Contratos de tributos, comércio e poder nas Minas setecentistas

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 Contratos de tributos, comércio e poder nas Minas setecentistas 1 Luiz Antônio Silva Araujo1,2,3 (MS), [email protected] 1. Mestre e doutorando em Hi stória Socia l pel a UFF 2. Faculdade d e Di reito da Do ctum- Juiz de Fo ra 3. Faculdade de História da Universidade Sal gado de Oliv eira (UNIVERSO). RESUMO: O objetivo desse artigo é apresentar re- sultados de pesquisas realizadas ao longo do Mestrado, sob orientação do professor doutor Carlos Gabriel Guimarães, e continuadas no doutoramento acerca da atuação dos contratadores de tributos e direitos régios nas Minas Gerais setecentistas. Este tema, de pouco espaço na historiografia brasileira, é importante para a compreensão de aspectos da economia colonial extremamente relevantes tais como a fiscalidade, o comércio e as revoltas. Palavras-chave: contratadores, Minas setecentistas, fiscalidade.  ABSTRACT: The aim of this article is to present results of researches accomplished along the Master’s degree, under the orientation of Doctor Carlos Gabriel Guimarães, and continued in the doctorate concerning the performance of the hiremen of tributes and royal rights in Minas Gera is in the 1700s. This theme, of little space in the Brazilian historiography, is important for the 1 Este a rtigo, com alg umas modifica ções, f oi apre sentad o no II En contro d e Pós- Graduação em História Econômica, organizado pela ABPHE e realizado em Niterói/ Rio de Janeiro em 2004.

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Dissertação acerca da atuação dos contratadores de tributos edireitos régios nas Minas Gerais setecentistas (séc XVIII).

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  • Contratos de tributos, comrcioe poder nas Minas setecentistas1

    Luiz Antnio Silva Araujo1,2,3 (MS), [email protected]. Mestre e doutorando em Histria Social pela UFF2. Faculdade de Direito da Doctum-Juiz de Fora3. Faculdade de Histria da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO).

    RESUMO: O objetivo desse artigo apresentar re-sultados de pesquisas realizadas ao longo doMestrado, sob orientao do professor doutor CarlosGabriel Guimares, e continuadas no doutoramentoacerca da atuao dos contratadores de tributos edireitos rgios nas Minas Gerais setecentistas. Estetema, de pouco espao na historiografia brasileira, importante para a compreenso de aspectos daeconomia colonial extremamente relevantes taiscomo a fiscalidade, o comrcio e as revoltas.Palavras-chave: contratadores, Minas setecentistas,fiscalidade.

    ABSTRACT: The aim of this article is to presentresults of researches accomplished along theMasters degree, under the orientation of DoctorCarlos Gabriel Guimares, and continued in thedoctorate concerning the performance of thehiremen of tributes and royal rights in Minas Geraisin the 1700s. This theme, of little space in theBrazilian historiography, is important for the

    1 Este artigo, com algumas modificaes, foi apresentado no II Encontro de Ps-Graduao em Histria Econmica, organizado pela ABPHE e realizado em Niteri/Rio de Janeiro em 2004.

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    understanding of aspects which are extremelyrelevant such as colonial economy, the fiscalorganization, the trade and the revolts.Key-words: Hiremen, Minas in the 1700s, fiscalorganization.

    A Inconfidncia Mineira de 1789 considerada um dos eventos maisemblemticos da histria do Brasil colonial e, em especial, da histria mineira.Em torno deste movimento fundou-se uma perspectiva, entre outras, aindamuito forte em relao histria do Brasil: a dicotomia entre o heri brasileiroTiradentes e o traidor, nascido em Portugal, Joaquim Silvrio dos Reis.2 Esteartigo no tem como objetivo discutir a Inconfidncia Mineira, mas chamar aateno para um ponto em comum em relao a estes indivduos: ambospossuam fortes vnculos com a cobrana de tributos em Minas Gerais. Noo tributo do quinto do ouro, mas com os dois mais importantes tributosaps o quinto: as Entradas e os Dzimos.3 Tiradentes Trabalhou nopatrulhamento da mantiqueira para Silvrio dos Reis e Joo Rodrigues deMacedo nos contratos de Entradas.

    2 Esta dicotomia facilmente identificada nas aulas de Histria do Ensino Funda-mental e Mdio. Os 19 anos de experincia no magistrio, nos levava a ter quedesmontar esta viso que mescla um contexto de Crise do Antigo Sistema Colo-nial com uma perspectiva maniquesta em torno destes dois personagens. O Alfe-res Tiradentes (Joaquim Jos da Silva Xavier) (1746-1792), nasceu na Fazenda doPombal, entre So Jos (hoje Tiradentes) e So Joo del Rei, Minas Gerais. OCoronel de cavalaria Joaquim Silvrio dos Reis Montenegro Leiria Quites (1756?-1821), nasceu na Freguesia de Monte Real, Terno da Vila de Leiria em Portugal. EmMinas Gerais morava na Borda do Campo (Barbacena), onde possua terras, gadoe muitos escravos. Mudou-se em 1794 com sua famlia para Lisboa, em 1795 foicondecorado como Cavaleiro da ordem de Cristo e nomeado Tesoureiro-mor deBula para Minas Gerais, neste mesmo ano volta ao Brasil para assumir o cargo.Retorna a Portugal em 1801 e em 1808 acompanha a mudana da corte para oBrasil. Foi mandado para So Lus do Maranho neste mesmo ano, e o Prncipe D.Joo manda que a Junta da Real Fazenda do Maranho pagasse-lhe uma penso.Permaneceu nesta cidade at falecer em 1821.

    3 poca, juntamente com os tributo de passagens, correspondiam a algo em tornode 42% da receita total da Capitania de Minas Gerais. Cf.: REZENDE, Fernando. Atributao em Minas Gerais no sculo XVIII. Seminrio sobre a economia minei-ra, Diamantina: CEDEPLAR, 1983. In: Anais Belo Horizonte: Cedeplar/Face/UFMG, p. 120.

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    Alm destes casos podemos citar mais alguns de indivduos ligadosaos contratos de tributos e inconfidentes. Domingos Abreu Vieira foiarrematante do contrato dos Dzimos por trs anos (1784 - 1787) e seria oencarregado de garantir a plvora para o movimento. Era devedor da Coroae tivera Cludio Manoel da Costa como advogado nas questes envolvendodzimos. Foi padrinho de uma filha de Tiradentes. Alvarenga Peixoto teveentre os seus vrios credores estava Joo R. de Macedo e Silvrio dos Reis.Rodrigues de Macedo foi contratador de Entradas (1776-81) e Dzimos (1777-1783), contratos que nos valores de arrematao somaram a enorme quan-tia de 1.162:105$569 ris. Silvrio dos Reis arrematou por trs anos (1782- 4) o contrato de Entradas por 355:612$000 ris. Ainda podem ser aponta-dos vnculos com do padre Rolim que dividia residncia com DomingosAbreu Vieira e do Capito Joo Aires Gomes, fiador de Joo R. de Macedonos contratos.4

    Esta introduo pretende dar uma primeira demonstrao da importnciade um tema comumente negligenciado pela historiografia sobre o Brasil: a atu-ao dos contratadores de tributos e direitos rgios. O presente artigo tem comobjetivo apresentar resultados de pesquisas acerca dos contratadores de tribu-

    4 As informaes contidas neste pargrafo foram extradas de MAXWELL, Kenneth. ADevassa da Devassa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 144-6.

    5 Citando Helosa Bellotto, Vera Alice Cardoso Silva distingue rendas econmicas erendas tributrias: (...) embora intimamente ligadas, elas so diferentes na suaorigem e tm, pelo Estado, diferentes manejos. Enquanto que, no primeiro caso,prestam-se ao giro, aos negcios e aos entendimentos internacionais da metrpole,..., no segundo, elas esto destinadas aos gastos internos da Coroa, (de gruposprivilegiados, como a nobreza, a classe militar, o funcionalismo), e, sobretudo,destinadas s despesas obrigatrias. BELLOTTO, Heloisa Liberalli. AdministraoFazendria no Brasil colonial: a Junta da Fazenda da Capitania de So Paulo,1762-1808. Anais da III Reunio da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histrica.So Paulo, 1984, p. 121-124. Apud SILVA, Vera A Cardoso. O sustento financeiroda administrao colonial. In: RAPOSO, Luciano F. (Coord.). O Cdice CostaMattoso ...., Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, Centro de Estudos Histri-cos e Culturais, 1990. Coordenao geral de Luciano Raposo de AlmeidaFigueiredo e Maria Vernica Campos. Estudo crtico de Luciano Raposo de AlmeidaFigueiredo. p. 218.

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    tos e direitos rgios5 em Minas Gerais durante o sculo XVIII. Esta temtica foiobjeto de minha dissertao de mestrado6 defendida em 2002 sob a orientaodo professor Carlos Gabriel Guimares e, em grande parte, as discusses aquipropostas so uma continuidade daquela dissertao e integram as pesquisas dodoutoramento pelo programa de Ps-graduao em Histria da UFF.

    A ao dos contratadores em Minas Gerais e na Amrica Portuguesaocupou um lugar de pouca expresso na historiografia brasileira. Nesta, a atua-o dos contratadores aparece em obras de contedo geral7 ou em obras nasquais a temtica central, em geral estudos sobre a fiscalidade8 e o comrcio,conduziu a um detalhamento da atuao de contratadores na colnia.9

    A atuao dos contratadores e/ou os contratos, como objeto central depesquisas, aparecem num nmero limitado de trabalhos10 . Entretanto, permi-

    6 ARAUJO, Luiz Antnio Silva. Contratos e tributos nas Minas Setecentistas: oestudo de um caso Joo de Souza Lisboa (1745-1765). Dissertao de mestradodo Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade Federal Fluminense,Niteri-2002.

    7 Cf., entre outros, PRADO JR., Caio. Formao do Brasil contemporneo. SoPaulo: Brasiliense, 198. HOLANDA, Srgio Buarque de. (Org.). Histria geral dacivilizao brasileira. Tomo I, v. 2, livro quarto, captulo VI, Metais e Pedras Preci-osas. Difel, Rio de Janeiro, 1977. BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil(dores de crescimento de uma sociedade colonial). Traduo de Nair de Lacerda.3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

    8 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Protestos, revoltas e fiscalidade noBrasil colonial. LPH: Revista de Histria. N. 5, 1995 e REZENDE, Fernando. Atributao em Minas Gerais no Sculo XVIII. II Seminrio sobre a economiamineira, Diamantina: Cedeplar, 1983. In: Anais Belo Horizonte: Cedeplar/Face/UFMG.

    9 OSRIO, Helen. Comerciantes do Rio Grande de So Pedro: formao, recruta-mento e negcios de um grupo mercantil da Amrica Portuguesa. UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul - Revista Brasileira de Histria. So Paulo: v. 20, n. 39,p. 115-134. 2000.

    10 ELLIS, Myriam. Comerciantes e contratadores do passado colonial. So Paulo,Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, USP, 1982, p. 97-122; ____. A baleia noBrasil colonial. So Paulo: Ed. Melhoramentos, 1969; LYRA, Maria de LourdesViana. Os dzimos reais na capitania de So Paulo: Contribuio Histria Tribu-tria do Brasil Colonial (1640-1750). So Paulo, 1970, 90 p. Dissertao (Mestradoem Histria). FFLCH/USP (Foi orientada pela Myriam Ellis); OSRIO, Helen. Aselites econmicas e a arrematao dos contratos reais: o exemplo do Rio Gran-de do Sul (sculo XVIII). In: FRAGOSO, Joo Luiz R., GOUVEA, Maria de Ftima eBICALHO, Maria Fernanda (org.). O antigo regime nos trpicos: a dinmica im-perial portuguesa (sculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.107-37 e ARAUJO, op. cit.

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    tem demonstrar a importncia dos contratos rgios como mecanismo de con-trole e de coero de excedentes na relao metrpole/colnia e de enriqueci-mento e de prestgio tanto para os negociantes residentes na colnia como osresidentes em Portugal11 .

    Os trabalhos at aqui produzidos sobre o tema nos permitem na esferaeconmica perceber os contratos como importante mecanismo de monoplioe tributao, tpico das sociedades do Antigo Regime e, ao mesmo tempo,sada por parte da coroa de solucionar o problema da escassez de recursos.12Os contratos de direitos (estancos do tabaco e pau-brasil, entre outros) e detributos rgios (entradas, passagens etc.) foram uma constante durante o pero-do colonial mas passaram a ter especial importncia durante o sculo XVIII porconta da minerao. Aqui recorremos a Gilberto Guerzoni que argumenta acer-ca da menor necessidade de um forte aparato fiscal na regio aucareira dazona da mata nordestina seja pelo elevado grau de dependncia econmicados Senhores de Engenho com os negociantes metropolitanos, seja peladestinao do acar ao mercado europeu no qual se transforma em dinhei-ro.13

    Nas Minas Gerais, para o autor, o ouro levou a constituio de caracters-ticas totalmente diferentes, na medida em que o ouro

    no apenas uma mercadoria, mas tambm uma moeda.Independente dos mecanismos do pacto colonial para serealizar como mercadoria. Alm disso, a obteno de tri-butos sobre o ouro exige controle de sua circulao internae de sua prpria produo. Em decorrncia, a Coroa se vobrigada a lanar mo de uma complexa mquina adminis-trativa. A Capitania de Minas Gerais, pela especificidadede sua atividade produtiva, (...) a regio onde a Coroaprecisou levar mais adiante o seu controle poltico-admi-nistrativo para realizar sua funo coletora.

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    11 PEDREIRA, Jorge Miguel Viana. Os homens de negcio da Praa de Lisboa dePombal ao Vintismo (1755-1822): diferenciao, reproduo e identificao deum grupo social. Lisboa, Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, 1995.

    12 M. Ellys. Comerciantes e contratadores do passado colonial. Op. cit., p. 69.

    13 Guerzoni, Gilberto. Poltica e crise do sistema colonial em Minas Gerais. OuroPreto: Imprensa Universitria da Ufop, 1986, p. 11. Ver tambm sobre a necessida-de de incremento das medidas fiscais por parte da Coroa lusitana e envolvendo aminerao In: COSTA, Leonor Freire, ROCHA, Maria Manuela e SOUSA, RitaMartins de.O ouro do Brasil: Transporte e Fiscalidade (1720-1764). V CongressoBrasileiro de Histria Econmica, Caxambu: ABPHE, 2003. In: Anais Belo Hori-zonte: ABPHE.

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    A especificidade da produo aurfera levava necessidade de uma es-trutura tributria capaz de promover a extrao do capital-dinheiro da Colnia.Dada a condio de mercadoria e moeda do ouro, um esquema puramentecomercial no seria eficaz. Tal condio levou a Capitania de Minas Gerais avivenciar uma intensa atuao de negociantes voltados para a arrematao doscontratos de tributos rgios.

    Chama a ateno, em relao historiografia brasileira, a carncia depesquisas que permitam traar um perfil daqueles que se voltavam para asatividades comerciais em Minas Gerais qual os contratadores estavam vincula-dos.15 Isto se faz necessrio como forma de melhor compreender a presenados contratadores no corpo mercantil. Podemos perceber a importncia de avan-ar nestes estudos observando a tabela 1. Os dados da tabela foram quantificadosa partir de um documento enviado pelo Provedor da Fazenda da capitania aoConselho Ultramarino que primeira pgina definido como (...) Relaesincluzas, que particular e secretamente tirei dos homens de negcio, Mineirose Rosseiros que vivem nestas Minas e mais abastados (...).16 Mesmo que umaprimeira aproximao como aqui realizada, nos coloque de imediato algumasquestes como, por exemplo, o que exatamente significa abastado ou comoclassificar os que aparecem no documento na condio de ferreiro ou escrivo,percebemos que aqueles que ali foram relacionados com atividades ligadas

    15 Em relao aos comerciantes de Minas Gerais no Setecentos dois estudos maisrecentes devem ser lembrados: FURTADO, Jnia Ferreira. Homens de negcio: ainteriorizao da metrpole e do comrcio nas Minas setecentistas. So Paulo:Hucitec, 1999, CHAVES, Cludia Maria das Graas. Perfeitos negociantes: mer-cadores das Minas setecentistas. So Paulo: Annablume, 1999 e SILVEIRA, MarcoAntnio. O universo do indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas(1735-1808). So Paulo: Hucitec, 1997. Jnia Furtado destaca os limites das clas-sificaes que vem sendo utilizadas para classificar os comerciantes de Minas Ge-rais durante o setecentos. Como exemplo, podemos utilizar a classificao entrecomerciantes fixos e volantes. Foram encontrados relatos de vrios comerciantescom lojas negociando pela Capitania como volantes. A ao dos contratadoresvinculados ao comrcio pode ser verificada atravs de estudos, j citados, como:Miryam Ellys, Helen Osrio e Luiz Antnio S. Arajo para o Brasil e Pedreira paraPortugal.

    16 Carta de Domingos Pinheiro, provedor da Fazenda de Minas, informando o secre-trio de Estado, Antnio Amaro de Sousa Coutinho, sobre a remessa da relao naqual se discrimina o nmero de homens de negcio, mineiros e roceiros que vivemna Capitania de Minas. AHU - Cx.: 70, Doc.: 41 Data: 25/7/1756, Cd 20. Nascitaes de textos de fontes primrias procurei manter a grafia originou com exce-o das abreviaturas. Neste texto a expresso original era secretamte que transcrevicomo secretamente para agilizar a compreenso do texto.

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    circulao de mercadorias (do negociante, passando pelo Marchante de gado echegando ao comboeiro de escravos) compunham um total de 226, ou seja,24,15% do total. notria a necessidade de ampliao de estudos que permi-tam melhor definir aqueles que se voltavam para o mundo do comrcio.

    A tabela 2 nos permite dimensionar o peso relativo daqueles listadoscomo negociantes pelo Governador da Capitania. Se na Comarca do Serro Frio,os negociantes representavam 40% do total de abastados da Comarca, emMariana e seus Termo, representavam apenas 6% do total da regio. Esta apro-ximao pode se constituir em elemento para ajudar a compor um perfil dosnegociantes porm, algumas consideraes devem ser feitas.

    Em primeiro lugar, seria importante verificar a possibilidade de, atravsde inventrios, produzir sries significativas da riqueza destes negociantes porregio. Um percentual maior de negociantes para a Comarca do Serro Frio emcomparao com as demais regies, no significa uma riqueza (comparativa-mente) maior daqueles negociantes em relao aos demais.

    Em segundo, mesmo que quantificaes possam definir com mais clare-za a riqueza destes negociantes, deve-se considerar o peso poltico dos mes-mos. Sabemos que na regio do Distrito Diamantino, ligada Comarca do SerroFrio, o controle sobre os negociantes era maior do que nas demais regies. Ouainda, aqueles que atuavam em Vila Rica estavam prximos ao centro da admi-nistrao da Capitania, o que poderia trazer implicaes na arrematao/execu-o de contratos e compra de cargos pblicos.

    Em terceiro, poderamos considerar quantificaes a partir no da divisoadministrativa da Capitania, como a considerada pelo Governador, mas realiz-las procurando comparar a presena destes negociantes nos espaos econmi-cos da Capitania17. Pesquisas envolvendo inventrios, registros (cobrana deEntradas e Passagens), entre outras, poderiam produzir resultados interessantes,por exemplo, em relao ao grau de especializao e riqueza por regio.

    No objetivo deste artigo traar um perfil dos negociantes da Capitaniade Minas Gerais mas salientar a necessidade de pesquisas que permitam me-lhor conhec-los. As pesquisas em torno dos contratadores so fundamentaispara tal propsito. Isto se deve ao fato, como j dito anteriormente, do estreitovnculo dos contratadores com a circulao de mercadorias. Entre diversos exem-plos, dois podem ser aqui arrolados. O primeiro nos remete cobrana dosdzimos que incidiam sobre a produo. O pagamento, no caso da pecuria, eracomumente feito com o prprio gado o que demandava do contratador terras,

    17 Ver sobre uma diviso de Minas Gerais em espaos econmicos. CUNHA, A. Men-des e GODOY, M. Magalhes. O espao das Minas Gerais: Processos de diferen-ciao econmico-espacial e regionalizao nos sculos XVIII E XIX. V CongressoBrasileiro de Histria Econmica, Caxambu: ABPHE, 2003. In: Anais Belo Hori-zonte: ABPHE.

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    Tabela 1 Relao de homens abastados da capitania de Minas Gerais (1756)

    Fonte: Relao de homens de negcio, mineiros e roceiros mais abastados, AHU- Cx.:70, Doc.: 41 Data: 25/7/1756, Cd 20.

    Tabela 2 Negociantes por regio (percentagem)

    Fonte: Relao de homens de negcio, mineiros e roceiros mais abastados, AHU - Cx.:70, Doc.: 41 Data: 25/7/1756, Cd 20.Foram includos no tabela aqueles que aparecem como negociantes mas,tambm, aqueles que aparecem como contratadores (3 em Vila Rica).

    Atividades Quantidade Percentagem Oficiais de Patente

    Minerao 455 48,61 % 127 / 64,79 %

    Comerciantes 226 24,15% 029 / 14,80 %

    Agricultura e Pecuria 157 16,77 % 024 / 12,24 %

    Ofcios e Profisses 018 1,92 % 001 / 0,51 %

    Abastados 003 0,32 % 002 / 1,02 %

    Outros 077 8,23 % 013 / 6,64 %

    Total 936 100 %

    Vila Rica e seu

    Termo

    Mariana e seu

    Termo

    Comarca do Rio

    das Velhas

    Comarca do Rio

    das Mortes

    Comarca do

    Serro Frio

    Negociantes 43 (28%) 11 (06%) 102 (20%) 27 (25%) 31 (40%)

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    para a criao, e a venda para a transformao do tributo em moeda e promo-ver a quitao junto ao errio rgio e a realizao do lucro no negcio. A co-brana que incidia sobre a agricultura era realizada pelo contratador de modo acoincidir com os melhores momentos para a venda atuando, portanto, de for-ma especulativa. O segundo envolve o pagamento das entradas de mercadori-as que se dirigiam s Minas. O controle dos registros nos quais cobrava-se otributo e, tambm, o controle dos contratos de passagens (no caso do CaminhoNovo, passagens do Paraibuna e Paraba) proporcionava aos negociantes o con-trole do comrcio no eixo Minas-Rio de Janeiro.18

    Os estudos que tm sido realizados acerca dos contratos rgios na col-nia demonstram que mesmo possuindo elementos em comum, diferenas re-gionais (no nos aspectos formais mas na ao dos contratadores) devem serconsideradas. Estas so decorrentes das particularidades econmicas e polticasdefinidoras da importncia dos contratos e da ao dos contratadores para cadaregio. Sucintamente, alguns exemplos: em So Paulo os dzimos constituam-se como o tributo de maior peso19 ; no Rio Grande, apesar de no suplantaremo dzimo, o tributo do quinto dos couros e do gado em p (especfico do RioGrande) e o contrato do muncio das tropas (fornecimento de mercadorias etambm especfico da regio) possuam destaque especial20; em Minas Gerais,devido intensa atividade comercial, os contratos que apareciam como demaior peso eram os das Entradas (incidia sobre a circulao de mercadorias).

    No caso de Minas Gerais, alm do tributo das Entradas, tinham importn-cia o dos Dzimos e o das Passagens (ver tabela 3). interessante lembrar que,alm dos contratos vinculados cobrana tributria, a extrao dos diamantes,apesar de suas especificidades, esteve atrelada aos contratadores at 1771 quandoPombal estabeleceu a extrao rgia.

    Outro exemplo para dimensionar a importncia dos contratadores estno negociante Joo de Souza Lisboa. Este, com indicaes de ser um dos mai-ores contratadores de tributos rgios em Minas Gerais durante o sculo XVIII,arrematou contratos (Entradas, Dzimos e Passagens) entre 1761-1765 no valortotal de 1.007:780$000 ris.21 O peso de tais contratos levou formao deuma sociedade composta de dois mineradores e dois detentores de sesmarias,

    18 Ver ARAUJO, op. cit.

    19 LYRA, Vianna, op.cit.

    20 OSRIO, Helen, op.cit.

    21 A respeito dos nomes dos contratadores de entradas, de dzimos e passagens, bemcomo os valores das arremataes at 1768, consultar REBELO, Francisco A. ErrioRgio de S.M.F. de 1768. (Org.) por Tarqunio J. B. de Oliveira. Braslia, Escola deAdministrao Fazendria/ESAF, 1976.

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    Tabela 3 Participao dos contratos na receita total (1725-1799)

    Fonte: Extrado e adaptado de: REZENDE, Fernando. A Tributao em Minas Geraisno Sculo XVIII. Seminrio sobre a economia mineira, Diamantina: CEDEPLAR,1983. In: Anais Belo Horizonte: Cedeplar/Face/UFMG, p. 120.

    Participao na Receita Total Percentagens

    1725 1740 1755 1770 1785 1799

    Quinto do Ouro 74,0 65,5 58,0 57,4 58,0 50,0

    Entradas Dzimos Passagens

    26,0 23,5 28,0 24,6 42,0 50,0

    Quinto dos Diamantes ... 11.0 14,0 18,0 ... ...

    Arrecadao total (em mil ris)

    692.561 1.232.713 979.341 788.367 463.177 395.824

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    encabeada por Joo de Souza Lisboa. Neste perodo, esta sociedade pratica-mente monopolizou a cobrana tributria em Minas Gerais (exceto o que en-volvia a cobrana do quinto do ouro). Alm disto, arremataram tambm a co-brana das Entradas de So Paulo, Gois e Mato Grosso. Alguns dos maiorescontratadores de Minas Gerais foram Joo Fernandez de Oliveira (Diamantes eDzimos), Joo de Souza Lisboa (Entradas, Dzimos e Passagens), Joo Rodriguesde Macedo (Entradas e Dzimos) e Manuel Ribeiro dos Santos (Dzimos e Passa-gens). Ver quadro 1.

    As pesquisas em torno da arrematao de contratos devem levar emconsiderao uma particularidade em relao as passagens dos rios caudalo-sos. Os contratos de passagens muito vezes eram arrematados por potentadoslocais e no somente por grandes negociantes da Capitania ou de Portugal. APrimeira arrematao do contrato de passagens da Comarca do Rio das Mortesfoi do Frei Francisco de Menezes, que esteve envolvido nos embates entrepaulistas e emboabas, atuando como procurador destes ltimos.22 Ou ainda, ocaso de Joo Toledo Pisa e Castelhanos, morador na Freguesia de Campanhado Rio Verde23 , que arrematou contratos de passagens do Rio Grande entre1717-1731 e 1735-1738.

    A temtica em torno da circulao (mercadorias e dinheiro) e da cobran-a de tributos nos leva a colocar como questo importante o debate em tornodas prticas de crditos, intensas na economia colonial, e acerca da acumulaode capital. Estas nos remetem s discusses sobre a existncia de uma acumu-lao endgena de capital.24

    Braudel ao abordar no contexto europeu as atividades comerciais, defi-nia o crdito como uma das principais molas do comrcio. Ferramenta indis-pensvel ao mercador, afirmando que do pequeno lojista ao negociante, doarteso ao fabricante, toda a gente vive o crdito, isto , da compra e venda aprazo (...). Todo o sistema mercantil depende disso.25

    Segundo Antnio Juc26 , analisando a economia mineira, a explicao

    22 AHU - Cx: 1, Doc: 17, Data: 23/11/1709.

    23 CASADEI, Antnio. Notcias histricas da cidade da campanha: tradio e cultu-ra. Niteri: Servios Grfs. Impar, 1987, pp. 16-7).

    24 FRAGOSO, Joo Lus R. Homens de grossa ventura: acumulao e hierarquia napraa mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,1992.

    25 BRAUDEL, Fernand. Civilizao material, comrcio e capitalismo nos sculosXV-XVIII. Tomo II. O jogo das trocas. Lisboa: Teorema, [sd], p. 338-9.

    26 SAMPAIO, Antonio Carlos Juc de. Crdito e circulao monetria na Colnia: ocaso Fluminense, 1650-1750. V Congresso Brasileiro de Histria Econmica.Caxambu: ABPHE, 2003.

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    Quadro 1 Contratos de dzimos e entradas no perodo de 1741-1782

    Fontes: REBELO, Francisco A. Errio rgio de S. M. F. de 1768. (Org.) Tarqunio J. B. deOliveira. Braslia, Escola de Administrao Fazendria/ESAF, 1976; Carta deLus da Cunha Menezes, Governador de Minas Gerais, ao Secretrio de Estadoda Marinha e Ultramar, com a relao das dvidas para com a Fazenda Real deMinas. Contm valores das arremataes at 1786 (AHU/MG Cx.: 121 Doc.: 19 Cd.: 35), e MADEIRA, Mauro de Albuquerque. Letrados, fidalgos econtratadores de tributos no Brasil colonial. Braslia: Coopermdia, Unafisco/Sindifisco, 1993, p. 133.

    DZIMOS Ano Contratador Preo 1741 Manoel Ribeiro dos Santos 312:376$470 1744 Manoel Ribeiro dos Santos 276:113$430 1747 Manoel Ribeiro dos Santos 276:113$430 1750 Joo de Souza Lisboa 276:307$350 1753 Joo de Souza Lisboa 195:065$540 1756 Joo de Souza Lisboa 216:129$090 1759 Joo Fernandes de Oliveira 231:173$040 1762 Joo de Souza Lisboa 233:930$340 1765 Real Fazenda 1768 Ventura Fernandes de Oliveira 192:146$044 1774 Pedro Luiz Pacheco 190:235$541 1777 Joo Rodrigues de Macedo 395:378$957

    ENTRADAS Ano Contratador Preo 1742 Francisco Gomes Ribeiro 523:613$490 1745 Jorge Pinto de Azevedo 573:158$535 1748 Francisco Ferreira da Silva 573:054$000 1751 Jos Ferreira da Veiga 617:999$000 1754 Jos Ferreira da Veiga 617:999$000 1757 Real Fazenda 1759 Domingos Ferreira da Veiga 593:083$815 1761 Joo de Souza Lisboa 595:112$400rs 1765 Real Fazenda 1768 Ventura Fernandez de Oliveira 476:424$000 1774 Real Fazenda 1776 Joo Rodrigues de Macedo 766:726$612 1782 Joaquim Silvrio dos Reis 355:612$000

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    para a intensidade das prticas de crdito expressa nos sistemas de conta-cor-rente, decorria da escassez de moeda em Minas Gerais e pela constatao deque a moeda circula num s sentido, ou seja, das reas mineradoras para o Riode Janeiro, ou melhor dizendo, para a elite mercantil carioca. A tendnciaseria de um monoplio do dinheiro nas mos dos comerciantes do Rio deJaneiro e de Portugal.

    Juc, entre outros argumentos27 , destaca um documento citado por JniaFurtado28 que se constitua em alvar rgio que buscava limitar o seqestro dasfbricas de minerar empregadas na minerao. O documento, da dcada de1730, faz meno aos homens de negcio (credores) do Rio de Janeiro, Bahia,Pernanbuco e Lisboa. Assim, conclui o autor:

    Tal documentao aponta para o fato de que, ao contrriodo que se imagina (e se afirma) havia de fato uma grandecarncia de numerrio em Minas, causada peloendividamento dos mineradores com os comerciantes. Maisainda, mostra que h uma drenagem constante do nobremetal amarelo para outras capitanias, s quais Minas en-contra-se comercialmente subordinada.

    29

    Na dcada de 1750, uma nova lei procurando limitar o seqestro defbricas de minerar foi lanada, demonstrando um quadro semelhante ao co-mentado anteriormente de elevado grau de endividamento dos mineradores.Conhecida como Lei da Trintena (13 de dezembro de 1752)30 , limitava aexecuo de bens dos mineradores com mais de trinta escravos. Esta lei gerouuma srie de peties de homens de negcios e mineradores Coroa, com

    27 Entre os argumentos importantes do autor, apesar de reconhecer lacunas, esto osinventrios, analisados por Carla Almeida, das comarcas do Rio das Mortes e VilaRica para o perodo de 1750-1822, que acusam uma pequena participao dedinheiro e metais preciosos no valor total dos inventrios. Tanto a autora, quantoJuc, reconhecem haver um certo grau de omisso desse tipo de bem nos invent-rios. Apud ALMEIDA, Carla Maria de Carvalho. Homens ricos, homens bons:produo e hierarquizao social em Minas colonial, 1750-1822. Niteri: UFF,2001 (Tese de doutorado).

    28 Transcrio da segunda parte do cdice 23 da Seo Colonial. Apud FURTADO,Jnia. Homens de negcio: a interiorizao da metrpole e do comrcio nasMinas Setecentistas. So Paulo: Hucitec, 1999. p. 120-121.

    29 SAMPAIO, op. cit.

    30 Sobre a Lei da Trintena a diversas fontes. Entre outras cf. AHU/MG Cx.: 67 Doc.:48 Cd.: 19.

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    diversidade de interpretaes decorrentes de interesses conflitantes. A pressoexercida pelos negociantes resultou numa carta rgia de 25 de maio de 175331que limitava o privilgio dos mineiros s dividas contradas aps o decreto doano anterior e impedia a execuo nas fbricas de minerar, permitindo, con-tudo, a cobrana das dvidas anteriores ao decreto e a execuo de demaisbens dos mineradores.

    A questo a ser abordada que os reclamantes em relao a esta lei(identificados nesta pesquisa) foram contratadores de tributos e grandesmineradores residentes (porm portugueses de origem) em Minas Gerais. Umdos mais insistentes reclamantes Coroa acerca dos abusos cometidos pelosmineiros, a partir da divulgao da lei, foi Joo de Souza Lisboa, grande contratadorde tributos residente em Vila Rica.

    A carta rgia de 25 de maio no foi o suficiente para colocar um fim aoconflito. Joo de Souza Lisboa, em petio de 21 de janeiro de 1758, reclamava:

    (...) V. Majestade foi servido mandar promulgar um decre-to expedido em 13 de fevereiro do ano de 1752, pelo qualconcede o indulto aos mineiros para que os seus credoresos no possam executar pelas suas dvidas em nada dosseus bens, seno to somente na tera parte dos lucrosdas suas lavras; cujo decreto est em sua devida observn-cia: mas os mineradores abusando da merc de V. Majes-tade se valem do mesmo Decreto para no pagarem asdvidas contradas antes da sua promulgao, tudo em danode seus credores com referido pretexto, e como ao supli-cante se lhe deve grande cabedal que no pode cobrar pornenhum princpio, (...).

    32

    Os resultados mais notrios desse quadro foram os abalos no sistema decrdito praticado na capitania e uma srie de distores na interpretao da leisem resultados eficazes em relao ao aumento da produo aurfera, principal

    31 ZEMELLA, op. cit., 159.

    32 AHU/MG Cx.: 73 doc.: 05 Cd.: 21.

    33 ZEMELLA, citando Teixeira Coelho comenta algumas destas distores. Como a leiprotegia os mineradores com mais de trinta escravos, muito deles, endividados,compravam escravos velhos para completarem o nmero de trinta escravos, furtan-do-se do pagamento das dvidas sem resultar a medida em aumento da produo.Por outro lado, os mineradores dependiam do crdito dos comerciantes para aaquisio de escravos, ao, plvora e ferro, crdito este que cessa com a Lei daTrintena, comprometendo ainda mais a extrao aurfera.

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    objetivo da Coroa33 . Fica clara a condio de Joo de S. Lisboa como credor demineradores na poca em que iniciava sua atuao como contratador de dzimos.

    Outro reclamante em relao dita lei, foi Manoel Dias da Costa. Veja-mos o fragmento abaixo de 4 de abril de 1753.

    Dizem Manoel Dias da Costa e outros Mineiros, moradoresnas Minas Gerais, com fbricas grandes de Minerar, que porDecreto de 19 de Fevereiro de 1752, (...) e sendo os su-plicantes credores de avultadas quantias de dvidas contra-das antes do dito decreto, tendo j execuo contra osseus devedores, tem experimentado nelas embarao, eum grande prejuzo (...).

    34 [grifos meus]

    O que mais chama ateno neste documento a autoria ser de mineiroscom fbricas grandes de minerar, isto , grandes mineradores que se posicionamcontrrios lei de 1752, em razo de estarem na condio de credores deoutros mineiros. Tambm significativo que Manoel Dias da Costa, que apare-ce como grande minerador, foi mais tarde scio de Joo de Souza Lisboa naarrematao de contrato de dzimos (1756-1759). As indicaes, neste caso,so que a condio de usurrio atuando em Minas Gerais no era exclusividadedos grandes negociantes do Rio de Janeiro e Lisboa.

    A questo a ser colocada, mesmo considerando que parcela significativado ouro era acumulada fora de Minas Gerais, se podemos falar num grupo denegociantes residentes na regio da minerao que conseguia acumular fortu-nas com seus negcios mercantis, usurrios e de arrematao de contratos eque, pelo menos parte desta fortuna, proporcionaria uma acumulao endgenade capital. Dito em outros termos, uma parcela da riqueza gerada pela econo-mia de Minas Gerais circulava internamente e aqui permanecia.

    As pesquisas em torno de contratadores como Joo de Souza Lisboamostraram tratar-se de um negociante que, apesar de ficar devendo mais de300:000$000 ris Coroa relativos ao valor da arrematao, constitua-se ho-mem abastado e influente na capitania. A Construo da Casa da peraem Vila Rica, concluda em 1770, custou-lhe dezesseis mil cruzados(6:400$000 rs.)35 . Joo Rodrigues de Macedo, contratador de Entradas eDzimos, construiu uma suntuosa casa em Vila Rica que, posteriormente,veio a abrigar a Casa dos Contos.

    O mesmo Joo de Souza Lisboa, no livro Conta Corrente de sua CasaComercial36 , lanou crditos que totalizaram 109:053$833 ris. Tais crditos

    34 AHU/MG Cx.: 62 Doc.: 2 Cd.: 18.

    35 Copiador de Cartas a Joo Batista de Carvalho. Coleo Seo Colonial APM Cdice 1206.

    36 Coleo Casa dos Contos do Arquivo Pblico Mineiro Cdice 1387.

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    envolviam emprstimos a dinheiro, venda de mercadorias e dvidas relativas acontratos de dzimos. O total de recebimentos totalizou 80:959$530 ris, re-sultando em saldo negativo de 28:094$303 ris. Devemos, entretanto, consi-derar que as transaes escrituradas no Livro Conta Corrente no correspondemnecessariamente a todas as transaes realizadas pelo negociante. Era comum,e tem sido assim at a atualidade, negociantes esconderem informaes epautarem muitos de seus negcios em critrios de confiana. Os sinais deriqueza devem ser buscados no apenas atravs dos livros contbeis.

    No inventrio37 de Joo de Souza Lisboa, datado de 1780, dois anosaps a sua morte, contm, entre outras, a afirmao de que o falecido gastoudesse tempo, te o em que falleceo nos excessos, mais de secenta, ou setenta[mil cruzados]38 . Faz meno tambm construo da Casa da pera pelonegociante.39

    Consta do mesmo documento que arrematou o ofcio de escrivo daouvidoria da Comarca de Sabar em sociedade com Antnio Vieira de Brito ecom Dr Jernimo Manuel de S e Souza (residente no Rio de Janeiro).

    Talvez uma das maiores dificuldades em relao ao dos contratadores(e negociantes em geral) seja identificar as taxas de juros praticadas por estesnegociantes. A prtica do crdito era intensa tambm nos pagamentos das En-tradas e Dzimos. Pelo Alvar de 17 de Janeiro de 1757, as taxas de juros aserem praticadas nas terras portuguesas estavam limitadas a 5% aa. Vejamos umfragmento do alvar:

    [...] que sendo-me presentes as excessivas usuras, que al-gumas pessoas costumo levar do dinheiro, que emprestoa juro, e a risco para fora do Reino, (...).Sou servido ordenar, que nestes Reinos, e seus domnios,se no possa dar dinheiro algum a juro, ou a risco, para aterra, ou para fora della, que exceda o de cinco por centocada anno; prohibindo igualmente o o (sic) abuso pratica-do por alguns homens de negocio, de darem e tomaremdinheiro de emprstimo com o interesse de um por centocada mez [grifo meu].

    40

    37 Coleo de avulsos da Coleo Casa dos Contos do Arquivo Pblico Mineiro,planilha 20024, rolo 523, mf 0905.

    38 60.000 cruzados = 24:000$000 rs / 70.000 cruzados = 28:000$000 rs.

    39 Sobre a riqueza deste contratador conferir ARAUJO, op. cit.

    40 Ordenaes Filipinas On-line. http://www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/L4PA1044.HTM.

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    Alm de estabelecer um limite a ser cobrado nas aes de emprstimos,o legislador afirma ter conhecimento da prtica de abusos pelos homens denegcio com prticas de juros que chegavam a 12 % aa. O alvar se refere anegociantes do Reino que praticavam excessivas usuras e podemos imaginarque nos domnios de ultramar tais prticas no deveriam ser diferentes.

    Outra questo importante relativa aos negociantes que estavam envolvi-dos na arrematao de contratos, diz respeito aos espaos de negociao nocontexto de um imprio lusitano. Alguns pontos podem ser relacionados comocaminhos para investigaes. Em primeiro lugar, os espaos polticos formaisestabelecidos pela Coroa. Neste caso as pesquisas devem envolver as articula-es, conflitos e negociaes polticas dos residentes na colnia com rgoscomo o Conselho Ultramarino em Lisboa e como as Provedorias da Fazendanas Capitanias. Alm de considerar estes organismos rgios, devemos tambmpensar as Cmaras Municipais como instncia de representatividade local.

    Em segundo, as pesquisas devem procurar desvendar as articulaes in-formais de negociao. Aqui as redes formadas pelos negociantes despontamcomo um importante mecanismo de controle de negcios que envolviam demonoplios sobre determinados mercados at a arrematao de tributos rgi-os.41

    Durante o sculo XX, foi hegemnica na historiografia brasileira umaviso que privilegiou em suas pesquisas os elementos que envolviam os antago-nismos entre a metrpole e a colnia. Expresses como explorao, domina-o, subordinao e extrao de excedente colonial, entre outras, constituram-se como elementos principais das pesquisas histricas.

    A historiografia mais recente tem procurado desvendar elementos quenos remetam, entre outros aspectos, aos limites de ao do absolutismo (emetrpoles) e aos espaos de negociao em vastos imprios como o portugu-s. Russel Wood, na busca de compreender as relaes polticas que envolviamo centro e as periferias do Imprio, utilizou o conceito de autoridade negocia-da.42 Segundo o autor as aes que a metrpole lusitana estabeleceu na Am-

    41 LAMAS, Fernando Gaudereto. Os contratadores e o Imprio colonial portugus:um estudo dos casos de Jorge Pinto de Azevedo e Francisco Ferreira da Silva.Dissertao de Mestrado. Niteri: UFF, 2005.

    42 Sobre o conceito de autoridade negociada, ver RUSSEL-WOOD, J. A. R. Centro ePeriferia no mundo luso-brasileiro, 1500-1808. (Revista Brasileira de Histria), v.18, n. 36. So Paulo, 1998, p. 187-250. O conceito deriva dos estudos de J.Greene sobre as relaes centro-periferia no Imprio Ultramarino Britnico. Cf.GREENE, Jack, Negotiated Authorities. Essays in Colonial Political andConstitutional History. Charlottesville and London: University Press of Virginia,1994.

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    rica portuguesa para assegurar o controle administrativo tinham eficcia limita-da. Tais limites seriam resultantes de circunstncias materiais de existncia (como,por exemplo, a distncia do centro em relao periferia, a precariedade dasformas de comunicao e a demografia) bem como de fissuras no sistemadecorrentes de diversos elementos, entre outros, de polticas mal concebidas einconsistentes da Coroa em relao colnia e do malogro em reconhecer ocarter singular do Brasil.

    Para R. Wood, no sculo XVIII, em especial, tais limites ficam claros como aparecimento de elites coloniais (comerciantes e fazendeiros) que alm deacumularem capitais diversificavam seus investimentos com vistas a atenderemseus interesses. Este quadro de relativizao da capacidade de controle metro-politano se completa com o crescimento das relaes entre o Brasil, enquantoperiferia, com outras periferias do Imprio como, por exemplo, aquelas en-volvendo o trfico de escravos com a frica. Enfim, as relaes existentesno Imprio lusitano passavam no apenas por relaes de subordinaomas tambm por prticas de negociao envolvendo a Coroa, autoridadesrgias e colonos.

    A discusso em torno da aplicabilidade deste conceito para o contextohistrico do Imprio portugus, possui mltiplas implicaes que passam pordiscusses em torno de aspectos formais e informais. No inteno nesteartigo abarcar estas mltiplas implicaes mas, levantar alguns pontos que bro-taram em torno da pesquisa sobre a ao do contratador Joo de Souza Lisboae buscar alargar a discusso visando novas pesquisas.

    No AHU/MG, podemos encontrar diversos documentos contendo quei-xas dirigidas ao Rei pelas Cmaras das Vilas relativas s vexaes e extor-ses imputadas pelos contratadores, principalmente os de dzimos, atravsdos quais possvel identificar caminhos de enriquecimento dos contratadores,respaldados na sua condio poltica de agir como Fazenda Real. Dito emoutras palavras, a poltica parece ser o caminho privilegiado que proporciona aestes negociantes a acumulao de riquezas.43

    No Perodo entre 1749 e 1755, perodo que abrange o final do terceirocontrato de dzimos de Manoel Ribeiro dos Santos e o primeiro e segundocontratos de dzimos de Joo de Souza Lisboa, foi encontrada na documentaodo AHU/MG uma srie de documentos envolvendo cartas e requerimentos dasCmaras de Minas Gerais contra a ao dos contratadores.

    As reclamaes partem da Cmara de So Jos (Comarca do Rio dasMortes), de Sabar e da Vila do Prncipe, sendo que, neste ltimo caso, en-

    43 J na dcada de 1740, as Cmaras apresentavam a queixa dos povos contra acapitao, que foi extinta com a implantao do sistema de cobrana do quintoatravs das Casas de Fundio. Cf. CARRARA, Introduo, op. cit., p. 13.

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    volvendo as regies de Paracatu e Catas Altas. As reclamaes so praticamenteas mesmas com pequenas diferenas de uma para outra comarca.

    Vejamos alguns exemplos. Em carta da Cmara de So Jos, datada de05 de maio de 1749, os camaristas, que representam o povo da regio,dirigem as queixas aos contratadores de dzimos. A queixa se refere demorados avenadores na cobrana do dzimo. Os avenadores deveriam faz-lo apscada colheita. Segundo os queixosos, deixavam de recolher o dzimo no primei-ro e segundo anos, somente no terceiro executando a cobrana. Esta reclama-o aparece em cartas de 1749 e 1755.

    Vejamos a transcrio de uma carta da Cmara de So Jos, datada em22 de setembro de 1749:

    Sendo to justo como Direito Divino o pagamento dosDzimos e a tudo com que V. Majestade os cobra, tal oexcesso dos executores e contratadores deles e to odiosaa vexao que os Povos experimentam, que receamos sejao sacrifcio menos aceito que o do Justo Abel e (...).Por obrigar o contratador a avenarem-se os Roceiros dei-xando recolher os frutos do primeiro e segundo ano semvirem dzimos, depois os constrange a aceitarem o partido,ou ir dar rol e jurar o q colheram (?) perante o D

    r Provedor

    da Fazenda Real, metem louvados (...) deste, e docontratador e por seus laudos se julga (...).

    44

    A reclamao dos produtores se volta para a demora na cobrana e naexigncia que os contratadores faziam dos roceiros para aceitarem o valor daavena ou irem a Vila Rica declarar o valor ou contestar o contratador. Estasituao resulta uma srie de danos aos roceiros. Um primeiro, do fato deterem que armazenar parte da produo destinada ao dzimo, acarretando per-das pela ao de pragas ou at mesmo dos salteadores. Um segundo, na via-gem onerosa at Vila Rica, local para resoluo das pendncias no resolvidasatravs da avena.45 Em representao da Cmara de Sabar, datada de 11 denovembro de 1754, as mesmas queixas aparecem com o agravante de que

    quando se resolvem os mesmos lavradores a comparecerem V Rica, assim que nela so vistos, desistem oscontratadores do juramento pedido, e os citam para outraao por frustarem a viagem e continuarem a molstia atos lavradores lhe darem o que pretendem aqueles (...).

    46

    44 AHU/MH Cx.: 53 Doc. 69 Cd.: 16.

    45 AHU/MG Cx.: 67 Doc.: 48 Cd.: 19.

    46 AHU/MH Cx.: 66 Doc.: 28 Cd.: 19.

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    Pelo que se depreende dessas queixas, pode-se imaginar um quadro decoero do excedente por parte dos contratadores, junto aos produtores, utili-zando-se da condio privilegiada de brao do Estado, isto , de poder agircomo Fazenda Real.

    A anlise das correspondncias do contratador confirmou os vrios me-canismos de extorso por eles utilizados dos quais as Cmaras reclamavam. Asqueixas das Cmaras no foram atendidas e os contratadores favorecidos com amanuteno de seus privilgios

    Na mesma carta de 1749, acresce outra abominvel iniqidade doscontratadores dizimeiros, segundo os camaristas. Segundo o documento, oscontratadores e ramistas (ou caixas) se utilizam da condio privilegiada para acobrana de dvidas prprias e alheias sem vnculos com os dzimos. Muitasvezes os ramistas nos pagamentos, e afetando-o, pagam ao caixa com crditosde devedores de distantes comarcas e dvidas de diferente natureza. Efetuar acobrana de dvidas alheias ao contrato era proibido, como podemos identificara partir do fragmento abaixo.

    E por que outros privilgios ou ramos comprados sofraudulosamente conseguidos contra a Ordem, e Regimentoda Faz

    da de V. Maj

    de, que s permite Juiz privativo nas cau-

    sas em que os contratadores forem R.R. [rus] e no queforem A.A. [autores] ou se R.R. sobre as Rendas e cobra-rem Rendeiros dividas alheias proibido por uma Lei do S

    r

    Rei D. Joo IV, requerida em ato da cortes.47

    Neste fragmento, alm da reclamao contra o fato de os contratadoresno fazerem distino entre as dvidas procedentes dos contratos e dvidasparticulares, nota-se uma outra presente em todos as cartas e requerimentosdos queixosos, que condio, prevista em contrato, do contratador, caixas eramistas terem juiz privativo em todas as causas que os envolver, como rus ouautores. Atuando como Fazenda Real, podendo citar os produtores, e tendo oprivilgio de juiz privativo, o pblico e o privado se misturam. Neste caso, nose distingue o espao pblico da cobrana do dzimo, destinado, em tese, sustentao do clero e templos, com o espao do privado que so as relaesde crdito entre o negociante e produtores.

    A indistino entre o pblico e o privado, que aparece no livro contacorrente, e na qual a origem do crdito concedido pode ser decorrente dodzimo ou de um emprstimo para a realizao de uma festa religiosa, conti-nuidade de uma prtica do negociante envolvido no mundo dos contratos.

    47 AHU/MH Cx.: 53 Doc. 69 Cd.: 16.

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    Como ltimo exemplo que refora a idia desta via poltica doscontratadores como forma de enriquecimento, um documento de FranciscoFerreira da Silva, ex-contratador de diamantes e de entradas. Constitui numasrie de Reflexes sobre a arrematao dos contratos dos Diamantes, datada de1753, e que em determinado trecho faz comparaes das vantagens dosdizimeiros em relao aos contratadores de diamantes.

    Os contratos das entradas das Minas, e o dos Dzimos dela,que no tiveram semelhante liberdade; porm tiveramcomo suponho ainda tem o privilgio executivo, e sendoeste para a execuo das dvidas, que procedem dos mes-mos contratos, de tal sorte tem usado dele alguns de seuscontratadores que passaram a executar dvidas particularescom o mesmo privilgio, rebatendo nas obrigaes delas50, e mais por cento que se mandaram executar comoFazenda Real citando os devedores de 100, 200 lguaspara ir responder no Juzo da Fazenda Real de Vila Rica,onde fazem as execues dos bens penhorados, ainda quesejas naquelas dilatadas distncias, rematados muita vezespor menos de 10, a 20 partes do seu valor; por que naque-la Vila Rica ningum que rematar bens em to longe dis-tncias no que os contratadores multiplicam muitas vezesos principais das dvidas deixando perdidos de todo os taisdevedores com o diminuto preo por que se lhe rematamos seus bens (...).

    48

    As palavras de Francisco Ferreira da Silva tm por objetivo defender umamaior liberdade para os contratadores de diamantes na comercializao daspedras. Na comparao que faz entre os contratos de diamantes e os de entra-das e dzimos chega ainda a afirmar que bastaria a um contratador de dzimos ocontrato de um trinio, ainda que nele no ganhe coisa alguma49, para seutilizar do privilgio executivo e se enriquecer.

    48 AHUMG Cx.: 63 Doc.: 77 Cd.: 18.

    49 O autor questiona a falta de liberdade do contratador de diamantes a partir da leide 11 de Agosto se probe poder contratar neste reino ou seus domnios Diamantesbrutos, vindos fora dos cofres, inibindo os vassalos, (...). Para ele a falta de liberda-de somente levava ao contrabando que, segundo ele, do Serro, destinava-se aosPortos da Bahia e Pernambuco e dali para a Costa da Mina e dela para Holanda,Inglaterra, Frana e Amburgo. Por Montivideo para a Espanha e Mato Grosso eCuiab para Caiena e da para a Frana.

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    Percebemos neste exemplo que um conflito envolvendo interesses daCoroa, dos Contratadores e dos produtores da Capitania, que passaria pelomecanismo formal do direito das Cmaras de se reportar ao Rei com suasqueixas, foi resolvido no pela via da negociao mas da simples imposio dasregras envolvendo a respectiva cobrana dos dzimos e favorecendo oscontratadores.

    Por outro lado, o mesmo contratador, Joo de Souza Lisboa, juntamentecom seus scios, quando no pagarem os valores relativos a arrematao doscontratos que assumiram na dcada de 1760 (Entradas, dzimos e passagens) e,portanto, no cumprindo as regras relativas aos mesmos, tiveram por parte daCoroa uma postura branda e de negociao.

    Vejamos resumidamente o caso. Janeiro de 1762 marca o incio da admi-nistrao do contrato de entradas da Capitania de Minas Gerais, arrematadopelo Coronel Joo de Souza Lisboa. Em 30 de abril do mesmo ano, tropasespanholas invadiram a provncia portuguesa de Trs-os-Montes. Comeou aGuerra Ibrica50 , que em todo o processo,51 envolvendo o no pagamentodos valores das arremataes, apresentada pelos contratadores como razoprincipal da queda da arrecadao. No tenho a data precisa da priso doscontratadores e seqestro de seus bens, entretanto, considerando as informa-es contidas no processo, isso deve ter ocorrido no primeiro semestre de1763, quando da chegada da frota ao porto do Rio de Janeiro e que deveria

    50 A Guerra Ibrica se insere no contexto da Guerra dos Sete Anos (1756-1763),envolvendo a Frana e Espanha contra a Inglaterra. J no incio da guerra, um doselementos favorveis Inglaterra no confronto naval era o acesso da frota inglesaaos portos lusitanos no Atlntico. A partir de 1762, a Frana e a Espanha pressio-nam Portugal para aderir aliana que formavam, conhecida como Pacto deFamlia. Portugal afirma a vontade de se manter neutro no conflito mas e tambmde manter os compromissos que tinha com a Inglaterra, o que levou a ao deguerra da Espanha. Em setembro de 1762, chega ao Brasil a notcia da guerra. Noconfronto na rea colonial, a Espanha apossou-se de Sacramento, Vila de SoPedro e praas forte no Rio Grande. Dois lugarejos no Mato Grosso, Santa Rosa eItenez de Moxos, foram tomados por Portugal. Em fevereiro de 1763, concluiu-seem Paris a paz entre os beligerantes. As informaes sobre a guerra foram buscadasIn: CARNAXIDE, Antnio de Souza Pedrosa, Visconde de. O Brasil na administra-o pombalina: economia e poltica externa. Coleo Brasiliana. Braslia: Ed.Nacional, 2. ed., 1979, cap. IV As Grandes Despesas.

    51 O processo, longo e rico em informaes acerca do tributo das entradas, pertenceao acervo do AHU/MG Cx.: 124 Doc.: 08 Cd.: 35.

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    conduzir uma parcela do pagamento do contrato de entradas. A ordemrgia para a soltura dos contratadores somente foi estabelecida em 23 dedezembro de 1774.52

    Segundo a argumentao dos contratadores, a guerra provocou um per-odo de 15 meses sem o ingresso de mercadorias (escravos, secos e molhados)no Rio de Janeiro, o que teria resultado em uma perda no contrato com adiminuio do fluxo de mercadorias para a Capitania de Minas Gerais. Comoagravantes que contriburam para a dita perda, a deciso do Conde de Bobadela,proibindo a sada do de sal, plvora e comestveis do Rio de Janeiro para MinasGerais, em razo do conflito e, a deciso rgia no mesmo ano, proibindo oingresso de Bestas muares em Minas Gerais vinda do Rio Grande e colnias deCastela, o que resultou em prejuzos no registro do Caminho Velho. O menormovimento, no eixo Rio de Janeiro Minas Gerais, teria afetado tambm aarrecadao nas passagens do Paraibuna e Paraba. Segundo Joo de Souza Lis-boa, a perda total decorrente do conflito e da proibio de ingresso de bestasmuares em Minas Gerais totalizou 131:680$505 ris.53

    No parecer da Provedoria da Fazenda Real de Vila Rica, com data de 23de junho de 1768, so apresentados esclarecimentos relativos ao caso de Joode Souza Lisboa. De imediato, questiona-se a confiabilidade dos documentosdos registros por serem todos destitudos das rubricas que deviam ter dosMagistrados respectivos.54

    Em seguida, analisando a queda dos rendimentos constantes nos livros, ealegada pelos contratadores, reconhece-se como correta a argumentao deperdas no registro do Caminho Novo, ante a ausncia de frotas e de mercado-rias, por 15 meses. A queda de rendimento no registro do Caminho Velhoentende ser de to pouca considerao como se evidenciam nos documentosapresentados. Acha o Provedor difcil atender aos contratadores em relao sperdas no contrato dos dzimos pela falta de clareza nos documentos.

    Completando o parecer da Provedoria, aparece a sugesto de que emrazo da elevada dvida dos contratadores, a melhor forma de quit-la

    (...) permitindo-lhes a dita graa e continuando na admi-nistrao deles e no giro do negcio de que se entertem

    52 O inventrio dos bens seqestrados a Joo de Souza Lisboa pela Fazenda Real,consta do Catlogo do acervo Casa dos Contos do Arquivo Nacional. Por ser umadocumentao ainda em processo de organizao, no foi possvel encontrar oinventrio.

    53 (AHU/MG Cx.: 124 Doc.: 8 Cd.: 35). Informaes retiradas do processo, jmencionado,envolvendo as dvidas dos contratos de Joo de Souza Lisboa. Estedocumento totalizou, aps a transcrio, um total de 80 pginas.

    54 Idem.

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    (sic), quintando-lhes consignaes proporcionadas as suasforas e fiadores para em anos competentes se aliviaremda exorbitante dvida em que se acham (...)

    55

    No Relatrio do Conselho Ultramarino, de 17 de novembro de 1768,aps uma exposio do caso, afirma o Conselho

    Os suplicantes Senhor so uns homens de negcio honra-dos moradores naquele continente das Minas Gerais, ondeh muitos anos louvavelmente se empregam nas negocia-es a estabelecidas, servindo de grande utilidade a RealFazenda, pois cada um tem metido muitas arrobas de ouropara a Casa de Fundio, e por num caso deste se acham(?) a runa de suas casas e famlias, a no serem redimidosprontamente por V. Maj como o caso pede (...).

    56

    Ao trmino do relatrio, solicita-se ao Rei ampliar o tempo para queos contratadores possam pagar suas dvidas com a Fazenda Real. A partirdesse momento, aparece uma srie de relatrios que sugerem a cobranade forma branda da dvida dos contratos. Em documento de 5 de agosto de1772, o Marqus de Pombal ordena Provedoria da Fazenda Real da Capi-tania de Minas Gerais fazer exigvel a cobrana das ditas dvidas pelosmeios mais suaves.57

    Chama a ateno um aspecto em relao ao caso. As argumentaesque levaram suavidade da Coroa no trato da questo. Trs argumentosaparecem no processo. O primeiro a condio de homens de negcio hon-rados, aos quais deveria ser dado um tratamento privilegiado, a fim de conti-nuarem com seus negcios. O segundo, apesar de questionada pelo provedora credibilidade dos livros dos registros, o reconhecimento da queda da arreca-dao em razo da guerra. O terceiro a priso rigorosa dos contratadores quelevava diminuio do interesse pela arrematao dos contratos rgios na Capi-tania, o que de fato deve ter ocorrido.

    importante destacar que o negociante Joo de Souza Lisboa estavaarticulado numa rede que envolvia grandes mineradores (Joo Siqueira, ManoelDias da Costa, entre outros), detentores de vultosos cabedais, e negociantes,procuradores e fiadores da praa de Lisboa (Joo Batista de Carvalho, Jos daSilva Ribeiro e Joo da Costa Carneiro), entre os quais a nobilitao (ingressonos corpos de ordenana e obteno do Hbito de Cristo) aparece em desta-

    55 Idem.

    56 Idem.

    57 Idem.

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    que. Neste caso a negociao fica patente e envolve negociantes com articula-es em Lisboa e nobilitados. Falar em negociao nas Minas Gerais, significadefinir com melhor clareza no apenas os instrumentos formais (Cmaras,Provedorias, etc) e informais (redes de negociantes, laos de parentesco etc)de ao poltica mas, tambm as estruturas e hierarquias sociais definidoras damesma ao poltica. Nos exemplos citados, enquanto a negociao foi poss-vel para os negociantes envolvidos em grandes contratos de tributos, para osprodutores, representados pelas Cmaras, foi destinada a simples obedincia lei.

    Por ltimo, em relao a existncia de uma autoridade negociada, cabedefinir, no tocante a aplicao deste conceito realidade colonial brasileira, oslimites desta negociao. Se possvel identificarmos autoridades rgias nego-ciando com os residentes na colnia, nela nascidos ou no, buscando solucio-nar conflitos, caberia questionar a existncia de uma negociao na definiodos ocupantes dos principais cargos da administrao e na definio das linhasmestras de atuao metropolitana em relao ao Brasil. As pesquisas em anda-mento tm indicado que os principais contratos de direitos e tributos rgios,eram exclusividade de nascidos em Portugal e l bem relacionados, poltica eeconomicamente.

    Em razo dos elementos aqui levantados, consideramos inadequada asimples transposio do conceito de autoridade negociada. vlido relembrarque este foi elaborado a partir da realidade da colonizao inglesa.

    Retomando a temtica do comrcio em suas relaes com oscontratadores, uma dificuldade desponta em caracterizar os comerciantes queatuavam em Minas Gerais que a falta de estudos e/ou fontes que nos permi-tam identificar os negociantes que atuavam pelo Caminho Novo e que, entreos anos de 1759-1764, por exemplo, representavam cerca de 69% (mdia) domovimento de entrada de mercadorias que passavam pelos registros da capita-nia. A dificuldade pode ser percebida, por exemplo, em limitaes impostaspelas fontes utilizadas no trabalho de Cludia Chaves58 , Perfeitos Negociantes,a partir do qual a autora, caracteriza os comerciantes mineiros tomando comoreferncia a anlise de seis registros: Ona, Pitangui, Sete Lagoas, Ribeiro daAreia (criado em 1777 e, portanto, no se enquadra nos dados que aqui soapresentados relativos ao perodo 1759-64), Galheiro e Inhacica. Estes registrosrepresentaram 15,83% do movimento de entradas na capitania, inferior no seuconjunto ao movimento do registro do Caminho Novo (69%) e prximo aomovimento do Caminho Velho (11,69%) para o perodo que vai de 1759 a1764.

    O trabalho de Cludia Chaves traz importantes contribuies para seconhecer a dinmica do mercado interno da Capitania e os agentes deste co-

    58 CHAVES, op. cit.

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    mrcio como os do comrcio volante (tropeiros, por exemplo) e do movimentodos registros envolvendo gneros produzidos na prpria capitania e nos sertesde gado. Os registros analisados por Cludia Chaves permitem identificar umafalta de especializao no movimento dos registros, face instabilidade domercado mineiro.

    Enquanto os registros de menor movimento permitem a compreensodo movimento de mercadorias envolvendo comerciantes de menor porte emseus negcios (no exclusivamente), estudos relativos ao Caminho Novo abrema perspectiva de demonstrar a atuao de negociantes de grosso trato em MinasGerais, grandes negociantes caracterizados pela diversificao dos negcios,usurrios e com fortes vnculos na Praa de Lisboa e na Corte. Joo de SouzaLisboa e Joo Roiz de Macedo parecem ter sido alguns destes grandes negoci-antes. Esse ltimo, a mesma poca que arrematou os contratos de Dzimos deMinas Gerais e os das Entradas de Minas Gerais, So Paulo, Gois e Mato Gros-so, tambm arrematou o contrato de Entradas de Escravos na Alfndega do Riode Janeiro para Minas Gerais.

    Se por um lado, como vimos anteriormente, a legislao lusitana coloca-va algumas restries em relao aos negociantes e ao mundo do comrcio,percebemos, por outro, que tais restries no impediam a condio dos nego-ciantes de aliados do Errio Rgio.59 As relaes existentes entre a Coroa e oscontratadores eram marcadas pela condio de aliados, o que no exclua apossibilidade de conflitos envolvendo contratadores e Coroa ou entrecontratadores. Tambm devemos evitar uma viso dos negociantes como defi-nida pela cristalizao destes em suas posies econmicas e sociais. As fontesat aqui arroladas para estas pesquisas, indicam que aquela grande arremataode contratos em torno de Joo de Souza Lisboa, envolveu a formao de umgrupo que buscava a controle do comrcio Rio de Janeiro-Minas Gerais viacontrole dos registros. At esta grande arrematao os contratos de entradaseram controlados por negociantes da praa de Lisboa. Esta mudana no contro-le dos contratos pode estar associada as aes de Pombal ( poca Conde deOieiras) visando combater o contrabando.

    Traar um perfil dos contratadores (e negociantes), tanto para Portugalcomo para Minas Gerais, implica considerar a fluidez e a instabilidade comocaractersticas mais relevantes. Pedreira demonstrou que tais caractersticas nocorpo mercantil lusitano decorriam do predomnio de relaes de confiana, do

    59 Como j destacava M. B. Levy ao analisar a discusso em torno da crise do feuda-lismo: Os comerciantes, aumentando sua riqueza e seu poder, vinculavam-secomo parceiros e no como adversrios nobreza que lhes concedia monopliose privilgios, constituindo-se na principal clientela para suas mercadorias.LEVY, Maria Brbara. Histria financeira do Brasil colonial. Rio de Janeiro:IBMEC, 1979. p. 34.

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    uso intenso do crdito e de operaes arriscadas que, juntamente com os casosfortuitos, promoviam instabilidade nas atividades comerciais.60

    Em Minas Gerais a tendncia foi destas caractersticas aparecerem demaneira mais acentuada. Fernando Novais nos alerta para a intensa mobilidadee instabilidade da sociedade colonial.61 A Amrica Portuguesa como rea dechegada (imigrao) e possuindo suas atividades econmicas um carter preda-trio, levava a fluidez despontar como trao fundamental das Formaes SociaisEconmicas que ali surgiram. Em Minas Gerais dos Setecentos tais elementosaparecem de forma intensificada em razo do fluxo populacional intenso, darpida formao de novas reas de ocupao (com atividades econmicas di-versas), do rpido crescimento medida que novos veios eram encontrados eda crescente presena de um aparelho burocrtico-fiscal lusitano. Este, se bus-cava coagir e fiscalizar, trazia tambm consigo novas possibilidades atravs, porexemplo, da arrematao de ofcios que proporcionavam ganhos aos arrematantes.

    Os riscos, a instabilidade e as falncias poderiam ser atenuados atravsda formao de sociedades que podem ser identificadas em diversos contratosenvolvendo Minas Gerais. Estas sociedades envolviam redes de negociantesidentificveis tanto em Lisboa62 como na Amrica portuguesa63 . As articulaesde negociantes na arrematao de contratos levavam formao de socieda-des, algumas efmeras e outras mais duradouras64 . Tais redes envolviam ho-mens abastados da capitania e da praa de Lisboa (procuradores e fiadores) emsua maioria nobilitados atravs de patentes de oficiais de ordenanas e/ou de-tentores do Hbito da Ordem de Cristo.

    As sociedades formadas para a arrematao de tributos e direitos rgios,aproximavam-se do conceito que Jacques Savary des Brulons65 denominou deCompanhias Pblicas, apesar do autor fazer meno a companhias para explo-rar um comrcio definido e no a tributos. Por outro lado, a atividade envolvia

    60 PEDREIRA, op. cit.

    61 NOVAIS, Fernando A. Condies da Privacidade na Colnia. In.: _______. Hist-ria da vida privada no Brasil. So Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 13-39. v. 1.

    62 PEDREIRA, op. cit.

    63 ARAUJO, op. cit.

    64 Idem.

    65 Extrado o conceito do Dixtionnaire Universal de Commerce, de Jacques Savary desBrulons, que se constituiu no principal dicionrio mercantil do sculo XVIII e, noqual, Fernand Braudel se baseou para distinguir as companhias das sociedadescomerciais. Este dicionrio foi traduzido para o portugus por Alberto Jacqueri deSalles, financiado pelo negociante de grosso da Praa de Lisboa Jcome Ratton. Cf.SALES, Alberto Jaqueri de. Diccionario universal de commercio. Traduo e adap-tao manuscrita do Dixtionnaire Universal de Commerce, de Jacques Savary desBrulons, 1813. v. 3.

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    uma concesso rgia e o estabelecimento de um monoplio (arrecatao dotributo) a uma companhia de negociantes. Alm disso, o risco inerente a estasatividades em terras remotas fazia da constituio de companhias o caminhomais seguro para o sucesso do negcio ao proporcionar a partilha dos ganhos etambm dos eventuais prejuzos. O empreendimento era garantido, tambm,por privilgios como pudemos verificar nos contratos de cobrana de entradas,dzimos e passagens. bom lembrar que estes contratadores recebiam o privi-lgio de atuarem como fazenda real, o que lhes conferia a condio de umaautoridade no exerccio de uma funo pblica.

    Dois pontos importantes podem ser aprofundados na pesquisa em tornodos contratadores. Em primeiro lugar, se tais redes envolviam laos de parentes-co e compadrio em sua composio. Caso positivo, definir, se possvel, at queponto tais relaes eram decisivas como no caso identificado por Jnia Furtadoa respeito da rede que se estendia de Portugal a Minas Gerais (e outras regiescomo Montivido alm do prprio Imprio lusitano), comandada pelo negoci-ante Francisco Pinheiro.66

    Em segundo, devemos nos voltar para a Capitania de Minas Gerais bus-cando caracterizar as relaes dos contratadores com os poderes locais. O sciomais importante de Joo de Souza Lisboa, o Tenente Joo de Siqueira era, almde minerador, era Juiz Almotacel na Cmara de Vila Rica. O almotacel, entreoutras funes, era encarregado de zelar pelo comrcio no mbito da Vila e,como j dito anteriormente, o dizimeiro recebia como pagamento animais queele comercializava nas reas urbanas. Se havia um estimulo ao comrcio, ne-cessrio ao abastecimento das vilas, as autoridades buscavam coibir o comrcioambulante e as prticas especulativas. 67 Os contratadores de dzimos tinham nocomrcio com as Vilas instrumento fundamental na realizao de seus negci-os. Atrelados ao comrcio de estabelecimentos fixos, e no de ambulantes,talvez fossem favorecidos pelas aes das Cmaras, na medida que com elasconseguissem estabelecer ligaes polticas decisivas.

    As mesmas pesquisas apontaram relaes do contratador com secretri-os de governadores da capitania e intervenes na nomeao de vigrios deigreja coladas (com remunerao conhecida como cngruas). Como em partej demonstramos e procuraremos ampliar o conhecimento sobre a questo, asrelaes entre contratadores e Cmaras Municipais podiam ser tambm deconflitos.

    Homens abastados e poderosos, ricos e influentes, so atributos perti-nentes aos contratadores de Entradas e Dzimos. Pesquisar negociantes comoManuel Ribeiro dos Santos, Joo de Souza Lisboa e Joo Rodrigues de Macedo,deve apontar caminhos para uma melhor compreenso tanto de Minas Geraiscomo do Imprio Lusitano no Setencentos.

    66 FURTADO, Jnia F. Op.cit.

    67 FURTADO, Jnia F. Op.cit. p. 208-9.