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Seminário Controle Aduaneiro, Lavagem de Dinheiro e Pirataria no Brasil Organização Delegacia Sindical no Rio de Janeiro Foto: Vanor Guedes

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Seminário

Controle Aduaneiro,Lavagem de Dinheiro

e Pirataria no Brasil

Organização

Delegacia Sindical no Rio de Janeiro

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DiretoriaBiênio 2003 / 2005

Presidente: Alexandre TeixeiraVice-presidente: Vera Teresa Balieiro A. da CostaSecretário-geral: Aelio dos Santos Filho1º Secretário de Finanças: José Carlos Sabino Alves2º Secretário de Finanças: Cátia da Silva BeserraSec. de Assuntos Jurídicos: Lenine Alcântara MoreiraSec. de Defesa Profissional: João Luiz Teixeira de AbreuSec. de Atividades Especiais: Carlos Eduardo dos Santos BaptistaSec. de Assuntos de Aposentados: Lenilson Moraes

CONSELHO FISCAL TITULARJosé Afonso Silva RamosNelson dos Santos BarbosaIsaías Soares

SUPLENTESAlzenda Costa do Rego BarrosNey Roberto Luiz CoelhoFernando Moretzsohn de Andrade

EXPEDIENTEEssa é uma publicação especial da Delegacia Sindical do Rio de Janeiro do UnafiscoSindical - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal. Coordena-ção: João Abreu. Edição: Cyntia Campos (MTb 1394). Diagramação: WilliamAguiar. Fotos: Vanor Correia e Alvacir Guedes. Impressão: Gráfica Tec On Fast -Editora Gráfica Ltda. DS/RJ - Rua Debret, 23 - Salas 401/405 - Centro - CEP20030-080. Fone: (21) 2262.3827. Tiragem: 6.600 exemplares.

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Seminário

Controle Aduaneiro,Lavagem de Dinheiro e

Pirataria no Brasil

Rio de Janeiro, 8 de novembro de 2004Hotel Guanabara Palace

Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais daReceita Federal

Delegacia Sindical do Rio de Janeiro

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Índice

Programação do Seminário ....................................................... 7Relação dos participantes .......................................................... 9Apresentação .............................................................................11Aos aduaneiros ..........................................................................13Introdução ..................................................................................15Um projeto de aduana para os próximos anos .....................19Aduana S.A. - Alexandre Lattari ............................................21Aduana: Por um projeto pautado pelo interesse público -Nory Celeste Sais de Ferreira ..................................................37O plantão e o deadline - João Carlos Nunes ..........................43As Parcerias Público-Privadas e as Aduanas no Brasil ......45Os vícios estruturantes do Projeto de Lei das PPPs -Ceci Juruá ..................................................................................47O Sistema Aduaneiro e suas Fragilidades ............................59“Identificação das fragilidades do sistema” - Dão Real .....61O controle aduaneiro e a segurança funcionaldo servidor - João Abreu .........................................................75O combate aos crimes vinculados ao comércio exterior -José Agusto Vagos ....................................................................91Lavagem de dinheiro nas operações de comércio exteriore pirataria ................................................................................ 105Lavagem de dinheiro - Marcus Vinícius Vidal Pontes .... 107Um retrato da pirataria no Brasil -Deputado Julio Lopes (PP-RJ) ............................................ 119Resistir e construir a Aduana do Brasil -Ana Mary C. L. Carneiro ...................................................... 129

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Seminário

Controle Aduaneiro, Lavagem de Dinheiro

e Pirataria no Brasil

Programação

9h30 - Conferência de Abertura

10 horas -Painel 1: “Projeto de Aduana para os próximos anos”

Aduana S/AAlexandre LattariAuditor-fiscal da Receita Federal, Porto de Vitória (ES)Aduana:Por um projeto pautado pelo interesse públicoNory Celeste Sais de FerreiraAuditora-fiscal da Receita Federal, presidenteda DS/Rio Grande (RS)O plantão e o deadline: serviços para “encantar o cliente”João Carlos NunesAuditor-fiscal da Receita Federal, Porto de Rio Grande (RS).

11h20 - Painel 2: “Lavagem de dinheiro nas operações decomércio exterior e pirataria”

Lavagem de DinheiroMarcus Vinícius Vidal PontesAuditor-fiscal da Receita Federal, ESPEI-07O Combate à piratariaDeputado Federal Julio Lopes (PP/RJ)Vice-presidente da CPI da Pirataria

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13 horas - Almoço

14h15 - Homengaem aos aduaneiros aposentados

14h30 - Painel 3: “Sistema Aduaneiro e suas fragilidades”

Identificação das fragilidades do sistemaDão RealAuditor-fiscal da Receita Federal, Inspetoria da ReceitaFederal de Porto Alegre (RS)REDEX: controle aduaneiro e a segurança funcionaldo servidorJoão Luiz Teixeira de AbreuSecretario de Defesa Profissional - Unafisco/RJFragilidade do Siscomex e sua repercussão nocombate aos crimes vinculados ao comércio exteriorJosé Augusto Simões VagosProcurador da República - MPF/RJ

16h30 - Coffee Break

17 horas - Painel 4: “PPP e as aduanas no Brasil”

Parcerias Público Privadas (PPP)Ceci JuruáConselheira do Corecon/RJ, especialista emfinanças públicasAs Aduanas no BrasilRepresentante da Direção Executiva Nacional (DEN)do Unafisco SindicalRepreentante da DS/RJ

18h30 - Encerramento

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Mediadores/ presidentes de mesaVera Teresa Balieiro Anastácio da Costa, vice-presidente, DS/Rio,Aélio dos Santos Filho, secretário-geral, DS/Rio, José Carlos SabinoAlves, diretor financeiro, DS/Rio, Dr. Carlos Alberto Gomes deAguiar, procurador-chefe da Procuradoria da República/RJ, CésarAugusto Barbiero, superintendente da Receita Federal da 7ª R.F.,Clemilce Sanfin C. Affonso de Carvalho, presidente da AFIPERJ,João Carlos de Mello Nunes, AFRF, Porto de Rio Grande/RS.

PalestrantesAlexandre Lattari, Porto de Vitória/ES, Nory Celeste Sais deFerreira, presidente da DS/Rio Grande (RS), Marcus Vinicius VidalPontes, AFRF, ESPEI 07a RF, Julio Lopes, deputado federal (PP-RJ), vice-presidente da CPI da Pirataria, Dão Real Santos, vice-pre-sidente da DS/Porto Alegre (RS), João Luiz Teixeira de Abreu,secretário de Defesa Profissional da DS/Rio, Dr. José AugustoSimões Vagos, procurador da República - MPF/RJ, Ceci Juruá,conselheira do Corecon/RJ, especialista em finanças públicas.

ConvidadosPaulo Ramos, deputado estadual-RJ, Christian Stavros Castelhano,coordenador regional da APDIF do Brasil/RJ, Adriana Muroya-ABIT - área internacional, Samuel Silveira Cerqueira- inspetor subs-tituto IRF/RJ, André Almeida dos Santos, coordenador do De-partamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (DECIF) -Banco Central - GT/RJ, Ari da Silva, gerente regional DECIF - BC,Shirley Yurika Kanamori Atsumi, coordenadora do Departamentode Capitais Estrangeiros e Câmbio - DECEC/BC, Fátima Alves deCarvalho, Gerente Regional do DECEC - BC, Francisco AlceuBueno Cenovicz, coordenador do DECIF - BC, Valdemar G. Ri-beiro, diretor-geral da APDIF, Antônio Elias Ordacgy Júnior, de-legado-chefe da DELEFIN - Polícia Federal, Arnô Caetano da Sil-va, sub-procurador-geral da Fazenda Nacional, Mário Gonçalvesde Albuquerque, presidente da ABAFIA, Nydia Alves Moreirada Silva, vice-presidente da ABAFIA, Clarita da Encarnação, di-

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retora da ABAFIA, Tarcisio Cruz da Silva, inspetor da Receita Fe-deral - IRF/RJ, Wilson Guimarães, delegado da Divisão de Fiscali-zação da Receita Federal, Fernando Fernandes Fraguas, inspetor-substituto do Porto do Rio de Janeiro.

Delegados SindicaisBruno Carvalho Nepomuceno (Foz do Iguaçu), Clair MariaHickmann (Curitiba), Damião Benvinda de Amorim (Brasília),Eurico Pereira de Souza Filho (Ponta Grossa), Ítalo Balreira deAragão (Ceará), Ivan Vasco de Moraes (Santos), Marcelo RamosOliveira (Porto Alegre), Márcia Maria Galvão de Freitas (Salva-dor), Narayan de Souza Duque (São Paulo), Paulo José AlvimPassos (Campinas), Paulo Roberto Torres (Ribeirão Preto), RobertoDuarte Alvarez (Florianópolis), Sérgio Roberto Pereira Araújo (SãoJosé dos Campos), Sueli A. Rubim da Silva (Novo Hamburgo).

Representantes de Delegacias SindicaisAlcides Caldeira - diretor de Aposentados e Pensionistas da DS/Campinas, Angelina Maria Rezende Vieira – diretora de AssuntosJurídicos da DS/Uberlândia, Antônio César Bueno Ferreira – DS/Campinas, Eduardo Selio Mendes – vice- presidente da DS/SantoAndré, Izabel Ruth T. Vieira – DS/Novo Hamburgo, Márcia deOliveira Amaro – DS/Guarulhos, Marcos André Más – vice-pre-sidente da DS/Mato Grosso do Sul, Marcos Teixeira Tavares –DS/Uruguaiana, Maria Gregória Cordeiro Bittencourt – vice-pre-sidente da DS/Curitiba, Norberto Antunes Sampaio – DS/Curitiba,Renato da Silva Braga – diretor de Finanças da DS/Campos, Sér-gio Antônio de Azevedo – diretor de Assuntos Parlamentares daDS/Bauru, Simone Raposo da Costa Mendes – DS/São José dosCampos, Thaís D’Ávila – secretária-geral da DS/Salvador, VeraLúcia Esteves Malmegrin – vice-presidente da DS/Londrina,Wagner Teixeira Vaz – DS/Itajaí.

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Apresentação

No dia 8 de novembro de 2004, a Dele-gacia Sindical do Unafisco no Rio de Janeirorealizou o seminário “Controle Aduaneiro,Pirataria e Lavagem de Dinheiro no Brasil”,mais um esforço da DS/Rio para contribuir odebate e o resgate da missão institucional daAduana Brasileira.

Os AFRFs — ativos e aposentados,aduaneiros ou não — constituem uma preci-osa reunião de capacidades intelectuais, com-promissos e responsabilidades das quais, aDS/Rio tem certeza, brotará a formulaçãode Aduana mais afinada com o interesse pú-blico e com a vocação da nossa instituição.

Para isso, não vai bastar o nosso esfor-ço de formulação. Precisaremos de aliadosque pensem conosco e nos ajudem a conquis-tar o conjunto da sociedade para esta luta.Como lembrou o superintendente da 7ª Re-gião Fiscal da SRF, César Barbiero, na aber-tura do nosso seminário: “Há outros interes-ses, que pressionam por meio de seus lobistas.Mas vamos barrá-los, com certeza. Temos quecolocar interesse público em primeiro lugare resguardar sempre o papel da aduana noefetivo controle de segurança de fronteiras.”

A DS/Rio se orgulha de já contar comum aliado inestimável: o Ministério PúblicoFederal que, aqui no Rio de Janeiro, promo-ve uma ação civil pública contra o afrouxa-

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mento dos controles aduaneiros.O que apresentamos nas páginas a se-

guir é uma síntese das palestras e debatesrealizados durante o seminário — compila-ções revistas e autorizadas pelos oradores,elaboradas a partir da transcrição de suas fa-las. É a contribuição da DS/Rio para disse-minar as importantes formulações, opiniõese aportes trazidos não só pelos palestrantes,mas por 250 colegas de todo o Brasil, queatenderam ao nosso convite e lotaram o au-ditório do Hotel Guanabara para aprofundaros temas controle aduaneiro, combate à la-vagem de dinheiro e à pirataria.

A publicação deste livro só foi possívelgraças à contribuição das Delegacias Sindi-cais do Unafisco em Aracaju (SE), Bauru(SP), Campinas (SP), Ceará, Curitiba (PR),Florianópolis (SC), Goiás, Londrina (PR),Montes Claros (MG), Niterói (RJ), NovoHamburgo (RS), Piauí, Ponta Grossa (PR),Recife (PE), Ribeirão Preto (SP), Rio Gran-de (RS), Rio Grande do Norte, Salvador(BA), que dividiram conosco as despesas re-ferentes ao fotolito e a impressão.

Boa leitura a todos e que estejamos dan-do mais um passo na construção de umaAduana a serviço do Brasil.

Rio de Janeiro, novembro de 2004Diretoria da DS/Rio

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Aos aduaneiros

A Secretaria da Receita Federal é umaconstrução diária de cada um de seus servi-dores. Nós, AFRFs, temos orgulho de contri-

buir com o nosso tra-balho, para o engran-decimento da nossainstituição, para ofortalecimento doEstado brasileiro epara a promoçãodo bem estar dasociedade.

A Aduana bra-sileira, que hojequeremos debater e

aprimorar, deve muito aos esforços dos nos-sos colegas, hoje aposentados, que tanto con-tribuíram com seu trabalho, e hoje contribuemcom sua experiência, para que as novas gera-ções prossigam na missão de proteger o país.

A homenagem prestada pela DS/Rioaos AFRFs aposentados Clarita daEncarnação, Luiz Fructuoso Corrêa eMário Gonçalves de Albuquerque, duran-te o seminário “Controle Aduaneiro, Lava-

A DS/Rio prestouuma homenagem àexperiência e àluta dos aduanei-ros aposentados

Foto: Alvacir Guedes

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gem de Dinheiro e Pirataria no Brasil” ex-pressa o nosso reconhecimento a todos oscolegas que construíram uma trajetória bri-lhante na carreira e, ainda hoje, contribuempara que a Aduana Brasileira cumpra suamissão constitucional e para que os trabalhoda categoria seja reconhecido pela sua im-portância para a segurança do País.

As singelas placas entregues a Clarita,Mário e Luiz, expressam nosso respeito, nos-so carinho e nossa disposição de continuaraprendendo com eles. Expressam, principal-mente, nosso compromisso de fazer jus àssuas trajetórias, continuando seus esforçospelo engrandecimento da Aduana e da Se-cretaria da Receita Federal.

A DS/Rio vai perseverar na luta pelo res-gate da nossa instituição, uma luta incansávelpela afirmação da Aduana e para assegurar queela esteja sempre a serviço do Brasil.

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Introdução

O desafio posto aos AFRFs é grande:pensarmos, juntos, uma aduana como a pri-meira linha de defesa do Brasil.

O assunto está em voga. A pirataria, odesemprego, a lavagem de dinheiro, a violên-cia urbana e o tráfico de drogas acendem oclamor por um maior controle da entrada e

saída ilegais de mer-cadorias do país.Ainda assim, a soci-edade brasileira tal-vez não esteja ple-namente esclarecidasobre o papel dosauditores-fiscais daReceita Federal nes-se processo e sobrea importância dos

controles aduaneiros eficazes. É pelo viéseconômico que a aduana tem figurado nosdebates dos dirigentes políticos, dos empre-sários, dos formadores de opinião, vista prin-cipalmente como uma mera etapa dos pro-cessos de comércio exterior.

Nós auditores fiscais da Receita Fede-ral, servidores públicos encarregados do con-trole aduaneiro, sabemos que agilidade emodernidade são essenciais. Mas sabemos,também, que não são suficientes para garan-

O superintendenteda 7ª RF, CésarBarbiero, a vice-presidente da DS/Rio, Vera Balieiro,a vice-presidenteda ABAFIA, NydiaAlves Moreira daSilva, na mesa deabertura.

Foto: Alvacir Guedes

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tir que a Aduana cumpra o papel que lhe de-termina a Constituição. É premente, portan-to, que estejamos capacitados para intervirnum debate que corre o risco de serhegemonizado por segmentos representantesde interesses diversos dos que queremos vernorteando a Aduana — lembrando sempreque é exatamente para o lado desses setoresque o poder econômico determina que apon-tem os holofotes e microfones da grande mídia.

A aduana transformada em mera ferra-menta de facilitação do comércio exterior nãoserve aos interesses da maioria da socieda-de. A Aduana pertence ao Brasil e é ao paísque ela deve servir. Nós, AFRFs, vamos co-locar nosso conhecimento a serviço desseprojeto, perfeitamente afinado com as neces-sidades de agilidade e modernidade, mas to-talmente calcado no interesse público.

E o que é moderno nesse debate? Ocontrabando e o descaminho com certeza nãosão — esses, possivelmente, contemporâ-neos dos primórdios da organização dos pri-meiros Estados. A flexibilização, ou a“relativização”, do controle do Estado tam-bém já contam em séculos os discursos emsua defesa. Para nós, moderno será sempre oque caminha para o fortalecimento da cida-dania e para a promoção do bem estar coleti-vo e de cada um. Moderno, hoje, portanto, éproteger nossos postos de trabalho, minadospelas fraudes no comércio exterior. É livraras cidades do ricochetear das armas pesadas.

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É barrar a entrada de produtos perigosos queenvenenam nosso solo e nossas águas. Mo-derno, portanto, é aduana forte.

No Rio de Janeiro, convivemos com asconseqüências do contrabando todos os dias:as ações do tráfico de drogas e de armas inun-dam os telejornais. Como cidadãos, partilha-mos com o restante da sociedade a insegu-rança cotidiana. Como AFRFs, vemos au-mentar em escala alarmante o risco de nossaatividade. Como testemunhou, durante onosso seminário, o superintendente da 7ªRegião Fiscal, César Barbiero: “Aqui nos re-cebem de AR-15”. O reconhecimento des-ses riscos, pela administração da 7ª RF, é umpasso importante para fortalecer nosso tra-balho, como de resto é passo essencial ao tra-balho da Receita Federal em todos osquadrantes do país.

A iniciativa que culminou com a reali-zação do seminário “Controle Aduaneiro,Lavagem de Dinheiro e Pirataria no Brasil”nasceu de uma demanda na área da DefesaProfissional. O chamado de um colega, pron-tamente atendido pela DS/Rio, só nos con-firmou o que já sabíamos: às ações imedia-tas e pontuais na defesa da categoria devemse somar as medidas de longo prazo, no senti-do de compreender, debater e transformar asnormas, procedimentos e estruturas da SRF.

Como servidores públicos, agentesde Estado, estamos prontos a cumprirnossa missão.

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“Um projeto de aduana para ospróximos anos”

Expositores

Alexandre LattariAFRF, Porto de Vitória (ES)

Nory Celeste Sais de Ferreira AFRF, presidente da DS/Rio Grande (RS) e membro da

Comissão Aduaneira do Unafisco Sindical

Moderador

João Carlos NunesAFRF, Porto de Rio Grande(RS)

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Aduana S. A.

Uma abordagem crítica do estudo “Modelo deControle Aduaneiro - diagnóstico, diretrizes epropostas para o Controle da ImportaçãoBrasileiro”, da COANA.

Alexandre Lattari

O estudo técni-co “Modelo de Contro-le Aduaneiro - diagnós-tico, diretrizes e propos-tas para o Controle daImportação Brasileiro”,elaborado pela Coor-denação-Geral deadministração Adua-neira (COANA), foiapresentado formal-mente ao Unafisco

Sindical e à comissão de aduaneiros, consti-tuída pelo Sindicato, em fevereiro de 2004.Infelizmente, para a maioria dos AFRFs, odocumento permanece desconhecido.

Se quisermos, como categoria, ter umaintervenção organizada e qualificada no de-bate nacional sobre a Aduana, é essencial quebusquemos conhecer as mais diversas formu-lações que estão em disputa, hoje. No caso

Lattari: “Ummodelo de aduanasempre refletiráuma concepção deEstado”

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do estudo da Coana, uma análise mais aten-ta do documento fornece pistas claras sobreque concepções inspiram os rumos que a atualadministração da Receita Federal pretendedar à aduana brasileira — na verdade, umaprofundamento do modelo que já vem sedesenhando na última década.

Isso não nos surpreende, porque o mo-delo de aduana adotado por um país será sem-pre a tradução do modelo de Estado escolhi-do por esse país, aplicada ao setor. A ênfasena facilitação do comércio exterior parece sera inspiração mais marcante no estudo técni-co em questão. Das 22 referências bibliográ-ficas listadas no documento, 21 tratam dessetema. Toda política de governo se baseia emalguma ideologia. Portanto, essa ênfase nãopode ser vista como um equívoco pontual.Ela é a expressão de uma política e de umavisão de mundo. Essa constatação terá queorientar sempre as estratégias que nós,AFRFs, construiremos para intervir no de-bate nacional e para legitimar nosso projeto.

Uma visão geral

Numa visão geral, o estudo “Modelo deControle Aduaneiro - diagnóstico, diretrizes e pro-postas para o Controle da Importação Brasileiro”parte de uma análise da chamada “evolução”da Aduana brasileira a partir da etapa“arrecadatória” da instituição — quando aatuação do órgão volta sua missão para o viés

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fiscal. Num segundo momento, o documen-to faz uma análise dos perfis das empresasimportadoras e exportadoras, segmentando-as por área de atividade econômica, fatura-mento e montante FOB importado, porexemplo. Baseada em dados do Siscomex,essa é a parte mais consistente do estudo, porsua riqueza de informações e estatísticas. Porfim, há uma breve consideração sobre a dis-tribuição da “mão-de-obra fiscal”, onde sefaz uma distinção, que é fundamental para aelaboração do estudo, entre importadores fre-qüentes e importadores eventuais.

A leitura do documento permite identi-ficar algumas premissas que o embasam. Aprimeira delas é a diversificação dos momen-tos de controle, que seriam o controle antecipa-do, efetivamente realizado antes do despa-cho, o controle durante o despacho — faseque, atualmente, concentra a maioria dasações— e o controle a posteriori, as ações fis-cais chamadas pós-despacho, ou de audito-ria. Outra premissa é a orientação pelogerenciamento de risco das operações deimportação. O gerenciamento de risco vemsendo implementado pela grande maioria dasAduanas e é fundamental na concepção domodelo proposto pela Coana. Os pressupos-tos seguintes passam por investimento emtecnologia e informatização, pela capacitaçãoe pela especialização dos recursos humanose aperfeiçoamento da estrutura organiza-cional e da distribuição de recursos.

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Faço um destaque, aqui, para as duas pri-meiras “premissas” – ações pós-despacho egerenciamento de risco – porque justamente elasjamais poderiam fazer parte dessa lista. Vejamque são a própria conclusão pretendida do es-tudo. Logo, jamais poderiam ser incluídas comopressupostos. É um erro notório de metodologia.

O estudo ignora, ainda, três premissasessenciais à sua efetividade, a meu ver. Aprimeira: toda fraude aduaneira teria, obri-gatoriamente, que ter registro no Siscomex,mas isso não ocorre. Porque o estudo não levaem consideração o que não aparece oficial-mente no sistema. Segunda: para todos osefeitos, todo ilícito não identificado não exis-te. O modelo não trabalha com estatísticasjá verificadas e não leva em consideração oque não foi detectado. Terceira: as variáveisnão devem ficar restritas ao valor comercialda mercadoria e à freqüência nas importa-ções, ou seja, a natureza da mercadoria nãoé irrelevante. Em outras palavras, a importa-ção de um item potencialmente danoso à saú-de pública ou ao meio ambiente, mas de bai-xo valor comercial, por exemplo, teria suaanálise fiscal condicionada à segunda carac-terística. Todo estudo leva em consideraçãosomente essas duas variáveis.

A “facilitação” do comércio

Quanto à “facilitação do comércio”, otermo que vem sendo usado rotineiramente

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é uma tradução do inglês trade facilitation. Éimportante lembrar que, em bom português,o termo “facilitação” tem uma conotaçãopejorativa. Internacionalmente, esse concei-to começou a ser utilizado em uma confe-rência ministerial da Organização Mundial doComércio em 1996, mas a noção veio a seconsolidar a partir do Programa de Trabalhode Doha que é o desdobramento de umaconferência ministerial que leva o mesmonome, realizada em 2001. Como desdobra-

mento disso tudo,recentemente oBanco Mundial li-berou US$ 500 mi-lhões para os ajus-tes microeconô-micos de países emdesenvolvimento,sob a rubrica “Em-p r é s t i m o

Programático de Ajuste para o CrescimentoEqüitativo e Sustentável- PSAL”.

Segundo o estudo da Coana, “...a dimi-nuição das barreiras tarifárias é resultado deamplos processos de negociação...que seamparam na teoria e na experiência econô-mica internacional de que o livre comércio,ao permitir uma melhor alocação de recur-sos produtivos intra e entre economias, pro-move o desenvolvimento econômico e obem-estar social dos países.”.

A frase expressa uma visão da questão,

Lattari, JoãoCarlos e NoryCeleste durante odebate

Foto: Alvacir Guedes

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não um fato absoluto. Eu ofereço um contra-ponto: “Os livres mercados tendem a ampli-ar as desigualdades de renda e, por si só, nãogarantem crescimento econômico. Ninguémtem sido capaz de fazer com que empresasestatais ou mercados regulados funcionemadequadamente. E muitos tentaram”. A fra-se, que parece ser de algum professor daUnicamp, é de Lester Thurow, ex-Diretor doMIT Sloan School of Business, um dos prin-cipais economistas especializados em distri-buição de renda e riqueza e em comércio ex-terior, citado pela revista Commonwealth Ma-gazine, edição de novembro de 2002.

Um órgão promotor dacompetitividade?

Outro trecho destacado do estudo daCoana sustenta que “a eficiência dos procedi-mentos aduaneiros pode proporcionar ganhosreais de competitividade para as empresas,fator que pode ser decisivo para atração deinvestimentos diretos estrangeiros.” A afir-mação é surpreendente, mas plausível. En-tretanto, não há notícia de qualquer investi-mento que tenha deixado de ser feito no Brasilpor conta do controle aduaneiro—seja pelachamada “burocracia”, seja pelas “altas”alíquotas de importação, seja por “dificulda-des operacionais”.

O que torna o Brasil pouco atraente aoinvestimento, como se pode ler todos os dias

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na imprensa, é a carga tributária, por exem-plo. Michael Dell, ex-CEO da Dell Computer,declarou exatamente isso à Folha de S Paulo,em edição recente. Não se referiu a contro-les aduaneiros e ele deveria ser um dos prin-cipais interessados no tema, já que a Dell foiuma das pioneiras nos conceitos logísticosde just in time no segmento de computadorespessoais. O grande gargalo, no Brasil, é ainfraestrutura. O presidente de uma fábricade semicondutores na Europa declarou, ementrevista, que não pensava em investir noBrasil porque havia carência de mão-de-obraespecializada e a empresa não confiava nosistema de fornecimento de energia elétrica,já que se trata de um processo produtivo al-tamente sensível.

Ainda o estudo da Coana: “Compete àaduana contemporânea procurar promover acompetitividade das empresas, buscando apermanente adequação dos controlesadotados, à logística e às estratégias de pro-dução por elas utilizadas”. É interessante quea Coana atribua essa missão à instituição,quando nem a aduana do país mais capitalis-ta do planeta, que é a dos Estados Unidos,abraça essa concepção. Para um país que vivetomando os Estados Unidos como modelo,é curioso que o Brasil inove em relação à le-gislação americana neste ponto. A missão quea Coana pretende atribuir à Aduana lembraalgumas das competências da Câmara doComércio Exterior- CAMEX, órgão do Mi-

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nistério da Indústria e do Comércio, presen-tes aqui no site do MDIC: “definir as diretri-zes e procedimentos relativos à implemen-tação da política de comércio exterior, visan-do à inserção competitiva do Brasil na eco-nomia internacional” e “estabelecer diretri-zes e medidas dirigidas à simplificação e ra-cionalização do comércio exterior, bem comopara investigações relativas às práticas des-leais de comércio exterior”.

A abordagem mercantilista não é nova.A adequação da aduana ao comércio e aosinteresses corporativos já foi tratada no Pro-jeto de Lei 1.864, de 1996, de autoria dodeputado Delfim Netto, que tinha a seguinteredação em seu artigo primeiro: “A estaçãoAduaneira de Interior – EADI, bem como qual-quer ente que lhe seja equivalente, com iguais atri-buições, poderá ser instalada e explorada por inici-ativa de empresa privada, em qualquer ponto dazona secundária do território nacional, assim defi-nida pela legislação aduaneira, independentementede prévia autorização do Poder Público”. Numaanálise desse projeto em uma das comissões,o relator, deputado Marcos Cintra—o mes-mo do imposto único — comenta num des-pacho que certas atribuições da Aduana se-riam “ingerências indevidas” na logística dasempresas. Esse Projeto de Lei só viria a serarquivado em 2003, o que me permite dedu-zir que não havia interesse em arquivá-lo.

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Pós-despacho: o pilar

Mas o principal pilar do modelo de Adu-ana preconizado pela Coana é a auditoria pós-despacho. A opção pela chamada auditoria aposteriori seria justificada, segundo o estudotécnico, por algumas vantagens: “maior efi-ciência fiscalizatória”, “menor ônus para asempresas” e “melhor alocação dos recursoshumanos”. As ações que, atualmente, con-centram o maior emprego de tempo e de

mão-de-obrafiscal são asrealizadas du-rante o despa-cho. Para aCoana, elasdeveriam ficarrestritas ape-nas aos casosde suspeitasde irregulari-dades. Segun-

do o estudo, em 2002, 21 AFRFs lotados nazona secundária lançaram créditos tributári-os da ordem de R$ 172 milhões decorrentesdo ilícito de classificação incorreta de mer-cadoria. No mesmo período, 889 AFRFs dazona primária lançaram R$ 224 milhões. Oraciocínio da Coana é que os 21 AFRFs dazona secundária, realizando auditorias aposteriori, teriam produzido muito mais que os889 da zona primária.

Manifestação naPonte da Amizade:a Aduana integra-da com o Paraguainão assegurou aintegração dossistemas.

Foto: Arquivo Unafisco

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Há duas inconsistências nessa lógica.Primeiro, não leva em conta a inter-relaçãoentre zona primária e zona secundária. Écomo se esses 21 AFRFs da zona secundárianão tivessem contado com qualquer indícioou dado fornecido pela zona primária—umavisão “estanquizante” incompreensível dasnossas funções. Além disso, essa linha de raci-ocínio ignora que grande parte da arrecadaçãodurante o despacho aduaneiro fica sem lança-mento formalizado, simplesmente porque oimportador tem necessidade da posse imediatada mercadoria. Ele reconhece o erro, na maio-ria das vezes, e acaba recolhendo o tributo, amulta ou ambos. Isso não é computado, paraefeito de arrecadação, como auto de infração.

Atualmente, o maior recurso de controlepré-despacho de que dispomos é a ficha dehabilitação do sistema RADAR, que leva emconsideração aspectos contábeis e financei-ros do candidato a importador. Para aumen-tar esses controles e gerenciar melhor o ris-co da importação, convém contar com o in-tercâmbio de informações entre as adminis-trações aduaneiras. Na Comunidade Européia,a troca de informações é estimulada por acor-dos e altamente eficiente. Mas no Mercosul,por exemplo, é praticamente inexistente.

Só pra exemplificar, a aduana italianaconta com um programa de certificação deimportadores que avalia quatro áreas dasempresas (comercial, societária, contábil eaduaneira). Cada um dos pesos irá compor a

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avaliação final do risco. Essa auditoria dura,em geral, 3 anos. Se concedido o Certificadode Confiabilidade (“Attestazione di Affibilità”),a empresa contará com as facilidades no des-pacho aduaneiro.

O Conaf de 2002 aprovou uma tese queescrevi sobre as aduanas integradas. O Bra-sil tem um acordo com os países do Mercosulpara a integração das aduanas, o que signifi-ca que nossas unidades aduaneiras nas fron-teiras com esses países tendem a funcionarcom a mesma estrutura e espaço físico dasunidades aduaneiras dos vizinhos. A maioriadessas aduanas integradas se localiza fora doterritório brasileiro, duas na Argentina, umano Uruguai, duas no Paraguai. Na tese apre-sentada ao Conaf, defendi que não só seria con-veniente que as aduanas se integrassem fisica-mente mas que os sistemas de comércio exteri-or fossem integrados. Mas até hoje não houvequalquer avanço nesse campo.

Falácias

Estudando o documento apresentadopela Coana, percebe-se um método interes-sante de exposição de idéias e argumentações.Por exemplo, no trecho em que se faz umacomparação com a experiência do Chile. Afir-mam os autores que o Chile vem mantendoos índices de seleção de mercadorias em 3%para o canal amarelo (apenas conferênciadocumental) e 3% para o canal vermelho

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(conferência física e documental). Afirmam,também, que por esses dados, o custo médiodo desembaraço aduaneiro, no Chile, é seisvezes menor que o brasileiro, o que poderia“prejudicar sobremaneira a concorrência daindústria nacional”.

Sem dúvida, essas afirmações são falá-cias. Infelizmente, “falácia” hoje tem umacarga pejorativa, mas falácia nada mais é doque recurso da dialética usado todos os dias.Algumas delas podem ficar perigosas, depen-dendo do contexto. As afirmações que citeiestão na categoria do “raciocínio indutivo”,que é partir de uma informação específicapara a generalização. Porque, para fazer umaavaliação mais coerente daquela informação,eu preciso saber qual a infraestrutura da adu-ana chilena, de que recursos de hardware ede software eles dispõem e muitas outrascoisas, para poder compreender como elesreduziram seus custos de despacho aduanei-ro e puderam se permitir reduzir os percen-tuais de canal amarelo e de canal vermelho.Sem essas informações, eu não posso chegara conclusão alguma sobre esse assunto.

Outro tipo de falácia que se encontrano estudo técnico da Coana é descrito pelaexpressão latina “non causae ut causae”: ointerlocutor já tem as premissas como acei-tas e não questiona se aceitamos ou não asconseqüências delas. Segundo a Coana, asoperações de importadores eventuais nãoconfigurariam risco significativo ao controle

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aduaneiro, “considerando-se os baixos valo-res médios transacionados.” Ora, partiu-se dopressuposto de que o risco é o valor médioda transação. Como se a missão da aduanaestivesse limitada à questão comercial. Sig-nifica que quanto maior o valor da importa-ção, mais risco ela tem. Mas se acontece aimportação de um mero pacotinho de pó deantrax, cujo valor não é alto, o dano à saúdepública não será considerável?

Seguindo esse método, também vou pro-por uma falácia:as projeções parao crescimento doPIB 2004/2005para a Índia epara o Brasil, fei-tas pela Organi-zação para Coo-peração de De-senvolvimento

Econômico - OCDE, e pelo Instituto Interna-cional do Ferro e do Aço, apontam que o Brasilvai crescer 3,3% em 2004 e 3,5% em 2005. Jáa Índia vai crescer 6,8% e 6% também em 2004e 2005. Quer dizer, a Índia vai crescer quase odobro do Brasil até o final do ano que vem. Otempo médio do despacho de importação naÍndia é de 14 dias e fração e no Brasil é de setedias. Logo, seguindo a metodologia do estudotécnico, estaria provado que quanto maior aduração do despacho, maior o desenvolvimen-to econômico de um país.

Congelado há 10anos, o orçamentoda SRF nãoassegura osinvestimentosnecessários emtempo de cresci-mento do comércioexterior.

Foto: Arquivo

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Recursos e estrutura

Ironias à parte, é essencial termos bemclaros os riscos acarretados pela imple-mentação do projeto da Coana. O primeiro emais óbvio é o “fatiamento” e a desca-racterização dele. Historicamente temos vistoprojetos cujas etapas implementadas maisrapidamente são simplesmente as que deman-dam recursos irrisórios. Ou seja, no nossocaso seria o encolhimento das unidades dedespacho. As demais ficam pendentes de li-berações orçamentárias que nunca se concre-tizam. Segundo dados do Coordenador daCoana, Ronaldo Medina, o orçamento nomi-nal da Receita Federal é o mesmo há 10 anos.A falta de recursos pode realmente ser ate-nuada com um sistema de parcerias—desdeque não envolva a troca de informações ilí-citas e que violem o sigilo fiscal. Mas o pe-rigo é que, diante da falta de recursos, o ór-gão oriente seu funcionamento para os inte-resses do parceiro. Por último, e por que nãodizer, o risco é a própria piora no controleaduaneiro, mesmo que todas as ações sejamimplementadas.

Talvez não tenha ficado claro, mas pes-soalmente não sou contra a facilitação dodespacho, desde que se disponha de meiospara tal. Vou dar um exemplo de investimen-to: o Unafisco em 2002 esteve presente emum Congresso na Irlanda, que reunia fiscaisaduaneiros e de tributos internos. Era um

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encontro de sindicatos mas sempre contoucom boa participação da administração dospaíses da Comunidade Européia, inclusivecom a presença de ministros. Em 2002, umdos maiores problemas que se via na aduanafrancesa era a imigração ilegal dentro decontêineres. E por conta da quantidade cres-cente de contêineres é muito difícil eantiproducente fiscalizá-los realmente. Aaduana francesa adquiriu, depois disso,scanners de alta resolução. E hoje esse pro-blema é quase inexistente. Então se vêem nasimagens, nitidamente, pessoas deitadas, pes-soas agachadas. Ou seja, no nosso país o quefalta é investimento. Pode-se agilizar? Deve-se agilizar. Mas sem reconhecimento do go-verno, sem investimento do governo federalnão é possível.

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Aduana:Por um projeto pautado pelointeresse públicoNory Celeste Sais de Ferreira

O modelo de aduana preconizado porcada segmentoserá sempre umreflexo — umaconseqüência —da visão de mun-do deste segmen-to. Portanto, oque está em dis-puta, hoje, não ésó o modelo deaduana que que-remos para oBrasil, mas uma

concepção de Estado. O debate sobre as fun-ções dos AFRFs faz parte deste contexto: de-vemos estar a serviço de toda a sociedade ousomos uma etapa do processo produtivo dasempresas?

Quando começamos, Alexandre Lattarie eu, a construir a tese “Aduana S. A.”, queapresentaremos ao Conaf, nosso objetivo erafazer a crítica dessa concepção vigente, de

Nory: “AFRF nãoagrada cliente.AFRF cumpre a lei”.

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aduana como uma “empresa” a serviço deoutras empresas. Mas o desafio está posto evai além dessa crítica. Estou convencida deque é possível encontrar caminhos — nós,AFRFs, temos o dever de encontrar essescaminhos, dada a nossa condição de agentesdo Estado, e não do governo. Governos, fe-lizmente, vão e vêm. O Estado fica, e a Re-ceita Federal fica. O nosso dever, comoAFRFs, é discutir o que é melhor para o Es-tado, o que é melhor para a sociedade, o queé melhor para o país. Nós queremos cons-truir as definições da política aduaneira.

Em quase 10 anos de Receita Federal,tenho testemunhado a diminuição da fiscali-zação aduaneira. Além disso, também dimi-nuiu o risco do infrator. Não é inteligentediminuir a fiscalização sem aumentar o ris-co. As denúncias do Sindicato sobre o con-trabando e o descaminho, repercutidas poruma série de reportagens na imprensa [jornalO Globo, maio de 2001], tiveram como con-seqüência a IN 52.

A aduana do futuro

Se quisermos projetar uma aduana parao futuro, é preciso ter as nossas propostas.Mas também precisamos estudar com aten-ção o que representantes de outras concep-ções andam propondo para o futuro da adu-ana. É preciso conhecer as propostas deaprofundamento do modelo de aduana vigen-

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te. Portanto, nós centramos nossos estudosda “Aduana S.A.” no estudo técnico feito pelaCoana, chamado “Modelo de Controle Adu-aneiro Brasileiro – Diagnóstico, Diretrizes ePropostas para o Controle da Importação.”

Esse texto enaltece a eficiência da au-ditoria na zona secundária — que deveria,portanto, ser priorizada, em relação à fiscali-zação na zona primária. Realmente, a audi-toria em zona secundária pode ser bastanteeficiente. O problema é que, muitas vezes, odano já foi causado, e não há o que se fazerdepois. Se o importador não é sério, não éfácil apanhar o ilícito depois que a mercado-ria entra no país. Há casos emblemáticos: oAFRF chega na empresa e pede toda a docu-mentação das importações realizadas nos últi-mos dois anos e recebe um boletim de ocorrên-cia policial dando conta de que houve “um as-salto na empresa” e “todos os papéis foram rou-bados”, o que inviabiliza a fiscalização.

Portanto, a auditoria na zona secundá-ria não pode substituir a fiscalização no atodo despacho aduaneiro, na zona primária.Seria abrir mão de um papel em nome deoutro, para o qual não se criou o mínimo deinstrumentos capazes de fazê-lo funcionar.

Parcerias: com quem?

Também está em voga, hoje, enalteceras “parcerias”. Quando se trata de aduana,as parcerias devem existir, mas no interesse

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público e com órgãos públicos. A idéia deque recursos oriundos da iniciativa privadaserão aplicados “desinteressadamente”, ape-nas no que seja de interesse público, é peri-gosa: se alguém está pondo dinheiro na adu-ana, é para reforçar algum aspecto da adua-na que seja de seu interesse. Quem paga dá alinha. A origem dos recursos, portanto, temimportância. O foco na mercadoria, na facilita-ção do comércio, é extremamente perigoso paraos interesses do país. Está baseado numa ideo-logia — a ideologia neoliberal — que, infeliz-mente, não foi afastada pelo atual governo.

Além disso, nas desejáveis parceriascom outros órgãos públicos, no que toca aaduana, a Receita Federal terá que ter sem-pre o papel de coordenação dessas ações con-juntas. Deste papel nós não podemos abrirmão. Ele é constitucional. Na aduana, a pre-cedência é da Receita Federal.

AFRF não tem “clientes”

Uma concepção perniciosa é a que quertratar os importadores e exportadores como“clientes” da aduana. Certa vez, ouvi de meuchefe que deveríamos “encantar o cliente”.Quem “encanta cliente” é prostituta. Audi-tor-fiscal atende o contribuinte — com civi-lidade, com cordialidade, com o máximo deempenho. Mas, dentro da lei, AFRF não en-canta. Cumpre a lei. A Aduana não é empre-sa, não tem “clientes” nem “gerentes”. Essa

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“lógica de supermercado” se dissocia do in-teresse público e se dissocia da função deagente público. No comércio, o cliente sem-pre tem razão. No nosso caso, quem sempretem razão é o interesse público.

A sociedade é o fundamento da nossaexistência, mas ela não é homogênea. Não écomposta só de bons comerciantes, só debons profissionais. Diante disso, só a estritaobservância da lei e do interesse público nosassegura que estaremos servindo corretamenteà sociedade. A nossa atividade é plenamentevinculada. Se alguém esqueceu disso, basta lerde novo o Código Tributário e a Constituição.

Por fim, quero reafirmar que acreditoque seremos capazes de projetar e deimplementar essa Aduana do futuro, que, comcerteza, será uma Aduana a serviço do Bra-sil. Eu digo isso porque, como sindicalista,eu corri o país de ponta a ponta, acompanheia realidade dos colegas nas fronteiras maisdistantes e eu vi a dedicação de nossa cate-goria. É a mesma dedicação que testemunhono dia-a-dia do meu trabalho, no Porto deRio Grande. Se tem uma coisa que eu apren-di, nesses quase 10 anos de Receita, foi aconfiar nos AFRFs. Essa “aduana de vidafácil” que nos querem impor não vai vingar.Não estamos no serviço público para facili-tar ou dificultar a vida de ninguém. Somosservidores de Estado para cumprir a lei e alei nos dá razão: Aduana é proteção. O restoé modismo passageiro.

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O plantão e o deadline:serviços para “encantar ocliente”

João Carlos Nunes

Questionamento encaminhado àmesa:

Um procedimento firmado entre a Se-cretaria da Receita Federal, armadores e ex-portadores, garante um prazo de embarquepara as mercadorias — o chamado deadline— ainda que as cargas sejam disponibilizadasa poucas horas da partida do navio. Esse pro-cedimento causa grande prejuízo à fiscaliza-ção e exemplifica claramente a prioridade da“agilidade” dos despachos em detrimento doscontroles aduaneiros.

Comentário do moderador JoãoCarlos Nunes:

O que se observa é que esse deadline sóé exigido da Receita Federal: o exportadortem um prazo, anterior a chegada do navio,para elaboração do plano de carga e é esseque dita o prazo da SRF para ver a mercado-ria. Entretanto, se houver um atraso do de-

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positário — que, no caso do Porto de RioGrande é o Tecon — que não tenha conse-guido atender ao exportador, o deadline seestende. Só a Receita é obrigada a obedecerao prazo. Muitas vezes o despacho chegamomentos antes do tal deadline, seja porqueo exportador mandou a mercadoria em cimada hora ou porque o despachante deu priori-dade a outros despachos. Mas a Receita sem-pre tem que atender. Se não, há reclamações,não só dos exportadores, como da própriachefia da SRF.

No Porto de Rio Grande foi criado umserviço de plantão — com aquele objetivode “encantar o cliente” a que se referiu NoryCeleste em sua palestra. O plantão, em si, édesejável. A carga do exportador realmentenão pode ficar retida porque a Receita se atémaos horários administrativos. Mas o foco nãopode ser a “comodidade do cliente”.

Atualmente, o plantão tem início às 18horas. O AFRF destacado para essa ativida-de trabalha das 18 às 24 horas. Entretanto,geralmente, o Tecon não tem mão-de-obrasuficiente para funcionar, a contento, nesseturno, e o AFRF de plantão é sub-utilizado,quando poderia ser melhor aproveitado du-rante o expediente.

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As Parcerias Público-Privadas eas Aduanas no Brasil

Palestrante

Ceci JuruáEconomista, especialista em finanças públicas e

conselheira do Corecon/RJ

Moderadora

Clemilce Sanfin C. Affonso de Carvalhopresidente da AFIPERJ

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Agradeço à DS/Rio do Unafisco pelaoportunidade de apresentar esse alerta sobre

o projeto das parcerias público-pri-vadas (PPPs). Considero esse pro-jeto como de grande risco para asoberania nacional e para o futuroda nossa nação. Por isso, estou gra-ta pela oportunidade de falar paraum público tão privilegiado no co-nhecimento da máquina adminis-trativa da sociedade brasileira.

Se for aprovado o projeto, asPPPs terão o potencial de interfe-rir, em princípio, nas diversas áreasde ação do Estado. O projeto delei em tramitação no Congresso dizque as únicas funções indelegáveis

serão as que detêm poder de polícia, asjurisdicionais e de regulação, ou seja, as agên-cias reguladoras. Isso significa que a defesanacional pode ser objeto de parceria, assimcomo as embaixadas, os consulados, as uni-versidades, a aduana. Os exemplos são inú-meros. Aparentemente, o contrato de parceriapermitirá transferir ao setor privado a quase

Os vícios estruturantes doProjeto de Lei das PPPsCeci juruáEconomista, especialista em finanças públicase conselheira do Corecon/RJ

Ceci Juruá: “Oprojeto das PPPsequivale a umgolpe de estado”.

Foto: Alvacir Guedes

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totalidade de funções até então desempenha-das por órgãos públicos.

Em recente palestra a estudantes deuma universidade pública, notei, com satis-fação, que eles percebiam as armadilhas e osardis contidos nesse projeto. E eu lembravaa esses estudantes que, aventureiros comambição de comandar um grande país comoo Brasil, sabem escolher as áreas de atuaçãomais rentáveis e menos sensíveis à resistên-cia da opinião pública. Ofereci a eles umexemplo do que pode ser uma PPP: tome-mos uma universidade pública com uma des-pesa de, digamos, R$ 100 milhões por ano.Um aventureiro pode propor ao governo as-sumir a gestão dessa instituição, reduzir seuscustos para R$ 70 milhões/ ano, por exem-plo, comprometendo-se a manter todos osprofessores, todos os alunos, e funcionamen-to similar ao hoje existente.

Num primeiro momento, ao ler sobreisso na imprensa, é natural que se considerea proposta razoável. Diante de tantas notíci-as sobre “crise fiscal”, carga tributária eleva-da e falta de recursos para investimentos so-ciais, a proposta parece um negócio da Chi-na — aposto que até o final deste século aexpressão será substituída por “negócio doBrasil”. Mas, firmada a parceria, o novo gestorcomeça a substituir os professores mais anti-gos por mais novos, com salários muito infe-riores. As salas de aula passam a comportar100 alunos, em vez dos antigos 50. Passa-se

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a eliminar matérias facultativas, disciplinaspassam a ser ministradas em vídeos, em subs-tituição a professores, fecha-se o laboratório— afinal, se já se faz pesquisa nos EUA, amatriz, para quê fazê-las no Brasil?

É evidente que, com essas medidas, ogestor-aventureiro não só conseguirá baixaro orçamento dessa hipotética universidadede R$ 100 milhões/ano para R$ 70 milhões/ano, mas poderá também garantir a obten-ção de taxas altamente generosas de lucroque o impedirão de tomar as medidas neces-sárias para evitar a deterioração, inevitável,da instituição.

-Primeiro vício – a capacidade deaprofundar a crise fiscal.

As parcerias público-privadas, do pon-to de vista das finanças públicas e das fun-ções públicas, serão altamente danosas, seforem mantidas as regras do atual projeto delei que as institui – o PLC 10 em análise noSenado Federal. . É interessante que seusdefensores usem, como principal argumen-to, a escassez de recursos públicos. O Brasilprecisa de investimento. O Estado não temdinheiro. Logo, as parcerias seriam a únicamodalidade de obter dinheiro para os inves-timentos públicos necessários. Simples assim,como expôs o ministro do Planejamento,Guido Mantega, na Exposição de Motivosque acompanhou o projeto de lei enviado

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pelo Executivo ao final de 2003. Mas fica apergunta: se o Estado não tem dinheiro, comovai garantir o lucro de grandes grupos? Por-que o projeto das PPPs diz que, nas conces-sões e permissões, o governo pode ofereceruma complementação à remuneração que osempresários possam obter por meio das tari-fas. Em certos casos, o governo pode até pagarintegralmente o custo do serviço e a remunera-ção do investimento, quando se tratar de con-cessão e permissão de serviços públicos.

Portanto, as PPPs não reduzem os gas-tos do Estado. Na verdade, elas ampliam es-ses gastos. A proposta em tramitação temalgumas cláusulas inacreditáveis: o Estadopode oferecer remuneração ao parceiro pri-vado, segundo “padrões” e “metas de desem-penho” que não estão explicitadas no textoda lei proposta. O PLC 10 só diz que é pos-sível conceder ao parceiro privado uma “re-muneração variável”, mas não esclarece so-bre as modalidades que poderão ser adotadas.Outra cláusula diz que, se o governo, porqualquer razão objetiva, quiser rescindir ocontrato de parceria, terá que pagar uma in-denização, previamente e em moeda corren-te. Além disso, a rescisão terá que ser autori-zada por uma lei aprovada no Congresso.Note-se que, para assinar o contrato não hánecessidade de autorização do Legislativo.

O projeto de lei das PPPs diz, ainda,que o governo pode delegar ao parceiro pri-vado a promoção de desapropriações e a ins-

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tituição de servidões administrativas, emcasos específicos. Isso me parece contrariaras leis vigentes que delimitam esses casos.Durante todo o prazo de duração do contra-to, os bens e ativos que integram o objeto daparceria não serão propriedade do governo,mas propriedade do parceiro privado. Ao fi-nal do contrato — que é longo, podendo che-gar aos 45 anos — diz o projeto que essesbens poderão, ou não, reverter à administra-ção publica. Se a empresa-parceira tiver fei-

to investi-mentos comprazo deamortizaçãomais longodo que prazorestante docontrato, porexemplo, apropriedadedos bens po-

derá não reverter ao Estado.O projeto das PPPs, se aprovado, tor-

nará o Estado brasileiro um grande distribui-dor de privilégios a grandes grupos, interes-sados nas nossas florestas, nos nossos miné-rios, nas nossas águas. É uma volta ao Sécu-lo XIX: o Estado faz uma licitação para a“parceria”, um grande grupo vence, ganha aconcessão e pode arrecadar dinheiro, aqui ouno exterior, com os chamados direitos emer-gentes do contrato — as receitas futuras es-

Aélio, Ceci,Clemilce e AnaMary no debatesobre as PPPs

Foto: Alvacir Guedes

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peradas. Para o mercado financeiro vai ser ummaná. Não é de estranhar que o mercado fi-nanceiro esteja tão agitado em torno desse pro-jeto e venha fazendo tanta pressão pela apro-vação desse Projeto de Lei. O Banco Mundialjá tem até um “Fundo Brasileiro para Investi-mento em Infra-estrutura”, já realizou uma con-corrência para definir quem vai gerir este fun-do — o banco ABN, com sede na Holanda eligações com o capital inglês e holandês.

Pelo projeto em tramitação, se o gover-no tiver receitas de concessões e permis-sões—no caso de uma ferrovia, por exem-plo, em que o governo recebe pelo alugueldos trilhos e de outros bens repassados aoconcessionário — o projeto de lei determi-na que essas receitas não poderão ser empre-gadas em custeio, mas serão obrigatoriamen-te aplicadas em despesas de capital, prova-velmente para provocar mais e mais parceri-as, aprofundando o desfalecimento financei-ro do Estado. A lei proposta chega a criarvinculações orçamentárias, e, se aprovada,funcionará como uma camisa de força sobreas finanças públicas. Portanto, não se podeesperar que as PPPs venham constituir umalívio para finanças públicas, nem que ve-nham ampliar a capacidade de sustentaçãode um crescimento de longo prazo. Entre osestudiosos que analisam o Projeto de Lei dasPPPs, em perspectiva social e de defesa doEstado, há consenso sobre a probabilidade deefeitos nocivos de ampliação da crise fiscal.

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Mas se a crise fiscal se amplia, qual ointeresse dos parceiros privados em investircorrendo o risco de o Estado ficarinadimplente? Segundo o economista PauloRabelo de Castro, segundo declaraçõespublicadas na imprensa, é pouco provávelque o Estado possa custear novos investi-mentos, pois não teria recursos para fazerfrente às novas despesas que serão geradas,mas poderia utilizar a lei das PPPs para re-duzir seus gastos. Segundo esse raciocínio,nós voltaríamos ao exemplo da universidadeque já citei, não faltariam parceiros privados,internacionais, para apresentar oportunida-des de “bons negócios” a um governo cadavez mais espremido financeiramente, a quemsó resta repassar cada vez mais funções deEstado a esses parceiros.

-Segundo vício – a centralizaçãodos poderes da República

Para além das finanças públicas, porém,são extremamente preocupantes os aspectosjurídicos e institucionais. A aprovação doprojeto das PPPs terá reflexos muito pareci-dos com os de um golpe de estado branco. Apartir de um golpe de estado — e nós já vi-vemos alguns — há um ataque aos poderesLegislativo e Judiciário. O governo golpistaescolhe um instrumento para modificar asleis do país. Mas, assim como ocorre em umgolpe de Estado, este PLC 10 também per-

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mite interferir em funções e competências doCongresso Nacional, centralizando-as noPoder Executivo, representado por um Ór-gão Gestor constituído por apenas três pes-soas, indicadas pelos ministérios da Fazen-da, do Planejamento e da Casa Civil. Esse éo primeiro vício estruturante do projeto: umÓrgão Gestor com poderes amplos, no to-cante às parcerias.

O segundo vício estruturante diz res-peito à hierarquia superior da lei das PPPs,acima das outras leis brasileiras, talvez acimada própria Constituição brasileira. É o que sepode inferir da leitura dos artigos 11 e 22.

Art. 11. O instrumento convocatórioindicará expressamente a submissão da lici-tação e do contrato às normas desta Lei, de-vendo conter:

I – minuta do contrato elaborada comobservância ao art. 4º;

II – exigência de constituição, comocondição para a celebração do ajuste, de so-ciedade de propósito específico pelo licitan-te vencedor, nos termos do art. 8º;

III – previsão da realização de auditoriaexterna na sociedade referida no inciso II,com periodicidade, no mínimo, anual.

Art. 22. Aplica-se às parcerias público-privadas o disposto na Lei nº 8.666, de 1993,e, no caso de concessões e permissões deserviços públicos, o disposto na Lei nº 8.987,de 1995, e na Lei nº 9.074, de 1995, naquiloque não contrariar esta lei.

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Igualmente preocupante é a possibilida-de que o projeto de lei abre, de solução dosconflitos contratuais mediante recurso a tri-bunais de arbitragem que são, na verdade,tribunais privados, em substituição às varas fe-derais, de competência do Poder Judiciário.

-Terceiro vício: o “fetichismo” docontrato

Os contratos viram lei, substituem a lei.Assim como a mercadoria apresenta um ca-ráter místico que a faz apresentar-se comouma relação entre coisas e oculta a relaçãosocial construída entre homens (K. Marx), ofetichismo do Contrato tem o poder de con-ceder legitimidade a qualquer ajuste jurídicoentre duas partes, consideradas apenas comotitulares de direitos e de coisas passíveis detroca. Enquanto fetiche, o Contrato é vistocomo um ajuste necessariamente legítimo elegal, um instrumento representativo de di-reitos e deveres das partes contratantes. Talformulação omite as relações de poder, osvínculos de submissão, a assimetria de infor-mações, os métodos lícitos e ilícitos de per-suasão que podem ser utilizados por uma oupor ambas as partes envolvidas.

Este caráter místico, este fetichismo,está fundamentado em uma premissa, ou emum dogma - a liberdade de contratação. Porhipótese, o Contrato é sempre resultante deum acordo livremente negociado e exprime

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compromissos assumidos em total liberdade.Deste ambiente de suposta liberdade integraldecorre a legitimidade (ideológica) do Con-trato, legitimidade que fica assim colocadaem contexto divorciado das condições con-cretas nas quais o ajuste foi produzido. Se,além de legítimo, o Contrato expressar a lei(esta lei de parcerias!) estarão cumpridos osrituais de legalidade e de legitimidade que umcontrato-fetiche requer.

Um trabalho sério sobre parcerias exi-giria voltar nossa atenção para a experiênciapassada. O Brasil tem uma longa experiênciaem parcerias, como as que firmamos ao longodo Século XIX e que eu chamo de parceriasespoliadoras, firmadas com os financistas e in-dustriais ingleses e com os cafeicultorespaulistas. Eram parcerias para construir ferro-vias que não foram planejadas especificamen-te para o desenvolvimento nacional nem paramelhorar as condições de vida do povo.Construídas por empresários, foram racional-mente projetadas para o aumento dos lucrosdos plantadores de café, dos lucros dos indus-triais exportadores ingleses e dos financistas daCasa Rothschild — esse sistema, aliás, convi-veu tranqüilamente com a escravidão.

São sérios os problemas jurídicos, finan-ceiros e institucionais levantados por esseprojeto de lei. Entende-se assim a razão dasdeclarações do nobre Senador Pedro Simon,em entrevista concedida à revista CarosAmigos/setembro de 2004:

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“Essa proposta está deixando todo o Senadomuito conturbado.... a fórmula que ele [o Governo]encontrou é muito delicada. A lei das licitações pra-ticamente termina. Foi uma grande lei, um traba-lho imenso, eu até fui relator no Senado. Se nãotem lei de licitações, que hoje preocupa os prefeitos,não tem fiscalização, a responsabilidade fiscal tam-bém desaparece. O Presidente da República vaicontratar a obra que quiser, dar pra quem quiser,na forma que quiser. ... Olha, o pessoal do Senadoacha que é até mais grave que as privatizações.

Porque as privatizaçõesprivatizam um setor quejá existia. Agora não,agora seria uma coisanova, o governo atualnão vai pagar nada, masvai sobrar para o futurogoverno um cheque semfundos que eu não vejoninguém com vontade deaceitar. E acho que isso

não devia ficar no debate apenas das sessões públi-cas, a gente devia se reunir, analisar e debater commuito mais profundidade. E não se vá querer di-zer que esse é um projeto que se é contra porque nãose quer que o governo trabalhe... Eu tenho a convic-ção de que, se esse projeto tivesse sido apresentadopelo governo FHC, o PT teria feito uma contra-revolução. Pediria até o impeachment do Presidenteda República (...)”

Para concluir, manifesto meu receio queo uso das parcerias, tal como proposto no

250 colegas detodo o Brasilvieram ao Rio deJaneiro debaterum projeto para aAduana brasileira

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PLC 10, coloque frente a frente nosso Go-verno e poderosos interesses corporativos degrupos transnacionais. Grupos que consti-tuem, segundo o sociólogo Alain Touraine,os soldados das nações imperiais, em umaguerra travada preferencialmente com armasda economia neoliberal– o livre comércio, astaxas de juros, a internacionalização dosmercados financeiros. Armas manejadas comgrande habilidade pelos donos do poder e dodinheiro mundial há séculos. A dívida públi-ca externa e interna sinaliza a nossa derrota.Lamentável que “acordos humilhantes depaz”, em nosso país, sejam firmados por eli-tes que englobam representantes da imensamassa de trabalhadores que construiu, comesforço e competência, durante meio século,as bases de uma sociedade livre e potencial-mente soberana.

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O Sistema Aduaneiro e suasFragilidades

Expositores

Dão Real Pereira dos SantosAFRF, vice-presidente da DS/ Porto Alegre

“Identificação das fragilidades do sistema”

João Luiz Teixeira de AbreuAFRF, secretário de Defesa Profissional da DS/Rio

“REDEX: controle aduaneiro e a segurançafuncional do servidor”

José Augusto Simões VagosProcurador da República MPF/RJ

“Fragilidades do Siscomex e sua repercussãono combate aos crimes vinculados ao comércio

exterior”

Moderador

Carlos Alberto Gomes de AguiarProcurador-chefe da Procuradoria

da República no Rio de Janeiro

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As fragilidades do sistemaaduaneiroDão Real Pereira dos Santos

Aproveitando o que afirmaram, aquineste seminário, os colegas aduaneiros Má-rio e Fructoso, eu já acreditei que os proble-

mas da Aduana fossem con-temporâneos ao meu ingressona Receita Federal e nessa ati-vidade. Hoje, sei que eles sãomuito mais antigos, o que nosleva à conclusão de que elesnão vão terminar tão cedo.Mas conhecendo os proble-mas, talvez possamos, pelomenos, atenuá-los. É possível,com certeza, exercer uma açãoorganizada no sentido de quea Aduana se volte para os in-teresses do país. Em quase 10anos de Receita Federal, tenho

me dedicado ao estudo da Aduana. Não souespecialista nesta área, mas esse interesse eessa curiosidade sobre o tema me dão a ou-sadia de tentar propor soluções, pois quemvive o dia-a-dia do trabalho não pode abrirmão da capacidade de reflexão e de proporalternativas para que a instituição cumpra

O AFRF Dão Realacredita que oconhecimento dosproblemas daAduana é oprimeiro passopara solucioná-los

Foto: Alvacir Guedes

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efetivamente o seu papel, em vez de ser usa-da como instrumento político ou a serviçode interesses diversos aos interesses maisnobres da Nação e da maioria da sociedade.

Antes de nos debruçarmos sobre as fra-gilidades do sistema aduaneiro, é importanteuma reflexão sobre as causas e origens dessafragilidade. Para que não se incorra no equí-voco de atribuir os problemas da Aduana auma “ineficiência” ou “ineficácia”. Muitasvezes, as fragilidades que são apontadas pornós são justamente conseqüência de um tra-balho extremamente eficiente. Quem acom-panha a construção dos processos, no âmbi-to da SRF, não pode se permitir outra inter-pretação que não a de que, muitas vezes, ascoisas são engendradas para serem dessa for-ma: para que não funcionem — pelo menos,para não funcionem da forma que nós gosta-ríamos. É inconcebível que uma administra-ção intelectualmente tão rica como a da SRFconstrua normas e estruturas totalmenteequivocadas do ponto de vista do interes-se público. Isso não é ineficiência.

Para um debate sobre as fragilidadesdo sistema, é imperativo localizar claramen-te o que é e pra que serve a Aduana, que éessencialmente um órgão de proteção — exis-te para proteger o Brasil do mundo e não ocontrário. Porque, muitas vezes, fica a im-pressão de que servimos para proteger omundo do Brasil. É comum vermos no noti-ciário grandes apreensões de drogas que es-

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tão saindo do país. Mas é raro vermos apre-ensões animais silvestres que estejam fazen-do esse mesmo caminho. Também é corri-queiro vermos a ênfase no combate à pirata-ria, à contrafação. Isso é importante, mas es-panta o silêncio sobre a necessidade de com-bate à biopirataria, que é o roubo de espéci-es brasileiras para pesquisas científicas forado país, que viram produtos, em função dosquais combateremos a pirataria.

Em relação a esse tema, sem dúvida, oBrasil é um grande credor do mundo em re-lação à biopirataria. Mas o país aceita as pres-sões internacionais e mobiliza toda uma má-quina pública carente, escassa — nem quepara isso tenha que retirar os fiscais da zonaprimária – para colocá-los a serviço da defesade marcas internacionais afetadas pela pirata-ria—e vejam que não sou contra o combate àpirataria. A garantia dos direitos de proprieda-de dessas marcas é importante. Mas há ativi-dades que deveriam ser tratadas com maior pri-oridade e não são. Talvez porque sejam setoresque não financiam a “modernidade”, a moder-nização das estruturas públicas.

Muito se tem falado sobre a moderni-zação da Aduana — que, certamente, vemocorrendo desde que foi instituída. Moder-nização é necessidade permanente. Muitose fala, também, do porquê dessa moderni-zação. Mas o debate que precede é para quemvamos modernizar a instituição. Quando ametrópole propõe à sua colônia um modelo

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de modernização, ela não diz pra quem —embora esteja implícito. Não há, efetivamen-te, um debate com a sociedade, no sentidode compreender o que ela quer da Aduana.A sociedade não vive a Aduana no dia-a-dia,portanto ela precisa ser esclarecida sobre oque a instituição significa para melhor inter-vir na discussão.

Acredito que a maioria dos cidadãosbrasileiros se encontre na mesma situação emque eu me encontrava antes de ingressar naReceita Federal: eu não conhecia a Aduana,nunca tinha ouvido falar, nunca tinha viaja-do ao exterior. Mas a sociedade, que acabasofrendo, direta ou indiretamente, os efeitosdas políticas aduaneiras, deveria ser ouvidasobre qual é o projeto de modernização quedeve ser implementado no sistema aduanei-ro. Na sociedade organizada há setores quecombatem à violência, a biopirataria, os cri-mes contra o meio-ambiente. Todos essessegmentos têm relação direta com a Adua-na—que não é assunto restrito à economiaou aos empresários importadores e exporta-dores. Do trabalho aduaneiro resultarão efei-tos positivos ou negativos para a sociedadee é urgente que ela saiba disso.

Se partirmos dessa idéia, chegaremosà conclusão de que a Aduana na verdade, temuma missão muito simples de entender emuito difícil de implementar. Simples, por-que sua função é simplesmente de adequa-ção e de regulação dos fluxos. Ela tem que

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estar, portanto, presente nas fronteiras, nosportos, aeroportos do território nacional praregular e pra adequar os fluxos internacionais ànormatização interna. A medida de regulaçãoe normatização é dada pela sociedade que,quanto mais organizada, maior o número denormas e regramentos vai impor aos produto-res e comerciantes, internamente e, conseqüen-temente, aos produtos que vêm de fora, comvistas a disciplinar as relações sociais.

Não seremos capazes de regular tudo oque há dentro dopaís se não regula-mos o que vem defora. Logo, a Adu-ana é necessáriapara regular e dis-ciplinar e adequaros fluxos ao nossomundo, às nossasnormatizações in-ternas. A aduana é

uma proteção. Por mais que seja consideradapejorativa a palavra “protecionismo”, vamosresgatá-la: nossa missão é proteger a socie-dade, o meio ambiente, as riquezas nacionais,a biodiversidade, os bens culturais e históri-cos do País, a economia, o turismo e o em-prego nacionais. Em síntese, proteger o Bra-sil do mundo. O mundo é nocivo e pensar ocontrario é ingenuidade. Essa é uma consci-ência generalizada nos demais países, princi-palmente nos países centrais.

Dão Real, CarlosAguiar, JoséVagos e JoãoAbreu

Foto: Alvacir Guedes

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A medida de eficiência de um sistemaaduaneiro tem que estar diretamente ligadaà sua capacidade de proteção. O desafio éexercer essa proteção sem incomodar, semcausar empecilhos. A regulação dos fluxos àsnormatizações internas deve se dar na medi-da exata, nem dificultando nem facilitandoas operações comerciais, como disse a nossacolega Nory. Mas isso implica necessariamen-te aparelhamento suficiente para fazer o com-bate aos ilícitos, ou seja, fazer de forma efi-ciente o combate ao contrabando, aodescaminho, ao tráfico e à lavagem de dinhei-ro. Precisamos ter a capacidade de enxergaraquilo que não está na frente dos nossosolhos: os fluxos clandestinos, que todo mun-do conhece e que estão em todas as calçadasdo País e até nos shoppings centers onde são,muitas vezes, vendidos esses produtos origi-nários de contrabando e descaminho. Alémde enxergar, temos que ser hábeis o suficien-te para controlar esses fluxos.

Portanto, quando se começa a desven-dar o projeto da administração para a nossaAduana — segundo o qual a missão princi-pal da instituição passaria a ser facilitaçãode comércio — fica mais claro de que a adu-ana já vem caminhando no sentido de uma“eficiência” há muito tempo. Há muito vi-mos sendo condicionados a facilitar, há mui-to tempo nossa medida de eficiência é a di-minuição do tempo de despacho aduaneiro,não é de hoje que nós somos medidos por

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isso. Não interessa se somos capazes de per-ceber o ilícito ou a fraude. O que tem sidolevado em conta é que os aduaneiros nãotranquem as cargas nas fronteiras. A novida-de é que, agora, coloca-se claramente, emdocumentos que esse atributo é que vemnorteando as nossas políticas aduaneiras.

Para falar de aduana, precisamos consi-derar o contexto internacional. Não há comofugir do fato, ao menos por enquanto, de quevivemos num mundo globalizado. E o inte-ressante é que essa globalização só existe praliberar os fluxos financeiros e de mercadori-as. A globalização não existe para liberar osfluxos de pessoas. Não podemos mandar tra-balhadores brasileiros para os EUA, porexemplo. Os custos sociais não são mun-dializados, como são os fluxos de bens. Paraque a liberalização ocorra, é preciso que al-guns países estejam submetidos a outros eesse processo começa com a desestruturaçãodas instituições de Estado desses países.

Enquanto um AFRF, um policial fede-ral ou um analista do BC acharem que elesrepresentam o Estado, esse sistema que nosquerem impor está em perigo. Então, o jogoé “baixar a bola” dessas instituições,desconstituindo-as para criar o ambienteapropriado a esta liberalização dos fluxos—em última análise, à redução das barreiras ou,quem sabe, à eliminação total das barreiras.A radicalização do livre comércio é exata-mente o contrabando e o descaminho, que

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não estão em desacordo com as normas dosorganismos internacionais, que pressupõemo livre comércio. Quanto menos barreirasforem impostas, mais caminhamos no rumoque desejam esses organismos internacionais,que existem para assegurar que o grande xerife(EUA) e outros países centrais tenham garanti-dos os mercados para seus produtos. Para eles,não é uma “aduanazinha do terceiro mundo”que vai impor limites para isso. E aí vão sedesconstituindo as instituições do Estado.

No processo de desnacionalização, ospaíses vão simplesmente se convertendo emmercados. Os interesses nacionais vão fican-do relegados a terceiro ou quarto plano, massó para os de cá. A prioridade passa a ser ocumprimento das metas internacionais. Se,paralelamente, for possível defender os inte-resses sociais, ótimo. Se não, cumpra-se ape-nas o que foi acordado com os organismosinternacionais. Felizmente ainda há institui-ções, no Brasil, que têm a coragem de resistir aesse processo — é por isso que eu tenho muitoorgulho de ser filiado ao Unafisco Sindical.

Resistir significa resgatar as idéia deEstado, de soberania, de nação. É lembrarque existe uma Constituição, que existem in-teresses sociais e que o limite da liberalizaçãocomercial tem que ser exatamente o interes-se social. Não cabe à Aduana ser a favor oucontra a liberdade comercial. A instituição éneutra e aplica a lei estabelecida pela socie-dade. “Facilitação” e “fiscalização” são con-

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ceitos que não combinam. Declarações re-centes do coordenador do sistema aduanei-ro, Ronaldo Medina, dão conta de que a Re-ceita pretende implementar medidas que “au-mentarão em muito” a “agilidade” e a “efici-ência” da fiscalização. Ainda segundo o co-ordenador, até 2007 nós teremos reduzidasde 30% para 5% as mercadorias vistoriadaspela alfândega. Quando ele diz que aumen-tará a eficiência diminuindo o universo, eleestá dizendo claramente que seu conceito deeficiência, ou da Receita, é diferente do meu.Para mim aumentar a eficiência é aumentaro universo fiscalizado, afinal, somos uma ins-tituição de fiscalização.

Há quatro anos o Unafisco lançou acampanha “Chega de Contrabando”. Mostra-mos que contrabando é um problema socialque precisa ser enfrentado de forma séria.Não podemos imaginá-lo como no tempo doimpério, com aquela visão nostálgica de umchibeiro atravessando o Rio Uruguai com umsaco de farinha. Contrabando hoje é ativida-de do crime organizado e abastece pratica-mente um mercado clandestino e uma eco-nomia paralela. E a economia oficial, comoé que se vira em relação ao contrabando? Nãose vira. Quebra—ou se adapta.

Tive oportunidade de participar de umaforça-tarefa, em São Paulo, juntamente como colega Paulo Torres, que está aqui, quetrabalhou no desbaratamento de uma qua-drilha de chineses organizada para a prática

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do descaminho e contrabando de material deinformática — não é o mesmo grupo queesteve no noticiário com a CPI da Pirataria.Essa investigação decorreu do assassinato deum colega, o AFRF Hélio Pimentel, e da in-vasão da Inspetoria de São Paulo. Creio quefoi preciso uma certa coragem irresponsávelde muitos AFRFs para tocar esse trabalho:integrar uma força tarefa que fiscalizou maisde 40 empresas, sem conseguir enxergar cla-ramente as ramificações deste negócio e sema mínima estrutura administrativa de apoio– viaturas, veículos, nada. Saíamos de umlugar secreto da Superintendência e pegáva-mos o metrô. Nos hospedávamos numhotelzinho de quinta categoria, porque a di-ária não cobria um hotel melhor, sem qual-quer estrutura de proteção.

A conclusão é que a SRF, enquanto ins-tituição, não se prepara para esse tipo de ati-vidade. O trabalho a que me referi e outros,relativos às áreas de prevenção e repressãoao contrabando, só existem por iniciativa in-dividual e voluntariosa dos colegas AFRFS.

Uma reportagem de 2002, da Folha deS.Paulo, relatava que 62% dos computado-res comercializados no país tinham entradoilegalmente, originários de contrabando,descaminho e subfaturamento. Para a indús-tria da informática isso é um problemaseriíssimo. Se quisermos ter um parque in-dustrial de informática, temos que combateressa situação. Mas parece que não queremos

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esse parque industrial, pois o governo dei-xou a situação prosseguir: em 2003, já eram70% de computadores ilegais e a projeçãopara 2004 é que 74% dos computadores avendidos sejam contrabando. Não há indús-tria que sobreviva a isso. Qual é a indústriaque sobrevive com isso? Nenhuma. Não adi-anta fazer plano nacional de desenvolvimentose não se estrutura a máquina pública, a ad-ministração pública, para combater esse tipode ilícito. Apenas fazer coisas pontuais, para

a mídia, não resolve.Não existe um planeja-mento nacional de com-bate a este tipo de ati-vidade.

A maior fragilida-de do sistema aduanei-ro é a ausência aduanei-ra. A Aduana está au-sente na maior parte doterritório nacional, na

maior parte da fronteira, na maior parte dolitoral. A atividade aduaneira, como todossabemos, não é apenas a SRF. É uma ativi-dade extremamente compartimentalizada,segmentada por vários órgãos públicos: aPolícia Federal, a Receita, os ministérios daSaúde e da Agricultura, o Inmetro, o Ibama,o Exército, a Aeronáutica, a Marinha e inú-meros outros órgãos públicos têm entre suasatribuições controlar produtos importados ouexportações. Em nenhuma dessas institui-

A Aduana funcionaem condiçõesprecárias emMundo Novo (MS).“Mas o maiorproblema, mesmo,é a falta de Aduanana maioria daslocalidades defronteira”, diz Dão

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ções, porém, nem na SRF, essa é a atividade-fim do órgão. Diante disso, que tipo de adu-ana nós vamos ter?

Precisamos, pelo menos, organizar o sis-tema aduaneiro de forma séria. Como a maiorparte dessa atividade é realizada pela SRF,ou pelo menos a presença aduaneira se dápela SRF, que a Receita então assuma essaforma efetiva de atribuição. Mas, o que te-mos visto ao longo do tempo, é que a SRFvem abandonando atividades aduaneiras erestringindo as suas atividades àquilo queinteressa à Receita, deixando o resto com osoutros órgãos. Mas, se essas outras institui-ções não têm a aduana como atividade-fim,essas outras coisas vão ficando no vácuo, nãoexistem. Há muito tempo já não existe umacoordenação de combate ao contrabando edescaminho. O decreto que define as com-petências da Receita, diz que a instituiçãotem a função apenas de auxiliar nas ativida-des de repressão ao contrabando edescaminho. Nem a SRF reconhece a ativi-dade de proteção como sendo inerente àssuas atribuições e competências.

A tarefa, portanto, é reconstruir a adu-ana, dentro dos parâmetros corretos. Preci-samos da experiência do pessoal antigo. Va-mos deixar de obedecer tanto e vamos copi-ar os modelos, se não tivermos condições oucapacidade de criar. Eu ainda acredito na nos-sa capacidade de criar um modelo adequado,mas, se vamos copiar o dos Estados Unidos,

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não tem problema.Toda a fiscalização aduaneira do país

está vinculada a uma rotina informatizada,chamada seleção parametrizada, cujogerenciamento está relegado a uma ativida-de secundária. A idéia da seleção para-metrizada é excelente, porque é uma pré-fis-calização. Antes da mercadoria chegar, já háa fiscalização, já se estabelece o que se sub-meterá à conferência física. Se não há capaci-dade para verificar tudo, a aduana conta com aseleção, baseada num sistema e num banco dedados, aliados a toda a cultura aduaneira.Isso permite dizer o que oferece risco e a mer-cadoria então é direcionada para um deter-minado canal de conferência. Seria perfeito, sehouvesse um gerenciamento do sistema.

Seria necessário ter equipes de investi-gação e de pesquisa e, principalmente, umainterlocução entre as unidades que estives-sem gerenciando esse sistema aduaneiro.Nessas condições, as chances de funcionarbem seriam de 80%. Sem isso, não funciona.Precisamos urgentemente melhorar a quali-dade da seleção e eliminar qualquer possibi-lidade de previsibilidade e de manipulaçãodos resultados. Outra medida, que já haviasido proposta no início da campanha Chegade Contrabando, seria a transformação dosquatro canais de conferência que existem naimportação em apenas dois canais, que seri-am “com conferência” e “sem conferência”, deforma que o importador não possa saber a qual

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nível de conferência a carga estaria sujeita.Mas toda vez que apontamos os pro-

blemas, a resposta da administração é queestá sendo elaborado um “megaprojeto” quevai resolver tudo, fazendo cruzamento deinformações, inteligência artificial, fiscaliza-ção virtual, etc. Desde 1997, quando surgiuo Siscomex, existem propostas de modifica-ções para o sistema, que ainda não foramatendidas, aguardando a implementação demais um grande projeto, nesse caso, oSiscomex II. A solução dos problemas ficasempre para o futuro. Enquanto isso, persis-tem os “problemas terrenos”.

Para concluir, eu gostaria de ler um pe-queno trecho que resume o que eu tenteipassar para os colegas aqui presentes, nestaintervenção. O valor dos prejuízos produzi-dos pelos fluxos clandestinos, seja na perdade arrecadação direta, seja no custo produzi-do à economia nacional (setores produtivosque quebram), ou mesmo no custo social dodesemprego, da degradação da saúde e da se-gurança públicas, representa, na verdade, ovalor do investimento que fazemos na pro-dução estrangeira e, conseqüentemente, nageração de empregos no exterior. De outrolado, investir positivamente no controle e nocombate a essas práticas ilícitas de comércioexterior representa a promoção de desenvol-vimento, com geração de empregos nacionais,distribuição de renda e defesa do Estado. Con-seqüentemente, em aumento de arrecadação.

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Recinto Especial paraDespacho Aduaneiro deExportação:O controle aduaneiro e a segurança funcionaldo servidorJoão Luiz Teixeira de Abreu

A DS/Rio começou apesquisar o Redex (Recinto Es-pecial para Despacho de Expor-tação) em julho de 2004, a par-tir de um inquérito administrati-vo disciplinar instaurado contraum colega nosso, AFRF do Riode Janeiro. Como diretor de De-fesa Profissional, encarregado deacompanhar e dar suporte a essecolega, busquei conhecer mais afundo o assunto para melhorapoiar sua defesa e evitar quecasos semelhantes ocorressem.A partir de então, foram cinco

meses de pesquisa, viajando por diversos lu-gares do país, conversndo com mais de 50AFRFs - e a tarefa só pode ser executada gra-ças a uma dica do AFRF Dão Real. A conclu-são a que chegamos é que os problemas doRedex são muito sérios e não afetam apenas

João: “Defesaprofissionalinspirou asinvestigaçõessobre as ilegali-dades do Redex”.

Foto: Alvacir Guedes

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o colega imediatamente atingido.Na busca de soluções, consultamos os

AFRFs que trabalham na ponta, contamoscom a experiência deles. Talvez seja isso queesteja faltando à Coordenação-Geral de Ad-ministração Aduaneira (Coana): a humilda-de de ouvir quem está no dia-a-dia. Emboraeu não seja aduaneiro, espero ter conseguidoexecutar a missão, com a ajuda de todos es-ses colegas.

Em recente seminário aduaneiro pro-movido em Santos (SP) pela DEN/Unafisco,tive a oportunidade de cobrar do titular daCoana, Ronaldo Medina, a elaboração de ummanual de procedimentos para os aduanei-ros, nos moldes do manual de que dispõe osetor de Fiscalização. Isso é para evitar queAFRFs cheguem ao absurdo de responder in-quéritos administrativos por se verem diantedo dilema de lacrar ou não um containerparametrizado para o canal verde.

O mais grave dessa situação é que aReceita, embora Federal — que, como diz onome, é nacional — ainda não foi capaz deuniformizar nacionalmente esse tipo de nor-ma. Em Itajaí, por exemplo, a lacração de umcontainer na situação citada foi delegada aopermissionário da EADI, como consta deuma Ordem de Serviço. Em outras unidadesaduaneiras, não há definição da administra-ção local sobre o procedimento.

O fato é que a situação de um colegadesencadeou uma ampla pesquisa e amplos

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esforços da DS/Rio, que acabaram pordescortinar um quadro assustador de riscofuncional permanente para quem atua naAduana. A pesquisa da DS/Rio aprofundou-se e está registrada num CD com 36 docu-mentos, 700 páginas sobre o Canal Verde.Entre eles, a relatório da CPI de pirataria, daCPI dos medicamentos, o dossiê da Campa-nha Chega de Contrabando, a Ação CivilPública impetrada pelo Ministério Público.

Outro documento que nós produzimos,fruto desse trabalho de cinco meses de pes-quisa, foi a cartilha sobre o “Redex - Contro-le Aduaneiro e Risco Funcional”, que visaalertar para os problemas desse tipo de re-cinto e que, aliás, é o tema dessa palestra. Ametodologia empregada na nossa pesquisa foia comparação dos requisitos para alfan-degamento de recinto, mais especificamenteos portos secos, com os termos e condiçõesda autorização de instalação e funcionamen-to de um Redex.

O que tem de especial o Recinto Espe-cial para Despacho de Exportação? Ele dife-re do Porto Seco, que, pela própria descriçãoda Receita Federal, é o “recinto alfandegadode uso público no qual são executadas ope-rações de movimentação, armazenagem edespacho aduaneiro de mercadorias e de ba-gagens, procedente do exterior ou a ele des-tinada, sob controle aduaneiro”. Quem lidacom a legislação no seu dia-a-dia, sabe que,ao se elaborar uma norma, nenhuma palavra

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está deslocada ou em excesso. Portanto, tudoo que foi dito aqui: “recinto alfandegado”;“uso público”; “operação de movimentação”,“armazenagem” e “controle aduaneiro”, cadapalavra tem uma finalidade específica.

Se uma empresa realiza operação de ar-mazenagem e movimentação de cargas des-tinadas ao mercado interno, o interesse daReceita Federal no assunto é apenas a fisca-lização rotineira de tributos. No entanto,quando esse mesmo recinto exportar merca-doria e ainda conta com a presença perma-nente de um servidor designado e pago peloEstado para acompanhar suas atividades, acoisa muda de figura. Há interesse públicona armazenagem de mercadoria, quando elase destina ao exterior sob tais condições.

Sabermos que a produção de mercado-rias destinadas à exportação goza de uma sériede benefícios fiscais. Portanto, se uma em-presa realiza exportação fictícia, vendendo oproduto no mercado interno, concorre comos seus pares de forma desleal, pois o custode produção fica diminuído naqueles 33% debenefício fiscal. Como um empresário podeconcorrer com outro, tendo custo de produ-ção um terço maior?

Quando se criou a figura do Porto Seco,e aqui nós não estamos advogando contraeste instituto, houve uma inovação: o con-trole aduaneiro do despacho de exportaçãose estendeu à zona secundária, havendo anecessidade do Estado designar servidor

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público, pago pelos cofres públicos, paraacompanhar permanentemente a operaçãode movimentação e armazenagem de mer-cadoria realizada neste tipo de recinto. Atémesmo o site da Receita Federal, ao definir Por-to Seco, afirma que a autorização de funciona-mento deste tipo de recito requer licitação.

A designação de Porto Seco aplica-seaos recintos que, anteriormente, eram deno-minados de Estação Aduaneira de Fronteira(EAF)e Estação Aduaneira de Interior

(EADI), aos quaissempre foi reque-rida a realização delicitação públicapara que obtives-sem permissão doEstado para funci-onar. A nova desig-nação de PortoSeco não eximeesse tipo de recintode licitação - afinal,

não importa o nome, importa a atividade quenele é realizada.

Mas a licitação pública não é exigidapara a autorização de funcionamento dosRecintos Especiais para Despachos Aduanei-ros de Exportação - Redex. E o que esse re-cinto tem de especial? O Redex realiza ope-rações de movimentação, armazenagem etransporte de cargas, como um Porto Seco.Está submetido a controle aduaneiro perma-

A DS/Rio denun-ciou as precáriascondições desegurança doRedex.

Foto: Vanor Guedes

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nente, realizado por um servidor de Estado,pago pelos cofres públicos, também como osportos secos. O que torna o Redex “especi-al” é sua condição de recinto não-alfandegadodo qual não se exige licitação para autoriza-ção de funcionamento, embora a atividade aque se destine seja indubitavelmente um ser-viço público.

Outra condição “especial” do Redex éque a legislação que criou esse tipo de recin-to não o define como “de uso público”, mascomo “de uso coletivo”. Num hospital pú-blico, por exemplo, não cabe a uma empresaprivada selecionar quem será atendido. Damesma maneira, não deveria ser permitidoque um particular pudesse decidir quem vaipoder fazer uso de um serviço aduaneiro, quetambém é um serviço público. O conceitode “uso coletivo”, aplicado ao Redex, impli-ca que o recinto poderá ser usado por maisde um exportador, mas não necessariamentepor todo e qualquer exportador.

Além disso, um dos princípios da licita-ção é a busca do menor preço para a presta-ção do serviço. Daí a concorrência. No Redex,dispensado a licitação, o dono do recintopode, além de escolher a quem vai atender,cobrar o preço que quiser pelo serviço.

Mas o Redex é ainda mais “especial”:quando é aberto um processo licitatório paraum porto seco, exige-se uma série de requisi-tos em relação à segurança da carga - balan-ças, filmadoras, controle de entrada e saída

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de mercadoria e pessoas -, pois a atividadepor ele exercida envolve o interesse público.As exigências estão dispostas em portariasda SRF. O Redex, porém, está dispensado deoferecer as mesmas condições de segurança queum porto seco. Volto a lembrar que o desvio deuma carga destinada à exportação traz conse-qüências nocivas ao interesse público.

Além da concorrência desleal, que jácitei, o fechamento do contrato de câmbiode uma exportação fictícia geralmente envol-ve lavagem de dinheiro, proveniente de ati-vidades ilícitas, como o tráfico de drogas earmas, a prostituição, o contrabando ou asonegação fiscal. Portanto, o roubo de umacarga, ou desvio intencional, pertencente aum particular no interior de um Redex é, sim,de interesse de toda a sociedade. Portanto, oEstado deve, sim, exercer o poder de império eexigir condições mínimas ao empresário inte-ressado em prestar esse tipo de serviço.

Aí está o pecado original: a dispensade licitação. Mas a Constituição Federal, emseu artigo 175, é clara. “Incumbe o poderpúblico, na forma da lei, sob o regime de con-cessão ou permissão, sempre através de lici-tação, a prestação de serviço público”. Oinciso III deste artigo dispõe sobre a políticatarifária. Cito um trecho do Professor de Di-reito Constitucional Alexandre de Morais:

“O legislador constituinte, com a fi-nalidade de preservação dos prin-cípios da legalidade, igualdade,

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impessoalidade, moralidade, probi-dade e da própria ilesividade dopatrimônio público, determina noseu artigo 37, inciso XXI, da Cons-tituição Federal, a regra deobrigatoriedade de licitação.”“Qualquer atividade do legislador or-dinário, ou mesmo qualquer análiseinterpretativa sobre as hipóteses dedispensa ou inexigibilidade de licita-ção, deverá ser taxativa e restritiva,em observância aos fins colimadospela norma constitucional”.

Ou seja, ao analisar e decidir sobre adispensa de licitação para autorização de fun-cionamento do Redex, o administrador de-veria tê-lo feito restritivamente, em respeitoaos princípios constitucionais da legalidadee da moralidade.

Quando tentamos abordar esse assuntocom a administração, é como se estivésse-mos falando bobagem: “O Redex é um re-cinto não- alfandegado. É um círculo vicio-so: como não está submetido à necessidadede licitação, o Redex é recinto não-alfandegado. Como é não-alfandegado, é dis-pensado das exigências imposta aos recintosalfandegados, dentre as quais a licitação. Mas,como já vimos, não importa o nome que sedê ao recinto. O que interessa é o serviçopor ele exercido, que tem natureza pública.Ninguém questiona ser necessária licitação

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para permissão de serviço público. Comoescreveu a Professora Maria Sylvia ZanellaDi Pietro:

“Daí a nossa definição de serviçopúblico como toda a atividade ma-terial que a lei atribui ao Estadopara que a exerça diretamente, oupor meio de seus delegados, com oobjetivo de satisfazer concretamen-te às necessidades coletivas, sob oregime jurídico total ou parcialmen-te público”.

Ou seja, qual é a essência do serviçopúblico? É o nome do local onde vai ser pres-tado o serviço ou a atividade por eleexercida? Segundo a Drª Maria Sylvia, a se-gunda opção é a correta. Então, estamos obri-gados a descobrir uma lei definindo a ativi-dade desenvolvida no Redex, qual seja, mo-vimentação e armazenagem de carga, sobcontrole aduaneiro, como sendo pública e,só assim, chega-se à conclusão que houveuma dispensa de licitação indevida.

A lei nº 9.074/95, art. 1º, inciso VI, dizque as operações de movimentação e arma-zenagem de mercadorias sob controle adua-neiro, assim como a prestação de serviçosconexos, em porto seco, sujeitam-se ao regi-me de concessão ou de permissão. Conso-ante o dito pela Drª Maria Sylva Di Pietro,pouco importa a denominação do local emque se realiza a atividade definida em leicomo serviço público, o que interessa é a

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tarefa exercida naquele local.Houve equívoco do legislador ao redigir

o inciso VI, art. 1º, da Lei 9.074/95. Ao invésde regulamentar a atividade, qual seja, movi-mentação e armazenagem de carga, sob con-trole aduaneiro, a norma fez referencial ao lo-cal onde ela é exercida, no caso, estação adua-neira, dando margem à dispensa de licitaçãopara a autorização de funcionamento do Redex.

Portanto, após o exposto até aqui, nas-ce a primeira indagação quanto ao Redex: oato normativo da SRF que o instituiu con-tornou de alguma forma o artigo 175 da CF/1988, quando dispensou a concorrência pú-blica para autorização de seu funcionamen-to, em face da natureza dos serviços presta-dos? E mais, a denominação Redex foi umaforma “inteligente” de descaracterizar que taisrecintos se tratam, na realidade, de porto secodestinado exclusivamente à operação de expor-tação e, com isto, dispensá-lo do devido pro-cesso licitatório? Tudo indica que sim.

O coordenador da Coana tem dito quehá a necessidade de diminuir o tempo dodespacho aduaneiro. Por isso, a fiscalizaçãopriorizará o pós-despacho. Chegando a afir-mar que o empresário será obrigado a inves-tir em infra-estrutura de segurança da carga,inclusive compra de escaner. Como o Esta-do pode impor tais condições de funciona-mento? O particular vai prestar um serviçopúblico, passar por processo licitatório, noqual haverá a fixação da tarifa e dispositivos

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de segurança da carga. E nada disso é novi-dade. O Anexo I da Portaria SRF nº 1.743/98, que trata do Roteiro de Alfandegamento,regulamenta largamente a matéria. No en-tanto, no caso do Redex, por ser um recintonão-alfandegado, a Receita Federal, aoautorizá-lo a funcionar, deixa de cumprir orito desta Portaria. Podendo funcionar sembalança, cerca, filmadora ou controle de en-trada de pessoas e mercadorias no recinto.

Os privilégios conferidos ao Redex pros-seguem: a Coana dispensou esse tipo de re-cinto de contribuir para o Fundo Especial deDesenvolvimento e Aperfeiçoamento dasAtividades de Fiscalização- Fundaf. Ao con-trário dos portos secos, que chegam a pagar16% de seu faturamento para esse fundo. Sãodois recintos, que podem até operar lado alado. Um deles paga Fundaf, tem que inves-tir em infra-estrutura, passou por uma con-corrência pública e tem o preço de seus ser-viços fixados no próprio processo licitatório.O outro recinto está livre de todos esses “in-cômodos”. Cabe a pergunta: o Estado esti-mula os empresários a investir em segurançada carga ou o contrário? É possível concor-rer com quem não assume tal ônus?

O pagamento de Fundaf — tecnica-mente, o ressarcimento devido por recintosalfandegados — justifica-se porque a fisca-lização, quer no despacho, quer no pré-des-pacho, quer no pós-despacho, exige investi-mento em tecnologia e treinamento do ser-

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vidor. O fundo foi instituído para esse fim ecabe aos permissionários compensarem a fis-calização por seus gastos. Se para o Redexinexiste obrigação de investimento em segu-rança da carga, a lógica aponta para umamaior intensidade da fiscalização neste lo-cal, aumentando os custos a ela inerentes.Mas, paradoxalmente, houve dispensa de res-sarcimento desta despesa.

Quando o inspetor do Porto de Vitóriatentou exigir o ressarcimento do Fundaf deum Redex sob sua jurisdição (AtoDeclaratório 02/1999, tendo como funda-mento o disposto no artigo 15 da InstruçãoNormativa SRF 28/1994, c/c o artigo 5º daIN da SRF 14/1993), houve resistência doempresário. A Coana foi chamada a resolvera questão, dando razão ao último, com baseno próprio artigo 15 da mesma IN da SRF28/94 e no disposto no artigo 5º da IN. daSRF 14/1993. Portanto, chama atenção ofato deste artigo 15 ser utilizado para justifi-car tanto a cobrança, como a dispensa do ci-tado ressarcimento.

Basicamente, a IN 14/93 indica quaisestabelecimentos ressarcirão o Fundaf e emque percentuais. Mas se o Redex foi criadoem 1998, obviamente, não poderia estarlistado naquele diploma legal. Assim, basta-va à COANA editar nova InstruçãoNormativa incluindo o Redex no rol do arti-go 3º, inciso III, alínea b, da InstruçãoNormativa 14/ 1993, que a questão seria

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resolvida. Conseqüentemente, a polêmicaacabaria e o Inspetor do Porto de Vitória te-ria vencido a disputa. No entanto, a alta cú-pula da receita optou por outro caminho, bai-xando Ato Declaratório nº 05/2000, dizendoo óbvio, a IN de 1993 não faz menção aoRedex, criado, repito, 5 anos mais tarde, em1998.

Mas ainda não contei tudo. No Redex,inexiste a figura do fiel depositário, o que

fragiliza a seguran-ça do sistema. Aopermissionário ouconcessionário der e c i n t oalfandegado é exi-gido assumir oônus de fiel depo-sitário da carga.Isso funcionacomo mais uma

etapa de controle, pois um exportador querealize uma exportação fictícia corre, ao me-nos, o risco de registrar no Siscomex a pre-sença da carga, como determina o Decreto1.910/1996. Se o permissionário de um por-to seco atestar a presença de algo inexistente,pode incorrer em crime. Mas quem é autori-zado a funcionar o Redex também está livrede mais esse “incômodo”, assumir a condi-ção de fiel depositário.

É pleito antigo da categoria que o Sin-dicato possa acompanhar e se manifestar so-

Precariedade eprivilégioscaracterizam ofuncionamento doRedex

Foto: Vanor Correia

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bre atos baixados pela administração. A ex-periência de tantos colegas poderia estar sen-do melhor aproveitada pela cúpula da SRF.Ainda que não sejamos ouvidos, não pode-mos deixar de alertar a sociedade sobre osequívocos e até ilegalidades que resultam decertas decisões. Após este estudo da DS/RJsobre o Redex, iniciativas semelhantes serãoestimuladas.

Uma parcela dos AFRFs acredita bas-tar conversar com a administração, pois, sen-do nossos argumentos fortes e justos, conse-guiremos atingir nossos objetivos. Entretan-to, outra parcela da sociedade também dia-loga com a administração, buscando ver seusinteresses atendidos. Então a categoria nãotem outro caminho a não ser buscar parcei-ros, como o Ministério Público, os parlamen-tares e formadores de opinião. A legitimaçãosocial da nossa entidade é uma arma a servi-ço da valorização da nossa carreira e das con-seqüentes melhoras nas nossas condições detrabalho e de remuneração.

Após cinco meses de pesquisa sobre oRedex, estou convencido de que o AFRFservindo na ponta é o elo mais fraco sobre oqual tendem a desabar as conseqüências dainsegurança desse tipo de recinto. As falhasque ocorram — uma exportação fictícia, porexemplo—tenderá a ter sua responsabilida-de atribuída a esses colegas, submetidos apermanente risco funcional. Nossa catego-ria deve exigir segurança profissional, deve

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exigir cumprimento das normas. Não possodar detalhes sobre o inquérito administrati-vo disciplinar que deu início a essa pesquisa.Mas desde já, quero me solidarizar com to-dos aqueles servidores que responderam, res-pondem ou vão responder inquéritos por umdescaso da administração.

Carlos Alberto Gomes de AguiarProcurador-chefe da Procuradoria da Repú-blica no Rio de Janeiro

“Parabenizo o João Luiz pela excelên-cia de sua palavras extremamenteesclarecedoras sobre o Redex. Gostaria desugerir que a DS/Rio representasse as Mi-nistério público para provocar medidas judi-ciais que a situação possa merecer. O Minis-tério Público é um instrumento de ação,decombate. Não se pode delegar o serviço pú-blico, como tudo indica que está acontecen-do no caso dos Redex. Pouco importa o nomeque se dê, serviços públicos são indelegáveis.A utilização da coisa pública por particula-res, por si só, já demanda rigidez judiciária.Parece-me, diante do que aqui foi explana-do, que medidas judiciais podem ser utiliza-das e serão utilizadas, pois essa é a via ade-quada para inibir este tipo de prática”.

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O combate aos crimesvinculados ao comércioexteriorDr. José Augusto Simões VagosProcurador da República

Vagos: “A pressãoda mídia redundouna edição da IN52”.

Foto: Alvair Guedes

Agradeço à DS/Rio pela oportunidadede fazer esse relato sobre a ação civil públi-ca, da qual sou um dos propositores, e que

discute uma faceta docontrole aduaneiro no Bra-sil e da pirataria. Provavel-mente a platéia deste semi-nário conhece o tema mui-to mais do que eu, de modoque vou aqui prestar maisum testemunho de comonós, do Ministério PúblicoFederal, temos atuado.

O MP já vem acom-panhando certas instruçõese atitudes da cúpula da Re-ceita Federal desde de 1998e foram essas investigações

que resultaram na ação civil pública.Talvez esse meu depoimento traga mui-

to mais dúvidas do que esclarecimento a essepúblico tão seleto. A nossa atuação foi inici-ada em 1998, quando alguns auditores doporto do Rio de Janeiro levaram uma dúvidaà Procuradoria da República do Rio de Ja-

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neiro sobre sua atuação, com base na ediçãode determinadas instruções normativas. Apartir daí, passamos a ter uma atuação extra-judicial. Foi instaurado um inquérito civilpúblico que é um procedimento preparató-rio. Nessa fase inicial, fizemos contatos, to-mamos depoimentos, fizemos reuniões, ou-vimos vários segmentos da sociedade. Fomosao então secretário da Receita Federal,Everardo Maciel.

Confesso que tínhamos muita dificul-dade de tomar uma posição em relação a essetema. Não só porque não era um tema afetoà nossa atuação funcional típica — eu atuona área criminal, Dr. Carlos Alberto Aguiartambém. Mas todas as vezes que fomos àReceita Federal, saíamos de lá com a impres-são de que estávamos na Finlândia, no quese tratava de controle aduaneiro. Nos era pin-tado um quadro excepcional, nas idéias, nosistema programático. Como se tudo estives-se no caminho certo e que aquele inquéritocivil público fosse só um acompanhamentoque seria arquivado, ao final, pois ficaríamossatisfeitos com o controle aduaneiro no país.

Mas não ouvimos só a cúpula da SRF.Ouvimos as críticas dos AFRFs, as queixasdos empresários nacionais, de quem toma-mos depoimentos, lemos as notícias dos jor-nais. E andávamos nas ruas também. Emboraeu ache que a sociedade não tenha percebidoque muitos de seus problemas advêm dos efei-tos da falta de controle do comércio exterior,

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esses efeitos estão nas ruas — e é por isso queeventos como esse são importantes.

Nós ouvimos falar de concorrência des-leal, de falta de emprego formal, de riscos aomercado consumidor. Vimos o problema con-figurado e aumentando cada vez mais. A re-alidade, portanto, não se encaixava nas pala-vras que ouvíamos da cúpula da Secretariada Receita Federal e do próprio coordenadoraduaneiro. O que vimos foram bonecasBarbie falsificadas que, em contato com asaliva, podem causar câncer. Constatamosque, no início de 1998 o mercado de CDsregistrava dois produtos verdadeiros paracada falso. Hoje, a falsificação ocupa 60%do mercado.

Constatamos a quantidade de impostosque deixam de ser recolhidos em conseqüên-cia desses ilícitos. São bilhões. A cada mo-mento tomávamos conhecimento de umaestimativa nova, elaborada por alguma enti-dade de classe. Números sempre questiona-dos pela Receita Federal. E quando digo Re-ceita Federal, refiro-me à cúpula, pois nossarelação com a SRF no Rio de Janeiro é exce-lente, temos ótimos trabalhos juntos. Aliás,nossa ação civil pública foi animada por atu-ação da própria SRF. O Unafisco tambémauxiliou muito, temos testemunhos doUnafisco nos autos. De forma que a situaçãoconstatada não espelhava o que tentavam nospassar a Coordenação-Geral Aduaneira e acúpula da Receita Federal.

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No ano de 1998, foi instituída a Instru-ção Normativa 111, que os senhores conhe-cem melhor do que eu. Hoje ela foi revogadapela IN 206, que é mais ampla, mas repetiuos fundamentos da 111. Aliás, a IN 111 foirevogada logo depois que ajuizamos a açãocivil pública e uma das defesas da Procura-doria da Fazenda, com base num relatórioda Coana, é que a nossa ação teria perdido oobjeto, com essa revogação, quando, na ver-dade, a IN 206 retratava os seus dispositi-vos. Essa foi uma forma de chicana proces-sual que não era compatível com a preten-são do Ministério Público, pois estávamos nabusca do interesse público — assim como tam-bém deveria estar a Coordenação Aduaneira.

O fato nos chamou a atenção, porquecostumamos ver esses tipos de defesa quan-do acionamos um particular, defendendo ospróprios interesses. Mas quando estamos indocontra o próprio governo, há um limite de éticano que se espera de uma defesa e esse limite éo interesse comum: o interesse público.

A IN 111/98 instituiu a seleçãoparametrizada de canais e retirou do AFRF,o aduaneiro, o que se chamava de recepçãode documentos, a seleção prévia de canais,que o AFRF fazia de forma subjetiva apósanalisar a documentação entregue pelo im-portador. Antes de 1998, o importador en-tregava sua declaração de importação, regis-trada no Siscomex, junto com os documen-tos da importação, conhecimento de carga,

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fornecido pela empresa transportadora, e afatura comercial, que é o documento emiti-do pela empresa exportadora que vendeu oproduto. Esses documentos eram essenciaispara a análise do AFRF, para que ele dire-cionasse a importação para um determinadocanal de conferência, conhecidos por vocês,o verde, com desembaraço automático; oamarelo, com um exame documental maisaprofundado; o vermelho, com conferênciadocumental e física, e o cinza, que tem todas

essas conferências, mais o examede valoração aduaneira.

Esse último exame, no nos-so entender, é o mais importan-te, até pelas recorrentes práticasde subvaloração e de superva-loração, que possibilitam a lava-gem de dinheiro. Não é à toa quea lei da lavagem de dinheiro pre-viu um dispositivo especifico so-bre a questão, como já mencio-nou Marcos Vinícius. Essa lei, emseu artigo 1º, parágrafo 1º, incisoIII, dispõe que incorre na pena delavagem de dinheiro quem impor-

ta ou exporta bens com valores não corres-pondentes aos verdadeiros.

Já em 1998, quando a lei da lavagem dedinheiro foi editada, já se sabia que o con-trole aduaneiro era sensível, era uma ques-tão importante para o Estado, pois atua numaárea que pode trazer embutida a criminalidade

O procrador-chefeCarlos Aguiarpropõe que a DS/Rio represente aoMinistério Públicocontra o Redex

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organizada. O controle aduaneiro merece servalorizado também sob o aspecto da preven-ção e da repressão à macrocriminalidade quehoje assola o país. E a subvaloração é bas-tante recorrente, pelo que pudemos perce-ber nesse processo de investigação. O impor-tador declara muito menos do que aquilo queele efetivamente pagou pela mercadoria, comefeitos no recolhimento de tributos para aUnião e os estados.

Em 22 de setembro deste ano, realiza-mos uma audiência pública na Procuradoriada República no Rio de Janeiro e um repre-sentante de uma associação de fabricantesde brinquedos chamou a atenção para umponto que não tínhamos percebido: que essasimulação do que efetivamente se paga pelamercadoria e o que efetivamente se exporta— existem exportações fictícias, como já foidito aqui antes — tem efeito direto no supe-rávit da balança comercial brasileira. Portan-to, será que esse superávit hoje difundido éverdadeiro? Será que de fato aquilo queestamos importando e exportando reflete arealidade da nossa economia?

Eu não defendo que o Siscomex tenhaque funcionar como era antes de 1998. Es-tou apresentando a questão conforme ela nosfoi apresentada. Tem gente que diz que oMinistério Público Federal é contra oSiscomex, que o MP seria contra a moder-nidade. Isso não existe. O que existe é quetemos como premissa que o controle adua-

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neiro é uma determinação constitucional.Não é uma opção política por parte do go-verno. A opção política pode ser a agilização.Mas a eficiência e o controle efetivo não sãoopcionais. Não são dados ou prerrogativasdas quais o governo pode dispor. A Consti-tuição determina que o Ministério da Fazen-da deve fiscalizar o fluxo do comércio exte-rior e isso é importante para o país, é umaquestão de soberania.

Antes de 1998, o AFRF recepcionavaos documentos da importação, fazia aquelaanálise subjetiva a que me referi, atendendoa peculiaridades locais — porque cada uni-dade tem a sua — e comparava os dados queo importador colocava nas declarações de im-portação com os da documentação que lhefora apresentada. Em tese, o fiscal teria acondição de encaminhar aquela DI para umdos canais que ele considerasse adequadopara aquela carga. Talvez isso não fosse oideal. Talvez prejudicasse a agilidade. Masesse procedimento acarretava risco grandepara o mau importador. E é desejável que omau importador pelo menos corra o risco deser pego.

Pudemos constatar em nossa investiga-ção que até antes 1998, antes da IN 111,cerca de 50% das importações eram dirigidaspara algum canal de fiscalização que não fos-se o verde. Além disso, em tese, 100% dascargas passavam, pelo menos, pela análisedocumental prévia. Com a edição dessa ins-

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trução normativa, foi abolida a fase da re-cepção de documentos o que, conseqüente-mente, retirou dos AFRFs, por efeito, a atri-buição de, de forma subjetiva, direcionar aimportação para um determinado canal. Essedirecionamento passou a ser feito de formaparametrizada pelo sistema.

Essa mudança causou — pelo menosna Inspetoria do Porto do Rio de Janeiro e,pelo que pudemos constatar, também em ou-tras unidades — uma dúvida em relação àsmercadorias que passavam pelo canal verde,mas que tinham indícios de fraudes. HaviaAFRFs em dúvida quanto a atuar face à letrafria do que dispunha a IN 111. Nós ouvimosdepoimentos nesse sentido, que constam dosautos. Diante disso, fomos ao secretário daReceita Federal. Não fomos discutir o siste-ma, pois não temos habilitação técnica paraisso. Mas temos, sim, como saber se o siste-ma está funcionando ou não. Creio que qual-quer cidadão tem como saber se, hoje, hácontrole sobre o que o Brasil recebe do mer-cado externo.

O secretário da Receita Federal nos in-formou que não haveria problema algum seo AFRF segurasse uma carga suspeita, aindaque esta tivesse caído no canal verde. Afir-mou que aqueles AFRFs que ouvíramos po-deriam atuar sem problemas. Então, pedimosa ele que editasse uma instrução que ratifi-casse essa informação, para que os AFRFspudessem atuar de forma mais tranqüila.

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Mostramos a ele que o Código Penaldefine a facilitação do contrabando e dodescaminho e que o funcionário público temo dever de agir. A nossa surpresa foi que essanorma não saiu e, meses depois, já no ano de2001, saiu a Instrução Normativa 52, porpressão da mídia, porque o jornal O Globopublicou uma série de reportagens sobre essaquestão da pirataria. Ali nós percebemos queas coisas funcionavam muito ao sabor da mídiae isso não mudou.

A fase de recep-ção foi extirpada docontrole aduaneiro esempre tivemos difi-culdade de aceitar isso.Quem trabalha na áreacriminal sempre tevegrandes dificuldadesem provar delitos queficam circunscritos aum determinado siste-

ma. Como nos crimes previdenciários, prati-cados em detrimento do INSS, quando umadeterminada aposentadoria de uma pessoafalecida, por exemplo, ingressa no sistema, eesse processo não existe. Quando se vai bus-car a prova no sistema, tem o funcionário quealega que usaram a senha dele, ou é um fun-cionário fantasma que usou a senha de quem jáse aposentou há 10 anos... Enfim, quando faltapapel a investigação fica muito prejudicada.

É por isso que nós sempre fomos muito

Uma consulta deAFRFs do Porto doRio inspirou aação civil públicacontra as INs 111 e106

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resistentes nessa questão da documentação.Por que não entregar a documentação? Ain-da que a análise prévia subjetiva pudesse serextirpada, em nome da agilidade. Mas por quenão, pelo menos, manter a documentação, queembasou uma importação, arquivada? Por quea Receita vai se contentar apenas com que oimportador diz na DI? Ele não tem sequer orisco decorrente de fazer um documento falso.

Em média, 80% do que o Brasil impor-ta cai em canal verde — esses percentuaisvariam entre 73% a 95%. E essas mercadori-as simplesmente entram sem documento ne-nhum. E mais: a documentação das cargas quecaem nos canais amarelo, vermelho e cinza éanalisada e, após, devolvida ao importador.

Em que a agilização do comércio exte-rior seria prejudicada se a SRF tivesse umdeterminado arquivo que guardasse essa do-cumentação? Documentação, aliás, que po-deria servir para a fiscalização na zona se-cundária, posteriormente. E que, de certomodo, poderia inibir o mau importador, já queele se veria obrigado a, além de declarar osdados ao Siscomex, a forjar um documento queainda poderia ser comparado com o conheci-mento de carga da transportadora e com a fa-tura emitida pela empresa exportadora.

A facilidade com que medidas comoessa poderiam ser implementadas — e nãosão — nos deixam pasmados em relação aoque realmente pretende a Secretaria da ReceitaFederal para o controle aduaneiro no país.

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Desde 1988, houve um aumento signi-ficativo do fluxo do comércio exterior brasi-leiro. Nossas importações cresceram, as ex-portações também. Nós ouvimos depoimen-tos de vários segmentos do setor produtivo,representantes de associações de empresasque produzem emprego aqui no país. Tomeia liberdade de separar uma parte do depoi-mento do senhor Bernd Peter Enzenmüller,coordenador de assistência técnica da empre-sa FAG Rolamentos e também diretor do Sin-dicato Nacional da Indústria de Componen-tes para Veículos Automotores (Sindipeças).É um depoimento bastante esclarecedor,porque aborda vários aspectos deste descon-trole aduaneiro que influenciam a vida doempresário nacional.

Diz o depoimento: “A suspeita de pro-cedência estrangeira foi confirmada no anode 1999, com uma grande apreensão de rola-mentos, pela Policia Federal, no comércio emLondrina, sendo que só as caixinhas vaziasdos rolamentos falsificados da FAG pesavam,em média, meia tonelada; que constatou queé bem mais barato para o fraudador importarrolamentos da china; que o problema da re-marcação, ou seja, aquela que transforma umproduto importado em nacional, se acentuoumuito de 1998 para cá, com certeza por contadas facilidades de importação que advierama partir deste ano; que, em outubro do anopassado, a Alfândega do Porto do Rio de Ja-neiro apreendeu um carregamento de cerca

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de 50 mil rolamentos de procedência chine-sa, sendo que todos se encontravam fora dospadrões do Inmetro, portanto, de funcionali-dade duvidosa; que soube que tal importa-ção veio pelo canal verde; que gostaria deesclarecer que os rolamentos advindos daChina e do Leste Europeu são tecnicamenteinseguros para o consumidor, já que não pre-enchem os padrões impostos pelas monta-doras; que essas peças têm qualidade muitoinferior ao exigido pelas montadoras nacio-nais, têm vida útil bem abaixo do esperado,além de pôr em risco a vida do consumidor;que, por tais motivos, é que os importadoresfraudulentos fazem a prática da remarcação,já que os produtos nacionais têm uma boaaceitação no mercado interno, o que não é ocaso das marcas advindas da China e do Les-te Europeu.

“Muitas vezes o produto já vem da chinacom a marca brasileira, ou com o made inBrasil na caixinha; que, além da baixa quali-dade, ressalta o depoente, os rolamentos emquestão ingressam no Brasil flagrantementesubfaturados, podendo citar como exemploo caso da empresa Concept Importadora,que, em setembro de 99, vendeu a preçosmódicos meia tonelada de rolamentos paraas empresas Vulpeças e Starttaco, alguns che-gando a custar o absurdo preço de R$ 1,99;diante disso, mandou investigar e documen-tar tal fato junto ao escritório Ravazzini In-vestigações e Serviços, que opera no ramo

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da advocacia investigativa, tendo constata-do que aqueles rolamentos foram importa-dos para a empresa Concept junto à empresaBeilemar, com sede no Uruguai, num con-junto de 136 mil rolamentos, pesando 11 emeia toneladas; que tal importação se deuatravés da alfândega de Chuí, sendo que narespectiva DI viu que a maioria dos rolamen-tos custava o ridículo preço de, em média,US$ 0,20, no total de 83 mil e 700 e tantosreais, tendo sido o imposto de importação e

o IPI recolhidossobre este valor; que à vista dosrolamentos des-critos naquelaDI, a ABCF, As-sociação Brasi-leira de Comba-te à Falsificação,confeccionouum documento

com o preço de custo do produto” — semimposto e sem lucro, só o custo — “tendoconstatado que, em verdade, o valor real se-ria de R$ 560.764,00; que várias formas deprejuízos são causadas pelas importaçõesfraudulentas, como concorrência desleal, di-ante do módico preço das mercadorias frau-dulentas importadas, não recolhimento de tri-butos por parte das empresas importadoras,danos a imagem da marca e segurança do con-sumidor, etc.

Informação edebate: os AFRFsquerem opinarsobre os rumos dainstituição

Foto: Alvacir Guedes

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Prosseguindo: “que, em face desses pre-juízos, muitas empresas multinacionais dei-xam de investir no Brasil; que, na qualidadede diretor do Sindpeças, já ouviu de váriosassociados reclamações no sentido de queoutra alternativa não terão, senão pararem defabricar produtos nacionais, já que não têmcomo competir com a forma fraudulenta dasimportações e que seria mais lucrativo fechara industria e importar”.

Esse foi um dos depoimentos do setorprivado que tomamos nesse inquérito. Pode-ríamos pensar que a única bandeira do setorprivado é a agilização das importações, masisso não é verdade. O bom importador nãovai à Receita apenas reclamar agilidade. Obom importador está sendo prejudicado, estátendo que demitir pessoas, tem sua marcadesvalorizada, vê seu consumidor em risco.Esse empresário também está insatisfeito.Vários deles ratificaram isso, na nossa audi-ência pública. E vejam que esses problemas jádatam de 1998 e já estamos em 2004. Mas agente vai ouvir o secretário da Receita, e conti-nua pensando que está na Finlândia. Quandosai do gabinete, volta ao Brasil e cai na real.

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Lavagem de dinheiro nasoperações de comércio

exterior e pirataria

Expositores

Marcus Vinícius Vidal PontesAFRF - Espei/7a RF

Julio LopesDeputado Federal (PP-RJ),

Vice-presidente da CPI da Pirataria

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Lavagem de dinheiroMarcus Vinícius Vidal Pontes

Diante da amplitude do tema, pretendorelacionar alguns ilícitos praticados na áreade comércio exterior com os crimes de lava-gem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro.Inicialmente, é importante apresentar um pe-queno histórico do processo de regulamenta-

ção nas áreas de comércio exteriore financeira e sua relação com a la-vagem de dinheiro.

Há cerca de 30 anos, quan-do o mundo viveu a chamada cri-se do petróleo — os preços dosprodutos sofreram brusca e acen-tuada elevação —, os membrosdos países exportadores passarama auferir uma receita exorbitante,geralmente em dólares america-nos. Todo esse excedente passou aser depositado em bancos europeus,em dólar. Eram valores extrema-mente altos, oriundos das opera-ções com derivados de petróleo.

Além disso, os bancos euro-peus passaram a receber depósitos da entãoUnião Soviética, devido ao medo do Kremlinde que os EUA confiscassem parte de seusdepósitos em dólar, mantidos pelos soviéti-cos nos bancos americanos. Assim, os ban-cos da Europa concentraram vultosos recur-

Para MarcusVinícius, a Aduanacumpre um papelimportante naidentificação dasoperações delavagem dedinheiro.

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sos em dólar, o que abriu espaço para umaliberalização grande na área financeira. Emdecorrência disso, novos produtos, instru-mentos financeiros e facilidades foram cria-dos. O mundo entrou em um processo dedesregulamentação na área financeira.

Essa desregulamentação na área finan-ceira não é um fim em si própria. O dinheiroprecisa ser movimentado. Um dos grandesmotivos para se movimentar o dinheiro, prin-cipalmente uma moeda forte, é justamente ocomércio internacional. Em função disso,verifica-se um segundo processo dedesregulamentação. O primeiro foi nos mer-cados financeiros, e o segundo, no própriocomércio internacional, que nestes últimos30 anos, cresceu a uma taxa duas vezes mai-or que a taxa do PIB mundial. Então, o di-nheiro passa a circular de uma maneira me-nos regulamentada, assim como acorreu comas operações no comércio internacional.

Esse processo de globalização e dedesregulamentação teve custos políticos, so-ciais e financeiros. Considero que um doscustos importantes associado a esse proces-so de liberalização é justamente o da lava-gem de dinheiro.

Quando tratamos de lavagem de dinhei-ro, é imprescindível falar da legislação rela-cionada ao tema. Geralmente, as legislaçõesnão definem o que venha a ser lavagem dedinheiro. Elas simplesmente descrevem ostipos e as condutas típicas associadas a ilíci-

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tos desta natureza. No caso do Brasil, as con-dutas típicas previstas na Lei 9.613 são “ocul-tar”, ou seja, esconder, ou “dissimular”- es-conder com astúcia -, “a natureza, a origem,a localização, a disposição, a movimentaçãoe a propriedade de bens, direitos ou valores,provenientes, direta ou indiretamente, de cri-me”. Os crimes previstos nessa lei são o trá-fico de entorpecentes, o terrorismo e seu fi-nanciamento, o tráfico de armas, munições ematerial para sua produção, a extorsão medi-ante seqüestro, os crimes contra a adminis-tração pública, contra o sistema financeironacional, os praticados por organização cri-minosa e os crimes contra a administraçãopública estrangeira. Os temas desse painel,ou seja, a chamada pirataria e a contrafação,no entanto, não são delitos antecedentes àlavagem de dinheiro.

De especial interesse para esse nossodebate é o inciso I da lei de lavagem de di-nheiro: “Incorre na mesma pena quem, paraocultar ou dissimular os converte — ativos evalores — em ativos lícitos, os adquire, re-cebe, troca, negocia, dá ou recebe em garan-tia, guarda, tem em depósito, movimenta outransfere, e importa ou exporta bens comvalores não verdadeiros”. A lei fala da im-portação ou exportação de bens com valo-res não-verdadeiros. Não é qualquer impor-tação ou exportação com valores não-verda-deiros que estaria associada ao crime de la-vagem de dinheiro. O que esse artigo preten-

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de é, para casos em que já existe um proces-so de lavagem de dinheiro em curso, imputaro crime àqueles que importam ou exportambens com valores não-verdadeiros, para ocul-tar ou dissimular a operação em si.

A lavagem de dinheiro circunscreve umgrande conjunto de atividades criminosas,algumas delas com impacto na Aduana. Asorganizações criminosas não escolhem, apriori, qual atividade vai ser usada na lava-gem. Essas organizações costumam estarenvolvidas numa grande quantidade de ati-vidades criminosas. Como conseqüência des-ta observação, torna-se praticamente impos-sível, inviável ou pouco eficiente, trabalhara questão da lavagem de dinheiro simples-mente pelo viés aduaneiro, ou olhando ape-nas pelo viés dos tributos internos.

Quero enfatizar a importância de se nãoolhar a lavagem de dinheiro apenas do pontode vista aduaneiro. Mas é evidente que a iden-tificação de transações irregulares de comér-cio exterior, com as quais o AFRF se deparano curso da sua atividade, certamente teráimplicação em outras áreas de atuação daSRF e dos demais órgãos.

Vimos na palestra do colega AlexandreLattari que o controle aduaneiro é exercidode três formas: ações de controle antecipa-do, ou ações preventivas; as ações de con-trole no curso do despacho — as inspeções,de uma maneira geral, os procedimentos es-paciais, ligados ao processo dos canais — e

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as ações de auditoria, o chamado “controle aposteriori”. No controle antecipado, preventi-vo, a Receita Federal tem feito um esforço,nos últimos anos, de procurar diminuir o ris-co aduaneiro mediante um processo de habi-litação de empresas ao comércio exterior. Ejá nesse processo é possível detectar algumaatividade de lavagem de dinheiro.

Tomemos por exemplo uma empresacomercial importadora e exportadora, comcapital social de R$ 1 mil, pertencente a dois

sócios de pe-quena capaci-dade econô-mica. No pro-cesso de habi-litação, as em-presas preci-sam entregar,entre outrosdocumentos,um plano dee x p o r t a ç ã o

para os seis meses seguintes, coerente com asua capacidade financeira e com a de seussócios.

Vamos imaginar que um desses sóciosseja substituído por uma offshore uruguaia que,naturalmente, possui um representante legalno Brasil, cadastrado na Receita Federal.Logo depois, aquele capital de R$ 1 mil evo-lui para R$ 10 milhões — parece exagero, masexistem casos em que se registram variações

Marcos Vinicius,José Carlos eJulio Lopes, namesa sobrePirataria eLavagem deDinheiro

Foto: Alvacir Guedes

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desta magnitude. Então, a empresa uruguaiapassa a investir no Brasil, aumenta o capitalda empresa investida e registra esse aporteno Banco Central. Imediatamente, essa em-presa uruguaia está, em tese, capacitada paraoperar no comércio exterior com planos bemmais ambiciosos do que aquele inicial, aotempo em que seu capital era de R$ 1 mil.

Essa subscrição do capital, geralmente,é parcelada. Não é usual que se registre oaporte de R$ 10 milhões no Banco Centralde uma vez só. Os recursos entram no país,mas rapidamente são pulverizados por vári-as outras empresas que nada têm a ver com aempresa que nos serve de exemplo. Simples-mente é um mecanismo oficial de ingressode moeda no país, para dissimular operaçõesde lavagem de dinheiro.

No controle realizado durante o cursodo despacho, também é possível flagrar ope-rações de lavagem de dinheiro. As principaisfraudes na importação são o subfaturamentoe o superfaturamento, a importação fictícia,a classificação indevida, o contrabando e odescaminho, a pirataria e a contrafação. Emvários casos, detectaram-se fraudes associa-das a pagamentos antecipados de importa-ção, que impactam o câmbio, área controla-da pelo Banco Central, mas que também in-teressam à Aduana, pois descortinam indíci-os de fraudes ou de lavagem de dinheiro.

O superfaturamento de importações temcomo conseqüência a remessa ilegal de divi-

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sas, pelo fechamento de câmbio oficial a umvalor superfaturado — o fraudador declaraa mais e fecha o câmbio a maior. Geralmen-te, esse ilícito é praticado com produtos so-bre os quais incide baixa ou nenhuma tribu-tação no comércio exterior, como ocorre comprodutos primários, de modo a reduzir oscustos da lavagem.

O objetivo de enviar o dinheiro parafora do país pode estar circunscrito à empre-sa em si, ou pode estar ligado a algum inte-resse maior. Um doleiro, por exemplo, queprecisa abastecer suas contas offshore, utilizao superfaturamento para poder enviar maisrecursos para o exterior, a fim de manter umlastro para atender a seus clientes.

Vamos a um exemplo real de como sãousados esses pagamentos antecipados. Umaempresa comercial importadora e exportado-ra passa a receber recursos vultosos, de ter-ceiros, por meio de cheques, de DOCs e dedepósitos em espécie. A legislação brasileirasobre lavagem de dinheiro prevê que depósi-tos em espécie, acima de determinada quan-tia, devem ser comunicados aos órgãos com-petentes, pela instituição financeira. Nessecaso em particular, esse tipo de comunica-ção não ocorreu. A grande quantidade de re-cursos que aportou na conta bancária daempresa foi utilizada em pagamentos anteci-pados de importação. Quer dizer, o empre-sário fechava o câmbio com o banco e reme-tia os recursos para o exterior. Até aí não

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houve impacto na aduana, tão somente naárea cambial. Posteriormente, o empresáriofaz o contrário: passa a receber pagamentosantecipados por exportações e, da mesmaforma, fecha o contrato de câmbio com obanco. Os reais entram nas suas contas ban-cárias e se pulverizam para contas de tercei-ros que participam do esquema, ligados a umdoleiro.

A Receita Federal até esse momento nãopoderia ter atuado, pois não houve qualquerdeclaração de importação ou DDE registra-da. Então o Bacen começa a pressionar,porque o importador e o exportador têm umprazo de 360 dias para apresentar a docu-mentação da transação e o registro noSiscomex. É nesse momento que a operaçãocomeça a ter impacto no controle aduaneiro,pela possibilidade de ocorrerem operações fictaspara justificar o fluxo de moeda.

Na exportação, as principais fraudes sãoo subfaturamento, as exportações fictícias, osesquemas envolvendo pagamentos antecipa-dos de exportação, que já vimos, e a simula-ção de cobertura cambial. Na exportação fic-tícia, pode ser que a empresa não feche ocâmbio num primeiro momento, pois, emtese, não há nenhum cliente no exterior ad-quirindo sua mercadoria. Mas isso tem con-seqüências para a economia do país: os pro-dutos deixam de ser exportados e permane-cem irregularmente no território nacional,vendidos no mercado paralelo à margem da

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tributação. Como conseqüência imediata, háo aumento do caixa 2 da empresa exportadora.

Na exportação fictícia não há cliente láfora e não há fechamento de câmbio. Na ver-dade, só se registra a operação no Siscomexe ela é feita, quando há movimentação efeti-va de mercadoria, no mercado interno. En-tão, fica uma cobertura cambial pendente,usada posteriormente pela exportadora oupor doleiros para ingresso de recursos no país.

O esquema costuma funcionar de duasmaneiras. Quando pessoas ou empresas de-sejam reais aqui no Brasil, eles comunicamessa necessidade ao doleiro, que faz um dó-lar-cabo, creditando a conta offshore da empresaexportadora em dólares. A empresa fecha ocâmbio com os recursos vindos da contaoffshore do doleiro, recebe os reais e, no mo-mento seguinte, pulveriza esses recursos en-tre os clientes do doleiro.

Havendo uma cobertura cambial pen-dente, no caso da exportação, é necessárioefetivamente realizar a operação. Mas, se nãohá exportação a ser feita, ou seja, quando setrata de um mecanismo para ingresso e dis-tribuição de recursos de doleiros, a empresaainda conta com um recurso extra: pode, aoinvés de registrar essa exportação noSiscomex, o que traria algum impacto para aAlfândega, converter esse dinheiro como umempréstimo do exterior, para retirar a pen-dência cambial.

Também pode ocorrer diferentemente.

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O exportador efetivamente realiza a opera-ção, envia as mercadorias, só que recebe osrecursos no exterior. Mais uma vez, o BancoCentral cobra o fechamento do câmbio. Parase livrar da pendência, muitas vezes ocorreuma situação curiosa, que chamamos de ope-ração “leva e traz”. Digamos que ele temuma pendência de US$ 1 milhão. Esse ex-portador teria que receber o dinheiro pelosmeios oficiais, mas quem vai pagar, tendo emvista que já houve a quitação no exterior? Asolução comum é se associar a um doleiro.Uma ordem de pagamento é emitida no ex-terior, tendo o exportador como beneficiário,para que ele venha a fechar o câmbio. Se aconta offshore do exportador não tem o mi-lhão de dólares necessário, ele remete, diga-mos, US$ 100 mil para o Brasil e fecha o câm-bio. Sua pendência, em relação ao câmbio,fica sendo de US$ 900 mil. Ele recebe os re-ais, entrega ao doleiro, que ordena o créditode mais US$ 100 mil na conta utilizada peloexportador no exterior e este autoriza novaremessa. A operação se repete até que a pen-dência seja satisfeita. O recurso entra e saido país diversas vezes.

Fiz questão de citar esse exemplo por-que, nesse tipo de controle, o Banco Centralsempre está, em tese, à frente da Receita Fe-deral. Uma das atribuições do Banco Cen-tral é justamente monitorar esse tipo de flu-xo. Se o Bacen detecta problemas cambiais,a Receita pode ser avisada de que determi-

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nada empresa possui uma pendência no câm-bio. É uma informação extremamente rele-vante para o controle aduaneiro. O proble-ma é fazer essa informação chegar de formaimediata ao AFRF na ponta, no desembara-ço aduaneiro. Talvez a comunicação possaevoluir, pois hoje ela se dá por meio de ofí-cio. Talvez pudéssemos pensar numa comu-nicação eletrônica, por meio da integraçãoSisbacen-Siscomex, para que denúncias oususpeitas dessa ordem ingressem automati-camente no sistema e alimentem, por exem-plo, o Radar.

Uma pergunta da platéia tratou do apa-relhamento da SRF para o combate à lava-gem de dinheiro e eventuais conflitos de com-petência entre a SRF e o BACEN:

- Acredito que o termo “aparelhamen-to” tenha várias conotações. É necessário quehaja infra-estrutura, tecnologia e equipamen-tos para a fiscalização ser eficaz. No entan-to, o mais importante são as pessoas, queformam e moldam a instituição. Além desse“aparelhamento”, é necessária também aintegração entre os órgãos que atuam no com-bate à lavagem de dinheiro. Essa integraçãonão depende exclusivamente da Receita Fe-deral e o dever do sigilo é o principal obstá-culo, como sabemos. O Banco Central é ainstituição que acompanha a questão cambi-al, com implicações na área de comércio ex-terior. Não há qualquer conflito de compe-tências entre a Receita Federal e o Banco

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Central. O sigilo a que estamos obrigados éum fator externo às instituições. É um fatorlimitante no combate ao crime organizado eà lavagem de dinheiro. Essa é uma questãoque está nas mãos da sociedade e dos parla-mentares, pois envolve matéria constitucio-nal, que deverá ser enfrentada no futuro.

Outra pergunta vinda da platéia tratados paraísos fiscais:

- Acredito que a legislação, no mundointeiro, esteja avançando e até de maneirasurpreendente, buscando exercer um controlemaior sobre as empresas e suas operações noschamados “paraísos fiscais”. A legislaçãobrasileira e as normas editadas pela ReceitaFederal já sofreram diversas alterações, demodo a contemplar a realidade dos “paraí-sos fiscais”. Desde o 11 de setembro, o mun-do inteiro tem convergido para novas regu-lamentações, e a questão do sigilo já está sen-do flexibilizada em muitas jurisdições.

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Um retrato da pirataria noBrasilDeputado Julio Lopes (PP-RJ)Vice-presidente da CPI da Pirataria

Na condição de vice-presidente da CPIda Pirataria, tenho acompanhado os debatesinternacionais sobre o tema. Tive a oportu-

nidade de visitar o CentroMundial das Aduanas, na Bél-gica, onde a preocupação émuito parecida com a desteseminário. Os países, em fun-ção do próprio crescimento docomércio exterior, têm gran-de preocupação com o tema,até como conseqüência do ter-rorismo. Diversos países estãovoltados, nesse instante, paraa reforma de seus processosaduaneiros, para o aprimora-mento dos procedimentos,seus controles de fiscalização.Principalmente nos EstadosUnidos, a ênfase das autori-

dades se volta para a aduana. Lá, uma leiantiterror determina que, a partir de janeirode 2005, só serão desembaraçados na linharápida os contâineres que lá chegarem tendosido escaneados.

Julio Lopesacredita que oBrasil pode sofrergraves prejuízosse não combater apirataria

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Em 1993 a pirataria de CDs represen-tava cerca de 3% do mercado, no Brasil. Hoje,ela chega a 60%. E assim, tem sido mais oumenos no mundo inteiro. A pirataria tam-bém cresceu muito com a explosão do co-mércio internacional e também com o gran-de crescimento das capacidades industriaisnos países da Ásia, a revolução pós-industri-al. A capacidade industrial desses países é,hoje, muito semelhante à capacidade indus-trial dos Estados Unidos, por exemplo. O quediferencia os produtos hoje, são as marcas,os seus valores agregados, a cultura que setem sobre esses produtos ou sobre esses ser-viços. Na realidade, não é mais tanto o pro-cesso industrial, o processo industrial hoje éamplamente dominado, os carros de quali-dade centenária como a Mercedes Benz, en-contram uma dura concorrência em marcasmais recentes, como a Hiunday, por exem-plo. Os procedimentos industriais foramuniversalizados e praticamente cresceramigualitariamente no mundo inteiro. O que di-ferencia produtos e serviços, hoje, sãodesign, qualidade, marca e é exatamente aí quea pirataria trabalha, se apropriando dessasmarcas, se apropriando desse design, se apro-priando dessa cultura em cima desses pro-cedimentos, desses produtos.

Em recente visita ao embaixador ame-ricano no Brasil, eu relatei um fato que façoquestão de repetir, pois ilustra bem o proble-ma da pirataria, o problema aduaneiro brasi-

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leiro e a história mesmo da contrafação —cime recente, com basicamente 10 anos degrande atividade — e da criminalidade noBrasil. Há bastante tempo já vínhamos in-vestigando a pirataria e tínhamos ações efe-tivamente fortes em São Paulo, que concen-tra grande parte dessa atividade criminosa.Lá, nós começamos a nos concentrar nas ati-vidades de um grande empresário, que se dizdo setor imobiliário. Esse indivíduo tem 600lojas em cinco shoppings, que perfazem 25 milmetros quadrados de área de venda. O Dele-gado da Polícia Federal Gilberto Américo,que estava conosco nessa investigação, jáhavia participado de uma apreensão, em1997, de 1.297 contâineres de mercadoriairregular pertencentes a esse empresário.Vejam: 1.297 contâineres apreendidos deuma só vez. Na operação, foi possível des-vendar o esquema de remessa de dinheiro,até porque 1.297 contâineres não podiamchegam no Brasil à toa, de graça.

Assim, foi possível chegar a um doleiroem São Paulo que fazia todo o tipo de frau-de, o Toninho da Barcelona. A Polícia Fede-ral verificou os arquivos dos computadoresdesse doleiro e se deparou lá com dezenasde delegados federais. Além disso, estavamnos arquivos os nomes de alguns juizes fede-rais de São Paulo e de outras autoridades.Ao se deparar com isso, o Dr. Gilberto, ficounuma situação difícil, mas ele tinha que levaraquela operação adiante porque se tratava de

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um trabalho de investigação de sete meses.Pois bem, pasmem meus senhores! O

Juiz Federal, cujo nome estava lá no arquivodo doleiro, chama o Dr. Gilberto e diz a eleque seria interessante que ele parasse comaquele procedimento e que ele não registras-se os autos de apreensão da forma como odelegado queria fazê-lo. Na verdade, o cita-do juiz o estava convidando a “refletir” so-bre esse assunto, já que aquilo não poderiaacabar bem para ele. O Dr. Gilberto disse:“Olha, senhor Juiz, eu não tenho como pararporque, afinal de contas, o procedimento jáestá feito e foi acompanhado por todo mun-do, não há como retroceder e, mesmo quehouvesse, eu não faria, de qualquer forma.Não há como fazer.” Ele foi ameaçado, masnão atendeu às ameaças. Eu quero dizer aossenhores que o Dr. Gilberto acabou sendopreso em função de ter apreendido 1.297contâineres; os seus outros colegas que for-maram essa equipe de inteligência, cada umdeles foi mandado para um lugar mais dis-tante do Brasil. Então, foi esse o prêmioque tal equipe conseguiu depois de investi-gar profundamente durante sete meses o tra-balho dessa quadrilha de mafiosos no Brasil.

Os 1.297 contâineres, no valor de U$60 milhões, foram devolvidos ao proprietá-rio, às custas da União, que pagou pelo trans-porte, armazenamento e pela devolução damercadoria. Mas a justiça foi feita, pois essejuiz federal, que estava no esquema do

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Toninho da Barcelona, embora não esteja nacadeia, seria afastado de suas funções doisanos e meio depois desse episódio e desliga-do do quadro judiciário de São Paulo, emfunção da reincidência dos seus atos a favordesse tipo de fraude. O nome dele é TotonhoCosta.

Um grupo de deputados da CPI da Pi-rataria esteve no mesmo endereço daqueleempresário que citei, no antigo depósito dasempresas Matarazzo, na Rua da Mooca, nú-

mero 1416, com agen-tes da Polícia Federal,com o pessoal da guar-da metropolitana deSão Paulo. Chegamoslá, naquele mesmo de-pósito onde, sete anosantes, o Dr. GilbertoAmérico tinha encon-trado todo aquele tipode descaminho, às 10horas da manhã. Às 15

horas ainda não tínhamos encontrado nada.Como os senhores sabem, um mandado debusca e apreensão expira às 18 horas e, apartir desse limite, não poderíamos mais pros-seguir com as buscas. E havia gente da polí-cia simplesmente nos “passeando”, para quenão encontrássemos as cargas. Conosco es-tava o procurador do Estado de São Paulo,José Carlos Blat, que, àquela altura, estavatodo suado, todo sujo, com os óculos emba-

O produto dapirataria é vendidolivremente nasruas

Foto: Arquivo

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çados, de tanto que ele entrava e saía daque-la poeirada. E eu dizia a ele: “Promotor, osenhor tem certeza que esse negócio estáaqui?”. E ele dizia: “Está aqui, eu investi-guei isso junto com a polícia, eu sei que issoestá aqui”. A certa altura, um dos integran-tes da Polícia Federal encostou do meu ladoe disse: “Deputado, está tudo aqui. Só quenão é aqui desse lado, esse depósito é ummundo e nós vamos ficar aqui o dia todo,nós vamos perder a hora do mandado. Estátudo do lado de lá. O Senhor, virando à di-reita aqui, virando à esquerda ali, sobe parao segundo andar, mas eu não posso falar issoagora”. E aí sumiu. Eu contei isso para JoséCarlos Blat: “A mercadoria está aqui dentro,só que está para o outro lado”. Nós muda-mos de direção dentro do depósito e encon-tramos novamente US$ 40 milhões em mer-cadorias. Saíram 22 caminhões para os de-pósitos de São Paulo com mercadorias dosegmento chinês.

Mas, apesar dessas coisas, o Brasil avan-çou muito. Afinal, aquele empresário queconseguiu colocar na cadeia o delegado Gil-berto Américo — e ele acabou pedindo aaposentadoria da Polícia por não agüentaraquela situação, tamanho o choque que eleteve — esse empresário foi apanhado de novoe está preso em Brasília, na Polícia Federal.E, hoje, o Dr. Gilberto faz parte da equipedo Departamento de Investigação da Apdif.

O Toninho da Barcelona, responsável

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pelas maiores fraudes do Brasil, também estápreso. Os delegados federais envolvidos es-tão afastados da função, vários estão presosjunto com aquele juiz. Eu tive o prazer de irlá visitá-los na cadeia, algumas vezes, em in-vestigações posteriores.

Avançamos, mas ainda temos muito oque fazer. O caso desse comerciante é um,existem outros, mas hoje o Brasil tem vonta-de de combater a prática da pirataria, dodescaminho e do contrabando. É por isso queestamos nos encontrando neste seminário,para debater como podemos aprimorar osnossos procedimentos alfandegários, comoaprimorar os nossos procedimentos legais, deforma a combater não só essa prática, mastodas as práticas que assaltem a nossa cida-dania, que assaltem a nossa possibilidade deconstruir um país mais legal. Como cidadão,como morador do Rio de Janeiro, venho meapavorando com essa crescentecriminalidade. Quando olhamos uma favela,vemos sempre um problema social grave,moradias precárias, pessoas sem a possibili-dade de uma vida digna. Mas estou conven-cido de que os pobres não são um problema,eles são uma solução. Nós criamos a socie-dade da exclusão, excluímos centenas de mi-lhares de empreendedores brasileiros que,simplesmente não têm como se adaptar ànossa sociedade. Não aproveitamos o poten-cial das pessoas. Na Rocinha tem 300 ou 400caras armados? Não é esse o problema, por-

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que esses nós podemos vencer. O que nósnão podemos vencer são milhares e milharesde pessoas, talvez centenas de milhares depessoas que estão envolvidas em práticas ile-gais, em procedimentos ilegais em função deserem cooptados em função de dificuldadesque nós mesmos estamos criando.

Aqui, no Rio de Janeiro, fizemos umaoperação contra a pirataria em 11 depósitos.Nós tínhamos a informação da inteligênciada Prefeitura. Pedimos um mandado de bus-ca e apreensão contra esses depósitos. O juizentendeu que aquilo era um problema soci-al, que não existiam as ordens fundamentaispara se invadir aqueles depósitos, que afinalde contas havia coisas mais sérias acontecen-do. A promotora Lilian Pinho, que é muitodiligente e combativa, foi ao Juiz e disse:“Nós temos evidências claras de que há con-trabando e descaminho nesses depósitos”. Ojuiz pediu a ela que fornecesse um relatóriopormenorizado. Ela tomou a termo a inves-tigação de cada um dos investigadores; vol-tou ao Juiz e, ainda assim, ele indeferiu omandato. Não estou nem qualificando a ati-tude dele de comprometida com o tráfico oucom essa questão da pirataria, mas talvezporque ele tivesse realmente entendendo queaquilo era um problema social, ele indeferiuo mandado. Nós, deputados da CPI da Pira-taria, nos juntamos e fizemos um mandadode busca e apreensão e naquele dia, saímosdaqueles depósitos com mais de 40 tonela-

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das de mercadorias, dezenas e dezenas decaminhões. Foi para a primeira página dosjornais em todo o Estado aquela enormeapreensão que nós havíamos feito. Enfim,então há muito o que avançar, há muito oque fazer. Nós, do Congresso Nacional,estamos dispostos a colaborar efetivamente.Está sendo instituído, no dia 24 de novem-bro, o Comitê Nacional de Combate à Pira-taria, pelo presidente da República e peloministro da Justiça.

Em maio de 2005, traremosao Brasil uma equipe grande daInterpol para treinar, junto com aEscola de Magistratura, juizes, de-legados e membros da ReceitaFederal no combate à pirataria. E2006, a 75a Assembléia Geral daInterpol vai ser realizada no Riode Janeiro, reunindo representan-tes de 181 países. A CPI da Pira-taria encerrou seus trabalhos, masnós continuamos trabalhandomuito na Comissão de Defesa doConsumidor, prontos a receber as

solicitações, as reivindicações, as denúncias.Espero que trabalhemos juntos para avan-çarmos, de fato, no combate a esses ilícitos.Porque, embora o empresário chinês, um dosmais importantes líderes da pirataria, estejapreso, sua quadrilha se recompôs numa ve-locidade muito grande. Por isso, precisamosda ajuda dos AFRFs, precisamos fazer ou-

José CarlosSabino Alves,diretor da DS/Rio,mediou o painelsobre Lavagem deDinheiro ePirataria

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tras operações. A pirataria faz mal ao Brasil.Se as coisas continuam como estão, pode-mos ser retirados do Sistema Preferencial deComércio e isso é prejuízo: são US$ 2,5 bi-lhões que as empresas brasileiras produzeme têm acesso ao mercado americano, sem se-rem sobretaxados. Se isso for retirado, o Bra-sil perderá muito.

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Resistir e construir a Aduanado BrasilAna Mary da Costa Lino CarneiroSegunda vice-presidente do Unafisco SindicalRepresentante da Diretoria Executiva Nacional

Gostaria de agradecer à Delegacia Sin-dical do Rio de Janeiro por esse magnífico

encontro. O que temos hojeaqui é algo fora de série.

Aos colegas aduaneirosaposentados, quero dizer quevocês merecem todas as ho-menagens, pois vocês se de-dicaram durante toda a vida ànossa Aduana, à nossa Recei-ta Federal. A área aduaneiraexerce um encanto especialsobre nós, talvez por essa pos-sibilidade de investigação, pornos permitir descobrir coisasnovas, lutar muito pela justi-

ça fiscal. Talvez seja a área que permite aatuação mais intensa do AFRF.

Vários de nós, presentes a esse seminá-rio “Controle Aduaneiro, Lavagem de Dinhei-ro e Pirataria no Brasil” somos oriundos doconcurso de Agente Fiscal do Imposto Adu-aneiro. Tivemos chance de atuar e tivemosmuito poder dentro da Aduana. Não havia

Ana Mary: “A áreaaduaneira exerceum encantoespecial sobe osAFRFs”

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barreiras à abertura de containeres ou às vi-sitas aduaneiras, por exemplo.

Os meus contemporâneos recordam dopoder que nós tínhamos na fiscalização e decomo isso nos fazia orgulhosos de sermosservidores do Estado brasileiro. Tínhamos asensação de que éramos úteis e de que aju-dávamos a construir a justiça fiscal, premis-sa da justiça social de que tanto se fala.

Estamos vivendo um momento difícil emnosso país, com as reformas neoliberais da Pre-vidência, a proposta de reforma sindical e dasParcerias Público-Privadas. É um momentosombrio e precisamos de muita coragem e ou-sadia para reagir. Caso contrário, vamos desa-parecer. As conseqüências nefastas do desmon-te da Previdência Social Pública, que nósestamos começando a sentir, já são bem clarasem outros países, como a Argentina.

Essa realidade nos aponta um desafio:o que vai restar para a nova geração de ser-vidores públicos? É preciso que todos enten-dam que nossa luta tem que ser conjunta, nãopode ser só dos aposentados. Nós não nosresignamos. O Unafisco Sindical não recua.Como brasileira, como cidadã, como mãe,avó e, em abril, bisavó, não me calo diantedo que fazem com nosso país, com o serviçopúblico e com a Aduana. Minha mensagem,e a mensagem da DEN é que não vamos es-morecer!

Rio de Janeiro, 8 de novembro de 2004

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