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NOSSA CAPA:
PROJETO GRÁFICO
IMPRESSÃO
Uma homenagem ao ex-presidente da ALTM, Mário Salvador. O televisor antigo remete ao tempo em que ele tinha um programa de TV. Em sua tela, a imagem de livros como se estivessem numa estante fazem alusão à Academia de Letras do Triângulo Mineiro.
DIRETORIA BIÊNIO 2011-2013
Presidente: José Humberto Silva Henriques
Vice-presidente: Jorge Alberto Nabut
1º Secretário: Mário Salvador
2º Secretário: Antônio Pereira da Silva
1º Tesoureiro: Pedro Lima
2º Tesoureiro: Dimas da Cruz Oliveira
Távola Comunicação
Reprodução dos artigos permitida, desde que citada a fonte.
“Os conceitos emitidos nos trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores."
Gráfica 3 Pinti
Nº 24 - novembro 2011
ACADEMIA DE LETRAS DO TRIÂNGULO MINEIRO
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
ÍNDICEÍNDICE
José Humberto Henriques -
Dr. João Gilberto Rodrigues da Cunha - DO VISIONÁRIO ACADÊMICO ................................................................................10
Ubirajara B. Franco - CADÊ VOCÊ? ........................................................................................................................................11
Lincoln Borges de Carvalho - OTR .........................................................................................................................................12
Gilberto Caixeta - O CASO DE SINOMAR FORMIGA ..............................................................................................................13
José Humberto Henriques - FLORAÇÃO DAS GABIROBAS.....................................................................................................15
Murilo Pacheco de Menezes - VIVENDO DE ESPERANÇAS ....................................................................................................19
Terezinha Hueb de Menezes - ESPANTO ...............................................................................................................................20
Terezinha Hueb de Menezes - ENGANO ................................................................................................................................20
Terezinha Hueb de Menezes - DE SILÊNCIO ..........................................................................................................................21
Terezinha Hueb de Menezes - CÓDIGO .................................................................................................................................21
Luiz Cláudio de Pádua Netto - O QUADRO DE TARSILA .........................................................................................................22
João Gilberto Rodrigues da Cunha - A DROGA TEM SOLUÇÃO? ...........................................................................................23
Cesar Vanucci - SÓ MESMO NONÔ!......................................................................................................................................25
Pedro Lima - TSUNAMI .........................................................................................................................................................29
D. José Alberto Moura - SANTUÁRIO .....................................................................................................................................30
D. José Alberto Moura - O CUIDADO .....................................................................................................................................31
Prof. Newton Luís Mamede - ALUNO OU ESTUDANTE? ........................................................................................................32
Gessy Carísio de Paula - NA TRANSCENDÊNCIA DO CONTO..................................................................................................34
Jorge Alberto Nabut - A COZINHA BRASILEIRA.....................................................................................................................36
Aurélio Wander Bastos - PALAVRAS GRAFADAS NA TERRA ..................................................................................................37
Vilma Terezinha Cunha Duarte - A MÃE ... É SER ...................................................................................................................38
Vilma Terezinha Cunha Duarte - MÃE MERECE VERSOS........................................................................................................39
Vicente Humberto Lobo - ABACATES NO CAIXOTE ................................................................................................................40
Vicente Humberto Lobo - AUTÓPSIA .....................................................................................................................................41
João Eurípedes Sabino - ACONTECEU COMIGO.....................................................................................................................42
João Eurípedes Sabino - NUVEM DE MOSQUITOS ................................................................................................................43
João Eurípedes Sabino - VOCÊ ME EXPLICA? .........................................................................................................................44
Antônio Pereira da Silva - ESCALA CURTA ..............................................................................................................................45
Guido Bilharinho - DUAS COLETÂNEAS DE PRETENSOS POEMAS .........................................................................................47
Paulo Fernando Silveira - DEVIDO PROCESSO LEGAL E CIDADANIA......................................................................................50
Dr. Samir Cecílio - CRIXÁS- SUBSTRATO ROMANCEADO DO AGRESTE (ENSAIO).................................................................56
Dr. Samir Cecílio - MACHADO DE ASSIS E UBERABA ............................................................................................................58
EDITORIAL .................................................................................................................................09 Dr. Samir Cecílio - UM ÓBOLO DE AMOR..............................................................................................................................59
Ubirajara Batista Franco - CARRO-DE-BOIS...........................................................................................................................60
Ubirajara Batista Franco - A PENA DE MORTE....................................................................................................................61
Ubirajara Batista Franco - A CARTILHA ANALÍTICA .............................................................................................................62
Arahilda Gomes Alves - PARALELISMO: ARTE E PENÚRIA ....................................................................................................63
Arahilda Gomes Alves - A POESIA TEM DIA ..........................................................................................................................64
Ani Bittencourt Arantes e Iná Bittencourt Barbosa - “GÊMEOS... JOIO E TRIGO” ................................................................65
Maria Antonieta Borges Lopes - UBERABA: DA ALDEIA CAIAPÓ À METRÓPOLE ESTUDANTIL ...........................................66
Carlos Donizete Bertolucci - CABEÇA DE ESTADO .................................................................................................................70
Carlos Donizete Bertolucci - DOMINGOS ..............................................................................................................................71
Carlos Alberto Batista Oliveira - TEMPO QUASE ESQUECIDO...............................................................................................73
Carlos Alberto Batista Oliveira - TRÊS HORAS DE AMOR......................................................................................................74
Carlos Alberto Batista Oliveira - SEM PUDOR... ....................................................................................................................74
Hely Araújo Silveira - CIDADANIA ..........................................................................................................................................75
ACADEMIA DE LETRAS DO TRIÂNGULO MINEIRO
1 - Lincoln Borges de Carvalho
2 - Agenor Gonzaga dos Santos
3 - Martha de Freitas Azevedo Pannunzio
4 - Pe. Thomaz de Aquino Prata
5 - Monsenhor Juvenal Arduini
6 - Jorge Alberto Nabut
7 – Lídia Prata Ciabotti
8 - Antônio Pereira da Silva
9 - César Vanucci
10 - Consuelo Pereira Rezende do Nascimento
11 – Nárcio Rodrigues da Silveira
12 - Dimas da Cruz Oliveira
13 - Vilma Terezinha Cunha Duarte
14 - Pedro Lima
15 - Antônio Couto de Andrade
16 - Edmar César Alves
17 - Luiz Cláudio de Pádua Neto
18 - Luiz Manoel da Costa Filho
19 - Dom Benedito de Ulhoa Vieira
20 - Paulo Fernando Silveira
SÓCIOS EFETIVOS
SÓCIOS CORRESPONDENTES
0706
21 - Maria Antonieta Borges Lopes
22 - Dom José Alberto Moura
23 - Ernane Fidélis dos Santos
24 - Elza Teixeira de Freitas
25 - Ubirajara Batista Franco
26 - José Humberto Silva Henriques
27 - Terezinha Hueb de Menezes
28 - Gessy Carísio de Paula
29 - Geraldo Dias da Cruz
30 - Irmã Domitila Ribeiro Borges
31 - Mário Salvador
32 - João Eurípedes Sabino
33 - Frei Francisco Maria de Uberaba
34 - Oliveira Mello (Antônio de)
35 - Severino Muniz (Antônio)
36 - Ribeiro de Menezes (Valdemes)
37 - Sebastião Teotônio Rezende
38 - João Gilberto Rodrigues da Cunha
39 - Carlos Alberto Cerchi
40 - Guido Bilharinho
• Alessandro Abdala Santana
• Ani de Souza Arantes Santos
• Carlos Donizete Bertolucci
• Dirce Miziara
• Geise Alvina Degraf Terra
• Iná Bittencourt de Sousa Barbosa
• Dr. José Correia Tavares
José Rodrigues de Arruda
• Samir Cecílio
• Stella Alexandra Rodopoulos
• Suely Brás Costa
• Tiago de Melo Andrade
• Comendador Thiago Menezes
• Vicente Rodrigues da Silva Filho
•
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
EDITORIAL
Estamos relembrando, amigos e membros da ALTM, da
figura espetacular do Dr. Mário Salvador. Diante da lembrança,
trazemos a homenagem a ele, homem que esteve diante da
Academia de Letras do Triângulo Mineiro por mais de duas
décadas, imprimindo a ela o seu caráter peculiar. Foi eleito
presidente da ALTM em 1987 e desempenhou sua função com
maestria, tendo conduzido a entidade ao patamar onde hoje ela
se encontra. O seu currículo vasto – nasceu em Araguari no ano
de 1935 – traduz o empenho e preocupação com as causas
humanitárias e com os ensejos de melhoria da qualidade de vida
do lugar onde viveu. O Dr. Mário Salvador foi regalado e
homenageado com títulos e comendas, recebeu grandes
elogios enquanto a vida ia regulando o tempo e as atitudes do
progresso de Uberaba. É fácil demais falar do Dr. Mário Salvador,
basta abrir uma página eletrônica da ALTM e está lá seu
exuberante currículo.
Todavia, falar do Tio Mário é tarefa que deveria ser muito
bem pensada. Teríamos que dizer tudo com o coração aberto e
sem rodeios. Tio Mário faz parte da memória viva de uma
Uberaba que sofreu de degenerações monumentais – assim
como toda a sociedade civil e os grandes municípios da
federação – impostas pelo chamado progresso e
desenvolvimento. A violência cada vez mais acintosa, perda de
valores humanos e morais, decadência política, esquecimento
da memória do município, estas coisas que são patentes e
podem ser observadas em jornais e mesmo através das histórias
contadas por gente de uma geração anterior. Por isso, quando
nos lembramos do Programa Roda Gigante e do Clube do Tio
Mário, não é raro que possamos sentir aquele gosto doce dos
tempos em que a TV Uberaba lançava seus primeiros passos e
mostrava que tínhamos um canal de transmissão com
características independentes e muito particulares.
Não seria perigoso ou equivocado dizer que o Tio Mário,
respeitosamente, Dr. Mário Salvador, é um dos homens mais
conhecidos desta terra. Por isso, tornou-se ícone entre nós,
daqueles laureados e que acabam por simbolizar o nosso
entusiasmo diante de seu conhecimento. Nós, da ALTM,
pudemos ter a honra e a glória de desfrutar de sua companhia e
de seu modo sempre jovial, alegre e as vezes brincalhão de ser.
Homem com facilidade extrema de se expressar e de tornar
claro o que às vezes vinha truncado em outras mentes.
Quando me procurou e sugeriu que eu me candidatasse
à ALTM, vi em seus olhos a sinceridade daqueles que estão livres
de quaisquer tipos de veleidades ou de tendências. Convidou-
me simplesmente porque cria que, talvez sendo membro,
pudesse fazer parte efetiva – do ponto de vista de participação e
alguma possível ideologia - de uma entidade cinqüentenária e
que estava dirigida pelas suas mãos. Hoje o Dr. Mário é
secretário da ALTM. Pode ser que sem a sua presença e seus
conselhos a Academia sofra de vazios muito grandes.
0908
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
José Humberto Henriques
Presidente ALTM
DO VISIONÁRIO ACADÊMICO CADÊ VOCÊ?
osso Presidente – meu colega Prof. Dr. José
Humberto da Silva Henriques – sabe da minha Ninquietação e preocupação com as atividades
de nossas Academias Literárias. Em minha opinião as academias
podem ser comparadas ao “repouso do guerreiro” – ou seja, o
acadêmico deu por cumprido o seu papel na sociedade. Por
outro lado, as academias são compartimentos literários
estanques, praticamente isoladas umas das outras. Uma
intercomunicação seria estimulante para todas, inclusive
levantando em território nacional o seu papel na própria
marcha da sociedade. Sócrates protestou em campo isolado e
reduzido, sua filosofia ultrapassou os anos – mas ele teve que
beber cicuta. É obrigatório o conhecimento da universalidade,
os meios de comunicação e os governos já se associam como
nações unidas, seus sentimentos, sofrimentos, necessidades
sociais – e as distorções que geram as guerras hoje tão
assassinas e sofridas. Voltando-nos interiormente, todos nós
conhecemos a diversidade das realidades brasileiras – regionais,
sociais, financeiras, profissionais, sanitárias, etc... etc.
entretanto, muitos acadêmicos ainda não penduraram as
PARECIDA, mulher excepcional, caridosa, e que tanto ajudou aqueles que amargam a terrível Adoença do FOGO SELVAGEM. Como pagar-lhe o
que você fez para os sofredores que procuravam a nossa cidade em busca de melhor sorte? Você, que nada recebia pelos seus exaustivos trabalhos, talvez fosse porque o seu pagamento estivesse mais além desta pobre Terra, onde o vil metal é muito mesquinho para ressarcir-lhe os trabalhos. Mesmo já depois de avançada idade, você ia sozinha em São Paulo solicitar os medicamentos, e sempre os conseguia. Cadê você que, com suas abençoadas mãos lavava e medicava as chagas dos sofredores? Por certo, está junto a Deus!
Dr. JORGE FURTADO, médico cuja vasta cultura somente era sobrepujada pela sua SABEDORIA. Como ninguém, a distribuía tanto aos seus alunos da faculdade, quanto a todos que o procuravam, sem distinção alguma e que soube governar a nossa cidade, emprestando-lhe o que de melhor havia dentro de seu grande coração, e o fez com humildade, sem qualquer arrogância, honestidade e invejável dinamismo, sendo, até hoje, aclamado, o melhor prefeito que já tivemos.
Dr. HUMBERTO FERREIRA, grande médico e famoso cientista, pesquisador da doença de chagas e que tem seu nome estampado na ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA, para o orgulho de Uberaba. Mas, que nem por isso era dotado das vaidades, próprias nos néscios. Auscultava os seus pacientes demoradamente, sem a correria de hoje, passando lhes sempre apenas um ou dois medicamentos, mas que (talvez por assistência divina), quase sempre mitigavam seus males. Cadê você que não cobrava suas consultas daqueles que não podiam pagar?
CRENTE, onde anda você, orador incansável e que discursava na porta da Agência Centro do Banco do Brasil, já suando de emoção e de cansaço. Você não foi nenhum Demóstenes, mas tinha coragem de falar verdades que poucos ousam dizer, combatendo os "verdadeiros" agiotas, os nossos bancos; a vergonhosa corrupção de alguns políticos; os subornos que estão proliferando no meio daqueles que sempre deveriam lutar contra ele; a falta de DEUS nos corações da humanidade... Quase ninguém o escutava. Taxava-o de louco, falando sobre a LOUCURA DO MUNDO!
Dr. AUGUSTO AFONSO NETO, grande advogado, colega da Academia de Letras do Triângulo Mineiro; professor de Direito; cultura invejável e que, ao contrário de muitos de seus
chuteiras e se mantêm ligados profissional ou socialmente aos
seus sofrimentos e distorções. Penso que a Academia, tal como
Sócrates a filosofou, é uma estrutura importante no
conhecimento, na denúncia destas realidades e sugestões, para
consertá-las. Entretanto, o seu isolamento torna-as reclusas,
humildes e socialmente desconhecidas.
Creio – e já sugeri ao nosso atual Presidente – que é hora
de procurar e ter esta nova sociedade acadêmica, inclusive
prevista e provisionada em cargo da diretoria. De nada vale a
nossa proclamação e êxitos culturais se tal não tiver papel e
reflexos sociais. Uso – e meus amigos sabem – a filosofia
analfabeta do meu ex-vaqueiro de 30 anos, por nome Dino. Ele
nunca viu ou conheceu o pirarucu, maior peixe dos rios. Todavia,
em sua opinião, peixe importante é lambari, traíras e bagres que
ainda nos servem na mesa. Eu acrescento que neste
conhecimento e informação entra a piranha, cujos perigos
devemos evitar. Em conjunto e em sociedade podem entrar
nossas Academias, cujos nomes respeitáveis poderão apontar e
distinguir os peixes, suas necessidades e valores... e seus
perigos.
colegas, morreu pobre. Lembro-me de que com mais de oitenta anos, noite fria ou chuvosa, sempre comparecia na hora certa, para ministrar sua aulas de Direito Civil que tantos conhecimentos nos proporcionavam. Ele foi advogado na ampla expressão da palavra; grande e inesquecível mestre; notável orador que abrilhantava a ALTM e, como todos os sábios, dotado de admirável simplicidade.
CHICO XAVIER, que dispensa adjetivos, eis que o mundo inteiro o conhece e o admira pela sua obra que psicografou (mais de 200 livros) e o seu incansável labor em prol da humanidade. Uberaba muito se orgulha de, por tantos anos, ter hospedado tão eminente figura, ou melhor, tão elevado espírito!
ZOTE,pessoa controvertida e,muitas vezes,mal compreendida, mas que encarnou o espírito brincalhão, zombeteiro, bondoso e simples de nossa gente. Tanto assim que era conhecido por todos, principalmente seus amigos caminhoneiros que, de longe, traziam-lhe os mais diversos presentes. Era comerciante perspicaz. Não tinha anotações de nenhum de seus negócios. Nasceu pobre e adquiriu, ninguém sabe como, bom patrimônio. Mas, na sua humildade, morreu pobre de ganância, pobre de maldade, pobre de dinheiro, mas rico de carisma e de bom coração.
CADÊ VOCÊ MEU UBERABA (BÃO), de Mário Palmério, Edson Prata, Henrique Kruger, Dr. João Rodrigues da Cunha, Dom Alexandre do Amaral, Santino Gomes de Matos e tantos outros intelectuais que abrilhantavam o auditório (hoje fechado pelo atual prefeito), da ALTM. CADÊ VOCÊ do Cine Metrópole, inaugurado pelo grande tenor TITO SCHIPA, onde somente se podia entrar de terno e gravata; do vaivém famoso de nossa mocidade; da Casa Carvalho; de nosso Super Mercado Uberabão onde os fregueses eram conhecidos por seus funcionários; de nossas farmácias onde sempre os farmacêuticos eram verdadeiros clínicos, sem filas quilométricas como os cartéis de hoje; de nosso trânsito de motoristas educados e que, não raro, paravam seus automóveis para idosos e crianças passar; de nosso tradicional jornal Lavoura e Comércio, os meninos distribuindo-os ruas afora - "Lavoura... Deu gabarito!...; do jornalista e poeta Quintiliano Jardim que, dizem, emocionado, declamou essa quadrinha:
1110
Dr. João Gilberto Rodrigues da CunhaCadeira número 38 - Uberaba MG
Ubirajara B. Francocadeira 25 - ALTM
«Uberaba de ontem, Uberaba de hoje.Das duas não sei qual quero mais:se Uberaba do meu tempo de meninoou se Uberaba de meus dias outonais...»
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
á muito tempo, um dia a caminhar pelo amplo e
longo corredor do prédio onde mantinha meu Hescritório, antes de chegar à minha sala, detive-
me a admirar uma das muitas plantas ornamentais junto à
parede. Súbito senti que alguém me abraçava fortemente por
traz, envolvendo-me em seus braços. Muito junto a mim,
percebi ser um corpo feminino cujos seios rígidos se
comprimiam em minhas costas. A primeira indagação íntima:
“Quem será?”. E ela se pôs a dizer coisas incompreensivelmente
lindas junto a meus ouvidos. Enquanto lembrava-me de
algumas mulheres conhecidas, falando seus nomes, tentava
libertar-me, mas era impossível, dado à sua extrema habilidade.
Bem justaposta às minhas costas, ela movia-se conforme meus
movimentos.
Sentia seu corpo grudado ao meu, como se estivesse
nua. Dando como inúteis minhas tentativas, perguntei-lhe:
Lincoln Borges de CarvalhoCadeira número 1 – ALTM
1312
ORT
“Quem é você? Diga”. Suavemente ela respondeu colada a meu
ouvido: “Uma bailarina aqui do lado”.Voltei a indagar: “E o que
faz aqui fora? O que fazia lá dentro?” Quando ela disse que
dançava o “ort” – movimento coreográfico determinante do
final em balé – acreditei no que falava. Dei-lhe então um grande
e rápido golpe de modo a nos pormos frente a frente.
Realmente, estava vestida com fina malha de bailarina; seu
rosto era de uma alvura nórdica, marcado por profundos olhos
verdes; sua cabeça, meio cônica, não continha um só fio de
cabelo.
Com vigor, ela tomou de minhas mãos e convidou-me a
entrar no estúdio de dança, bem ao lado de onde nos
achávamos e antes jamais notado por mim. Encantado e inerte,
levado por suas mãos, segui-a até um vasto salão de paredes
espelhadas. Penetramos por um espelho adentro e nunca mais
retornamos.
O CASO DE SINOMAR FORMIGA
arba enorme de Sinomar Formiga lhe dava uma aparência de leão. Os olhos de raios inibia quem Bse atravesse a olha-lo nos olhos, muito menos
quando o olhar fosse de desafio. O seu jeito desafiador era com qualquer um. Destemido com a sorte, precavido com os homens. Por isso, andar armado era uma condição natural do vestir de roupas. Mas os desafetos existem e eles rondam em noites escuras a busca da oportunidade da vingança, pior quando ele vem a luz do dia ensolarado.
Quando o Baiano chegou a Uberaba foi trabalhar com Sinomar na fazenda, e às vezes estavam juntos na venda de abacaxi no Mercadão Municipal. Ajudava-o a carregar o caminhão e partiam para o mercado a vendê-los. Enquanto que Anita ficava na fazenda a cuidar das coisas domésticas próprias de uma esposa da época.
O caminhão do Sinomar era um horror de velho, sujo, com folga no volante. Quem sabia dirigir aquele caminhão era somente ele. Afinal, para fazer uma curva que exige meio virada de volante, no seu era preciso distorcer girando o volante duas, três vezes. Pelas estradas por onde passava quem vinha em direção contraria não se arriscava; jogava a condução no meio do mato e aguardava o caminhão de abacaxi do Sinomar passar. Assim era mais seguro, porque caso houvesse uma batida não haveria pagador, então, é preferível não arriscar com aquele bicho do mato, porque ele é de pouca prosa e de muita artimanha.
Lá cedinho o caminhão já estava estacionado no pátio do mercado e o vendedor a oferecer o melhor abacaxi da região. O preço dependia da concorrência no dia. Ao retornar à fazenda a tardezinha lá estava Anita aguardando o retorno de o seu companheiro a ajudá-lo a descarregar o que o sobrou, a conferir a mercadoria, a ajeitar o produto para no outro dia de trabalho.
O Baiano apareceu hoje sozinho lá no mercado.
Que esse desafortunado tenha o seu caminho sem que eu tenha que encontrá-lo; disse Sinomar.
Ele comprou uma faca e ficou a amolá-la com cuidado e gosto.
Não tenho medo de homem.
É bom você se cuidar, porque ele disse que aquela faca tinha endereço certo.
Gilberto Caixeta - colaboradorAssessor na Secretária de Estado de Ciência
Tecnologia e Ensino Superior
(Esta crônica compõe o Livro do Zote, que será publicado brevemente)
Então está tudo certo; encerrou a conversa por não querer encurtar a vida invocando a morte.
O sol estava muito quente e o seu cachorro de estimação Brinque latia para o vento, como se o cheiro chegasse antes de quem pudesse chegar.
Esse cachorro está inquieto hoje Sinomar! Falam que o Baiano comprou uma faca só para te espetar.
Deixa aquele desalmado aparecer aqui, aí a gente acerta as contas.
O Baiano andou falando que você o deve.
Ele fala que eu lhe devo e eu falo que não devo.
É melhor se prevenir... Você já disse isso, vamos mudar o rumo dessa conversa.
Essas coisas encomendadas pelo destino são piores que ferida; toda hora esbarramos nela arrancando à casta, não tem cura. Depois, come a carne e fica aquele buraco na perna que a tudo atrai e a tudo engole, como o sofrimento.
Pare de amolar essa faca! Você não faz outra coisa a não ser amolar, amolar e a passar o dedo na lâmina e a lambê-lo, como se estivesse a pensar em algo de muito ruim para você e para nós.
Se aquiete mulher, que eu fico com as minhas dores e você com as suas. O Baiano passava o dedo na lâmina afiada sangrando-o e levava-o a boca. Ficava com aquele gosto de sangue na boca, mudava de dedo e repetia o gesto como se estivesse alimentando de sangue para se vingar de algo que o corroía.
Meu coração me fala que você perdeu o juízo.
Quem perdeu é quem não quer o acerto.
Mude o pensamento, largue essa faca. Eu nem sei por que você a comprou.
Amanhã você saberá.
Quando Baiano chegou a fazendo do Sinomar eles sabiam que se encontrariam.
Venho fazer o acerto do que o senhor me deve.
Não te devo o quanto você pensa que devo.
Anita ao ouvir a conversa dos homens largou o que estava fazendo e foi ao encontro dos dois.
Sinomar estava atolado em seu chapéu, com as botinas sujas de sempre, mas o seu olhar era vulcão de poucas horas, que mal pode ouvir o Baiano quando pediu um copo de água e ela retornou a casa para buscar no pote o gole de água na caneca
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
1514
buscada dentro do filtro de barro.
Foi o tempo preciso para que o Baiano desembainhasse a faca e partisse ao encontro de Sinomar que não teve tempo a não ser lançar o gemido de dor pelo corte no braço. Tentou se defender com os braços que foram rasgados pela lamina, uma vez outra vez. O sangue escorria e empoçava na terra formando uma barrela que as suas botinas se impregnaram deixando-as coalhada pelo liquido que escorria e lhe tirava a força, a vida. O seu algoz partiu novamente ao seu encontro e encontrou a barriga que queria perfurar, e a furou, furou até que ele caísse nos braços de Anita que o amparou derramando água em mistura com sangue avolumando ainda mais o líquido que encharcava a sua roupa, as suas botinas.
Saciado pelo desejo de morte o afrontante saiu em disparada abandonando o local de morte para se salvar.
Mas quando o risco cortou o peito uma janela se abriu em seus olhos que as suas mãos não puderam conter a vontade do revide.
Cambaleante, cambaleou sem se esquecer da vingança. Amparado pelas mãos se socorreu do socorro esvaído no sangue, e, mesmo assim, queria sacar de sua arma encostada em suas costelas na parte de traz do corpo.
Sacou-a e sem mirar atirou... Atirou... E novamente atirou, atirou...
Como se não houvesse, e não houve, puder em assim fazer.
No primeiro disparo Baiano olhou para traz e viu Sinomar ensanguentado atirado ao chão, atirando. Quando o
olhou novamente ele também estava atirado ao chão, dentro do chiqueiro. O tiro o acertou jogando-o ao chão, porém, caiu dentro do chiqueiro.
Anita correu para buscar o caminhão nunca tentativa desesperada de socorrer Sinomar. Baiano, olhava com os olhos os porcos que o cheirava. Anita, em força hercúlea arrastava Sinomar para dentro do caminhão, enquanto os porcos cheiravam as feridas abertas pelos tiros.
Quando o caminhou partiu, Baiano gritou de dor, não mais pelos tiros e sim porque os porcos começaram a comê-lo.
Zote, chegou a sua residência as 17:00hs; “mãe Andreia” assustou-se com a sua presença neste horário. Ele nunca chegou antes das 21:00horas. Neste dia ele era um homem desfigurado, torto, choroso.
“Mãe Andreia” mataram o PAIIIII, mataram o paiiii, o paii, o pai morreu.
O ano de 1967 fechava mais uma janela no coração do Zote.
Brinque farejou o morto no chiqueiro.
A morte recebeu ambos de braços abertos.
Mesmo que Anita quisesse aquele caminhão não corria em estrada de salvação, a morte chegara quando a faca começou a ser amolada.
Sinomar agonizava na boleia do caminhão enquanto os dentes dos porcos arrancavam as tripas do Baiano.
Chegaram juntos ao julgamento final; ensanguentados e com as armas em mãos.
FLORAÇÃO DAS GABIROBAS
pois que foi desenganado pelo doutor Randolfo,
meu pai tornou-se uma sagração de cuidados Ediante dos meus olhos. Fosse assim, que me
dissera, a manhã estivada com suas bordas de sol e um
quebrado de sombra que já descia sobre as paineiras e algum
angico, o toldado de toda carga de canarinho-da-terra, o mais
dourado que há, falou.
- Vou tirar o carapiá para fazer remédio. Ainda dele se
acha em atitude de fartura e quantia nas subidas do cerrado.
Com o embornal meado, volto ligeiro e almoçamos na hora
certa!
Era de sua mania o sair da cama muito cedo e ficar por ali,
a assuntar o nascer do sol, a cantiga dobrada de tudo quanto é
passupreto desse mundo nas folhas desenhadas de moita de
bambu. Desenganado pelo doutor, o que dissera, o coração não
tinha mais a mesma competência dos tempos de antigamente.
Meu pai com seus hábitos velhos, desde que eu me entendia por
gente, saía da cama e se banhava em água fria, depois saía à
varanda pequena da casa e admirava-se da natureza em
iluminação pelo sol que saía, os cabelos grisalhos e espetados a
pingar água do banho recente. Acendia um pito de palha e
mirava as alturas. Coisa antiga dele, ser assim, afora a
necessidade de fazer o pó do carapiá para aliviar essas criaturas
sofridas que acham de ter mazela alguma no nariz e em partes
próximas dele. Dizer a verdade sobre o caso, eu sofria com a
maneira de olhar a sua figura ali, tão levantado de vida,
desenganado por conta de um coração que não podia mais
velejar como nos tempos em que mostrava tutano e nada de
errado com sues passos.
Naquela manhã, com o enxadão às costas, um facão na
mão livre, tinha me avisado que ia buscar a raiz, a erva que era
milagrosa para essas gargalheiras, conforme era a crença funda
e evidenciada nos resultados que obtinha. Distribuía aquilo a
quem queria. Era das suas manias, meu pai era um homem
quase planejado em tudo que fazia nessa vida. Por conta de
querer poupar dele o esforço e as energias, temeroso de que
houvesse de sua parte um perigo qualquer, eu mesmo fui junto
dele, apartei a palavra mais sensata para dizer.
- Sô Geraldo, que vou com o senhor. Somente um
tempo para que calce as botinas e já saímos ao carapiá!
José Humberto HenriquesPresidente ALTM
Falei pouco que era para ele não se sentir melindrado
com a minha policiada referência, os cuidados. Podia desconfiar
que eu temia que lhe ocorresse um mal qualquer ali pelos meios
dos cerrados e isso traria a ele um certo desconforto e estado
beligerante. Sempre que me dirigia a ele, fosse da minha forma
mais respeitosa, nunca o dizia pelo nome de pai. Dizia sempre sô
Geraldo, entretanto, sem que isso abrisse um demérito ou falta
de respeito para com sua presença. A dizer mesmo a verdade, eu
também era Geraldo e meu filho era Geraldo Neto e meu bisavô,
finado, fora José Geraldo. Tudo devesse ser em honra e memória
do Santo, o mais bonito em estampas de parede, dessas que
trazem o rosto escorreito e um ramo de flores brancas
atravessado ao peito. Santo bonito assim é até muito difícil se
imaginar, a não ser dentro da luz grande que brilha em Fátima, aí
sim, de se comparar. Ocorre que para a Santa traduzir essa
imensidão de ternura é muito mais fácil do que para um Santo se
bater com as mesmas virtudes.
Sô Geraldo respondeu imediato.
- Não carece não!
Ora, era mesmo a resposta que podia ser esperada.
Porém, eu já estava com uma botina no pé e outra na mão;
tinham dormido as minhas botinas debaixo do banco da
varanda, de tal sorte que eu batia com ela emborcada contra o
braço mais forte do madeiro, prevenia que alguma lacraia
tivesse se enfiado nela para passar a noite mais quente, sendo
assim, se estivesse ali, ia me ferrar o dedo e depois adeus
marcha em rumo dos cerrados.
- Sô Geraldo, acontece que eu quero ir!
Aí, diante desse argumento, ele se calou e apanhei de
seu ombro o enxadão e deixei com ele o facão de cabo de osso,
era uma forma de fazê-lo entender que antes com o facão do
que com o enxadão, as diferenças de suor despendido entre um
e outro costumam ser grandes demais. Se agisse assim, não ia
ferir seus brios. Não ia mexer com sua sensibilidade. Meu temor
maior era que se ofendesse diante da inutilidade que poderia
traduzir os excessos. Melindrar sô Geraldo ia me fazer mais inútil
e culposo do que ele mesmo seria.
A hora já ia toda iluminada porque passava das seis da
manhã. Ainda me ocorreu que devesse beber mais um gole de
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1716
café antes de sair pela estrada arriba, que era meu ofício fazer o
café e preparar as merendas, sempre foi assim e nunca destoava
tal rotina. Depois, que enfiara a segunda botina conferida e sem
lacraias, busquei duas canecas de café sem açúcar e bebemos
daquilo, quase que em silêncio, a não ser pelo momento em que
contei uma anedota curta para que ele risse. Diante do efeito
bom dos ditos, observara depois que umas nuvens se formavam
para o Norte, sinal de que mais tarde ia chover e ninguém
poderia mudar tal rumo das coisas. Entrei para deixar sobre a
mesa as canecas usadas e a voz dele anunciou.
- Geraldinho, deixa de empatar mais meu tempo!
Eu tinha que enfrentar a situação porque entendia que
a paciência dele era meio parca em casos assim. Era o mês de
outubro e o verde já tomava conta de tudo, apesar de as chuvas
ainda estarem minguadas e a seca anterior tivesse sido muito
braba. Ali o lugar era chamado de Mandioca, mesmo a nossa
gleba, pequena, porém sadia, também era a Mandioca. E o
corgo que descia nos fundos era conhecido como corgo da
Mandioca. Isso facilitava demais a compreensão das coisas, não
era preciso forçar a cabeça para entender que tudo era muito
simples e munido de singelezas. Escutei a voz do Geraldo Neto lá
no curral, estava a ordenhar uma meia dúzia de vacas para o
leite do gasto da casa. Geraldo Neto tinha alguma necessidade
de mais trabalho. Tinha dezoito anos de idade e sonhava em
montar seu próprio destino. Nada errado. Tudo muito conforme
com o progresso honesto que se quer. Deixar de empatar mais o
tempo dele, de Sô Geraldo. Por isso, saí ligeiro e ganhamos a
estrada arriba, uma vertente que uma vez vencida, deixava para
trás as guarirobas e os baguaçus, uma faixa mais além de
macaúbas e depois a borda do cerrado. A Mandioca era cerrado
quase que só, a não ser pelas vargens de beirada de corgo, ali era
potente o capim-meloso e a preservação de todas as lindezas do
lugar.
Outubro é danado de fatal para passar susto em quem
está sem abrigo, longe de um telhado. Quando menos se espera,
vem uma pancada de chuva, a manga desce azulada e tempera a
terra sem dó. Tem os dias, mantém-se até por dia inteiro, não dá
trégua alguma e o corgo ameaça se encher lá embaixo, carrega
gravetos dentro da sua potencialidade de meia-enchente.
Todavia, aquele era dia muito espetacular. A luz era soberba,
massacrante até. As nuvens acolá, as que ameaçavam e era
sabido que depois do meio dia ia chover, não traziam nenhum
artefato de medo. Era preciso buscar o carapiá. Era preciso
cuidar de sô Geraldo, era preciso olhar para mim mesmo
porque, deveras, sô Geraldo era uma jóia preciosa dentro de
nosso mundo de compreensão. Cuidando de um dava cuidados
aos demais. Hora mais alevantada do chão. Um sangue-de-boi
surgiu ali adiante, quando principiamos a subir a vertente em
rumo do cerrado. Pousado na cerca de arame farpado. Pode ser
que o mundo inteiro desconheça um passarinho mais bonito
que aquele. De um rubro quase impossível de ser copiado, coisa
mais delicada e que furava as vistas da gente com vontade de dar
um beijo numa mulher ilusória. Ora, era assim mesmo e eu não
temia errar diante desses fatos que são incontestáveis. O
passarinho acompanhou-nos a marcha, voando de ponto em
ponto ao longo da cerca de arame. A femeazinha dele era parda,
amarelada, sem a desinência sanguínea e grandiosa do macho.
Ela ia ao largo da viagem, de pau-terra em pau-terra, a grandeza
do retrato que eu sabia de cor e sempre estaria presente em
todas as nossas divagações dentro da terra da Mandioca. Minha
marcha arriba tinha que ser mais folgada, mais leve. Não podia
apertar o passo porque sô Geraldo não conseguia acompanhar a
pressa. Faltava-lhe o fôlego. Mesmo de vez em quando,
disfarçava o que sentia. Parava um pouco, punha as mãos à
cintura e olhava o telhado da casa lá embaixo, o fio de fumaça
subindo da chaminé, achava uma frase que devesse fazer efeito
enquanto se recuperava.
- Geraldinho, o certo mais certo é que hoje vem chuva!
Eu percebia o que ele fazia. Sentava-me a um barranco
e esperava por ele. Esperava que se restabelecesse. Até vazar no
rumo das bordas do cerrado mais grosso, o esperado era que
parasse umas três vezes mais. O sangue-de-boi se debandou e
uma vaca mugiu conhecido.
- O berro da Estrela pode ser separado no meio de
centenas de vacas, não é assim, sô Geraldo?
- Ora, vaca é que nem mulher. Quando abre a boca para
reclamar, a gente já entende o recado do mal-servido!
Falou assim e dei uma risada larga por ter apreciado a
maneira de ele se conduzir. Enquanto estivesse com essas saídas
cheias de anedota, era sinal que a vida lhe assistia de maneira
mais completa, sem arestas de sofrimento. Estava outra vez
pronto para continuar.
Foi naquele momento que escutei o tropel de um animal
de sela. E logo depois da primeira curva surgiu a cabeça de uma
égua castanha, magra. E montado nela, em pêlo, vinha o
Lourival. O Lourival da Luzia. A égua era baixota e ele somente
não arrastava os calcanhares no chão porque era também
baixote se comparado com a montaria. Saudou-nos da maneira
trivial para aquelas horas e lugar. Então, afastou a bunda meio
de lado, retirava o rego de sobre a espinha dura da égua.
Repousava um pouco e tentava evitar a pisadura sua mesma. A
égua deu um bufado de repouso e parada. Lourival falou em
assunto direto.
- Sô Geraldo, estou num defluxo que não acha meio de
ter fim. O senhor tem o pó de carapiá para me ceder? Tampado
daqui até a nuca. Tudo tampado e agora a cabeça me desanca a
doer!
- Vamos tirar agora mesmo a matéria-prima para o
remédio. Do meio-dia para a tarde tu podes passar lá em casa e
pegar a parte que te cabe pra se aliviar da mazela. Vamos antes
da chuva!
Eram o Lourival e a égua castanha baixota um esmeril
que comeria para sempre dentro da minha memória. As coisas
simples, da forma como elas são, a lividez que o tempo acaba
por cortinar, como se esses brilhos não surgissem apenas de um
golpe de vida aflorada de outros dias, de outros espíritos muito
mais sábios do que simplesmente cabíveis na dimensão das
imagens.
Depois das primeiras chuvas o tempo se firmou naquele
tipo de umidade elevada que se embala sempre do mês de
novembro. Na Mandioca tudo ficou verde. Tudo agia de
conformidade com fartura. Sô Geraldo dava de piorar um pouco
do peito, regrava-se em fôlego mais curto e tinha que sair de
madrugada para o terreiro para garimpar mais ares puros; todo
ar para ele ficava minguado. Ainda assim, sentava-se à varanda
pela manhã, os cabelos espetados a pingar a água do banho
recente. Fazia um fogo ao pito de palha e esperava que eu lhe
trouxesse uma caneca de café sem doce. Geraldo Neto
ordenhava as vacas de sempre, o berro da Estrela chamava pelo
bezerro e os passupretos recomeçavam a grande cantiga de
alvorecer, a orquestra não mudava a toada do bico, as flautas
todas comendo soltas até na hora do almoço. Mais tardar,
almoço era às nove da manhã. Mais tardar. Sô Geraldo gostava
que fosse assim, não abusar das horas porque meio-dia é hora
de merenda e não mais hora de almoço. Essa rotina se estivava a
cada dia e nada destoava.
Entretanto, numa daquelas matinadas comuns, saí da
cama e ainda eram meados de novembro que se aliciava, escutei
o berro da Estrela e Geraldo Neto zanzando no curral atrás de
vacas e bezerros. Um vazado azulado de luz vinha da outra
banda de lá, ao sul de horizontes. Era sinal de que em um quarto
de tempo a manhã estaria assuntando a grandeza do dia. Fui à
varanda e não encontrei sô Geraldo. Não estava lá, a pingar água
da cabeça molhada – nunca se enxugava com toalha depois que
se banhava. Pensei que devia estar dormindo até mais tarde
naquele dia. Enquanto isso, na rabinha de ferro a água fervia
para o café. Eu tinha atiçado a lenha e fagulhas zuniam quando
um nó da madeira pegava a estalar. Era barulho só de berro de
bezerro. Naquele momento, um passupreto cantou dobrado
numa catana de baguaçu. Era o despertar das canções. Por isso,
fiquei atento ao estado das coisas. A luz jamais apanhava meu
pai na cama, mesmo que fosse eu dias de suas mais perrengues
obstinações. Deu-me um senso lamentado de desconfiança.
Corri ao quarto dele porque temia pelo mais grave. Estava
desenganado pelo doutor. Minha surpresa e susto porque ele
não estava lá. As cobertas afastadas da dormida noturna e nem
sinal de sô Geraldo. Eu tinha largado o café ao coador e o cheiro
já inundava a casa. Seu prazer mais fundo era beber a primeira
xícara de café do dia, ali à varanda e a assuntar os motivos do
tempo, se ia chover ou não, estas coisas que podem ser
deduzidas até mesmo de um vôo de tesourinha, esse passarinho
mais delicado que a conformidade de sua forma.
Apanhei a caneca e enchi de café, levei à varanda. Pensei
comigo mesmo. O cheiro há de ter atraído sô Geraldo, vou levar
o café e a caneca cheia vai topar com ele na varanda. Ledo
engano. Aproveitando que estava quente, eu mesmo bebi e
cheguei a pensar que por algum motivo da precariedade de
nossos fossos e buracos no chão como privadas, sentindo-se
desconfortável, poderia ter entrado num cabeço de mato ali por
perto para poder desovar o miolo das tripas. Esperei mais um
quarto de tempo e a luz do dia explodiu em mil cristais
açucarados sobre a terra da Mandioca. E nada de sô Geraldo
aparecer. Fui à janela da sala e gritei com Geraldo Neto, se acaso
ele vira o seu avô por aí. Não. Não tinha visto. Perguntei.
- Nem mais cedo?
Não. Nem mais cedo. Então, com tanta luz e tanto
estilhaço de sol, comecei a deserdar meus domínios de calma.
Sô Geraldo estava desenganado. Sem ter outra coisa que fazer,
resolvi bater em busca dele. Subi a mesma estrada que nos
levara um dia à busca do carapiá e ao encontro do Lourival
montado em sua égua baixota. Subi com fôlego curto porque
tinha pressa e temia demais encontrar uma coisa de retrato
desagradável. Quando me aproximei das bordas do cerrado
mais fechado, os calhaus ditando chiado sob as botinas e
tanajuras saindo alto para a última revoada do ano, o dia estava
alto e o orvalho dava brilho de tinido às ervas mais baixas.
Quando a estrada se amiudou e que se fechou para formar o
cerco de árvores, avistei sô Geraldo lá adiante, de pé e a meditar
sobre algo que não sabia eu o que fosse. Cheguei a pensar que
pela primeira vez na vida eu veria sô Geraldo chorando.
Impressão efêmera, todavia. Aproximei-me dele depressa,
percebi que seu rosto estava seco, sem lágrimas, os cabelos
espetados não estavam molhados e seus modos estavam
absorvidos por um mundo branco em torno. Era evidente que
tinha percebido meu desespero, meu jeito assustado e a voz que
transmutava todo o sentimento que me surgia no peito. Troquei
o nome dele. Falei.
- Pai... O que está havendo? Quer nos matar do coração?
Então, ele olhou em torno e respondeu com a intenção
mais simples que poderia haver em um homem que está
absorvido pelos elementos que lhe são fundamentos de
identidade e lembrança.
- Estou admirando a floração das gabirobas. Pode ser
que no ano que vem eu não possa fazer isso outra vez!
Olhei em torno e somente então vi o espetáculo mais
bonito que já pude contemplar em toda a minha vida. As
gabirobeiras estavam floridas ao grau mais apical do branco, em
véu, todas cobertas e rastejadas no meio do grosso do cerrado.
O cheiro que vinha delas era de um teor abissal, doce e ao
mesmo tempo administrado por uma lavanda que pela primeira
vez eu aspirava com a ilusão de um mundo sem fim. Sobre as
floradas, enxames de abelhas, todas elas reunidas em conjunto
de zumbido e a toada era zunzum de uma dimensão de barítono
que me trouxe a divagação da leveza e da mais pura divindade
que pode haver sobre essa terra. Meu pai naquele instante tinha
um cascalho fino de lágrima no canto do olho.
Como deveras seria o caso, no outro ano ele não veria a
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VIVENDO DE ESPERANÇAS
paz procede da adequação consciente de
nossos atos com a lei divina e humana. É a Aharmonia que resulta da execução fiel dos
compromissos para com Deus e para com a sociedade.
Paz é o estado de espírito que resulta da realização
plena dos objetivos, conferidos ao homem pelo Criador. É uma
parcela do céu no interior de cada homem, quando sua
consciência reflete a harmonia da missão comprida.
A paz interior promove a paz exterior. Quem tem paz,
reflete a paz. A paz entre os homens deve nascer de uma
conscientização interna, fruto da justiça e do amor, armas
poderosas contra o egoísmo, câncer impiedoso que dilacera a
harmonia social.
Não pode haver paz entre os homens, sem justiça
social.
A existência da paz não pode subordinar-se à criação e
incentivo de conflitos sociais, mas deve surgir da busca de
solução dos conflitos existentes, implantando-se a justiça social.
Não se provoca doença para se provar a eficiência da
medicina, mas se utilizam os recursos da medicina para
saneamento das doenças.
Todos devem ser justos. Mas, aos governantes,
investidos, por delegação do povo, na gerência da coisa pública,
cabe-lhes a responsabilidade política de implantação da justiça
social, porque lhes foi confiada a missão administrativa de gerir
os dest inos dos c idadãos , proporc ionando- lhes ,
equitativamente, o bem comum e o bem estar social.
Murilo Pacheco de MenezesFoi vereador e educador em Uberaba
1918
floração das gabirobeiras. Desenganado, meu pai não foi além
das marcas de março do ano seguinte. Quando chegou o mês de
novembro, eu subi a estrada muito antes do sol sair. Queria estar
lá, no mesmo lugar, quando a infestação do cheiro, do som e das
cores estivesse em seu projeto máximo e cavalgada de abelhas.
Estava ali, plantado e a estudar a saudade que me vinha dele – a
cabeça a pingar água do banho recente e o estudo que fazia em
torno do carapiá e da saúde de quem requeria o pó -, quando
surgiu Geraldo Neto. Vinha apressado e com jeito de susto.
Olhou-me com os olhos meio esgazeados e ainda tinha baba de
bezerro nas mãos.
- Pai, quer me matar do coração? Nem café o senhor fez
hoje!
Respondi.
- Pode ser que no ano que vem eu não possa mais ver
esses reflexos do teu avô dentro do imenso fundo da superfície
dessa terra!
E tinha um cascalho miúdo de lágrima no canto do meu
olho. Eu estava desenganado de tanto louvor, alvura e mel. O
cerrado sozinho executava todos os instrumentos de luxúria
divina.
O povo brasileiro vive momentos críticos. E os
problemas se multiplicam, na medida em que se acentuam as
diferenças econômicas e sociais, provocadas pela desproporção
abismante do poder aquisitivo e das compensações salariais.
Na verdade, há poucos que têm muito. Há muitos que
têm pouco, e alguns, quase nada.
Há poucos que ganham muito. Há muitos que ganham
pouco, quando conseguem ganhar.
Há poucos bem nutridos, bafejados por regalos, cuja
vida agride a dignidade humana de milhares de brasileiros, que
não conseguem viver como gente.
Grassam, neste país gigante, promissor e belo, o
desemprego, a doença, o analfabetismo e a fome, enquanto os
marajás da política tripudiam sobre a miséria do povo brasileiro.
O Brasil vive momentos difíceis. Os valores primordiais
da vida estão perdendo sua eficácia no comportamento do
homem público.
Não há mais o vigor de outrora na manifestação do
civismo. Já não arde mais, no peito do homem público, a mesma
efervescência de amor à Pátria. Está-se esvaindo, a passos
largos, o respeito pela coisa pública.
A política não é mais a ciência de administrar, mas a
ciência da esperteza e a arte de ludibriar o povo.
As promessas enganadoras substituem a proposta séria de
trabalho. A mentira se fantasia de verdade. A corrupção se
disfarça em honestidade. E o povo brasileiro continua vivendo
de esperanças...
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ESPANTO DE SILÊNCIOENGANO CÓDIGO
Engastei rubis em pedestais de samambaias
O vidro e o pó
O hálito e o poente
Teceram raízes e tombaram vozes
Feitas eco e cansaço e corrida.
A vida
Fez-se minério e respirou lagartos
Na gravidez absurda do caos.
Aprisionei o espanto
No cálice da margarida
E despetalei confetes
Na cabeça da esfinge
Brincando de mal-me-quer.
O horizonte inundou-se de paz:
O mistério da vida
Bafejou o infinito
Em radiações de silêncio.
Terezinha Hueb de Menezes Acadêmica - cadeira número 27
Terezinha Hueb de Menezes Acadêmica - cadeira número 27
2120
Há momentos
Em que a flor submerge
E tentáculos
Esmagam a esperança
Há momentos
Em que a mão é decepada
E foices
Mutilam a busca
Há momentos
Em que os olhos se derretem
E brasas
Diluem
A vontade de ver
Há momentos
Em que a boca se espanta
E armadilhas
Raptam
Palavras precisas
Há momentos
Em que o momento se castra
E o tempo
Galga
O inexistente
derreteu-se o barro
desmanchou-se a imagem:
tudo virou pó
tudo ao pó retorna.
mas o homem continua
a profissão de escultor:
modela, esculpe, burila
o barro
cultuando a imagem
deusa do engano.
não importa
que pedestais se rompam
e a corrosão mastigue a aparência.
de novo o homem
estátua sobre duas pernas
mira-se no espelho
e continua (julgando-se eterno)
esculpindo
à sua própria imagem e semelhança.
A semente brotou ideias e ideais
Carregando o código de vida em putrefação
Para desabrochar o cálice da esperança
De sóis em campânulas
(que deverão ser quebradas)
De flores em redomas
(que deverão ser extintas)
De sorrisos programados
(que deverão ser libertos)
De gestos medidos
(que deverão ser eternos)
De passos contados
(que deverão ser gigantes)
De falas obtusas
(que deverão ser vontade)
de lágrimas em vidro
(que deverão ser torrente)
A semente será esmagada
E dividida
E sangrada
E partida
Até que os pássaros se soltem
E os sonhos tenham forma
De asas abertas
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A DROGA TEM SOLUÇÃO?O QUADRO DE TARSILA
João Gilberto Rodrigues da CunhaCadeira número 38 - Uberaba MG
Luiz Cláudio de Pádua NettoCadeira 17 - Araguari MG
2322
sol agora invade a pequena sala. Por vezes
incomoda fazendo os confrades arredarem as Ocadeiras para um canto sombreado. O badalar
dos sinos da igreja ao lado, agora me pareceu mais nítido. No
lugar dos velhos livros, agora temos uma vista para um jardim.
A nova sede da Academia de Letras do Triangulo
Mineiro, pelo que percebi, não agradou a todos, mas a mim sim.
Principalmente por que ainda podemos contar com a presença
de Dom Benedito, com seus casos e sua voz pausada que
transmite paz.
Dom Benedito nos fala sobre o seu convívio com Tarsila
do Amaral. Ele a conheceu quando ainda era padre em São Paulo
e da pintora ganhou um quadro, que acabou ficando esquecido
entre os seus pertences.
Certo dia foi visitado por um colecionador de quadros
que lhe pagou uma boa quantia pelo mesmo. Dinheiro que foi
doado ao Clero pobre.
Voltei da reunião com a estória do Dom Benedito na
cabeça e somente quando cheguei em casa, foi que me lembrei
de que também tenho um quadro de Tarsila. O quadro foi dado a
minha esposa por uma médium que recebe as influências dos
grandes mestres.
Fiquei pensando: e se o quadro fosse o mesmo que ela
ofertou à Dom Benedito?
Um paciente meu, que se diz entendido de arte se dispôs
a ir à minha casa dar uma olhada no quadro.
Olhou o quadro por alguns instantes, conferiu a
assinatura na borda inferior direita e deu a sua sentença: é um
legitimo quadro de Tarsila do Amaral.
Adverti-lo de que o quadro era obra de uma médium e
fiquei esperando a sua reação. Tratava-se de um pastor
evangélico.
Ele me responde, citando Guimarães Rosa: “Muita
religião seu moço. Eu cá não perco ocasião de religião. Aproveito
de todas, bebo água de todo rio...”.
A oferta foi boa e lhe vendi o quadro.
Talvez o maior problema da humanidade atual
esteja relegado às páginas internas e aos Pnoticiários policiais da mídia. Sua presença e seu
crescimento avassalador invadiram praticamente todos os
países, na mais evidente e perigosa globalização. O Brasil não
escapou desta generalização, e a nossa sociedade paga-lhe um
tributo enorme, que já não mais consegue ocultar e não sabe
como proceder ou combater. Penso que não haverá
discordância na afirmação de que as drogas (seus
consumidores) e o tráfico (seus fornecedores) representam
este problema. Iniciado nas metrópoles, foi em anos passados
considerado específico da marginalia segmentar. O descaso
institucional falseava sua importância - dizia-se que o Brasil não
era toxicômano, apenas intermediava o trânsito das drogas para
os países ricos e viciados. Já nesta época muita gente ganhava
dinheiro, e naturalmente se descobriu que aqui também
poderiam criar fregueses, usuários ou viciados. A moda pegou
rápida e definitivamente, qual tsunami extrapolando das
praias, metrópoles e grandes cidades para todo o país. Não
existe mais cidade ou casta social onde o vicio não tenha
assentado raízes e moradia. Pobres podem navegar com
maconha ou pedras de crack, ricos se sofisticam com ópio,
heroína ou extasy. A droga é servida nos palacetes, em reuniões
sofisticadas da sociedade, mas também nos bares, barracos e
esquinas da pobreza. Antes ficava em lugares escuros e secretos.
Agora se apresenta na claridade solar, nos portões dos jovens
colegiais, na universidade onde ministramos aulas vendo os
olhos injetados e o rosto afogueado de corpos presentes e
mentes ausentes. As conseqüências diárias são conhecidas e
noticiadas sem qualquer resultado. O policiamento domiciliar é
inútil. O policiamento civil ou militar e importante na prevenção
limita-se às ocorrências, às prisões e crimes resultantes. Como
em todo negócio de altos resultados financeiros, o tráfico
estabelece e ramifica suas redes e tentáculos. Ambições e
rivalidades estabelecem os comandos ou quadrilhas. Pontos e
territórios são disputados com violência e mortes, por vezes
envolvendo público inocente das ameaças e balas perdidas.
Finalmente, e talvez mais grave, são os fenômenos sociais
criados e sustentados pelas drogas e traficantes. A corrupção
ativa ou passiva, as ameaças e freqüentes mortes aos que os
combatem vão criando uma intimidação policial, jurídica e até
po l í t i ca em re lação aos seus métodos . Pr i sões
comprovadamente não resolvem – a rede corruptora dos
intermediários e celulares mantém viva e atuante a liderança
momentaneamente afetada, porém plena de privilégios.
Depois, os volumes financeiros podem facilitar vidas, poderes
ambições pessoais e políticas, valores que muitos prezam mais
que a simples e desvalorizada honestidade. Este mapeamento é
reconhecido, funesto, porém não se apresentam estudos ou
soluções para o que promete ser o mal do milênio. As drogas
psicotrópicas desenvolveram-se no tratamento das dores, na
anestesia e nas doenças mentais. Certos efeitos tóxicos,
excitantes ou alucinatórios criaram viciados em seu uso, e logo a
medicina buscou meios de limitar seu uso indesejado ou
abusivo. Hoje estas drogas estão classificadas e catalogadas,
sujeitas à receita ou prescrição por profissional médico
credenciado com conhecimento e identificação do paciente em
formulário próprio – as receitas azuis ou carbonadas mais
comuns. Acrescente-se de experiência que antes desta
regulamentação medicamentos eram subtraídos do centro
cirúrgico ou farmácia e vendidos por alto preço aos então psico-
toxicômanos. Regulamentada e vigiada esta situação, hoje os
psicotrópicos comuns são medicamentos baratos e eliminou-se
aquele autentico cambio negro em consegui-los. Aplique-se por
similaridade um raciocínio sobre drogas e tráfico nos tempos
atuais. Sua ilegalidade, marginalidade e dificuldades relativas na
obtenção criaram as malignidades decorrentes e descritas.
Ainda não aconteceram sugestão e a coragem cívica capazes de
reduzir drogas à situação dos psicotrópicos. É justo e possível
pensar que tirá-las da ilegalidade absoluta e tentadora pode
mudar completamente a situação vigente. Por exemplo: a
maioria das drogas teriam uso livre e regulamentado desde que:
- o paciente é declarado usuário junto à medicina de
saúde pública.
- aceita sua inscrição neste prontuário
-somente comprará sua droga por receita de profissional
em estrutura habilitada pelo M. Saúde. Ideal: uma farmácia
específica do Ministério.
- A receita é obrigatoriamente atendida e vendida em
farmácias igualmente autorizadas, onde não existe
possibilidade de farmácia de Ministério da Saúde.
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SÓ MESMO NONÔ!
Cesar VanucciCadeira número 9 - ALTM
2524
- Receitas aviadas e atendidas são imediatamente
registradas on-line para evitar duplicatas, as farmácias
especializadas estarão interligadas on-line em todo território
nacional.
São imag ináve is conseqüênc ias imediatas .
Primeiramente, quebra-se o mistério e o preço das drogas, cujo
custo será mínimo em relação ao atual mercado negro. Acabam-
se os cartéis, as lutas e violências envolvidas. O uso, embora
autorizado, é assistido e controlado pelo Estado e profissionais
médicos. O prontuário computadorizado informa e coíbe os
abusos de receituário e uso. A criminologia aplica-se apenas aos
atos ilegais, cujo encanto financeiro deve desaparecer em curto
prazo. Também o conhecimento social dos usuários é
advertência que pode limitá-los ou desencorajá-los.
Naturalmente um estudo mais profundo é necessário à
codificação de suas intenções. Não seria fácil admitir que uma
programação tão indesejável ou temida para tantos tenha
trânsito fácil considerando os interesses contrariados. É até
possível que traficantes facilitem vendas e abaixem seus preços
pela concorrência estatal. Entretanto, usuários ou traficantes
apanhados com estas drogas concorrentes estarão operando
ilegalmente e quando descobertos estarão sujeitos às
penalidades decorrentes.
Alguém combaterá a eficácia deste projeto e sua
aplicabilidade. A primeira liberação de drogas tem exemplo
histórico e até hoje permanente. Foi nos Estados Unidos,
quando através a Lei Seca proibiu-se a venda das bebidas
alcoólicas. Aconteceu-lhes o desastre maior, de certa forma
semelhante ao atual panorama das drogas ilegalizadas. Criou-se
um submundo de quadrilhas, gangsters, assassinatos e crimes
de influência de toda espécie. Quem não se lembra dos filmes
de Hollywood, de Al Capone, Dilinger e tantos outros? Das
crueldades e vinganças a mais simples era cimentar as pernas do
inimigo e depois jogá-lo vertical e definitivamente no rio. Aqui
entre nós, de exemplo serve queimar jornalista e incendiar
ônibus. Nos USA adotou-se simplesmente a abolição da lei, e
acabaram-se os crimes. No caso das drogas atuais, seus pobres
dependentes e seus ricos traficantes, a situação é mais delicada.
O álcool pode ser combatido pela polícia e bafômetros. A droga
não pode ser simplesmente liberada. Seu controle envolve
necessariamente a medicina e a sociedade. Liberação simples e
total pode resultar em pior fracasso.
É evidente que a formatação definitiva da liberação
controlada e legislada vai exigir um estudo e detalhamento por
um grupo governo e sociedade. Afinal vai acontecer uma lei
anti-lei atual, o que exige todas as justificativas e cuidados
pertinentes. Não se pode partir do princípio que é substituir um
mal maior por um mal menor. Intolerável e desumano é permitir
a vassalagem atual ao vício. Tantos governos alardeiam sua
preocupação com o social – o nosso entre – eles. Tem o poder, a
estrutura e os meios. Terá a coragem?
“Mestra Julia me deu (...) o dom de oferecer
sem orgulho e de receber com humildade.”
(Juscelino Kubitschek de Oliveira)
ocalizando em comentário a excepcional
performance governamental do Presidente Lula, Faludimos ao extraordinário trabalho executado,
no século passado, por um outro Presidente que deixou marcas
indeléveis na crônica política brasileira. Ele mesmo, JK. Fomos
interpelados, na sequência, por universitária nascida nos anos
80, admiradora confessa de Lula, que demonstrou interesse em
conhecer alguma coisa a mais sobre o construtor de Brasília,
nascido em 12 de setembro de 1902 e falecido em
circunstâncias trágicas em 22 de agosto de 1976.
Com o propósito de satisfazer a curiosidade da pessoa
mencionada, confiados ainda que entre os benevolentes
leitores muitos possam também se interessar por informações
concernentes a Juscelino, resolvemos contar histórias de Nonô,
o mineiro de Diamantina. Um governante que, tal qual Lula,
soube entrelaçar o espírito desenvolvimentista, o sentimento
de brasilidade e a sensibilidade social nas metas de trabalho.
Um cidadão que, por causa disso mesmo, como se repetiria
depois com Lula, enfrentou borrascas de incompreensões
urdidas por adversários raiventos, inconformados com sua
liderança carismática.
“Só mesmo Nonô para fazer tudo isso!” A sugestiva frase
foi dita por Dona Júlia Kubitschek, mãe de Juscelino, ao
contemplar Brasília de uma janela do Alvorada. É citada em “JK,
o Artista do Impossível”, livro de Cláudio Bojunga. Um
esplêndido documentário da vida e obra do grande estadista,
onde colhemos várias informações que permeiam estes
comentários.
Olhando Brasília, não temos como não reverenciar, em
clima de exultação cívica, o personagem mais fascinante da
História brasileira do século XX. Natural de Diamantina, JK
conquistou lugar de realce entre os estadistas que deixaram
impressa sua marca na construção de um mundo melhor.
Diamantina, região mineradora, é um monumento
barroco de extraordinária beleza. Um centro de efervescente
cultura, genuinamente brasileira. Num ensaio magistral sobre a
formação do povo mineiro, Paulo Pinheiro Chagas lembra que a
mineração foi um desdobramento natural das bandeiras. E que
a cultura dominante nas zonas mineradoras apontou sempre na
direção da democracia e da indústria. O autor comprova o
acerto da tese nos exemplos de insubmissão cívica de Felipe dos
Santos, Tiradentes e Teófilo Otoni que sonharam com uma
política de industrialização para o país. É legítimo extrair-se
desse encadeamento de conceitos que Juscelino, “provindo da
região das lavras, se formou ao calor dessas tradições. Ouviu, no
recolhimento dos serões domésticos, a história dramática do
nosso destino. Desse modo, o natal de sua imaginação haveria
de impregnar-se de elementos definitivos”, como registra
Pinheiro Chagas.
Em atmosfera cultural tão propícia, os dons naturais do
futuro líder afloraram com impetuosidade. Sua inquietação
cívica, sentimento de nacionalidade e visão transcendente da
vida ganharam constantes estímulos e força. Assim modelou-se
sua personalidade, rica em virtudes humanísticas. O ambiente
familiar influiu poderosamente na formação do caráter de JK.
Ele mal conheceu o pai, falecido quando não havia ainda
chegado aos três anos de idade. Seu tio-avô, João Nepomuceno,
atuou na política e se fez também conhecido pelos pendores
literários. Dona Júlia, professora, era carinhosamente chamada
pelo filho de “anjo protetor”. Seu enorme carinho pela mãe
retrata-se nestas palavras: “Mestra Júlia me deu o bem da vida
(...) o dom do exemplo, o de madrugar e o de trabalhar; o de
persistir no esforço e na dignidade sem esperar compreensão e
tolerância; o de oferecer sem orgulho e o de receber com
humildade; o de amar a justiça e exaltar a coragem.” Era
também afeiçoado à irmã, Maria da Conceição, Naná, figura de
exponencial importância em sua preparação para a vida. Na
esposa, Sara, companheira dos bons e dos maus momentos,
encontrou ajuda inestimável.
Juscelino frequentou o Seminário na terra natal.
Aprendeu o gosto pela leitura. Experimentou, “por juvenil
curiosidade”, como confessou, o alfabeto Morse. Substituía
telegrafistas, a cinco tostões por hora, quando estes deixavam a
tenda de trabalho para um cafezinho. Fez concurso e passou
para telegrafista. Registrou, a propósito: “Batendo o Morse e o
Baudot – ligeiro e certo, de meia noite às seis da manhã – ao
longo de oito anos, pude oferecer à Mestra Júlia a minha
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ESTILO JUSCELINISTA DE ADMINISTRAR
50 ANOS EM 5
O golpe dado por Vargas em 10 de novembro abalou os
“devaneios democráticos de Juscelino”, segundo o biógrafo
Cláudio Bojunga. O Estado Novo era um regime híbrido, sem
ideologia, acentuava ele.
Por volta de 1940, Valadares convocou Juscelino de volta
à política. Convidou-o a ocupar a Prefeitura de BH. O convite foi a
princípio recusado. JK escudou-se em sua notória aversão às
ditaduras. Consta que Valadares, no afã de quebrar-lhe a
resistência, garantiu que a redemocratização estava a caminho.
Recebendo acerbas críticas por aceitar o cargo, Juscelino tomou
posse. O Brasil começou a conhecer, a partir dali, arrojado
empreendedor público, o mais criativo tocador de obras
governamentais de sua história. Anunciando que ia administrar
na rua, e não fechado no gabinete, ele promoveu, em curtíssimo
tempo, verdadeira revolução urbana. Uma antecipação, em
dimensões provincianas, do que viria a fazer mais tarde na
vastidão territorial do Brasil. A audácia administrativa deixou os
belorizontinos boquiabertos. Eles estavam habituados a ritmos
menos trepidantes na esfera do serviço público. O primeiro
trator empregado em obra urbana levou às ruas milhares de
curiosos. Juscelino revolveu a fisionomia arquitetônica de Belô.
Num lance administrativo ousado para a época, criou a
Pampulha. Introduziu nessa parte da Capital referenciais
arquitetônicos de vanguarda, nascidos de suas agudas
percepções e de sua vocação conquistadora do futuro. E,
também, dos traços geniais, carregados de beleza, de Oscar
Niemeyer. O arquiteto, que se tornaria mundialmente famoso,
iria acompanhá-lo, anos afora, em outras viagens grandiosas
pelos caminhos do desbravamento territorial e da integração
cultural. Em um ano, a área pavimentada urbana já equivalia a
mais de 1/3 de todo o calçamento feito desde a inauguração da
Capital.
A ação indormida, fecunda em frutos, do revolucionário
2726
vocação: o médico que decidira ser.”
José Maria Alkimin, amigo nas futuras andanças
políticas, fazia parte da turma de telegrafistas. Em 1927, tendo
como companheiros Odilon Bherens e Pedro Nava, JK colou grau
como médico. Tornou-se sócio do cunhado, Júlio Soares, médico
conceituado, de influência preponderante nos rumos assumidos
em sua trajetória pública.
Depois de especialização profissional na Europa, veio a
ser nomeado chefe do Serviço de Urologia da Polícia Militar,
recebendo divisas de capitão. Chegaria, mais tarde, ao posto de
coronel médico. Benedito Valadares nomeou-o chefe de
gabinete, incluindo-o, em 1934, na chapa para deputado
federal. Foi o mais votado entre os candidatos mineiros à
Câmara dos Deputados. Alguns amigos figuraram também entre
os eleitos: José Maria Alkimin, Pedro Aleixo, Negrão de Lima,
Gabriel Passos, seu concunhado e, mais tarde, seu oponente ao
governo de Minas.
“JK era alegre como uma janela aberta.”
(Paulo Pinheiro Chagas)
“Denunciei o FMI como um instrumento de retrocesso.”
(Juscelino Kubitschek de Oliveira)
Prefeito polarizou no Nonô, de Diamantina, as atenções dos
mineiros de outras regiões. Após a queda da ditadura Vargas,
candidato a deputado federal, Juscelino obteve a segunda maior
votação em Belo Horizonte, superado apenas pelos votos dados
a Getúlio, que mesmo afastado do poder conseguiu se eleger,
nos termos da legislação eleitoral vigente, senador (por dois
Estados) e deputado (por sete).
Em 1950, pregando democracia e anunciando
hidrelétricas, industrialização, escolas, rodovias, incentivos à
cultura e artes, ensino técnico, JK chegou ao Palácio da
Liberdade. Sua campanha eletrizou o eleitorado. Cruzou os
céus, num pequeno avião, descendo em todos os lugares que
dispunham de campos de pouso. Houve dias em que participou,
com sua palavra empolgante, de dez comícios. O binômio
“Energia e Transportes” sacudiu o Estado. Virou marca do
governo mais operoso da história. Acabou significando, como
testemunha Pinheiro Chagas, “um provérbio das aspirações de
Minas”. O mesmo historiador faz do JK governador instigante
descrição: “Ele era alegre como uma janela aberta!” Uma
historieta lapidar que dá a medida do “estilo juscelinista” de
administrar. Tristão da Cunha, Secretário da Agricultura,
solicitou autorização para a compra de 40 mil enxadas.
Envolvendo-o num abraço, Juscelino pediu-lhe não o levasse a
mal, mas do que gostaria mesmo era de poder assinar uma
autorização para a compra de 40 mil tratores. Disse isso e
explodiu numa ruidosa gargalhada, conta seu biógrafo Cláudio
Bojunga.
A morte trágica de Getúlio, em agosto de 54, no
desdobramento de uma crise político-militar de proporções,
surpreendeu-o candidato à Presidência. JK contava com a
simpatia de Getúlio, que já o havia apoiado na campanha em
Minas. O governador mineiro acolheu o então Presidente com
todas as honras e envolvente calor humano, na última viagem
que fez antes do desfecho fatídico da crise que o retirou de cena.
Juscelino foi o único governador presente no velório de Vargas.
Com destemor e altivez, JK venceu as virulentas
resistências à sua candidatura. Adversários ardilosos se
esmeravam em inçar-lhe de obstáculos difíceis o percurso em
direção ao Catete. Lançavam mão de manobras as mais solertes
e de casuísmos os mais despudorados. Nessa quadra da vida
brasileira, agigantou-se aos olhos da Nação a figura do líder
corajoso, a quem Deus despojara do sentimento do medo,
conforme tantas vezes proclamou. As urnas consagraram-lhe o
nome.
Com habilidade, desassombro cívico, conduzindo-se exemplarmente dentro dos postulados da democracia, Juscelino superou as resistências e até mesmo complôs militares contra sua posse. Enfrentou de peito aberto os inimigos, venceu-os e perdoou-os, num gesto de magnanimidade que deixou estampada sua autoridade moral e grandeza d'alma.
Seu programa de metas, consubstanciado em um novo “provérbio”, entusiasticamente assimilado na consciência das ruas – “50 anos em 5” – conquistou mentes e corações. Aos 54 anos, ele colocava a serviço do Brasil e de sua gente uma imagem de energia, determinação e doação pessoal arrebatadora. Ao assumir o governo, nosso Produto Interno Bruto era de pouca expressão. Nossa renda “per capita” não passava de 230 dólares. Os avanços industriais eram considerados tímidos.
Rapidamente, as coisas começaram a mudar. Para melhor. A industrialização ganhou impulso notável. O sistema rodoviário foi consideravelmente ampliado. A capacidade de geração de energia quase duplicou. O asfalto rasgou, em nova versão do bandeirantismo, regiões potencialmente ricas, de rarefeita povoação. Surgiram novas refinarias. A implantação da indústria automobilística espalhou empregos e progresso por todos os lados. A produção de cimento, celulose, alumínio, álcalis, entre outros itens, expandiu. A indústria naval redimensionou a capacidade produtiva. O país ingressou na era da tecnologia de ponta. Conquistou mercados. Implantou indústrias de base. Não houve setor algum da produção nacional que não recebesse os estímulos da “varinha de condão”, propondo crescimento, emprego e progresso, acionada pelo Nonô, de Diamantina. O homem providencial fez o brasileiro acreditar no Brasil e ensinou o estrangeiro a encarar nosso país com admiração. Em meados do século XX, com metas ousadas, Juscelino preparou a entrada do país no futuro.
Febricitante conjunto de obras, espalhando progresso e criando riquezas, mostrava uma face entusiasmante da postura governamental. Mas, como se já não lhe bastasse esta condição inigualável de fazedor de obras Juscelino oferecia
ainda, ao Brasil e ao mundo, outras facetas admiráveis como ser humano vocacionado. Assumiu inconteste liderança continental, ao desenvolver, precursoramente, um esquema de integração regional latino-americana através da Operação Pan-americana. Reagiu, com santa indignação e bravura cívica, às impertinentes exigências do Fundo Monetário Internacional.
“Decidi romper as negociações e denunciei o Fundo Monetário Internacional como um instrumento de retrocesso e do atraso internacional”, anotou nas memórias. Com carisma, palavra convincente e irradiante simpatia, conquistou multidões. Era aclamado entre celebridades da cultura, da arte e do esporte, junto às lideranças operárias e empresariais, nas classes mais abastadas, na classe média e junto ao povão, como o governante “bossa nova”. O título carinhoso brotou da gratidão das ruas. O povo não ocultava o orgulho pela oportunidade que JK deu aos compatriotas de poderem exercitar sua cidadania e de exibir ao resto do mundo, em termos pujantes, sua identidade nacional.
Brasília, erguida do nada, foi meta-síntese. “Um monumento à vida”, dizia. Jamais o mundo viu coisa igual. Em pouco mais de três anos, o Planalto Central, grande “vazio demográfico” no país-continente, viu irromper das entranhas da terra, por força da obstinação e crenças do grande estadista, a Capital da Esperança. Brasília significou tudo isto: a grande marcha para o oeste. Uma invasão do futuro. Um instante precioso, inigualável, de integração nacional e interiorização do desenvolvimento.
Em que pese seu significado para o País, a implantação da Capital, prevista na Constituição e sonhada profeticamente por Dom Bosco, atiçou a ira de empedernidos adversários e provocou inacreditáveis e belicosas manifestações. Nesses núcleos inconformados, dominados por cega e doentia paixão, Brasília era apontada como uma ode ao desperdício, refletindo inconsequência administrativa.
De certa feita, em Nova Iorque, com o manifesto intuito de provocação, indagaram de Juscelino quais os motivos que o haviam levado a construir Brasília. Numa resposta estupenda, ele resumiu o sentido de sua missão: “Os mesmos motivos pelos quais vocês, americanos, estão construindo uma estrada para a Lua.”
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TSUNAMI
Pedro LimaCadeira número 14 - Uberaba
2928
JK, SÍMBOLO DE MUITA COISA
“Sua aventura vital foi extraordinária.”
(Afonso Arinos, adversário político, descrevendo JK)
Na Presidência e, depois, na extenuante e dolorida jornada do exílio, Nonô estabeleceu ligações de convivência fraternal com personalidades mundiais de todos os continentes. Nas palestras para as quais era frequentemente convidado, em diferentes partes do mundo, reservava sempre uma palavra otimista à sua terra natal.
Converteu em amigos rancorosos inimigos. O caso mais famoso é o de Carlos Lacerda, que veio a ser seu companheiro na chamada “Frente Ampla”, uma tentativa das lideranças políticas de expressão, banidas do jogo político pela ditadura de 64, de devolverem o Brasil à democracia. Estas palavras, um retrato perfeito, sem retoque, de JK, pertencem a Lacerda: “Esse homem de paz era um combatente. Porque era um verdadeiro renovador, era também generoso. No horror à vingança, à mesquinharia, à mediocridade, fundou sua atitude diante da vida.”
JK recebeu, de certa feita, a visita de John Foster Dulles, Secretário de Estado americano, expoente da assim chamada “linha dura”. Tinha dificuldades para entender os latinos e direcionava obsessivamente suas ações para o combate, conforme fazia questão de sublinhar, ao “comunismo ateu”. Cláudio Bojunga conta como foi o encontro. Depois de bom tempo de conversação, Juscelino revelou a assessores que Dulles já havia proposto nove fórmulas, todas recusadas pelo Presidente brasileiro, para uma declaração conjunta. O norte-americano insistia num documento que utilizasse surrados jargões anticomunistas. Juscelino considerava as ponderações fora de propósito. O documento, insistia, deveria conter, essencialmente, um compromisso com o desenvolvimento e a prosperidade social. A nota final não incluiu as propostas do Secretário. JK reagiu ainda à arrogância de Dulles, que queria porque queria, assinar a declaração, mesmo sendo funcionário de escalão inferior, juntamente com o Presidente do Brasil. Isso não impediu Dulles de registrar, em depoimento público, que “o Presidente do Brasil trata o desenvolvimento com a fé dos místicos.”
Desfrutando de enorme simpatia popular, JK foi instado por lideranças influentes a promover uma reforma constitucional que lhe garantisse novo mandato presidencial. Desfez, de forma categórica, essa possibilidade. Deixou o governo aureolado pelo respeito e gratidão da Nação.
Sua eleição para futuro mandato era tida como líquida e certa. Os acontecimentos político-militares posteriores, com graves desdobramentos, retiraram o Brasil dos trilhos da democracia, mergulhando-o no regime de exceção. JK foi alvejado impiedosamente. Cassaram-lhe injustamente o mandato quando representava Goiás no Senado. O último discurso que proferiu, como parlamentar, é uma obra prima
de afirmação democrática e de crença nos valores nacionais. Injuriaram-no, impuseram-lhe humilhações. Fizeram de um tudo para calar-lhe a voz, numa tentativa de diminuir a importância de seu incomparável papel no teatro da história. Tudo embalde. “De todos nós, é o nome dele que vai durar mil anos. Juscelino estará na memória das gerações porque sua aventura vital foi extraordinária.” Palavras de um adversário em tempos idos, Afonso Arinos.
Sua morte, num acidente automobilístico, que suscitou questionamentos ainda não de todo esclarecidos, enlutou a Nação. O Brasil parou para o adeus ao Nonô de Diamantina, filho de Da. Júlia, político bom de voto e bom de obras. Foi um predestinado. “Deus pegou um século e pôs a maior parte dele no colo do Nonô de Diamantina”, registra, liricamente, o jornalista David Nasser, no artigo em que se despede de Juscelino. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sintetiza, em depoimento, o pensamento da gente brasileira sobre o grande personagem: “Acho que o melhor presidente que o Brasil já teve foi Juscelino. Não acredito em quem não tem objetivos, não tem projetos, não sonha alto. Eu acredito em gente como Juscelino.” Lula fala por todos nós. O Presidente do sorriso franco e aberto deixou-nos, como herança, obras definitivas, exemplos vitais, idéias que não morrem, inspirações para as lutas em favor das transformações que a sociedade brasileira ardentemente almeja.
JK é, no sentimento das ruas, símbolo de muita coisa. Símbolo de progresso. De desenvolvimento. De empregos, justiça social, diálogo e concórdia. De intransigência na defesa da soberania nacional. De projetos arrojados na construção humana. De democracia interpretada como instrumento insubstituível nas ações econômicas e sociais. De insubmissão cívica e de nacionalismo autêntico. Por isso suas idéias são, ao mesmo tempo, a inspiração e o fanal de um Brasil que não aceita recessão nem desemprego; que repele a intromissão estrangeira em seus negócios internos; que exige fervoroso respeito no trato da coisa pública e que repudia as fórmulas discricionárias no exercício do poder.
Em suas memórias, uma cartilha de orientação cívica que deveria ser levada às salas de aula onde são preparadas as gerações futuras, JK deixa-nos lições de brasilidade: “Olhai para o mapa do Brasil. É o mapa de um país jovem, a preparar-se para assumir o papel de grande potência que lhe está reservado no mundo.”
Dona Júlia tinha razão ao dizer aquelas palavras: “Só mesmo o Nonô para fazer tudo isso!”
(E, por último, aos que se interessem conhecer a fundo a saga de Juscelino, recomendo com ênfase a magnífica obra de Cláudio Bojunga, “JK, o artista do impossível”).
* Jornalista ([email protected]
té pouco tempo, nós brasileiros vivíamos no
paraíso, num belo país onde não tinha vulcão, Aterremoto, tsunami, palavra conhecida há
pouco tempo, e que agora passou a ser incluída no nosso
vocabulário. Só o que ninguém percebe é que temos todos estes
desastres que no nosso caso não se trata de desastre natural,
como em outros países, e sim proposital, educacional e cultural.
Por que tudo isso?
Porque aprendemos a conviver com um vulcão de
impunidade, um terremoto de insegurança e um tsunami de
violência. A única grande diferença em tudo isso é que estes
fenômenos da natureza existem lá fora, não há como combater.
Já nos nossos casos pode-se, e é questão de querer das nossas
autoridades políticas, que fazem e desfazem das leis que elas
sejam cumpridas, e não leis de brinquedos, como vemos,
ouvimos e assistimos calados, todos os dias nas notícias escritas,
faladas e televisionadas, sem nada poder fazer, porque aquele
que pode fazer, por uma série de problemas burocráticos, não
fazem, e todos os dias assistem a um caso grave e gravíssimo de
violência, no nosso belo país.
E o tempo vai passando e passando, e o povo vai
ficando desacreditado, e até parece que vivemos num mundo
de faz de conta como se tudo fosse apenas uma fantasia, numa
ala imaginária, num carnaval de sonhos que nunca chega à
quarta-feira.
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O CUIDADOSANTUÁRIO
D. José Alberto Moura, CSSArcebispo Metropolitano de Montes Claros
Cadeira número 22
D. José Alberto Moura, CSSArcebispo Metropolitano de Montes Claros
Cadeira número 22
3130
emos muitos santuários ou templos para onde
vão as pessoas para manifestar sua solidificação Tda fé, homenageando a Deus por intercessão de
Maria ou algum outro santo. Essa devoção tem enfoque no
lugar sagrado ou santuário e também no da subjetividade com
a conversão pessoal. A devoção leva a pessoa a peregrinar até
o local de culto, em geral mais distante de sua moradia ou
cidade. Mas isto seria menos proveitoso se ela não se
comprometesse a viver melhor no seguimento a Cristo, a
exemplo dos santos de sua veneração.
A religiosidade manifestada apenas em atos de culto
seria de pouco valor se a pessoa não fosse coerente em viver
de acordo com o projeto de Deus. Fé sem colocação em
prática do amor a Deus e ao semelhante seria estéril. Já o livro
sagrado do Levítico lembra: “Sede santos... Não tenhas no
coração ódio contra teu irmão... Não procures vingança nem
guardes rancor... Amarás o teu próximo” (19,2.17.18). De fato,
a fé em Deus faz a pessoa se relacionar com Ele, mas
querendo realizar suas indicativas para o benefício dela
mesmo. Deus não precisa de nada do ser humano. Ele só
deseja seu bem e indica o caminho de sua felicidade. Fora
disso, não conseguimos realização perene, apesar de todo o
progresso e conquista materiais. O próprio Jesus lembra que,
sem Ele, nada podemos fazer.
Todos temos grande desejo de nos encontrarmos
com o Criador. Alguns podem pensar em viver sem Ele ou até
negar sua existência. Todos têm vontade de se realizar
plenamente. Mas só a busca do transitório como absoluto não
nos satisfaz. Sempre queremos mais. Tal estímulo somente
encontra saciedade na fonte de nossa felicidade total em
Deus. Isso não se dá de um momento a outro. É conquista
progressiva. A vida aqui, cheia de limites e percalços, é
transitória, mas de fundamental importância para atingirmos
o cume de vitalidade realizadora no eterno de Deus. Essa
nossa caminhada existencial na terra marca o ganho de tentos
para a felicidade imorredoura. Para caminharmos nessa
conquista, a prática do respeito ao santuário humano se faz
essencial. Somos templos de Deus. Eles são mais importantes
do que todos os templos feitos de alvenaria. Somos imagens e
semelhanças do Criador. A consideração dessa realidade nos
leva a uma convivência de respeito, entendimento, justiça,
perdão e verdadeiro amor. O Filho de Deus veio nos mostrar
exemplarmente isso. A pessoa humana deve ser amada,
defendida e promovida, a partir da que mais é deixada de
lado no convívio social, desde a fecundação até à morte
natural. Mesmo os malvados devem ser respeitados em sua
dignidade: “Vós ouvistes... 'Olho por olho...'. Eu, porém, vos
digo: ... Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua
túnica, dá-lhe também o manto!... Amai os vossos inimigos...”
(Mateus 5, 38.40.44).
Paulo é bem claro na orientação sobre a conduta em
relação a toda a pessoa humana: “Irmãos, acaso não sabeis
que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em
vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o
destruirá, pois o santuário de Deus é santo, e vós sois esse
santuário” (1 Coríntios 3,16-17).
ossa preocupação com a sobrevivência é
natural. Às vezes, para alguns, exagerada. Vão Nacumulando, acumulando. Há exagero,
injustiça, falta de solidariedade, verdadeiro egoísmo! Há
também grande parcela que passa grandes e permanentes
necessidades. Faltam trabalho, moradia e até o mínimo para
uma vida digna. A Bíblia nos coloca o desafio da confiança na
Providência Divina, querendo nos ensinar, mais do que tudo, o
bom uso da inteligência e da solidariedade para provermos o
necessário para cada um. O planeta tem recursos, oferecidos
pelo Criador. Mas devemos saber usá-los de modo adequado.
Poderíamos evitar catástrofes, fome, insalubridade, miséria e
muito tipo de enfermidades. Seria possível e deveríamos
oferecer oportunidade de educação, saúde e vida realmente
humana para todos, mesmo sem limitarmos artificialmente a
natalidade. O uso racional da natureza seria fonte e meio de
sobrevivência adequada para a humanidade.
Deus é cuidadoso para com as obras criadas: “Olhai os
pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem nem ajuntam
em armazéns. No entanto, vosso Pai que está nos céus os
alimenta...” (Mateus 6,26). Mas confere a nós humanos, parte
do cuidado com nossos pares e a terra. Até hoje não
aprendemos a cuidar. Até pensamos: “O Senhor abandonou-
me... Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno...? Se
ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti” (Isaías
49,14.15). À vezes nos esquecemos de fazer nossa parte nesse
cuidado. A solidariedade é indispensável para caminharmos e
solucionarmos os desafios da vida digna para todos. Há quem
usa muito do tesouro do cofre público para benesses pessoais,
não tendo a altivez moral de usar com justiça o que é bem de
todos. Os cargos de serviço ao bem público não podem ser
usados para o desenfreio ou a voracidade de se querer tudo para
si em detrimento da confiança depositada pelo povo em sua
posição de servidor do mesmo! U'a manifestação de cuidado
deve haver por parte de todos em se unir para a promoção de
políticos e de políticas públicas que realmente sirvam as
pessoas, a partir da mais deixadas de lado. A legislação para a
causa própria no aumento dos próprios salários é imoralidade
pública.
Com a busca de valores maiores usufruídos do amor de
Deus, todos nos tornamos mais solidários e solucionaremos
melhor os problemas com a vida digna para cada um: “Buscai
em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça, e todas essas
coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mateus 6, 33). De fato,
quando a pessoa tem a formação do caráter bem sedimentado
com valores éticos e cristãos, ela se torna criatura de formação
para a convivência na justiça e solidariedade. Caso contrário,
poderemos ter pessoas até de qualificação pós universitária
com deformação de caráter, usando seus conhecimentos para
só pensar em si e desrespeitar o semelhante e o que lhe
pertence. O trabalho pelo comum é realizado por quem tem
ideal de vida baseado no autêntico amor fruído de Deus. Ele é
feito para ajudar o cuidado com o bem do semelhante.
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ALUNO OU ESTUDANTE?
Prof. Newton Luís MamedeColaborador ALTM
requentemente, a sociedade é “premiada” com
algumas “pérolas culturais” (presente de grego!) Fsem nenhuma sustentação científica, mas que
surgem do nada e de repente, e, também de repente, ganham
abono e trânsito livre na própria sociedade. Isso constitui um
perigo, evidentemente, pois o fato pode transformar um erro,
uma mentira, um conceito falso em verdade, e, aí, a heresia
pode consagrar-se como “ciência” e convencer os incautos e
leigos naquele assunto ou naquele objeto de conhecimento.
Quando se trata de um equívoco, de um desvio, de
um erro nascido numa universidade e por ela divulgado como
certo, a coisa, então, torna-se muito mais grave, praticamente
criminosa, pois engana, confunde, ilude os alunos e o público,
ou a sociedade. O caso vem à tona devido a um conceito
errôneo, falso, que vem sendo divulgado no meio
universitário, principalmente entre professores e dirigentes
acadêmicos. Divulgado e até pregado por palestrantes e
treinadores pedagógicos, nos cursos de graduação e nos de
pós-graduação... Trata-se da etimologia da palavra aluno. O
absurdo que vem ganhando campo é o “ensinamento” de que
tal palavra significa “não luz”, ou “sem luz”, pois é “formada
pelo prefixo a-, que significa negação ou privação, e pelo
elemento (radical) lun-, adulteração do substantivo lumen,
luminis, do latim, que significa luz”... Então, conforme a
“invenção” desses “pregadores” da etimologia errada, a
palavra “aluno” significa “sem luz”, ou “ausência de luz”... E,
por ter esses “significados” (sem luz, ausência de luz...), a
palavra “aluno” é “pejorativa, depreciativa, ofensiva,
antipedagógica”, e outros “palavrões”, pois “sem luz” é o
mesmo que “destituído de inteligência”, ou “sem
inteligência”... Por isso, em lugar da palavra “aluno”, esses
praticantes do erro mandam empregar a palavra estudante...
Aí, a ignorância é pior! Na própria língua portuguesa,
a palavra estudante não é sinônima perfeita da palavra aluno.
Tampouco elas possuem equivalência exata. Elas não possuem
o mesmo emprego, isto é, não são usadas nas mesmas
acepções, nas mesmas situações ou estruturas de frase. Um
professor diz, por exemplo: “Antônio é meu aluno”, e não
“Antônio é meu estudante”. (Esta última frase pode significar
que Antônio “me” estuda, isto é, que Antônio estuda o meu
corpo, ou o meu comportamento, ou as minhas atitudes...).
Outra pessoa diz: “Eu fui aluno do professor Eduardo”,
e não “Eu fui estudante do professor Eduardo”... (Eu, por
exemplo, digo que fui, com muita honra, aluno do Monsenhor
Juvenal Arduini, e não “estudante” do Monsenhor Juvenal...).
Empregar a palavra “estudante” em lugar da palavra “aluno”,
sempre, em qualquer contexto, é ignorar os sentidos dessas
palavras. É vergonhosa demonstração de ignorância
linguística, principalmente da parte de professores de Língua
Portuguesa. Isso demonstra falta de estudo, falta de pesquisa,
falta de seriedade intelectual e profissional, falta de
responsabilidade.
Agora vejam quanta falácia e quanta
irresponsabilidade! Ou melhor, quanta ignorância! Partindo de
um meio culturalmente elevado, como a universidade, a
heresia ensinada e divulgada constitui uma contradição da
ciência, coisa que a universidade não pode ser, pois ela
mesma, a universidade, é sede da ciência, isto é, do
conhecimento certo, seguro, fundado na verdade. Para que os
leitores tenham ideia do tamanho do absurdo conceptual
dessa falsa etimologia, inventada irresponsavelmente, vamos
apresentar a etimologia correta e os significados, também
corretos, da palavra aluno. Apresentação simples e rápida, já
que este escrito não é um tratado de filologia, nem uma aula.
A palavra já existe em latim (muito antes de Cristo...):
alumnus, alumni, substantivo masculino da segunda
declinação. 1. Sentido próprio: criança de peito [isto é, o
bebezinho que mama na mãe – explicação nossa]. Sentido
empregado por Cícero, na obra Verrinas. 2. Daí, sentido
figurado: discípulo. Sentido empregado também por Cícero, na
obra De finibus. – Fonte destas informações: Dicionário Escolar
Latino-Português. MEC, 1962.
Prosseguindo. O substantivo alumnus, alumni, por
sua vez, deriava do verbo alere (alo, -is, alui, altum ou alitum,
alere. – Informações citadas para quem sabe consultar verbo
em dicionário latino). Significados do verbo alere: 1.
Alimentar, nutrir (sentido próprio e figurado). (Cícero: obra De
Natura Deorum). 2. Daí: fazer crescer, desenvolver, animar,
fomentar (sentido próprio e figurado). (Cícero: obra
Catilinárias). – Fonte: a mesma acima citada.
Passemos, agora, à etimologia e aos significados
apresentados por outra fonte (HOUAISS, Antônio.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001). – Transcrição literal: ETIM lat. alumnus, i
'criança de peito, lactente, menino, aluno, discípulo', der. do v.
alere 'fazer aumentar, crescer, desenvolver, nutrir, alimentar,
criar, sustentar, produzir, fortalecer etc.'
Além dessas duas fontes, outros autores
(verdadeiras, legítimas autoridades em filologia, portanto em
etimologia) podem ser consultados, em seus respectivos
dicionários: AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA (Novo
Dicionário da Língua Portuguesa) e F. R. DOS SANTOS SARAIVA
(SARAIVA, F. R dos Santos. Novíssimo Dicionário Latino-
Português. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2000).
E então? Como pode alguém, de instrução
universitária, inventar que aluno é uma palavra formada pelo
prefixo a- (negação) e pelo elemento lun-, adulteração de
lumen, luminis (do latim: luz)? Em que o “inventor” dessa
falácia se baseou para proferir esse ensinamento errado e
absurdo?
É importante frisar que a idoneidade de informação
e ensinamento sobre etimologia é exclusiva das autoridades
no assunto, que são os filólogos, linguistas e demais
estudiosos congêneres. A verdadeira autoridade para esse fim
é dicionário, e não título universitário (de pedagogo, de
professor, de bacharel, dentre outros). Não vale, aqui, o
“argumento de autoridade” de profissionais, intelectuais ou
cientistas de outros campos do saber. Um pedagogo, ou
cientista da educação, por exemplo, por mais que seja versado
na ciência que ele pratica (a Pedagogia), não é autoridade
idônea para “ensinar” etimologia. Muito menos para “ensinar
errado”... Não é porque determinado professor é eminente
pedagogo, doutor em Pedagogia, autor de livros consagrados
no meio universitário, palestrante emérito, treinador de
professores, que ele pode arvorar-se em “autoridade”
em etimologia. Infelizmente, no caso da aberração aqui
tratada, é o que se vê por aí, até em universidades públicas
das capitais de estados brasileiros.
E o argumento de autoridade que esses “entendidos”
inspiram é tão forte, que professores e demais profissionais da
educação, de todos os níveis, adotam o conceito errado sobre
a etimologia e significado da palavra aluno (o sofisma “sem
luz”). Aqui em Uberaba, é sabido que alguns diretores de
escolas já ordenam, em suas “áreas de mando e de exercício
de poder”, que não se empregue a palavra “aluno”. E mais: até
professores universitários de Língua Portuguesa (isto mesmo:
de Língua Portuguesa!...) adotam e ensinam esse absurdo.
Isso, aqui mesmo, em Uberaba, em instituições de ensino
superior.
Como, em geral, as pessoas não gostam de
pesquisar, elas acreditam, piamente, em tudo o que uma
autoridade acadêmica ou intelectual profere. Principalmente
se essa autoridade for um autor de livro, ou um detentor de
título de pós-graduação, ou um “medalhão” do ensino. E
seguem, à risca, o argumento de autoridade: se o doutor
Fulano afirma isso, então é verdade!... E, com base na
“sabedoria” desse emérito doutor, essas pessoas pregam e
divulgam o conceito falso, o erro.
Lamentavelmente, esse disparate pode provocar os
seguintes questionamentos: como confiar na universidade?,
como confiar em professores universitários?, como confiar em
pedagogos que constroem ensinamentos ou teorias fundados
em erros, em conceitos falsos?, como confiar no que ouvimos
e “aprendemos” de professores de elevado conceito na
sociedade?, em quem devemos confiar?, qual a segurança
que a universidade inspira?
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NA TRANSCENDÊNCIA DO CONTO
Gessy Carísio de Paula*Cadeira 28 – ALTM - Araguari MG
Conta-se que, em recuada época da humanidade, um
determinado homem, preocupado com a finalidade de sua
existência na face do planeta Terra, indagava-se sobre a origem,
as diferenças e as múltiplas situações em que se debatia e
debate a humanidade. Era uma busca constante e sempre mais
inquiridora. De índole naturalmente pacífica, esse homem
resolveu se instruir. Em sua concepção, imaginava que através
do conhecimento das coisas, chegaria às respostas tão
desejadas. Dada à recuada época em que vivia, somente tinha
acesso a alguns pergaminhos e alfarrábios; no mais, buscava a
companhia de velhos sacerdotes e monges que o pudessem
instruir.
Aprendia um pouco de todas as ciências, física, química,
astronomia, matemática, astrologia e tanto se elevou nos
conhecimentos gerais que conseguia manipular com perfeição,
dentro da alquimia, os diversos elementos que compõem a
natureza, transformando-os em objetos e coisas de acordo com
as necessidades ou circunstâncias. Tornou-se um sábio
sacerdote, mas não um homem completamente feliz.
O que lhe faltava? As indagações continuavam, agora
sob um aspecto diferente. A sabedoria de todas as coisas não lhe
bastava à alma sensível e delicada.
Tornou-se professor no intuito de auxiliar jovens com
as mesmas ânsias; de uma forma ou outra ajudava a todos
quantos lhe buscavam a companhia e isto preencheu-lhe o vazio
íntimo. Os anos se passaram, os séculos se desdobraram e o
nosso bom homem se elevava mais e mais em Sabedoria e Amor,
as duas asas que nos conduzem à Deus.
***
Do outro lado do mundo, muitos séculos depois, vivia
uma sacerdotisa que tinha por única e exclusiva ocupação,
alfabetizar crianças. Fazia-o com o mais puro amor e dedicação,
pois almejava vê-las todas, cultas e sabedoras das grandes
verdades universais. Esmerava-se a tal ponto que nem as suas
maiores peraltices faziam-na alterar a doçura e a paciência de
que se revestia.
Certo dia, após o término da aula, começou a fazer
limpeza na sala antes ocupada pelas crianças, que a deixavam,
costumeiramente, em completa desordem. Envolta em
pensamentos de grande elevação, num fenômeno
singular e inexplicável, viu-se atraída pelo marulhar de águas e
qual não foi a sua surpresa, quanto notou o mar aproximando-
se, em leves vagas, trazendo em sua superfície vários objetos
caseiros, escrivaninha, cadeiras e outros móveis em estilo
antigo. Como tocado por suave música, vinha bailando sobre as
ondas do mar, um livro ricamente encadernado em azul com
bordas e letras douradas, cujo título ressaltava a seus olhos: O
LIVRO DA SABEDORIA E DO AMOR.
Estupefata, ela percebeu que estava submersa até a
cintura, flutuando tranqüilamente em meio aos objetos,
quando mãos invisíveis abriram o livro folheando-o
delicadamente. Deparou-se com a figura veneranda e serena de
um sacerdote que parecia olhá-la fixamente. Emocionou-se.
Abalada em seu íntimo, aconchegou ao coração
aquele livro que misteriosamente lhe infundia tanto respeito,
carinho e admiração, na figura austera daquele sacerdote.
Fechou os olhos e viajou no tempo-espaço por regiões
longínquas. Não pôde precisar quanto tempo durou aquele
enlevo. Percebeu que havia chegado a um palácio; pelas linhas
arquitetônicas, evidenciava ser o Oriente. Num amplo salão, foi
recebida por um jovem serviçal que avisou ao senhor que “ela”
havia chegado.
Adentrando-o, percebeu tratar-se do ancião que
figurava no livro e que ela ainda conservava de encontro ao
peito. A emoção lhe invadiu a alma e não pode dizer nenhuma
palavra, mesmo porque não havia necessidade, as grandes
almas se comunicam pelo pensamento.
- Parabéns, disse-lhe ele...
Ela agradeceu com o olhar e ele continuou:
- Você está disposta a me dar 4800?
Assustada, não respondeu. O momento era sublime
demais para se falar em cifras...
O jovem serviçal veio em auxílio e lhe explicou:
- O Mestre lhe pergunta se está disposta a permanecer
como livro por 4800 anos...
- Sim, foi a resposta firme, decidida e feliz!
HONRADA com tamanha confiança daquele sacerdote
para com ela, um Mestre que naturalmente era portador das
Virtudes Eternas que lhe ornavam o olhar e a alma, ela ainda
pôde indagar:
- Quem me fala desta maneira e me dá semelhante
tarefa?
- Sou o sacerdote que hoje completa os seus 4800 anos
como livro. Sigo para regiões mais altas, na continuidade da
evolução; você permanece em meu lugar, ensinando,
exemplificando, instruindo... ETERNAMENTE!!
E a sacerdotisa retornou à sua consciência, ao seu
lugar de origem, do outro lado do mundo, sabedora da
responsabilidade de que estava revestida: a de se instruir
sempre e de exemplificar somente o Bem e o Amor, já que sua
missão era alfabetizar e conscientizar crianças para um futuro
feliz e radioso entre todos.
Daquele dia em diante, a mestra passou a manusear os
livros com esmerado carinho, maior ainda do que até então
possuía. Olhava-os com tanta ternura, como se vida tivessem.
Quando seus alunos chegavam, ela estava sempre a esperá-los
com uma nova história para lhes contar, despertando neles a
ansiedade da busca e do aprendizado cada vez maior. Era uma
integração perfeita entre a mestra e os alunos que as horas que
compunham a jornada escolar escoavam-se tão rapidamente
que causava constrangimento as despedidas diárias. O
envolvimento estudantil tornou-se tão agradável e atraente que
as crianças, antes tão barulhentas e até, por assim dizer,
indisciplinadas, a ponto de jogar todo o lixo no chão, tornaram-
se silenciosas e interessadas em obedecer às mínimas
informações de comportamento que a professora lhes passava.
A sala de aulas agora era um reduto do mais
harmonioso ambiente de trabalho e aprendizado para a vida.
Saíam para o pátio a observar, nas aulas de ciências, o meio-
ambiente: as árvores, os pequenos animais, os ninhos de
passarinhos com os filhotes, as flores tão coloridas brotando no
campo, o marulhar das águas pelo riacho, o cantar dos pássaros,
enfim essa natureza maravilhosa que passa despercebida para
grande número de pessoas, preocupadas com a própria
sobrevivência; a professora ensinava-lhes pequenos poemas,
falando da beleza da criação de Deus, começando por nós
mesmos, humanas criaturas dotadas de dons maravilhosos que
precisam ser cultivados, não só pela capacidade de sermos
“artistas” da música ou da pintura, mas cultivar as virtudes
eternas e a alegria de sermos úteis aos semelhantes, atitudes
que nos levam à harmonia íntima, como o exemplo do monge,
no começo dessa história.
Ensinava-lhes que, a partir de nós mesmos, somos
autores da nossa alegria e felicidade, como também de nossa
angústia e sofrimento, obedecendo a uma lei superior e divina,
de ação e reação.
Enfim, em todos os acontecimentos diários, a mestra
recolhia lições a serem ministradas aos alunos cada vez mais
interessados em aprender, e ela sentiu-se tão plenamente
realizada que compreendeu a alegoria de seu mestre,
convidando-a para ser um LIVRO, por 4.800 anos...
***
Na transcendência do conto, a mística certeza de que
podemos ser, realmente, LIVROS, escrevendo, no dia-a-dia das
nossas existências, as páginas da nossa vida, firmando em cada
uma delas verdadeiras estórias de Amor, renúncia e dedicação,
ou trágicas situações de sofrimento, desespero e Dor.
P.S. Por acreditar na força do livro, no encantamento da
leitura e de toda a maravilhosa onda de ternura contida nas
histórias dos “bons” livros, é que escrevi este conto, mística e
sonhadoramente.
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PALAVRAS GRAFADAS NA TERRAA COZINHA BRASILEIRA
O livro Geografia da Palavra, de Jorge Alberto
Nabut é um trabalho providencial que une e
permeia as gerações que fizeram de Uberaba
a referência de sua própria vida. É um
reencontro daqueles que ficaram com aqueles que se foram,
mas deixaram o seu coração plantado nas tantas ruas e
caminhos que pré-definiram os nossos destinos. Lendo o livro
encontrei-me no conteúdo das suas tantas páginas que nos
aproximam da manga na beira da árvore, e do sabor juvenil do
seu gosto de pecado. Laranja Partida Em Quatro é da mesma
forma a sensação de retirar os gomos dos nossos pecadilhos da
vida adolescente, e quando fala das Sabinas, o que me vem à
lembrança, eu não sei exatamente porque, com certeza não é
por causa do conde D'Eu, mas a percepção gloriosa das tantas
mangas que buscava-nos tantos quintais dos caminhos do São
Benedito ou da Abadia. Eu tive a oportunidade, lendo este
documento de força recorrente, de ver-me a partir da sua
própria narrativa, de encontrar-me no internato em Araxá, no
colégio Dom Bosco, onde terminei meu ginásio e publiquei, em
2008, no Jornal de Araxá uma grande crônica sobre ele e o
Ateneu, mundos que não saíram de mim e que, com certeza,
está todo ele dentro da Geografia da Palavra. É uma beleza
quando o livro vai de Avana Vela, De Rapina, para os trágicos
urubus negros "de andar arqueado sobre a terra”, abutres que
nos espiam como alimentos que podem sobrar dessa grande
aventura humana, em que o autor é protagonista. Seu livro
trouxe-me lembranças profundas do meu professor Pepão,
levando-me a Peirópolis de trem de ferro (Maria Fumaça) para,
na minha primeira pesquisa de campo, encontrar pedaços de
dinossauro, os mesmo que eu via em frente ao grande hotel do
Araxá, e me assombravam como se fossem deles a fonte da água
sulfurosa. Ah!, que pânico tomar o dinossauro feito em água.
Seu livro quebra o português tradicional com uma linguagem
Aurélio Wander BastosProfessor Titular da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro
Jorge Alberto NabutVice-Presidente ALTM - Cadeira número 6
que vai mostrando um outro mundo, de outros objetivos e
outras falas, como aquelas de O Circo, do palhaço ou do
equilibrista, do domador ou do malabarista, ou do engolidor de
espadas; mundos que sumiram, alegrias que se perderam, mas
que o livro recupera em o Globo da Morte, que agora há pouco
tempo voltei a ver com meu pequeno filho David.
Não sei se faço um comentário enorme sobre este belo livro,
mas eu não posso deixar de ver o Sertão Da Farinha Podre e
Dona Bêja, representada pela Maitê Proença, disparada nua
sobre um cavalo alado na beleza das terras do Barreiro. Sempre-
viva as flores, mas não vou de mortas esperanças, exatamente
por causa dos amigos, que pela manhã têm água, sal e cal,
tempero que se não é vinho, é o sândalo, como dizia minha mãe,
Stella Chaves; seja como o sândalo que perfuma ou o machado
que fere - não se esqueça que o meu pai era Machado. Que
Uberaba leve ??? este livro restaurador, porque reencontrá-lo
nessa Via Láctea da sua estrada, tão bem traduzida no seu
poema, "que fecunda os corpos" senão siderais, jogando em
nossas cabeças o sêmen da ilusão que não queremos que morra.
Kronos, que beleza!. Você não foi pela mitologia, mas pela soca
dos nossos sertões, pelo pilão dos nossos sofrimentos. Contem-
se os nossos anos pelas crônicas do livro. Lá se vão os anos, mas
eu estou aqui escrevendo como Saramago, apenas ansioso de
que a vida não tenha vírgulas nem parágrafos, mas que ela seja
um longo texto sem fim. Geografia da Palavra, na verdade, é o
nome do mundo que está dentro de nós, o mundo de Uberaba,
universal nas nossas lembranças e definitivo em nossas ilusões.
Um grande abraço, mas antes que o desespero atole sobre nós,
esqueço a lama, Senhora do Desterro ora pro nobis.
Rio de Janeiro, 7 de maio de 2011
A tradição da casa brasileira remete ao quintal,
nem sempre largo, mas fundo, misto de jardim e Echácara, onde mangueiras e abacateiros
manchavam o chão de sombra e umidade.
Virada para o quintal – fazenda hipotética – a cozinha
enfumaçada, impregnada de fuligem e picumãs pendurados no
forro de ripas trançadas em losangos.
Pegado a ela, o banheiro, cimentado, com bacia
encostada à parede à qual se juntavam balde d'água e caneca
pro banho que podia ser quente quando havia serpentina que
passando pela boca do fogão, conduzia água pelando ao
chuveiro, se era hora do almoço. Um vitrô, pequeno,
economizava a luz natural.
O fogão à lenha, rodeado de negras à volta com panelas
de ferro, achas de lenha molhada na chuva, os gravetos
estalando no fogo intenso, a fumaça a anunciar a atividade
gastronômica, o pesado caldeirão com água fervendo, calor
abafado a defumar as carnes dependuradas, conversa afiada da
criadagem, robustos tachos de cobre areados para se fazer o
doce de goiaba, de manga, de leite, falas alegres dos filhos à
mesa, brasa que nunca se apagava, mesmo adormecida
sob a camada de cinza, deixando quentinho o forno, onde se
assavam as quitandas, e no qual os gatos buscavam calor em
noites de frio...
A evocação dessas imagens nos devolve à cozinha
brasileira, anterior à vinda do fogão a gás, do liquidificador e da
geladeira. Cozinha que tinha então 450 anos de fogo alto,
brando ou baixo, graças aos braços e fôlego forte das cozinheiras
que transformavam lenha, água, fogo, carne e grãos em
alimento da vida. Tempo em que elas mesmas tinham de matar,
sapecar e limpar capados, fazer lingüiça, pegar e depenar ariscas
galinhas, colher ovos nos ninhos perdidos em moitas no
quintal...
Naquele tempo pouca coisa vinha pronta da venda.
Quase tudo tinha de ser feito em casa, pela criadagem, sob olhar
severo das patroas.
E a cozinha foi, por séculos, o registro de um Brasil
imutável e sofrido, embora saboroso.
Setembro 2007
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MÃE MERECE VERSOS
Vilma Terezinha Cunha DuarteCadeira 13 – Araxá MG
A MÃE... É SER
Jvilma Terezinha Cunha DuarteCadeira 13 – Araxá MG
ueria falar de mãe de um jeito diferente.
Sobrou pouco para os enfeites do seu dia Qoficial. Quem sabe, enveredo-me pelo
caminho do sentir.
Mãe é caso sério e extraordinário! Mulher fazendo amor em
estado de poesia e parindo gente em versos de compor o
poema de existir.
Posso sentir tal milagre à flor da pele, mesmo sem ter tido
colo e filhos. A minha encantou-se, deixando-me nenenzinha.
Todo dia, rezo agradecendo-lhe o capricho que me deu no
coração. Tanto e tão bonito que posso gerar nele as minhas
crias literárias, amar sem medição e ser mãezona de tanta
gente, quantas vezes precisar.
Mãe é um coração com útero... braços... mãos... seios...farol...
Mãe é o puro e imenso amor. E como eu entendo de amor!
Maravilha-me o fruir constante que impulsiona a geratriz
defender os filhotes como uma leoa, engolir as frustrações da
vanglória do filho perfeito com um sorriso de mãe na boca de
palavras escolhidas, perdoar setenta vezes sete, e corujar o
rebento que trouxe à luz.
Mãe é abraço apertado na generosidade. Aconchega suave,
cúmplice, protetora e fiel.
Mãe é escola de formar pessoas. Mestra, por intuição, ensina
paciente os caminhos de chegar e ficar no caminho certo.
Mãe é muito da felicidade procurada. Põe a mesa, lava, passa,
a as cobertas e ainda canta.
Mãe é o tempo, que o relógio não sabe marcar.
Cheirando leite, talco, cebola, amor, amontoa os dias no seu
calendário especial.
Mãe é auto-suficiência na cabeça de quem vive ao seu redor.
Onde já se viu mãe não ter saída ou solução para qualquer
problema.
Mãe é o trabalho que ninguém pode. De sol a sol com extras
em casa e na rua.
Mãe é o melhor do saudosismo que filho tem pra contar.
“Minha mãe fazia assim, ensinou-me assim, me deu isso
assim-assim, amou-me assim”.
Mãe é colo de rio manso que leva a gente nos braços, até a
margem segura.
Mãe é primavera de colorir jardins secos das sementes mal
plantadas.
Mãe é luar nas noites escuras de iluminar aonde ir.
Mãe é chuva que lava a alma suja de mundo, e arco-íris a
pintar amanhãs com poesia.
Mãe é cerzideira da noite, emendando estrelas no cortinado
de proteger o mundo.
Mãe é alvorada de novas esperanças e promessa de outro dia
mais bonito.
A Mãe... é ser.
Coroo-te com linda tiara de estrelas
“Mulher-Mãe” que cintilas nos olhos
A Poesia do Maior Amor do Mundo.
Afago-te carinhosa o teu colo prenhe
Que multiplica amor milagrosamente
Em vida para seres escolhidos da luz.
Benzo a tua boca de palavras santas
Que nascem no teu coração amoroso
Jorrando mananciais de exemplo e fé.
Aperto-te forte as mãos trabalhadeiras
Que fazem e ensinam o ofício de viver
Embalando nos braços a bravura tanta.
Reconheço-te mulher nas lutadas lutas
De cama, mesa, berço e as além-lares
Com a tal força imensa de seres assim.
Escrevo-te aqui, suave e doce honraria
Que meu coração parceiro bateu de cor
Em ritmados compassos de amor irmão!
ABACATES NO CAIXOTE
Vicente Humberto LoboUberaba MG
4140
Abacatem-se abacates no quintal ao lado.
Furto com os olhos os frutos no chão.
Cabeças na inquisição.
Cabe Sade no verso,
Boto Baco no verso
Até que não caibam.
Até que não brotem
Abacates no caixote.
Tudo depois é depois.
E, depois, quem depôs a favor
dispõe de abacates, caixotes e provas.
Do fruto do furto,
Frui o lucro
No lusco-fusco:
Frufru manera.
Monera.
Cadê Sade no verso.
Bah! Baco no fogo
Até que não caibam,
Até que não brotem
De novo
Abacates no caixote.
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AUTÓPSIA
Vicente Humberto LoboUberaba MG
ma dose de cianureto com cinzano:
- Ei, você! onde mora o silêncio U que os homens dizem poesia?
Engano a rima inspirada
Entre o Q e o telhado cusbista.
Passistas saltitando como bolhas
No over-flow da apatia,
Essa doce obsessão.
O esqueleto de Losca na sala de anatomia
Ezra Pound recolhido na "Garilla Cage",
Blasfêmias escandalosas de Baudelaire
Nos corredores religiosos do Institute Saint-Jean
et Saint Elizabeth.
Brecht exilado na floresta escura da mãe pálida Alemanha,
O corvo de Allan Poe, atração indizível do zoo,
Whitman flertando com rapazolas no bosque,
Maiakóvski acaricia o revólver enquanto pensa em Kant.
A cabeça de João Batista, da bandeja escuta.
Guarde a vanguarda pra depois de amanhã.
Guarde a vanguarda pra depois de amanhã.
Sair de guarda-chuva?
Vã esperança!
Só dá óculos ray-ban.
Ah! se tudo fosse tão belo,
Se tudo fosse tão belo
feito o castelo de Greyskull,
A equação de La Place,
A leminiscata de Bernolli,
O caracol de Pascal!
Acima do bom e do mal,
O juiz homologa a sentença,
O legista assina a autópsia:
Todos os poetas têm seu anjo,
Todos os poetas têm seu anjo.
Uns Honathan,
Outros Lúcifer.
Todos os poetas têm seu anjo,
E esse nó na garganta é fatal.
Guarde a vanguarda pra depois de amanhã:
Tempo nublado sujeito a chuvas e trovoadas.
ACONTECEU COMIGO
João Eurípedes Sabino(*)Cadeira número 32 – Uberaba MG
4342
Terra já possuía cerca de 4 bilhões de seres
humanos e o Brasil 80 milhões, quando me dei Aconta que de certo modo, eu estava perdido
naquela multidão.
Era a década de setenta.
À maneira do que ocorre com muitos, eu também me
indagava:
Quem sou? Onde estou? Para onde deverei seguir? Por
que me sentia feliz ou infeliz? Eram perguntas que ficavam sem
respostas.
No auge da juventude tudo parece passar mais
depressa, já que as energias se renovam rapidamente e o jovem
segue, batendo aqui e apanhando ali...
Com pouco mais de 20 anos me adverti um dia: Deve
existir uma forma diferente de sentir e conceber a vida. A
repetição do que sempre via não me levava a nada e pelo visto,
ao chegar no fim da vida teria a sensação de nada ter feito. Isso
me provocava um vazio sem limites.
Nada tirava-me a determinação de que aproveitar a vida
é uma lei e desperdiçá-la, o maior dos contra-sensos. Conheci
então a Logosofia. Entendi que o querer
é um poder quando esse querer vem das nossas
profundezas. Aliando-o ao gosto pelo que se faz, não há outro
desfecho: Um ser melhor vai se apresentando a si mesmo.
Sensação agradabilíssima!
Aconteceu comigo. Todos os campos de minha vida,
então estagnados, foram se perfilando para dar-me outra
configuração. O temor (mais avantajado deles) foi-se, e veio o
valor. Nessa terraplenagem, lembro-me; nasceu o saber
substituindo ao crer, o conceito ao preconceito, o pensar ao
imaginar, o sentimento ao sentimentalismo, a compreensão à
compaixão, etc. O nascer, dormir, sonhar, morrer e renascer
hoje compreendo melhor. Um processo lógico de vida passei a
experimentar.
Por que os bilhões de semelhantes de hoje não
vislumbram o mesmo horizonte? É que cada um tem o seu livre
arbítrio. Uns preferem orientar-se pelos claros dos relâmpagos,
enquanto que outros optam pela lanterna de luz contínua. Eis aí
o diferencial entre a ignorância e o conhecimento.
Uns conseguem tudo o que quer e outros (às vezes
irmãos consanguíneos) quase nada. Por quê? Sorte? Azar?
Perseguição do Criador? É muito pouco pensar que nesse
inexorável processo universal com dimensões inabarcáveis, a
sorte, o azar ou a perseguição seriam caprichos de Deus.
Felizmente superei a fase em que pensava assim.
As verdades transcendentes para ser conhecidas
carecem de: humildade, empenho e tato; e as próprias, não
fugiriam à regra. Saber as razões de merecer um destino melhor
ou pior não é para qualquer um. Nem para o próprio “sortudo”
ou o desgraçado.
Tudo decorre do merecimento e o mal é acharmos que
alguns dias ou anos fazendo o papel de bonzinhos já nos faz
merecedores de privilégios diferenciados. Séculos ou milênios
podem não ser suficientes.
Para pessoas diferentes; espíritos diferentes e heranças
idem. Daí, vidas diferenciadas até para gêmeos univitelinos.
Uma mesma cor, nunca é vista por duas pessoas com a mesma
intensidade. Assim são as oportunidades. Um pode aproveitá-
las e o outro perdê-las.
De todo esse contexto, asseguro: Consegui mudar o
curso de minha própria vida e todos podem fazer o mesmo.
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
NUVEM DE MOSQUITOS
João Eurípedes Sabino(*)Cadeira número 32 – Uberaba
uma roda de uberabenses no calçadão da rua
Artur Machado, na última semana, o assunto Nque rolava não era nada agradável. Falavam
sobre alguns crimes (famosos) aqui ocorridos e que os culpados
jamais foram descobertos.
Comparando-os a um grupo de mestres, pareciam
filósofos a expressar suas teses, que na frente desaguavam na
famosa frase: O que é malfeito sobre a Terra um dia será
descoberto.
Lembrei-me em seguida de um homicídio ocorrido aqui
nessas bandas quando o carro de boi dava as cartas. Fazendeiro
“forte”, mantendo um romance oculto com a mulher do
empregado, cismou de dar um fim ao inocente para poder
“navegar” tranquilo na cozinha alheia. A coisa havia sido
descoberta e, sabendo que dor de marido traído dói a vida
inteira mais seis meses, o mais fácil era matar quem nada devia.
Jagunço contratado, preço e local da morte combinados,
o patrão arrumou um roçado numa vargem distante para ser
feito e mandou para lá o empregado. Ia cedo e voltava com o sol
descendo no poente.
No terceiro dia de trabalho chega por lá o algoz que, para
surpresa da vítima, era seu amigo. Depois de hora conversando,
beberam água na mesma vasilha, baforaram juntos uma palheta
e aí vem a surpresa: - Clemente, estou aqui para lhe matar.
Fulano de tal empreitou-me para isso e sua hora chegou.
- O que é isso Tavares! Eu tenho filhos pra criar..., esposa
pra cuidar... Não faça isso! Disse o indefeso homem.
Depois de súplicas e mais súplicas em nome de Deus,
beijos nos pés do matador sem a mínima chance, afloraram
daquela alma pura estas palavras: Você fazendo isso comigo,
quando descobrirem, não terá mais sossego e pagará na prisão.
Deixa disso... Ora, disse o assassino, quem irá descobrir se por
aqui não há ninguém? O pistoleiro estava aflito para terminar o
serviço e acrescentou: Vou lhe enterrar aqui mesmo junto ao
tronco dessa árvore tamboril.
Olhando para o firmamento, com lágrimas por toda a
face, Clemente pediu um minuto apenas para mostrar algo ao
seu assassino: Esta nuvem de mosquitos pólvora que está sobre
nossas cabeças será a testemunha. Abriu a camisa e ordenou:
Atire! Trinta e oito descarregado, enterro feito ali mesmo e
começa correr o tempo. Ninguém jamais teve a menor pista
sobre o sumiço de Clemente.
Trinta anos depois num domingo de calor, Tavares (o
jagunço) deitado sobre o colo da mulher na varanda de sua casa,
eis que de repente uma nuvem quase imperceptível de
mosquitos pólvora começa a sobrevoar os dois. Mal estar,
prurido, inquietação tudo enfim atacou o então homem do
gatilho.
Levantou-se, andou, bebeu água, assentou e causou
espanto na mulher. A uma pergunta dela ele respondeu: - Por
toda a vida ocultei um segredo de você. Eu matei Clemente.
Esses mosquitos parecem até que estavam no dia em que lhe
tirei a vida. A esposa nada sabia, mas dali pra frente o mundo
inteiro ficou sabendo, inclusive o nome do mandante.
Deus coloca ou não uma testemunha na hora do crime?
(*) − PRESIDENTE DO FÓRUM PERMANENTE DOS
ARTICULISTAS DE UBERABA E REGIÃO.
VOCÊ ME EXPLICA?
João Eurípedes Sabino(*)Cadeira número 32 – Uberaba MG
4544
m menino com idade próxima aos oito anos no
colo do avô, após afagar aqueles cabelos Uprateados pelo tempo, indaga ao seu segundo
herói:
- Vovô sempre ouvi de você que a vida nunca foi fácil,
seus dias foram de luta. Você veio do nada? Como é que é isso?
Você me explica?
- Meu querido neto; explicar-lhe oitenta anos em alguns
minutos é difícil, mas o vovô vai tentar. Esse “nada”, era a falta de
oportunidades em todos os sentidos naqueles tempos.
Reinava por toda parte a escassez de trabalho a não ser
para usar a força e o vovô sempre achou que tinha algum
talento. Algo me palpitava dentro: o dia que eu tiver a
oportunidade para mudar os rumos de onde eu venho,
certamente mudarei o meu destino. E mudei. Ser seu avô é uma
amostra disso.
- Vovô, interpela o neto. Conte-me alguma coisa sobre o
que você fez para chegar até aqui.
- Meu neto; sem eu mesmo saber, parece que havia uma
imantação natural e apesar das dificuldades, duas coisas sempre
fiz: 1ª) – Desde menino procurei pessoas boas para ser meus
amigos. 2ª) – Na maioria dos casos essas pessoas tinham mais
idades do que eu.
- E o que você via nessas duas coisas?
- É fácil descrever, disse o avô. Dos bons extrai-se ou
ganha-se só bondade. Nos mais velhos há mais experiência e se
são seus amigos, vão passá-las a você certamente. Fazendo por
merecer, pode-se aliar a bondade vinda de uns com a
experiência de outros. Se tudo vier de uma única pessoa, ótimo.
A afinidade nas idéias e sentimentos geram e fomentam a
verdadeira amizade.
É isso aí meu neto.
- Vovô, e por que você agradece e fala tanto sobre
aqueles que o ajudaram lá ... atrás?
- É um sinal de gratidão e aí aprendi que quanto mais
gratos somos, mais merecedores nos tornamos. Ainda faço isso
todos os dias. Veja numa casa, dois irmãos; um grato e o outro
ingrato. Compare a vida de ambos e verá que o segundo só
reclama e fica à espera de bons resultados. O primeiro trabalha e
vai somando conquistas e mais conquistas. Depois dizem que
ele (o grato) é de sorte.
- E o destino querido velho?
Beijando aquela face rosada o “vozão” com voz
arranhada emendou algo muito seu: -
Antes eu achava que o destino era escrito na pedra,
entalhado como escultura. Com o tempo fui vendo-o como se
fosse escrito a tinta numa folha de papel. Depois clareou-me a
vista e enxerguei que a escrita era a lápis. Usando uma borracha
apaguei uns trechos e escrevi outros.
“A vida comparada a um livro, é escrita com as
oportunidades que aproveitamos ou perdemos. Deus não é pai
para uns e padrasto para outros. Quando temos propósito de
bem, as Leis Superiores se perfilam para nos ajudar e esse foi o
meu caso.” Falou aquele avô como se estivesse pintando um
belo quadro ao neto.
Vô; eu não sei muito e nem entendi bem o que você
disse, mas de tudo isso posso lhe pedir uma coisa?
- Até duas “netão”.
- Posso seguir o seu exemplo?
(*) − PRESIDENTE DO FÓRUM PERMANENTE DOS
ARTICULISTAS DE UBERABA E REGIÃO.
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ESCALA CURTA
Antônio Pereira da SilvaCadeira número 8 - Uberlândia MG
uando criança, a mãe dizia:Q- Este menino vai cantar que nem o Orlando Silva!
O pai não gostava. Cantor, jogador de futebol e bicheiro eram
gente sem vergonha e sem futuro. Malandros. Mas a voz era tão
bonitinha que a mãe começou a ensinar-lhe velhas canções
do seu tempo de moça que a rapaziada seresteira cantava à sua
janela. Dizia que as músicas antigas eram mais românticas.
Ele era bom mesmo era nas musiquinhas de roda: O Cravo
Brigou com a Rosa, Garibáldi foi à Missa, Terezinha de Jesus. A
professora do primário, que era pianista e dava aulas
particulares à noite, gabava-lhe as qualidades vocais:
bom de ritmo, bom de afinação e bom de timbre. Era tão
sensível, dizia a mestra, que, quando cantava O Cravo Brigou
com a Rosa, dava uma vontade louca na gente de chorar.
- Onde já se viu isso? - O pai abusava - Ora...
E completava:
- Vai estudar contabilidade!
O menino não falava nada. No fundo queria mesmo era cantar.
Nem tanto ser cantor, mas cantar, cantar. Alegrar e entristecer os
admiradores; transmitir-lhes, com a manipulação inteligente da
voz, todo o peso emocional das canções que cantasse. Por isso,
vivia cantando: no banheiro, ao fazer os deveres escolares, ao
brincar, ao trepar nas árvores. Em qualquer situação.
Onde estivesse que alguém lhe pedisse - cante alguma coisa! -
não precisava pedir de novo, com ou sem acompanhamento
soltava o trino privilegiado. Acabou mais conhecido na cidade
que todos os cantores de rádio e disco. Cantava tudo que
estivesse em sucesso, ou não, desde que fosse música
bonita. Veio a mudança das penas e o frango não conseguiu virar
galo. Claro que continuou com timbre, ritmo, afinação,
adequação às emoções, mas perdeu agudos e graves. Ficou com
uma escalinha assim, ó. Aquelas canções seresteiras que
exigiam um certo malabarismo, mergulhos profundos e vôos
percucientes, foram, devagarinho sumindo do seu repertório.
Não que quisesse. Mas, como fazer? Alguém pedia-lhe - cante aí
A Deusa da Minha Rua. Pigarreava, dava o tom ao violonista,
porque sempre há por perto de cantores algum tocador de
violão, e começava animado: "A deu..." já na segunda nota,
grave, a voz saía arrastando no fundo raso da sua escala. Ia em
frente: "A deusa da minha rua..." O agudo do "nha" também não
saía. Vinha num sofrido falsete. Afinado, mas doloroso. Os
ouvintes se encolhiam medrosos de que as cordas vocais do
moço estalassem, tanto as espremia. Era-lhe um sofrimento
humilhante. Tanto queria cantar. Foi reconhecendo suas
deficiências e afastando-se amargurado das atividades
musicais. Continuavam a dizer-lhe que tinha bela voz, mas ele
sabia que não conseguiria cantar as músicas mais difíceis.
Evitava festas, encontros culturais, qualquer evento ou reunião
onde houvesse música. Disseram-lhe: isso é falta de um
aquecimento. Passou a tomar uns goles e a arriscar. O máximo
que conseguiu foi clarear um pouquinho a voz já de natureza
muito límpida. Acrescentaram: falta sereno. Passou a sair pelas
madrugadas acompanhando boêmios e arriscando algum
canto, de vez em quando. Não valeu de nada. Ficou muito pálido
porque não tomava sol e alguns amigos preveniram-lhe:
Cuidado! Você acaba tuberculoso. Parou de se enfiar pelas
noites. Exercício, o negócio é exercício, aconselharam. Começou
a fazer escalas: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, do!
- Mas... só de dó a dó?
- Bom, às vezes eu consigo de dó a dó. O normal é de dó a sol...
Falta amor, paixão. Começou a gostar da filha do conferente,
uma menina muito mais enjoada que bonita. Isso, no entanto,
explicaram-lhe, fazia parte do jogo afetivo. Quando mais difícil
conquistar um amor, maior a paixão, maior a possibilidade de
adequar a canção à vida. No entanto, tanto desdém,
tanto desinteresse por parte da moça e tão sufocado ficou de
anseios que o amor acabou por inibir-lhe o canto: eram duas
notas sofridas e o pranto despejava-se-lhe pelos cantos dos
olhos. Voltou a beber, a perambular pelas madrugadas, cada dia
mais pálido, tossindo. Os amigos comentaram: já deve estar
tuberculoso. Não estava. Enfim, esqueceu a menina e voltou à
vida normal. Os bons companheiros ainda tentaram recuperá-
lo: falta romantismo. Sentimento. Começou a fazer sonetos,
mas achou que aquilo era muito comprido e tinha rimas demais.
Optou pelas quadrinhas porém com rimas apenas do segundo
com o quarto verso. Coisinhas assim: "Ai que eu morro de
amores / e ninguém me quer amar / Sou como um cantor
frustrado / que não consegue cantar." - o que tinha algum
4746
sentido. Lia Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Castro Alves.
Gostava mais do segundo por sua profunda tristeza - uma
fatalidade que parecia coincidir com a sua impossibilidade de
cantar. Entrou em fase de ostracismo interno e externo.
Ninguém o convidava mais para cantar e nem ele queria. Nas
últimas tentativas notou que havia gente rindo das suas
dificuldades. Desistiu de vez e, como ainda era jovem, entrou
para a escola de contabilidade.
- Enfim, pôs a cabeça no lugar!
A mãe fez um muxoxo de desaprovação conformada.
- É... já que ele não quer mais cantar... Para não sofrer, o nosso
herói deixou de ouvir rádio, disco, e de assistir televisão.
Um dia, a fatalidade: casualmente ouviu uma música moderna,
de grande sucesso, e ficou ansiado sem saber se se afastava ou
se continuava a ouvir. Como o estilo do cantor era-lhe
desconhecido e muito estranho, deixou escoar a canção.
- Que música é essa? - perguntou.
- É rap, é o Gabriel, é o sucesso!
- Quem é esse Gabriel?
- O cantor.
- Mas ele não tá cantando... tá conversando...
- Tá, sim. Rap se canta assim - uma fala rebelde, cheia de
verdades, de críticas... agressiva... irônica... Cabia de dó a sol.
Era a sua oportunidade. Correu pra casa e abraçou a mãe. O pai
olhou desconfiado. - Não vou estudar mais, mãe. Vou ser cantor
de rap.
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DUAS COLETÂNEAS DE PRETENSOS POEMAS
Guido BilharinhoCadeira 40 - Uberaba MG
conceituação de poesia, por natureza, definição
e finalidade, não se compadece com o Aentendimento, tão generalizado quão
apressado e desfundamentado, de que tudo que não seja prosa
utilitária (ensaio, artigo, reportagem, etc.) e narrativa ficcional
seria poesia. Assim, qualquer texto fora desses parâmetros,
porém descritivo, confessional, elucubrativo e até piadístico
(lembre-se de Osvald de Andrade), seria poesia.
Acontece que não é. As diferenças são inúmeras. A
começar por uma das mais importantes e que, juntamente com
falsa percepção, consiste na dispensa do esforço e da
informação estética.
É fácil ou pelo menos exige menos trabalho, dedilhar
impressões, sentimentos, emoções, descrições e concepções
em prosa e fazê-la passar por poesia. Que não é.
Há, no caso, de se diferençar prosa, texto, crônica e
poema.
A começar por se situar que não se pode confundir a
prosa ou o texto impregnado de lirismo e sensibilidade
perceptiva e elaborativa com poesia e com poema, tradução em
palavras da poesia. Em geral não se faz isso quando se trata da
ficção imbuída dessas características, a exemplo do romance
Iracema (1865), de José de Alencar, ou da novela Buriti (de
Corpo de Baile, 1956), de João Guimarães Rosa.
Contudo, quando a prosa ou o texto sejam líricos e
elaborados pelo autor com intenção (ou pretensão) de estar
fazendo poesia, aí, então, lavra a confusão, ditada tanto pela
desinformação como pela tendência generalizada do mínimo
esforço, no caso, tanto do autor quanto do leitor e do crítico.
É muito mais fácil, repita-se, elaborar, ler e entender
prosa e texto do que poesia.
Antes de se analisar duas coletâneas de textos – com um
ou outro possível, desgarrado e, portanto isolado, poema – é
indispensável conceituar o que sejam prosa e poema.
Existem, como já escrevemos alhures em “Poesia e
Prosa/Poema e Texto” (Dimensão – Revista Internacional de
Poesia, ano XI, nº21, Uberaba, 1991), diversos tipos ou
categorias prosísticas (não literária, literária e, nesta,
principalmente, a prosa de ficção, a crônica e o texto). A ficção é
de fácil entendimento, o mesmo não acontecendo com a
crônica e, notadamente, com o texto, ambos muitas vezes,
principalmente este, confundidos com o poema.
Por isso, se afirmava então e se reafirma agora, que “na
verdade, o texto constitui gênero intermediário entre a crônica
e o poema. Contudo, é mais do que aquela e menos do que este.
É mais sutil, elíptico e elaborado do que a crônica e menos que o
poema. É prosa. Não é poesia. A distinção básica é questão de
grau de operacionalidade (de elaboração), de pesquisa e
resultado alcançado. O poema não se comparece com a
discursividade da prosa porque, então, configuraria esta e não
aquele. O texto, mesmo o mais elaborado, ainda é
discursividade da prosa porque, então, configuraria esta e não
aquele. O texto, mesmo o mais elaborado, ainda é discursivo e,
portanto, prosa.
Por sua vez, o poema (para sê-lo verdadeiramente),
além de nuclear a palavra, é e deve ser elíptico, elaborado (com
rigor), contido, sutil e, já em grau de inventividade, constituir-se
em pesquisa de linguagem, em criação e instauração de novas
linguagens. É infenso à descrição e à discursividade e refratário a
qualquer narração e linearidade.
A distinção entre poema e prosa (crônica ou texto) se
faz, assim, norteada por esses elementos orientadores e
diferenciais. A simples vista da obra distinguem-se, pois, prosa
de ´poesia, poema de texto ou crônica. Mas, a distinção entre
estes últimos já exige leitura, visto que ambos, como prosa, são
discursivos, embora devessem, principalmente o texto, sê-lo
menos do que o normalmente ocorrente.Inúmeras obras em
prosa (crônica, texto ou mesmo simples narrativa) têm passado
por poesia, têm sido denominadas poemas e assim
consideradas, a começar principal e justamente por seus
autores, a partir da incompreensão do conceito de poesia e
desatenção aos traços (conquanto nítidos) distintivos
4948
apontados. Engano que é reforçado, aprofundado e ampliado
pela circunstância de, nesse caso, se colocar a prosa em forma
de verso, como se tudo que estiver nessa forma constituir, só por
isso, poesia. Não constitui, porém. A maneira de se distribuir ou
localizar as palavras no espaço não é o que determina o gênero,
O que o faz é o tratamento dado ás palavras. É algo intrínseco a
elas e a seu relacionamento, a partir de sua escolha ou seleção.
Não há, pois, dificuldade em se distinguir crônica, texto e
poema, desde que se tenha consciência ou conhecimento dos
elementos intrínsecos de cada um deles.”
*A aplicação desse entendimento na prática permite
detectar o que é e o que não é poesia, mas, texto, crônica ou
simplesmente prosa, literária e, muitas vezes, nem isso. Neste
caso, por exemplo, a conhecida afirmação de Fernando Pessoa
de que “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. /Todos os
meus conhecidos têm sido campeões em tudo” (Poema em
Linha Reta, de Ficções do Interlúdio) não passa de prosa e banal.
Os Poemas Traduzidos, de Manuel Bandeira (4ª ed.,
Rio de Janeiro, livraria José Olímpio editora, 1976), pouco
(quase nada) tem de poesia e poema, constituindo as obras
publicadas ora textos, ora crônicas, ora simplesmente prosa, no
mais das vezes ruim.
A maioria absoluta das composições coletadas (teriam
sido “selecionadas”) por Bandeira carece totalmente de
elaboração poética, de sofisticação e criatividade,
perambulando pela larga via do facilitário prosístico, que
permite extravasamentos emocionais, descrições casuais,
narrativas fáticas e excursões mentais genéricas, algumas até
infantiloides, tais sua ingenuidade conceptual e primariedade
formal.
Inumeráveis nessa coletânea as obras de concepção e
realização pueris, entre os quais, por exemplo, Paz, de Dirk
Rafaelsz Camphuysen (“Muita luta aqui lutareis, / Muita cruz e
dor sofrereis”, p. 23); Soneto Para Sacha, de Fredy Blank
(“Precisava de irmão a princesinha. / Deus o queria assim, era o
destino”, p. 24); Um Poema, de Heine “Vem, linda
peixeirinha,/Trégua aos anzóis e aos remos. / Senta-te aqui
comigo, / Mãos dadas conversemos”, p. 26); Acalanto, de
Elisabeth Bishop (“Nana nana. / Nana, dorme o adulto / E a
criança dorme. / Ao largo, ferido de morte, naufraga/ O navio
enorme”, p. 40); Nossa Senhora da Ternura, de K. H. de Josselin
de Jong (“Nossa Senhora da Ternura, / Abre a ele tua alma pura”,
p. 54); Canção de Canções, de Juan Ramón Jimenez (“Canção
curta, cançãozinha. / Muitas, muitas, muitas, muitas..., p. 107).
Exemplos de prosa: “Soubesse eu o que em sonho me
revelou/ O Espírito Eterno [....] Tudo o que viam meus olhos/ Me
era estranho/ Tudo aparência e ilusão [....] Ah, a colheita
acabou, / E onde está o trigo?” (Sombras da Violência, de
Gerhardt Hauptmann, p. 30); “Um apelo, um grito / Longínquo,
abafado, / Quase imperceptível, / Erra no infinito [....] Acabou-se
a guerra, / A França renasce” (O Apelo, de Jules Supervielle, p.
32); “As portas estão abertas de par em par / O espírito arde na
rua da Capela chamazinha / Sobre o retrato de Pablo Picasso”
(Em Memória de Nusch Éluard, de Vitezlav Nezval, p. 38);
“Homem de aço e de lua. / Possuía a voz grave. / Era severo e
triste. Ai, bem sei, bem sabemos que está morto! / Morto.
Confiadamente morto. Morto / Já sem remédio. Morto / Como
se morre em toda parte” (Elegia a Jacques Roumain no Céu de
Haiti, de Nicolás Guillén, p. 41); “Nunca vi um campo de urzes. /
Também nunca vi o mar” (Nunca Vi Um Campo de Urzes, de
Emily Dickinson, p. 87); “Já morri duas vezes, e vivo. / Resta-me
ver enfim / Se a terceira vez na outra vida / Sofrerei assim”
(Minha Vida Acabou Duas Vezes, da mesma autora, p. 87);
“Apoiando na mão rugosa o queixo fino” (O Pensador de Rodin,
de Gabriela Mistral, p. 88); ou, ainda, os lugares comuns:“A noite
é bela” (Poema, de Langston Hughes, p. 90) e “A lua está
despida” (Lua de Março, do mesmo autor, p. 91) ou
infantiloides:“Pois tu não sabes / Que não é bonito estar nua?”
(idem, idem, p. 92).
Além disso, além de prosa, não passam de simples
narrativas os textos: “Com lilases cheios de água / Eu a golpeei
nas espáduas” (A Castigada, de Juan Ramón Jiménez, p. 98);
“Habito um castelo de cartas, / Uma casa de areia, um edifício no
ar, / E passo os minutos esperando / O desmoronamento do
muro, a chegada do raio” (Morada Terrestre, de Jorge Carrera
Andrade, p. 51); “Existe um país encantado / No qual as horas
são tão belas” (Balada da Linda Menina do Brasil, de Rubén
Darío, p. 55); “Quando chegar a lua cheia, irei a Santiago de
Cuba” (Toada de Negros em Cuba, de García Lorca, p. 57); “Meu
dia outrora principiava alegre; / No entanto à noite eu chorava”
(Outrora e Hoje, de Hoelderlin, p. 78); de peça ridícula as
exclamativas: “Olhai, lá vem minha cabra! / (Quero-lhe como a
uma dama.) / Que linda que ela caminha!” (Minha Cabra, de
Juan Ramón Jiménez, p. 104); ou de mera banalidade:“Sonha,
sonha enquanto dormes” (O Estudante, mesmo autor, p. 102).
Como se observa, não há nesses exemplos esforço e
sofisticação elaborativa. Apenas, exposição das ideias conforme
surgi – das no cérebro. E poesia não se faz com ideias, mas, com
palavras, ensina Mallarmé.
Nem outra coisa disse Jackobson, quando expôs que a
poeticidade se manifesta “no fato de a palavra ser apercebida
como palavra e não como simples substituto do objeto
nomeado ou como explosão de emoção”, ou como afirmou
Huidobro, “la poesía es el vocablo virgen de todo prejuicio; el
verbo creado y creador, la palavra recién nacida”, mesmo que,
conforme Valéry, seja “hesitação entre som e sentido”.
Nada disso se configura e se expõe nos exemplos
citados.
Do mesmo modo na coletânea Poemas Traduzidos, de
1987, contendo obras publicadas no Folhetim, da Folha de São
Paulo, não há nenhum poema, só prosa, que, quando boa,
atinge o status de textos. Neste caso, por exemplo, O Homem do
Violão Azul, de Wallace Stevens (p. 72/88), excetuadas algumas
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das últimas estrofes, que não passam de prosa comum ou
mesmo ruim, neste caso as de nº 20, 21 e 25, principalmente.
Outro texto (e bom, porém, como texto) é Treze Formas de Olhar
Um Melro, do mesmo Stevens (p. 91/93).
O mais, tudo é prosa, embora seus tradutores, editores
(em jornal e livro) e os condicionados leitores não percebam,
visto destituídos das concepções teóricas pertinentes (essas,
sim, válidas, o que não acontece com grande parte da teorética
desovada nos cursos de letras).
Constituem boa prosa – não poesia – nessa coletânea,
entre outras, as produções Poema Para Cissy, de Raymond
Chandler (p. 49/50), O Regresso, de Robert Lowell (p. 63/64),
Limite, de Sylvia Plath (p. 65), A Mente Indecisa, de William
Carlos Williams (p. 101), A Luz, de Giórgios Seféris (p. 129/130),
Ode a Um Rouxinol, de Keats (p. 140/142), Dos Últimos Coros
Para a Terra Prometida, de Ungaretti (p. 162/163), Blanco,
fragmento final de Otávio Paz (p. 166/168) e Trilce: Poema I, de
César Vallejo (p. 174).
Nessa coletânea da Folha de São Paulo existem peças
desprezíveis até mesmo como simples prosa, a exemplo de Nas
Paredes de Um Quarto Mal Mobiliado, de Gregory Corso (fls.
51), que, pelo título, já se revela não ser poema, conquanto essa
a pretensão; de O Rei do Sorvete, de Wallace Stevens (p. 90),
prosa desqualificada; de O Chapéu-Mausoléu, de Apollinaire (p.
104), uma bobagem; do Hoje, de Benjamin Péret (p. 109), que
tem trecho abominável como esse: “Há gritos/de aranhas de
vitriol que sorvo sem perceber/perto deste rio usado saído de
um tubo de cachimbo/que é apenas um longo focinho/um
pouco quente/um pouco mais resmungão que um caldeirão
quase vazio”; e, ainda, de A Manta, de Yeats (p. 150), mero
desfrute inconsequente.
Ademais, é curiosa a “informação” de que já existiam
aviões no tempo de Safo (século VII antes de Cristo), já que ela,
por meio de seu tradutor Trajano Vieira, afirma ipsis litteris e,
como todos os demais autores dessa “coletânea”,
prosisticamente: “Campo de pouso do desejo, / o avião gira a
hélice com seu vento, / e eu, olhar acoplado, voo atento” (p.
124). Nessa coletânea e nesses tradutores não se trata apenas
de mentalidade subordinativa ao que vem do primeiro mundo
ou das metrópoles, já que lá, também, se confundem alhos com
bugalhos.
A questão é fundamentalmente que escrever, ler e
entender prosa é fácil, muito mais fácil que escrever, ler e
usufruir poesia e poema. Nisso, como em tudo mais, com as
exceções pontuais e raras, prevalece e domina a lei do facilitário
e do superficial.
_____________________
Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba,
autor de Romances Brasileiros – Uma Leitura Direcionada
(1998), do inédito Romances Europeus do Século XIX e de livros
de poesia e contos, além de ter organizado duas antologias de
poesia e editado por vinte anos a revista internacional de poesia
Dimensão.
5150
DEVIDO PROCESSO LEGAL E CIDADANIA
I - Cidadania
A cidadania se expressa como vontade política do
indivíduo, manifestada, dentro de um contexto pacífico, com
previsão constitucional, pela soberania popular,como poder
que emana do povo, através de seus cidadãos, exercido pelos
representantes eleitos, ou diretamente, quer pelo plebiscito, o
referendo ou a iniciativa popular (CF - arts. 1°, parágrafo único e
14). Em outras palavras, cidadania é o exercício do poder
político, através do sufrágio universal (direito) e pelo voto direto
e secreto (exercício), com valor igual para todos. Em tempos de
crises políticas, a cidadania se revela pela revolução popular,
sem qualquer formalismo, voltando-se contra a situação
dominante, impondo-se nova ordem política. Em qualquer
hipótese, a vontade política se veicula através da norma jurídica
sujeita à apreciação do Judiciário. A cidadania, ao lado da
soberania, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo
político e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,
constitui os fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF -
art. 1°). Outra forma há de expressão da soberania popular
além das já referidas. Trata-se da participação popular no júri,
mediante a soberania dos vereditos (CF art.5º, inciso XXXVIII).
II - Júri
Historicamente o júri foi a primeira forma de contenção
do poder absoluto dos reis, como está a evidenciar Magna Carta
Inglesa de 1215, que, na versão atualizada de 1226, assim dispôs
em seu § 39:
"Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou
privado dos seus direitos ou seus bens, ou declarado fora da lei,
ou exilado, ou reduzido em seu status de qualquer outra forma,
nem procederemos nem mandaremos proceder contra ele
senão mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo
costume da terra.” (No free man shall be seized or imprisoned,
or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exiled, or
deprived of his standing in any other way, nor will we proceed
with force against him or send other to do so, except by the
lawful judgment of his equals or by the law of the land).
Esse documento histórico foi conquistado pelos barões
em face ao Rei João Sem Terra, exigindo-se, entre outras coisas,
o julgamento legal pelos seus pares ou pelos costumes da terra.
Paulo Fernando SilveiraCadeira número20
Na época, os nobres legislaram para poucos, visando seus
próprios interesses. Mas a história se incumbiria de estender os
benefícios a todos, inicialmente aos habitantes da Inglaterra,
depois aos americanos e, destes, para outros países, como o
Brasil. De modo que também nós, como beneficiários indiretos,
devemos prestar homenagens à Magna Carta Inglesa.
Sendo a primeira e original manifestação da cidadania, o
júri apresenta múltiplas facetas: de um lado, é garantia do
cidadão de não ser julgado por um representante do Estado
isoladamente, mas sim pelos seus pares, membros da
sociedade civil; de outro, é forma de contenção do poder
estatal, ao não permitir a condenação de ninguém senão
através desse instituto processual penal, que goza, no Brasil, de
foros constitucionais, não permitindo discriminação nas
condenações ou absolvições, seja dos poderosos ou dos
humildes; também, é forma de democratização do Poder
Judiciário, que constitui um poder político não eleito,
permitindo ao povo participar diretamente dele. Aí, ocorrem
duas situações salutares: de um lado, limita a centralização e o
tecnicismo do poder judiciário e, de outro, educa o povo, que
passa a ter maior interesse pelas coisas públicas, notadamente
pela realização da justiça. Há, ainda, outra função, pouco
lembrada, mas de muita utilidade para o próprio poder
judiciário: como são os jurados que condenam o acusado, eles
se tornam um necessário e eficaz escudo protetor do juiz, contra
ações de réus poderosos, ou de membros de organizações
criminosas, que não mais poderão voltar sua ira, vingança ou
intimidação contra o magistrado, já que este só profere a
sentença condenatória, atendendo à vontade dos
representantes da sociedade. Os jurados são escolhidos
aleatoriamente, dentre aqueles constante de lista previamente
elaborada pelo judiciário, para funcionarem num momento
único e esporádico, compondo o conselho de sentença do júri.
Após o que, logo são dispersados, retornando à multidão
incógnita da população.
Para atender esse fim social e político, faz-se necessária,
de modo peremptório, a ampliação da competência do júri para
os julgamentos criminais, estendendo-a a todos os crimes
dolosos. Basta fazer, por emenda, ligeira alteração no preceito
constitucional que dispõe sobre a matéria (CF-art. 5°, XXXVIII.)
Onde o texto diz (alínea “c”) "competência para o julgamento
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
dos crimes dolosos contra a vida" passaria a ter a seguinte
dicção: “competência para o julgamento dos crimes dolosos,
cujas penas máximas forem superior a quatro anos, excetuados
os casos em que houver prévio acordo com o Ministério Público,
ou a transação penal, nos casos autorizados por lei”.
Só assim o povo participará efetivamente desse poder
político não eleito; os juízes ficarão protegidos; e os poderosos
não mais escaparão da Justiça. A impunidade, se houver, será
com o respaldo da própria comunidade. Alegarão alguns que,
historicamente, o júri não funciona bem no Brasil por ser o povo
analfabeto e, geralmente, por estar dominado pelos grandes,
dos quais aceita subornos com facilidade. Rejeita-se esse
argumento, que se assemelha ao utilizado pela Escola Superior
de Guerra no tempo da ditadura, no sentido que o povo não
saberia votar, devendo a elite decidir por ele. Hoje sabemos que
o povo sabe escolher bem os seus representantes. Se não o faz
melhor é porque, existindo uma legislação eleitoral deformada,
usualmente é frágil o rol dos candidatos que lhe são
apresentados. É preciso mudar a lei eleitoral para que a escolha
dos postulantes, via partidos políticos, não se dê mais pela
cúpula partidária, mas com a prévia participação dos filiados,
em decisão de base, majoritária. Assim, pretendentes com ficha
suja, ou que estejam respondendo a processo criminal por
corrupção, improbidade administrativa, ou desvio de dinheiro
público, mesmo que financeiramente poderosos, não obterão
espaço na respectiva legenda.
As virtudes comprovadas da participação do povo no
processo eleitoral ocorrerão também na instituição
democrática do júri, notadamente se sua competência for
ampliada para alcançar todos os crimes dolosos – e,
eventualmente, até em alguns casos cíveis, de maior vulto, seja
pelo valor da causa, seja pelo tipo ação (por exemplo quando
envolve direitos coletivos ou difusos) – nos termos acima
especificados.
Ademais, com a constante participação do povo nas
entranhas do Poder Judiciário, esse poder político, não eleito,
revestir-se-á de maior legitimidade, mesmo porque, certa ou
errada, a decisão será tomada por quem, originalmente, é o
dono do poder: o povo. Os políticos e os juízes são apenas seus
empregados, sujeitos, todos, ao bom comportamento.
Há, ainda, uma vantagem adicional. O juiz monocrático
só pode condenar se houver provas plenas no bojo do processo,
tais como testemunhas, documentos e perícias. Isso dificulta
muito a condenação nos crimes praticados por organizações
criminosas ou políticos ou por pessoas financeiramente
poderosas, que geralmente deixam poucos rastros, ou se
acobertam atrás de interpostas pessoas, conhecidas como
“laranjas”. Prevalece, aí, o formalismo e o tecnicismo
decorrente das tormentosas questões de direito. Já os jurados
podem condenar simplesmente com base na prova indiciária,
ainda que fragmentada, desde que estejam convencidos da
culpabilidade do réu. Avulta, aqui, sobremaneira, o exame dos
fatos, tendo pouca relevância os conceitos jurídicos e o
tecnicismo, dele decorrente, aplicáveis aos atos do agente
criminoso, tornando sem sentido a discussão meramente
formal, cheia de sutilezas, de conceitos vagos, nebulosos e
distantes do alcance intelectual dos jurados, matéria técnica
que eles desconhecem e não precisam saber. Em seu íntimo,
cada jurado, à luz dos fatos – e não do direito ou da lei – precisa
apenas responder à seguinte pergunta: na situação apresentada
ao seu escrutínio, considera a ação do réu correta e honesta, que
seria praticada por qualquer cidadão, merecendo, por isso
mesmo, a absolvição, ou, ao contrário, julga-a injusta e
criminosa, sendo caso de condenação? Para isso, basta
responder, depois de terminado o contraditório, apenas a um
quesito: considera o réu inocente ou culpado?
III - Igualdade
Outra forma de exercício da cidadania e contenção do
poder estatal é igualdade. Constituindo a igualdade uma das
colunas que sustentam a democracia, ao lado da liberdade e da
vontade da maioria, pode-se afirmar que, excetuado o direito
fundamental à vida, apresenta-se como o mais relevante dos
direitos individuais, tanto que a enumeração prevista no art. 5°,
da Constituição Federal começa por estabelecer esse direito
(Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza,...).
Visou a Carta Política, com isso, preservar a democracia
como processo de convivência social em que o poder emana do
povo e por ele há de ser exercido, ainda que indiretamente,
porém em seu único proveito. Esse processo ampara-se sobre
três princípios fundamentais: o princípio da vontade da maioria,
o da igualdade perante a lei e o da liberdade de ação, observadas
as franquias constitucionais, exceto nos casos vedados em lei (a
qual, contudo, não pode contrariar a Constituição para anular os
direitos individuais e franquias por esta concedidos). Mas esses
princípios podem ser reduzidos a um, na lição de Aristóteles, ou
seja, o da igualdade, que constitui o fundamento e fim da
democracia, que tanto mais será pronunciada quanto mais se
avança na igualdade. Mas ressaltava que a alma da democracia
repousa na liberdade, sendo todos iguais. Na opinião de
Rousseau, a igualdade é condição para a existência da liberdade.
Pode-se mesmo, através da democracia, como observou Alexis
de Tocqueville, "imaginar um ponto extremo onde liberdade e
igualdade se toquem e se confundam".
Realmente, na democracia a liberdade conduz
naturalmente à igualdade; na ditadura, a pretexto de se alcançar
a igualdade, sujeita-se o indivíduo, pela violência,
inexoravelmente à servidão. A sociedade perfeita pressupõe a
igualdade, com liberdade como pedra fundamental. As
pequenas diferenças sociais decorrerão, apenas, da
inteligência, criatividade, trabalho e honra.
Todo privilégio implica o reconhecimento de um tipo de
superioridade, com a imediata quebra da igualdade. A
superioridade induz dominação, com grave ofensa à liberdade.
5352
Daí por que todo o privilégio deve ser combatido e totalmente
extirpado, ou reduzido ao mínimo tolerável (preferência às
crianças, idosos, gestantes, doentes, cadeirantes etc), de modo
a ampliar o âmbito da Democracia.
A contenção do poder estatal se manifesta, outrossim,
pelo federalismo, pela separação dos poderes, pela doutrina
dos freios e contrapesos e por uma imprensa livre e plural. Cada
um desses tópicos serão analisados sucintamente, já que
abordados, com profundidade, no livro “Devido Processo Legal-
Due process of Law”, de minha autoria.
IV - Federalismo
O pleno exercício da cidadania pressupõe um regime
democrático, que assenta sua estrutura constitucional em
quatro pilares fundamentais: a)- o federalismo; b)- a separação
dos poderes; c)- a garantia dos direitos individuais; e d)- meios
de comunicação (jornais, rádios, televisões e internet) livres,
sem censura prévia, e diversificados (emissoras distintas)
quanto à fonte de produção da informação.
O federalismo é a pedra angular do sistema, porque
reparte o poder entre o Governo Central e o dos Estados e
Municípios de forma equilibrada, de modo a evitar a
concentração do poder, que conduz à ditadura. Permite, ainda,
que os Estados-Membros e os Municípios sejam autênticos
laboratórios sociais e políticos, onde os experimentos e as
intervenções legislativas podem ser testados separadamente,
multiplicando as oportunidades de sucesso (que logo serão
copiados) e minimizando os perigos gerais de fracasso. O
federalismo revitaliza e harmoniza os governos inferiores, que
cuidam mais diretamente com as necessidades sociais. Desse
modo, seria ideal o indivíduo se sujeitar à aproximadamente
90% de leis locais (estaduais e municipais) e, apenas, à 10% de
leis federais.
V- Separação dos poderes
A separação dos poderes entre os ramos legislativo,
executivo e judiciário (LEJ), constitui fórmula última e refinada
de contenção do poder, portanto, sendo modo de exercício da
cidadania. A separação dos poderes serve como poderoso
controle contra as ações arbitrárias de cada um deles.
Como as opções e ações políticas se realizam através da
lei, aí deve recair o controle político dos outros poderes pelo
judiciário. Ao Judiciário foi constitucionalmente outorgado o
poder de dizer o que a lei é, na feliz frase de Marshal:
"É enfaticamente área de atuação e dever do
departamento judiciário dizer o que a lei é [...]. Se duas leis
conflitam entre elas, as cortes devem decidir o caso conforme as
leis, desprezando a Constituição, ou conforme a Constituição,
desprezando a lei; a Corte deve determinar qual dessas regras
conflitantes governa o caso. Isso é da própria essência do dever
judicial." ("It is emphatically the province and duty of the judicial
department to say what the law is [ ..]. If two laws conflict with
each other, the courts must decide that case conformably to the
law, disregarding the constitution; or conformably to the
constitution, disregarding the law; the court must determine
which of these conflicting rules governs the case. This is of the
very essence of the judicial duty.").
Não existem mais, na esfera dos outros ramos
governamentais, ações exclusivas não apreciáveis pelo Poder
Judiciário, que é o intérprete último da vontade constitucional
(controle da constitucionalidade das leis).
Contudo, o Legislativo pode emendar a Constituição
visando superar uma decisão incômoda do Judiciário. Pode
também editar lei ampliando ou esclarecendo o fundamento
judicial adotado. Daí a importância da doutrina dos freios e
contrapesos. Contudo, para não subestimar a decisão judicial e,
ao mesmo tempo, tornar o legislativo um superpoder político,
contrário à forma republicana de governo, próprio das
monarquias constitucionais (como a da Inglaterra), ou do
sistema parlamentarista (experimentado sem sucesso no Brasil,
durante a crise que antecedeu ao golpe militar de 1964),
portanto pretendendo ser um poder político superior ao
judiciário, as emendas constitucionais devem passar pelo crivo
das assembleias legislativas estaduais. Só depois de aprovada
pela maioria delas é que a emenda pode entrar em vigor. Outra
razão informa esse raciocínio: o pacto federativo foi
originalmente firmado entre os Estados-Membros e a União.
Logo, a União não pode, solitariamente, alterar de modo
arbitrário e unilateral, o seu conteúdo, negar ou anular sua
substância material. Não satisfaz o argumento de que os
senadores, por representar os Estados-Membros, estariam
falando em nome destes. Ora, como se sabe, os senadores
recebem os seus subsídios da União e se elegem da mesma
forma que os deputados federais. Somente a assembleia
legislativa representa, com legitimidade e de modo eficaz, os
interesses do povo de seu Estado e está autorizada a falar por
ele.
VI - Freios e contrapesos
A combinação do princípio constitucional da separação
dos Poderes com a doutrina dos freios c contrapesos permite
que nenhum ramo em que se desdobra o poder político possa
exercer autoridade ditatorial sobre os trabalhos do Governo. Os
poderes dados pela Constituição a cada um deles são
delicadamente controlados pelo poder dos outros dois,
evitando os excessos.
Através da doutrina dos freios e contrapesos, somada ao
princípio da separação dos poderes, procura-se proteger o
cidadão contra o surgimento de governo tirânico, ao
estabelecer múltiplas cabeças de autoridade no governo, as
quais se posicionam uma contra a outra em permanente
batalha. A intenção da Carta é negar a uma delas a capacidade
de permanentemente consolidar toda autoridade
governamental em si mesma, enquanto permite no todo o
desenvolvimento tranqüilo do trabalho do governo.
Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
É meio de restringir o poder governamental e prevenir
abusos. Portanto, constitui, também, modo de exercício da
cidadania.
VII - Devido processo legal
Mas a cidadania também se expressa através do
princípio do "devido processo legal", que, pela sua abrangência
encampa o próprio júri. Remonta ao mesmo § 39, da Magna
Carta Inglesa, quando ali foi dito que nenhum homem será
privado de seus direitos ou bens, senão através de um
julgamento legal.
Esse conceito, impregnado de justiça e decência, foi
transplantado para a Constituição Americana de 1787, onde
através da Emenda n. 5, inserida no Bill of Rights, prevê que
"ninguém será privado da vida, liberdade ou propriedade, sem o
devido processo legal".
O princípio foí adotado pela Constituição Brasileira de
1988, com quase oito séculos de atraso, quando dispôs no art.
5º:
“LIV: Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal".
Esse dispositivo constitucional vem complementado
pelo inciso LV, assim editado:
"LV - os litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes".
Do preceito constitucional americano, que serve de base
para o nosso sistema, cuja estrutura política de divisão de
poderes é idêntica, foram extraídas as seguintes garantias
básicas do cidadão, limitadoras da ação governamental:
1. O direito do povo de estar seguro nas suas pessoas,
casas, papéis e efeitos contra desarrazoada busca e apreensão
(Emenda n. 4);
2. emissão de mandado de busca ou de prisão somente
baseado em causa provável, sustentada por juramento ou
afirmação, descrevendo especificamente o lugar, onde ocorrerá
a busca, e a pessoa ou coisa a ser apreendída (Emenda n. 4);
3. indiciamento por grande júri para os crimes hediondo
ou capital (Emenda n.5);
4. não ser julgado duas vezes pela mesma ofensa,
colocando em risco sua vida ou parte do seu corpo (Emenda n.
5);
5. imunidade contra a compulsória autoincriminação
(Emenda n. 5);
6. direito a um rápido e público julgamento, por um júri
imparcial, no Estado e distrito onde o crime foi cometido
(Emenda n. 6);
7. direito de ser informado da natureza e causa da
acusação (Emenda n. 6);
8. direito do acusado de ser confrontado com as
testemunhas adversas e produzir os testemunhos das favoráveis
(Emenda n. 6)
9. direito a um processo compulsório para obter o
depoimento das testemunhas em favor do acusado (Emenda n.
6).
10. direito a advogado nos casos criminais (Emenda n. 6);
11. defesa contra excessivos valores de fianças, multas e
punições cruéis e não usuais (Emenda n. 8)."
No Brasil, podemos extrair de nossa Constituição
Federal, exemplificativamente, algumas garantias básicas,
protegidas pelo devido processo, sem prejuízo de outras
decorrentes dos princípios adotados, ou mesmo concedidas
pela legislação ordinária:
a) decorrentes do direito à vida ou à liberdade (art. 5"):
1. prisão somente em caso de flagrante delito ou por
ordem judicial (art. 5", inciso LXI);
2.direito de permanecer o acusado calado e de ter
assistência da família e de advogado (LXII);
3.direito de que a prisão seja imediatamente
comunicada ao juiz competente e a membro da família indicado
pelo acusado (LXIII);
4. proibição de tortura ou tratamento desumano (III);
5. inviolabilidade da residência, exceto em caso de
flagrância do delito ou desastre, ou, durante o dia, mediante
ordem judicial (XI);
6. inviolabilidade de correspondência ou comunicações
telefônicas e dados, salvo por ordem judicial (XII);
7. direito a julgamento pelo juiz natural (aquele
naturalmente investido no cargo) não se admitindo tribunal de
exceção (LIII);
8. proibição de uso de provas obtidas por meios ilícitos
(LVI);
9. proibição de prisão civil por dívida, salvo nos casos de
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e da de depositário infiel (LXVII);
10. julgamento por júri nos crimes dolosos contra a vida
(XXXVlII);
11. proibição de lei penal retroativa (XL);
12. individualização e proporcionalidade da pena: não
atingirá terceiros, nem poderá deixar de levar em consideração
a gravidade do delito (XLV e XLVI);
5554
13. proibição de penas de morte (salvo em caso de
guerra), perpétua, de trabalhos
forçados, de banimento c cruéis (XLVII);
14. obviamente, o direito ao devido processo legal,
já referido antes (LIV e LV).
b) oriundas do direito de propriedade
1. Indenização prévia, em dinheiro, no caso de
desapropriação (CF, arts. 5", XXIV e 182, § 3°), exceto do imóvel
rural improdutivo para fins de reforma agrária (CF,art.184);
2. garantia da manutenção de bens e direitos
patrimoniais já incorporados na esfera de disponibilidade do
indivíduo (direito adquirido);
3. a lei não violará o ato jurídico perfeito (contrato).
c) comum:
1. A sentença transitada em julgado não será rescindida
senão pelas causas e no prazo já estipulado em lei; lei nova não
poderá modificá-la (XXXVI).
2. Indissoluvelmente vinculado ao devido processo
legal, sendo, inclusive, meio próprio para sua verificação,
encontra-se a obrigação de toda autoridade (militar, policial,
civil: administrativa ou judicial) de fundamentar suas decisões, a
fim de se aferir não só sua legalidade estrita, mas também a
justiça e moralidade do ato.
A Constituição Federal trata do assunto no art. 93:
"IX -todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes;
X -as decisões administrativas dos tribunais serão
motivadas, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria
absoluta de seus membros".
Não obstante a garantia da motivação dos atos
administrativos e pronunciamentos judiciais não constar
tecnicamente das cláusulas pétreas, cujo núcleo é imodificável
através de emendas à Constituição (CF, art. 60, § 4"), acha-se
evidentemente aí incluída, por agregar-se inseparavelmente ao
princípio do devido processo, que faz parte das garantias
fundamentais.
Embora inscrita no capítulo destinado ao Poder
Judiciário, essa garantia (a da motivação dos atos
administrativos), imantada pelo devido processo e pela cláusula
da igual proteção, se estende, como obrigação inafastável, a
toda autoridade da Administração Pública. Também o direito à
igualdade não se materializa juridicamente por si só,
necessitando do manejo do processo, como instrumental
garantidor de sua existência onde, tanto no aspecto processual
como no substancial, encontra-se abrangido pela cláusula
milenar do devido processo legal (Due process of law).
Significa dizer que todas as garantias fundamentais
outorgadas pela Constituição – inclusive a coluna mestra da
igualdade, colocada como a maior de todas, tirante o direito à
vida – passaram a se vincular direta e objetivamente à cláusula
do devido processo e da igualdade, num vínculo de sujeição a
essas, que passaram a dominar aquelas. Mesmo a garantia da
igualdade, por já estar incorporada no devido processo,
sujeitou-se a ele.
VIII - Dualidade
O princípio do devido processo legal como instituto de
defesa da cidadania apresenta duas faces: uma processual e
outra substantiva.
Através do devido processo legal procedimental exige-se
o tratamento igualitário das partes no processo, o direito ao
contraditório e à ampla defesa, encampando, na esfera criminal,
o princípio da inocência e a vedação do acusado de produzir
prova contra si, materializado no direito de permanecer calado.
Portanto, privilegia-se a ampla defesa, o contraditório, a
motivação das decisões administrativas e judiciárias, o direito
ao recurso, ao julgamento justo.
A segunda é forma de contenção do poder dos outros
dois ramos governamentais pelo Poder Judiciário, através da
inconstitucionalização de leis ou de atos administrativos, em
confronto vertical, como normas periféricas, com a regra matriz.
No âmbito substantivo, o devido processo autoriza ao
Poder Judiciário, no exercício de seu poder político como ramo
do governo, aferir, a um tempo, a razoabilidade da lei, bem
como exercer escrutínio estrito (invertendo-se o ônus da prova)
relativamente àquelas que violem as liberdades civis individuais
e, por outro lado, exercer o controle sobre os outros dois
departamentos do Governo, através da doutrina dos freios e
contrapesos (checks and balances).
Sob esse aspecto, outros direitos podem ser aflorados
da zona de penumbra constitucional como emanações
decorrentes do princípio do devido processo legal.
IX -Controle pelo Judiciário
O Judiciário, como poder fracionário político
independente, exerce os freios e contrapesos através do
controle da constitucionalidade das leis e dos atos
administrativos. Esse controle se instrumentaliza através da
cláusula do devido processo legal, que em sua forma substantiva
permite ao Judiciário aferir e valorar politicamente os atos e
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opções dos outros ramos governamentais. O juiz, como agente
político, manifesta, ao julgar o caso concreto, seu modo pessoal
de visão do mundo, conservador ou progressista. É tão legítima
essa postura do Poder Judiciário, como demonstra a história
constitucional americana, que o Judiciário, lá, assentou dois
modos de se encarar a lei em face da constituição:
a) - lei abordando aspecto econômico: é considerada,
em princípio, constitucional, salvo se o demandante
demonstrar que ela não é razoável aos olhos de um cidadão
comum (princípio da razoabilidade das leis);
b) - lei que atinge os direitos civis: é considerada a priori
suspeita, merecendo do Judiciário um exame mais severo e
estrito quanto à sua constitucionalidade. Aqui compete ao
Estado demonstrar um relevante interesse público de modo a
justificar que os direitos individuais sejam afetados ou
restringidos.
X - Resumo
Vê-se que através da cláusula do devido processo legal
pode-se facilmente alcançar, entre outros, os seguintes
objetivos:
a) - dar nova dimensão à luta do indivíduo pela sua
libertação, fornecendo como ferramenta jurídica o princípio do
devido processo legal, cuja origem remonta à Magna Carta
Inglesa de 1215, e que representa uma das maiores conquistas
do homem no sentido de, por um lado, ter um julgamento justo
e imparcial e, de outro, conter a atuação estatal dentro de
limites aceitos pela sociedade democrática;
b) - evidenciar que o Poder Estatal deve ser exercido
limitadamente dentro do contexto democrático e republicano
(os ocupantes, eleitos, dos cargos políticos devem ser rodiziados
a curto prazo), dando-se relevância às salvaguardas da
separação dos poderes e do controle de um sobre os outros dois
ramos, através da doutrina dos freios e contrapesos (Checks and
Balances);
c) – analisar e trazer a debate algumas estruturas
existentes no Brasil, originárias do tempo da monarquia
imperial (D.João VI, Pedro I e Pedro II), evidenciando sua
situação de incompatibilidade com a democracia, que se
assenta, sobretudo, na igualdade com a liberdade, visando ao
aperfeiçoamento das instituições políticas;
d) - reavaliar, dentro dessa conjuntura, a posição do
Poder Judiciário, sugerindo- se uma mudança substancial: o juiz
deixará de ser apenas um técnico em Direito, preocupado
apenas com a execução da lei formal, passando a atuar como
agente político, em correta correspondência com sua
participação fracionária do Poder Estatal. Adotando essa nova
postura, o juiz deixará de ser um mero aplicador da lei,
tornando-se, antes de tudo, o defensor das instituições
democráticas e realizador da Justiça. Assim, o Poder Judiciário
passará a controlar efetivamente a atuação dos dois outros
ramos do Governo e, de outro lado, ao confrontar verticalmente
a lei (regra periférica) com a Constituição (norma matriz), dará
prevalência à realização dos preceitos da Lei Fundamental,
realizando, com isso, a vontade do povo, que é a fonte primária
de todo poder estatal. Note-se que a lei é feita pelos
representantes do povo (deputados e senadores), os quais não
detém poderes superiores ao representado, que os elegeu e
lhes delegou o poder de representação. Logo, a lei não pode
violar a Constituição, ou prevalecer sobre ela. Nem mesmo pode
a Constituição depender de lei para sua implementação;
e) -democratizar o próprio poder judiciário,
introduzindo nele a participação popular pela ampliação da
competência do júri, o que lhe dará maior legitimidade, de tal
modo que sua atuação também fique sujeita ao debate e
controle públicos.
Evidentemente a abordagem, aqui resumida, não esgota
a profunda e ampla dimensão da cláusula do devido processo,
cujo mundo fascinante deverá ser descoberto e palmilhado por
todos que amam a liberdade e detestam o arbítrio, que é o
inimigo maior da cidadania.
5756
CRIXÁS- SUBSTRATO ROMANCEADO DO AGRESTE (ENSAIO)
Dr. Samir Cecílio colaborador - Uberaba MG
sse Brasil em fora - sertão vasto - dá a impressão
de ser tão diverso quanto o é o Universo, e não se Eprecisa de uma maratona viageira para a sua
confirmação, apenas simples pesquisa bibliotecária.
Quem já se deparou com um Rugendas (Johann
Moritz...), alemão nascido em Ausburg em 1 802, e que correu
centro e cantos do país o retratando, tira de seus nankins ideia
preciosa de nossos primórdios; Rugendas foi um andarilho da
América meridional: só de Brasil deixou-nos várias centenas de
pranchas, as quais nos dão visão ampla da terra (paisagens), e
do povo: o Brasil nunca foi "branco", os nativos tendiam mais
para o amarelo; a minoria branca portuguesa fez um
caldeamento de pau-brasil (vermelho) com ébano (negro).
Rugendas (João Maurício...) documentou os diversos
Os negros nos deram o batuque (germe do samba), o
lundu, a capoeira e a mandinga.
Inglaterra, França, Alemanha e Holanda comerciavam
com o tráfico negreiro; essa última trouxe ao Brasil contingente
de judeus e para a Guiana (sua colônia) 3.000 deles), e,
possivelmente muitos deles passaram para o nordeste
brasileiro.
Com a abertura de nossos portos, 24.000 portugueses
emigraram para a "colônia", e mais milhares de europeus e
grupos africanos entre os negros do Brasil: o angola, o angico, o
benguela, o congo, o mina, o moçambique, o monjolo, o rebolo
e os "crioulos", negros aqui nascidos e ou amulatados
(cruzamento de negros com portugueses, e índios).
Com o "descobrimento" os ameríndios perderam a sua
liberdade, o seu modus vivendi, e a sua identidade; os que
fugiram matas a dentro ficaram ilesos.
Os " EE.UU." tentaram um repatriamento em massa de
negros à África para fugir à negritude, o que fez surgir na Costa
Atlântica do continente a Mauritânia.
Rugendas, em seu livro " Viagem pitoresca através do
Brasil" expõe um censo da composição racial nas Américas após
Colombo, no seguinte quadro:
asiáticos, o que elevou o percentual de brancos na composição
racial brasileira.
Os asiáticos árabes predominam na Amazônia, Rio de
Janeiro e São Paulo; os "amarelos", predominantemente
japoneses em São Paulo; os europeus, italianos( no leste),
alemães e poloneses no sul.
Euclides da Cunha, autor de " Os Sertões"- o sertanejo é
antes de tudo um forte - é uma sequencia do trabalho de
Rugendas, adstrita ao nordeste brasileiro; e descreve o Brasil
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árido, pobre, analfabeto, explorado (me parece que o Triângulo
está se tornando vítima também da mesma exploração) e cheio
de crendices. Todas essas misérias nordestinas não tiraram a
Antônio Conselheiro a sua percepção humana e social da
condição vexatória de seus compatrícios.
Antônio Conselheiro e Canudos e Maria Bonita, sob a
pena de Euclides, formam uma unidade, uma epopeia que se
iguala (ou suplanta) à Inconfidência Mineira com Tiradentes, e a
figura amorosa de Marília de Dirceu.
Mesmos sentimentos, métodos diferentes.
«Os Sertões" nos dá magnífica aula magna de geologia e
sociologia.
" Crixás", não lhe fica na rabeira; caminha ao par, e ao
par caminham Euclides e José Humberto Henriques, ambos
observadores de seu tempo e dois grandes pesquisadores , e
escritores.
Compulsar essas obras é um aprendizado.
O romance de José Humberto Henriques, me refiro ao
"Crixás", já que o Dr. Henriques é uma enciclopédia autoral
(mais de centenas de publicações) é destaque no regionalismo
brasileiro.
Euclides retrata o agreste seco: Humberto o úmido, a
convivência índia com a água, a canoa, a floresta, com a fauna e a
flora, e seus nomes de batismo, e de quebra nos inicia nos
segredos da pesca e da caça.
Tive duas noites de convivência com "Crixás", livro e rio,
e botos e antas e caititus e peixes muitos além de pintados,
arraias, pacus, matrinxãs, velhos conhecidos.
E as lendas, e que lendas, Heim? Essas, deixo-as em "
Crixás" para sua avaliação.
Deslumbre-se, mas não fique "encantado" como Pi-
Pitera, e em ponto de bala para se render aos encantos de
Coema; antes faça da leitura um bom preparo físico com o
"trainer" aludido, para se não afogar num lago de prazeres.
Uma dica: se você é aferrado a pescaria, leve na mala a
direção ( endereço) de Joaquim Anta, o maior guia que há por
aquelas paragens ali, quero dizer Araguaia, Tocantins e Crixás.
5958
MACHADO DE ASSIS E UBERABA
Dr. Samir Cecíliocolaborador e sócio correspondente
Uberaba MG
velho costume nosso, ou dizendo melhor, da
imprensa citadina, e desde o tempo de “Lavoura e ÉComércio”, que lacrou o prelo às vésperas de seus
cem anos; o outono travou-lhe as pernas e a língua: já era hábito
meu ir à redação e bater um “papo” com Roland Jardim, ele
usando tesoura, borracha e cola, para compor o jornal; a
intervalos, conforme o desenrolar dos assuntos, soltava uma
expressão latina que é assim traduzida: vaidade das vaidades,
tudo é vaidade.
Hoje se sabe, e creia-me, eu não diria que tudo, apenas
que quase tudo é vaidade: até a mania essa, minha e alheia, de
estar catando letras para garatujar um texto, expor idéia
própria, ou contradizer a de outrem, mesmo que
involuntariamente.
Não é bom nem delicado opor-se à ânsia de pessoas,
ilustres ou modestas, de se virem estampadas a cores na
televisão ou nas colunas sociais de jornais e revistas.
É muito filosófico e proveitoso jogar com o ego das
pessoas: vanitas vanitatum.
Bem, qual é esse nosso velho costume? É dizer “Uberaba
está em todas”; até desconfio que a frase já fique pronta na
ponta da língua, esperando por momento oportuno, e a legenda
já está em outras galáxias, e ainda não nos apercebemos disso: o
espiritismo o explique, se a tanto há fundamento. Aliás, creio-o
possível, já que o autor de Dom Casmurro hoje está em
desconhecidas (ignotas) paragens de domínio exclusivo, e de
maneira concreta, tal me parece, da seita espírita.
Já antes escrevi uma crônica desentranhando de obra do
“mestre da linguagem” assunto em que Uberaba é citada; um
indivíduo de nome Oto Helm surrupiou ao patrão em São Paulo
a “módica” quantia de quarenta contos de reis: e se mandou de
mala e cuia para cá, com dinheiro bastante para se comprar uma
das melhores fazendas da região. Falhou-lhe a sorte: foi preso ao
ato de desembarque, e perdemos um grande investidor.
Machado era escritor incansável, e de monta; numa
outra crônica (01-01-1893) a tecla Uberaba dá as suas
ressonâncias (A Semana, pág. 202). Um escravo preto (ainda há
escravos de todas as cores – e isto é sinal fidedigno de como
andam a liberdade e direitos individuais em todo o mundo –
fugiu da casa do antigo senhor (desconhecia a sua condição de
homem livre desde 1888, graças à lei da abolição); este também
desconhecia a lei ou era um fingidor: mandou oito homens
armados (e, escravos ?) buscar o João à casa do engenheiro
Tavares, onde estava abrigado.
Realmente, Uberaba esteve, e ainda está, em todas, ora
bem, ora mal, que assim é a vida.
Não posso escrever fim ao pé desse artigo, ou crônica,
antes de citar trecho de Eça de Queiroz, outro grande do
vernáculo, que expõe o que muitas vezes lhe disse o Conde de
Abranhos, naturalmente um monarquista, como sendo o
segredo das democracias constitucionais: “Eu, que sou governo,
fraco mas hábil, dou aparentemente a soberania ao povo, que é
forte e simples. Mas como a falta de instrução o mantém na
imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na
indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito... E
quanto ao seu proveito... adeus, ó compadre!
“Ponho-lhe na mão uma espada; e ele, baboso, diz: eu
sou a força! Coloco-lhe no regaço uma bolsa, e ele, inchado,
afirma: eu sou a fazenda! Ponho-lhe diante do nariz um livro, e
ele exclama, de papo: eu sou a lei! Idiota! Não vê que por trás
dele, sou eu, astuto manejador de títeres, quem move os
cordéis que prendem a Espada, a Bolsa e o Livro!»
Ao cidadão, resta-lhe conformar-se com a beleza de
adágio inglês citado pelo criador de Bentinho:
“Esta cabana é pobre, está toda esburacada: aqui entra a
chuva, entra a neve, mas não entra o rei.”
O que seria o cúmulo do infortúnio.
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UM ÓBOLO DE AMOR
Dr. Samir Cecíliocolaborador e sócio correspondente
Uberaba MG
lhos, não se cansam nunca de ver; se deles a
janela se fecha, o mundo perde cor e a vida Osabor, que dela, eles são o condimento.
Desgraçadamente, desvalidos há de luz e não apenas
da luz física; não conhecem o visível milagre que a luz opera na
natureza: um festival de cores, e delicadas nuanças que a
engalanam, e enchem-na de alegria; e, a nós, viventes e
videntes, que temos também a luz cerebral, os olhos, se
intumescem dela, maravilhados de admiração; o coração se
expande numa sensação salutar, íntima agradável, inigualável;
um bem-estar inesquecível.
Só quem já viveu a experiência das cores, e teve o
infortúnio de viver a opacidade da cegueira, é capaz de avaliar-
lhe a dimensão e a ruína de sua perda.
Jamais me fadigo de meus olhos mesmo que já
cansados; através do filtro pupilar estou sempre reparando,
atenta e minuciosamente, a natureza, como ela o é, as coisas
dela; até faço-o com carinho, mas sem ânimo de violentar-lhe
íntimos segredos.
E, de todas as maravilhas que nos envolvem, uma
empolga mais, e a todas sobrepuja, a da perpetuação das
espécies; gosto de acompanhar, como se eu fora uma máquina
fotográfica de alta resolução, o seu contínuo desenvolvimento,
o seu desabrochar, o seu permanente eclodir de energia e vida.
Gosto de crianças.
Quando vejo uma criança, o tempo passado me volta,
vejo os meus filhos, já adultos, balbuciando a doce palavra
mamãe, engatinhando, fazendo o meu pescoço de cavalinho.
A criança é um eterno desabrochar; quando ainda no
invólucro uterino, a mãe, só cuidados, carinho, amor e
curiosidade, tateia-a através de seu corpo, idealiza-a, “vê-lhe”
as formas; esse acompanhamento é incomparável, é sublime, é
ode de amor, gesto de doação, abnegada aceitação de cuidados
e labores.
Quando uma mãe perde um filho, o mais atroz dos
infortúnios, a vida lhe perde o sabor, as flores a cor.
O que na criança mais me gosta? Eu não o sei: pode
que seja a espontaneidade, a maneira de vivenciar situações,
interpretar fenômenos, ou a de encarar altiva e corajosamente
as ranzinzasses dos adultos.
Querer enquadrar uma criança, castrense arremedo,
não é boa política; melhor deixa-la livre; nada de aparar-lhe as
pontas, a galhada lhe mondar; deixem-na crescer e dar sombra.
Restrinja-se o adulto em dar-lhe compreensão, e o
Universo como limite; e amor, que do necessário complemento
ela própria se amealha.
Há em toda a criança uma potencialidade insondável, e
só ela saberá quando e como extravasa-la, como e quando bem
usa-la.
Essa preocupação com a Criança, talvez seja a razão de
alguns de meus cismares: se a livros eu vejo alguma sobraçada,
fico a figurar-lhe o destino; essa, o seu andar marcial me
redesenha um Alexandre de Macedônia, o campo transmudado
em campa, o esperançoso verde das lavouras em espectro da
fome; naquela, Newton, ou Pasteur, ou Carlos Chagas, ou Santos
Dumont, ou Homero, ou Camões ou Gandhi...
Os extremos se tocam, diz-se.
É verdade.
Razão de eu gostar de crianças e velhos: ontem,
esperança e promessa, a fragrância e o colorido da flor; hoje, as
pegadas do caminho, a experiência, o lenho da construção,
lembrança do belo e do permanente.
Merecem amparo, respeito e reverência!
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CARRO DE BOIS A PENA DE MORTE
Carro-de-bois, cantando lá na estrada,
a varar o caminho do sertão,
resquício de um Brasil tão grande e puro,
de um tempo que não volta nunca mais!
Da cultura tu és parte integrante,
de um país que cresceu adolescente,
que é gigante para ser menino
e menino demais para ser gigante!
Devagar, não tens pressa de chegar
aonde, com certeza, chegarás...
Passos firmes na estrada lá da roça,
relembras um passado bem recente,
quando o homem ainda era livre
da máquina que sempre o escravizou!
Carro-de-bois, cantando lá na estrada,
és a imagem de um tempo que passou...
Vez por outra, o aboio do carreiro
faz coro com o teu cantar plangente.
E esse canto de suave harmonia,
traz o tom de uma triste despedida,
adivinhando o teu ingrato fim:
serás mais uma peça de museu...
E os pobres bois, mugindo magoados,
inocentes, serão sacrificados!
aquele fatídico dois de maio de 1.960,sombrias nuvens empanaram o céu da Califórnia, enquanto Npequena multidão aguardava que o carrasco
quebrasse o primeiro frasco do mor- tifero gás na cela de execuções do presídio de San Quentin, on- de, algemado, se encontrava Caryl Chessman,o suposto bandi- do da luz vermelha.
Através do opaco vidro, distinguia-se o vulto daquele ho-mem que, durante doze longos anos, aguardou no "corredor damorte," o dia de sua execução, lutando com todas as suas for-ças para provar a sua inocência, cuja pena teria sido comutadase o telefonema do Governador daquele estado, tivesse chega-do minutos antes.
Mas, não chegou!
E aqueles que ali compareceram, alguns movidos pelo desejo de vingança, entoaram loas de vitória, quando, finalmente avistaram a cabeça do prisioneiro tombar. Se aquele bárbaro ato lavou a alma da platéia, por certo, não lavou a criminalidade.
Ainda que a justiça norte americana tivesse razão em jul-gá-lo culpado, como não restou totalmente provado, aquele a-to cruel se constituiu em verdadeiro atentado ao bom senso,arranhando o consagrado princípio de Direito: "Summun jus,summa injuria" ou o excesso de justiça, incorre na injustiça. Excesso de justiça porque o prisioneiro já havia cumpridodoze anos de cárcere. E esses anos todos de sofrimento no cor-redor da morte, comparáveis aos campos de concentração deHitler, não se prestaram para amenizar sua pena fatal. Excesso de justiça, porque executaram não um bárbaro es-tuprador e assassino, como pretendiam, mas alguém que durante os seus anos de cárcere, aprimorou a sua alma, lendo os melhores autores, escrevendo três livros jurídicos, que se tornaram em "best-sellers" e formando-se em Advocacia, tendo ele próprio defendido a sua causa.
Foi como se condenasse João e matasse José!
Os dois pilares em que se apóia a filosofia do Direito Penal, devem ser observados em todo Planeta, sob pena de se incorrer em crueldade desse naipe, ou seja, retirar o criminoso da sociedade para que não cometa outros crimes e tentar recuperá-lo. Uma pessoa sadia e mentalmente equilibrada, jamais seria um "serial-killer.»
Na Suécia não existe o depreciativo nome "prisioneiro", massim "interno" e, não raro, os próprios carcereiros são formados em Psicologia.
Mas ainda que o criminoso fosse um assassino incontrolável, movido por mórbida impulsividade, não poderia
Ubirajara Batista FrancoCadeira 26 – Uberaba
Ubirajara Batista Franco
Cadeira 26 – Uberaba
ser submetido à vingança do Estado. Este monta uma fábrica de pobres-diabos e outra de extermínio, o que era praticado no nazismo.
Os chamados crimes hediondos, praticados por doentes mentais, são castigados desde as botas dos soldados, até à pena dos juízes, quando deveriam ser melhor examinados à luz da ciência.
Como já restou provado, o sangue de criminosos natos, agitam as cobaias e os seus cromossomos apresentam anormalidades inexistentes em pessoas mentalmente equilibradas.
Demais disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,estabelece o direito à vida e ainda preceitua que todos têm o direito de não ser submetidos a penas cruéis, desumanas e degradantes. Pior: no caso de pena de morte, o réu não tem o direito de apelar da sentença, o que lhe é facultado em penas menores. Diante de tantas arbitrariedades, não é de admirar-se que nos EE.UU. de 1976 a 1996, 112 negros foram executados, acusados de terem matado brancos. Por outro lado, no mesmo período, 25 pessoas inocentes, tardiamente reconhecidas como tal, foram executadas.
Já tivemos no Brasil a pena de morte,a qual foi abolida pelo Imperador D.Pedro II, ante o erro judiciário que levou à forca um inocente e que abalou a Nação. Muito mais tarde, idealistas e intelectuais foram torturados e executados nos porões da ditadura, sem qualquer julgamento!
Na França, com a abolição da guilhotina, houve significativa diminuição da criminalidade. Já no Irã, a criminalidade aumentou com a implatação da pena capital, após a revolução islâmica.
A palavra PENA, cruel sinônima de castigo, no meu entender, deve ser abolida de nosso código penal. O castigo, em suas várias acepções, nunca foi sinônimo de exemplo e no Direito não é contemplada como tal. Guerra Junqueira já dizia que abrir escolas é fechar prisões.
A truculência dos favoráveis à pena de morte, acha-se diretamente ligada à vingança, o mais mesquinho dos sentimentos que, no reino animal, somente o homem cultua. Retruca-se que ainda não fomos atingidos pela maldade dos assassinos. Só para argumentar, cabe a perguntase seria o mesmo o seu modo de pensar se o penado fosse seu irmão ou o seu próprio pai?
Ademais, quem conferiu o mandato a um homem falível e pecador, como todos somos, de mandar assassinar alguém de caso pensado, apenas porque tem diploma de curso superior?
Presentes as palavras de alguém que via além de nós: "Eu vim para que tenham vida e vida em abundância."
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Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
A CARTILHA ANALÍTICA PARALELISMO: ARTE E PENÚRIA
Ubirajara FrancoCadeira número 25 - Uberaba MG
Arahilda Gomes AlvesColaboradora – Uberaba MG
homem que tinha a cara e o jeito de todos os
homens , abordou-me à entrada do Osupermercado e, desculpando-se, perguntou-
me se podia ajudá-lo a comprar o material didático para os seus
dois filhos que estavam na escola.
Ato contínuo, exibiu-me duas listas quilométricas com a
relação de cadernos, livros, folhas avulsas, lápis de todas
ascores, canetas, borrachas, apontadores, réguas, atlas, baú,
etc. e tal.
Fitei-o nos olhos sinceros, as listas já um tanto sujas em
suas mãos grossas, e pude compreender toda a dificuldade de
um pai, que, como pai, sonha ver seus filhos estudando.
E fiquei pensando no meu primeiro dia de escola, nas
"Eslas Reunidas" de Abadia dos Dourados, hoje "Grupo Escolar
Pedro Álvares Cabral," de minha terra natal...
Naquela época,e quantos anos já se vão, não havia o
"Jardim de Infância." E lá cheguei eu, todo vaidoso, a pasta
escolar de madeira e, dentro dela, a pequena lousa, o Livro de
Paulo, a tabuada e a cartilha analítica. Tudo de segunda mão, é
claro!
Só não estou lembrado se havia um caderno, uma vez
que todos os exercícios eram feitos na lousa. Acho que não
havia mesmo, até porque, no primeiro ano, a professora não
passava "deveres" para casa.
Ainda tenho nos ouvidos a alegre algazarra da molecada
a debandar-se rua acima, quando o sinal tocava, anunciando o
término da aula. Era o sinal da liberdade e que nos incitava à
escola da vida, e que não se limitava somente aos enormes
quintais de nossas casas, mas, sobretudo, às ruas, vazias de
carros e de malandros, mas cheias de calor humano, onde
sempre nos esperava um torneio de piões ou mesmo uma
"pelada"no largo da Matriz.
egundo a História, a maioria dos artistas,
principalmente, compositores músicos, é fadada a Stribulações e penúrias. Talvez, por relevarem a
arte em detrimento do “vil metal”.
Vivaldi, (1675-1741) do classicismo romântico,
ordenado padre e por trinta e seis anos dera aulas de violino.
Saúde precária, nunca celebrara missas cuidando pessoalmente
da receita e despesa de seus espetáculos como empresário.
Devido a excessos de prodigalidade, morre pobre. Mozart (
1756-1791),não gostava de dar aulas às pessoas desprovidas de
dons artísticos..Negociava mal,suas produções. Difícil lhe era
equilibrar receita e despesa. Físico insignificante, não
impressionava como homem. Não obtinha cargo oficial
suficientemente remunerado para seu sustento. Pedia dinheiro
emprestado aos amigos. Era-lhe difícil financiar a saúde com os
prazeres da esposa Constança, em Baden e mal provia suas
necessidades em Viena. Fora enterrado em vala comum.
Beethoven, (1770-1823) o mestre das Sonatas e das Sinfonias,
arcabouço iniciado por Haydn e Mozart, fora pianista prodígio
aos onze anos e organista da Corte, aos quatorze. Mozart o
ouvira prevendo futuro de gênio. A dramaticidade em suas
composições, talvez se deva à surdez aos vinte e oito anos
agravando-se aos trinta e um, sempre procurando escondê-la
culminando-a com total surdez aos cinquenta e quatro, três
anos antes de sua morte. Nunca se casara, embora se
apaixonasse por várias mulheres. Beethoven atravessa do
classicismo ao romantismo. A Revolução francesa influenciou-
lhe a criação da Sinfonia Heróica dedicada a Napoleão, rasgada
depois, a dedicatória, por ver no revolucionário,mais um
tirano.Célebre,mas sem situação fixa,recebe pensão vitalícia
por pouco tempo,por escassearem recursos dos dois amigos
que o proviam. Da única ópera-Fidélio - favorece ao sobrinho a
quem cria, mas que lhe traz muitos aborrecimentos. Sua agonia,
de dois dias, acometido de icterícia, reumatismo, peritonite,
infecção visual mais a surdez levaram-no à morte, mal iniciando
E, a escola da vida, livre do apelo da televisão, dos
computadores e de toda parnafenália dos jogos e brinquedos
eletrônicos, era o grande incentivo à criatividade infantil.
Quase todos os nossos brinquedos éramos nós mesmos que
fabricávamos: o carrinho da lata de goiabada, os estilingues, as
arapucas, os bilboquês de latinhas de extrato de tomate, as
bolas de meias,os aviãozinhos de pita...
Brincávamos de tudo, ainda que não existissem
orientadores diplomados em psicologia, a traçar nossos
improvisados roteiros. Naquela quadra ditosa da infância,
"livres filhos das montanhas.. A camisa aberta ao peito, pés
descalços, braços nus," como a retratou Casemiro de Abreu, os
meninos não conhecíamos os jogos bélicos dos "video-games"
e as suas engenhosas e fatais disputas, que propiciam o
simbólico extermínio dos brinquedos dos companheiros.
As nossas rixas eram resolvidas ali mesmo, no muque!
Nada de rancores depois. Algum ôlho roxo, se prestava, quando
muito, para lavar as nossas almas.
- "Quem não tiver medo, cospe aqui na minha mão!»
E a mão sempre era abaixada, deixando que o cuspe
aingisse o rosto dooutro. Mas, afinal, quem foi que disse que
o ensino de hoje é mais eficiente? Qual foi o inteligente que
inventou as enormes listas de material escolar, a sobrecarregar
as crianças com intermináveis tarefas para serem feitas em
casa, roubando-lhes parte da infância e levando o dinheiro de
muitas famílias, reservado ao pão de cada dia?
Isso eu não sei!
Mas, de uma coisa eu tenho certeza: o infeliz inventor
da moderna didática escolar e mesmo pré-escolar e que,
certamente não teve infância, não foi nenhum daqueles que
cursaram as escolas do meu tempo!
a 10ª Sinfonia, que não a escreve... Schubert (1797-
1828),veio de família pobre e de prole numerosa. De bela voz,
tímido, desajeitado e complexado de seu físico, porém. Era-lhe
fácil o domínio da música por seu gênio inato. Passando
necessidade, pesa-lhe o afastamento dos muitos amigos, sem
amores e sem saúde. Suas peças editadas não os sustentam.
Mora de parede-meia com Beethoven e se queixa de que o
músico não comenta as composições que lhe envia. Pouco se
visitam e Schubert só fica a seu lado, no leito de morte. Dizem
que Beethoven comentou com amigos: “Na verdade, há em
Schubert, a divina centelha.” Morre de febre tifo aos trinta e dois
anos e enterram-lhe ao lado de Beethoven, conforme seu
desejo. Schumann (1810-1856) começa a compor aos doze
anos. De grande vocação literária, traduz Horácio. De
constituição nervosa doentia agravada por problemas
familiares e o não consentimento de se casar com Clara,
malgrado decisão do pai, seu mestre de piano. Certa vez, tenta
afogar-se no Reno. Recolhe-se ao Hospício e morre na presença
da esposa Clara e de Brahms. Liszt(1811-1886) compositor
profícuo e de difícil execução alargando recursos técnicos do
piano,tinha grande satisfação em difundir composições do
passado e de seus contemporâneos.Generoso,distribuía seus
ganhos com nobres causas.Contribuía generosamente,com
movimentos filantrópicos e com o monumento a Beethoven,em
Bohn, terra natal deste.Pela proibição do papa Pio 9 ao seu
casamento,mesmo depois da morte do marido da princesa
Wittgenstein,entra para as ordens menores do clero.
Lendas e mistérios evocados trazendo à baila histórias
envolventes de romanescas biografias.
Arahilda Gomes Alves: pioneira, em Uberaba, da 1ª ópera com
artistas locais, em projeto original- “As bodas de Fígaro” de Mozart
(2008);Cônsul dos Poetas Del Mundo;membro da ALTO; da Revista
Eletrônica ZAP;do Clube Brasileiro da L.Portuguesa (BH)
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A POESIA TEM DIA “GÊMEOS... JOIO E TRIGO”
Arahilda Gomes Alvescolaboradora
Ani Bittencourt ArantesIná Bittencourt BarbosaSócias correspondentes
pedagogas e pesquisadoras
ensar, agir e sentir é inerente a quase todo homo-
sapiens. Como disse o filósofo: ”penso, logo Pexisto”, bom seria se toda a humana raça
pensasse antes de agir, dentro da gradação acima. Costumo
apregoar que o sentimento nos leva a pensar pra depois agir,
enquanto a emoção, nos leva a agir pra depois pensar. Acho que
nem sempre quem é levado pela emoção, realmente pesasse o
seu pensar. Talvez, coisas e feitos não atingiriam resultados
catastróficos. Mas, se todos fizéssemos da poesia, o caminho do
pensamento profundo e sentido, o mundo caminharia sobre
tapetes vermelhos comemorando grandes e vitoriosas
jornadas. Infelizmente, a humanidade está mais para feitos
fétidos, que para os perfumados a exalar essências de
inesgotáveis odores.
Há dia pra tudo, praticamente, para refletirmos sobre
datas aprimorando a sensibilidade, que deveria desabrochar em
cascatas nos veios sanguíneos de todos nós. Cascatas, termo
poético de águas a descer romântica e docemente extasiando os
olhos enchendo o coração. Quem não a vê assim, não tem um
tiquinho de sensibilidade e jamais resgatou a alma em benéficas
imagens poéticas. Não é utopia, papo de anjo ou demônio. É
papo sério, que transpõe abismos, rios, montanhas e mares
“nunca dantes navegados”, onde nem Camões se banhou. Água
é sinônimo de transparência e pureza. Hoje em dia é imagem
mortuária de alagados, maremotos, devastação. Uma
enxurrada de imagens poderia ser acrescentada a ela e outras
palavras símbolo que enfeitavam a natureza dadivosa. Se
castigos veem a galope, conforme velho axioma, hoje chegam
pela terra e pela atmosfera, palavras, antes poéticas, que o
homem vem destruindo levado pela ambição e outras energias
negativas.
Precisou-se criar o Dia da Poesia, tanto nacional (14
deste) e internacional (a 21 de março.) Bastaria o último, não
fora a alma poética do brasileiro a homenagear Castro Alves
nascido a 14 deste mês de águas de março enfeitando o verão,
ossa infância foi passada na Rua Carlos Rodrigues da Cunha, Centro de Uberaba – MG. Lá, como Ncostuma ocorrer no mundo das crianças, era
delicioso brincarmos ao ar – livre cercadas de meninos e meninas. Estes deixaram marcas indeléveis em nossa memória: na maioria das vezes, nunca sabiam distinguir Iná de Ani e Ani de Iná. De fato, sentíamos certo prazer íntimo de trocar de identidades – não exatamente de nomes –; por isto a confusão era total! Às vezes, passávamos um dia, por assim dizer, permutando papéis e, com frequência, nos deparávamos a nós mesmas um tanto confusas, sem consciência clara de nossas identidades, agindo cada qual como a outra agia. No caso de gêmeos, só passando por tais experiências é que se caminha rumo à verdadeira individualidade.
Quando a noite já ia caindo, a meninada na rua vinha nos chamar e sabia que, se uma estivesse em casa, a outra, com certeza, também estaria. Em nossas brincadeiras, até a energia física das duas parecia a mesma: se uma se cansava e ia sentar-se na calçada, a outra fazia o mesmo, a fim de tomar fôlego. Se uma ia para casa, a outra também ia. Com isto, as crianças se esforçavam para agradar às duas, pois que perder uma participante do jogo implicava em perder a outra. Era possível que, de certa maneira, tal simultaneidade nos atos fosse mais um “artifício” de nossa parte: era preciso agradar às duas, senão, a brincadeira terminava... Somos gêmeas afins.
Por tudo isto, sempre nos despertou grande curiosidade para saber se todos os gêmeos eram como nós, tinham esta cumplicidade, esta intimidade... esta dedicação, esta benevolência.
Começavam aí nossas pesquisas.
Hoje, descobrimos que existem gêmeos que se odeiam e, dependendo do grau de agressão com que se violentam, podem converter-se até em inimigos mortais!
São os gêmeos na matéria, fisiologicamente idênticos, mas não têm laços de afinidade entre si, nem emocionais nem de personalidade, muito menos espirituais. Não compartilham sonhos ou ideais, porém disputam entre si bens materiais, amores, poder político e, muitas vezes, chegando ao ponto de cometerem falcatruas igualmente entre si. Em resumo, são gêmeos inimigos, são rivais, são o Joio... Com fundamento corroborante, desejamos ilustrar o citado antagonismo inato com a citação bíblica de Gênesis, capítulo 25, em cujo versículo 22, os futuros irmãos gêmeos, antagônicos e rivais, Jacó e Esaú, filhos de Isaac e Rebeca, já brigavam no ventre materno, ao passo que,
segundo poetou Tom Jobim e Ellis Regina com ele,
ratificou em magnífica interpretação. E o que é essa
interpretação, que penetra o coração e transborda na alma, não
fora o desabrochar de artistas, compositores, cantores e toda a
gama de operários da arte a ratificar sentimentos exaltando a
beleza, que nem todos querem enxergar? Pobres de espírito, ou
como ousamos dizer, monstros, que arrastam a carcaça,
envenenam o espírito, mortalhas de caminheiros errantes, sem
oásis de chegada, sem sombra amiga onde deitar o corpo
cansado, nas encruzilhadas levando para mais longe, sonhos,
paz, felicidade.
Precisamos “carpir” através da palavra poética, a palavra
que reanima,emociona, leva a refletir, quer nos campos de
batalha, quer nas fontes dos livros, quer pelos caminhos da
devastação. Verbo é ação, não é só conversa inútil, ou fútil! A
palavra resgata, energiza e alenta. Não é imagem quebrada
desprovida de ação.Ela sempre constrói arquiteturando
imagens sólidas, edificações que permanecem no escondidinho
da alma. Não adianta ignorá-la. Mesmo ao analfabeto traz
magia se a escuta. Por que não, àqueles a quem Deus dotou de
oportunidades e estudos para desenvolver o intelecto, se
esforçam por ignorá-la?A alma precisa de paz e só a palavra que
constrói a povoa de reflexões e ações, quer venham nas asas de
um sonho de muitos sons poéticos, proféticos ou musicais, ou
mesmo professoral. O que jamais a banaliza, a chicoteia, a
expurga, a derrota, a enxovalha. Ela sempre sobe aos céus em
forma de prece.
Daí... meu exercício poético: O Cristo Redentor/Em
magnânima ação/Prescreveu à humanidade/O gesto humilde
do perdão./Eis que o homem,nada afeito/Dissimulando tal
preceito/Faz do ódio,sua lição.
Por tudo isso, lá da devastada terra chilena, o canto forte
do poeta Luiz Arias Manzo criou, há cinco anos, os Poetas Del
Mundo com 130 países trabalhando a palavra, que destrói
obstáculos agindo em causas solidárias. A nobreza do gesto
acionando pensares. Predição? Premonição?...
nos versículos 24 e 26, Jacó nasceu segurando o calcanhar de Esaú...
Nós, Ani e Iná, somos gêmeas na matéria, almas gêmeas no espírito. Vincula-nos uma união profunda em níveis físico, mental e espiritual. Sempre juntas nas alegrias e nas tristezas, nas aventuras e desventuras, nos sucessos e nas decepções da vida. Partilhamos com muita intensidade sonhos, anseios, ideais, sorrisos, lágrimas, palavras de conforto ou de esperança como poucas pessoas, na vida, têm oportunidade de fazer.
Sob outro aspecto, temos, ambas, afinidades especiais, a exemplo de muitos gêmeos univitelinos. Eis que nascemos gêmeas por bênção divina e, como todos os gêmeos afins, somos o Trigo...
As gêmeas rivais que são fruto de nossa pesquisa, resultando no livro “Gêmeos... Joio e Trigo”, submetiam a todos os que delas se aproximassem a um jogo de identidade. Os professores eram incapazes de distinguir uma da outra. Quando perguntavam por uma, tinham certeza de que era outra quem aparecia, e vice-versa.
O pessoal da Escola aplicava aquele comportamento estranho, dizendo que se tratava de uma única mente dividida entre duas pessoas... Mas a semelhança uníssona das gêmeas era apenas um artefato dos anos que haviam passado com seus jogos contra o mundo. Tinham praticado a arte para parecer idênticas. As próprias gêmeas acreditavam que uma podia ler o pensamento da outra, mas um exame mais profundo demonstrou que suas mentes não combinavam.
A despeito da aparência externa idêntica, havia entre as duas um abismo quase tão grande entre elas e o mundo! Estavam sempre vigilantes, mas geralmente interpretavam de modo errôneo, os movimentos uma da outra. Cada qual havia criado fantasias exageradas sobre o que a outra pensava e planejava. A guerra era iminente!
Em nossas pesquisas, constatamos essa espécie de gêmeos que, aparentemente são idênticos, possuem uma alma, um espírito, uma mente por completo diferente mas, por serem idênticos, enganam as pessoas passando por gêmeos afins...
Mesmo assim, porém, tais gêmeos tidos como “joio”; devem ser respeitados; não devemos julgá-los como irmãos fraternos, mas como irmãos univitelinos, porque são movidos por algo mais profundo – uma força sobrenatural, uma herança, uma energia que a Ciência, um dia, poderá explicar satisfatoriamente.
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UBERABA: DA ALDEIA CAIAPÓ À METRÓPOLE ESTUDANTIL
Maria Antonieta Borges LopesHistoriadora – cadeira 21 ALTM
UMA AUSÊNCIA RESGATADA: OS PRIMEIROS DONOS
DESTAS TERRAS
Escrever sobre a história do município de Uberaba, a
partir da fundação oficial do Arraial de Santo Antonio e São
Sebastião de Uberaba, pelo Sargento-mor Antonio Eustáquio da
Silva Oliveira, é reforçar a idéia colonialista de que somente
passamos a existir a partir da chegada do colonizador ou
desbravador português.
Na realidade, quando os portugueses aqui chegaram,
como tão bem descreveu o saudoso antropólogo Darcy Ribeiro,
toda a costa atlântica, assim como as margens dos rios mais
caudalosos e seus afluentes, eram ocupadas por inumeráveis
povos indígenas que, disputando entre si as melhores terras, se
alojavam e desalojavam incessantemente. Não constituíam
uma nação, eram vários povos tribais, falando línguas do mesmo
tronco, dialetos da mesma língua. Somavam talvez (as
estimativas variam muito e são pouco confiáveis) de um a um e
meio milhões de índios. Não era pouca gente. Portugal teria
possivelmente a mesma população, ou um pouco mais.
A introdução, no seu mundo e nas suas vidas, dos
novos personagens europeus, mudou radicalmente o seu
destino. Os recém-chegados, embora em pequeno número,
eram agressivos, atuavam de diversas formas, inclusive usando
uma verdadeira “guerra bacteriológica” que transmitiu
infecções mortais sobre a população indígena debilitando-a e
dizimando-a. Foi também uma guerra ecológica pela disputa do
território, com suas matas, suas riquezas que passaram a ser
exploradas para outros usos desconhecidos dos nativos.
Também pode ser considerada uma guerra econômica e social
pela escravização do índio, pela introdução das relações
mercantis de produção, articulando o “novo” ao “velho mundo”,
como provedor de gêneros exóticos, escravos e ouro.
No início, os índios viram a chegada dos portugueses
como um acontecimento espantoso, mítico, mas a visão idílica
logo se dissipa. Os que puderam, fugiram mata adentro
tentando escapar do destino que o convívio com o branco lhe
oferecia.
Este encontro fatal iniciado ao largo das praias
brasileiras vai se repetir do interior do sertão quando os
colonizadores se organizaram em expedições para a descoberta
e conquista das regiões do ouro. Para consegui-las tudo lhes
seria permitido e concedido pelas autoridades portuguesas.
AQUI SURGEM OS CAIAPÓS
À macro etnia tupi, com sua unidade lingüística e
cultural, opunham-se os povos designados pelos portugueses
como “tapuias”. Eram considerados inimigos irreconciliáveis,
imprestáveis como escravos porque seu sistema adaptativo
contrastava muito dos tupis. Era o caso dos Bororos, Xavante,
Kaiapó (Caiapó), Kaingang e dos tapuias em geral.
Os índios caiapós formavam, no início do século XVIII,
uma poderosa nação espalhada pelas nascentes do Rio São
Francisco ao Rio Mogi Mirim. Dominaram esta região até o
século XIX.
Segundo João Mendes de Almeida caiapó significa
“oriundo de matos alagadiços”. O historiador uberabense
Hildebrando Pontes os descreve como “inteligentes, mas
desconhecedores do uso da rede, da canoa e também da
cerâmica”. Diz que “eram habilíssimos na confecção de jacás ou
cestas”, artesanato que permaneceu freqüente, na zona rural da
região, durante longo tempo. Afirma ainda que “eram bons
caçadores, de índole pacífica, porém terríveis quando
atacados”.
Foram os caiapós que os bandeirantes paulistas,
chefiados por Bartolomeu Bueno da Silva – o Anhanguera (pai e
filho) encontraram nesta região ao explorá-la, no final do século
XVII e princípio do século XVIII, à procura do caminho para as
sonhadas minas de ouro dos índios Goiás.
A resistência e os ataques dos caiapós foram
freqüentes e causaram transtornos às expedições que
transitaram pela região em direção a Goiás, seguindo a picada e
depois a estrada aberta pelo Anhanguera. Para subjugá-los foi
enviado, pelo governo de Cuiabá (1742), o Coronel Antonio
Pires de Campos, que auxiliado por cerca de 500 índios bororos,
de Mato Grosso, conseguiu dispersá-los para o oeste e norte de
Goiás. Estes bororos foram alojados em 18 aldeias situadas ao
longo da Estrada do Anhanguera, a fim de abastecer e proteger
as expedições posteriores.
O viajante francês Saint Hilaire que percorreu a
província de Goiás, passando depois pelo Triângulo Mineiro
entre 1818/1819, manteve contato com os caiapós que
habitavam as proximidades de Vila Boa de Goiás, descrevendo
seus costumes, hábitos alimentares, sua luta pela sobrevivência
e organizando um pequeno dicionário de seu vocabulário.
Descreveu também, a vida nas aldeias bororo, ou o que restava
delas e a situação em que encontrou a Aldeia de Farinha Podre,
atual Uberaba.
Mais tarde, Alexandre Barbosa de Souza organizou um
pequeno dicionário de palavras da língua caiapó que ele
recolheu numa aldeia simples, situada no pontal do Triângulo
Mineiro, ainda habitada por remanescentes dos caiapós, no
início do século XX.
Estes trabalhos de Saint Hilaire e Alexandre Barbosa de
Souza permitiram ao historiador Odair Giraldin identificar a
presença dos índios caiapó/panará que sobrevivem hoje, no
Parque Nacional do Xingu.
FREGUESIA, VILA, CIDADE: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A compreensão da realidade regional exige uma
análise do contexto onde ela se insere e de suas raízes históricas
que podem ser encontradas:
· no colonialismo português, escravista, latifundiário e
monocultor;
· no Império que mantém aquelas características e lhes
acrescenta o regime oligárquico e o centralismo;
· na República que, apesar dos ideais federalistas e de
inaugurar-se sob o signo da abolição dos escravos, manteve o
latifúndio exportador, a centralização, o regime oligárquico, o
autoritarismo e a exclusão social dos herdeiros da escravidão.
Além disto, o estudo da região e da história do
município precisa levar em consideração as diferenciações
próprias de uma região marginal, periférica na economia do
país: o “sertão”, palco de passagem, encontro e confronto de
paulistas, mineiros e goianos.
Na realidade, o Sertão do Novo Sul ou Sertão da
Farinha Podre, fizera parte da capitania de São Paulo até 1748,
quando passou a integrar a capitania de Goiás, a que pertenceu
até 1816, quando um Alvará de D. João VI determinou sua
transferência para a capitania de Minas Gerais.
O arraial se torna uma Freguesia em 2 de março de
1820, o que significa que já era uma paróquia, contando com um
pároco residente e tendo autonomia para registrar na Igreja
nascimentos, casamentos e óbitos.
Em 22 de fevereiro de 1836, graças à política
descentralizadora e de valorização dos municípios implantada
no período regencial (1831/1840), o arraial é elevado à
condição de Vila. Esta é, sem dúvida, a data mais significativa no
processo evolutivo (político e administrativo) da história de
Uberaba. Atinge a sua emancipação política, torna-se um
município autônomo, com território demarcado e contando
com uma Câmara Municipal escolhida através de eleições.
Durante o Segundo Reinado, considerando o grau de
desenvolvimento atingido pela Vila de Santo Antonio e São
Sebastião de Uberaba, D. Pedro II, em 2 de maio de 1856,
elevou-a a categoria de Cidade. Completava, assim, sua
evolução política e administrativa equiparando-se legalmente
aos grandes centros urbanos do país.
Concluindo, podemos dizer que o desenvolvimento
histórico de Uberaba se estende do estudo de seus habitantes
primitivos, do período de desbravamento da região pelos
bandeirantes paulistas, passando pela chegada dos entrantes
do Desemboque que instalaram as primeiras fazendas de
criação e o pequeno núcleo urbano, pelo desenvolvimento das
atividades comerciais que marcaram o século XIX, pela
introdução da pecuária zebuína que caracterizou a primeira
metade do século XX e pelas transformações econômicas,
sociais e culturais iniciadas nos anos 40 e solidificadas na
segunda metade do século XX.
A EVOLUÇÃO URBANÍSTICA: AS MARCAS DO SÉCULO XIX
Uberaba, como a maioria das cidades brasileiras cresceu
espontaneamente, acompanhando o curso das vertentes que a
banham, adaptando-se à topografia da região o que explica suas
ruas tortas, em curvas, subindo e descendo morros, sobretudo
as mais antigas.
Inicialmente, como ocorria com a maioria das cidades
brasileiras, era um local secundário, pobre, destituído de
conforto, já que a maior parte da vida social transcorria nas
fazendas de criação de gado e de produção agrícola de
subsistência.
A localização geográfica estratégica, a meio caminho
entre os grandes centros importadores e consumidores do
litoral e o vasto sertão do Brasil Central, vai aos poucos
transformando a pequena vila em “Boca do sertão”, praça
privilegiada para as trocas de mercadorias que vinham do litoral
(sal, tecidos e artigos finos, ferragens, etc.) e as que chegavam
do sertão interior (gado em pé, carne seca, marmeladas,
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toucinho, etc.).
Durante o período colonial, as vilas e cidades
apresentavam aspecto uniforme, com casas térreas e sobrados,
construídos no alinhamento das ruas, sem jardins ou
calçamento. As técnicas construtivas eram rudimentares:
adobe, taipa de pilão, pau-a-pique. As paredes eram rebocadas
com estrume, caiadas, os portais e janelas pintadas a óleo. As
casas mais ricas eram maiores, mais espaçosas, com mais
cômodos, mas as técnicas construtivas se repetiam.
A chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808,
altera bastante a vida brasileira, sobretudo no Rio de Janeiro e
outras grandes cidades. A abertura dos portos e o maior contato
com a Europa facilitam a introdução de produtos
industrializados e a expansão da influência européia na moda e
nos costumes.
É neste contexto que nasce Uberaba. Evidente que
estas influências não chegam logo a estes sertões. Mas, graças à
atividade comercial que se desenvolvia rapidamente na
“Princesa do Sertão”, a cidade torna-se passagem obrigatória de
mercadores e se firma como entreposto comercial natural, para
abastecimento do sul de Mato Grosso e Goiás.
A Missão Francesa de artistas, que acompanha ou se
segue a chegada da Corte, inicia um movimento de renovação
das artes, principalmente da arquitetura, introduz e impõe o
estilo neoclássico no Brasil. Ele se torna o estilo oficial do
Império e perdura até o início do século XX, sendo empregado
com freqüência na construção de edifícios oficiais, sobretudo
escolas e hospitais. As construções neoclássicas revestem a
cidade e neste estilo são construídos os sobrados
comerciais/residenciais da Rua do Comércio (Artur Machado) e
ali permanecendo até os anos de 1930/40.
Na medida em que a cidade cresce, expande-se a malha
viária, o núcleo urbano se impõe como um centro de negócios e
de convívio social e cultural. Vários melhoramentos vão sendo
introduzidos: iluminação pública a querosene (1882), elétrica
(1905), construção obrigatória de “passeios” (calçadas) (1892),
inauguração da primeira praça - Rui Barbosa - (1885). A vida
cultural se enriquece com a criação do Liceu Uberabense (1877),
do Teatro São Luiz (1876), da Escola Normal (1881), do Instituto
Zootécnico e Agronômico (1896), do Colégio Nossa Senhora das
Dores (1885), do Seminário Episcopal (1896) e já no século XX do
Colégio Marista (1903). A cidade assumia seu papel de pólo
irradiador da educação e cultura.
A chegada da estrada de ferro da Companhia Mogiana,
em 1889, marca o auge da efervescência comercial e cultural,
com o estabelecimento de grandes casas atacadistas e a
inauguração de escolas e associações artísticas e musicais.
Grande parte destas transformações se deve à chegada dos
imigrantes italianos, espanhóis, sírio-libaneses, japoneses que
introduzem novos hábitos, novas técnicas construtivas,
especialmente o estilo eclético nas construções residenciais e
oficiais.
A continuação da estrada de ferro em direção a
Uberlândia (1895), Araguari (1896) e Catalão (1913) retira de
Uberaba sua interessante posição de “fim-de-linha” e com isto
perde a hegemonia comercial que vinha exercendo em relação
às regiões já referidas. Este fator gera um período de crise
econômica que caracteriza os últimos anos do século XIX e início
do século XX.
TEMPOS DE ZEBU
A cidade só consegue vencer a crise econômica, com o
retorno à atividade pecuária. Mas agora, uma pecuária
diferenciada – a zebuína. Numa atitude pioneira, os
uberabenses decidem eliminar os intermediários (criadores e
firmas importadoras do Estado do Rio de Janeiro) e ir
diretamente à Índia – fonte dos reprodutores zebu - que eles
acreditavam, com firmeza, seriam capazes de melhorar
decididamente a qualidade do rebanho bovino que aqui se
criava.
O zebu consolida uma nova fase de progresso
econômico já bastante promissor em 1906, quando se realiza
na fazenda Cassu, a primeira exposição regional daquele gado.
De 1910 a 1920, a economia uberabense se desenvolve com o
comércio e a seleção das raças zebuínas e a cidade vivencia um
novo período de acúmulo de riquezas, embora bastante
concentrada nas mãos dos que se dedicaram à nova atividade.
Esta concentração de riqueza se revela na introdução de
modismos arquitetônicos da “belle époque” incorporados nas
construções: novos modelos, novas técnicas, novos materiais.
As sofisticações do estilo eclético se tornam presentes em todas
as ruas e praças centrais. As sedes de fazenda que, muitas vezes,
eram de construções simples, também passam a sofrer as
influências do ecletismo: recebem adornos e elementos que
sofisticam as fachadas e interiores.
O centro recebe calçamento, surgem leis que
regulamentam as construções e reformas (1909), a Lei das
Fachadas (1911), enfim há uma preocupação com o
embelezamento da cidade.
A Praça Rui Barbosa constituía um conjunto
arquitetônico extremamente representativo da civilização que
aqui se implantou com o desenvolvimento da pecuária zebuína.
Ali estavam representados o ecletismo e o “art – deco”,
contemporâneos dos dois períodos de maior apogeu do zebu.
Era a praça-síntese, a praça-documento, a imagem viva de uma
cultura e de um estilo de civilização, de poder e de um modo de
ser e viver que marcaram momentos decisivos da formação de
Uberaba. As construções desta praça, juntamente com as da
Rua Artur Machado, exprimiam valores e tendências que aqui
prevaleceram no século XIX e início do XX.
Novamente nos anos 30/40, especialmente entre
1935 e 1945, com o revigoramento da pecuária zebuína (que
passara por uma crise na segunda metade dos anos 20) Uberaba
se incorpora ao movimento modernista.
A Semana de Arte Moderna (1922) traz uma
importante renovação nas artes, em geral, e a arquitetura se
beneficia da liberdade criativa trazida pelo modernismo e pela
industrialização do país, a partir de 1930.
O crescimento dos negócios de gado traz um afluxo de
dinheiro que termina por impulsionar novas transformações
urbanísticas: canalização dos córregos centrais, abertura de
avenidas, calçamento de ruas, ampliação da rede água e esgoto,
ajardinamento de praças.
As tendências modernistas do estilo art-decó se fazem
sentir na geometrização das fachadas, na libertação dos
edifícios em relação ao alinhamento das ruas. O novo estilo está
presente em hotéis, clubes, associações classistas e em
inúmeras residências no centro e nos bairros.
DIVERSIFICAÇÃO ECONÔMICA E METRÓPOLE
UNIVERSITÁRIA
Após a crise do zebu que se estendeu de 1946 a 1954,
desfaz-se a relação mais direta entre o aspecto da cidade e a
economia local.
Nos anos 40, busca-se diversificar a economia e
reforçar a vocação da cidade como centro educacional, que já
despontara desde o século XIX. Sucessivamente, vai se
instalando o ensino superior. O ponto de partida para o
aparecimento da Universidade de Uberaba se dá no antigo Liceu
do Triângulo Mineiro onde se instala, em 1947, a Faculdade de
Odontologia (antigo sonho uberabense que já tivera uma
existência efêmera em 1937/39). A seguir, as Irmãs
Dominicanas, que já mantinham o Colégio N.S. das Dores,
fundam a Escola de Enfermagem Frei Eugênio (1948) e a
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Santo Tomas de Aquino
(1949). Em seguida, nos anos 50, surgem vários cursos das
Faculdades Integradas de Uberaba (FIUBE) que, transformada
em Universidade de Uberaba, em 1988, hoje oferece um grande
número de cursos de nível superior sejam presenciais ou a
distância. Paralelamente, surge a Faculdade de Medicina do
Triângulo Mineiro – FMTM (criada em 1954 e federalizada em
1960), que instala, mais tarde, os cursos Superiores de
Enfermagem e Biomedicina.Transformada em Universidade, em
2006, vem abrindo novos cursos, incluindo as diferentes
licenciaturas para atender às necessidades do ensino
fundamental e médio. Surgem ainda outras faculdades isoladas
como a de Ciências Econômicas e Contábeis, Administração, por
iniciativa da Associação Comercial de Uberaba (ACIU) e a
Faculdade de Zootecnia e Agronomia (FAZU), iniciativa da
Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ) que também
se expandiu com a criação de outros cursos. O nível do ensino e
pesquisa ministrados por estas instituições tornou Uberaba
uma verdadeira metrópole universitária.
Também dos anos 50 em diante, o Brasil adota a
industrialização como meta desenvolvimentista e o país vai se
tornando cada vez mais urbano e industrial. Com o
planejamento global da economia (Planos, Metas, Planos
Qüinqüenais e outros), o sistema capitalista se afirma e as
regiões periféricas passam a ter a sua economia definida dentro
das grandes metas do desenvolvimento nacional. O processo de
descentralização industrial leva à criação dos projetos Pólo
Químico (sobretudo indústrias de fertilizantes e defensivos
agrícolas) e POLOCENTRO, que facilitam o desenvolvimento da
agricultura de grãos nos cerrados e chapadões do Triângulo
Mineiro. A cidade de Uberaba recebe vultosos recursos para
instalação de seus Distritos Industriais e para adaptar a sua
estrutura urbana aos padrões exigidos pelas cidades em vias de
industrialização.
Surgem novos bairros e conjuntos populacionais que
abrigam a classe operária. Canalizam-se os córregos que cortam
a cidade, alargam-se e alongam-se as avenidas que recebem a
rede bancária.
Ao longo das últimas décadas, Uberaba foi perdendo
suas características originais, que a individualizavam. Foi
destruindo, em nome da modernidade, o seu patrimônio
histórico edificado que a distinguia como uma importante
cidade com raízes no século XIX e que apresentava um
desenvolvimento diferenciado, para uma cidade do interior, no
início do século XX. Vai procurando se enquadrar nos padrões
homogêneos e pré-estabelecidos de uma urbe que persegue,
imita, ou acalenta o sonho de ser “grande”, ainda que isto
signifique tornar-se também “sem memória”.
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CABEÇA DE ESTADO DOMINGOS
Carlos Donizete Bertoluccicorrespondente da ALTM - Uberaba MG
Carlos Donizete Bertoluccicorrespondente da ALTM - Uberaba MG
Novamente
As províncias se exaltam
E desembainham seus verbetes plebiscitários
Que refletem a região!
Somente os poderes
Atravessam as fronteiras
E os rios seguem seus destinos...
O que faz a flora
Nas divisas opostas
Permutarem seus polens
Sem conclamar por etnia?
_Tão quanto os peixes
Dos rios que divisam!?
Outra vez
O órfão impõe as divisas
Conservadas por força ativa
Que acaso
Insere na trigonometria
(Cabeça de Comarca, Arraial de Mineiros;
o Descoberto do Rio das abelhas
formatados Farinha Podre):
O Delta das Minas Gerais!
Feliciano, guarda-mor, o precursor
Extratriangulino,
Aqui fincou Bandeira
Montou em cavalos de seixos amarelos
Porque se foram
Tantos domingos tediosos
Hoje perco
Ao divã
Aquelas tardes chatas
De um calor infindo
Tantas cadeiras pelos caminhos
Forro de mesa manchado, -
Gritos, risos...
Piadas sem graças...
Hoje é tarde em Nova Iorque:
Sinto calafrio daquele inverno
Que não vimos
(Com você pendurada em mim...)
De Roma pra lá
Um mar Morto sem sepulcro
Sem campa, -
Ausência de júbilo consonante
No Muro das Lamentações.
Mar Vermelho sem tinta
E exangue
Distancia-me da Pirâmide
O meu gosto pelo mar azul.
Argel, foge do Nilo, de propósito
Para o meu divã
E esse cheiro acre de sarcófagos
Invade-me pelas ruínas
De domingos derradeiros
Numa solidão sem fim
Num sossego insuportável!
Mas o Mediterrâneo me impede
E fico numa redoma de vidro
Cessado o galope dos Quintos
Ao óbice do Mártir Nacional!
Agora, a terra em Estado
Proclama
Liberdade nas divisas que circundam
Entre seus rios, seus prados, suas serras...
Seus mananciais, seus cerrados, seus chapadões!...
Já é agora
A continuidade de sua vida própria?
O rio Grande, o Paranaíba e o São Francisco
São rios que nascem que se abraçam que correm
E que vivem
Entre outros que se dividem
E se ajuntam
Para viverem na glória
De serem confraternizantes:
Não pertencerem a coronéis,
Para a terra não existir fronteiras!
_O Triângulo mineiro não existe!...
Minas Gerais não existe!...
São Paulo não existe!...
Goiás não existe!...
O Brasil não existe...
(Emancipação é azo de pequeno-burgueses)
Perdida em Atlântida
E sinto falta
Daqueles domingos
(com você pendurada em mim)
Sem homenagens póstumas
Sem reflexões
Naquelas tardes monótonas
De aniversários de meninos
Mas não posso, -
Em Nova Iorque é verão, -
Um avião não identificado
Invadiu o espaço aéreo de Washington,
De Roma além
Repouso em um divã
Sem você pendurada em mim
E em minha redoma
Estou isento de atentados.
Queria ter ido, mas não fui
E fiquei,
abandonando um sonho
In memoriam.
Homens bomba explodem embaixadas
Ianques e britânicas – aeroportos...
Em Los Angeles o vírus chegou
Por um bueiro,
Estado de alerta em Londres, -
Em Istambul
Uma nuvem negra cobre o chão
Em sangue...
Numa ante-sala
Amargo um Domingo intolerável
Num silêncio infindo
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Convergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo MineiroConvergência - nº 24 - novembro 2011 - Academia de Letras do Triângulo Mineiro
TEMPO QUASE ESQUECIDO...
Carlos Alberto Batista OliveiraColaborador
Que saudades,
Que saudades...
São lembranças,
Lembranças dos idos dias,
Dias de ausência,
Dias de carência,
Tristes dias.
Quando avistava o carteiro,
O coração batia,
O lábio tremia,
A lágrima rolava,
E nada chegava...
Que saudades,
Que saudades...
Quanta saudade,
Triste realidade.
Sem notícias,
Sem carta,
Coração apertado.
Tudo trancado, sem sorriso,
Tudo era silêncio.
Tudo era carência,
Tudo era ausência,
Só saudade.
E o calendário a correr,
Ora frio, ora calor.
Chuvas, sol, dias longos,
Peito travado,
Suspiro embargado...
Que saudades,
Que saudades...
E lá vem o carteiro,
O homem da notícia,
Lá vem ele novamente...
E o coração dispara,
Nos olhos, um só brilho.
Mãos trêmulas, saudades...
Hoje tem carta,
Tem notícias do meu amor,
Saudades, lágrimas,
Alegrias e tristeza...
Que saudades,
Que saudades...
Um papel, uma carta,
Notícias, e sua letra...
Seu perfume, e minhas lágrimas.
São sonhos passados,
Recordações de tristes dias...
São dias passados,
Dias que não voltam mais,
Saudades de um tempo,
Tempo quase esquecido...
Tempo em que se escreviam cartas...
Que saudades,
Que saudades...
Notícias trágicas nos jornais
Toalha de mesa branca, sem talheres
Na sala de jantar, -
Perdi o sossego só em pensar:
Domingos iguais
Tardes intermináveis
Calor tropical
Suportáveis nostálgicos!...
Contrato de viver
Num ato de pleno direito,
Nos permitimos, após manifestações
De nossas almas e corpos,
Estarmos unidos, puro desejo, sentimentos.
Nosso contrato, após nossas manifestações
Veio se fortalecendo em nosso dia-a-dia.
Ao expressar nossas vontades
Nossa cumplicidade veio amadurecendo, frutificando...
Nossas manifestações, nossos desejos,
Vem se fortalecendo, crescendo, firmando.
O meu desejo, o seu desejo... Algo forte,
Não é passageiro, tem rumo morte.
Sua alma, num terno contrato,
Sem vícios, com muito amor,
Buscou minha'lma...
Vivendo hoje momentos felizes,
De pleno direito.
Se completam, vivem, vivem
Como jamais viveram.
Num pleno viver, viver de amores,
Numa busca constante de almas ardentes,
Busco fortalecê-la, compreende-la,
Busco completá-la.
Procuro assim, com seu amor,
Unir nossas almas, nosso contrato.
A cumplicidade de nossas almas é vidente,
Trilham caminhos semelhantes,
Buscam o amor.
Nossos pensamentos... Uma mesma direção.
Busco você, me completo em seu coração.
Contrato de almas, contrato de amor,
Contrato de corpos, contrato de prazer,
Contrato de viver...
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TRÊS HORAS DE AMOR SEM PUDOR CIDADANIA
Ubirajara FrancoCadeira número 25 - Uberaba MG
Hely Araújo Silveira
Três horas de amor...
Os minutos correm...
Você ao meu lado,
Colada em mim,
É silencioso.
É olhar.
É suspirar!...
São minutos e você,
Penso tudo
Nada falo.
São minutos,
Corre o tempo,
Nosso envolvimento cresce,
Seu suspirar aumenta,
O meu respirar, cresce...
Entramos na mesma sintonia,
Somos duas almas,
Somos dois corpos,
Somos você e eu,
Um só coração!...
O tempo passa,
Nosso tempo vai,
São três horas,
São três horas de amor.
Somos dois corpos,
Um só respirar,
Dois corpos,
Duas almas,
E desejos...
“Se queremos progredir, não devemos repetir a
História, mas fazer uma História nova”. Mahatma Gandhi
"Não me importa o grito dos maus, preocupa-me o
silêncio dos bons". Martin Luther King
que será cidadania ? As pessoas a praticam ? Se
não, porquê ?OHá algum tempo atrás era eu o Secretário Municipal de
Assistência Social quando, visitando uma creche no Tutunas,
deparei-me com um acontecimento que muito me sensibilizou.
Era época de eleição municipal e, a professora, adepta de
cidadania, programou uma “eleição para prefeito da creche”
tendo alguns alunos se apresentado como “candidatos”. As
crianças todas da creche reunidas assistiam a cada um dos
“candidatos” falar sobre seus projetos, caso fosse eleito. E a
professora as incentivava a fazerem perguntas aos
“candidatos”. Então isto era um ato de cidadania, ou seja,
preparar as crianças para um futuro melhor pois aquele "teatro"
fora um ensaio para a vida real quando aquelas crianças terão
que escolher os administradores de suas cidades, estados e
Nação. Temos certeza que as mesmas jamais esquecerão
aqueles momentos e levarão consigo, para sempre, uma aula de
cidadania .
Tudo sem pudor
Curvas e curvas,
Calor,
Corpo,
Amor!...
Mulher bela,
Total saber.
Alma com vida,
Vida e alma.
Muito brilho, silueta...
Tons sobre tons.
Muito vigor.
Calor,
Sabor,
Amor!...
Tudo sem pudor.
Cheio de cor,
Cheio de vida,
Cheio de brilho,
Repleto de amor!....
Com cheiro,
Com suor,
Com desejo,
Com vida fazendo vida
Tudo com amor
Tudo por amor,
Tudo sem pudor,
Com seu amor,
Com meu amor,
Tudo,
Tudo pelo nosso amor!...
Cidadania é pensar no próximo, é ajudar a quem precisa,
é respeitar os direitos de cada um, é pensar grande em termos
de desenvolvimento em todos os aspectos da vida moderna.
Cidadania é ver o desenvolvimento como o viu Gandhi, é
participar ativamente de ações que visem o bem comum como o
previu Martin Luther King.
A civilização, de modo geral, padece de males que
poderiam ser evitados caso houvesse um preparo de cidadania
envolvendo principalmente crianças – educação infantil , e
famílias – estruturação.
Particularmente em nosso país, nota-se uma cidadania
fraca. Porque os bons, em sua maioria, ficam silenciosos. Há que
se criar, portanto, a cultura da ação de cidadania onde cada
pessoa pense no bem estar geral, no progresso geral, na solução
dos problemas que afetam a comunidade como um todo – geral.
Verifica-se, portando, que a cidadania parte do individual para o
geral.
Cabe-nos uma pergunta, a cada um de nós: o que tenho
feito pela cidadania?