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    1 Agregao em Educao, especialidade Didctica das Cincias. Docente, Instituto de Educao, Universidadede Lisboa. Lisboa, Portugal. 2 Doutora em Educao, especialidade Didctica das Cincias. Docente, Instituto de Educao, Universidade deLisboa. Lisboa, Portugal. 3 Doutora em Educao, especialidade Psicologia Educacional. Investigadora, Instituto de Educao,Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal.

    A DISCUSSO DE CONTROVRSIASSOCIOCIENTFICAS

    NA FORMAO DE PROFESSORES

    Teacher training and discussion about sociocientific issues

    5 0 5Cincia&Educao, v. 17, n. 3, p. 505-522, 2011

    Ceclia Galvo1

    Pedro Reis2

    Sofia Freire3

    Resumo: A promoo da compreenso da natureza da cincia constitui um dos eixos fundamentaisdos currculos de cincias actuais, procurando que os alunos entendam a produo do conhecimentocientfico e tomem decises sobre assuntos de base cientfica com impacto directo na sua vida. Contu-do, a investigao demonstra que os professores no integram esta vertente no seu ensino, comprome-tendo as aprendizagens dos alunos sobre esta temtica. Num outro sentido, a investigao atribui po-tencialidades discusso de assuntos sociocientficos controversos na escola na construo de umaimagem de cincia mais real. Com este estudo, pretende-se compreender como que um conjunto de29 professores-formandos, de um mestrado em Educao, avalia as potencialidades deste tipo de meto-dologia. Apesar das avaliaes bastante positivas, constata-se a necessidade de continuar a apoiar estesprofessores na implementao destas actividades com os seus alunos de modo a desenvolverem oconhecimento necessrio sua implementao.

    Palavras-chave: Formao de professores. Ensino de Cincias. Discusso. Controvrsias scio-cientficas.

    Abstract: Nowadays, one of the main goals of science curricula is to promote a deep understandingabout the nature of science. Particularly, it aims at facilitating students understanding about the cons-truction of scientific knowledge and decision making concerning scientific issues with a direct impacton their lives. However, research shows that teachers do not explore this dimension in their teaching,comprising students learning about controversial issues. Despite this state of affairs, research alsoshows the potentiality of using discussion about controversial socio-scientific issues for developing amore real image of science. The goal of the present study is to understand how a group of 29 teachersenrolled in a Master in Education, appraises this teaching methodology. Despite very positive evaluati-ons from the teachers, this study illuminates the need keep on supporting teachers in their use ofdiscussions in the classroom.

    Keywords: Teacher education. Science education.Discussion. Socio-scientific issues.

    1Instituto de Educao da Universidade de LisboaAlameda da U niversidade1649-013 - Lisboa, Portugal

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    Introduo

    Nos ltimos trinta anos, o sloganCincia-Tecnologia-Sociedade (CTS) (na sua versooriginal em lngua inglesa: Science-Technology-SocietySTS) tem congregado os esforos de edu-cadores de todo o mundo em torno do objectivo de alterar o status quo da educao em cincia(AIKENHEAD, 2003; ZIMAN, 1994). Este sloganpretende desencadear a substituio docurrculo convencional de cincia (centrado na preparao para cursos universitrios e consi-derado pouco interessante e relevante pelos alunos) por um currculo centrado no desenvolvi-mento de conhecimentos, capacidades e atitudes teis para a vida diria dos alunos e preocu-pado com a responsabilidade social em processos colectivos de tomada de deciso sobre as-suntos relacionados com cincia e tecnologia (AIKENHEAD, 2002).

    A maioria dos currculos CTS apresenta, assim, quatro objectivos comuns: a) aumen-tar a literacia cientfica dos cidados; b) despoletar o interesse dos alunos pela cincia e pelatecnologia; c) estimular o interesse pelas interaces entre a cincia, a tecnologia e a sociedade;

    e d) desenvolver nos alunos capacidades de pensamento crtico, raciocnio lgico, resoluocriativa de problemas e, especialmente, de tomada de decises (AIKENHEAD, 1994; SOLO-MON, 1993). Pedretti (2003), numa reflexo sobre a educao Cincia Tecnologia Sociedade-Ambiente (CTSA), apresenta uma sntese do que considera ser os seus princpios orientadores:

    1. A contribuio para o desenvolvimento sustentvel do planeta atravs do estudo dautilizao sistemtica de recursos e da considerao das necessidades humanas a longo prazo;

    2. A compreenso dos processos de tomada de deciso a nvel governamental e em-presarial;

    3. A promoo do raciocnio moral e tico acerca da cincia;4. A compreenso e a discusso da dimenso poltica da cincia;5. O exerccio de capacidades intelectuais e ticas na determinao dos aspectos po-

    sitivos e negativos do desenvolvimento cientfico e tecnolgico e no reconhecimento das for-

    as polticas e sociais que governam o desenvolvimento e a distribuio dos conhecimentos eartefactos cientficos e tecnolgicos;6. A capacitao dos cidados para uma aco responsvel na transformao da socie-

    dade; e7. A compreenso da natureza da cincia e das suas interaces com a tecnologia e a

    sociedade.A compreenso da natureza da cincia um aspecto considerado, hoje em dia, funda-

    mental no ensino das cincias. Se no se valorizar, nos currculos, a dimenso natureza dacincia, os alunos vo continuar a aprender cincias de uma forma descontextualizada, queno lhes vai permitir compreender de forma aprofundada o conhecimento cientfico produzi-do e usar esse conhecimento para tomar decises pessoais e sociais informadas (McCOMAS,2000). Segundo Reis e Galvo (2004), a compreenso da cincia essencial para permitir aos

    alunos participarem em debates e em processos de tomada de deciso, contribuindo para aconstruo de uma sociedade mais democrtica onde todos podem ter uma voz. Conhecer asdiversas dimenses da cincia (histrica, filosfica, psicolgica e sociolgica), bem como asinteraces que estas estabelecem entre si e a influncia que tm na evoluo do conhecimentocientfico, fundamental para desenvolver uma compreenso complexa sobre a natureza dacincia (OSBORNE, 2000; ZIMAN, 1984). Existem inmeras formas de facilitar essa com-preenso, nomeadamente, o envolvimento dos alunos na discusso de questes problemticas

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    actuais de base cientfica. O objectivo desta abordagem promover o desenvolvimento deconceitos, competncias e atitudes considerados necessrios a uma cidadania activa e ilustrara dimenso social da cincia e o seu funcionamento sob influncias sociais internas e externas(ZIMAN, 1994).

    A escolha da discusso como veculo de aprendizagem reflecte, de forma explcita ouimplcita, concepes sobre a natureza do conhecimento, a importncia da autonomia intelec-tual e da colaborao social, bem como valores polticos relacionados com a construo deuma sociedade democrtica (BRIDGES, 1988; PARKER; HESS, 2001; REIS, 2004, 2008a,2009). Segundo uma concepo epistemolgica interaccionista, a discusso considerada abase do pensamento (DOISE; MUGNY; PERRET-CLERMONT, 1975; VYGOTSKY, 1978),sendo que os sujeitos constroem os seus instrumentos sociocognitivos a partir da interioriza-o de experincias e progridem intelectualmente atravs de interaces com outros indivdu-os. Desta forma, os nossos conhecimentos e decises tm uma origem externa, formando-sea partir dos intercmbios de linguagem estabelecidos nos mltiplos contextos do dia-a-dia: em

    casa, na rua, nos programas de televiso, nos jornais, na rdio, nas salas de aula, nas reuniesformais e informais, entre outros. Para alm de alargar o nvel de compreenso individual, pelocontacto com as interpretaes e a experincia de vida dos outros, a discusso tambm umveculo potencial de promoo de valores da democracia, de respeito e da tolerncia. A discus-so sustenta a democracia e a cidadania, ao assentar num processo no violento de tomada dedecises, que passa pelo reconhecimento e superao de divergncias, e ao promover a coesodos grupos em torno de objectivos ou problemas comuns (BROOKFIELD; PRESKILL,1999; GUTMANN; THOMPSON, 1996). Com efeito, a discusso requer uma atitude derespeito pelas opinies dos diferentes participantes que incompatvel com atitudes autorit-rias e envolve, inclusivamente, algum cepticismo quanto autoridade.

    Assim, a discusso de assuntos sociocientficos controversos nas aulas de cinciastem sido amplamente proposta em virtude das suas eventuais potencialidades. O recurso a

    problemas actuais e relevantes suscita o interesse e a participao activa dos alunos, facilita odesenvolvimento de competncias necessrias resoluo dessas situaes problemticas epromove a construo de uma ideia mais humana dos empreendimentos cientfico e tecnol-gico (REIS, 1997, 2004; ZEIDLER, 2003). Para alm disso, esta abordagem promove a cons-truo de conhecimentos cientficos, a compreenso do papel da cincia e da tecnologia nasociedade e o desenvolvimento cognitivo, social, poltico, moral e tico dos alunos (LEVIN-SON, 2006; REIS, 1997, 2008a; SADLER, 2004; ZEIDLER, 2003).

    Actualmente, as influncias do movimento CTS so evidentes nos currculos de cin-cia portugueses, tanto do Ensino Bsico como do Ensino Secundrio. As orientaes curricu-lares para o 3 Ciclo do Ensino Bsico, relativas rea disciplinar de Cincias Fsicas e Natu-rais (FREIRE; GALVO, 2004; GALVO, 2001; GALVO; ABRANTES, 2005; GALVO;FREIRE, 2004) prevem a construo de conhecimento (substantivo, processual e epistemo-

    lgico) sobre a cincia enquanto empreendimento humano, em interaco com a tecnologia ea sociedade, com potencialidades e limitaes na resoluo de problemas pessoais, sociais eambientais. Para o desenvolvimento destas competncias, as orientaes curriculares propema vivncia de um leque diversificado de experincias educativas, centradas preferencialmenteem temas actuais, interessantes e relevantes para os alunos, tais como discusso de assuntoscontroversos, realizao de investigaes pelos alunos, anlise de relatos de descobertas cien-tficas, resoluo de problemas, entre outras. O programa de Biologia e Geologia para os 10

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    e 11 anos do Curso Geral de Cincias Naturais (PORTUGAL, 2001) refere como objectivoscomuns ao ensino das cincias experimentais:

    [...] fornecer uma viso integradora da cincia, estabelecendo relaesentre esta e as aplicaes tecnolgicas, a sociedade e o ambiente efomentar a participao activa em discusses e debates pblicos res-peitantes a problemas que envolvam a cincia, a tecnologia, a socieda-de e o ambiente. (PORTUGAL, 2001, p. 8).

    Contudo, a mudana no depende exclusivamente de alteraes curriculares, tornan-do-se necessrio um investimento na formao de professores e na construo e validao derecursos educativos adequados (MARTINS, 2002). E, de facto, vrios estudos ilustram que, deuma maneira geral, aos professores falta uma compreenso sobre a natureza da cincia eacerca do funcionamento do empreendimento cientfico (FERNNDEZ et al., 2002; LE-

    DERMAN, 1992; McCOMAS, 2000) e que lhes falta, tambm, conhecimento de contedo edidctico necessrio para um ensino explcito da natureza da cincia (REIS, 2004, 2008a;REIS; GALVO, 2004; REIS; RODRIGUES; SANTOS, 2006). Para alm disso, revelam queos professores esto fortemente ligados a uma tradio transmissiva de factos ou produtosfinais da cincia e que, de um modo geral, negligenciam a forma como este conhecimento construdo (GALLAGHER, 1991; McCOMAS; CLOUGH; ALMAZROA, 2000), no inclu-indo nas suas planificaes questes de natureza da cincia (ABD-EL-KHALICK; BELL;LEDERMAN, 1998). Consequentemente, para a maioria dos alunos, a descrio da naturezada cincia limita-se a comentrios breves sobre alguns pargrafos do incio dos manuais (BEN-TLEY; GARRISON, 1991).

    Ora, cabe aos professores estabelecer a ponte entre a cultura associada comunidadede cientistas e o resto da sociedade atravs da iniciao dos alunos em determinados aspectos

    da cultura cientfica. Mas como, se durante a sua formao inicial e contnua, os professoresraramente tm oportunidade de reflectir sobre aspectos da natureza da cincia (McCOMAS;CLOUGH; ALMAZROA, 2000)? E que tipo de formao favorece o seu conhecimento sobrea natureza da cincia?

    O BioQuest4 um projecto que tem como principal objectivo contribuir para a cons-truo de uma interpretao crtica do mundo actual nas suas dimenses cientfica e tecnol-gica, evidenciando aspectos ambivalentes da cincia e da tecnologia e as suas interacesprofundas com a sociedade e o ambiente. Para tal, desenvolveu um conjunto de actividades dereflexo e discusso sobre controvrsias sociocientficas actuais (por exemplo, construo dahidroelctrica de Alqueva, clulas estaminais, clonagem, estaes elicas), atravs das quaisprocura estimular o desenvolvimento de uma literacia cientfica e promover conhecimentos,capacidades de pensamento crtico e de atitudes e valores que facilitem o envolvimento activo,

    construtivo e responsvel dos cidados na sociedade.Este projecto emergiu de uma linha de investigao e de interveno centrada na

    utilizao de controvrsias sociocientficas no ensino das cincias, que se, por um lado apon-

    4 Disponvel em: .

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    tava para as potencialidades deste tipo de actividades para as aprendizagens dos alunos (REIS,1997, 1999, 2001), evidenciava, por outro, as dificuldades dos professores em tornar explcitoa dimenso da natureza da cincia nas suas prticas (REIS, 2004, 2008a; REIS; GALVO,2004; REIS; RODRIGUES; SANTOS, 2006). Tendo em conta estas evidncias, o BioQuestfoi, pois, criado com o objectivo duplo de construir, avaliar e divulgar materiais educativoscom sugestes de actividades de discusso de questes sociocientficas (destinadas a reascurriculares disciplinares e no disciplinares) e de apoiar os professores durante a concepo eimplementao deste tipo de actividades nas suas aulas.

    Tendo em conta este objectivo, esta metodologia (de discusso de questes sociocient-ficas controversas) foi desenvolvida com os professores-formandos da disciplina de Trabalhode Projecto do Mestrado em Educao do Instituto de Educao da Universidade de Lisboa.Pretendia-se no s que os professores melhorassem seu conhecimento de contedo sobrequestes relacionadas natureza da cincia, mas tambm que vivessem situaes de aprendiza-gem inovadoras, facilitando o desenvolvimento de novas expectativas e de atitudes em relao

    ao ensino das cincias e, eventualmente, a adopo de novas estratgias de ensino. A literaturarecente sobre a formao de professores ilumina a importncia da reflexo e da a preocupaoem criar estas experincias de aprendizagem e, tambm, de criar situaes que levem os profes-sores a reflectir sobre o tipo de experincia (na qualidade de professores-formandos) e sobre ametodologia de aprendizagem (na qualidade de professores). Com este artigo pretendemosperceber quais as potencialidades educativas que estes professores atribuem a este tipo demetodologia, nomeadamente, como a viveram e que vantagens encontram nela.

    Metodologia

    Participantes

    Participaram no estudo 29 professores-formandos de duas turmas distintas (de doisanos diferentes) da disciplina de Trabalho de Projecto do Mestrado em Educao do Institutode Educao da Universidade de Lisboa. Os professores-formandos tinham diferentes nveisde experincia profissional, encontrando-se em diferentes fases de desenvolvimento profissio-nal. Para alm disso, tinham uma formao cientfica inicial distinta: Portugus, Filosofia,Matemtica, Educao Visual, Histria, Cincias Naturais, Cincias Fsico-Qumicas, Biologiae Geologia.

    No mbito da disciplina, foi-lhes pedido que discutissem e reflectissem sobre a cons-truo da hidroelctrica de Alqueva que originou uma albufeira com cerca de 250 km 2 (omaior lago artificial da Europa) e permitiu armazenar um volume total de 4150 milhes de m 3

    de gua. Muitas pessoas vem-na como uma revoluo agrcola e turstica para a regio do

    Alentejo (tradicionalmente seca e rida) e para todo o sul de Portugal. Contudo, outras pessoasconsideram que a sua imensa albufeira provocou uma catstrofe ambiental e cultural, acaban-do com milhares de plantas e animais e com diversos espaos arqueolgicos. As hidroelctri-cas so fundamentais na gesto dos recursos hdricos e na produo de energia de forma nopoluente. Contudo, representam sempre uma violenta perturbao dos equilbrios naturais,destruindo o patrimnio natural e cultural e suscitando fortes impactos biolgicos, geolgicos,climticos, agrcolas, sociais e econmicos. Logo, qualquer processo decisrio relativo cons-

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    truo de uma hidroelctrica envolve sempre uma interaco extremamente complexa de ele-mentos sociais, econmicos, cientficos, tecnolgicos e polticos.

    Na actividade proposta, os participantes foram convidados a analisar informaosobre este tema (proveniente de diversas fontes: a empresa gestora do projecto, organizaesambientalistas, rgos de comunicao social, artigos cientficos de cientistas, etc.) com afinalidade de se pronunciarem acerca das potencialidades e limitaes deste empreendimento.Em primeiro lugar, os professores-formandos leram, fora da aula, todos os textos disponibili-zados no site, centrados na anlise de um conjunto de impactos do empreendimento (naturais,culturais ou scio-econmicos). J na aula, a turma foi dividida em dois grupos, ficando cadaum dos elementos de cada grupo responsvel por investigar mais aprofundadamente um dostextos. Posteriormente, com base no contributo de todos os elementos, o grupo discutiu osdiferentes textos e impactos e tomou uma deciso, to consensual quanto possvel, sobre oempreendimento (Favorvel; Favorvel, mas sob determinadas condies; Desfavorvel). Asdecises finais, bem fundamentadas, foram ento apresentadas turma e novamente discuti-

    das no grande grupoMtodo de recolha de dados

    O estudo realizado de natureza interpretativa, com recurso anlise de narrativasdos professores-formandos como processo de recolha de dados. A narrativa faz parte danossa vida, pois atravs do que contamos que interagimos com os outros, partilhamos acon-tecimentos e somos mediadores num processo de resignificao das experincias vividas que,segundo Bruner (1991), no s retrata, mas constitui a prpria realidade. A narrativa apresen-ta, deste modo, mltiplas potencialidades como mtodo de investigao e como processo dereflexo pedaggica e de formao (GALVO, 2005; REIS, 2008b), uma vez que traz luz,de uma forma bastante profunda, a experincia relatada e interpretada por algum, num pro-

    cesso de reflexo que enriquece o acontecimento primrio. Considerando o domnio da esco-la, a narrativa permite aceder ao conhecimento profissional do professor em determinada fasedo seu percurso e desenvolvimento (FREITAS; GALVO, 2007; GALVO, 1998; GAL-VO; FREIRE, 2001; ROSA; GALVO, 2006) e , tambm, um mtodo til para analisarconcepes sobre cincia e sobre a natureza da cincia e identificar possveis razes para essasconcepes (REIS; GALVO, 2004, 2006, 2007; REIS; RODRIGUES; SANTOS, 2006).

    No estudo apresentado neste artigo, a narrativa foi o mtodo utilizado para recolha dedados, trazendo no s a perspectiva metodolgica, mas tambm a reflexo sobre as potencia-lidades da estratgia levada a cabo, em que a discusso constitui uma componente importante.

    Mtodo de anlise de dados

    O estudo envolveu a anlise das 29 narrativas elaboradas pelos professores. Nesteartigo, optou-se por se apresentar uma sntese da anlise global das 29 narrativas, tendo emconta os elementos comuns. Para alm disso, optou-se pela apresentao e anlise aprofunda-da de duas narrativas completas, que foram seleccionadas tendo em conta a riqueza da infor-mao veiculada.

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    Resultados

    Sntese da anlise global das narrativas

    A anlise do conjunto das narrativas redigidas pelos professores revela alguns dadosinteressantes. Foi com alguma surpresa que constatmos nos relatos dos professores a confir-mao do desconhecimento real sobre as implicaes da construo da hidroelctrica de Al-queva. Vrias afirmaes revelam como a actividade de discusso lhes permitiu conhecerdiversos aspectos/dimenses deste empreendimento de que nunca se haviam apercebido, ape-sar de conhecerem a situao em discusso recente no nosso pas. Esta situao evidenciaalgum alheamento destes professores das vrias discusses em torno da hidroelctrica deAlqueva divulgadas pelos media.

    Para se pronunciarem positiva ou negativamente quanto ao empreendimento, os profes-sores analisaram todas as informaes disponibilizadas pelo BioQuest, contrapondo os argumen-

    tos de diversos intervenientes na discusso pblica. Esta anlise permitiu-lhes conhecer dimen-ses da controvrsia que desconheciam at ento. Apesar de todos os conhecimentos apropria-dos, muitos professores no se sentiram capacitados para uma tomada de posio. Curiosamente,a dificuldade aumentava medida que interpretavam os textos e as informaes se tornavammais completas. Cada novo argumento vinha perturbar possveis decises alcanadas, impedin-do ou dificultando uma tomada de posio clara. Perante as listas extensas de vantagens einconvenientes, os professores formandos revelaram grandes dificuldades em assumir umaposio. Muitos sentiram necessidade de um contacto directo com o empreendimento quepermitisse a obteno de mais informao (nomeadamente, sobre as repercusses na vida doshabitantes locais) e de informao em primeira-mo, surgindo ento propostas de visitas aoslocais afectados ou de desenvolvimento de projectos escolares sobre esta controvrsia.

    Algumas narrativas revelavam algum sentimento de impotncia pessoal e colectiva

    perante controvrsias deste tipo. Esta uma dimenso extremamente importante e a que nemsempre damos o devido valor, na nsia de demonstrar o efeito positivo da participao doscidados. Subjacente s discusses pblicas de assuntos controversos, existe a ideia de que ainterveno dos cidados (informando-se, discutindo e tomando posio, por exemplo, atra-vs de manifestao ou do voto) interfere com decises polticas. Mas, at que ponto realesta ideia?

    As questes controversas so uma problemtica complexa. um assunto quemostra afinal que a cincia no to bonitinha e imparcial como se quer fazerparecer.[] Onde se encontra a verdade que diz respeito cincia? E vem essa verdade tona com as controvrsias [socio]cientficas? Qual dos lados da controvrsia tem a

    razo? Qual dos lados da controvrsia apresenta os melhores argumentos sem ter arazo? E porque importante discutir estes assuntos? E at que ponto somos,enquanto cidados e no cientistas, capazes de o fazer?[]E at que ponto sentem ou no os cidados que as argumentaes apenas sotentativas de algum lhes atirar areia para os olhos? De que forma devem ser ascontrovrsias cientficas debatidas pela populao? Sem dvida isto deve ser reali-zado com a conscincia de que a populao entende o que est a ser debatido,

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    Esta metodologia de trabalho permite o desenvolvimento de competncias de auto-nomia na aprendizagem, de reflexo, de comunicao e de interaco cooperativa.Cada elemento do grupo cooperativamente responsabilizado com uma parte datarefa na qual deve desenvolver competncias especficas que, em grupo, permitirouma reflexo global partilhada e socializada. Deste modo, no havendo sobrepo-sio de tarefas no grupo, cada elemento assume um papel diferenciado sob o qualcoopera na tarefa comum. Toda a tarefa est centrada no trabalho dosalunos (F): em trabalho de estudo individual autnomo, num primeiro momen-to, e finalmente, na discusso fundamentada do problema no grupo [].J havia associado esta metodologia com a Aprendizagem por Problemas (APP)[] Tambm o problema proposto ao grupo (Barragem do Alqueva, sim ouno?), tal como na metodologia APP, um problema suficientemente complexopara que haja a necessidade de estudo e investigao individual para fundamentaruma opo reflexiva e civicamente responsvel. O desenvolvimento de competncias

    especficas em trabalho de estudo autnomo individual e a sua consequente comuni-cao ao grupo induz cada um dos elementos a uma participao efectiva e coope-rativa na tarefa, o que atribui maior significado s aprendizagens e promove oenvolvimento na resoluo do problema.O papel do professor[] caracteriza-se pela preparao e gesto da tarefa,sendo ele prprio um recurso para esclarecimento deconceitos mais comple-xos de que alguns elementos possam necessitar (tutoria) (E).Em contexto de aprendizagem escolar, o professor fica deste modo liberto paraatender especificidade de dificuldades de aprendizagem de alguns elementos dogrupo.A heterogeneidade dos grupos (G) pode inclusive ser ponderadapelo professor na planificao das tarefas e diversidade de papis a atribuir aosseus diversos elementos, adequando a sua complexidade reflexiva s caractersticas

    individuais dos elementos do grupo.A discusso gerada no grupo alar gado em torno da complexidade de anlise doproblema permite o desenvolvimento demltiplas competncias de traba-lho (D2): a comunicao, o respeito e a tolerncia pelo pensamento fundamenta-do do outro, a tentativa de construo de um espao de consenso relativamente aoproblema, a coeso socializada do grupo em torno de objectivos partilhados. [...]Todo este processo difere em muito da tradio portuguesa re-

    lativa aos processos de aprendizagem em contexto formal (H).Com efeito, nesta metodologia de trabalho o professor deixa de recitar e dominar odiscurso, ainda que promova intervenes dos alunos, normalmente em jeito depergunta resposta. Discutindo entre si um problema, os alunos no receiam avanarrespostas a questes levantadas pelos seus pares, sobretudo se as suas experincias

    prvias tiverem sido enriquecidas e orientadas pelos recursos disponibilizados peloprofessor. Por outro lado, tanto os consensos socializados no grupo como as diver-gncias fundamentadamente enunciadas, promovem o desenvolvimento decompetncias reflexivas generalizveis a outros contextos de ci-

    dadania, quer formais, quer informais (D3). Trata-se de promover acapacidade de escutar e reflectir sobre pontos de vista diferentes, analisada a perti-nncia da sua fundamentao e grau de compreenso global dos problemas. Trata-

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    se de exercer democraticamente a participao social, em responsvel compreensode conceitos prvios a desenvolver. Trata-se ainda de educar para a neces-sidade de estudo individual prvio emisso de opinies (I), tan-tas vezes emitidas mas pouco fundamentadas pelos nossos cidados, sobretudo numasociedade em permanente desenvolvimento tecnolgico e cientfico, na qual muitasdas aprendizagens ao longo da vida podem j ser efectuadas individualmente.Este para mim, alis, o aspecto mais significativo desta metodologia de trabalho:a capacidade detornar os alunos co-produtores do conhecimento -um conhecimento individual, mas tambm social. pois com muitointeresse que perspectivo a criao de estruturas pedaggicas de projecto edesenvolvimento de conhecimentos especficos relativos minha disciplina escolar,receando contudo a incapacidade de gerar tantos recursos quanto necessrios aodesenvolvimento de trabalho pelos alunos em funo dos contedos a abordar. Terde ser um percurso, iniciando um progressivo caminho de criao, avaliao e

    reformulao de recursos a que os alunos possam recorrer no mbito dos projectos detrabalho criativo da disciplina de Educao Visual. Recordo como no ano lectivoanterior abordei em Formao Cvica o problema da Emigrao em Portugal numaturma de 9 ano na qual havia alguns comportamentos de simpatia neo-nazi:apresentei recursos, tantas vezes adiantando eu prpria a sua leitura e anlise,antecipando uma discusso que no se fazia, provavelmente pela esperada visocerta da professora. Afinal, h que lanar alguns dados e esperar, em silncio,que a interaco germine, motivada por recursos apelativos e problemaspertinentemente enunciados.

    Esta narrativa apresenta todo um processo reflexivo que se vai complexificando des-de: (1) a experincia vivida, e como tal considerada o primeiro nvel de representao da

    realidade (RIESSMAN, 1993), analisada nas competncias que sentiu desenvolver como alu-na; (2) s interaces estabelecidas na prpria sala de aula, como professora orientando os seusalunos, numa disciplina particular; e (3) culminando numa anlise mais lata de potencialidadeseducativas numa escola possvel. O prprio ttulo da narrativa reflecte as dimenses a que aprofessora atribui maior relevncia na tarefa: Discusso, interaco e cooperao. Toda a reflexosegue o percurso das vantagens desta associao, colocando a discusso numa posio meto-dolgica central a um processo de resoluo de problemas (a analogia com a APP dissoexemplo). O texto desenvolve-se numa primeira fase em vrias componentes, assinaladas porns de (A) a (D), com algumas frases em negrito, em que so evidenciadas as fases do trabalho,associadas s competncias (D1) que cada uma permite desenvolver. Numa segunda fase dotexto, temos uma reflexo sobre o significado desta metodologia, em que Isabel refere o papeldo professor (E) em dois momentos, na orientao dos alunos no desenrolar da tarefa e na

    preparao necessria desta, em contraponto ao papel do aluno identificado a seguir (F). Nes-sa reflexo est tambm inerente a natureza dos grupos (G). Noutro nvel de reflexo, aprofessora discorre novamente sobre as competncias associadas tarefa na sua globalidade(D2 e D3), destacando as suas vantagens relativamente ao ensino tradicional (H). Toda altima parte do texto se enquadra neste nvel de anlise, profundo e prospectivo de uma escolaque devia existir. de destacar, quase como concluso, a frase em que Isabel apresenta comoilao maior a necessidade de educao para um estudo prvio emisso de opinies, para que

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    necessidade de evitar situaes com demasiados imponderveis, terei nas pri-meiras vezes que utilizar esta metodologia algumas precaues

    na escolha da turma (C2), nomeadamente que sejam constitudas por alu-nos que apresentem j algumas competncias e atitudes relacionadas com trabalhoem grupo. Considero que assim poderei gerir melhor os imprevistos que surjam eem situaes futuras implementar de um modo mais seguro em outras turmas nosquais os alunos no apresentem partida competncias caractersticas deste tipo deactividades muito desenvolvidas.Apesar do conhecimento sobre a metodologia de discusso se encontrar sobretudoao nvel das leituras e no tanto na sua realizao ou implementao nas aulas,considero queesta metodologia tem efectivamente importantes po-tencialidades educativas, nomeadamente ao nvel do desenvol-

    vimento do pensamento crtico, da interpretao de informao,

    de argumentao, da tomada de deciso, de competncias de

    comunicao e tambm na prpria aquisio de conhecimentosubstantivo (D1). Realo tambm a importncia das discusses no desenvolvi-mento de atitudes e competncias sociais, particularmente o saber ouvir e respeitaros outros. Uma das maiores potencialidades deste tipo de actividades ser tambmo facto de permitir aproximar a Cincia que abordada em sala

    de aula dos problemas da sociedade (D2), ou seja, dos problemas comque os alunos se deparam no seu dia-a-dia e que os afecta directa ou indirectamen-te, permitindo assim que os alunos reflictam e abordem esses problemas, que tam-bm so seus e se venham assim a desenvolver como cidados activos e conscientesdos problemas da sociedade. Refira-se que, das categorias referidas anteriormentepara as actividades de discusso, sero as questes controversas, como a r ealizadana aula, as que maior impacto considero terem ao nvel da motivao dos alunos,

    pois so assuntos muitas vezes motivo de conversa nas prprias famlias e atravsda abordagem destes temas na escola os alunos podero esclarecer-se sobre os mes-mos elevar esse conhecimento para as suas famlias (D3) tornan-do as referidas conversas em algo mais do que troca de opinies pouco informadas.Para alm do j referido, um outro aspecto importante relacionado com esta meto-dologia corresponde atribuio de umamaior autonomia e responsabili-dade aos alunos, tornando-os mais activos e intervenientes na

    abordagem dos temas em estudo e assim no seu processo de

    aprendizagem (E). Ao conferir-se um papel mais central ao aluno, no s nadiscusso, mas na relao entre os alunos e a informao disponvelo professorter claramente um papel que poder considerar-se menos cen-

    tral, mas certamente no menos importante ou menos trabalho-

    so, uma vez que ir ter um papel de moderador (F), auxiliando-osna sua interpretao e fornecendo-lhes orientaes, tendo tambm um importantepapel na gesto do tempo conferido a cada uma das etapas da acti vidade[].A discusso, pelo facto de envolver a interaco de diferentes pessoas que tmum objectivo comum, encontra-se directamente relacionada com ou-tras metodologias (G) que envolvam a tomada de decises devidamente fun-damentadas[]Atendendo-se aos conceitos que foram considerados como funda-

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    mentais no trabalho de projecto, no decurso das aulas, nomeadamente o de negoci-ao e de cooperao, [] tendo em vista uma resposta que rena consenso e queseja considerada como a mais satisfatria.Em suma, considero que as actividades de discusso contribuem para o desenvolvi-mento de um conjunto vasto de competncias nos alunos, contribuindo para quecompreendam melhor o mundo que os rodeia, bem como a estarem mais receptivosa informaes e opinies de outras pessoas, sabendo interpret-la e assim enrique-cer a sua prpria compreenso sobre um determinado assunto. Realo por ltimoque a utilizao deste tipo de actividades tambm permitir aos alunos uma me-lhor preparao para a sua entrada no mundo profissional e para viverem emsociedade, uma vez que em todas as reas profissionais existem decises que tm deser tomadas de um modo fundamentado e aps anlise de diferentes perspectivas,ou seja, atravs de discusses.

    Encontramos na narrativa do Rafael, trs aspectos fundamentais relacionados com oseu percurso pessoal e profissional: a vivncia da actividade na dupla perspectiva de aluno e deprofessor (A), visto tratar-se de uma pessoa muito jovem que terminou a sua formao inicialh pouco tempo; a sensibilizao relativamente necessidade de analisar os diferentes aspec-tos do mesmo problema (B); o reconhecimento do facto de nunca ter experimentado comoaluno uma situao deste tipo (C). So trs aspectos marcantes que fazem desenrolar toda areflexo, nomeadamente sobre as potencialidades educativas (D), onde inclui o desenvolvi-mento do pensamento crtico, das capacidades de argumentao e de tomada de deciso. Ou-tra potencialidade referida consiste na aproximao da Cincia aos alunos (e, eventualmente,s suas prprias famlias) pela abordagem de situaes do dia-a-dia.

    Rafael reflecte tambm sobre o papel dos alunos (E) e do professor (F) na tarefa,discutindo o significado das vantagens para uns e outro, sem deixar de frisar a necessidade de

    uma boa planificao. Fica patente a insegurana que esta metodologia ainda lhe provoca,precisamente pela sua falta de experincia. O jovem professor, num nvel de anlise maisglobal, compara a discusso com outras metodologias, fazendo um paralelismo com trabalhode projecto, quer na perspectiva metodolgica quer numa perspectiva mais conceptual, emque a negociao e a cooperao esto associadas. Termina com um pargrafo sntese, reto-mando as potencialidades educativas numa perspectiva mais lata de formao de cidadospara o mundo em que vivem e para as profisses que viro a desempenhar. Trata-se de umareflexo que parte do particular, a sua prpria vivncia, para o geral, os alunos como cidados.

    Concluses

    Deste estudo emergem quatro aspectos fundamentais que evidenciaremos e discuti-remos de seguida:

    1. Na opinio dos professores que nela participaram, a actividade realizada evidenciaa importncia da discusso de assuntos sociocientficos, pelo confronto de argumentos con-trastantes, pela oportunidade de construo e aprofundamento de conhecimentos e por cons-tituir um contexto e um pretexto para novas pesquisas e actividades educativas;

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    2. Os assuntos sociocientficos, como a construo da barragem de Alqueva, envol-vem uma dimenso social extremamente forte com a qual as pessoas se identificam, facilitan-do a discusso e a compreenso da Cincia e da Tecnologia associadas e das suas mltiplasinteraces com a Sociedade e o Ambiente. Com a discusso deste tipo de assuntos, no sepretende promover a aceitao cega da Cincia e da Tecnologia, nem combat-las com argu-mentos obscurantistas. Pretende-se sim, promover a compreenso dos seus aspectos contro-versos e a anlise dos argumentos apresentados por diferentes intervenientes. Desta forma, oaluno no confrontado com um discurso moralista ou faccioso sobre, por exemplo, proble-mticas ambientais. Pelo contrrio, confrontado com uma diversidade de informaes, argu-mentos e opinies perante as quais dever construir uma opinio (e, eventualmente, tomaruma deciso) fundamentada. Decide em funo daquilo que considera ser melhor para todose no apenas para si prprio, havendo uma dimenso colectiva na discusso de assuntos socio-cientficos que preciso realar, mesmo no caso de o colectivo no dispor de um poderpoltico real to forte como partida podemos ser levados a pensar.

    3. A Narrativa trouxe a possibilidade de se entender o modo de apropriao do quefoi discutido, de como a controvrsia foi vivida e analisada por cada participante. A Narrativatrouxe-nos de um modo diferenciado porque pessoal , os sucessivos patamares de entendi-mento da situao problemtica, permitindo ir mais longe na projeco que cada um faz nasua prpria realidade profissional.

    4. O processo de reflexo inerente ao pensamento sobre um acontecimento e suanarrao, implica uma maior conscincia dos impactos dos assuntos, das experincias, dasmemrias, dos percursos pessoais, na pessoa de hoje (aquela que pensa e escreve sobre deter-minada problemtica). Estamos convictos de que se trata de um processo de desenvolvimentopessoal extremamente forte com repercusses no desenvolvimento profissional.

    As potencialidades da discusso de assuntos sociocientficos ficaram bem evidentesnas narrativas dos professores formandos. O sentimento da relevncia e da importncia da

    cincia para todos pode ser reforado atravs de actividades como a que descrevemos. Estasactividades fornecem um contexto no qual os conhecimentos cientficos assumem um maiorsentido e onde, simultaneamente, se estimula a necessidade da construo de mais conheci-mento e se desenvolvem competncias indispensveis a uma aprendizagem ao longo da vida.A narrativa trouxe-nos a dimenso da apropriao dos professores formandos sobre a activi-dade em si e as potencialidades educativas da discusso das controvrsias sociocientficas que,de outro modo, teramos muita dificuldade em obter com tanta clareza. Paralelamente, a nar-rativa constituiu um mtodo de desenvolvimento profissional de todos os envolvidos: tantodaqueles que reflectiram e escreveram os professores formandos como daqueles queleram e reflectiram os professores investigadores.

    E precisamente como investigadores que importa ainda reflectir, de um modo pros-pectivo, sobre os verdadeiros impactos de uma metodologia como esta nos professores e nas

    suas prticas. No temos dvida, pelos seus relatos, que estes professores viveram uma novasituao de aprendizagem, evidenciando compreenso da importncia de discutir a naturezado conhecimento cientfico. Mas esta experincia que eles vivem, que avaliam muito positiva-mente (conforme evidenciado pelas suas narrativas) suficiente para mudar as suas prticas?E o que realmente mudou neles? Mudaram as suas concepes sobre o que deve ser o ensinonas cincias? Sobre quais devem ser as finalidades das cincias? Os professores desenvolve-ram, com esta actividade, conhecimento didctico que lhes permita incluir explicitamente a

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    dimenso natureza da cincia nas suas aulas? E tero desenvolvido conhecimento substantivosobre a natureza da cincia? Ou foi uma experincia interessante, que os alertou para aspectospara os quais no tinham pensado (pelo menos de forma sistemtica), e que tem o seu valormas fica aqum daquilo que se pretende em termos do desenvolvimento profissional dosprofessores, ou da aprendizagem que pretendemos que eles faam. Todas estas questes abremoutras perspectivas de investigao, por exemplo, em contexto de sala de aula, permitindonovas abordagens de formao dos professores envolvidos. No podemos ficar ingenuamente espera que vivncias pontuais desencadeiem mecanismos de mudana, embora saibamosque, por vezes, h episdios narrados por outros, experincias que algum viveu e partilha,que provocam dvidas sobre prticas pessoais e estimulam reflexo que ajuda ao questiona-mento. Temos conscincia que um princpio que preciso agarrar para continuar a investirde uma forma mais sistemtica e profunda.

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    Artigo recebido em 09/10/2010. Aceito em 25/04/2011.