Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

7
 O ANDAR BÍPEDE E A LINGUAGEM HUMANA:  CONTRIBUIÇÕES DE LENNEBERG AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA JÔNATAS FERREIRA DE LIMA SOUZA Aluno do Curso de Letras (Português- Hebraico) DRE N° 115044769 Trabalho entregue a Profª. Doutora Maria Carlota Rosa, na disciplina Linguística I, turma LEH, código LEF140. Faculdade de Letras Rio de Janeiro, 1º semestre de 2015  

Transcript of Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 1/7

 

O ANDAR BÍPEDE E A LINGUAGEM HUMANA: CONTRIBUIÇÕES DELENNEBERG AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA

JÔNATAS FERREIRA DE LIMA SOUZAAluno do Curso de Letras (Português- Hebraico)

DRE N° 115044769

Trabalho entregue a Profª. DoutoraMaria Carlota Rosa, na disciplinaLinguística I, turma LEH, códigoLEF140.

Faculdade de LetrasRio de Janeiro, 1º semestre de 2015 

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 2/7

  1

 O ANDAR BÍPEDE E A LINGUAGEM HUMANA: CONTRIBUIÇÕES DE LENNEBERG

AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA

JÔNATAS FERREIRA DE LIMA SOUZA

Resumo

Desde a primeira metade do século XX, linguistas têm buscado, por meio de comparações com outrasciências, como a Biologia, a História, a Antropologia e mesmo a Sociologia, por exemplo, umaresposta quanto à questão pertinente do lugar da linguagem (ou do falar) na ciência Linguística.Autores como Edward Sapir localizavam a linguagem no campo da cultura, isto é, instintiva, porémdesenvolvida em meio à sociedade (no meio cultural). Muitos autores têm entendido esse lugar dalinguagem como Sapir defendia. Um deles era Mattoso Camara Júnior. Nessa linha, destacaremosalguns autores que se posicionaram a favor da linguagem como elemento essencialmente cultural eautores que acreditam que a linguagem é parte da mecânica inerente a biologia humana (a mente, océrebro). O trabalho centrará na hipótese de Eric Lenneberg, cuja linguagem é comparada ao andar

bípede, teoria esta, contrária aquela que vigorou nos primeiros anos do século XX. Muitos linguistasmodernos, como Steven Pinker, concordam com o posicionamento de Lenneberg, pois este já levaraem consideração o fator cognitivo da linguagem possibilitado por meio de setores do cérebro humano.

Palavras-chave: Mattoso Camara Jr.; andar bípede; linguagem humana; Eric Lenneberg.

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 3/7

  2

1. Introdução

Este trabalho tem por objetivo discutir brevemente uma série de questões que remetem

ao avanço acadêmico com relação aos estudos que buscaram e ainda buscam perceber o lugar

da linguagem nas ciências.

Para isso estabelecemos um conciso diálogo entre as teorias fundamentadas na

primeira metade do século XX com as que foram surgindo na segunda metade desse mesmo

século. Nessa linha, destacaremos alguns autores que se posicionaram a favor da linguagem

humana como elemento essencialmente cultural e autores que acreditam que essa linguagem é

parte da mecânica inerente a biologia humana (a mente, o cérebro). O trabalho centrará na

hipótese de Eric Lenneberg, cuja linguagem é comparada ao andar bípede, teoria esta,

contrária aquela que vigorou nos primeiros anos do século XX. E o que Lenneberg quis dizer

com isso? Acreditamos que a ideia biológica (ou seria neurobiológica), aplicada à linguagem,

tem fundamentos mais claros e precisos para se estabelecerem hipóteses mais atraentes ao

conhecimento linguístico do que aquela cultural, cuja ideia seria mais geral, que induz ser a

linguagem fruto, puramente, dentre outras possibilidades, do desenvolvimento das relações de

poder inseridas e travadas nos variados grupos sociais. Apresentaremos, necessariamente,

elementos que fortaleçam o ponto de vista de Lenneberg, pois, foi este autor, um dos que mais

deram vital contribuição para os estudos atuais sobre a linguagem.

2. O critério da variabilidade na espécie: o andar bípede

Desde a primeira metade do século XX, linguistas tem buscado, por meio de

comparações com outras ciências, como a Biologia, a História, a Antropologia e mesmo a

Sociologia, por exemplo, uma resposta quanto à questão pertinente do lugar da linguagem (ou

do falar) na ciência Linguística. Autores como Edward Sapir (1884-1939) localizavam alinguagem no campo da cultura, isto é, instintiva, porém desenvolvida em meio à sociedade

(no meio cultural). Para isso, Sapir desprendeu claramente a linguagem dos mecanismos

biológicos inerentes ao ser humano. Para esse autor a linguagem não funciona como o ato de

andar por duas pernas e coluna ereta (o bipedalismo). Segundo o que o linguista entendia na

época, ou seja, o andar bípede como um elemento da estrutura biológica do ser humano – não

desenvolvida com a necessidade de imposição, mas como um mecanismo quase automático

de baixíssima variedade –, a linguagem só seria instigada pelo convívio com outros seres

falantes, variando muito de grupo para grupo, sendo localizada na variabilidade da

experiência histórica desses grupos (cultural) e não como uma questão naturalmente

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 4/7

  3

pertinente ao âmbito biológico como, exemplifica o autor, seria o andar bípede (SAPIR, 1971:

17-18).

Muitos autores têm entendido esse lugar da linguagem como Sapir defendia. Um deles

era Mattoso Camara Júnior (1904-1970). No entanto, após a segunda metade do século XX,

surgem linguistas que passam a levar em consideração a questão biológica como motor da

linguagem. Um dentre eles foi Eric Lenneberg (1921-1975). Lenneberg inseriu a linguagem

na mesma categoria biológica do andar bípede. Para ele o falar era uma condição inerente ao

ser humano assim como é o caminhar em dois pés, além de, dessa forma, ter uma baixa

incidência de variabilidade. O andar bípede, para esse autor, era distinto da escrita, por

exemplo, por esta ser, segundo ele, um elemento desenvolvido/criado pela experiência das

culturas humanas com um alto grau de variação nas formas de se escrever, já que cada escrita,no geral, seguiu um caminho histórico distinto em diversas regiões do mundo. Já o andar

bípede (assim como a linguagem), é característico do ser humano, sendo parte constante e

pouco variável da história do homem. Ou seja, para Lenneberg a linguagem é um elemento

predisposto que precisa ser apenas instigado/ensinado no meio social, mas não querendo dizer

que ela seria criada pela sociedade culturalmente – a linguagem precisa ser exercitada e todas

elas possuem uma lógica estrutural semelhante (LENNEBERG, 1964: 61-63; 65).

Dessa forma, podemos perceber que o andar bípede pôde ser utilizado pelos linguistasno século XX, tanto para distanciar quanto para inserir a linguagem como elemento da

biologia humana. Muitos linguistas modernos, como Steven Pinker (1954-), concordam com o

posicionamento de Lenneberg, pois este já levara em consideração o fator cognitivo da

linguagem possibilitado por meio de setores do cérebro humano.

Levando em consideração os estudos de Lenneberg, temos visto algumas descobertas

no campo da locomoção que poderiam por em risco a ideia de que o andar bípede é

espontâneo na história humana. Seriam os casos de algumas pessoas que se locomovem

utilizando as mãos e os pés (como quadrúpedes). Isso implicaria na ideia de que o ser humano

pode simplesmente escolher o modo de como caminhar naturalmente, sugerindo inserir o

andar da humanidade no campo cultural, e nem tanto mais no biológico.

No entanto, tais questões foram já diagnosticadas como síndromes, isto é, doenças e

não escolhas. Estamos falando da síndrome de Uner Tan na Turquia. Em uma família com 19

irmãos, 5 possuem a síndrome em modo completo. Essa doença que atinge o cérebro gera

uma falta de equilíbrio, além de coordenação e distúrbios cognitivos. Ela induz aos doentes

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 5/7

  4

caminharem de forma quadrúpede. Ou seja, não foi escolha dessas pessoas (SHAPIRO, 2014:

8).

Assim, podemos notar que, a teoria de Lenneberg segue adiante, uma vez que uma

doença não é uma escolha cultural, mas uma exceção a norma natural (mãos são sempre

biologicamente distintas dos pés). O andar bípede segue como o melhor exemplo para

Lenneberg, a respeito da linguagem.

3. A linguagem humana: Lenneberg e Mattoso Camara Jr.

Sendo contemporâneos e atuando na mesma área, a Linguística, Mattoso Camara Jr. e

Eric Lenneberg, seguiram por caminhos bem diferentes, como já mostramos anteriormente,com respeito à condição da linguagem ser um elemento cultural ou biológico da humanidade.

Em suma, para Camara Jr., a linguagem

[...] é vocal, fundamentada em sons produzidos por um conjunto de órgãos queconstituem o aparelho fonador. Não é, entretanto, inerente ao organismo humano,mas ao contrário um “fato de cultura”, concretizando-se em sistemas “arbitrários” decomunicação vocal, ou línguas, que cabe à lingüística estudar em seus princípiosdiretores. Em relação à cultura integral de uma comunidade humana, a língua é umade suas manifestações, mas dela se destaca como um microcosmos cultural, que aengloba e comunica. Assim, a lingüística se aproxima e se distingue, ao mesmo

tempo, da antropologia cultural, ou etnologia, e da psicologia; e as relações, destarteexistentes, condicionam disciplinas intermediárias — a etnolingüística e apsicolingüística [...] (CAMARA JÚNIOR, 1973: 33-34).

Por sua vez, Lenneberg rebate, mencionando que

Há entre os cientistas sociais uma tendência a considerar a linguagem como umfenômeno puramente aprendido e cultural, um instrumento engenhosamenteconcebido, introduzido de forma proposital para desempenhar funções de naturezasocial, a veste artificial de uma capacidade geral e amorfa denominada inteligência.Não nos ocorre encarar a possibilidade de que o homem possa estar equipado compropensões biológicas altamente especializadas que favorecem e até mesmo dãoforma ao desenvolvimento da fala na criança e que as raízes da língua possam estartão profundamente fundadas na nossa constituição natural quanto, por exemplo, anossa predisposição para usar as mãos. O propósito dêste trabalho é demonstrar apossibilidade lógica – para não dizer probabilidade – de tal situação. Consideramosque ter as ideias claras a respeito do problema dos fundamentos biológicos da fala éda maior importância na formulação de questões e hipóteses relativas à função,mecanismo e história da língua (LENNEBERG, 1964: 55).

A perspectiva da “biolinguagem” tem crescido nos últimos anos, o que nos leva a

compreender que os estudos que fundamentam as “bases biológicas da linguagem” estão bem

mais embasados cientificamente (atualmente) do que aqueles defendidos por Camara Jr., que

apenas considerava o meio cultural como fundamental para o desenvolvimento/existência da

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 6/7

  5

linguagem humana, sendo que os estudos de neurolinguística, desde a década de 1950, têm

contribuído para a tese/hipótese de Lenneberg.

Lenneberg contribuiu para a aproximação da ciência da linguagem aos estudos das

ciências naturais, como a Biologia. Isso implica dizer que falar de linguagem é remeter ao

biológico, bem mais que o social. Dessa forma a linguagem será semelhante ao andar bípede,

isto é, baseada em “predisposições anatômicas e fisiológicas muito específicas” (1964: 92),

em comparação com a escrita que, segundo o Lenneberg se baseia em “predisposições gerais”

(1964: 92). Isso indica que a linguagem humana possui uma lógica estrutural que se mantém

entre as diversas comunidades falantes do mundo. Assim complementa a autora Maria Carlota

Rosa:

[...] A faculdade da linguagem, com que todos os seres humanos nascem, designa arepresentação do conhecimento linguístico na mente. Ao nascer um indivíduo temesse conhecimento em nível mínimo. É o estágio inicial (ou E0), tambémdenominado gramática universal (GU), a base inata que tornará possível odesenvolvimento de qualquer língua (ROSA, 2010: 54 apud  VELOSO, 2010: 252).

A aproximação da linguagem aos estudos da Biologia, ou mais precisamente da

Neurociência, deu origem ao campo de estudos da Neurolinguística. Portanto, como nos

mostra a autora, enxergar a linguagem, é entendê-la concebida primeiramente no espaço físicoencontrado no cérebro.

4. Conclusão

Assim sendo, concluímos que na segunda metade do século XX, encontramos teorias

que inseriam a linguagem no campo da neurobiologia, aproximando essa área, que até o

momento era vista essencialmente dentro das ciências humanas, das ciências naturais.

Vimos como a hipótese de Lenneberg a respeito do andar bípede como sendo um

exemplo para a linguagem é válida, pois ainda não existem provas contrárias, que mostrem

que existam não só grupos humanos que culturalmente optam por andar como quadrúpedes,

mas também que desenvolvam a capacidade da linguagem humana por imposição cultural. Ou

seja, esses estudos de Lenneberg contribuíram para perceber que a linguagem inicia não na

fala aprendida pelo convívio social, mas numa gramática primordial existente na mente

(fisicamente no cérebro), que, caso sofra alguma lesão, torna prejudicada a capacidade motora

e cognitiva da linguagem.

7/23/2019 Contribuições de Lenneberg Aos Estudos Da Linguística Moderna - Jonatas

http://slidepdf.com/reader/full/contribuicoes-de-lenneberg-aos-estudos-da-linguistica-moderna-jonatas 7/7

  6

Referências

CAMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. 1973. Princípios de linguística geral. 4ª ed. rev. eaum. Rio de Janeiro: Acadêmica.

LENNEBERG, Eric H. 1964. A capacidade de aquisição da linguagem. Trad. Miriam Lemle.In: COELHO, Marta; LEMLE, Miriam & LEITE, Yonne, org.  Novas perspectivas

lingüísticas. Petrópolis: Vozes. p. 55-92.

PINKER, Steven. 1994. The language instinct: How the mind creates language. New York:William Morrow.

ROSA, Maria Carlota. 2010. Introdução à (Bio)Linguística. São Paulo: Contexto.

SAPIR, Edward. [1921]. A linguagem: introdução ao estudo da fala. Trad. J. Mattoso Camara

Jr. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1971.

SHAPIRO L.J., COLE W.G., YOUNG J.W., RAICHLEN D.A., ROBINSON S.R., et al.(2014) Human Quadrupeds, Primate Quadrupedalism, and Uner Tan Syndrome. PLoS ONE

9(7): e101758. doi:10.1371/journal.pone.0101758. Disponível em:<http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0101758>.

VELOSO, João. 2010. Recensão crítica de: Maria Carlota Rosa.  Introdução à

(Bio)Linguística. Linguagem e Mente. São Paulo SP: Contexto. 2010. 207 pp.  Linguística –

 Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto. Vol. 5: 247-255.