Contração versus contratura e miopatia do núcleo ... · Assim, a nomenclatura deveria ser...

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142 CARTAS AO EDITOR João Batista Santos Garcia a,b,c,1 a Sociedade Brasileira de Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil b Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil c Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Belo, São Luís, MA, Brasil E-mail: [email protected] 1 Em nome de The Change Pain Latin America Advisory Panel: Argelia Lara-Solares, José Alberto Flores Cantisani, César Amescua-García, María del Rocío Guillén Nú˜ nez, Aziza Jreige Iskandar, Patricia Bonilla, Osvandré Lech, Durval Campos Kraychete, María Antonieta Rico, John Jairo Hernández- -Castro, Frantz Colimon, Carlos Guerrero, William Delgado Barrera, Manuel Sempértegui Gallegos, María Berenguel Cook, João Batista Santos Garcia, Concepción Pérez Her- nández. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2013.03.004 Contrac ¸ão versus contratura e miopatia do núcleo central versus miopatia da parte central em hipertermia maligna Caro editor Lemos com grande interesse o artigo de revisão de Cor- reia et al. ‘‘Hipertermia maligna: aspectos moleculares e clínicos’’ 1 e gostaríamos de comentar alguns itens. Na sec ¸ão ‘‘Hipertermia maligna’’, item ‘‘Teste de contrac ¸ão à exposic ¸ão ao halotano-cafeína (TCHC)’’, Cor- reia et al. empregam o termo ‘‘contrac ¸ão’’, em vez do termo original ‘‘contratura’’. O teste para diagnóstico de suscetibilidade à hipertermia maligna (HM) baseia-se na resposta anormal de contratura após administrac ¸ão de cafeína/halotano, e não na resposta normal de contrac ¸ão muscular após o estímulo elétrico, que é aplicado durante todo o teste para comprovar a viabilidade do fragmento muscular testado. A figura 1 mostra a diferenc ¸a entre a contrac ¸ão e a contratura no gráfico de um teste positivo de paciente suscetível à HM. Assim, a nomenclatura deveria ser contracture test em inglês e ‘‘teste de contratura’’ em português. 2---4 Ainda nesse subitem, enfatizamos que os níveis de corte do TCHC citados correspondem a valores emprega- dos no protocolo do grupo norte-americano de HM (MHAUS --- www.mhaus.org). Além disso, o protocolo do grupo europeu de HM (EMHG --- www.emhg.org) difere do norte-americano em aspectos adicionais que não foram citados, tais como o número de fragmentos testados (seis no norte-americano e quatro no europeu), administrac ¸ão do halotano (dose única de 3% no americano e dose crescente de 0,5% a 3% no europeu) e finalmente o ponto de corte, que é de 0,2 g para halotano 2% e 0,2 g para cafeína 2 mm no protocolo europeu. 5,6 Diferentemente do citado por Correia et al., no Brasil o Cedhima (Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigac ¸ão de Hipertermia Maligna) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) usa o protocolo do grupo europeu de HM para o teste de contratura muscular in vitro (IVCT). 4 Na mesma sec ¸ão ‘‘Hipertermia maligna’’, item ‘‘Tratamento’’, Correia et al. incluem como medida indicada ‘‘Substituic ¸ão do circuito de anestesia por outro não contaminado por agente anestésico’’. É importante aqui enfatizar que essa medida não é indicada no momento em que se trata uma crise, mas somente no preparo da máquina anestésica para a anestesia de um paciente com história de HM. No momento da crise de HM deve-se ‘‘desconectar o vaporizador, mas não perder tempo trocando o circuito ou a máquina anestésica’’. 7 No item ‘‘Dantroleno’’, apesar de Correia et al. informarem que o uso clínico do dantroleno 1 min 0,6 g 0,5% 1% Figura 1 Teste de contratura muscular in vitro em resposta ao halotano. As duas setas inferiores indicam o momento em que a droga foi adicionada. A seta superior indica as linhas que corres- pondem às contrac ¸ões musculares desencadeadas pelo estímulo elétrico. A seta dupla lateral indica a ascensão da linha de base, que corresponde à contratura muscular anormal.

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Amescua-García, María del Rocío Guillén Núnez, Aziza JreigeIskandar, Patricia Bonilla, Osvandré Lech, Durval CamposKraychete, María Antonieta Rico, John Jairo Hernández--Castro, Frantz Colimon, Carlos Guerrero, William DelgadoBarrera, Manuel Sempértegui Gallegos, María BerenguelCook, João Batista Santos Garcia, Concepción Pérez Her-nández.

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2013.03.004

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emos com grande interesse o artigo de revisão de Cor-eia et al. ‘‘Hipertermia maligna: aspectos moleculares elínicos’’1 e gostaríamos de comentar alguns itens.

Na secão ‘‘Hipertermia maligna’’, item ‘‘Teste deontracão à exposicão ao halotano-cafeína (TCHC)’’, Cor-eia et al. empregam o termo ‘‘contracão’’, em vez doermo original ‘‘contratura’’. O teste para diagnóstico deuscetibilidade à hipertermia maligna (HM) baseia-se naesposta anormal de contratura após administracão deafeína/halotano, e não na resposta normal de contracãouscular após o estímulo elétrico, que é aplicado durante

odo o teste para comprovar a viabilidade do fragmentouscular testado. A figura 1 mostra a diferenca entre a

ontracão e a contratura no gráfico de um teste positivoe paciente suscetível à HM. Assim, a nomenclatura deveriaer contracture test em inglês e ‘‘teste de contratura’’ emortuguês.2---4

Ainda nesse subitem, enfatizamos que os níveis deorte do TCHC citados correspondem a valores emprega-os no protocolo do grupo norte-americano de HM (MHAUS ---ww.mhaus.org). Além disso, o protocolo do grupo europeue HM (EMHG --- www.emhg.org) difere do norte-americanom aspectos adicionais que não foram citados, tais como oúmero de fragmentos testados (seis no norte-americano euatro no europeu), administracão do halotano (dose únicae 3% no americano e dose crescente de 0,5% a 3% nouropeu) e finalmente o ponto de corte, que é de 0,2 gara halotano 2% e 0,2 g para cafeína 2 mm no protocolouropeu.5,6

Diferentemente do citado por Correia et al., no Brasil Cedhima (Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigacãoe Hipertermia Maligna) da Escola Paulista de Medicina da

niversidade Federal de São Paulo (Unifesp) usa o protocoloo grupo europeu de HM para o teste de contratura muscularn vitro (IVCT).4

Na mesma secão ‘‘Hipertermia maligna’’, item‘Tratamento’’, Correia et al. incluem como medidandicada ‘‘Substituicão do circuito de anestesia por outroão contaminado por agente anestésico’’. É importante aquinfatizar que essa medida não é indicada no momento emue se trata uma crise, mas somente no preparo da máquinanestésica para a anestesia de um paciente com história de

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máquina anestésica’’.7 No item ‘‘Dantroleno’’, apesar deorreia et al. informarem que o uso clínico do dantroleno

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igura 1 Teste de contratura muscular in vitro em resposta aoalotano. As duas setas inferiores indicam o momento em que aroga foi adicionada. A seta superior indica as linhas que corres-ondem às contracões musculares desencadeadas pelo estímulolétrico. A seta dupla lateral indica a ascensão da linha de base,ue corresponde à contratura muscular anormal.

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CARTAS AO EDITOR 143

Figura 2 Cortes histológicos transversais de músculo estriado (congelacão). (A) Miopatia da parte central ou central core: setahorizontal mostra fibra muscular com área circular central sem marcacão (core), seta vertical mostra fibra com marcacão nor-mal homogênea; reacão histoquímica com NADH; (B) Miopatia centronuclear: setas brancas mostram fibras com núcleo central,setas pretas mostram fibras com núcleo em posicão normal, logo abhematoxilina e eosina.

hoje é restrito à hipertermia maligna, ainda se empregaesse medicamento no manejo da espasticidade.8

Além disso, a manutencão do dantrolene por 24-48 horasapós o tratamento inicial da crise de HM é importantepara evitar recidivas, porém na dose de 1 mg/Kg a cada4 a 8 horas, ou de forma contínua com 0,25 mg/Kg/h (ou6 mg/Kg/d).9

Na secão ‘‘RECEPTORES DE RIANODINA (RYRs)’’, item

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‘‘Canalopatias correlacionadas’’, o termo ‘‘doencado núcleo central’’ aparece duas vezes, comotraducão para ‘‘central core disease’’. Entretanto,a traducão sugerida em português para a miopatiado central core seria miopatia ‘‘da parte central’’(C05.651.575.300 ou C10.668.491.550.300), conformerecomendado pelo site Descritores em Ciências daSaúde (http://decs.bvs.br/), vinculado ao UnifiedMedical Language System (http://www.nlm.nih.gov/research/umls/). Essa diferenciacão é importante, pois,entre outras diferencas clínicas e de mutacões associadas,o aspecto histopatológico é distinto, como pode ser obser-vado na figura 2. O lado A da figura 2 mostra o aspecto da

miopatia ou doenca da parte central (central core diseaseou CCD): há uma falha central de marcacão em reacõeshistoquímicas oxidativas (como SDH e NADH), por causada ausência de mitocôndrias.10 Já no lado B da figura 2

aixo da membrana citoplasmática (subsarcolemal); coloracão

emonstra-se o aspecto da miopatia centronuclear, no qual núcleo ocupa posicão central na fibra muscular, enquantoue normalmente ocuparia posicão subsarcolemal, ou seja,ogo abaixo da membrana citoplasmática.11

eferências

1. Correia AC, Silva PC, da Silva BA. Malignant hyperther-mia: clinical and molecular aspects. Rev Bras Anestesiol.2012;62(6):820---37.

2. Ellis FR, Halsall PJ, Ording H, et al. A protocol for the investiga-tion of malignant hyperpyrexia (MH) susceptibility. Br J Anaesth.1984;56:1267---9.

3. Larach MG, for the North American Malignant Hyperther-mia Group. Standardization of the caffeine halothane musclecontracture test. Anesth Analg. 1989;69:511---5.

4. Silva HCA. Biópsia e teste de contratura muscular. Rev Neuroci-enc. 2005;13:63---4.

5. Litman RS, Rosenberg H. Malignant hyperthermia: update onsusceptibility testing. JAMA. 2005;293:2918---24.

6. Urwyler A, Deufel T, McCarthy T, et al., European MalignantHyperthermia Group. Guidelines for molecular genetic detec-

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7. Glahn KP, Ellis FR, Halsall PJ, et al. Recognizing andmanaging a malignant hyperthermia crisis: guidelines from

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44 CARTAS AO EDITOR

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8. Kheder A, Nair KP. Spasticity: pathophysiology, evaluation, andmanagement. Pract Neurol. 2012;12(5):289---98.

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0. Jungbluth H. Central core disease. Orphanet J Rare Dis.2007;2:25.

1. Jungbluth H, Wallgren-Pettersson C, Laporte J. Centronuclear(myotubular) myopathy. Orphanet J Rare Dis. 2008;3:26.

Helga Cristina Almeida da Silva ∗,Pamela Vieira de Andrade e José Luiz Gomes do Amaral

Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de SãoPaulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

∗ Autor para correspondência.E-mail: [email protected] (H.C.A. da Silva).

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2013.06.020