente 4.200 pacientes cadastrados, residentes na

capital e no interior da Bahia. destes, aproximadamente 55%

são crianças e 45%, adultos.

de acordo com a secretaria da saúde do estado da Bahia

(sesab), à qual os hemocentros estão vinculados, outros

municípios também contam com o acompanhamento regular

desses pacientes, entre eles camaçari (300 pessoas), itabuna

(400), ilhéus (100) e Barreiras (306 pessoas). “no Hemoba não

fazemos tratamento com terapia celular. alguns pacientes

com necrose de cabeça de fêmur são encaminhados para

avaliação ortopédica no Hospital das clínicas e lá podem ser

indicados ou não para a terapia com células-tronco”, ressalta.

em janeiro passado, dias após a sua posse, o secretário da

saúde, Fábio vilas-Boas, afirmou que a Bahia irá ganhar um

centro estadual de referência para atenção integral à saúde

das pessoas com doença Falciforme. a ideia do projeto foi

apresentada em um encontro com representantes das

associações das pessoas com anemia falciforme.

na ocasião, vilas-Boas encarregou os técnicos da sesab de

apresentar um plano de ação para a implantação do centro. e

afirmou que o atendimento será feito desde o diagnóstico

precoce e rastreamento da doença até o tratamento completo,

incluindo internação e intervenções cirúrgicas, quando

necessárias.

segundo o coordenador de promoção da equidade em saúde,

antônio purificação, o plano de ação estava em construção no

mês de março, quando o orçamento também não havia sido

definido. em julho, ele ainda não havia sido finalizado e a sesab

não informou sobre sua conclusão. uma das missões deste

centro, diz ele, “será a elaboração de estudos para o

desenvolvimento de novas tecnologias de saúde destinadas à

melhoria da assistência e qualidade de vida das pessoas com

doença falciforme e à evolução clínica dos pacientes”. a

instituição também deverá formar e capacitar profissionais na

atenção às pessoas com doença falciforme, visando inclusive à

estruturação de uma rede estadual de cuidados a portadores de

doença falciforme.

outras iniciativas no estado já investigam formas de melhorar

o tratamento da doença falciforme. uma delas é o laboratório de

Hematologia, Genética e Biologia computacional (lHGB) da

Fiocruz. criado em 2013, sob a coordenação da pesquisadora

marilda Gonçalves, o lHGB tem duas linhas de pesquisa voltadas

ao estudo de doenças hematológicas. atualmente, são

desenvolvidos estudos em marcadores relacionados à alteração

cerebrovascular, cujo acompanhamento clínico dos pacientes

vem sendo realizado por pesquisadores do Hupes, além de um

projeto multinacional com os países Benin e nigéria, no qual

vários estudos sobre anemia falciforme estão sendo

bahiaciência | 29

metros de Salvador, Sandoval Coutinho, 36 anos. Há pelo menos dois anos ele buscava uma vaga para ser subme-tido à terapia e curar a osteonecrose da cabeça do fêmur, depois que assistiu a um evento voltado aos portadores de anemia falciforme. “Estava caminhando na rua quando comecei a perder o movimento das pernas. Soube do tra-tamento em uma audiência pública, mas foi meu médico quem me encaminhou para saber se caberia a terapia com células-tronco”, contou. Meses após o primeiro contato, entretanto, Daltro lhe disse que somente a prótese traria alívio para as dores e o ajudaria a recuperar os movimen-tos da perna.

célulAs AdultAs

Na pesquisa básica com cultura de células troncos, elas são estudadas in vitro, proliferam e se expandem em um processo que pode levar 21 dias. Nesse tempo, produzem as substâncias capazes de regenerar o tecido ósseo. Por terem mais capacidade de cumprir funções específicas, isto é, se diferenciar, são utilizadas células mesenquimais, extraídas de tecidos de organismos adultos.

Durante a cultura celular a osteonecrose pode até mes-mo ser induzida com o uso de esteroides em excertos de osso. Nessa fase, investiga-se biomateriais que contenham nanocristais semelhantes aos já existentes no osso e que lhe dão a rigidez, junto com fibras de colágeno.

O professor Daltro já atestou a vantagem de substân-cias sintéticas como o beta-tricálcio. Trata-se de um os-teocondutor em que as células de diferenciação e regene-ração óssea aderem.

Em janeiro último, o professor e a reitoria da UFBA comemoraram a promessa de destinação de R$ 700 mil para pesquisas com células-tronco na área de ortopedia e no tratamento da anemia falciforme, por meio de uma emenda de autoria do senador Walter Pinheiro (PT-BA), junto ao Orçamento da União de 2015. A verba deverá ser usada na compra de kits cirúrgicos. O dinheiro é uma mão na roda para obter “material de consumo”. No entanto, ainda está longe de ser o suficiente na construção de um centro de referência que Daltro almeja para desenvolver engenharia celular e inovação na extração e seleção de células-tronco. w

desenvolvidos e resultará na formação de oito mestres e oito

doutores da África.

para a coordenadora do lHGB, entre as pesquisas referentes à

doença que mais têm beneficiado os pacientes, tanto na Bahia

quanto fora do estado, estão as chamadas intervencionais,

voltadas para o tratamento de úlceras e lesões ósseas, incluindo

estudos de retinopatia (lesão não inflamatória da retina) na

doença falciforme. “estamos estudando aspectos associados à

inflamação e à resposta terapêutica da única droga utilizada no

tratamento da doença, que é a hidroxiureia”, ressalta. esse

quimioterápico eleva os níveis de hemoglobina fetal e tem sido

estudado tanto em crianças quanto em adultos.

em são paulo, pesquisadores da Faculdade de medicina de

ribeirão preto da universidade de são paulo (usp) vêm testanto a

viabilidade do transplante de medula óssea no tratamento da

anemia falciforme, considerado o único capaz de curar a doença.

no dia 10 de julho, uma portaria do ministério da saúde publicada

no diário oficial da união incorporou o procedimento ao sus,

reconhecendo estudos que demonstravam um aumento na

sobrevida de dois anos em 90% dos casos transplantados. e, no

caso das pessoas com doença falciforme, notou-se que elas

deixaram de utilizar a morfina para o controle da dor após o

transplante. a portaria nº 30 refere-se ao transplante de células-

tronco hematopoéticas entre parentes, a partir da medula óssea,

feito com sangue periférico ou do cordão umbilical. ainda de

acordo com as informações da agência de saúde, a partir da

publicação do documento oficial, o sistema nacional de

Transplantes tem até 180 dias para incluir a doença falciforme em

seu regulamento técnico, de forma a garantir o acesso gratuito

aos portadores que se encaixarem em critérios definidos.

de acordo com a hematologista e pesquisadora da usp-

ribeirão preto Belinda simões, uma das responsáveis pelos

estudos que contribuíram para a inclusão do transplante no sus,

essa terapia é a mesma realizada em pessoas com leucemia.

nesse processo, drogas quimioterápicas são usadas para destruir a

medula óssea do paciente, que produz células sanguíneas

defeituosas. depois disso, são introduzidas células-tronco da

medula de um doador compatível para que seja criada uma nova

fábrica de células sanguíneas sadias — o que não significa que

todas as pessoas necessitem desse procedimento. “não significa

que todos necessitem do transplante, ele inclui critérios específicos.

e a importância para as pessoas com doença falciforme é que, por

serem socialmente menos favorecidas, não contavam com o

tratamento no sus”, explica. ainda segundo Berlinda simões,

mesmo com sucesso de 85% a 90%, as pesquisas continuam para

saber que outros danos são revertidos após o transplante.

Já em relação à terapia para recuperação do osso com

necrose, Belinda simões, que também é membro da sociedade

Brasileira de Transplante de medula óssea, observa que se trata de

um procedimento complementar. “o transplante de medula óssea

reverte o quadro da doença e o paciente não tem mais anemia

falciforme. e a osteonecrose é consequência da doença. mas, se o

dano ocorreu, o paciente não consegue revertê-lo com o

transplante”, conclui.

Às vésperas de comemorar os seus 70 anos de vida, a Universidade Federal da Bahia demonstra na prática a disposição em fazer da comunicação científica um dos pilares mais importantes de sua atuação acadê-mica. Tendo por base o trabalho de inúmeros Gru-pos de Pesquisa e de Extensão nas mais diversas áre-as de conhecimento, e a confluência dessa produção para a EDUFBA (Editora da Universidade Federal da Bahia), a instituição cumpre um papel fundamental na difusão do conhecimento, inclusive fora dos li-mites da universidade, publicando pesquisas, teses e trabalhos acadêmicos diversos que priorizam a co-nexão com a cultura, o comportamento, os avanços técnicos e científicos, a atualidade.

Além de socializar o conhecimento e a cultura, as publicações promovidas pela UFBA abrangem to-das as áreas acadêmicas e temas que muitas vezes não encontram espaço nas editoras privadas, atu-ando em prol da formação, da disseminação do que é produzido pelas instituições de ensino superior e da preservação da memória. Nos últimos anos, a

Prioridade da nova gestão da Universidade Federal da Bahia, qUe tem à Frente o reitor

João Carlos salles, a ProdUção editorial da UFBa alCança novos índiCes de ProdUtividade,

UltraPassando mil títUlos em Catálogo, renovando a memória da Universidade e dissemi-

nando a ComUniCação CientíFiCa JUnto aos mais diFerentes PúBliCos.

editora manteve a média anual de 80 títulos publi-cados, embora no ano de 2014 tenha comemorado a marca de 120 novas publicações. Em termos de novos formatos de atuação, registra-se a importân-cia de eventos como o Festival de Livros e Autores da UFBA, que a partir de dezembro de 2014 vem ani-mando a cena cultural da cidade.

O mais relevante, como explica Flavia Rosa, di-retora da Edufba, é a construção de uma política editorial consistente, que dialogue com os macro objetivos da instituição, algo que a prática dos úl-timos anos tem norteado e que a atual gestão prio-riza. Bons resultados tem sido obtidos na ampla di-vulgação do que se produz em pesquisa para além dos muros da universidade, inclusive promovendo o acesso gratuito às publicações. “Além da disponi-bilização física do livro nas bibliotecas, temos um portal virtual (www.repositorio.ufba.br), denomina-do Repositório Institucional (ver Box), onde oferece-mos cerca de 400 títulos em sistema de acesso aberto para qualquer cidadão, em qualquer lugar do mun-

A UFBA nA trilhA editoriAlPUBlieditorial

bahiaciência | 31

do... O RI é uma grande vitrine do que é produzido em termos de pesquisa na UFBA”, observa.

Além de colocar a produção em três livrarias no próprio Campus, a UFBA adota um sistema de par-ceria comercial de distribuição a partir de São Paulo (o maior mercado nacional), e realiza a distribuição dos seus lançamentos, de forma regular, nas Livra-rias Saraiva, Cultura, LDM e livrarias das demais uni-versidades, através das editoras universitárias.

No total, a Edufba conta com um catálogo com mais de mil títulos publicados e acompanha as ten-dências do mercado editorial, seja através do for-mato e-book, seja possibilitando o acesso aberto de sua produção. Além disso, promove periodicamen-te eventos abertos ao público, permitindo o acesso às publicações do ano a preços promocionais. Ini-ciativas como essa, aliás, refletem a importância dada pela atual Reitoria da UFBA à produção edito-rial da universidade, no sentido de abrir novas fren-tes e garantir novas possibilidades de absorção da produção universitária.

Política cultural – As primeiras atividades edi-toriais na UFBA datam de 1959, mas, somente no início da década de 1990 é que nasce a Editora da UFBA (Edufba) para se responsabilizar pela disse-minação da produção científica universitária, que passou a se inserir na política cultural da institui-ção. O nascimento da editora coincide com as mu-danças tecnológicas na pré-impressão de livros, graças às novas tecnologias de composição de tex-to, ou seja, a editoração eletrônica – desktop publish – através do uso de PCs. Até então, as ilustrações eram feitas a nanquim. A prancheta e a régua pa-ralela eram “equipamentos” indispensáveis, assim como as letras-set, o normógrafo e as máquinas de datilografia elétricas para composição do texto.

Em setembro de 1998, tem início uma fase de reestruturação interna da editora, base para a re-novação tecnológica e conceitual que marca o es-tágio atual da Edufba. Primeiramente, criou-se um Setor de Editoração, estruturado com equipamen-tos (computadores) e softwares adequados à ativi-dade editorial.

Aliando sensibilidade estética, domínio da tec-nologia na área de editoração eletrônica e sintonia com os novos materiais disponíveis no mercado na área de acabamento, a editora logo firmou-se no mercado editorial local e nacional, mediante estra-

tégias de promoção, divulgação e comercialização e de uma ação conjunta com as demais editoras uni-versitárias brasileiras.

Em consonância com toda essa evolução tecno-lógica para a “construção” do livro em seu aspecto visual, a Edufba não se descuidou da parte textual, investindo no Setor de Preparação e Revisão de Tex-tos. Aprimorou-se, portanto, nas etapas da revisão de provas, normalização, revisão de linguagem e editorial dos textos a serem publicados, ampliando o controle de qualidade das edições.

Ao lado disso, a Edufba investiu na ampliação de sua equipe, criando inclusive um programa de está-gio para aproveitamento dos alunos dos cursos de Biblioteconomia (treinados para normalização), Le-tras (revisão de textos), Desenho Industrial – design gráfico (criação e editoração), Comunicação (divul-gação e eventos). “São estágios que tem contribuído para capacitar esses alunos para atuação na área editorial, além de promover uma integração prático-teórico essencial para a formação desses discentes”, observa Flavia Rosa.

repositório institUcionAlPelo novo Estatuto da Universidade, a Editora da UFBA tor-nou-se, desde 2010, um órgão estruturante, como Sistema Universitário Editorial, vinculado diretamente ao gabinete do reitor. Nesses mais de vinte anos de atuação, pode-se afir-mar que a produção da editora é representativa das diversas áreas do conhecimento, muito embora continue existindo um descompasso entre a produção científica da universidade e o que é de fato publicado pela Edufba.

Foi pensando na ampliação de canais para disseminação e democratização do conhecimento, que, em 2007, implantou-se o Repositório Institucional da UFBA, com acesso aberto à produção científica e acadêmica, tendo a Edufba sido de-finida como unidade piloto. A implantação do Repositório requereu, além do levantamento realizado junto aos pesqui-sadores da instituição e membros das instâncias superiores responsáveis pela pesquisa e pelo ensino de pós-graduação na UFBA, o posicionamento de membros do Conselho Edito-rial da Universidade.

O novo sistema permitiu o reordenamento da comunica-ção científica, visando à igualdade de acesso aos resultados de pesquisa financiados com recursos públicos, potenciali-zando uma interpenetração dos processos da comunicação e da divulgação científica, aproximando esses conceitos e possibilitando maior interação entre cientistas e leigos.

32 | julho/agosto de 2015

FabrÍcio Marques

A BAhiA tem ProPensão A inovAr?

SimpóSio

Conjuntura

EspEcialistas rEunidos Em simpósio

aprEsEntaram diagnósticos agudos E caminhos

possívEis para autoridadEs, pEsquisadorEs

E EmprEsários do Estado

Complexo Eólico Desenvix Bahia, em Brotas de macaúbas: o setor de energia é um dos criam oportunidades de inovação no estado

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num momento em que a economia brasileira vi-ve uma recessão e a necessidade de inovar se reafirma como essencial para superar a crise,

o simpósio Propensão a Inovar do Empresariado Baia-no, realizado entre os dias 27 e 29 de maio, apresentou diagnósticos agudos e caminhos possíveis para pesqui-sadores, gestores e empresários do estado presentes no Salão Lazareto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), em Salvador. O evento, pro-movido pela Academia de Ciências da Bahia (ACB), com apoio da Fapesb e patrocínio da Ferbasa Companhia de Ferro Ligas da Bahia, reuniu mais de uma dezena de especialistas numa programação que abordou temas como as origens e as limitações do sistema de inovação da Bahia, as oportunidades de inovação no estado em setores como energia e saúde e a questão da proprieda-de intelectual, entre outros (*leia a cobertura completa em www.bahiaciencia.com.br).

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*participaram da cobertura mariana alcântara, mariana Sebastião e nádia Conceição.

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Amilcar Baiardi, professor da Universidade Católica de Salvador (UCSal) e principal organi-zador do simpósio, abordou a evolução da men-talidade empresarial na Bahia, desde o complexo açucareiro escravista até a contemporaneidade. Mencionou que, apesar da escravidão, tanto os senhores como os escravos promoveram inova-ções no processamento do açúcar. “Com o com-plexo têxtil, o Centro Industrial de Aratu, o Polo Petroquímico, a indústria automotiva e as experiências bem-sucedidas do agronegócio no extremo oeste, Juazei-ro e extremo sul, vem se formando uma mentalidade que cogita investir em pesquisa e desenvolvimento”, afirmou.

o advento do Polo Petroquímico para a Bahia trou-xe de fato uma mudança de mentalidade, avaliou José Adeodato de Souza Neto, membro do Con-

selho de Inovação da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), com a geração de produtos mais competi-tivos e a criação de novos negócios. Mas a dificuldade em inovar ainda permeia o setor industrial. “As indústrias instaladas na Bahia em geral são tradicionais, unidades de transformação que inovam muito pouco e apenas no final da produção, na relação entre a fábrica e o cliente. Não é por ineficiência, é parte da regra do jogo estabelecido por essas empresas”, afirmou.

Adeodato, cujo currículo inclui a passagem pelos cargos de vice-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), diretor-executivo do Instituto de Pesquisas Tec-

nológicas de São Paulo (IPT) e superintendente de inovação tecnológica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), repetiu um diagnóstico que permeou várias apresentações. Disse que o enfrentamen-to do problema envolve o aumento no inves-timento em educação, ciência e tecnologia. “É necessário aproveitar melhor a produtividade da Bahia e investir em educação. Sem inves-

timento em educação, ciência e tecnologia não iremos a lugar nenhum”, ressaltou.

Inovação depende não só de investimentos, mas tam-bém de criatividade, disse o engenheiro Irundi Edelweiss, membro da Academia de Ciências da Bahia (ACB) e da Fieb. Ele destacou que não é trivial reunir “cabeças criativas”, ca-pazes de movimentar o cenário empresarial. “Precisamos buscar as cabeças inteligentes, que não necessariamente se encontram nas grandes corporações, mas estão por aí, perdidas pelo interior, necessitando de estímulos e de uma formação voltada para a criatividade”, disse. Para Edelweiss, a Bahia tem que andar mais rápido, ser mais criativa, e ter coragem para implantar as reformas necessárias, a fim de forjar uma universidade que estimule posturas inovado-ras e cobre atitudes proativas dos estudantes em relação ao desenvolvimento do estado e do país. Tais reformas, segundo ele, precisam ser pensadas a partir da educação básica, porque um ensino deficiente nessa etapa vai alimen-tar uma universidade também deficiente que, por sua vez, deixará de estimular uma cultura de inovação na indústria.

Polo industrial de camaçari: responsável por uma mudança de mentalidade sobre inovação na economia da Bahia, com a geração de produtos competitivos e novos negócios

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polopetroquimico

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nal. Em função dessa necessidade, ele considerou positiva a expansão do sistema de pós-graduação brasileiro ao longo dos últimos 12 anos, ao formar contingentes de mestres e doutores em 3.613 programas. A Bahia teve um aumento significativo na distribuição quantitativa dos cursos. “De 2002 a 2014, os mestrados passaram de 17 para 72 cursos e os doutorados, de 42 para 166 cursos”, disse Moret. “Se em 2000 contávamos somente com um curso fora da ca-pital baiana, agora temos 40% dos mestrados e 20% dos doutorados espalhados pelas universidades e centros de pesquisa no interior”, disse.

a economista Ana Célia Castro, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), usou a China como exemplo de reformulação em políticas públicas que vem mudando o panorama em áreas como educação, ciência e tecnologia e indústria. Segundo ela, que é membro do Ins-tituto de Estudos Brasil-China, o financiamento na China está acontecendo de maneira mais rápida do que no Brasil. “Na China, a inovação é o ponto de partida. Os empreen-dedores chegam com o produto no sistema bancário em busca de financiamento. Já no Brasil, a inovação é o ponto de chegada e passa por agências de fomento governamen-tais”, informou. Outro ponto-chave para avançar, segun-do a economista, diz respeito à cultura nos escritórios de patentes no Brasil. Para ela, a burocracia impede que os pesquisadores brasileiros consigam registrar seus produ-tos e partir para a fase de comercialização. A economista também lamentou a falta de uma divulgação efetiva da ciência brasileira, que mostre de fato onde o Brasil está contribuindo. “É preciso fazer um esforço no campo da divulgação de nossos feitos para sairmos da situação do desânimo que norteia a sociedade brasileira neste atual momento de crise econômica”, completou. w

O engenheiro destacou que a indústria e a tecnologia na Bahia são marcadas por três momentos importantes: o primeiro, o da criação do Centro de Pesquisas e Desenvol-vimento (Ceped), em 1966, cujo objetivo era desenvolver tecnologias inovadoras e prestar serviços tecnológicos; o segundo, o da implantação do primeiro mestrado das en-genharias da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1987; e o terceiro, o momento atual, que sustenta uma perspectiva de fortalecer a inovação na Bahia, centrada na estrutura do Senai-Cimatec (Campus Integrado de Manufatura e Tecnologia), que presta servi-ços especializados e promove a pesquisa aplicada. A refle-xão sobre questões de inovação e tecnologia, segundo ele, ainda é “insignificante na Bahia e no Brasil”.

O baixo desempenho inovador das empresas baianas foi esmiuçado na palestra do professor Francisco Lima Teixeira, da Escola de Administração da UFBA. Segundo ele, variá-veis como a instabilidade das instituições ligadas à ciência e tecnologia, uma infraestrutura industrial especializada em bens de baixo valor agregado e o desempenho ainda pouco qualificado de universidades e centros de pesqui-sa, além de investimentos pouco satisfatórios no estado, ajudam a compreender essa realidade. Teixeira abordou a desarticulação histórica entre os agentes do sistema local de inovação na Bahia. Lembrou que o estado teve uma fun-dação pioneira no país, a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia (Fundec), criada em 1950 e extinta em 1974. A reversão desse atraso histórico, segundo Francisco Teixeira, parece estar nos investimentos de longo prazo, principalmente em infraestrutura e numa política estável.

Para o físico Marcelo Moret, professor da Universi-dade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e coordenador do Programa de Pós-Graduação do Campus Integrado de Manufatura e Tecnologia do Senai-Cimatec, a formação de recursos humanos com capacidade de inovação é condição fundamental para reposicionar a Bahia no cenário nacio-

A BAhiA tem que AndAr mAis rápido, ser mAis

criAtivA e implAntAr reformAs necessáriAs pArA

forjAr umA universidAde que estimule posturAs

inovAdorAs, diz irundi edelweiss

36 | julho/agosto de 2015

AlunAs de escolA técnicA de recife gAnhAm

menção honrosA em torneio internAcionAl

com gAme sobre o uso rAcionAl de águA

Fabrício Marques

A últimA GotA

um grupo de cinco alunas da Escola Técnica Estadual Cícero Dias, em Recife, recebeu menção honrosa na última edição do Technovation Challenge, torneio

realizado desde 2010 em São Francisco, Estados Unidos, que já desafiou 3 mil garotas de 28 países a construir apli-cativos voltados para solucionar problemas sociais e co-munitários. Jacqueline Alves Barbosa, de 17 anos, Maria Gabrielle Lopes Cruz, Jaqueline Rodrigues Alves da Silva, Leonor Victória Monteiro de França e Sâmara Beatriz, de 16 anos, passaram cinco dias nos Estados Unidos acom-panhadas pelo professor de programação Tiago Lemos de Araújo Machado apresentando para centenas de investido-res o game The Last Drop (A última gota, em inglês), cuja protagonista, uma menina chamada Vitória, precisa fechar torneiras antes que acabe a água do edifício onde reside. O game busca sensibilizar crianças de 5 a 12 anos a usar racionalmente a água. As garotas de Recife disputaram o prêmio na categoria ensino médio com grupos da Índia, dos Estados Unidos e da Nigéria. A equipe vencedora foi a nigeriana Charis, que desenvolveu um aplicativo sobre descarte adequado de lixo.

O objetivo do Technovation Challenge é estimular o interesse de crianças e jovens por programação e ciência da computação, em especial as meninas, já que mulheres são minoria entre profissionais formados e pesquisado-res no mundo inteiro. No Brasil, apenas um quarto das pessoas que trabalham na área de computação é do sexo

feminino. “Na nossa escola, os garotos são maioria entre os estudantes de programação. Com o nosso exemplo, queremos incentivar mais garotas a participar”, diz Ja-queline Rodrigues. A iniciativa de participar do torneio partiu das próprias garotas. “Elas haviam participado de algumas competições em programação no ano passado e receberam um e-mail dos organizadores deste torneio. Montaram o time e se envolveram intensamente no tra-balho”, diz o professor Tiago. Desenvolver o aplicativo, ele diz, foi a parte mais fácil. “Elas já haviam feito outros jogos anteriormente e conhecem bem a linguagem de programação”, afirma. Difícil foi conciliar a tarefa com as aulas na Escola Técnica e organizar um plano de negó-cios para comercializar o aplicativo, uma das exigências do torneio. O grupo se encontrava nos fins de semana e também trabalhava virtualmente, criando pastas com ta-refas no Google Drive. “O plano de negócios foi feito no feriado da Páscoa”, afirma o professor Tiago. A empresa startup proposta no plano foi batizada de PortMund. O grupo pretende agora lançá-la comercialmente. “Esta-mos procurando parceiros para consolidar a empresa”, diz Gabrielle Lopes.

Os cinco dias nos Estados Unidos foram uma experiên-cia intensa e árdua. Embora as passagens e hospedagens corressem por conta da organização do evento, o grupo sofreu para conseguir entrar nos Estados Unidos, devido a uma pane no sistema de concessão de vistos. “Foi assus-

EmprEEndEdorismo

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tador no começo, mas acabou se tornando uma das experiências mais emocionantes da minha carreira”, diz o professor Tiago. O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, pediu ajuda à representação diplomática norte-americana em Recife. O grupo con-seguiu entrar sem o visto regular, exibin-do uma autorização especial emitida pelo consulado. Na Califórnia, participaram de cursos e palestras e visitaram empresas de tecnologia, como a Amazon e o Twitter. “Conhecemos muita gente da área. Eles nos incentivaram, fizeram críticas positivas e mostraram onde poderíamos me-lhorar o jogo”, diz a estudante Jacqueline Alves. Um dos mais interessados no game brasileiro, segundo o professor Tiago, foi a Apple. “O chefe do departamen-to de design da companhia conversou bastante com elas e deu muitas dicas. Fez questão de parabenizá-las pessoalmente e disse que pretende manter o contato.”

A experiência de obter vivência internacional em seu campo de estudos também foi obtida por um grupo de estudantes de graduação da Bahia

que venceram, no ano passado, o Desafio Universitário Empreendedor de 2014, competição nacional desenvol-vida pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Peque-nas Empresas (Sebrae). Os estudantes baianos Allisson

Pierre Lino Gomes, Diego Feitosa Cavalcanti, Flávia Francisca de Souza Sampaio e Paulo Victor Sobrinho de Jesus embarcaram no dia 26 de junho para uma

missão técnica de nove dias no Japão, onde visitaram centros de inovação, empreendedorismo e tecnologia em Tóquio e Nagoya. A equipe se destacou entre os mais de 100 participantes da competição, cujo objetivo é estimular habilidades em gestão, empreendedorismo e inovação en-tre universitários de todo o Brasil. Além de se destacarem nas atividades desenvolvidas na competição, o grupo da Bahia fez a melhor apresentação de ideia de negócios para uma banca de jurados, formada por investidores e espe-cialistas em empreendedorismo. Os baianos apresentaram a proposta de criar uma plataforma para ajudar crianças, entre 3 e 8 anos, com dificuldades de alfabetização. “Pen-samos em uma plataforma divertida e interativa em que as crianças pudessem dizer uma palavra, visualizar uma imagem de seu significado e, em seguida, as sílabas corre-tas dessa palavra”, disse Paulo Victor, segundo a Agência Sebrae de Notícias. w

as estudantes jaqueline rodrigues, jacqueline Barbosa, sâmara Beatriz, gabrielle lopes e leonor Victória e o game the last drop (no detalhe): menção honrosa no desafio de inovação para garotas na califórnia

38 | julho/agosto de 2015

biodiversidade

produção do conhecimento

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O caminho para saber se uma espécie de animal ou de planta existe em solo local inclui verificar as publicações, bases de dados e acervos de coleções

científicas especializadas. Já para determinar se os espé-cimes estão ou não em risco de extinção na natureza, o conjunto necessário de informações sobre eles é tão mais amplo que tende a se ramificar em grupos de pesquisa geograficamente afastados. A partir de um longo trabalho em equipe, pesquisadores baianos mapearam 328 seres da fauna sob algum tipo de ameaça, entre os quais estão o macaco guigó-da-caatinga, o peixe piabanha, o pássaro rabo-branco-de-margarette, o tubarão-raposa, a aranha--caranguejeira, a estrela-do-mar e o lagartinho-do-abaeté.

A lista inédita de espécies ameaçadas de extinção da Bahia, também chamada de Lista Vermelha, nasceu de um trabalho em rede que envolve, desde 2003, 150 pesquisado-res de distintos estados brasileiros com participação direta no processo. Estudiosos de peixes e invertebrados conti-nentais e marinhos, de aves, mamíferos, répteis, anfíbios e plantas foram convidados a participar do levantamento pela coordenadora do projeto, Sofia Campiolo, professo-ra da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Como resultado, avaliaram um total de 2.700 animais, sendo 40 deles exclusivos da Bahia e sob algum risco, e 1.800 tipos

de plantas, das quais ainda não se sabe totalmente quan-tas são particulares do estado.

O time reuniu informações sobre a biologia, a ecologia e a distribuição geográfica da fauna e flora do estado para determinar quais espécies estão de fato ameaçadas de ex-tinção em nível global, nacional, estadual ou regional. Essa lista prévia é uma das etapas de um trabalho que envolveu também oficinas de avaliação e validação, realizadas em 2013 na cidade de Ilhéus, entre os próprios estudiosos, até a divulgação oficial pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), fase ainda em andamento.

“A ideia do projeto da lista é muito antiga. Demoramos a iniciá-lo em função da necessidade de articulação com o governo, e uma das questões importantes para nós sem-pre foi manter as coordenações entre os pesquisadores no estado para conseguirmos, além da lista, o fortalecimento e a articulação dos grupos de pesquisa aqui instalados”, explica Sofia Campiolo, agrônoma de formação e doutora em biologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). No modelo institucional afinal montado para viabilizá-la, a Lista Vermelha é um proje-to coordenado pela Uesc e pelo Instituto Dríades, órgão baiano de pesquisa e conservação da biodiversidade, e apoiado pela Sema.

lagartinhO-dO-abaeté está entre

as 328 espécies da fauna baiana

ameaçadas, segundO pesquisadOres

Edvan LEssa

Lista VermeLha

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sapos Aparasphenodon arapapa e Ischnocnema verrucosa (no alto e abaixo à esquerda) estão na categoria “em perigo”; caranguejo-uçá, preguiça-de-coleira, arara-azul-de-lear e rato-do-cacau também se encontram entre as espécies ameaçadas

típica da mata atlântica, a maria-leque-do-sudeste está entre as espécies de aves sob ameaça de extinção

40 | julho/agosto de 2015

A identificação das espécies em risco foi feita com base em métodos da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), instituição internacional bancada por governos, empresas, indivíduos, entre outros, que auxi-lia iniciativas, incluindo pesquisas científicas, dedicadas a encontrar soluções baseadas na natureza. “O Brasil, como signatário da Convenção sobre Diversidade Bio-lógica (CDB), também elabora a lista nacional, com base nos critérios da IUCN. Nós fizemos o trabalho articulado com o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversiade]”, conta Sofia Campiolo. O ICMbio é o ór-gão ambiental do governo e finalizou a avaliação nacional do risco de extinção da fauna brasileira em dezembro de 2014. É também a entidade responsável pelo treinamento, organização de monitoramento das oficinas e de uma ba-se de dados; divulgação e orientação de políticas públicas visando à conservação das espécies.

AvAliAção dAs espécies

Cada animal ou planta mapeado possui uma ficha exclusiva com informações sobre ele. Entre os dados preenchidos pelos pesquisadores, estão nome científico e comum da espécie, se é ou não típica da região onde foi encontrada, a sua característica física, variabilidade genética e onde mais está distribuída. O levantamento geral de espécies envolveu ao menos um pesquisador responsável por gru-po biológico, todos eles sob a coordenação geral de Sofia Campiolo, que orientou alguns envolvi-dos a não informar, por enquanto, os números finais das espécies cata-logadas. Segundo ela, só a lista de peixes marinhos ainda não foi finalizada. “Este é o grupo mais complexo, em função do grande im-pacto sócioeconômico, quando a lista se torna um efetivo instrumento de gestão”, revela.

de acordo com o coordenador da lista dos peixes marinhos, Alexandre Clístenes, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), foram avalia-

das 797 espécies. “As maiores dificuldades para finalização da lista foram o alto número de espécies, o baixo número de especialistas locais e a absoluta carência de dados sobre estatística pesqueira”, aponta Clístenes. Para o ictiólogo, as medidas de gestão e recuperação específicas para o estado devem enfatizar a pesca, mas sem esquecer as diferentes atividades que impactam os hábitats marinhos e costeiros.

A lista da flora também não está finalizada ainda. “Ela foi elaborada a partir de dados recebidos pelo Centro Na-cional de Conservação da Flora (CNCFlora) com cerca de 1.800 espécies, sendo que parte destes registros esta sen-do eliminada em função de estas espécies representarem

registros recentes em outros estados, o que as retiravam da categoria de endêmicas da Bahia”, explica a coordena-dora de Pesquisas Ambientais da Sema, Cristiana Vieira. Daí, uma lista de plantas exclusivas da Bahia está sendo elaborada com base no SpeciesLink, um sistema distribuí-do de informação que integra dados primários de coleções científicas, bem como a partir de outras fontes disponíveis na web. Após as atualizações, esse catálogo deve ser entre-gue em agosto, segundo o superintendente de Pesquisas Ambientais da Sema, Luiz Antonio Ferraro.

cAtegoriAs de AmeAçA

Cerca de 13% dos animais da fauna local, entre os 2.600 catalogados, estão sob algum tipo de ameaça. O parâme-tro utilizado para separar as espécies a partir do nível de ameaça em que elas se encontram na natureza é estabe-lecido pelo IUCN. Embora a metodologia possibilite in-cluir espécies extintas e não avaliadas, aquelas que estão passíveis de desaparecer, e que portanto ainda podem ser preservadas, são classificadas como “vulnerável”, “em perigo” e “criticamente em perigo”. O nível de ameaça é definido por meio de critérios que incluem a taxa de de-clínio da população, seu tamanho e distribuição, área de distribuição geográfica e grau de fragmentação de hábitat.

Entre os peixes continentais, cuja distribuição é maior pelas bacias dos rios São Francisco, Paraguaçu e Contas e

em uma grande variedade de tributários costeiros, foram listadas inicialmente 204 espécies. A lista, porém, cresceu para 217 após as oficinas de avaliação. Segundo Ricardo Jucá Chagas, professor da Universidade Estadual do Su-doeste da Bahia (Uesb) e coordenador desse inventário, 5% dos peixes continentais se encontram vulneráveis, 4,6% em perigo, 5% criticamente em perigo e 15% em risco de extinção; os outros 17,5% ainda não possuem informações suficientes para uma análise de risco.

“Algumas regiões do estado só começaram a ser mais bem investigadas recentemente, como é o caso da região do alto rio de Contas, onde algumas espécies novas têm sido registradas. Entre estas, algumas já entraram na lista como ameaçadas. Mesmo em rios como o São Francisco, descobrimos neste trabalho que há muitas lacunas de in-formações sobre as espécies no estado da Bahia”, afirma Jucá Chagas. A rede de pessoal necessário para a listagem desse grupo envolveu técnicos do ICMBio, dois pesquisa-dores co-coordenadores e mais de 20 voluntários que cola-

cinco espécies de Aves forAm cAtegorizAdAs

como regionAlmente extintAs nA bAhiA

e 18 como criticAmente AmeAçAdAs

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boraram nas oficinas de avaliação e validação de espécies.Na Lista Vermelha, há um expressivo número de peixes

da família Rivulidae, geralmente coloridos, de comporta-mento dócil e alvo fácil de aquariofilia e biopirataria. Mas, no geral, os peixes baianos estão também ameaçados pelo desmatamento, degradação ambiental, irrigação, barra-gens, pesca, mineração, poluição e introdução de espécies alóctones, ou seja, que não são regionais.

entre os demais grupos biológicos, segundo os res-pectivos coordenadores, foram avaliados 84 inver-tebrados marinhos, 160 invertebrados continentais,

188 anfíbios, 251 mamíferos, 253 répteis e 815 aves. Junto com as duas categorias de peixes, somam 2.765 espécies. O site do projeto (www.listavermelhabahia.org.br), que está desatualizado, informa apenas 320 animais cataloga-dos no total. “Na Bahia, não há espécies de invertebrados continentais registradas como extintas, mas há algumas criticamente em perigo ou em perigo, duas dúzias foram consideradas vulneráveis, outro tanto menos preocupantes. Para uma maioria de invertebrados terrestres, os dados são, porém, considerados insuficientes para se ter uma decisão clara sobre seu estado de conservação”, observa Jacques Hubert Delabie, da Uesc, coordenador da lista vermelha dos invertebrados continentais.

No caso das aves, segundo o responsável, Caio Graco Machado, professor da Uefs, esta riqueza representa qua-se 43% das espécies reportadas no Brasil, que somam hoje 1.901 espécies, conforme o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO). Ainda de acordo com o órgão, 12% da avifauna se encontra em algum grau de ameaça de extin-ção. “Na Bahia, cinco espécies de aves foram categorizadas como regionalmente extintas; 18 espécies como criticamente amea-çadas – entre elas, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), provavelmen-te extinta na natureza; 42 espé-cies foram categorizadas como em perigo; 27 como vulneráveis; 15 como quase ameaçadas; e 43 espécies com dados insuficientes”, enumera. A avaliação não foi apli-cável a 77 espécies. As demais 588 foram categorizadas como “me-nos preocupante”.

Já entre os invertebrados ma-rinhos, cujo levantamento foi feito pela professora Erminda Couto, da Uesc, das 84 espécies avaliadas, uma está “criticamen-te em perigo”, duas estão “em perigo”, seis estão quase amea-çadas e 11 estão “vulneráveis”. No grupo dos répteis, 145 não estão em risco. Mas 23 foram

consideradas como “vulneráveis, 38 como “em perigo” e quatro como “criticamente em perigo”. “Dentre as espécies mais ameaçadas, ou seja, criticamente em perigo, estão as tartarugas marinhas Eretmochelys imbricata, tarturaga-de--pente, e os lagartos Anotosaura collaris, Heterodactylus septentrionalis e Ameivula sp. n., este último uma espécie ainda não descrita”, enumera Antônio Argôlo, professor da Uesc e coordenador da lista de répteis.

pArA Além dA listAgem

Entre os estados que já têm a sua lista estão o Rio Grande do Sul e São Paulo. “Na região Norte, o Pará foi o pionei-ro; no Nordeste, Pernambuco e Bahia são os dois estados trabalhando nessas listas. Há também esforços no Distri-to Federal e em Goiás”, afirma Delabie. Na verdade, desde janeiro, Pernambuco já reconhece quais são os anfíbios da sua fauna que estão sob algum tipo de ameaça.

Na Bahia, a Lista Vermelha já está praticamente finaliza-da, mas só após ser divulgada pela Sema a lista viabilizará a elaboração de metas, ações e legislações com o objetivo de garantir a existência dessas espécies, além de servir como uma das ferramentas para definição de estratégias de conservação da biodiversidade. “Sendo finalizada a ava-liação do estado de conservação de todas as espécies, ela deverá passar pelos trâmites burocráticos: apresentação a outros órgãos do estado, apresentação às câmaras técnicas, envio da minuta do decreto à Gover-nadoria para avaliação etc.”, explica Cristiana Vieira. “Como cada órgão tem sua agenda, não podemos ainda prever uma data para publicação do decreto”, completa.

estrela-do-mar (Linckia guildingi) está entre as 84 espécies da lista dos invertebrados marinhos avaliados

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Em novembro do ano passado, o então diretor de pes-quisas ambientais da Sema, Marcelo Araújo, informou que a conclusão da lista havia sofrido atraso. “Agora, com a transição de governo, imagino que a sua finalização deve mesmo ficar para março ou abril de 2015”, afirmou à época. Desvinculado da pasta, ele reiterou, no final de março, que a lista continuava atrasada. “Por diversas razões, especialmente porque é um trabalho em que os pesquisadores que avaliam as espécies atuam como vo-luntários e não estão presos aos nossos prazos. Outra questão é que os dados das espécies estão dispersos e or-ganizá-los é um desafio. Ademais, os pesquisadores estão ressabiados com esse tipo de trabalho depois que houve divergências entre a lista que os pesquisadores fazem e a que o governo formaliza”, observou. Questionada sobre esse ponto, em maio, a coordenadora-geral Sofia Cam-piolo disse que não poderia falar a respeito do assunto, pois o documento oficial ainda não havia sido divulgado.

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Não houve propriamente um limite estipulado de espé-cies desse catálogo, mas é possível que alguns animais e plantas, em algum nível de ameaça, tenham ficado de fo-ra da Lista Vermelha. “Certamente existem espécies não descritas ou recém-descritas pela comunidade científica que ficaram de fora do processo. Mas esse número de es-pécies que não puderam ser não avaliadas é considerado pequeno para os mamíferos, sobretudo se considerado em termos proporcionais a outros grupos como invertebrados”, acredita Camila Cassano, professora da Uesc responsável pela lista dos mamíferos. Ainda segundo ela, trata-se de um grupo particularmente importante tanto em termos ecológicos, a exemplo de predadores e dispersores de se-mentes, polinizadores, quanto em relação ao grande nú-mero de espécies carismáticas, que podem ser utilizadas como espécies bandeira para a conservação.

Na outra ponta da conservação estão, no entanto, os in-teresses econômicos em determinadas espécies. Enquanto a Lista Vermelha da Bahia não é publicada, o país assis-te a um exemplo de tentativa de anular a lista de peixes, nascida em dezembro. Um projeto de decreto legislativo que estava na pauta do dia 24 de junho da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimen-to Rural da Câmara dos Deputados, sustava a portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que proibia a pesca dos espécimes ameaçados.

Aqui, outro tipo de impasse começa a ser especulado entre alguns envolvidos com a lista. Isso porque é possí-vel que haja divergência entre o que será divulgado em âmbito estadual e o que já foi reconhecido na lista nacio-nal. “Precisamos conversar com o MMA para saber co-mo é que fica a fiscalização e também juridicamente, por exemplo, se uma espécie for considerada ameaçada por nós, e não for pelo ICMBio”, conclui o superintendente Luiz Antonio Ferraro. w

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44 | julho/agosto de 201544 | julho/agosto de 2015

NoNserup tatias Num eos rectur qui

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Imensamente cênIcos

De um anterior terceiro lugar, a bahia tem

hoje a maior concentração reconheciDa De

inselbergs, as ilhas terrestres

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a maior concentração mundial de inselbergs, ilhas terrestres de notável importância social, ecológica e econômica, fica no semiárido baiano sob uma microplaca tectônica chamada Jequié

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quando ainda era menino, Geraldo Marcelo Lima subia quase todos os dias um imenso morro de pedra que ele costumava encarar da sua casa, lo-

calizada em Tanquinho, município que fica no semiárido baiano. Mais tarde, voltou a Salvador, onde nasceu, inte-ressado pela área de geologia e se tornou pesquisador do Instituto de Geociências (IGeo) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Não por coincidência decidiu que desa-fiaria novamente formações rochosas como aquela, mas dessa vez em nome da ciência.

Ele e outros três pesquisadores do mesmo grupo de pesquisa começaram a estudar os morros e a chamá-los de inselbergs ou ilhas terrestres. Apesar de sua variada grafia – inselberge, inselbergues – são por definição uma classe es-pecial de acidentes geográficos com paisagem marcada por um contraste entre elevações, com altura maior que 100 metros, e arredores de superfícies planas. O mais famoso é o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, e a Pedra da Galinha Choca, que fica em Quixadá, no Ceará. Na Bahia, uma forma não tão marcante, mas em certo ponto conhecida, fica à margem da BR-116, próximo ao município de Itatim.

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Ali, em meio ao cenário verde quando a seca não castiga, a enorme pedra exibe uma hipotética boca.

Em 2007, a Bahia era considerada pela equipe de pes-quisadores do IGeo o terceiro principal recinto desses monumentos naturais no país. “Hoje é onde tem a maior concentração dos inselbergs no Brasil”, conta Lima. O destaque nacional e mundial em relação a Moçambique e Zimbábue, entre outros países da África, e à Austrália, por exemplo, se dá pela quantidade e variedade de formas identificadas ao longo da pesquisa, concluída em 2012, na qual ele verificou a origem e a evolução dos inselbergs baia-nos. Monumentos com tais características também estão presentes nos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Amazonas.

O morro próximo a Itatim, por sua forma de cúpula com superfície arredondada, foi reconhecido como um bornhardt. Esse exemplar pode ter mais de 1 quilômetro de comprimento e é o tipo mais comum de inselberg daqui. Mas a diversidade de formas locais também inclui castelos, torres, inselgebirgs, que são grupos de elevações próximas umas das outras, e koppies castelo, blocos empilhados an-gulares com bordas e paredes de pedra bem marcadas.

o maior sítio Do munDo

Além de Itatim, há formações com essas características em Pé de Serra, Santa Luz e Guanambi. Outras três cidades no semiárido baiano – Santa Terezinha, Iaçu e Itaberaba – também possuem as ilhas terrestres. Pela concentração de cinquenta elevações, integram o sítio geomoformóligo de Itatim, o maior do mundo, situado sobre a microplaca tectônica Jequié.

Entre os fatores de-terminantes para a ori-gem e forma dos curiosos afloramentos de rochas na região de 1.000 quilô-metros quadrados, estão os processos erosivos que isolaram essas pedras nas superfícies planas onde se encontram. São também importantes as características minerais dos inselbergs, em relação às rochas que ficam ao redor deles, as intempéries, a esfoliação que age sobre as imensas ilhas e o próprio clima árido no passado e se-miárido hoje.

Esses fatores explicam a beleza cênica e as diferenças entre Tocas, Napoleão, Itibiraba, Meus Pertences, Gavião, Leão, Torre e São Geraldo, todos nomes de acidentes geológicos do sítio de Itatim. “Na África, há lugares onde estão usan-do esses ambientes [para fins turísticos ecológicos]. Tem toda uma infraestrutura de turismo, inclusive com padrão internacional. É um ambiente mais árido do que o Brasil, e aqui a gente poderia aproveitar um pouco”, acredita Lima.

No sítio de Itatim, os inselbergs têm entre 280 e 300 metros e se formaram do magma cristalizado em gran-

des profundidades até a sua subida para a superfície da terra, chamadas pelos geólogos de intrusões, centenas de milhões de anos mais jovens do que as rochas subjacentes nas áreas planas. Ao longo do tempo, as pedras se torna-ram mais resistentes do que as suas vizinhas e o processo de denudação pela qual passaram, sendo desgastadas até 130 metros por milhão de anos, remete ao período Neo-geno, há cerca de 30 milhões de anos.

Na visão do pesquisador do IGeo Luiz César Corrêa--Gomes, um dos coautores da pesquisa, ainda há muito a ser estudado sobre os inserbergs, principalmente sobre as suas gêneses e evoluções. “Atualmente existe um ramo da geologia que estuda esses maciços, o da geomorfologia tectônica, e a relação entre a formação de relevos e eventos tectônicos. E, entre as técnicas de estudos, têm sido utili-zadas datações com traços de fissão em apatitas e zircões, entre outros [métodos], que permitem identificar fenômenos de soerguimento e afundamento crustais que podem ter sido determinantes na formação dos inselbergs”, salienta.

ecologia e pobreza

Em um artigo publicado numa coletânea sobre paisagens e geografia do Brasil, assinado por Lima e pelo pesquisa-dor Luiz César Corrêa-Gomes, seu colega no IGeo, eles afirmam que, além da beleza cênica, esses monumentos naturais “que rasgam o solo em direção ao céu” têm tam-bém relevância ecológica.

Em alguns casos, os penhascos íngremes têm uma fina camada de solo e um micro-hábitat onde sobrevivem or-ganismos, entre os quais está a família das bromélias, com

as espécies Encholirium spectabile, Tillandsia sp e a família de cactos, com o Melocactus sp, endêmicas do sítio geomor-fológico de Itatim. No entanto, pelas condições inóspitas que limitam o crescimento da vegetação, os inselbergs são notáveis como bancos de sementes – varridas pelos ventos ou espalhadas por insetos, aves e répteis que procuram alimento e comida na superfície das rochas – lançadas na planície que rodeia as rochas.

Um estudo que está em andamento no âmbito do Ins-tituto Nacional do Semiárido (Insa), sob a liderança da pesquisadora Fabiane Rabelo, visa mapear em fina escala os afloramentos mais vulneráveis no semiárido brasileiro, incluindo a Bahia, e levantar as espécies e populações de plantas que estariam vinculadas aos mesmos. O objetivo é, entre outros, compreender a composição, variabilidade

pinturas antigas são eviDências De que houve

ocupação no sítio De itatim bem antes Do século

xviii, após a colonização europeia, quanDo a

região voltou a ser povoaDa

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cromossômica e genética dessa flora para criar ferramentas de conservação do ecossistema. Mas, ainda conforme informações do Insa, a pesquisa pretende utilizar esses recursos naturais de forma sustentável e controlada, “especialmente pelas populações do entorno, permitindo assim um aporte de renda extra a essas populações tradicionais”.

As pinturas antigas, a exemplo da Pedra de Itibiraba, no município de Itaberaba, evidenciam que houve ocupa-ção no sítio de Itatim há tempos bem mais longínquos do que o século XVIII, após a colonização europeia, quando a região voltou a ser povoada. Hoje em dia, a população do local é formada por uma significativa parcela de pes-soas pobres; centenas de homens, mulheres e até crianças que dependem da extração de algumas dessas pedras, que podem se tornar paralelepípedos ou cascalho. Para se ter uma ideia, o Índice de Desenvolvimento Humano Muni-cipal (IDHM) mais elevado dessas três localidades é 0 de Itaberaba (0,620), segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano de 2013. Já Itatim possui IDHM de 0,582 e Iaçu, de 0,574, o mais baixo.

Conforme observam os pesquisadores baianos, o “de-safio ambiental” é posto porque algumas dessas pedras já foram, e podem continuar sendo, bastante transformadas por conta da contínua extração. “Em geral, são rochas ri-cas em feldspatos e quartzo, que aumentam a resistência da rocha ao intemperismo químico. Mas elas podem ser

tanto isotrópicas, sem orientação, quanto ani-sotrópicas, bem orientadas. No caso da extração de pedras ornamentais, os maciços não podem ser muito fraturados, pois isso dificulta a lavra do material”, observa Corrêa-Gomes. A lavra é o conjunto de operações coordenadas para o aproveitamento industrial da jazida, desde a

extração de substâncias minerais úteis que contiver até o seu beneficiamento.

O especialista em recursos minerais do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Cláudio da Cruz Lima, diz que não há uma fiscalização específica em la-vras que exploram os inselbergs, a não ser que ocorra uma denúncia formalizada. “Nas regiões citadas existem dois licenciamentos para gnaisse, uso de brita, e uma guia de utilização para lavra experimental de gnaisse, uso de pedra de talhe, esta última em Iaçu”, explica Lima, que atua na superintendência baiana do DNPM. “Não há como afirmar se essas lavras são extraídas a partir dos inselbergs, mas é importante salientar que para conceder o direito de lavra é necessário, entre outros documentos, a licença ambien-tal emitida pelo órgão ambiental ou pela prefeitura, caso tenha competência para emitir o documento. Compete ao órgão ambiental definir se os morros do tipo inselbergs podem ser minerados”, ressalta.

A assessoria de comunicação do Instituto do Meio Am-biente e Recursos Hídricos (Inema), vinculado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, informou que “não tem ne-fo

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a Pedra de tocas, localizada no sítio geomorfológico de itatim, é um maciço rochoso que se formou há 30 milhões de anos

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nhum tipo de ação de conservação, a não ser o de fiscalização ambiental por meio de denúncia popular, feita através do 0800 071 1400”.

Há um mapeamento feito por Lima com a localização de algumas pedreiras, no geral res-ponsáveis por mudanças consideráveis nos morros. “As pedreiras são o ganha-pão desse pessoal pobre. Quando eu falo em turismo, acho que deveria ser uma fonte a mais”, pondera o pesquisador.

Como alguns municípios são porta de entrada para a Chapada Diamantina, bastante conhecida e visitada, os inselbergs, ele sugere, poderiam ser incluídos no roteiro de viagem a essa região. “A ideia seria: visite Itatim, capital mundial dos inselbergs. Vale ressaltar que seria necessário investir em treinamento de pessoal, montar um parque temático (conhecido como Geoparque), como foi feito com os monólitos de Quixadá. A visitação turística em Quixadá saltou nos últimos anos e melhorou a qualidade de vida da população local”, detalha.

Em Quixadá, que fica a 158 quilômetros de Fortaleza, os inselbergs fazem parte de uma unidade de conservação na categoria monumento natural. Existente desde 2002 por meio de um decreto estadual, o Monumento Natural dos Monólitos de Quixadá é reconhecido pela Secretaria do Meio Ambiente local, não apenas como raro, mas naturalmente frágil, justamente por conta das intervenções humanas.

A Bahia também já esteve na iminência de contar com uma inciativa nesses moldes. No ano passado, Lima rece-beu uma solicitação informal para ampliar as regiões onde existem inselbergs, reconhecendo-as como uma Unidade de Conservação (UC). Porém a ação não se concretizou. Atualmente, existem duas UCs na categoria monumento

natural no estado: a Cachoeira do Ferro Doido, em Morro do Chapéu, e os Canions do Subaé, em Santo Amaro. Além dos decretos estaduais específicos para preservá-los, de 1998 e 2006, res-pectivamente, a sua proteção está prevista desde junho de 1977 pelo Decreto nº 80.978/1977 rela-tivo ao patrimônio mundial, natural e cultural.

Jovem itaberabense, o estudante Luís Neto, 17 anos, reconhece a importância dessas pedras, que as pessoas visitam em datas religiosas ou frequentam para fazer esca-ladas. “Primeiro deveria haver a conscientização dos mora-dores, pois muitos deles acham que lá [a Pedra de Itibiraba] é uma pedra qualquer”, defende. “A Secretaria da Cultura poderia fazer a mesma coisa que fez no Bom Jesus: limpar toda a área e colocar placas indicando a entrada para a Pedra. Assim, a população teria ao menos curiosidade de conhecê--la de perto e as pinturas indígenas que lá tem”, completa.

pesquisa ampliaDa

Paralelo ao interesse científico no relevo, Lima também tem grande paixão pelos registros fotográficos das paisagens que estuda. As imagens feitas por ele, boa parte realizada em uma carona que pegou em um helicóptero do governo estadual, ilustram um livro elaborado ao longo de dez me-ses e publicado em 2007. Como as pesquisas continuaram desde então, veio a necessidade de revisão do material. De acordo com o pesquisador, em 2016 deve ser lançado outro exemplar com novos resultados da pesquisa sobre os insel-bergs. Mas dessa vez com colaborações de seus colegas e a inclusão de um novo sítio geomorfológico, que ele ainda não apelidou, integrado pelos municípios de Guaratinga, Intanhém e Jucuruçu. w

a Pedra de itibiraba, que fica no município de itaberaba, possui pinturas antigas e é eventualmente escalada por religiosos e aventureiros

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pesquisa e desenvolvimento

Contratos, projetos industriais e empregos

são sugados pela tormenta gerada nas

investigações da operação lava-jato

Domingos zaparolli

No olhodo furacão

indústria naval

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50 | julhO/AGOSTO DE 2015

seis meses separam duas visitas de Bahiaciência ao estaleiro Paraguaçu, que a Enseada Indústria Na-val ergue em Maragojipe. Os cenários vistos pelos

jornalistas Domingos Zaparolli, em novembro de 2014, e Mariluce Moura, em maio de 2015, não poderiam ser mais distintos. Não só o ritmo das atividades e as perspectivas em relação ao estaleiro eram diferentes como a própria situação da indústria naval brasileira era outra. O dina-mismo havia cedido espaço à perplexidade e à paralisia.

Entre uma visita e outra, as investigações da Operação Lava-Jato colocaram sob suspeita inúmeros contratos rea-lizados nos últimos anos entre a Petrobras, a maior com-panhia brasileira, e seus fornecedores, entre eles a Sete Brasil, empresa que havia encomendado a cinco estaleiros um total de 29 navios-sonda, embarcações utilizadas na perfuração petrolífera, sendo que seis deveriam ser construídos em Maragojipe. Os três sócios brasileiros da Enseada, a Odebrecht, a OAS e a UTC, também tiveram outros contratos com a Petrobras colocados sob suspeita, assim como aconteceu com várias das maiores construto-ras do país.

Se houve ou não práticas irregulares é uma questão que caberá à Justiça responder no tem-po devido. Mas os danos à atividade da indústria naval do país e à qualidade de vida de seus trabalhadores são ime-diatos. Em novembro eram por volta de 4.500 trabalha-dores engajados no desafio de estabelecer a Enseada como uma das mais competitivas e modernas indústrias do país. Gente como Jailson Ribeiro, baiano de Salinas, um espe-cialista em máquina de cortes que teve a oportunidade, assim como outros 100 funcionários, de aprofundar seus conhecimentos profissionais em um estágio de três me-ses em Sakaide, Japão, no estaleiro da Kawasaki, o sócio tecnológico da Enseada. Ou o engenheiro Mario Moura, gerente industrial responsável por conduzir a companhia em sua busca por maior produtividade, como demonstra a reportagem de Domingos Zaparolli, reproduzida nas pá-ginas seguintes em seu formato original. Em Maragojipe se respirava progresso.

Em poucos meses a situação já era completamente dife-rente. Em maio restavam 300 funcionários no estaleiro e, conforme relatório do Sindicato Nacional da Construção Naval (Sinaval), entre novembro e março a massa salarial retirada do mercado com as demissões somava R$ 9,22 milhões, com significativos impactos nas cidades de Ma-ragojipe, Salinas da Margarida, Saubara, Nazaré e Santo Antônio de Jesus.

Mariluece Moura relata o novo ambiente na Enseada em texto disponível em sua integra no site bahiaciencia.com.br: “O impacto é incontornável: ver vazia e às escuras a gi-gantesca Oficina 6, um galpão de 75 mil metros quadrados e pé direito de 40 metros, que a essa altura deveria estar fervilhante de gente em ininterrupta produção, gera um peso inesperado no coração – tristeza, apreensão e medo...

e leva a uma pergunta torturante: vai-se mes-mo correr o risco de deixar que todo esse mag-nífico investimento se transforme em sucata? São R$3,2 bilhões que já estão investidos numa obra de grande significado para a Bahia e que se alinhava entre as decisivas para a retomada da indústria naval brasileira”.

A pergunta pode ser estendida: vai-se mesmo deixar a indústria naval brasileira morrer? O desmanche, que é generalizado, ocorre velozmente. No início do ano o setor empregava 84 mil pessoas no país. No final de junho o número havia sido reduzido para 67 mil e as previsões eram de que cairia para 40 mil no decorrer do segundo se-mestre. Julho foi pródigo em más notícias. Nos primeiros dias do mês o estaleiro Eisa Petro-Um, em Niterói (RJ), do grupo Sinergy, anunciou aos seus dois mil funcioná-rios restantes que encerraria suas atividades por tempo indeterminado, uma vez que não havia uma sinalização clara sobre a manutenção de um contrato da Transpetro, subsidiária de logística da Petrobras, para a construção de oito embarcações. Também em Niterói o Estaleiro Mauá optou por paralisar os trabalhos, colocando em xeque a manutenção de três mil empregos.

grandes avanços e retrocessos de idênticas propor-ções marcam a história da indústria naval brasileira desde seu início, no século XVI, quando o primeiro

estaleiro se estabeleceu em Ribeira das Naus, em Salvador, com o objetivo de construir pequenas embarcações. O mo-vimento significativo seguinte só ocorreu muito depois, por iniciativa de Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá, em 1846, em Niterói, com o primeiro estaleiro brasileiro para embarcações de grande porte.

A construção naval só ganharia projeção como indús-tria relevante com o Plano de Metas do presidente Jusce-lino Kubitschek, que criou, em 1958, o Fundo da Marinha Mercante (FMM) com o objetivo de gerar recursos para renovar e ampliar, no país, a frota mercante nacional. No governo do general Ernesto Geisel (1974 a 1979) foi criada

jailson Ribeiro, 34 anos, um dos 75 operários enviados para estágio de três meses no estaleiro da Kawasaki, no japão: esperança na retomada

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uma nova política de incentivos. Nos anos 1970, a indús-tria naval brasileira chegou a figurar entre as maiores do mundo. Na década seguinte, porém, foi tragada pela crise econômica que levou o país à estagflação e à moratória de sua dívida externa. No inicio dos anos 1990, praticamente não existiam atividades industriais no setor.

Uma primeira tentativa de recuperação se deu por ini-ciativa do governo Fernando Henrique Cardoso, com a exigência de conteúdo local pelas petroleiras em 1999. Mas só no governo Luiz Inácio Lula da Silva é que a retomada se fortalece. Primeiro com a criação, em 2003, do Progra-ma de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp) e, em 2005, com a descoberta do pré-sal, que estimulou a criação do Programa de Modernização e Expansão da Frota de Petroleiros (Pomef I e II). No início da nova crise do setor, no final do ano passado, estavam previstas a construção de 381 embarcações no país até 2020.

Ainda não está delineada uma solução para as dificul-dades que a construção naval enfrenta. A Petrobras, que teve seu fluxo de caixa comprometido nos últimos anos por conta de decisões políticas, reduziu em 37% seu pro-grama de investimentos no período de 2015-2019. Mesmo assim, terá um orçamento de US$ 130,3 bilhões e, segundo a companhia informou, num primeiro momento não está prevista a redução das encomendas diretas da petroleira para a indústria naval. No entanto, há relatos no setor de que investimentos e pagamentos têm sido retardados nos últimos meses.

A saída da crise atual, necessariamente, também passa por encaminhar uma solução para as dificuldades vividas pela Sete Brasil. O plano de investimento inicial da companhia contemplava recursos da ordem de US$ 25 bilhões, sendo que a companhia já havia negociado, para uma primeira etapa de encomendas, financiamentos de US$ 9,3 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que desistiu do empréstimo após o início da Operação Lava-Jato. Outros US$ 3,6 bilhões haviam sido conseguidos junto aos cinco maiores bancos brasilei-ros, valor que deveria ser quitado no primeiro semestre.

lideranças políticas do estado reconhecem a

importância do empreendimento para a bahia

e sabem que a saída da crise atual passa por

uma solução para as dificuldades da sete brasil

No início de julho, a Sete Brasil, que tem entre seus principais sócios os bancos BTG Pactual, Bradesco e San-tander, havia conseguido prorrogar o pagamento para o semestre, enquanto discutia a entrada de novos sócios na operação, entre eles o grupo norueguês Seadrill, es-pecializado em operação de plataformas de petróleo, e investidores do Japão, China, Malásia e Cingapura. Por outro lado, o número de sondas a serem construídas foi reduzido de 29 para 19, sendo que quatro devem ficar sob responsabilidade da Enseada.

a dívida da Sete Brasil com a Enseada no final de maio somava R$ 900 milhões e a empresa ainda tinha a receber outros R$ 600 milhões do Banco do

Brasil e da Caixa Econômica Federal, os agentes financei-ros responsáveis pelo repasse dos recursos do Fundo da Marinha Mercante, conforme informou o presidente da companhia, Fernando Barbosa, em um evento na Federa-ção das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). Na ocasião, lideranças políticas do estado, representando partidos e correntes políticas distintas, reconheceram a importância do empreendimento para a Bahia.

A repórter Mariana Alcântara acompanhou o encontro e publicou no site Bahiaciência que a bancada federal baia-na estava unida no propósito de manter viva a indústria naval no Estado. “Os senadores Lídice da Mata e Walter Pinheiro garantiram não medir esforços para encontrar uma solução para o problema. Walter Pinheiro informou que já recebeu em audiência os representantes da Enseada e que busca junto ao governo federal uma alternativa para a crise. ‘Eu participo dessa questão dos estaleiros desde que eu era secretário de Planejamento. Portanto, essa não é uma bandeira que a Bahia pode se dissociar’, lembrou. O senador informou ainda que já esteve em Brasília com o governador Rui Costa para tratar do assunto e que o tema está na pauta prioritária de seu mandato”,escreveu a repórter. O estaleiro Paraguaçu e a indústria naval são temas prioritários para se definir que tipo de país preten-demos construir. w

52 | julho/agosto de 2015

EstalEiro Em maragojipE sE oriEnta pEla

produtividadE para dar vida nova à indústria

naval baiana E sE lançar no mErcado global

Domingos Zaparolli | fotos Fábio marconi

Com a mão no leme

IndústrIa naval

lhões na indústria naval do país. Os desafios na Enseada até lá são muitos. Ao mesmo tempo que constrói Ondina, a nova companhia naval baiana põe de pé o estaleiro Pa-raguaçu e revitaliza o estaleiro São Roque, as duas unida-des industriais responsáveis por entregar até 2020 os seis navios-sonda. Em paralelo, a Enseada seleciona e qualifica mão de obra e fornecedores locais e cuida de melhorar as condições socioambientais das cidades do Recôncavo Baia-

Em julho de 2016 serão concluídos os trabalhos da Enseada Indústria Naval no Ondina, o primeiro de uma série de seis navios-sonda baianos que perfura-

rão poços de petróleo na camada do pré-sal. A encomenda, no valor de US$ 4,8 bilhões, foi realizada pela Sete Brasil, empresa que desde 2010 já contratou cinco estaleiros bra-sileiros para construir 29 equipamentos de perfuração de óleo e gás em águas ultraprofundas, injetando us$ 22 bi-

bahiaciência | 53

no ao entorno do empreendimento – Maragojipe, Saubara e Salinas da Margarida.

A empresa ainda tem que lidar com uma conjuntura econômica e política adversa gerada por três fatores dis-tintos. O primeiro é global. O mercado de petróleo passa por um ajuste, com redução significativa de preços devido a um aumento simultâneo da capacidade de produção e redução do consumo. No Brasil, o governo federal já si-

o estaleiro da enseada em tempos ainda produtivos, em outubro de 2014. em primeiro plano, à direita, a montagem do imenso guindaste goliath, com 150 metros de altura

54 | julho/agosto de 2015

nalizou que 2015 e 2016 serão anos de ajuste fiscal, o que deve encarecer e reduzir os recursos para investimentos. O terceiro fator são as incertezas geradas pela operação da Polícia Federal batizada de Lava-Jato, na qual está sendo investigada a lisura dos contratos realizados entre a Pe-trobras e seus fornecedores, entre eles a Sete Brasil.Em dezembro, esse cenário adverso levou a Enseada a rever seu planejamento das obras de construção do Paraguaçu, que já está 80% concluído, o que levou a uma dispensa de 470 – total que pode chegar a mil – dos quase 3.200 tra-balhadores da construção.

O cronograma de produção industrial dos navios, tarefa na qual já se dedicam mil operários, foi mantido. Mario Moura, gerente industrial da companhia, diz que os tra-balhos de cada etapa produtiva dos seis navios-sonda que serão construídos nos próximos anos já possuem data e até mesmo hora em que serão realizados. A precisão é traba-lhada internamente como um símbolo da eficiência com a qual a Enseada pretende ser identificada, e pode vir a ser fator decisivo para a companhia, em longo prazo, se lançar na disputa por contratos internacionais no competitivo mercado naval global.

Produtividade e competitividade são desafios colocados a todos os estaleiros brasileiros que surgiram nos últimos 10 anos para atender às encomendas da Petrobras. O Sin-dicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) calcula que os pedidos em car-teira até 2020 somam 381 embarcações, entre petroleiros, plataformas, sondas, submarinos e navios de apoio.

Atender essa demanda estimulou investimentos em novos estaleiros em vários estados do país e eles já ocu-pam diretamente uma força de trabalho na casa de 80 mil pessoas. Uma marca importante para uma indústria que nos anos 1990 não empregava nem dois mil trabalhado-res, apesar de nos anos 1970 o país ter figurado entre os maiores produtores navais do mundo.

Os anos de inatividade resultaram em falta de mão de obra qualificada e pouca expertise produtiva. Estimativa da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena) apon-ta que a produtividade nos estaleiros brasileiros chega a ser quatro vezes inferior a apresentada por concorrentes japoneses e coreanos. Essa realidade ficou evidente nos primeiros navios produzidos nessa nova fase da indús-tria naval. Alguns foram entregues com meses de atraso,

Parceria com o gruPo industrial kawasaki mudou

até a cultura de trabalho dos funcionários da

enseada que Passaram Por treinamento no

estaleiro de sakaide, no jaPão

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sendo que o petroleiro João Candido, produzi-do no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), só entrou em operação 21 meses depois do programado e após a correção em 18 mil dos 21 mil metros de solda realizados.

Os problemas enfrentados pelos concorrentes serviram de alerta para os três sócios originais da Enseada, as companhias baianas Odebrecht, OAS e UTC. Segundo Humberto Rangel, diretor institucio-nal da Enseada, os sócios concluíram que deveriam atrair um parceiro tecnológico capaz de acelerar o processo de aprendizado necessário a todo novo empreendimento. A escolhida foi a japonesa Kawasaki, um grupo industrial com ampla atuação no segmento de transportes e ativa no setor naval desde 1878. A parceria foi selada com as companhias baianas detendo 70% do empreendimento e a Kawasaki 30%. “Foi um casamento perfeito entre a ex-periência japonesa em construir cascos de navios com a brasileira em montagem eletromecânica de equipamentos offshore de exploração de petróleo”, diz Mario Moura. A Kawasaki, diz o gerente industrial, tem sido determinante não apenas para o desenvolvimento tecnológico, mas tam-bém para a formação da cultura produtiva da Enseada. Os japoneses foram decisivos na escolha de equipamentos de última geração e no layout da unidade Paraguaçu. “Teremos um dos estaleiros mais modernos do mundo”, diz Moura.

O estaleiro Paraguaçu é fruto de um inves-timento de R$ 2,7 bilhões, o maior da iniciativa privada na Bahia nos últimos 10 anos, está com 82% das obras efetuadas e a previsão de conclu-são é dezembro de 2015. No auge da construção mobilizou sete mil trabalhadores e hoje ocupa por volta de 4,5 mil. Pronto, terá capacidade para processar 36 mil toneladas de aço por ano,

trabalhando em turno único. Por ora, o Paraguaçu, mesmo em obras, divide com o São Roque a tarefa de construir os blocos topsize, os que vão sobre o casco, do Ondina. A lo-gística de matérias-primas é realizada principalmente por via marítima, uma vez que o Paraguaçu conta com um ter-minal portuário. Sob inspiração japonesa, relata Moura, o estaleiro trabalha o mais próximo possível do sistema just in time, ou seja, com estoques baixos, reduzindo custos de capital de giro. Em chapas de aço, por exemplo, a unidade mantém estoques de 3 mil a 4 mil toneladas, bem abaixo da média em que trabalham outros estaleiros brasileiros.

As chapas já chegam com um tratamento anticorrosivo prévio, o prime, e cortadas em 100 diferentes tamanhos e formatos, reduzindo desperdícios. Como as siderúrgicas brasileiras ainda não estão acostumadas a trabalhar nes-se sistema, as primeiras remessas de aço estão vindo da Espanha e do Japão. As chapas e perfis são estocados de modo a facilitar a movimentação para a chamada Oficina

Cerca de 80% das obras de construção do novo estaleiro estavam prontas, quando foram paralisadas no fim de 2014. ao fundo, à esquerda, o estaleiro são Roque

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6, de acordo com a etapa produtiva. É nesse local, um galpão de 75 mil metros, onde máquinas au-tomatizadas farão os trabalhos de corte e solda, permitindo um processamento em um terço do tempo realizado por equipamentos tradicionais.

Os blocos que compõem o navio serão içados por um guindaste, o Goliath, que no momento encontra-se em fase de montagem. Ele terá 150 metros de altura, o equivalen-te a um prédio de 50 andares, será o mais alto do Brasil e

o estaleiro paraguaçu está localizado no município de

maragojipe, na confluência dos rios baetantã e paraguaçu na

baía de todos os santos. a escolha da localização foi

influenciada por uma série de critérios geográficos. Era

necessário um terreno de grandes proporções e para isso foram

adquiridas três fazendas inativas, que somam 1,6 milhão de

metros quadrados. o estaleiro deveria estar em águas

profundas e abrigadas e com facilidade de saída oceânica.

o local escolhido, porém, apresenta uma rica e frágil

biodiversidade e influencia toda uma região de pesca, atividade

imprescindível para a sobrevivência de comunidades, muitas delas

quilombolas, no entorno do empreendimento, fato que suscitou

dúvidas e questionamentos das comunidades vizinhas. “de início

houve uma forte oposição ao empreendimento”, diz a gerente de

sustentabilidade, caroline azevedo. “situação hoje superada.”

a virada se deu com a implantação de um conjunto de

ações socioambientais que, diz caroline, superam as

meramente necessárias para a obtenção das licenças de

funcionamento do empreendimento. uma conta que já chegou a

r$ 30 milhões e deve totalizar r$ 40 milhões, segundo a diretoria

de relações institucionais da empresa.

o próprio layout do estaleiro foi pensado de forma a gerar o

menor impacto possível. uma área de 400 mil metros quadrados

foi mantida como reserva ambiental, incluindo uma região de

mangue. na área destinada à construção foi realizado um trabalho

prévio de retirada da fauna, ao mesmo tempo em que foi realizado

um inventário oceonográfico da região, que é mantido atualizado,

permitindo monitorar qualquer impacto sobre a pesca.

junto às comunidades vizinhas, o trabalho foi detectar

expectativas e receios entre os moradores que não se sentem

atraídos pelas perspectivas de empregos diretos no novo

empreendimento. nas áreas mais urbanas a demanda era por

qualificação profissional e para o empreendedorismo, atendidas

por meio de parcerias com o senai e sebrae.

ouvindo as comunidades pesqueiras, relata caroline, chegou-

se a um plano diretor constituído de cinco eixos. o primeiro é o

r$ 40 milhões em investimentos socioambientais

acredita-se que poderá ser visto de Salvador.Terá capacidade de 1.800 toneladas, um dos

mais potentes do mundo. Os blocos içados se-guem para um dique seco, que é fundamental para a montagem do casco do navio, ou dire-

tamente para um dique molhado, permitindo a instalação de blocos topsize em cascos prontos. “É inovador. Isso nos permitirá trabalhar dois navios ao mesmo tempo”, diz Moura. A unidade Paraguaçu já está sendo preparada pa-

do cais do estaleiro novo, visão do såo Roque, implantado nos anos 1970

bahiaciência | 57

apoio à formalização do trabalho. o segundo é um acordo de

pesca, envolvendo educação e inibição do uso de bombas e

malhas finas, que prejudicam a fauna marítima. o terceiro é a

criação de unidades produtivas de beneficiamento da pesca,

que estão sendo implementadas.

o quarto está relacionado com a logística da atividade, com

a construção de píer de atracação em várias localidades e a

compra de freezers para a estocagem. E o último eixo é o

estímulo de atividades complementares, abrindo

possibilidades às mulheres dos pescadores, como a criação de

fábricas de produção de polpa de frutas, de vassouras de

piaçaba, oficinas de costura e atividades de apicultura.

como diz antônio manoel da silva, liderança quilombola da

comunidade Enseada do paraguaçu, não havia futuro na

região para os jovens além de mudar-se para salvador. Foi o

que fizeram dois de seus três filhos. “mas eles voltaram, e agora

todos moram na comunidade”, diz.

ra contar no futuro com um segundo guindaste Goliath, dobrando a performance.

A Kawasaki também tem influenciado a cultura de tra-balho dos operários da Enseada. No acordo de parceria ficou estabelecido que operários brasileiros seriam trei-nados no estaleiro de Sakaide, no Japão, onde está sendo construído o casco do Ondina – o plano é que a partir do terceiro navio-sonda os cascos serão feitos no Brasil. Se-gundo Márcia Lapa, coordenadora de recursos humanos, 82 funcionários já passaram por treinamentos de quatro meses no Japão e até o fim de 2015 esse total chegará a 164. “A ideia é que esses trabalhadores, de volta ao Bra-sil, se tornem multiplicadores de uma cultura produtiva baseada em disciplina, organização e produtividade”, diz. Hervecy da Silva Rabelo, 44 anos, encarregado de pintura industrial, esteve em Sakaide entre maio e agosto do ano passado. “Foi a maior experiência da minha vida, mudou a forma que me relaciono com minha família e meu com-portamento no trabalho”, afirma. Morador de Itaparica, Rabelo é casado, tem dois filhos e diz que aprendeu no Japão

a ouvir, mesmo os mais jovens, e dar valor aos pequenos detalhes. Passou a ser mais disciplinado e organizado no trabalho e a cuidar da limpeza do ambiente a sua volta. E a valorizar a perfeição na execução de cada tarefa. “No Japão retrabalho é pecado. Para nós, na pintura, também”, diz.

Quando estiver a plena carga, a Enseada contará com quatro mil funcionários. Márcia Lapa diz que a meta é preencher as vagas principalmente com mão de obra do Recôncavo baiano, com o cuidado de incluir a força de tra-balho feminina. “Elas são detalhistas, ótimas para tarefas de solda”, observa. A empresa trabalha com a estratégia de fomentar a criação de cursos locais para a adequação de trabalhadores em parceria com o Senai e o Pronatec. Em 2013, inclusive, sugeriu ao Pronatec a inclusão de cursos voltados à indústria naval, como caldeiraria naval, solda naval e mecânico montador. Como a escolaridade média nas cidades vizinhas ao empreendimento é baixa, a com-panhia também tem apoiado melhorias na qualidade de ensino da região, já pensando na incorporação das gera-ções futuras, e oferecido escolarização adulta para seus

operários da construção.A estimativa da Enseada é que a futura folha

de pagamento de seus quatro mil funcionários in-jetará na região R$ 12 milhões mensais, gerando um impacto propulsor na economia das cidades vizinhas, antes dependentes da renda da pesca e do pequeno varejo local. Hoje já injeta por volta de R$ 3,5 milhões mensais. “Já é possível observar um novo dinamismo na região”, diz o gerente de relações institucionais, Márcio Cruz. “Estão sendo construídos hotéis, restaurantes, supermercados, padarias, farmácias, novos condomínios residen-ciais e até bancos”, diz. Antonio Ricardo Alban, presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), diz que o novo estaleiro, além de reafirmar a capacidade empresarial baiana, gera oportunidades para a criação de uma cadeia pro-

dutiva naval local, atraindo empresas fornecedoras para o estado, como também pela contratação de fornecedores locais. Em parceria com a Fieb, a Enseada desenvolve um programa de qualificação técnica, gerencial e financeira de empresas baianas para a atuação no setor. O momen-to é de triagem dessas empresas, mas algumas já foram selecionadas. É o caso da metalúrgica Cebece, de Simões Filho, que conta com 37 funcionários. O diretor comercial, Márcio Santana, diz que produziu componentes utiliza-dos nas plataformas de petróleo P59 e P60, construídas no São Roque e depois compareceu a uma chamada da Fieb de apresentação da Enseada. No momento, atende encomendas da empresa para a produção de mastro do radar, suportes da lança do guindaste, torres de escada e plataformas dos tensionadores. “Estamos investindo e qualificando nossa produção. Nossa meta é produzir 560 toneladas por ano em estruturas navais”, afirma Santana. Márcio Cruz diz que a Enseada trabalhará com três gran-

Caroline azevedo, do estaleiro Paraguaçu: região de mangue preservada

58 | julho/agosto de 2015

des fornecedores globais. A norueguesa National Oilwell Varco (NOV), responsável pelo pacote de perfuração. A americana GE, que se encarregará das áreas de eletrome-cânica, automação e geração de energia, e a também ame-ricana Almaco, responsável pelos módulos de habitação.

O Ondina, por exemplo, terá capacidade de abrigar 180 empresas. Elas, diz Cruz, terão que atender índices progressivos de nacionalização de seus produtos, chegan-do a 65%. Paulo Roberto Guimarães, superintendente de desenvolvimento econômico da Secretaria de Indústria e Comércio da Bahia, avalia que essa necessidade é uma oportunidade para atrair investimentos para a região e relata que já existem dois projetos para a construção de condomínios empresariais no entorno do novo estaleiro: o Complexo 2 de Julho, de iniciativa de investidores pri-vados em parceria com a prefeitura de Maragojipe, e outro de iniciativa do grupo ASK. “O governo, além de apoio institucional para a obtenção de licenças e infraestrutura de energia e água, ainda mantém uma política progressiva de incentivos fiscais para os novos empreendimentos no estado”, diz.

Além do contrato de US$ 4,8 bilhões com a Sete Bra-sil, a Enseada também possui em carteira um contrato de US$ 1,7 bilhão com a Petrobras para a conversão de quatro navios petroleiros nos cascos de quatro platafor-mas para a exploração de petróleo, as chamadas FPSO, trabalho que está sendo realizado no Estaleiro Inhaúma, no Rio de Janeiro.

Os planos para o futuro da unidade Paraguaçu já co-meçam a ser esboçados. A exemplo de todos os outros estaleiros nacionais surgidos nos últimos 10 anos, a En-seada depende atualmente das encomendas de um único cliente, a Petrobras. É um cliente de porte, com um plano de encomendas na indústria naval de US$ 100 bilhões en-tre 2014 e 2018 e que, após esse período, já avalia a con-tratação de pelo menos mais 41 plataformas de petróleo. Mesmo assim, é um único cliente. Rangel diz que a meta

da Enseada é diversificar e buscar contratos no exterior. “Acreditamos que seremos com-petitivos e teremos potencial principalmente para atender demandas na costa atlântica da África e no Golfo do México”, diz. w

a meta da emPresa é diversificar sua carteira de

clientes e buscar contratos no exterior, como

a costa atlântica da áfrica e o golfo do méxico

humberto Rangel, diretor institucional e as obras do dique seco: menos de 50% feitas

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João Marcelo raMos da rocha

Imagine carregar o celular em 10 segundos e, em se-guida, sair utilizando-o por

três dias sem necessitar conec-tá-lo novamente à tomada. Parece até previsão futurista, mas a cena descrita acima po-de tornar-se realidade em pou-co tempo devido ao grafeno.

Formado pela ordenação de átomos de carbono – as-sim como o grafite que utili-zamos para escrever e o dia-mante das joias –, o material era utilizado na confecção de lápis até 1947, quando surgi-ram os primeiros estudos a seu respeito. Apenas em 1987, com trabalhos da Universida-de de Manchester, no Reino Unido, o grafeno passou a ser combinado com eletricidade e teve as suas propriedades estudadas. A leveza, a força, a resistência, a transparência e as excelentes condutividades elétrica e de calor são as principais características do material.

O surgimento de uma matéria-prima tão inovadora fez com que institutos de pesquisa e autoridades de todo o mundo iniciassem uma corrida para a produção. O milio-nário Bill Gates, através de sua fundação filantrópica (Bil and Melinda Gates), recebeu US$ 100 mil da Universidade de Manchester para o desenvolvimento de camisinhas. O grafeno seria o material ideal, já que é muito mais resis-tente e maleável que o látex e o plástico – utilizados até então para a confecção dos preservativos. A Nokia, por sua vez, anunciou em 2013 o fechamento de uma parceria com a União Europeia de US$ 1,5 bilhão para o desenvolvimen-to do grafeno. Caso alcance resultados bem-sucedidos, a empresa poderá utilizar o material na confecção de seus smartphones, tornando-os mais leves, dobráveis e rápidos.

Além das aplicações citadas, o grafeno também pode ser utilizado em processadores e condutores – aumentando a velocidade e a eficiência e reduzindo o tamanho de ambos

artigo

De repente, grafeno

–, em embalagens alimentícias e filtros, uma vez que apenas é traspassável a água, lentes e óculos em função da sua transparência.

Já a superbateria supracita-da é resultado de uma pesquisa realizada pela Universidade Vanderbilt em Nashville. Se-gundo o estudo, um superca-pacitor de silício que “guarda eletricidade” reunindo íons na camada porosa do próprio material, em vez de reações químicas – como ocorria an-teriormente –, envolvido com grafeno, teria a capacidade de funcionamento de semanas, necessitando de minutos para ser recarregada. É justamente a combinação ocorrida através

do envolvimento com o composto carbônico que permite a bateria um grande tempo de autonomia.

No entanto, o grafeno torna-se frágil à presença de rachaduras, segundo cientistas da Universidade de Rice e do Instituto de Tecnologia da Geórgia. Em pesquisa de-senvolvida, eles abriram rachaduras no material e, após isso, aplicaram-lhe força gradual para observar a resposta. Os resultados demonstraram que o grafeno imperfeito suporta 4 megapascais de força sem ceder, cerca de dez vezes mais propenso a ruptura do que o aço, por exem-plo. Em perfeição, o material suporta até 10 gigapascais sem se romper.

A utilização do material, porém, ainda depende da con-clusão dos estudos e da atestação de que ele não fará mal ao meio ambiente ou trará danos à população a curto, mé-dio e/ou longo prazo. Tido como o silício do século XXI, o grafeno é, sem sombra de dúvidas, uma grande aposta para o futuro da tecnologia. w

O surgImentO de uma matérIa-prIma tãO InOvadOra fez cOm que InstItutOs de pesquIsa e autOrIdades de tOdO O mundO InIcIassem uma cOrrIda para a prOduçãO dO grafenO

João Marcelo Ramos da Rocha Graduando em Engenharia de Controle e Auto-mação de Processos pela Universidade Federal da Bahia

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EmbalagEns biodEgradávEis, fEitas com

biopolímEros E nanocristais dE cElulosE,

ajudam a prEsErvar frutas frEscas

dEstinadas à Exportação

Mariana alcântara

MangasProtegidas

Tecnologia

Embalagens biodegradáveis, obtidas a partir da adi-ção de nanocristais de celulose a polímeros feitos com amido e quitosana – fibra produzida a partir

do esqueleto de crustáceos como camarão, caranguejo e lagosta –, poderão se tornar uma vantagem competiti-va relevante para as exportações baianas de mangas na forma fresh-cut, ou seja, sem casca e sem caroço, para o mercado internacional. Tudo vai depender dos resul-tados em escala industrial de um projeto de inovação desenvolvido pelo Laboratório de Alimentos e Bebidas do Senai-Cimatec, em Salvador. “Atualmente, existe uma forte demanda para as frutas frescas já prontas para consumo, denominadas produtos minimamente processados, tendo em vista, principalmente, a facili-dade e a praticidade”, diz Bruna Machado, coordena-dora do projeto.

A ideia de adicionar os nanocristais ocorreu em decor-rência da experiência da pesquisadora com seu projeto de mestrado em Ciências de Alimentos, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Seu objetivo era a obtenção de nanocristais oriundos do coco, incorporados em emba-lagens de amido de mandioca, utilizadas para envasar

bahiaciência | 61

azeite de dendê. Os resultados da dissertação renderam a Bruna Machado o primeiro lugar na categoria Pesqui-sadores do concurso Ideias Inovadoras, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fa-pesb). Ela explica que a exportação de mangas in natura implica uma perda econômica elevada para o país, já que a casca e o caroço são considerados rejeitos. “Em muitos casos, as frutas, quando chegam aos países de destino, são processadas em fábricas ou nos próprios supermercados e embaladas para chegar até as prateleiras e atender à de-manda dos consumidores locais.”

O custo com o transporte das frutas in natura é outro obstáculo enfrentado pelos exportadores. Os empresários do setor esclarecem que a casca e o caroço ocupam cerca de 40% a 60% do peso e espaço nos contêineres e paletes frigorificados a serem enviados pelos navios mercados afo-ra. As mangas são exportadas inteiras dentro de caixas de papelão específicas, que podem estar envolvidas em cera de carnaúba e embaladas em papel seda. O uso da refri-geração se dá com o intuito de preservar as característi-cas das frutas durante a viagem aos mercados europeu e norte-americano, que dura em média 14 dias.

de acordo com Bruna Machado, o objetivo da pes-quisa do Senai-Cimatec é desenvolver embalagens biodegradáveis inovadoras, com propriedades antio-

xidantes, que possibilitem aumentar a vida de prateleira, agregando valor ao produto baiano, e permitir a exportação de um maior volume efetivo da fruta. “A exportação das mangas já minimamente processadas e embaladas com essa tecnologia no país de origem poderá minimizar o custo do transporte e ainda preservar as frutas por mais tempo”, diz.

O tipo de manga escolhido para o estudo foi a Tommy Atkins, resultado de extensas pesquisas de seleção e me-lhoramento genético, que tem sabor doce e pouca fibra. Além disso, outra vantagem da fruta, quando comparada a outras variedades, é sua resistência mecânica e térmica durante o transporte, e mais tempo de estocagem prolon-gado e a boa tolerância à antracnose, doença causada pelo fungo Colletotrichum gloeosporioides, considerado a maior praga dos mangueirais. A variedade é a preferida dos agri-cultores brasileiros, respondendo por cerca de 80% da área cultivada no país.

A pesquisadora ressalta que o desenvolvimento de em-balagens biodegradáveis para aplicação em frutas processa-das com permeabilidade seletiva aos gases é um processo promissor, pois funciona, em princípio, como um acon-dicionamento de atmosfera modificada. “Como frutas em geral são muito sensíveis, o processamento que permita o controle eficiente da concentração dos gases pode prolongar satisfatoriamente o período de armazenamento dos produ-tos processados, bem como seu transporte eficiente”, diz.

Para ela, o maior desafio do projeto é melhorar as proprie-dades mecânicas e de barreira desses produtos inovadores com a adição de nanocristais, responsáveis por evitar que

os frutos sejam machucados, amadureçam rapidamente e apodreçam. Para tanto, é preciso desenvolver e caracte-rizar diferentes embalagens biodegradáveis e poliméricas para os cortes das mangas e compará-las para identificar a composição que melhor garanta a manutenção das caracte-rísticas nutricionais, microbiológicas e sensoriais da fruta, adequando-se às exigências do mercado internacional.

A obtenção de nanocristais envolve a extração de celulose da fibra de coco, sabugo e palha de milho, além do farelo de trigo, que são adicionados a matrizes poliméricas obtidas de fontes naturais renováveis como o amido e a quitosana. Dessa maneira, segundo a coordenadora do projeto, o uso de embalagens biodegradáveis incorporadas com nano-celulose pode torná-las mais resistentes mecanicamente, além de apresentar barreira ao vapor d’água ao reduzir a concentração de oxigênio em seu interior.

Resultados pReliminaRes

Cada material testado no Laboratório de Alimentos e Be-bidas do Senai-Cimatec passa por análise para avaliação de rendimento. Primeiro, as fibras são lavadas com solu-ção alcalina, para a remoção de material solúvel e parte da lignina, uma fibra insolúvel em água. Geralmente, essa lavagem é feita quatro vezes. Depois é realizado o bran-queamento da massa obtida na etapa anterior. A celulose obtida é secada e triturada e em seguida é feita a hidróli-se ácida do material resultante. Nessa etapa, o ácido pre-sente consegue “atacar” a celulose, quebrando as fibrilas, restando apenas a parte cristalina, ou seja, os cristais de celulose. Por fim, os cristais se encontram “dispersos” em uma solução aquosa. “Chamamos de nanocristais por-que na análise pela técnica de microscopia eletrônica de transmissão conseguimos medir os cristais, que estão em tamanhos nanométricos”, explica Bruna.

Os resultados preliminares indicam que a celulose ori-ginária da fibra do coco rende por volta de 20% a 30% a mais do que a do sabugo e palha de milho e do farelo de trigo. Esta celulose, chamada de aditivo de reforço, é adi-cionada às matrizes poliméricas, que podem ser amido de mandioca, batata ou milho e quitosana, formando solu-ções filmogênicas que deverão ser aquecidas para produzir os filmes. “O importante aqui é encontrar o produto com melhor custo-benefício, pois pretendemos partir da escala laboratorial para a industrial”, ressalta.

outra proposta é a elaboração de embalagens com atmosfera modificada, nas quais são testados di-ferentes gases, como nitrogênio e dióxido de car-

bono, ou reduzidos os teores de oxigênio, a fim de inibir a proliferação de microrganismos e retardar o apodrecimen-to natural na fruta. “O resultado obtido com o uso desse tipo de embalagem é um produto que se mantém fresco por um período muito maior, sem necessidade de conge-lamento.” Segundo a pesquisadora, essa é uma técnica já empregada comercialmente, principalmente para horta-fo

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tecnologias que visam à preservação ambiental e a bus-ca de potenciais alternativas de substituição de plásticos convencionais oriundos do petróleo, que levam centenas de anos para se decompor.

O engenheiro de materiais José Manoel Marconcini, do Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio da Embrapa Instrumentação, localizado em São Carlos, no interior de São Paulo, explica que na literatura cien-tífica existem estudos que avaliam frutas em seu estado minimamente processado utilizando embalagens conven-cionais, como, por exemplo, produzidas com poli (ácido lático), ou PLA, um produto comercial derivado do milho, uma fonte natural renovável e biodegradável. Outras em-balagens também bastante estudadas são as produzidas a partir da espécie bacteriana Burkholderia sacchari, que se alimenta do açúcar da cana, chamadas de poli-hidro-xibutirato (PHB).

O engenheiro chama a atenção para as dificuldades de inserção da embalagem biodegradável no mercado. Marconcini explica que o principal empecilho pode ser o preço final do produto. “Se a embalagem for muito cara, o consumidor não vai querer pagar”, diz. No caso das emba-

lagens comestíveis, como a desenvolvida na Embrapa, ele afirma que as barreiras de laboratório já foram vencidas e o processo de transferência para as empresas já está em fase de negociação. “O mercado de alimentos read to eat (pronto para comer) e fresh-cut está crescendo exponen-cialmente e existe uma série de empresas interessadas em absorver essas tecnologias”, evidencia.

Na Bahia, ainda não há uma produção local de filmes biodegradáveis. Segundo Bruna Machado, no momento, o que está sendo produzido é em escala laboratorial. “Após os resultados de nossa pesquisa, visamos à possibilidade de produção industrial”, diz. “Estamos unindo esforços com a UFBA, mais especificamente com a professora Ja-nice Druzian, da Faculdade de Farmácia, para viabilizar a produção industrial dessas embalagens”, completa.

No mercado baiano de exportação de mangas acom-panha-se com atenção esses novos desenvolvimentos de embalgens.O exportador de frutas Sílvio Medeiros, da Agrobras, empresa localizada em Casa Nova, entende que o consumidor do exterior quer praticidade e diz que as frutas fresh-cut já ocupam cerca de 20% das vendas no mercado americano. “Se o preço da embalagem não en-carecer muito o produto, os nossos ganhos e o da econo-

liças. Ela destaca ainda que faz parte da linha de frente da pesquisa a combinação de algumas dessas tecnologias, como, por exemplo, adicionar a atmosfera modificada na embalagem de amido e/ou quitosana, incorporada ou não com os nanocristais.

O estudo do Senai-Cimatec ainda está em fase de de-senvolvimento das embalagens ecológicas, mas Bruna Machado informa que outros estágios já estão por vir e seguem um cronograma estabelecido. O próximo passo é avaliar o tempo de vida do produto na prateleira. Nes-sa etapa, serão observados parâmetros sensoriais, como coloração, consistência, aroma e sabor, além de aspectos microbiológicos e nutricionais das mangas acondicionadas.

Todo o sistema, segundo Bruna, será realizado de forma a simular a maneira como os frutos poderão ser exportados em sua forma fresh-cut e empacotados em freezers. “Em média, o transporte de cargas de um país para outro por via marítima leva de 14 a 40 dias, mas nossa investigação deverá durar 90 dias para avaliar o tempo de estocagem das mangas até a fase em que serão vendidas diretamente ao consumidor estrangeiro”, anuncia.

As atividades do projeto, intitulado “Desenvolvimento, caracterização e análi-se comparativa de di-ferentes embalagens para acondicionamen-to de mangas fresh-cut para agregação de valor ao processo de expor-tação”, tiveram início em novembro de 2014, após ter sido contem-plado no Edital de Apoio a Soluções para a Fruticultura no Estado da Bahia, da Fapesb. O recurso aportado é de R$ 192 mil, incluindo duas bolsas de pesquisa, sendo uma de iniciação científica e outra de apoio técnico. Um estu-dante de mestrado também participa do projeto, feito em colaboração com a UFBA, a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

a pesquisa está prevista para ser feita durante 34 me-ses e envolve desde o desenvolvimento das emba-lagens, a avaliação do estado de vida de prateleira,

até a publicação de artigo e depósito de patente, se for o caso. Bruna Machado chama a atenção para o fato de que o objetivo do estudo não é substituir as embalagens de papelão, que são tradicionalmente usadas no transporte das mangas, e sim oferecer uma opção diferenciada na li-nha de produção do agronegócio baiano.

tecnologia limpa

Um quesito que deve ser levado em consideração é que as embalagens provenientes de fontes naturais renováveis têm sido foco de interesse para o desenvolvimento de novas

como a casca e o caRoço da manga são

consideRados Rejeitos, a expoRtação da fRuta

in natura RepResenta substancial peRda econômica

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mia baiana podem ser maiores”, comenta em relação à possibilidade de usar embalagens biodegradáveis.

outro executivo do setor, Thiago Silva, da Iba-cem Agrícola Comércio e Exportação, com sede em Juazeiro, ressaltou que só em feiras inter-

nacionais vê essas novas embalagens biodegradáveis. “Entramos em contato com essa tecnologia em feiras agrícolas fora do país.” O gerente agrícola gostaria de testar o produto do Senai-Cimatec como uma opção a mais na oferta de produtos da Ibacem.

Para Bruna Machado, Sílvio Medeiros e Thiago Sil-va são potenciais parceiros de seu projeto, além das cooperativas e packing houses da região do Vale do Submédio do São Francisco e Sudoeste da Bahia. “Es-sa é a nossa ideia inicial, transferir o conhecimento aos produtores. Nossa esperança é que eles possam adequar a infraestrutura de suas fazendas para poder produzir essas embalagens e utilizá-las no processa-mento das frutas”, diz.

A pesquisadora comenta que, para a coleta das mangas voltadas ao estudo, o grupo do Senai-Cimatec visitou os principais produtores da fruta no estado e estabeleceu o compromisso de transmitir os resulta-dos dos testes em laboratório. “Também pretendemos elaborar uma cartilha ensinando como fazer o corte das mangas, embalá-las e acondicioná-las”, acrescenta. Ainda de acordo com Bruna, outra possibilidade pode-ria ser a colaboração com empresas que já produzem embalagens biodegradáveis.

A manga brasileira é um dos objetos de desejo nas prateleiras dos supermercados americanos e europeus. Trata-se de uma das frutas tropicais mais consumidas em todo o mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultu-ra (FAO, na sigla em inglês), o Brasil ocupa o terceiro lugar na produção mundial de frutas, sendo o sétimo produtor mundial de manga. Ainda de acordo com os dados da FAO, em 2010, foram exportadas cerca de 120 mil to-neladas de manga, com uma receita próxima a US$ 120 milhões. Em 2011, apesar do pequeno crescimento do volume, que passou para 127 mil toneladas, a receita de exportação se aproximou dos US$ 141 milhões por causa dos bons preços da manga brasileira no merca-do internacional.

Nesse cenário, a Bahia lidera, pois é responsável pelo abastecimento dos mercados mais exigentes, dominando as exportações brasileiras. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as man-gas do Vale do Submédio São Francisco responderam, em 2012, por aproximadamente 80% do total exportado pelo país. Até outubro do mesmo ano, o Brasil havia exportado cerca de 90 mil toneladas do fruto. Deste total, cerca de 80 mil tiveram origem nessa região. Na Bahia, as cidades de

Nanocristais de celulose obtidos a partir do coco (acima) são adicionados a matrizes poliméricas, como amido e quitosana, para obtenção de filme plástico biodegradável

Juazeiro, Livramento de Nossa Senhora e Dom Basílio se destacam como os maiores polos pro-dutores de manga.

Enquanto soluções tecnológicas não são in-corporadas pelos produtores brasileiros, já exis-tem companhias internacionais que atuam na exportação de mangas e apostam na logística de transporte. Um exemplo é a empresa Blue Skies,

que investe no processamento das frutas no país de origem em vez de serem transportadas e processadas nos países de consumo. “Conseguimos entregar nos pontos de venda as frutas frescas diretamente do produtor num período de 48 horas via transporte aéreo”, informa Simon Derrick, gerente de comunicação. Segundo ele, este processo rápido garante que as frutas mantenham as suas características sem a adição de conservantes. As mangas brasileiras são acondicionadas em bandejas de plástico PET reciclável e embaladas em uma película respirável. “Ao fazermos isso, acreditamos que cerca de 70% do valor fica no país de ori-gem, em comparação com os 15% quando o processamento é feito em outro local.” wfo

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Desde a primeira infância e adolescência, Consuelo já se destacava pela beleza física e inteligência. Demonstrava ser diferente, devido à criatividade e ousadia em defender seu espaço e liberdade para fazer peraltices, como confessa em outra crônica, produzida no período de convalescença, no qual estava resgatando sua própria história, repensando sua vida, tentando encontrar respostas para o que esta-va acontecendo: “Meu lado lúdico, se é que assim posso denominar minhas maluquices, expandiu-se nas Mercês [colégio católico feminino] como nunca. Minha cabeça astuciosa era uma usina inesgotável de ideias”.

Essa usina de ideias nunca parou de funcionar ao lon-go dos anos, tendo em vista que ela concentrava toda sua atenção em torno da cultura e da história da Bahia, pro-curando defender e promover nossa história por meio da realização de eventos na Casa da Bahia, como se referia ao IGHB. Aliás, como disse o jornalista Tasso Franco, que, como eu, também é ex-aluno de Consuelo, ela

vivia mais no Instituto do que no seu apartamento da Princesa Izabel. Quando o assunto era Independência da Bahia, era a primeira a chegar na Lapinha, onde fazia a oração de praxe na abertura do desfile cívico, vestida de verde, a cor matriz da bandeira nacional; ou de amare-lo, o ouro das nossas Gerais, e tecia elogios aos heróis da independência.

Muitos foram e ainda são os termos utilizados para definir a professora Consuelo Pondé de Sena: agi-tadora cultural, antropóloga, caprichosa, contida,

corajosa, cronista nata, defensora da cultura e da história da Bahia, defensora do Dois de Julho, destemida, deter-minada, educadora, eficiente, emblemática, emotiva, ex-plosiva, feminista, guerreira, historiadora, independente, intransigente, irreverente, mulher imponente, professora, personalidade marcante, teimosa, entre outros. No entan-to, quem melhor a definiu foi ela mesma, em sua última crônica, intitulada “Pranto da Madrugada”, publicada no jornal Tribuna da Bahia, 23 dias antes de seu falecimento, ocorrido no dia 14 de maio de 2015, aos 81 anos de idade:

Quem me conhece sabe que sou um vulcão em erupção. As lavas que derramo são águas escaldantes da minha “caldeira” interior. Pois, apesar de ser do “grito” de Terra, Capricórnio, sou ígnea. Gosto do fogo e de suas vibrações. Fazer o que se nasci assim?

O pranto da madrugada é uma válvula de escape. Penso ser necessário para restabelecer o que foi “mexido”, bem fundo, bem dentro de mim. Traz de volta tudo que tentei disfarçar, dissimular, para não fazer flutuar os meus desapontamentos, as minhas decepções, as minhas frustrações.

*Sérgio Mattos, jornalista diplomado pela UFBA, ex-aluno de Consuelo Pondé de Sena, mestre e doutor em comunicação pela Universidade do Texas, membro efetivo do IGHB, do qual já foi secretário-geral e atualmente exerce a função de diretor de publicações. É autor de vários livros e professor da UFRB.

Sérgio MattoS*

Homenagem

Consuelo Pondé de sena

O vulcão da Bahia adormeceu

Cultura e Humanidades

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Na visão do antropólogo Luiz Mott, Consuelo deixou duas marcas indeléveis na cultura sote-ropolitana: foi ela quem mais deu apoio cultural ao Caboclo e Cabocla na caminhada do Dois de Julho, discursando patrioticamente todo ano na Lapinha, denunciando o desamparo governamen-tal.[...] Destacaria como traços marcantes de sua personalidade: simpatia, alegria de viver, visão crítica, fran-queza, amor pelo belo, boa gourmet, festeira e passeadeira. Consuelo defendia os interesses do Instituto com muita

garra e não media esforços quando precisava realizar al-gum evento ou reforma na sede. Ela procurava as autori-dades e pedia em nome da Casa da Bahia. Usava para isso seu poder de persuasão, prestígio pessoal e as amizades construídas ao longo dos anos. Inspirava-se em um de seus ídolos, Bernardino de Souza, que foi secretário-geral do IGHB e responsável pela arrecadação de doações para a construção do imponente prédio onde ainda funciona a instituição.

Quando se dizia amiga de alguém, defendia a pessoa como se um filho ou parente fosse. Também sabia ser dura e crítica com aqueles que não comungassem com os interesses da instituição que ela dirigia como se fosse a própria casa. Além de sempre manifestar seu respeito e admiração por Bernardino de Souza, Frederico Edelweiss, José Calasans e Jorge Calmon, ela era fã do poeta Castro Alves, de quem era profunda conhecedora da vida e obra,

mantendo em seu gabinete, no IGHB, alguns móveis utilizados pelo poeta.

Vale salientar que o próprio nome dela, Consuelo, estava vinculado ao poeta, como lembrou o professor Edivaldo Boaventura, no discurso que a recepcionou quando de sua posse na Academia de Letras da Bahia:

Começo pela predestinação do nome. Tudo se fez por cau-sa do nome assinalado! Nome espanhol que significa con-solação. O pai o escolheu do poema Consuelo, símbolo do complicado romance não resolvido do poeta Castro Alves com a italiana Agnes Truci Murri, o seu último amor. Fazendo jus ao significado do seu nome, demonstra uma trajetória de realizações, de energia e de forças positivas que marcam a sua vida.

Este ano, a celebração dos 192 anos das lutas pela Inde-pendência do Brasil na Bahia não contou com a participa-ção de Consuelo Pondé de Sena, uma das suas principais personagens ao longo dos últimos 20 anos. Além dela, acredita-se que nenhum outro baiano tenha participado dessa cerimônia anual tantas vezes e ininterruptamente. No entanto, aproveitando-se do tema do desfile de 2015, “Guerreiras da Independência”, em homenagem às mulhe-res que participaram da luta pela libertação, representadas por Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa, o cor-tejo fez uma parada em frente ao IGHB, homenageando Consuelo Pondé de Sena pela conquista do reconhecimento

Consuelo, sempre atenciosa com a imprensa, era fonte de referência para qualquer assunto histórico-cultural da Bahia e suas personalidades

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do Dois de Julho como a data da Independência do Brasil na Bahia. E assim, de maneira indireta, Consuelo passou a ser considerada também como uma das heroínas da Bahia.

Além disso, o governador Rui Costa lançou, no dia 2 de julho, na Fundação Pedro Calmon, no Palácio Rio Branco, Praça Thomé de Souza, a Biblioteca Virtual Dois de Julho, unidade especializada em História da Bahia, que a partir de então passou a ter como patrona a historiadora Consue-lo Pondé de Sena, que, durante muitos anos, organizou e manteve viva a tradição do Dois de Julho. A biblioteca vir-tual disponibiliza um rico acervo sobre a história da Bahia e mais especificamente sobre a história do Dois de Julho.

Em sua última participação nos festejos do Dois de Julho, realizado em 2014, Consuelo Pondé de Sena pronunciou um discurso contundente, como no trecho destacado a seguir:

Manda a minha consciência cívica, e obriga-me a condi-ção de presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, que reafirme, alto e bom som, terem os combates ocorridos na Bahia consolidado a independência pátria, legando à nossa gente um lugar de destaque no seio da sociedade brasileira, lugar que jamais poderá ser poster-gado em benefício de interesses menores dos dias de ho-je. Para concluir, basta fazer a entrega oficial dos carros emblemáticos do Dois de Julho e rememorar o conceito do notável historiador Tobias Monteiro: “A resistência baiana decidiu a unidade nacional”.

DaDos biográficos

Consuelo Pondé de Sena nasceu em Salvador, no dia 19 de janeiro de 1934. Filha do médico Edístio Pondé e de Maria Carolina Montanha Pondé. Casou-se com o neurologista Plínio Garcez de Sena, com quem teve quatro filhos: Maí-ra Pondé de Sena (psicóloga), Maria Luiza Pondé de Sena (assistente social), Mauricio Pondé de Sena (guia de tu-rismo) e Eduardo Pondé de Sena (psiquiatra). Diplomada pela Universidade Federal da Bahia, no ano de 1956, em Geografia e História. No ano de 1977 concluiu o Mestra-do em Ciências Sociais, quando defendeu a dissertação intitulada Introdução do Estudo de Uma Comunidade do Agreste Baiano – Itapicuru – 1830-1892, sob a orientação do professor José Calasans Brandão da Silva. Na universi-dade, atraída pelo estudo da Língua Tupi e contando com o incentivo do professor Frederico Edelweiss, dedicou-se

solenidade do dois de julho de 2014: Consuelo fazendo o seu último discurso sob os olhares das autoridades, entre eles o governador jaques Wagner e o prefeito aCm neto

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ao tema, tendo-o substituído no ensino dessa disciplina em algumas oportunidades. Quando o mestre se afastou do ensino, Consuelo assumiu a disciplina em 1963 e per-maneceu como docente da mesma até o ano de 1993.

Ao longo de sua vida exerceu inúmeros cargos admi-nistrativos, além de ter integrado vários conselhos, nos quais sempre se destacou pelas iniciativas e posições firmes adotadas. Dentre eles destacam-se: chefe do De-partamento de Antropologia e Etnologia da FFCH da UFBA, diretora do Centro de Estudos Baianos da UFBA (1974-1983), membro da diretoria do IGHB/Oradora ofi-cial (1982), diretora da Associação Bahiana de Imprensa (1984), conselheira do Conselho Permanente da Mulher Executiva da Associação Comercial, ocupando sua vice--presidência (1985), conselheira e diretora da Associação Comercial da Bahia, diretora da Casa Ruy Barbosa (1985), diretora do Arquivo Público do Estado da Bahia (1987-1990) e presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia por um período de 19 anos, de 1996 a 2015. Pa-ralelo a essas atividades, Consuelo integrou a Comissão Estadual das Comemorações dos 150 anos de nascimento de Castro Alves, membro do Conselho Consultivo da As-sociação Bahiana de Imprensa (ABI), além de organizar e presidir congressos e encontros de História da Bahia, além de ter presidido o Simpósio Internacional A Família Real na Bahia (2008). Ela integrou várias outras institui-ções, a exemplo da Associação Brasileira de Antropologia

(ABA), Associação Nacional de Professores Universitários de História (ANPUH), Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Academia Baiana de Educação, Academia Por-tuguesa de História e Academia de Letras da Bahia. Foi ainda autora de inúmeros artigos, colunista dos jornais A Tarde e Tribuna da Bahia, de revistas especializadas, além de ter publicado livros, a exemplo de A imprensa revolu-cionária na Independência (1983), Os Dantas de Itapicuru (1987), Trajetória Histórica de Juazeiro (em coautoria com Angelina Garcez (1992), Cortes no Tempo (1997), A Hidran-ja Azul e o Cravo Vermelho (2003), Bernardino de Souza: vida e obra (2010) e No insondável tempo (2013). Ela foi homenageada também com várias comendas e medalhas, dentre as quais destacam-se: Comenda Maria Quitéria (1987), Medalha do Mérito do Estado da Bahia, no grau de Comendador (1991), Medalha do Infante D. Henrique (1994) e a Medalha Dois de Julho. w

Consuelo Pondé de sena presidiu os festejos dos 120 anos de fundação do ighB, em maio de 2014; da esquerda para direita, o secretario de cultura albino rubim, os ex-govrenadores robertyo santos e Walkdir Pires e o acadêmco edivaldo Boaventura

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Tessa Moura Lacerda | iLusTração Nara Lacerda ferreira

Galileu (1564-1642) era um es-tudioso das leis do movimento e da queda dos corpos. Inventou e construiu o telescópio, e com es-se instrumento fez uma série de descobertas que questionavam a ordem medieval do mundo, dita-da pela Igreja, na qual o homem e a Terra estavam no centro do universo. Simultaneamente, ao vencer os limites impostos pela natureza aos sentidos do homem com a construção desse instrumen-

to novo, inaugurou uma nova fase na ciência, chamada de “ciência instrumental” por Alexandre Koyré, especialista em filosofia e história da ciência. O telescópio de Galileu afasta definitivamente as objeções de seus contemporâ-neos contra o heliocentrismo e deixa margem à afirmação de que o universo é infinito, e jamais uma esfera fechada de estrelas fixas como se pregava em seu tempo. Mas é Descartes, e não Galileu, quem formula de maneira clara os princípios da nova ciência.

A filosofia de Descartes é, em seu tempo, uma revo-lução na maneira de pensar. Essa revolução poderia ser resumida como a afirmação da primazia do sujeito, em detrimento de um objeto exterior ao pensamento, no processo de conhecimento. O que primeiro conhecemos é o sujeito de conhecimento e suas ideias são nossos ob-jetos de conhecimento. Mesmo que se diga que a matéria dos corpos existe fora do pensamento, isto é, que há uma substância extensa, material, distinta do pensamento, que tem existência separada e independente do pensamento, mesmo que eventualmente se identifiquem os corpos como as maneiras de existir dessa substância extensa, tudo o que conheço de verdadeiro a respeito dessa substância, conheço por meio do pensamento: trata-se da ideia de extensão. Há, portanto, uma redução da substância mate-rial ao pensamento, na medida em que o que conheço da matéria é uma ideia (e a ideia é uma maneira de pensar).

A revolução cartesiana está na afirmação da autonomia da razão ou do pensamento frente ao objeto a ser conheci-do. Embora Descartes seja conhecido vulgarmente como

O que é a matéria? Substância em si mesma ou mero fenômeno derivado da percepção do sujeito de co-nhecimento? Se substância, a matéria é uma mas-

sa extensa que não oferece lugar ao vazio, nem a átomos, ou é justamente o resultado da combinação de partículas últimas e indivisíveis? A matéria é dotada de força para atuar ou o movimento que se observa nos corpos tem uma causa estranha a eles?

Essas questões, sobre as quais se debruçaram filósofos do século XVII e XVIII, como Galileu, Descartes, Hobbes, Hu-me, entre outros, foram objeto de discussão na XIII Semana de Filosofia – A questão da matéria na modernidade, realizada entre os dias 17 e 21 de novembro de 2014, na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em Ilhéus. Longe da osten-tação e do excesso de atividades dos grandes colóquios que hoje se organizam em filosofia, o encontro na Uesc lem-brava uma conversa entre amigos, ainda que nem todos os palestrantes se conhecessem antes do evento. Nesse clima informal, pesquisadores de 15 instituições (Uesc, UFBA, Ucsal, Uneb, USP, Unicamp, UFPR, Uerj, UFG, Uefs, UFS, Unicentro, Universidade de Quilmes, Unijorge e Cefet/RJ) apresentaram conferências e minicursos aos alunos de gra-duação em filosofia da Uesc, com a descontração da época da saudosa Associação Nacional de Estudos Filosóficos do Século XVII – criada, no início da década de 1990, para congregar os estudiosos da filosofia seiscentista espalhados pelo Bra-sil, a Associação, presidida pela professora Marilena Chaui, foi extinta no fim da década de 1990, quando a Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof) decidiu promover a formação de grupos de trabalho.

Foi Galileu quem disse que a natureza está escrita em caracteres matemáticos. Se quiséssemos encontrar um mote que reunisse os diferentes pensadores dos séculos XVII e XVIII seria esse. Os pensadores da modernidade buscam, todos eles, uma matematização do saber. Buscam fundar o saber em uma certeza que seja, como a matemá-tica, universal e indubitável. Tomemos o caso exemplar de Descartes – exemplar porque, além de ser cronologi-camente um dos primeiros modernos, contemporâneo de Galileu, Descartes aprofunda a revolução científica iniciada por Galileu, expandindo-a para os fundamentos mesmo do saber, para a filosofia.

matéria na modernidade

conversas filosóficas no sul da Bahia

A filOsOfiA de descArtes é, em seu tempO, umA revOluçÃO nA mAneirA de pensAr. essA revOluçÃO pOderiA ser resumidA cOmO A AfirmAçÃO dA primAziA dO sujeitO

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o inventor da subjetividade, é possível estabelecer uma diferença entre a afirmação cartesiana da autonomia do pensamento e a invenção propriamente dita da subjetivi-dade, como sugere em conferências proferidas desde 2009 a professora Marilena Chaui — para quem a subjetividade está umbilicalmente ligada à consciência de si reflexiva que não está presente em Descartes, mas surge no idealismo alemão, a partir de Kant (1724-1804). Em outras palavras, embora o pensamento só alcance o mundo por uma ideia, o mundo continua existindo fora do pensamento — o ser do pensamento não esgota todos os sentidos de ser. Ainda assim, pode-se dizer que Descartes planta as sementes do futuro idealismo transcendental kantiano, porque o mundo material se transforma em representação na mente, em-bora não se reduza a esse objeto do pensamento.

Descartes afirma, assim, a autonomia da razão humana. Pela primeira vez, na história da filosofia, não é mais o su-jeito de conhecimento quem deve se adaptar aos diferentes objetos que quer conhecer e à particularidade de cada um deles. A afirmação da autonomia da razão é também a afir-mação de um método universal para os diferentes objetos e, portanto, a atribuição de uma importância fundamental ao método de investigação enquanto tal.

O projeto cartesiano é uma nova fundação do saber. Descartes concebe a filosofia como uma árvore, cuja raiz é a metafísica, o tronco é a física e todas as outras ciências são os ramos desse tronco. Porque se trata de uma nova fundação do saber, o projeto implica antes de tudo uma crítica da tradição e do saber existente, uma crítica da es-colástica, que, valorizando a cultura antiga e, sobretudo, a filosofia de Aristóteles, tornava o saber dependente da autoridade (da Igreja ou dos filósofos padres), impedin-do o exercício livre da razão. Essa crítica da tradição não exige, porém, o exame de cada conhecimento aceito como verdadeiro, mas a recusa de todos eles. A física cartesiana, ciência fundamentada na metafísica, será o estudo da ma-téria extensa, do movimento e da figura dos corpos. Ape-sar de todos os erros conceituais do ponto de vista atual, a elaboração cartesiana da física como uma ciência mate-

matizada com leis universais, afasta a física medieval das qualidades ocultas dos corpos a que a razão humana não tinha acesso. Descartes formula três leis de natureza, as duas primeiras resumiriam o que depois vai ser sistemati-zado por Newton como o princípio de inércia, e a terceira lei explica o choque dos corpos. Eis a nova ciência, uma física matemática, uma ciência do movimento.

Leibniz (1646-1716), herdeiro de Descartes, vai buscar uma conciliação entre a ciência moderna cartesiana e a ciência antiga, afirmando que a matéria é um fenômeno ou a maneira de aparecer das verdadeiras substâncias, átomos espirituais, dotados de força. Com a introdução da noção de força, Leibniz lança as bases para uma nova ciência física, a dinâmica que, sem desprezar as explica-ções da cinemática de Descartes, explica a razão do movi-mento dos corpos e se coloca como novo fundamento da cinemática. Kant em sua juventude vai ser extremamente influenciado por essa concepção de Leibniz. Mas a surpresa, para os participantes da XIII Semana de Filosofia da Uesc, foi a interpretação segundo a qual mesmo na maturidade, quando critica a metafísica dos herdeiros de Descartes, Kant divide a ciência da natureza em quatro partes, e duas dessas serão ainda um acerto de contas com a dinâmica de Leibniz, enquanto outras duas apontam para a filosofia da natureza de Newton.

A XIII Semana de Filosofia da Uesc foi um passeio por essas questões que nortearam a concepção da ciência na modernidade; esse passeio não percorreu apenas a via idealista de Descartes, Leibniz e Kant, mas enveredou também por caminhos empiristas com interpretações a respeito da filosofia de Hobbes, de Locke e de Hume. A discussão desinteressada e de alto nível levou os professo-res e alunos a pensar na origem de determinadas noções e visões contemporâneas. A organização impecável dos professores Marcelo Moschetti (Uesc), Juliana Pinheiro (Uesc), Giorgio Ferreira (Uneb) e do Centro Acadêmico de Filosofia Tales de Mileto merece elogios. w

Tessa Moura Lacerda é professora de filosofia da USP

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31ª Bienal de arte de São Paulo

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DesgasTaDa LingUagem Da insTaLaÇÃo

josé bento ferreira

ARTISTA ORACULAR

eu sou baiano”, define-se o artista nascido em São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, radicado em Salvador e formado pela Escola de Belas Artes da

Universidade Federal da Bahia (UFBA). Scovino apresen-tou Casa de Caboclo na 31ª Bienal de São Paulo depois de ter participado da 3ª Bienal da Bahia. Seus trabalhos são instalações construídas com materiais utilizados em per-formances e imagens votivas que transitam entre a cultura popular e diversas formas de religiosidade. Casa de Caboclo está entre as 23 obras selecionadas da Bienal de São Paulo que podem ser vistas no Palácio das Artes em Belo Hori-zonte, de 26 de junho a 9 de agosto de 2015.

Scovino levou a Bienal da Bahia para São Paulo ao re-combinar elementos de trabalhos anteriores e reproduzir os rituais que ele mesmo criou. Em cada trabalho está presente toda a sua obra: “Tudo o que eu tenho está nesse espaço”.No corredor lateral do Pavilhão da Bienal, samambaias e espadas-de-são-jorge identificavam o artista de Caboclo dos Aflitos, a instalação que ocupou todo o piso superior da Igreja Senhor Bom Jesus dos Aflitos em Salvador du-rante a 3ª Bienal da Bahia.

A instalação de São Paulo dividiu-se em sete espaços desenhados por Scovino na Igreja dos Aflitos. Nas duas

bienais, o artista frequentou diariamente os trabalhos para realizar ações ou performances cujos vestígios gera-vam mudanças na disposição dos objetos. Uma esteira de taboa (ou tabua) sobre o chão confirmava a dupla vocação do tipo de arte que o crítico Nicolas Bourriaud chamou de “relacional”: produzir sociabilidade e apresentar-se como uma forma de sociabilidade.

Era comum encontrar espectadores sentados sobre a esteira discutindo Casa de Caboclo ou o que viam na Bie-nal. Com frequência também era possível conversar com o próprio artista. A interação com o público fazia parte do trabalho, como na famosa performance de Marina Abramović, The artist is present (2010), mas sem o silên-cio solene que levou ao êxtase os visitantes do MoMA de Nova York e permitiu que a artista sérvia obtivesse inten-sas trocas de olhares com os espectadores e imagens dos rostos comovidos.

Embora se apresentasse como um místico em contato com o Caboclo (entidade espiritual do candomblé e da umbanda), uma rápida conversa com Arthur Scovino re-lativiza sua espiritualidade. Ele mesmo define o trabalho como uma “pesquisa pautada na superstição” e afirma não participar de rituais religiosos, apesar de apreciar a “sa-

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bedoria” dos padres e pais de santo. Por sinal, a imagem do Caboclo também possui um sig-nificado político, uma vez que se relaciona com as lutas pela independência na Bahia e aparece em monumentos pela capital baiana.

Os “oráculos” de Scovino eram lidos para os espectadores a partir da coletânea de entrevistas e depoimentos do artista carioca Hélio Oiticica. Discos de vinil e livros antigos misturavam-se a imagens cristãs e afro-brasileiras em móveis de segunda mão para compor o universo prefigurado por Bourriaud como “incrus-tações da iconografia popular no sistema da grande arte”.

o primeiro espaço era precedido por uma espécie de pórtico feito com vestígios da performance reali-zada na abertura: galhos secos de plantas ritualís-

ticas, uma pilha de livros de Jorge Amado e uma conserva de caju. Na “sala das borboletas”, uma série de fotografias documentava o convívio do artista com os animais ligados a uma das muitas formas do Caboclo.

Scovino cultiva crisálidas e convive com as borboletas que surgem. Chama-as por nomes femininos e conversa com elas. Nas fotos, elas pousam sobre o corpo e funcionam como apliques vivos, como se fossem brincos, máscaras, tatuagens. O belo inseto é para o artista uma forma viva, modelo de seu ideal estético. Sua arte deve ser espontâ-nea, imponderável e livre. As borboletas anunciam para qualquer momento a possibilidade da graça e a aparição do Caboclo.

A apropriação do universo de referências religiosas não ocorre sem certa resistência às regras inerentes a toda re-ligião. “Performance é ritual”, afirma Scovino, que se diz fascinado por casamentos e batizados. Na Igreja teve o “primeiro contato com a arte”. A livre manipulação des-sas referências explicita aquilo que há de artístico nelas.

Missas, rezas e giras são antes de tudo formas de so-

ciabilidade e podem ser consideradas simboli-camente. O mesmo vale para as imagens, sejam elas exógenas (exteriores) como as imagens cristãs e a iconografia da MPB, ou endógenas (interiores), como o Caboclo e as personagens dos romances.

Scovino trabalha para libertar imagens dos contextos originais e extrair de rituais religiosos

a matéria-prima da arte relacional. As formas tradicionais de sociabilidade parecem mais humanas em contraste com a coisificação do convívio nas sociedades modernas.

As próprias convenções do mundo da arte tornam-se visíveis. Em certa medida, a Bienal de Arte já havia sido confrontada com essa realidade humana quando a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi montou um “terreiro” com ex-votos, imagens de santos e de orixás para a exposição “Bahia no Ibirapuera”, paralela à 5ª Bienal (1959). Arthur Scovino menciona essa exposição como uma inspiração para o seu trabalho.

A segunda seção da Casa de Caboclo era o “recanto dos aflitos”, alusiva ao bairro onde mora o artista, na região central de Salvador. Um móvel antigo comportava um velho aparelho de rádio, outros livros de Jorge Amado e um mo-nitor que transmitia imagens da casa de Scovino, pequeno aposento alugado com vista para a baía de Todos os Santos.

Quatro desenhos pendurados na parede foram feitos a partir do traçado natural de seres vivos (folhas, flores e cri-sálidas). Um deles contém uma invocação ao Caboclo dati-lografada sobre folhas de samambaia. Uma estante susten-tava os objetos litúrgicos dessa religião sincrética e pessoal: crisálidas envernizadas em cápsulas de santos, cascas de árvores, sementes e a estatueta de Cosme, Damião e Doum.

No sincretismo, a tripla imagem representa entidades infantis incorporadas durante rituais religiosos. No dia 27 de setembro, data em que esses espíritos brincalhões são tradicionalmente celebrados, Arthur Scovino realizou

scovino prepara-se para levar seus lPs de gal a passeio; o artista cria cachaças com ervas votivas e simbólicas para servir aos espectadores e inspirar oráculos

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uma performance concebida a partir da imagem e distri-buiu balas e pipocas para as crianças, conforme o costume e apesar da proibição de comer na exposição da Bienal.

O terceiro espaço era dedicado ao Caboclo Pena Rosa, entidade evocada por um enorme baú repleto de plumas rosadas que se espalharam por todos os espaços. A sala abrigava um grande monitor que transmitia a gravação da performance QuiZera realizada no Mosteiro de São Bento em Salvador durante a abertura da 3ª Bienal da Bahia. Na ocasião, uma participante atou balões brancos de hélio à camisa do artista, que alçou voo sob a enorme cúpula da Arquiabadia de São Sebastião e ante os olhares das está-tuas dos santos. Scovino reproduziu a performance no Pavilhão da Bienal em São Paulo.

No quarto espaço, “sala do Abaeté”, Scovino homena-geou o seu lugar sagrado. Ao longo da exposição, escreveu um texto na parede da sala, em parte por associação livre. Projetou sobre a parede um vídeo em que ele mesmo cami-

nhava pelas célebres areias brancas, como um anacoreta no deserto, re-cusando a futilidade da vida citadina. Uma espécie de relicário guardava um menino Jesus encontrado no Abaeté, provável fragmento de uma imagem de Nossa Senhora, aninhado na areia.

na sala estavam também os recipientes de hélio com que Scovino enchia balões brancos. Casualmente, projetava parte do vídeo sobre um balão, fazen-

do com que sua imagem mudasse de lugar e parecesse levitar. O balão de hélio representa o tema teológico da elevação espiritual, mas também remete chistosamente a Hélio Oiticica, uma das principais referências do artista. A camisa branca que se eleva rapidamente na arquiaba-dia era ao mesmo tempo imagem da alma e releitura dos Parangolés (1964).

Na seção seguinte, “sala da vitrola”, Scovino retomou a performance Levando os LPs de Gal para passear, que con-sistia em surpreender pessoas com o som dos discos de vinil reproduzidos por uma vitrola portátil. Essas ações desdobraram-se na série de fotografias que mostram os discos em lugares inusitados, pela estrada, à porta de uma igreja e embaixo d’água.

Com um velho móvel, o artista construiu uma espé-cie de altar para a cantora baiana, que agregou discos de Roberto Carlos, ungido como “Caboclo Rei”. Por causa de convicções religiosas, o cantor impede o lançamento de versões digitais de certas canções da “jovem guarda”. No trabalho de Scovino não se trata de provocar o “rei”, mas de admirar a força das imagens. Elas sobrevivem à recusa graças ao ressurgimento dos velhos discos de vinil, su-portes gráficos e sonoros que chegaram a ser fadados ao desaparecimento, mas foram redescobertos pela “cultura DJ”, expressão empregada por Bourriaud em Pós-produção.

scovino com o manto usado para o salto de Caboclo dos Aflitos na 3a Bienal da Bahia e já na performance Levando para passear os LPs de Gal, no Pavilhão da Bienal em são Paulo

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O crítico francês propõe a “feira de usados” como “forma dominante”. Bourriaud vê essa característica de trabalhos dos anos 1990 como tributária da noção situacionista de “desvio”, encontrada em textos de Guy Debord (1956) e As-ger Jorn (1959). Nesses textos, tratava-se de intertextuali-dade na história da arte. Artistas analisados por Bourriaud, por sua vez, expandem esse sistema de trocas para outros setores, para além da arte.

os nostálgicos móveis, discos e livros não foram pro-duzidos por Scovino, fazem parte do trabalho por-que foram escolhidos por ele. São objetos notáveis

plasticamente, seja pelo acabamento, no caso dos móveis, ou pela inventiva linguagem gráfica das capas.

Produtos novos, plastificados para sugerir a pureza da-quilo que não pode pertencer a mais ninguém, encarnam com perfeição a definição de mercadoria como algo em que o trabalho não aparece, que parece “não feito por mãos huma-nas”. Os usados não deixam de ser mercadorias, mas nunca ficam livres dos antigos proprietários, carregam uma espé-cie de “espírito da coisa dada”, como certos antropólogos se referem acerca do sistema de trocas recíprocas que seria a base das sociedades tradicionais, ou “fato social total”, na bela formulação de Marcel Mauss (1925). Escolha de objetos usados, envolvimento do público, recepção e retransmissão de imagens, as características principais do trabalho de Ar-thur Scovino apontam para as obrigações de dar, receber e retribuir que Mauss acreditou ser o fundamento de todas as sociedades humanas.

Os objetos ressurgem como imagens e obras de arte por causa dos “desvios” praticados pelo artista. Ao se apropriar deles, Scovino agia como consumidor e produtor ao mesmo tempo (doador e donatário), assim como os espectadores do trabalho, quando conversavam com o artista, pergunta-vam sobre as imagens ou simplesmente trocavam de lado o disco na vitrola.

Na “sala do oráculo” cristalizava-se o sistema de trocas entre emissores, receptores e retransmisso-res. No canto da sala, um jarro de cachaça com cravo e canela alimentava inspi-rações mediúnicas. Gabriela é uma das muitas cachaças produzidas pelo artista e consumidas por ele e pelos espec-tadores durante exposições.

No centro, uma velha máquina de escrever sobre a mesa recriava o cenário do trabalhador intelectual capaz de se co-municar com o mundo inteiro por meio da palavra escrita. O formato das letras datilografadas incorpora aspirações e con-tradições da época em que a cultura do livro atingira o auge e rivalizava com os novos meios de comunicação de massa.

Oráculos aludem à religião grega, mas todo povo tem os seus. Entidades espirituais se manifestam oralmente

usando uma pessoa como meio ou médium. Em Scovino, a oralidade do oráculo manifestava-se por meio da palavra impressa que, porém, talvez viesse do registro oral, no caso do livro de Oiticica.

Em posição semelhante à do mencionado trabalho de

Marina Abramović, sentavam-se frente a frente artista e espectador. As perguntas eram escritas à mão e as respostas, datilografadas e livremente inspiradas em trechos do livro Encontros, de Hélio Oiticica. Romances de Jorge Amado e um velho livro de história que pertenceu ao avô do artista também serviam para os oráculos. Cada espectador levava a sua página, como uma retribuição por ter participado do trabalho, por ter dado vida nova às imagens ali reunidas.

A sétima e última seção era a “sala da cachaça”, onde um aparador continha conservas e cachaças de diversos tipos.

SCOVINO TRABALHA PARA LIBERTAR IMAGENS

DOS CONTEXTOS ORIGINAIS E EXTRAIR DE RITUAIS

RELIGIOSOS A MATÉRIA-PRIMA DA ARTE RELACIONAL

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Uma garrafa passava de mão em mão entre artista e espectadores. O foco do trabalho de arte não era a bebida feita pelo artista, mas a interação gerada por ela. Casa de Caboclo apre-senta “o intercâmbio humano como um objeto estético em si”, nas palavras de Bourriaud.

Em sintonia com o projeto curatorial da 3ª Bienal da Bahia, que promoveu contatos entre o mundo da arte e as onipresentes referências históricas e culturais da capital baiana, Scovino propõe a religiosidade como uma metá-fora das relações humanas. Religião “liga arte com vida”, afirma. Ironicamente, essa meta vanguardista exige uma reconsideração de tradições que as vanguardas renegaram.

Não é preciso conhecimento prévio a respeito das referên-cias culturais transfixadas na Casa de Caboclo, quase todas são imediatamente reconhecíveis e sua heterogeneidade fica clara. Por outro lado, cada objeto apresentado por Scovino desdobra-se em histórias que envolvem memórias de famí-lia, experiências de vida, mundo letrado e cultura popular.

Essa contextualização podia ser promovida por “me-diadores” ou guias das bienais, mas também pelo próprio artista. Em ambos os casos, o trabalho removia o especta-dor do imobilismo da experiência estética convencional e chamava-o para conversar.

Não se trata do discurso vazio da arte sobre si mesma nem da reprodução irrefletida de palavras de ordem. Fala--se da procedência das imagens quando entre o espectador e uma obra de arte faz-se necessária alguma mediação. A interpretação exige uma iconologia, não apenas a aprecia-ção estética. As imagens não foram criadas pelo artista, mas deslocadas, reunidas e, em certos casos, cultivadas e libertadas por ele.

Talvez a idéia de que a contextualização das obras de arte faz parte da experiência estética não estivesse clara sem as conversas de Arthur Scovino com os espectadores nas salas da Casa de Caboclo e sem os passeios dos balões de hélio por entre os outros trabalhos. Seu trabalho evi-denciou elementos comuns às duas bienais. Em primeiro lugar, que as imagens precisam das pessoas e com isso promovem interações humanas. Em seguida, que essas trocas dinamizam as imagens, geram deslocamentos e permutas que culminam com uma generalização da intertextualidade.

O artista foi convidado para a Bienal de São Paulo an-tes da participação na Bienal da Bahia, mas as idéias que nortearam o evento baiano foram ao encontro da exposi-ção paulista por meio do seu trabalho. Como no verso que ele não cansa de citar, seria a “lei natural dos encontros”.

Quando se fala em “arte política” a respeito da 31ª Bienal de Arte de São Paulo é preciso distinguir entre os trabalhos com temas políticos e aqueles que se politizaram por causa da relação especial que buscaram estabelecer com os espec-tadores. Alguns desses trabalhos politizados, ou relacionais, não estavam expostos senão como vestígios de performan-ces, ou deslocamentos de imagens e linguagens. Equivoca-

damente vistos como pueris ou panfletários, foram avaliados sem que se considerassem os contextos de que procederam.

Além de Scovino, outros artistas contemporâ-neos apresentaram trabalhos capazes de provocar

reflexão. Sérgio e Simone, de Virginia de Medeiros, também integra a exposição da capital mineira e mostra um morador da Ladeira da Montanha em Salvador que já foi uma travesti devota dos orixás, tornou-se um pregador evangélico e ho-je é pai de santo. Embora a história pitoresca chamasse a atenção, o trabalho da artista consistia em tornar visíveis as particularidades de cada uma das várias realidades vividas por uma só pessoa. Em outros trabalhos, recentemente ex-postos pela galeria Nara Roesler, de São Paulo, ela investigou as histórias de vida e o imaginário de uma dona de bordel, um dominador sádico e travestis de Salvador.

nem toda obra de arte se sustenta apenas como do-cumento, embora esse não fosse o caso de Sérgio e Simone, uma vez que o filme de Virginia de Medeiros

explorava visualmente a personagem e o seu meio. Além disso, a artista baiana trabalha com diversas linguagens, como fotografia, escultura e instalação.

Pelo menos três trabalhos do “núcleo histórico” aponta-vam o caminho para refletir abertamente acerca da fron-teira cada vez menos clara entre o registro antropológico e a produção artística. Nos filmes do cineasta espanhol Val del Omar (1955 e 1960), imagens religiosas ganham vida por meio da linguagem cinematográfica.

Em parceria com o fotógrafo Gérard Franceschi, o pin-tor dinamarquês Asger Jorn, um dos fundadores do grupo COBRA, expõe correspondências entre imagens de relevos medievais como sobrevivências de um vocabulário visual antiquíssimo (1965). O trabalho subverte a história oficial da arte, pois revela a recorrência de imagens de abraços, fisionomias, animais, aves e cavaleiros, certamente pro-venientes do imaginário popular que persistia apesar da institucionalização da Igreja.

Por fim, nas filmagens realizadas pelo artista chileno Juan Downey com diversos povos pelas Américas (1979), revela-se a interdependência entre as sociedades humanas, apesar da heterogeneidade das culturas e modos de agir. Identidades culturais são meras abstrações, assim como os critérios de valor moral e artístico. Resultam de contatos, trocas e lutas e terminam por se institucionalizar como formas legitimadoras do poder de uns sobre os outros. O shabono abandonado de Juan Downey e 10.000 anos de arte popular nórdica também pertencem à mostra itineran-te da 31ª Bienal de Arte de São Paulo no Palácio das Artes de Belo Horizonte.

A perspectiva oferecida por esses artistas é ao mesmo tempo antropológica e política, mas não abre mão da ex-periência estética nem da história da arte. Arthur Scovino mostrou como seria uma “estética relacional” e Asger Jorn prefigurou uma história da arte que não fosse etnocêntrica. w

o artista circula com seus lPs pela notável arquitetura de oscar Niemeyer

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MÁSCARAS AFRO-BRASILEIRAS DE RENATO

DA SILVEIRA PASSARAM PELO MINHOCÃO

EM SÃO PAULO

josé bento ferreira

IMAGENS PARA UM NÃO-LUGAR

Intervenção urbana

Uma exposição de máscaras africanas do Museu de Arte Contemporânea da USP em 1967 fez com que Renato da Silveira transformasse completamente

sua produção artística, até então influenciada pela arte pop norte-americana. “Foi um choque tão avassalador que a partir dali eu não podia mais fazer arte de outro jeito”, afirmou ao Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia. Até 28 de fevereiro de 2015, reproduções das máscaras criadas pelo artista e antropólogo baiano permaneceram afixadas sobre pilares do Elevado Costa e Silva no centro de São Paulo, a polêmica obra viária conhecida como Mi-nhocão. A exposição, iniciada em novembro de 2014, fez parte das comemorações do mês da consciência negra na capital paulista.

A intrincada bricolagem exigia tempo e atenção para cada detalhe. Era preciso caminhar pelas calçadas da rua Amaral Gurgel ou pelo canteiro central para observar de-

vidamente. As imagens foram produzidas a partir da co-lagem de figuras de tecidos, flores, sementes, hortaliças, adereços, desenhos, grafismos e animalismos. Embora predominasse a frontalidade, algumas faces se posicio-navam de modo levemente enviesado. Todas buscavam o olhar do espectador.

As imagens não eram hostis aos trabalhos dos artistas de rua, muito comuns nas metrópoles brasileiras. Nas la-terais dos pilares, as máscaras provocaram releituras e as pichações dialogaram com elas, preenchendo os fundos vazios sem depredá-las, uma vez que a sobreposição e a aglutinação de elementos heterogêneos tembém são lin-guagens da arte urbana.

Produção artística e pesquisa antropológica convergem na reconstituição histórica das contribuições africanas e do reconhecimento público de certas práticas religiosas e medicinais desde o período colonial. A diáspora africana fo

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foi uma primeira migração a que as imagens foram subme-tidas. Elas viajaram com as mercadorias exportadas, como os veludos da região do rio Cassai, tidos por “melhores do que os de Veneza”. Viajaram como saberes medicinais adotados por conventos, mosteiros e pelo exército portu-guês. E viajaram na memória dos indivíduos deportados, para encontrar os seus lugares nos calundus e candom-blés cujas histórias foram investigadas pelo professor da UFBA e doutor pela “École des hautes études en sciences sociales” de Paris.

Depois de ter sido preso três vezes no Brasil em 1969, 1970 e 1971 por causa da militância contra o regime autoritário, Renato da Silveira viveu sete anos no

exílio e estudou antropologia para se reaproximar de suas origens. Tanto como artista quanto como pesquisador, seu trabalho reivindica uma África que lhe foi “sonegada des-de a escola,” como declarou no seminário A nação Angola na Bahia. Cada pormenor das máscaras afro-brasileiras provém de uma faceta do continente “rico em tradições e humanidade” e equivocadamente considerado como “um lugar onde não acontece nada, a não ser catástrofes e guerras tribais.”

Uma segunda viagem das imagens foi promovida pelo trabalho de arte. As máscaras foram criadas a partir de elementos preexistentes, extraídos de revistas, esculturas, enfeites, pinturas faciais e referências a costumes tradicio-nais e modernos. O termo “máscara” tem aqui um sentido antropológico, uma vez que não designa apenas o objeto, mas uma identidade social ou persona, por oposição à face natural. “Decoração facial e tatuagem podem transformar a face humana efetiva em máscara”, afirmou Hans Belting.

Artistas modernos se apropriaram de máscaras afri-canas como formas estéticas vazias, sem considerar seus usos rituais. Renato da Silveira, por sua vez, criou nomes para cada uma das máscaras publicadas em 2010 no álbum Máscaras afro-brasileiras – artimanhas digitais. A exposição do Minhocão proporcionou uma terceira migração para aquelas imagens que vieram da África e foram recombi-nadas em novas composições.

A via elevada que liga a zona oeste ao centro de São Paulo transformou partes consideráveis de diversos bairros em “não-lugares”, como o antropólogo Marc Augé chamou os locais de passagem, por oposição aos “lugares antropoló-gicos”, detentores de significado. Sob o Minhocão é pos-sível observar como a urbanização gera “zonas de vazio” ao transformar lugares antropológicos em não-lugares.

Depois da edição do projeto Giganto, de Raquel Brust no Minhocão, com fotografias “hiperdimensionadas” de moradores, novamente se usaram imagens para preencher os vazios desse não-lugar. Seria a arte capaz de restituir significado a um lugar vazio? As exposições são tempo-rárias e as imagens parecem estar sempre de partida, em busca de outros meios. É mais fácil produzir a imagem de um lugar do que um lugar para as imagens. w

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historia em quadrinhos

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HINO DO ESTADO DA BAHIA

2 DE JULHO

nasce o sol ao 2 de Julho,brilha mais que no primeiro!É sinal que neste diaaté o sol, até o sol é brasileiro.

nunca mais, nunca mais o despotismoRegerá, regerá nossas ações!com tiranos não combinambrasileiros, brasileiros corações!

Salve Oh! Rei das campinasDe cabrito e Pirajá!nossa pátria, hoje livre,Dos tiranos, dos tiranos não será!

nunca mais, nunca mais o despotismoRegerá, regerá nossas ações!com tiranos não combinambrasileiros, brasileiros corações!

cresce! Oh! Filho de minh’almaPara a Pátria defender!O brasil já tem juradoindependência, independência ou morrer!

nunca mais, nunca mais o despotismoRegerá, regerá nossas ações!com tiranos não combinambrasileiros, brasileiros corações!com tiranos não combinambrasileiros, brasileiros corações! (bis)

MúSica • José dos Santos barreto

LetRa • Ladislau dos Santos titara