Convivendo com as Inundações - grdbrasil.orggrdbrasil.org/arquivos?arquivo=poa/Gibi.pdf · 2...

24
1 Porto Alegre é uma cidade sujeita a inundações e alagamentos. O desastre de outubro de 2015 ainda está muito presente na memória, como um momento de grandes dificuldades, especialmente para as famílias residentes em áreas mais expostas à enchente do Rio Jacuí. No entanto, perder tudo a cada vez que a água sobe não é uma fatalidade. Se o perigo natural desempenha um papel importante neste processo, existem soluções para prevenir e diminuir as consequências nefastas das enchentes e chuvas intensas. É graças ao desenvolvimento da área de conhecimento de “gestão de riscos de desastres” que hoje é possível viver em zonas com risco de terremotos ou vulcões, como no Japão. Em Porto Alegre, como em muitas outras cidades de países em desenvolvimento, as ações municipais e dos próprios moradores são geralmente emergenciais (justo depois das inundações e/ou alagamentos), embora muitos estudos mostrem que uma intervenção preventiva (antes de desastres) pode evitar muitas perdas e prejuízos às famílias, além de custar bem menos aos cofres públicos. Quem tem mais a ganhar com essa preparação são as comunidades mais carentes que moram em regiões frequentemente inundadas ou alagadas, tais como as regiões do orçamento participativo de Ilhas e da Grande Farrapos (Farrapos, Humaitá, Anchieta, Navegantes e São Geraldo) em Porto Alegre. Convivendo com as Inundações

Transcript of Convivendo com as Inundações - grdbrasil.orggrdbrasil.org/arquivos?arquivo=poa/Gibi.pdf · 2...

1

Porto Alegre é uma cidade sujeita a inundações e alagamentos. O desastre de outubro de 2015 ainda está muito presente na memória, como um momento de grandes dificuldades, especialmente para as famílias residentes em áreas mais expostas à enchente do Rio Jacuí.

No entanto, perder tudo a cada vez que a água sobe não é uma fatalidade. Se o perigo natural desempenha um papel importante neste processo, existem soluções para prevenir e diminuir as consequências nefastas das enchentes e chuvas intensas. É graças ao desenvolvimento da área de conhecimento de “gestão de riscos de desastres” que hoje é possível viver em zonas com risco de terremotos ou vulcões, como no Japão.

Em Porto Alegre, como em muitas outras cidades de países em desenvolvimento, as ações municipais e dos próprios moradores são geralmente emergenciais (justo depois das inundações e/ou alagamentos), embora muitos estudos mostrem que uma intervenção preventiva (antes de desastres) pode evitar muitas perdas e prejuízos às famílias, além de custar bem menos aos cofres públicos.

Quem tem mais a ganhar com essa preparação são as comunidades mais carentes que moram em regiões frequentemente inundadas ou alagadas, tais como as regiões do orçamento participativo de Ilhas e da Grande Farrapos (Farrapos, Humaitá, Anchieta, Navegantes e São Geraldo) em Porto Alegre.

Convivendo com as Inundações

2

Nesse contexto, o Banco Mundial, que não é um banco como os outros, veio a pedido da Prefeitura de Porto Alegre para ajudar a entender melhor quais foram os impactos sociais das inundações e alagamentos de outubro de 2015 nessas regiões, e diagnosticar o que faltou para evitar estragos tão grandes. O nome desse projeto, desenvolvido em parceria com o Escritório de Resiliência de Porto Alegre, é “Convivendo com as inundações: um estudo para construir resiliência com as comunidades de Porto Alegre.”

É importante destacar que não se trata de um estudo acadêmico, mas uma pesquisa participativa, que visa a transformação da gestão de riscos de inundação e alagamentos na cidade. No âmbito desse projeto, foram realizadas cinco rodas de conversa com líderes

Levantar informações e sugestões de pessoas

que vivenciaram o problema na pele.

Construir soluções adaptadas ao contexto

local de forma a garantir que façam sentido para os

moradores.

Sensibilizar as pessoas sobre o fato de que a gestão de

riscos é uma responsabilidade compartilhada, o que significa que tanto a Prefeitura com os moradores devem fazer sua

parte de forma integrada para amenizar o problema.

3

comunitários e voluntários de cada região para: As temáticas debatidas durante os encontros foram as seguintes:

1) Introdução: identidade e problemas comunitários;

2) Revisitando a história e a linha do tempo das inundações e/ou alagamentos;

3) Desenhando o processo das inundações e/ou alagamentos na comunidade (leitura comunitária dos fatores de risco);

4) Identificando os atores e as responsabilidades de cada um;

5) Encerrando para iniciar... Um encontro comum juntando as duas comunidades na perspectiva da organização do workshop final.

Este Gibi foi realizado para ilustrar e compartilhar esse rico processo de construção coletiva e de debate conduzido pelos pesquisadores do Banco Mundial e servidores do município de Porto Alegre nas comunidades de Ilhas e de Humaitá-Navegantes entre junho e setembro de 2017.

Esperamos que, como a nós, ajude a refletir sobre qual pode ser o seu papel na construção de uma solução viável para melhorar a vida das pessoas morando nessas regiões.

Boa leitura!

A equipe de pesquisa de “Convivendo com as inundações: um estudo para construir resiliência com as comunidades de

Porto Alegre”

1 roda deconversas1 roda deconversas1 roda deconversas1 roda deconversas

4

Porto Alegre, 7 e 8 de junho de 2017.

As cadeiras já se encontravam em roda, como se fossem um convite ao diálogo.

No início, a gente chegou meio tímido, sem saber o que iria acontecer.

No cartaz, estava escrito:

Ninguém

Começou a chover,

é horade levantaros móveis A burgyesia

precisa sofrerpara entender...

Aprendemos a viver como

peixes!

nos enxerga...Ninguém

Começou a chover,

é horade levantaros móveis A burgyesia

precisa sofrerpara entender...

Aprendemos a viver como

peixes!

nos enxerga...

5

Antes de mais nada, é preciso entender o que é isso.

Rodas de Conversa são uma forma de colher o que as pessoas pensam e vivem sobre um assunto.

No nosso caso, conversamos sobre as inundações em Porto Alegre, nas regiões em que vivemos e como convivemos com elas.

Foram cinco rodas de conversas, com moradores das Ilhas e da Grande Farrapos.

6

As rodas foram coordenadas pela equipe do Banco Mundial, que planejava cada encontro para que pudéssemos dialogar sobre tudo o que envolve nossa relação com as chuvas, nossa comunidade e o poder público.

O Banco Mundial não é um banco como os outros. Em parceria com o Governo Federal, os Estados e os

Municípios, como Porto Alegre, ele financia projetos e estudos para combater a pobreza e compartilhar prosperidade.

As rodas de conversa e outras ações fazem parte de uma pesquisa em conjunto com a Prefeitura, que busca entender como as inundações afetam cada região e o que fazer para melhorar a vida das pessoas.

É bom saber que conversas são relatos de experiências e sentimentos. Por isso, aqui

você terá a nossa versão da história.

Precisamosir além demedidaspaliativas!

Somos um corpo que temque funcionar

junto!

Não conseguimos

nada sozinhos!

7

Começamos pensando sobre nossos papéis, nossa comunidade e nossas preocupações.

8

Quem é de fora das ilhas ou não conhece profundamente a região da Grande Farrapos acredita que somos um bolsão de pobreza.

Estão enganados. Quem nos

conhece de perto sabe que somos

um bolsão de riqueza.

Riqueza cultural, social. Riqueza

turística.

Achamos até que o poder público já sabe disso, já vê o valor econômico que essas regiões têm.

E talvez por isso, não invista tanto quanto gostaríamos. Aqui faltam saneamento básico, tratamento de lixo, postos de saúde, vias adequadas para evitar inundações e transporte de qualidade.

Há quem diga que tudo isso é responsabilidade nossa, que moramos em lugares onde não deveríamos. Mas só entendendo a história para saber.

9

Na década 1970, a cidade implantou um sistema de proteção, do qual o dique da Freeway e as bombas fazem parte.

Hoje, as pessoas que moram nas ilhas e as que moram em Farrapos enfrentam as inundações de forma diferente, mas temos uma história comum.

Antes, o rio subia pros dois lados.

10

Quem mora nas ilhas, por ocupar uma área ribeirinha, ainda sofre com consequências das chuvas prolongadas em direção às nascentes dos rios que formam o Guaíba e por causa do vento sul que traz a água de volta.

Elas vêm de forma lenta e demoram a ir embora. Bem diferente do que acontece com quem vive no continente.

As enchentes nos

Com o tempo, aprendemos a conviver com elas. São naturais.

11

Apesar de a enchente ser um fenômeno natural, alguns fatores vinculados à urbanização da cidade agravaram a dinâmica das enchentes devido à alteração do curso do rio.

No continente, os moradores das vilas como Farrapos não sofrem com o rio que sobe, mas com alagamentos: quando o sistema de escoamento não dá conta da chuva que cai.

Para piorar a situação, as bombas, que têm a função de jogar a água do bairro para o lago, na maioria das vezes não funcionam na capacidade adequada. Basta chover intensamente, por 10 a 20 minutos, que as ruas já alagam.

12

Por isso, a forma de encarar as inundações é diferente pra cada um de nós.

As ilhas foram ocupadas por povos diversos: havia quilombos, portugueses, alemães, pescadores e índios (não devemos nos esquecer deles).

Mesmo assim, estamos interligados. Basta olhar como

é nossa história.

13

Alguns moradores das ilhas vieram por causa das “desocupações”, reassentamentos forçados.

E pessoas das vilas da região Norte de Porto Alegre também vieram das ilhas, buscando condições diferentes de vida.

E, além de sermos impactados pelas chuvas, existe algo que nos une: a sensação de que não somos vistos.

Precisamosde

AÇÃO!!!Nosso Partido

é a Cidadania!

Participaçãotem peso!

Todo mundo

é responsável!Precisamos

de AÇÃO!!!

Nosso Partido

é a Cidadania!

Participaçãotem peso!

Todo mundo

é responsável!

14

Na hora em que falamos das inundações, tem tanta coisa envolvida que não cabe na página.

15

Para quem mora na região de Farrapos, grandes obras se multiplicaram, nem sempre trazendo as contrapartidas que tinham sido prometidas.

Por exemplo, temos a Arena do Grêmio. Esse gigante polêmico que, para nós, trouxe problemas. Por exemplo, sobrecarregou o esgoto, trouxe mais alagamentos e sujeira.

Para muitos de nós, o lixo é tanto fonte de sustento quanto fator de risco, porque traz doenças, contaminação e dificulta a drenagem da água.

Por isso, é preciso uma reeducação sobre como lidar com ele. Saber das coisas ruins que ele traz quando chove.

E tem também o lixo.

Porque ninguémconserta as bombas?

Quem cuida das bombas?

Por que, em pleno Século XXI, precisamos

de alguém paraacionar as bombas?

Porque ninguémconserta as bombas?

Quem cuida das bombas?

Por que, em pleno Século XXI, precisamos

de alguém paraacionar as bombas?

16

As bombas são também uma grande preocupação.

Quando a chuva vem, independentemente de onde a gente more, uma coisa é fundamental:

A água nos une, nos faz buscar meios de

ajudar o outro.

QueremosSaúde! Sociedade

e PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!

QueremosSaúde! Sociedade

e PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!

QueremosSaúde! Sociedade

e PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!

QueremosSaúde! Sociedade

e PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!Queremos

Saúde! Sociedadee PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!

QueremosSaúde! Sociedade

e PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!

QueremosSaúde! Sociedade

e PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!Queremos

Saúde! Sociedadee PoderPúblico

OrçamentoParticipativo!

17

Mas essa união não pode durar somente enquanto a enchente existe. Tem que existir antes, durante e depois.

É uma questão de estratégia e compromisso entre nós e o Governo.

Algo que só vem com participação e mobilização.

Porque se não temos mobilização, somos invisíveis.

18

Esse não é um problema só de quem mora nas ilhas, ou na Grande Farrapos.

É um problema da cidade.

Temos que nos preparar, juntos, para as enchentes que virão.

Tudo isso começou como uma conversa em roda. Agora é hora da ação.

Todos os atores são importantes. Inclusive você.

Vamos juntos?

19

Cada um de nós pode contribuir para amenizar o risco de inundação e/ou alagamento. Eis algumas ideias para fazer sua parte:

Não construir casas ou instalar comércios às beiras dos rios, em locais frequentemente inundados.

Não acumular ou depositar lixo nas ruas e nos terrenos das comunidades, pois pode trazer doenças quando espalhado pela água.

Mas o mais importante é a construção coletiva de soluções. Para isso, existe um espaço inédito em Porto Alegre, chamado “Grupo de Ação sobre Inundações & Alagamentos em Porto Alegre (GAIA)”, onde Prefeitura e comunidades se juntam para debater ideias. Participar das reuniões desse grupo é um excelente meio para entender melhor como você pode ser útil à coletividade para ajudar a resolver o problema.

Para saber mais, contatar Cláudia Franciosi: E-mail: [email protected]: 3289-3794.

Como posso contribuir?

20

Em coordenação com o Escritório de Resiliência da Cidade de Porto Alegre, que lançou a sua primeira Estratégia de Resiliência em janeiro de 2016, o projeto “Convivendo com as inundações: um estudo para construir resiliência com as comunidades de Porto Alegre”, realizado pelo Banco Mundial, pretende contribuir para a criação de soluções resilientes de gestão de riscos de desastres.

Estas medidas devem ser compartilhadas entre as comunidades afetadas e a própria Prefeitura. O intuito é melhorar a vida das pessoas morando nas zonas de risco de inundação de Porto Alegre, de forma que elas convivam melhor com o perigo natural. As soluções buscam levar em conta as características e potencialidades das populações locais.

21

O projeto está sendo desenvolvido em duas fases (uma com enfoque social, e outra com viés econômico) entre 2017 e 2018 em duas Regiões do Orçamento Participativo (OP) do Noroeste de Porto Alegre: • A Região 17, chamada “Ilhas”, que corresponde ao bairro de Arquipélago, o qual compreende as ilhas da Pintada, Mauá, Flores, Ilha Grande dos Marinheiros e Pavão; • A Região 01, “Humaitá/Navegantes”, que compreende os bairros de Farrapos, Humaitá, Anchieta, Navegantes e São Geraldo.

De forma simplificada, os objetivos específicos do projeto incluem:

• Entender melhor como ocorrem as inundações; • Entender como e por que alguns grupos de população são mais afetados; • Saber o que as famílias fazem para se proteger ou enfrentar as inundações; • Avaliar até que ponto essas estratégias das famílias, das comunidades e da Prefeitura ajudam os moradores em caso de inundação; • Conscientizar os moradores de que eles têm um papel ativo a desempenhar para lutar contra as inundações; • Calcular quanto as inundações custam aos cofres da Cidade; • Ajudar a Prefeitura e as comunidades das regiões de estudo a tomarem decisões em conjunto para reduzir os impactos das inundações na vida das pessoas.

22

Foram utilizados diferentes recursos metodológicos para atender aos objetivos do projeto, dentre os quais:

• Coleta e análise de dados georreferenciados (GPS) das áreas de estudo; • Duas rodadas de levantamento domiciliar de informações, a partir da aplicação de um questionário em um número específico de domicílios nas áreas de estudo; • Cinco rodas de conversa com lideranças comunitárias de cada região de estudo; • Nove entrevistas com representantes do poder público e lideranças comunitárias; • Workshop e estratégias diversas de sensibilização para a redução de riscos de inundação.

As recomendações propostas pelo Banco Mundial em decorrência da análise desses dados integram uma leitura técnica da situação; as opiniões e percepções dos atores (comunidades e Prefeitura); e uma leitura jurídico-legal das restrições do que pode ser feito. Essas soluções serão debatidas em conjunto com representantes da Prefeitura e das comunidades nos encontros do Grupo de Ação sobre Inundações & Alagamentos em Porto Alegre (GAIA).

23

O presente Gibi foi realizado pela Equipe de Gestão de Riscos de Desastres do Escritório do Banco Mundial no Brasil, liderada por Frederico Ferreira Pedroso, no âmbito do projeto “Convivendo com as inundações: um estudo para construir resiliência com as comunidades de Porto Alegre”, coordenado por Pauline Cazaubon.

Idealização: Carolina Abreu, Janaína Furtado, Lucas Alves, Mariana Ceratti, Pauline Cazaubon, Rafael Schadeck, Rejane Ribeiro, Roque Dalotto.

Roteiro e Arte: Lucas Alves.

A equipe agradece todos os participantes das rodas de conversa, os pontos focais das comunidades de Ilhas e Humaitá-Navegantes (Dayane Ramos, Juramar Vargas, Patrícia Salcedo e Valdir Coêlho), e a Prefeitura de Porto Alegre (Cláudia Franciosi & David “Madalena” Monteiro do Escritório de Resiliência, e Rodrigo Corradi, da Direção de Relações Internacionais), sem os quais a elaboração deste documento não teria sido possível.

Créditos