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Controlar o incontrolável: esquemas cognitivos de adaptagáo ao risco sismico M. L. LIMA Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa Resumo Este artigo procura a analisar as estratégias cognitivas utilizadas pelos individuos para lidar com a incerteza associada ao risco sísmico. Postula-se a existéncia de esquemas de controlo cognitivo de incerteza que teriam como funOo eliminar a inseguranca e a ansiedade associadas á percepcáo do risco sísmico, e restaurar o sentimento de controlo sobre o ambiente. Estes esquemas seriam criados na interaccáo social e teriam relapio com outras formas de pensamento social desenvolvida pelos individuos e pelos grupos. Apresenta-se am estudo realizado com 300 sujeitos em que estas ideias foram testadas e em que se encontrou apoio para a existéncia de trés esquemas de controlo: am esquema religioso, um esquema político-técnico e am esquema científico. Foram encontradas diferenqas na utiliza 0"c, destes esquemas em fundo das inserci:ies sociais objectivas dos su jeitos, e associaciies entre a utilizaÇáo destes esquemas e a preocupaláo com a ocorréncia futura de am sismo, e com a atribuiciio de responsabilidade pelo colapso de edificios no caso de ocorréncia de um tremor de terra. Palabras clave: Esquemas cognitivos, percepción de riesgo, desastres. To get under control uncontrollable events: Cognitive schemata for the adaptation to seismic risk. Abstract The aim of this paper is to analyze the cognitive strategies used in order to cope with uncertainty related to seismic risk. We hypothesize the existence of cognitive schemata for control of the uncertainty, which would eliminate the insecurity and anxiety associated to the perception of seismic risk, and would restore the sense of control over the environment. These schemata would have been created through social interaction, and should have relation to other forms of social thought developed by the individuals and the social'groups. A study was conducted in order to test these ideas. According the results obtained with 300 subjects, we could find 3 control schemata: a religious schema, a technical-political schema and a scientific schema. Subjects from different objective social insertions were found to use differently these schemata. Moreover, relations were found between the use of these schemata and the concern about a future earthquake, and the attribution of responsibility for the consequences of an earthquake. Keywords: Cognitive schemata, perception of risk, disasters. Dirección del autor: Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa. Av. das Forcas Armadas, 1600 Lisboa. C) 1990 by Aprendizaje, Revista de Psicología Social, 1990, 5(2-3), 171-184. ISSN: 0213-4748.

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Controlar o incontrolável:esquemas cognitivos de adaptagáo

ao risco sismicoM. L. LIMA

Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa

ResumoEste artigo procura a analisar as estratégias cognitivas utilizadas pelos individuos para lidar

com a incerteza associada ao risco sísmico. Postula-se a existéncia de esquemas de controlocognitivo de incerteza que teriam como funOo eliminar a inseguranca e a ansiedade associadasá percepcáo do risco sísmico, e restaurar o sentimento de controlo sobre o ambiente. Estesesquemas seriam criados na interaccáo social e teriam relapio com outras formas de pensamentosocial desenvolvida pelos individuos e pelos grupos.

Apresenta-se am estudo realizado com 300 sujeitos em que estas ideias foram testadas e emque se encontrou apoio para a existéncia de trés esquemas de controlo: am esquema religioso,um esquema político-técnico e am esquema científico. Foram encontradas diferenqas nautiliza 0"c, destes esquemas em fundo das inserci:ies sociais objectivas dos su jeitos, e associaciiesentre a utilizaÇáo destes esquemas e a preocupaláo com a ocorréncia futura de am sismo, e coma atribuiciio de responsabilidade pelo colapso de edificios no caso de ocorréncia de um tremorde terra.

Palabras clave: Esquemas cognitivos, percepción de riesgo, desastres.

To get under control uncontrollable events:Cognitive schemata for the adaptation to seismic

risk.

AbstractThe aim of this paper is to analyze the cognitive strategies used in order to cope with

uncertainty related to seismic risk. We hypothesize the existence of cognitive schemata forcontrol of the uncertainty, which would eliminate the insecurity and anxiety associated to theperception of seismic risk, and would restore the sense of control over the environment. Theseschemata would have been created through social interaction, and should have relation to otherforms of social thought developed by the individuals and the social'groups.

A study was conducted in order to test these ideas. According the results obtained with 300subjects, we could find 3 control schemata: a religious schema, a technical-political schema anda scientific schema. Subjects from different objective social insertions were found to usedifferently these schemata. Moreover, relations were found between the use of these schemataand the concern about a future earthquake, and the attribution of responsibility for theconsequences of an earthquake.

Keywords: Cognitive schemata, perception of risk, disasters.

Dirección del autor: Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa.Av. das Forcas Armadas, 1600 Lisboa.

C) 1990 by Aprendizaje, Revista de Psicología Social, 1990, 5(2-3), 171-184. ISSN: 0213-4748.

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1721. INTRODUçÁO

Nos últimos anos, tem-se consolidado um largo campo de estudosdedicado aos riscos ambientais, com o objectivo de caracterizar a formacomo as pessoas pensam sobre os diferentes tipos de perigos a que estáosujeitas e as implicaOes dessas cogniOes ao nível dos seus comportamentos(decisóes, prevenÇáo, etc.). A importáncia dedicada ao tema prende-se comos elevados custos materiais e humanos associados a catástrofes com origensnaturais ou tecnológicas, e tambén á crescente necessidade sentida pelosdecisores técnicos e políticos e pela opiniáo pública de determinarem qualo nível de risco aceitável para urna determinada tecnologia ou para urnadeterminada populaÇáo.

O risco de origem natural mais amealador das vidas e das propriedadesdas pessoas é o risco sísmico. No período de tempo compreendido entre1970 e 1981 houve, em todo o mundo, mais de 400 mil mortes provocadaspor tremores de terra (UNEP, 1987) e prejuízos materiais superiores a 18milbes de dólares. Só no sismo ocorrido na Arménia, em 1988, houve maisde 40 mil mortos e em Sáo Francisco, no incidente sísmico mais dramáticoverificado recentemente, embora o número de vítimas mortais náo tenhaultrapassado as 100 pessoas, os prejuízos materiais sáo elevadíssimos.

O território portugués inclui diversas zonas sísmicas importantes(Agores, Algarve, Lisboa), tendo já sofrido numerosos fenómenos com estaorigem, o mais grave de todos em 1755, com um sismo que se calcula quetenha atingido o grau 8 da escala de Richter, e que destruiu as cidades deLisboa e de Lagos. Em 1969, a populaÇáo de Lisboa acordou com um abaloque, sem ter provocado danos importantes, fez as pessoas recordarem operigo a que estáo sujeitas. Nos Agores é frequente a ocorréncia de sismosde fraca intensidade, mas há 11 anos um forte tremor de terra abalou a IlhaTerceira, provocando o colapso de muitos edifícios antigos, estragosacentuados nos edifícios mais recentes, e alguns feridos. O risco sísmico é,assim, um dos principais riscos ambientais a que estáo sujeitos os habitantesdestas zonas, e a prevengáo das consequéncias de um sismo forte só podeser feita se houver um aumento da consciéncia deste risco por parte daspopulalóes.

Nesta linha, assume grande importáncia a pesquisa relativa á formas deque se reveste o pensamento sobre os perigos e a avaliagáo dos riscos a elesinerentes, porque, só conhecendo a forma como as pessoas concebem estasquestóes se podem compreender os seus comportamentos face a situagóesde crise e desenvolver estratégias para urna mudanga dessescomportamentos e atitudes com vista a urna rentabilizagáo dos recursoscolectivos.

Neste estudo, pretendemos fazer urna primeira análise exploratória daforma como as pessoas pensam sobre o risco sísmico, nomeadamente comoexplicam os tremores de terra. Se considerarmos que, até este momento, éimpossívei á ciéncia prever com rigor a ocorréncia de um abalo sísmico, aspopulagóes que habitam em zonas sujeitas a tremores de terra tém dedesenvolver cognilóes que lhes permitan viver com o risco. A questáoteórica que colocamos remete-nos, assim, para as estratégias cognitivasutilizadas pelos indivíduos para lidar com a incerteza no seu dia a dia.Procuraremos em primeiro lugar mostrar a existéncia de 3 esquemas

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173cognitivos de controlo sobre a situagáo de incerteza relacionada com o riscosísmico. Estes esquemas, construídos na interacgáo social, teriam comofungáo eliminar a inseguranga e a ansiedade a ela associada e restaurar osentimento de controlo sobre o ambiente. Em segundo lugar mostraremosque estes esquemas de controlo tém implicagóes importantes em relagáo aoutros tipos de pensamento social, nomeadamente em relagaáo á formacomo é feita a atribuigáo da responsabilidade pelo colapso de edifíciosdecorrentes de um abalo sísmico.

A atribuigáo de causas aos fenómenos, sendo um processo necessáriopara a compreensáo e controlo do mundo que nos rodeia, é um processocognitivo sujeito a variagóes de acordo com a informagáo, os interesses ea situagáo em que os indivíduos se encontram. Existem variados exemploshistóricos da controvérsia em relagáo á atribuigáo de causas a grandesdesastres. Relativamente ao terramoto de Lisboa, cm 1755, vemos essacontrovérsia no poema de Voltaire dedicado a este desastre, onde o autorcontrapóe á visáo tradicional das origens divinas do terramoto, a visáoiluminista da forga dos elementos. Assume-se implítica ou explicitamenteque a forma como as pessoas pensam as causas de um determinado desastre,vai ter consequéncias ao nível da sua acgáo. Era já esta a perspectiva doMarqués de Pombal ao castigar os autores da divulgagáo de explicagóesmísticas para o terramoto de 1755, na medida cm que essa forma de pensardificultava o empenhamento da populagáo na reconstrugáo da cidade(Franga, 1983, pp. 74-75 e 244).

A divisáo, proposta cm várias teorias da Psicologia Social, entre causasexternas e internas náo parece, no entanto, muito elucidativa aplicada aocaso dos desastres naturais, especificamente aos sismos, porque asatribuigóes causais sáo, nestes casos, sempre basicamente externas.Podemos, no entanto, com base na literatura da psicoiogia social aplicadaa outros temas, colocar algumas hipóteses face ás cognigóes sobre osterramotos.

1.1. Esquemas de controlo sobre o incontrolável

Se as atribuigóes causais das catástrofes naturais tendem a serbasicamente externas (por ex: ás forgas da Natureza, á vontade de Deus)esta atribuigáo externa náo deve ser confundida com urna posigáo decompleta impoténcia face ao fenómeno. Podemos considerar 3 perspectivasempíricas e teóricas com produgóes que se podem relacionar com este tema:a primeira, mais empírica, refere-se á descrigáo do comportamento daspopulagóes que vivem cm zonas de elevado risco ambiental; a segunda, nalinha teórica da psicología social cognitiva, refere-se aos estudos sobre apercepgáo do controlo; e a terceira perspectiva refere-se aos estudos sobreo processamento automático da informagáo.

a) Os autores que estudam as respostas das populagóes aos riscosambientais (ex: Burton, 1972) mostraram já que as pessoas que vivem cmzonas muito sujeitas a catástrofes naturais tendem a minimizar o perigo aque estáo sujeitas (negando ou diminuindo a importáncia da sua existéncia)e a eliminar a incerteza da situagáo (considerando o fenómeno mais regulare controlável do que ele realmente é).

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174b) No ámbito dos estudos de atribuiláo causal, os trabalhos acerca da

percepÇáo de controlo sobre o ambiente mostram que a vivencia desitualóes adversas e percebidas como incontroláveis tem efeitos negativospara os individuos, podendo levar a sentimentos de depressáo e dehelplessness, e que os individuos tendem a reagir desenvolvendo formas derestaurar os seus sentimentos de controlo sobre o ambiente. Fiske e Taylor(1984) descrevem algumas dessas estratégias, como por exemplo:

Controlo comportamental. Agir de forma a evitar as consequénciasnegativas da ocorréncia; por exemplo, desenvolver esforlos no sentido dese assegurar de que vive numa casa com construláo anti-sísmica.

Controlo informativo. Obter ou procurar informaÇáo acerca danatureza e das causas do fenómeno, por exemplo, estudando os sismos.

Por outro lado Rothbaum et al. (1982) mostram que, guando náo épossível activar estas formas de controlo directo sobre os acontecimentos(controlo primário), é possível que exista um sentimento de controlo(controlo secundário) sobre acontecimentos independentes do sujeito. Estesautores apresentam diferentes formas que pode assumir o controlosecundario:

Controlo secundário preditivo. Desenvolver esforÇos no sentido deprever o acontecimento para evitar a ambiguidade.

Controlo secundario vicariante. Confiar noutras pessoas para resolvera sua situaÇáo.

Controlo secundário interpretativo. Pensar no acontecimento demodo a encontrar-lhe um significado.

Controlo secundário ilusório. Confiar na sorte para a soluláo doproblema.

A aplicaláo destas hipóteses tem vindo a ser feita por Taylor (1983) quedesenvolveu um modelo de adaptaÇáo cognitiva para pessoas que vivem emsituaÇáo de incerteza quanto ao seu futuro (doentes cancerosos), em quemostra que a existencia de urna ilusáo de controlo sobre a sua doetna é umdos factores que contribui para o bom ajustamento psicológico á situaÇáode crise.

Tanto os estudos provenientes da análise das respostas á amena dedesastres naturais, como os que se centram na percepÇáo de controlo, porvias diferentes, parecem apontar para a existéncia de mecanismos cognitivosque produzem ou reinstalam o controlo do sujeito sobre situagóes deincerteza. Pensarnos, no entanto, que, se o resultado final é semelhante paratodas as pessoas (isto é, um aumento do sentimento de controlo sobre oincontrolável), as estratégias cognitivas desenvolvidas para o atingir náo sáoúnicas nem aleatórias. Especialmente no caso dos desastres naturais, em queas mesmas regióes geográficas sáo repetidamente afectadas pelos mesmosdanos (cheias, sismos), parece-nos plausível que, no seio das diferentesculturas, os diversos grupos sociais desenvolvam formas de pensamentoespecíficas e apropriadas a lidar com a situaláo.

c) Numa terceira perpectiva teórica, derivada dos estudos da cogniláosocial, Lau (1986), num estudo sobre o pensamento político, defende quea quantidade de informaláo política com que as pessoas sáo confrontadasdiáriamente é impossível de ser processada racionalmente, e que existemformas estruturadas de seleccionar a informaÇáo relevante. Baseando-se nostrabalhos da cogniláo social, este autor desenvolve a noÇáo de esquemas

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175políticos, como urna forma estruturada de seleccionar a informagáo políticarelevante, orientando a atengo e a memória. Sob pena de inviabilizarcompletamente o processamento de informagáo, cada individuo funcionariacom base em, pelo menos, um dos quatro esquemas políticos de que Laumos tra a ex isténcia: esquema temático —pessoas que processam ainformagáo política com base em áreas temáticas (aborto, espagosverdes, etc.); esquema grupa! —que se caracteriza por um processamentoda informagáo com pase en categorias grupais (os sindicatos, os operários,o patronato, as mulheres, os emigrantes, etc.); esquema de personalidadedos candidatos —processamento da informagáo baseado na centragáopessoal sobre os políticos (é honesto, simpático); esquema partidário—processamento da informagáo com base na identificagáo com um partidoe na categorizagáo da realidade política com base nas forgas partidáriasexistentes (republicanos vs. democratas). Lau mostra que a partilha destesesquemas está associada consistentemente ás insergóes sociais objectivas dossujeitos, a atitudes e avaliagóes face a diferentes objectos políticos.

Na linha das tras perspectivas teóricas que citámos, pensamos poderfalar na existéncia de trés tipos de esquemas de controlo que, aplicados aocaso dos sismos, dáo origem a outras tantas formas de controlo secundário:o primeiro um esquema religioso, o segundo um esquema científico outecnológico e o terceiro um esquema político.

Controlo religioso: A crenga na origem divina de um desastre é urnaatribuigáo claramente externa do fenómeno. No entanto, a análise deum determinado tipo de discurso religioso e de certas práticas religiosaspermitem-nos pensar que, embora dentro dos limites de «vontade deDeus», as promessas em particular, mas também os jejuns, as peniténciase a própria oragáo constituem formas de controlo e de modificagáo dosdesignios divinos. Queremos com isto dizer que esta atribuigáo externanáo deixa os individuos crentes desprovidos de formas de controlosecundário da realidade.

Controlo tecnológico: A atribuigáo do fenómeno "a causas naturais,remete para a ciéncia a descrigáo, explicagáo, previsáo e controlo dosfenómenos sísmicos. O aumento do conhecimento sobre estesfenómenos leva a que os individuos sintam sentimentos de controlosecundário. O facto de se possuir informagáo sobre un fenómeno, dese saber qual o avangó da técnica sobre o tema, de se conhecer oscomportamentos adequados numa situagáo de desastre ou mesmo deconfiar na ciéncia e na técnica para resolver este problema faz com queos individuos se sintam com maior controlo sobre o fenómeno.

Controlo político: Mesmo face a um desastre percebido como estandofora do controlo directo dos individuos, pode existir um sentimento decontrolo através do que tem sido designado como a percepgáo da eficáciapolítica dos individuos. Sabe-se que, de urna forma semelhante ao quedissémos anteriormente, se as pessoas acreditarem que estáo a serdesenvolvidos esforgos no sentido de minimizar as perdas no caso deum desastre, teráo um sentimento de controlo secundário sobre asituagáo. Pensamos que, no caso particular dos desastres, as acgóes deprevengáo tém conotagóes políticas, e, por isso, a crenga na eficacia dosesforgos desenvolvidos está depende da identidade política dos

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176indivíduos em relagáo ao poder dominante, e ou do seu sentimento depoder influenciar o poder nas suas decisóes.Conceptualizámos estas estruturas como esquemas cognitivos, isto é,

estruturas de conhecimento organizadas hierarquicamente, com o objectivode guiar o processamento e o armazenamento da informagáo. Estesesquemas de controlo, seriam, portanto, estruturas cognitivas de caracterduradouro que facilitariam o processamento da informagáo em situagóesde ambiguidade (Fiske e Taylor, 1984). Estes esquemas teriam a sua origemna experiéncia social dos indivíduos. Construídos com o objectivo de fazerface á necessidade de interpretar o mundo físico e reduzir a ambiguidadea ele associada, os esquemas de controlo náo tém um carácteridiossincrático, mas sáo construídos na interacgáo grupa]. Daí o caráctereminentemente social destes esquemas, que teriam a sua origem nopensamento social dos grupos em que o indivíduo se insere, reflectindo assuas representagóes, os seus valores e as suas crengas. Estes esquemasassumiriam ainda um caracter funcional, orientando o comportamento dosindividuos.

O nosso posicionamento teórico face a estes esquemas, tem duasconsequéncias: a primeira relativa ás ligagóes destes com outras formas depensamento social, e a segunda relacionada com o contexto intergrupal queestá na origem destes esquemas. Formulamos assim as seguintes hipóteses:

Hl. Sendo parte estruturante do pensamento dos grupos, estesesquemas náo seráo apenas activados no caso específico dos sismos, masem qualquer situagáo em que os indivíduos necessitem de pensar sobre oincontrolável. Por outro lado, e como estruturas cognitivas de caracterpermanente, os esquemas de controlo deveráo estar associados a outrosproductos da construgáo social da realidade pelos grupos, nomeadamenteás representagóes sociais, ás crengas ou valores grupais, á percepgáo deeficácia individual, ás estratégias de acgáo privilegiadas pelos grupos sociais.

H2. Se os esquemas de controlo sáo urna construgáo colectiva, deveráoexistir diferengas na utilizagáo destes esquemas em fungáo das insergóessociais (objectivas e principalmente subjectivas) dos indivíduos.

H3. Como já vimos, os trabalhos de Taylor (1983) mostram que apercepgáo de controlo sobre acontecimentos incontroláveis tém vantagensadaptativas importantes para os indivíduos. Os esquemas de controlo a quenos referimos teriam a fungáo de diminuir a ansiedade e restaurar aseguranga dos indivíduos no futuro e, como tal, a sua importáncia deveráser tanto maior quanto maior for a percepgáo do risco por parte doindivíduo.

1.2. AtribuiÇáo de responsabilidade pelo colapso de edificios em casode tremor de terra

Um outro modo de analisar a forma como as pessoas pensam sobre osdesastres tem sido desenvolvida pelos estudos da atribuigáo daresponsabilidade, relativamente á responsabilidade pela prevengáo dasconsequéncias negativas da sua ocorréncia. Hamilton (1978) desenvolve anogáo de responsabilidade de papel social (responsabilidade associada áfungáo) e mostra que os lugares de poder sáo percebidos como englobandoa responsabilidade pelas consequéncias de actos pelos quais sáo apenas

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177indirectamente responsáveis. Assim, quanto mais grave o acidente, maior aresponsabilizagáo dos níveis mais elevados de poder pelas suasconsequéncias. Tyler e McGraw (1983), na mesma perspectiva, mostramque, para o caso da responsabilidade pela prevengáo da guerra nuclear, opresidente e o governo sáo tanto mais responsabilizados quanto maisintensa é a meaga percebida de guerra nuclear. Estes resultadospermitem-nos colocar as seguintes hipóteses:

H4. A responsabilizagáo das autoridades pelo eventual colapso deedifícios após um tremor de terra deverá ser tanto maior quanto maior foro risco sísmico percebido.

H5. No caso da queda de casas devido a um tremor de terra, aresponsabilizagáo das autoridades políticas deverá ser feita especialmentepelos indivíduos que utilizam um esquema de controlo político, enquantoque as que utilizam um esquema tecnológico deveráo responsabilizarprioritáriamente os técnicos pelo colapso.

O estudo que agora presentamos tem um caracter exploratório epreliminar e as hipóteses formuladas foram apenas operacionalizadasparcialmente. O teste mais completo destas hipóteses fará parte de umestudo posterior de maior dimensáo.

2. METODO

Sujeitos

Foram efectuadas entrevistas a 302 indivíduos com mais de 15 anos. Asentrevistas foram realizadas pelo telefone, e incidiram sobre urna amostraaleatória das habitagóes com telefone das duas maiores cidades do país(49,3 'Yo das entrevistas tiveram lugar na cidade do Porto porque a entrevistainseria-se num estudo mais lato, em que era importante controlar a zonasísmica de habitagáo dos entrevistados). Foi utilizado o método de quotascom as variáveis demográficas de controlo sexo e idade para a determinagáodo indivíduo a entrevistar. Assim, 52 % dos respondentes eram do sexomasculino, e a amostra encontrava-se bem distribuída em termos de idade(25,2 'Yo con menos de 25 anos; 37,4 °/0 entre os 25 e os 45 anos; 37,4 'Yo

com mais de 45 anos) e de níveis de instrugáo (31,5 % até á primária; 21,2 %até ao 9 ano; 22,2 ">/c. até ao 12 ano e 25,2 % com frequéncia universitária).

Questionário

A entrevista, para além da caracterizaÇáo sociodemográfica dosrespondentes, incluía trés tipos de questóes:

1) Questóes relativas á avalialáo do risco sísmico. Pedia-se aosindivíduos que considerassem o seguinte cenário hipotético: aocorréncia, na cidade onde residem e nos próximos 20 anos, de unsismo forte, que destruísse a maioria das casas e provocasse muitosmortos e feridos. Face a este cenário, os indivíduos deveriamavahar:

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178a) A probabilidade de ocorréncia do sismo, numa escala de 4

posigóes —esta variável aparecerá nos quadros designadacomo probabilidade.

b) O seu grau de preocupagáo face á avaliagáo dessaprobabilidade (escala de 4 pontos) —esta variável aparecerános quadros designada como preocupagdo.

c) A resisténcia da sua própria habitagáo face ao hipotéticosismo (escala de 4 pontos) —esta variável aparecerá nosquadros designada como avalia0o dos estragos.

2) Questóes relativas a crenlas sobre o controlo, nomeadamente face asismos, incluindo:

a) 2 questóes sobre a percepgáo de eficácia pessoal dosindivíduos, retiradas da escala I/E de Rotter (1954). A médiadas respostas a estas duas perguntas constituia o índice deeficácia pessoal.

b) 1 questáo que media a percepgáo de eficácia política(sentimento de poder pessoalmente contribuir para asdecisóes políticas).

c) 7 questóes que representavam crengas ao nível dos 3esquemas em hipótese (escala de 3 posigóesconcordo/discordo) —ver os items no quadro 1.

3) Questóes relativas á atribuiÇáo da responsabilidade pelasconsequéncias de um sismo ao nível da construgáo. Face ao cenárioapresentado anteriormente, avaliagáo da responsabilidade nocolapso dos edifícios por parte das seguintes entidades: o Governo,os partidos políticos, as autoridades autárquicas, os construtoresdas casas e os engenheiros que fizeram os cálculos.

3. RESULTADOS

Efectuámos urna análise de componentes principais ás crengas relativasao controlo, que extraiu, pelo critério de Kayser, 3 factores responsáveispela explicagáo de 57,4 % da variáncia. Após a rotagáo ortogonal (varimax),a solugáo apresenta a estrutura factorial que podemos observar noQuadro 1.

O primeiro factor aproxima-se da nossa hipótese de um esquemapolítico, mas parece ter uma dimensáo mais lata de crenga nas figuras deautoridade (políticas ou técnicas) como agentes da construgáo da seguranga.Este factor, que passaremos a designar por esquema de político-técnico,explica 26,9 `)/0 da variáncia total.

O segundo e o terceiro factor ajustan-se bem ás nossas hipóteses de,respectivamente, um esquema religioso (crenga na origem sobrenatural dossismos e na importancia da vontade de deus nas suas consequéncias) e umesquema tecnológico (crenga na ciéncia como forma de controlar umfenómeno natural).

Hl. O teste desta hipótese será apenas parcial, e limitar-se-á á relagáoentre os esquemas de controlo e os sentimentos de eficácia política e pessoal.Estas variáveis representam as crengas que os individuos e os grupos

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179QUADRO 1

Estrutura factorial das crenl-as relativas ao controlo

Fact 1«Politico-Técnico»

Fact 2«Relig»

Fact 3«Tecn.»

A engenharia e capaz de construir casas re-sistentes aos sismos .776 —.040 .147

O governo pode estabelecer medidas naconstrucáo de casas que facam com queelas no caiam cm caso de um terramotoforte .748 —.028 —.191

Nao se pode fazer nada para impedir asconsequéncias de um terramoto —.516 .289 .012

Os terramotos so fenómenos com origemsobrenatural —.067 .826 —.081

As consequéncias de um terramoto estonas máos de Deus e no so previsíveispelo homem —.142 .817 .103

Mais tarde ou mais cedo a ciéncia vai ser ca-paz de prever a ocorréncia de tremoresde terra .183 —.055 .769

Os terramotos sáo fenómenos naturaiscomo a chuva ou o vento —.203 .065 .621

Variáncia explicada (%) 26.9 15.5 15.0

.constroem acerca das possibilidades do indivíduo de controlar o ambienteem que vive (Vala, 1989), opondo urna viso de autonomia a urna viso deheteronomia.

Corno podernos ver no quadro 2, a partilha de um esquema religiosoaparece associado a um sentimento de heteronomia, isto é, falta de controlopessoal e político. Este esquema dá ao sujeito a possibilidade de, atravésdas crenÇas religiosas, obter controlo sobre o mundo, o que, por si só náopodia fazer.

O esquema político-técnico aparece positivamente associado aosentimento de eficácia política e portant° a urna visáo mais autónoma dosactores sociais, e o esquema tecnólogico negativamente relacionado com aeficácia política, embora esta associaÇáo seja fraca.

H2. O teste da primeira hipótese deveria ser feito com base nasinserÇóes objectivas e subjectivas do sujeito. Muitos estudos (ex. Vala, 1989)mostram que as insery5es sociodemográficas dos actores sociais apresentamassocialóes mais fracas com variáveis de psicossociológicas do que as

QUAURO 2

Correla l-iio entre os trés esquemas de controlo e a eficácia pessoal e política

E. Político-técnico E. Religioso E. Tecnológico

Eficácia pessoal .04 —.04Eficacia política .26*** —.29""" — .1 1*

p < .05: p < .01: "'''' p < . 001

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180inserOes subjectivas. No entanto, neste estudo, os únicos dados de quedispomos dizem respeito ao primeiro grupo de perteinas. Procedemos áanálise da reina° entre os trés esquemas de controlo e a caracterizaÇáosociodemográfica dos respondentes através de análises de variánciaefectuadas sobre os scores factoriais da análise factorial cm componentesprincipais realizada anteriormente (quadro 3).

Podemos ver que as diferenlas aparecem fundamentalmente associadasao esquema religioso, que é mais comum no Porto do que cm Lisboa, entreos mais velhos e os menos instruídos. Estes resultados parecem ir aoencontro de resultados de outros estudos realizados em Portugal(e.g. Fran la, 1980). Nos outros dois esquemas as associnóes náo sáo táosistemáticas, e apenas a idade diferencia os esquemas salientes. Assim,enquanto que os mais novos dáo mais importancia ao esquema tecnológico,o esquema político-técnico aparece como característico dos mais velhos.

H3. Dos trés indicadores da percepláo do risco sísmico utilizadosneste estudo, dois deles apresentam-se bastante associados: a avaliaÇáo deprobabilidade da ocorréncia do sismo e a preocupaÇáo com essaeventualidade (r = .45; p < .001). A avaliaÇáo dos estragos na casa temapenas relalóes ténues com os outros dois indicadores (respectivamente,r = .15; p < .05 e r = .06; p> .05), o que se compreende se considerarmosa diversidade das características dos alojamentos dos respondentes.

A relaláo entre a avaliaÇáo do risco e os esquemas de controlo pode seranalisada no quadro 4. Ao contrário das nossas hipóteses, as relaÇóesencontradas sáo ténues, mas apresentam alguns resultados interessantes.Assim, a avaliaÇáo da probabilidade da ocorréncia do cenário sísmicohipotético, só por si, náo está associada a nenhum dos trés esquemas. Masa preocupaláo, que nos dá a ressonáncia afectiva da avaliaÇáo deprobabilidades, já apresenta reina() com a utilizaláo dos esquemas religiosoe tecnológico, o que vai ao encontro das nossas hipóteses. O mesmo se

QUADRO 3

Diferencas nos trés esquemas de controlo cm funccio das características sociodemográficas dosrespondentes

(análise de variáncia efectuada aos scores factoriais)

E. Político-técnico E. Religioso E. Tecnológico

(gl) X F P X F P X F P

CIDADE Lx .05 n.s. -.24 8.81 .003 .08 n.s.(1,231) Po-.04 .14 -.09

SEXO M .08 n.s. -.18 n.s. -.04 n.s.(1,231) F-.07 .06 .04

IDADE <25 -.19a 3.2 .04 -.3213 7.35 .008 26a 3.7 .02(2.230) >24<44 .196 -.136 -.15b

>44-.06ab .29a -.05ab

INSTR 4A .11 n.s. .45a 12.53 .001 -.19 n.s.(3,229) 9A-.32 .15a -.09

12A .01 -.33b .17Univ. .15 -.4513 .08

As médias que náo estáo assinaladas com letras iguais sáo significativamente diferentes entre si, p < .05.

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181QUADRO 4

Correlacito entre os trés esquemas de controlo e a avaliactio do risco

E. Político-técnico E. Religioso E. Tecnológico

Probabilidade .09 .09 .06Preocupaláo .00 .11* .11"-Av. consequéncias —.11" .14* .03

* p < .05; ** p < .01; '•'•' < .001

passa com a avaliagáo dos estragos no seu alojamento e a utilizagáo doesquema religioso. O esquema político-técnico aparece negativamenteassociado á gravosidade das consequéncias previstas para a sua casa.

H4. A atribuigáo de responsabilidade pelo colapso dos edifícios emcaso de sismo é, no total da amostra, significativamente maior para osautarcas (2,24), engenheiros (2,22) e construtores (2,18) do que para ogoverno (1,73) ou para os partidos políticos (1,6) (p < .0001). Este resultadomostra que a responsabilidade é feita ao nível específico, e que, ao contráriodo que Hamilton previa, náo existe a tendéncia a atribuir a responsabilidadepara os níveis máximos de decisáo política, o que poderá apontar para urnaespecificidade do pensamento político portugués, em que o papel socialseria instituíduo pela proximidade interpessoal, mais do que pela fungáo.

Podemos ver no quadro 5 a relagáo da attribuigáo de responsabilidadecom a percepgáo do risco sísmico. As associagóes encontradas sáo, tambénao contrário das hipóteses, bastante fracas, mas mostram alguma associagáoentre a avaliagáo da probabilidade da ocorréncia de um sismo forte e aresponsabilizagáo das autarquias e dos engenheiros.

H5. O teste da última hipótese pode ser observado no quadro 6. 0esquema político-técnico aparece fortemente associado á responsabilizagáode qualquer das autoridades apresentadas. Este resultado vai no sentido dashipóteses formuladas, especialmente se considerarmos que este esquema sebaseia na confianga nas autoridades (políticas e técnicas) pela seguranga doscidadáos. O esquema religioso está relacionado com a auséncia deresponsabilizagáo do governo e dos partidos políticos, e o esquematecnológico ao contrário do que tínhamos como hipótese náo apresentarelagáo com a atribuigáo de responsabilidade aos engenheiros, mas apenascom a auséncia de responsabilizagáo dos partidos políticos.

QUADRO 5

Correlalcio entre a atribuictio de responsabilidade e a avaliactio de risco

Probabilidade Preocupagáo Av. Consequéncias

Resp. ao Governo .0,5 .03 .10Resp. aos Construtores .09 .06 .06Resp. ás Autarquías .12* .09 .04

Resp. aos Engenheiros .12* .06 .06Resp. aos Políticos .06 —.04

p < .05; ** p < .01; *** p < .001

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182QUADRO 6

Correlacao entre os trés esquemas de controlo e a atribuiccio de responsabilidade

E. Político-técnico E. Religioso E. Tecnológico

Resp. ao Governo —.22*** —.04Resp. aos Construtores .04 —.02Resp. ás Autarquias .29*"* —.05 —.05Resp. aos Engenheiros .26*** —.03 —.06Resp. aos Políticos .31*** —.13* —.13*

p < .05: *" p < .01: "** p < .001

4. CONCLUSÓES

Os dados que apresentámos apontam no sentido da existencia deesquemas de controlo para as populalóes ameagadas pelos sismos.Pensamos ter caracterizado com alguma clareza dois deles (os esquemaspolítico-técnico e religioso) enquanto que o terceiro (o esquematecnológico) aparece definido de urna forma um pouco vaga. Apesar doslimites metodológicos desta investigagáo exploratória (por um lado aentrevista foi realizada pelo telefone, e, por outro lado, diversos autoresdefendem o estudo dos esquemas através da análise do discurso livre (ex.Lau, 1986), devemos salientar o carácter heurístico desta perspectiva. Nosúltimos anos, a Psicologia Social, especialmente nos Estados Unidos,procurou explicar o pensamento social dos individuos utilizando conceitosde ámbito cada vez mais reduzido. Numa perspectiva completamentediferente, na Europa tem vindo a crescer uma Psicologia Social centrada nopensamento dos grupos e nas suas representaÇóes. Pensamos que a noláode esquema social tal como foi defendida por Lau (1986) para a cogniláopolítica e neste artigo, para o caso dos sismos, permite urna perspectivaintegradora que explica por um lado o carácter social dos esquemas, e, poroutro salienta as suas vantagens em termos de processamento deinformaÇáo.

Lau mostrou ainda a relaláo entre os esquemas políticos e ocomportamento eleitoral dos indivíduos. No nosso caso, pensamos que estalinha de investigagáo também deverá ser explorada, porque a articulacdoentre os esquemas de controlo e as estratégias de prevenccío face a sismospoderá ser importante para compreender os comportamentos daspopulagóes em risco.

Tentámos ainda mostrar a relaláo destes esquemas com outras formasde pensamento social (atribuiláo da responsabilidade e percepÇáo deeficácia) e com a avalialáo do risco sísmico. Devido ao ámbito reduzidocm que foram testadas estas hipóteses, os resultados que obtivémosparecem-nos animadores, mas insuficientes. Pelos dados agora obtidos, náopodemos confirmar a generalidade da aplicacdo destes esquemas, pelo que,cm estudos posteriores dever-se-á proceder, em primeiro lugar á verificagiode aplicaÇáo de um mesmo esquema a temas diferenciados (a outrassitualóes de incerteza, como por exemplo o risco de cancro no caso dosfumadores), e, em segundo lugar, á análise das rela lóes entre os esquemasde controlo e o conteúdo de diversas representa lóes sociais por parte de

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183grupos distintos (por exemplo, a relagáo entre os esquemas de controlo eo conteúdo das representagóes sociais sobre a técnica e a ciéncia). A relagáoencontrada entre a utilizagáo dos esquemas de controlo e a avaliaÇáo do

risco sísmico parece-nos prometedora, mas deverá também ser maisexplorada, nomeadamente através de urna melhor operacionalizagáo damedida de risco recorrendo aos estudos de Slovic, Fischoff e colaboradores(e.g. Fischoff, 1978) e da exploragáo de diferentes cenários hipotéticos.

Por fim, pensamos que este estudo, apesar de todas as suas limitagóes,ajuda a compreender a aparente falta de interesse das populagóes que vivemem zonas de maior risco sísmico pela ameaga a que esto sujeitas. Esteposicionamento no deverá ser interpretado como fruto de falta deinformagáo ou da capacidade de racionalizar o problema, mas, num outroregistro, como urna forma de ajustamento á situagáo: em alturas de maiorperigo percebido, os indivíduos utilizam os esquemas como forma derestablecerem o controlo sobre a situagáo.

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