Cooperação Internacional Em Ciência e Tecnologia

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Artigo em português sobre a cooperação internacional em ciência e tecnologia

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  • 5ARTIGO

    Cooperao internacional em cincia e tecnologia: oportunidades e riscos

    International cooperation in science and technology: opportunities and risks

    DARLY HENRIQUES DA SILVA*

    Introduo

    Este trabalho explicita diferenas entre colaborao e cooperao visando entender as novas formas de trabalho conjunto observadas desde a dcada de 80 nos pases lderes mundiais em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)1. Pretende chamar a ateno de estudiosos, planejadores e administradores de poltica de Cincia e Tecnologia (C&T) no Brasil para a evoluo deste tipo de trabalho; a identificao dos parceiros; os motivos que os fazem cooperar, e as condies para o estabelecimento de parcerias. Razes que diferenciam projetos internacionais e parcerias bem sucedidas, de outros que tm seu desenvolvimento comprometido e os objetivos no atingidos. Alm disso, a organizao em cooperao favorece o setor pblico quanto transparncia e coordenao, e portanto, um instrumento de poltica para evitar anomalias de mercado, como monoplios, que inibem o processo competitivo. Novos tipos de competidores, trabalho conjunto e restruturao industrial, via introduo de novas tecnologias e inovao, inclusive organizacionais com impacto sobre a produtividade, tm acirrado a competio.

    A cooperao baseada em P&D enfatizando as alianas estratgicas constitui tema de vrios estudos2 e seu conceito crucial para se entender a atividade de

    1 Ohmae, K. The Global Logic of Strategic Alliances. Harvard Busisness Review, Mar-Apr. 1989,p. 143-154; Gomes-Casseres, B. The Alliance Revolution: The New Shape of Business Rivalry. Harvard University Press: Cambridge, MA, 1996; Brascomb, M.M.; Keller, J.H. (Eds). Brascomb, L.M; Florida, R. Challenges to Technology Policy in a Changing World Economy in Investing in Innovation, MIT Press, 1998.2 Gibbons, M.et al. The new production of knowledge The dynamics of science and research in contemporary research. London: Sage Publications, 1994; Etzkowitz, H. et al. The Future of the University and the University of the Future: Evolution of Ivory Tower to Entrepreneurial Paradigm. Research Policy, Vol. 29, 2000, p. 313-330; Von Zedtwitz, M; Gassmann, O. Market Versus Technology Drive in R&D Internationalization: Four Different Patterns of Managing Research and Development. Research Policy, Vol. 3, 2002, p. 569-588.

    Rev. Bras. Polt. Int. 50 (1): 5-28 [2007]

    * Analista de Cincia e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPQ, Coordenadora Geral de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia do Ministrio da Cincia e Tecnologia MCT. Doutora em Economia pela Universidade de Paris I Sorbonne (Frana) e possui ps-doutorado em Poltica de C&T e Espacial pela Universidade George Washington ([email protected]).

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    P&D, por isso, constam do presente texto. Diferente do conceito de alianas em setores estratgicos, alianas ou parcerias estratgicas so novas formas de trabalho conjunto entre parceiros industriais rivais ou no, derivadas dos princpios da globalizao. A aliana inaugura uma vantagem competitiva dos parceiros e passa pela inovao, tecnologia e crescimento sustentvel. Representa oportunidades, mas, como muitas vezes, a distino entre o nacional e o internacional apenas retrica, pode representar riscos para os pases em desenvolvimento3.

    Narula (2001)4 discutiu a pertinncia de se desenvolver P&D internamente ou no exterior e, neste ltimo caso, sob que condies. Estudiosos se dedicaram ao exame dos benefcios de consrcios de P&D, traduzidos no compartilhamento de custos fixos e na internalizao dos aspectos de P&D entre os participante. Poyago, Beath e Siegel (2002)5 analisaram o crescimento de parcerias universidade-empresa, enquanto Sakakibara (2003)6 tratou de inovao e aprendizado relacionados P&D. Wagner (2002)7 mostrou como a cincia se imbricou com a poltica externa em tempos de paz, assunto enfatizado neste trabalho.

    Vantagens e desvantagens em cooperar internacionalmente

    Por que cooperar internacionalmente? Porque cooperao a melhor forma ou apenas o nico meio para alcanar objetivos comuns no mundo globalizado. A cooperao internacional abre janelas de oportunidade para os pases em desenvolvimento. Mas cooperao requer barganha para se alcanar um acordo, e neste processo, todos os parceiros tentam maximizar seus interesses. Assim, consumar um acordo e sustent-lo at o final do projeto/programa comum uma tarefa rdua.8 Constituem benefcios da cooperao, o compartilhamento dos custos, o acesso experincia, tecnologia e instalaes. A cooperao serve tambm como reforo poltico para o projeto/programa; cria ou estreita boas relaes, exerce influncia sobre os parceiros e funciona como efeito demonstrao de liderana.

    Por outro lado, os riscos em cooperar so a perda de liberdade de ao, com a criao de dependncias, alm do incremento da complexidade gerencial. Riscos polticos se a cooperao falhar; transferncia indesejada de tecnologia sensvel pela comunicao muito pessoal e, ainda, ajuda involuntria em criar ou

    3 Kats, J. Structural reforms and technological behaviour. The sources and nature of technological change in Latin America in the 1990s. Research Policy 30, 2001, p. 1-19.4 Narula, R. Choosing Between Internal and Non-internal R&D Activities: Some Technological and Economic Factors. Harvard Business Review Technology Analysis & Strategic Management, Vol. 13, n 3, 2001.5 Poyago-Theotoky,J.; Beath, J; Siegel, D.S. Universities and Fundamental Research: Reflexions on theGrowth of University Industry-Partnerships. Oxford Review of Economic Policy, Vol. 18, n 1, Oxford University Press, 2002, p. 10-21.6 Sakakibara M. Knowledge Sharing in Cooperative Research and Development. Managerial and Decision Economics, Vol. 24, 2003, p. 117-132.7 Wagner, C.S. The elusive partnership: science and foreign policy. Science and Public Policy, December 2002,p. 409-415.8 Logsdon, J.M. Conferncia do curso US Space Policy realizado pela Elliot School of International Affairs da Universidade George Washington, em Washington DC, em 16.10.2003, mimeo, 7 pginas.

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    fortalecer futuros competidores 9. Por isso, os pases desenvolvidos reservam uma parte de conhecimento de fronteira e inovao tecnolgica (core technologies) para seu uso exclusivo, a fim de poderem garantir liderana e receber dividendos provenientes de copyrigths, marcas e patentes, e para tal, empregam todo o aparato legal disponvel de proteo propriedade intelectual e industrial. Tais instrumentos, os pases mais desenvolvidos fazem valer globalmente, usando os mais diferentes mtodos e meios de persuaso, como barreiras no alfandegrias, alfandegrias, comerciais e todo tipo de retaliao, poltica e econmica10. At nisso, a cooperao benfica, pois capaz de minimizar estes efeitos.

    Colaborao e cooperao: modos diferentes de relao internacional

    Colaborao e cooperao tm conceitos diferentes, embora ambas signifiquem trabalhar em conjunto e sejam importantes. A colaborao no eqitativa e assimtrica, o que implica a existncia de um ator principal, responsvel pelo projeto/programa e proprietrio dos resultados mais interessantes do ponto de vista de aplicao estratgica, industrial e comercial, enquanto os outros membros so apenas coadjuvantes. Em geral, este tipo de trabalho conjunto se limita assistncia tcnico-cientfica, formao de recursos humanos para a pesquisa, utilizao de equipamentos e laboratrios do membro principal em experimentos conjuntos de interesse maior dos donos da pesquisa; doao de equipamentos usados para pases menos desenvolvidos e instalao temporria e supervisionada em locais privilegiados no territrio do participante para observao/coleta de dados do membro principal.

    Critrios de preferncia por parte deste ltimo guiam a colaborao e definem, tanto os participantes, quanto o nvel individual de colaborao, o tipo de projeto (piloto ou outro), alm do tema do projeto/programa a ser desenvolvido. O controle e a gesto da colaborao ficam por conta do membro principal. No h confiana mtua. O participante mais forte, que pode ser individual ou representante de grupos de interesse utiliza os resultados da pesquisa em seu benefcio, pois tem um sistema de apropriao e valorizao do conhecimento mais gil e eficiente. Alm disso, toma a iniciativa de criar programas intergovernamentais em assunto de interesse geral, como meio ambiente. Muitas das colaboraes e projetos em andamento Norte-Sul11 na Amrica Latina apresentam este perfil e estas caractersticas.

    9 Caloghirou, Y; Hondroyannis, G.; Vonortas, N.S. The Performance of Research Partnerships. Managerial and Decision Economics, Vol. 24, 2003, p. 85-99.10 O acordo nuclear Brasil-Alemanha foi firmado sob enormes presses norte-americanas. Sobre este assunto vide A importncia da cooperao internacional para o desenvolvimento da cincia brasileira, Krieger, E.M. e Ges Filho, P. de, Parcerias Estratgicas, n 20, Parte 4, junho/2005, Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE)/MCT, p. 1.196-1.198.11 Aragn, E.L. em Cooperao Sul-Sul para o Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico da Amaznia, Trabalho apresentado no Seminrio Preparatrio da 3 Conferncia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao,CGEE/MCT, Braslia 15-16.3.2005, mimeo 30 pginas, apresenta definio de cooperao Norte-Sul, Sul-Sul, e Norte-Norte.

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    A cooperao surgiu no final da Guerra-Fria com a efetivao dos princpios da dtente e da globalizao. Houve necessidade de inimigos militares tradicionais, Rssia e Estados Unidos (EUA) trabalharem juntos, tanto para evitar a transferncia de tecnologia sensvel (nuclear e espacial) dos russos para pases indesejados pelos americanos, como o Iran, por exemplo, quanto para contribuir para o aumento da competncia dos aliados militares dos EUA, que so simultaneamente seus competidores comerciais, em especial, a Europa Ocidental e o Japo.

    Monitorar estas atividades mundialmente, bem como manter sigilo industrial e estratgico intramuros ficou muito difcil para os EUA, graas difuso da informao e comunicao de alta tecnologia em escala global. A mudana foi tambm influenciada pela chegada em cena de novos atores, pases no-alinhados, com inteno de desenvolver atividades nucleares, alm do crescimento exponencial de no-estados. Ademais, organizaes do terceiro setor em geral passaram a ter um papel ativo em C&T.

    Como resultado, a colaborao teve que evoluir para parceria mais eqitativa, privilegiando o dilogo, a negociao, a deciso conjunta, a definio de projetos em comum acordo e o compartilhando dos custos, sobretudo os de P&D.

    O grande diferencial entre as duas formas de trabalhar junto coloca disposio da cooperao, o que cada parceiro tem de melhor, e de maneira complementar, mas sempre garantindo a independncia de cada membro. Coordenao substituiu controle, e o exerccio da confiana passou a ser o princpio bsico em prol da parceria. Os resultados da cooperao pertencem aos parceiros, segundo definio previamente acordada, proporcional ao esforo de cada um, pois h confiana entre eles.

    Os arranjos legais tornaram-se gradativamente menos formais, e com isso, permitem maior flexibilizao das organizaes envolvidas. Cada parceiro traz para a cooperao o que sabe fazer de melhor. Por este motivo, entram em cooperao. O processo cooperativo pe em evidncia a ausncia direta de disputa em termos de apropriao do conhecimento e de tecnologias entre os parceiros. Para isso, os acordos e convnios trazem clusulas de propriedade intelectual e industrial e todos respeitam porque confiam uns nos outros. Este o principal motivo para se entrar em parceria: todos ganham. Cooperar para competir com outros fora da parceria a meta.

    A colaborao bem sucedida pode evoluir para cooperao. Um ponto essencial na cooperao que ela agrega funes e age transversalmente, assim, no se limita segmentao setorial. Rene conhecimento tcito12, kow-how e financiamento prprio. Cada parceiro co-responsvel pelo sucesso do

    12 Conhecimento no-codificado ou escrito, pessoal ou institucional, segundo, dentre outros, Brooks, H. The relationship between science and technology, Research Policy, 23 September 1994, p. 485; Bell, M e Pavitt, K. em Technological accumulation and industrial growth: contrasts between developed and developing countries, in Technology, Globalisation and Economic Performance, Archibugi, D. e Michie. J (Eds), Cambridge University Press, 1997, p. 92.

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    empreendimento. Este procedimento facilita o aprendizado organizacional. A parceria uma sociedade em que as regras so conhecidas, aceitas e respeitadas pelos seus membros. Os conhecimentos multidisciplinar e multisetorial enriquecem as alianas, tornando-as atraentes em termos de competitividade.

    Vrios anos de aprendizagem em trabalhar conjuntamente sob estas novas bases foram necessrios, sobretudo nas parcerias de gerncia/gesto compartilhada de programas e projeto13. Cooperao significa deciso conjunta, desde o planejamento at a execuo e avaliao final, bem como correo de rota para projetos de mdio e longo prazos.

    As chances de sucesso da parceria aumentam com os esforos em absorver conhecimentos anteriores de cada parceiro e os adquiridos na parceria. Parcerias bem sucedidas motivam a realizao de outras, mais audaciosas, exigindo mais conhecimento, confeco de trabalhos mais elaborados; compartilhamento mais eqitativo em termos de financiamento de cada um, e s vezes, conquista de fatias de mercado que as parcerias internacionais promovem e facilitam.

    Origens e caractersticas das alianas estratgicas

    Desde quando as parcerias comearam a se desenvolver, passaram por vrias fases. Isto permitiu adaptaes dos pases que perceberam, de incio, as mudanas provocadas internamente, que ocorreram como resposta ao contexto externo, cujas mutaes, eles prprios produziram. Como conseqncia maior destas transformaes, as firmas destes pases no mais se apiam na sua P&D para se manterem tecnologicamente competitivas. Este aspecto diferenciou o modo de agir das empresas multinacionais que, anteriormente, retinham os seus laboratrios de P&D na sede, e, conservavam os rivais distncia.

    A partir de meados dos anos 80, o desenvolvimento tecnolgico e econmico mundial foi guiado pela globalizao e seus corolrios, a dtente (aspecto poltico) e a desnacionalizao e internalizao (componentes econmicos) que se somaram para influenciar o modo de produzir e de comercializar em escala planetria.

    Em resposta a tais mudanas e com o acirramento da competio, essas firmas passaram a se agrupar em alianas estratgicas, associando-se, no raro, com concorrentes, nacionais e internacionais, para sobreviverem no mercado globalizado. Foi um perodo marcante de fuses e aquisies de firmas, bem como da reestruturao de setores industriais tradicionais, atravs de rearranjos organizacionais.

    O termo aliana ou parceria estratgica foi introduzido nesta ocasio. De um modo geral, aliana ou parceria estratgica se refere a acordos em que dois ou

    13 Vonortas, N. S. Cooperation in Research and Development. Kluwer Academic Publishers, 1997; Georghiou, L. Global Cooperation in Research, Research Policy, Vol. 27, 1998, p. 611-626.; Link, N.A; Paton, D; Siegel, D.S. An analysis of policy initiatives to promote strategic research partnerships. Research Policy, Vol. 3, 2002,p. 1.459-1.466; Caloghirou, Y; Hondroyaiannis, G.; Vonortas, N.S. op. cit., Ref. 9.

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    mais parceiros compartilham o compromisso de alcanar um objetivo comum, reunindo seus recursos e coordenando suas atividades. Alianas denotam um certo grau de estratgia e de coordenao operacional e devem envolver investimentos de cada uma das partes. No h repasse de recursos financeiros entre os parceiros.

    Nem todas as parcerias so alianas estratgicas na concepo de Yoshino14,adotada pelas Naes Unidas e neste trabalho. As excludas, como fuses e aquisies, contratos de subsidirias externas de firmas multinacionais e acordos de franchising no so alianas estratgicas porque no envolvem firmas independentes, com objetivos separados, ou que apelem para contribuio continuada de firmas participantes quanto transferncia de tecnologia ou a habilidades dos parceiros.

    No esforo de explicar as mutaes ento observadas, conceitos novos e correlatos passaram a compor a literatura sobre as novas formas de trabalho conjunto das firmas.

    Redes so as organizaes cooperativas interligadas que criam, adquirem e integram os diversos conhecimentos e capacidades necessrias para inovar tecnologias complexas. Exemplos destas ligaes organizacionais em redes so as alianas estratgicas. Consrcios, utilizando alianas estratgicas, apresentam tambm esta estrutura e so largamente empregados em cooperao internacional com vrios membros. As alianas estratgicas provem as unidades onde elas so empregadas com flexibilidade, deixando-as aptas a responderem s mudanas que ocorrem no mercado, e a reagirem ao aparecimento de novos competidores.

    A tecnologia a engrenagem das economias poderosas das sociedades ps-industriais. As inovaes tecnolgicas caracterizam-se por processos auto-organizveis nas firmas e nos atores. No h um controle central para arranjar as capacidades tecnolgicas e recombinar as antigas. As redes de inovao so auto-organizveis e esto vinculadas ao processo de globalizao, na medida em que as mudanas organizacionais e tecnolgicas ajudam a criar os mercados e a viabilizar a participao de outras instituies. Tais redes so capazes de aprender por interao. Para isso, desenvolvem relaes de confiana entre as partes.

    Correspondentemente, as instituies polticas e econmicas modificam as novas organizaes e, tambm, as inovaes tecnolgicas. A organizao/administrao das instituies to importante quanto as atividades de P&D, pois delas depende a efetividade da inovao, at a sua chegada ao mercado. A flexibilidade das redes e sua renovao so essenciais para as mudanas nas demandas do mercado. Tais redes precisam responder de maneira competitiva, mas devem ser capazes de se adaptar de forma a influenciar o meio a que tm acesso. H uma auto-organizao quando firmas tentam diversificar sua capacidade e aumentar seus recursos, e para isto, buscam parceria.

    14 Citado por Kang, N-H.; Sakai, K, p. 7, International Strategic Alliances: Their Role in Industrial Globalisation,Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE) (2000)5.

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    As alianas estratgias so orientadas pelas demandas do mercado globalizado, custos da sua rpida inovao e pelas oportunidades que se abrem pela regulamentao e as iniciativas de liberalizao. Seguindo este padro, mais de 10.000 alianas estratgicas internacionais em tecnologia foram formadas nos anos 90. Os EUA contriburam com 80% das alianas estratgicas, nacionais (maioria) e internacionais. Projetos cooperativos foram intensamente usados pelo Japo e o governo coreano lanou uma srie de programas cooperativos de P&D desde 1982.15

    Uma reao a tal movimento ocorreu na Europa Ocidental associada questo do emprego. As barreiras para mudar foram muitas, pois exigiam alto investimento16. Foi um perodo de transformaes organizacionais profundas no setor industrial de vrios pases que se prepararam para uma nova etapa, com a interveno decisiva dos respectivos poderes pblicos, mesmo por parte dos adeptos do livre-comrcio. O que estava em jogo, na ocasio, era a competitividade das indstrias e a sua sobrevivncia, inclusive as americanas que apontavam deficincias em relao japonesa que introduzira inovao organizacional no seu setor produtivo anos antes.

    Conselheiros em poltica de C&T dos EUA alertaram o governo sobre a necessidade de as polticas tecnolgica e industrial serem renovadas para tratarem com as complexidades tecnolgica e organizacional para manter a liderana do seu pas17. Estudos acadmicos e, tambm, de organismos internacionais, visando a criao de polticas pblicas se dedicaram, a partir de ento, a orientar os governos para tirarem o mximo proveito da nova ordem econmica que se formava.O objetivo para os pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico e para as naes em desenvolvimento, era no sentido de os governos incentivarem a indstria nacional a se engajarem em processos inovativos, utilizando a nova maneira de organizao. Dunning (1998)18, por exemplo, se dedicou ao exame do efeito que alianas estratgicas tiveram sobre o desempenho industrial.

    O Brasil se engajou neste movimento para responder a demandas tecnolgicas, mas sem se dar conta do processo global de difuso em curso e do impacto que teriam nos anos seguintes. A crise econmica que se abateu sobre o Brasil, aliada necessria democratizao naquele momento (anos 80), desviaram a ateno e o esforo nacionais sobre as questes tecnolgicas e as implicaes que as parcerias vinham provocando mundialmente.

    15 Narula, R.; Hagedoorn, J. Innovating through strategic alliances: moving towards international partnerships and contractual agrrements, Technovation 19, may 1999, p. 283-294.16 Sachwald, F. Cooperative Arguments and the Theory of the Firm. Focusing on the barriers to change. Journal of Economic Behavior & Organization, Vol. 35, 1998, p. 203-225.17 Rycroft,R.W.; Kash, D.E. Innovation Policy for Complex Technologies. Issues in Science and Technology,Fall 1999, p. 7379.18 Dunning, J.H. Location and the Multinational Enterprise: a Neglected Factor. Journal of International Business Studies, Vol. 29, n 1, 1998.

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    Ora, os pases que geram inovao so os que produzem e detm tecnologia. So tambm os que mais rapidamente criam ou adaptam suas estruturas industriais e organizacionais para facilitar a adoo e difuso de novas formas de produzir. Eles so os maiores usurios das parcerias formais, das quais uma faixa estreita contempla inovao, pois o mapa da inovao muito restrito a alguns pases desenvolvidos. Os pases em desenvolvimento utilizam parcerias estratgicas, mas representam menos de 5% do total mundial.19 Este percentual indicou para vrios estudiosos que os pases em desenvolvimento estavam ficando para trs nos setores emergentes. Parcerias baseadas em P&D so importantes pois impactam sobre a capacidade industrial dos participantes. Um grande nmero de parcerias se destina a atividades como marketing ou somente P&D, refletindo o papel crescente de firmas de servio em parcerias internacionais.

    Mudanas conceituais envolvendo inovao e reforandoo papel de parcerias

    O que mais distingue o perodo contemporneo dos anteriores que inovaes a custos competitivos resultam da organizao de pessoas comuns, com treinamento avanado em trabalho em grupo, e que consideram a inovao como propsito coletivo. Parcerias podem ocorrer verticalmente atravs das cadeias de valor, desde os fornecedores de matrias-primas, passando pela pesquisa, design, produo e montagem de partes, at a distribuio de produtos e servios. Parcerias horizontais envolvem competidores no mesmo nvel da cadeia de valor20. Parceiros podem ter suas bases em um ou mais pases, no ltimo caso, criando cooperao internacional. Enfim, estudos foram dedicados a classificar os vrios tipos de parceria como o de Hagedoorn (2002)21 usando diferentes nveis de interdependncia organizacional entre os parceiros desde 1960.

    H alguns anos, os sistemas nacionais de inovao se organizam para favorecer o aparecimento e facilitar a utilizao e difuso de inovao. Embora sistemas nacionais de inovao existam em vrios pases h anos22, no Brasil, ele no foi implantado, e isto, por vrios motivos discutidos, com detalhe por Meyer-Stamer (1995)23 e cujos argumentos continuam vlidos. Nos EUA, no mbito do sistema de inovao, as mudanas polticas incluram a expanso de programas para apoiar parcerias tecnolgicas pblico-privadas, a relaxao da lei antitruste para

    19 Kang, N-H; Sakai K. International Strategic Alliances: Their Role in Industrial Globalisation, OCDE,(2000)5, p. 13.20 United Nations. Partnership and Networking in Science and Technology for Development, Technology Series United Conference on Trade and Development, New York and Geneva, 2002, p. 31.21 Hagedoorn, J. Inter-Firm R&D Partnership An Overview of Major Trends and Patterns since 1960.Research Policy, Vol. 31, 2002, p. 477-492.22 Nelson, R.R. National Innovation Systems. A Comparative Analysis. New York-Oxford, Oxford University Press, 1993.23 Meyer-Stamer, J. New Departures for Technology Policy in Brazil. Science and Public Policy, Vol. 22,N 5, 1995, p. 295-304.

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    promover a pesquisa cooperativa, e a adoo de vrias iniciativas para proporcionar uma difuso mais rpida de tecnologias das universidades e laboratrios federais para as firmas. O mecanismo usado foi o de parcerias estratgicas de pesquisa24.

    Muitas vezes, entidades pblicas e privadas que realizam P&D necessitam apenas do nome de instituies para legitimarem sua ao. a marca de produtos/projetos de pesquisa, ou de instituies que lhes conferem status e legitimam suas aes conferindo-lhes aval. O processo de desnacionalizao promoveu esta atividade em nvel industrial. Como a obteno de uma marca dispendiosa, um parceiro pode usar a marca de outro legitimado no mercado, para fabricar produtos fora do pas de origem da marca. Isso fruto de colaborao entre os diversos atores do Sistema Nacional de C&T, os sistemas poltico, econmico, e quando existente, com o de inovao.

    Dificuldades de adaptao abaixo do Equador

    Tirar o mximo proveito de parcerias foi o objetivo de vrios pases. Para isto, tiveram que se preparar e, consequentemente, investir nas suas estruturas industriais, de C&T e em novos conhecimentos, o que provocou o avano da fronteira da cincia, propiciou a criao de novos produtos e promoveu a inovao tecnolgica. Ora, os anos 80 e 90 foram marcados por crises financeiras e econmicas em nvel mundial e que demonstraram o nvel de globalizao das naes, com impacto extremamente negativo sobre as economias da Amrica Latina. Porm, sabe-se que em pocas de crise que as oportunidades aparecem, e assim, alguns pases em desenvolvimento conseguiram resolver seus problemas internos, pois gozavam de alguns escudos de proteo contra a especulao financeira, e lograram prosperar moderadamente25. Isto pode ser observado nas estatsticas deste perodo.

    As Naes Unidas26, usando a base de dados Merit-Cati, listou as 25 firmas mais ativas em parcerias tecnolgicas nos pases em desenvolvimento no perodo 1980-1994, nos setores eletro-eletrnico, automobilstico, aviao, qumico, aeroespacial, telecomunicaes e petroqumico. De um total de 217 projetos de parceria, o Brasil est representado apenas pela Embraer e com 3 parcerias, enquanto que a Coria do Sul, liderando o grupo, comparece com 10 empresas e 100 parcerias, e a Arbia Saudita com 16 parcerias e uma nica empresa, sendo que este pas investe pesadamente nos EUA.

    Estes dados sugerem que, ao invs de os analistas brasileiros de C&T compararem somente o nmero de patentes de pases, como o fazem sistematicamente com o Brasil e a Coria, um outro indicador interessante de desempenho tecnolgico e

    24 Vonortas, N.S.1997, op. cit. Ref. 13.Link, N.A., Paton, D. and Siegel, op. cit. Ref. 13.; Audretsch, D.B. Strategic Research Linkages and Small Firms. Strategic Research Partnerships, Porceedings National Science Foundation Workshop, July 2001.25 Vonortas, N.S. Building competitive firms: technology policy initiatives in Latin America, Technology in Society, Vol. 24, 2002, p. 433-459.26 United Nations, 2002, op. cit. Ref. 20.

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    industrial o do nmero de empresas e de suas parcerias estratgicas, nacionais e internacionais. Nem sempre empresas patenteiam seus resultados, por segurana e/ou segredo industrial. Pouco ou nada, porm, tem sido feito para incluir nos estudos desses analistas, parcerias estratgicas ou outras formas cooperativas que traduzem as atividades de P&D nas empresas. Enquanto patente indicador de output de uma parte da atividade de P&D, o nmero de parcerias estratgicas por empresa indicador de input da mesma atividade, guardando relao de dependncia com o desempenho final. A propsito, a Embraer e a Petrobrs dispem de poucas patentes se comparadas com empresas de outros pases, mas tm alianas estratgicas, e so empresas lderes no Brasil com mercado internacional para seus produtos.

    Uma explicao possvel para este comportamento e a metodologia usada nos estudos mencionados que a anlise da poltica tecnolgica no Brasil tem um vis conceitual. Trata-se da sua ligao com o debate da poltica industrial, realizada por especialistas em poltica cientfica. O motivo que o Brasil ficou os ltimos 25anos sem uma poltica industrial, recriada em 2004. Neste perodo, entretanto, se organizou uma comunidade em poltica de C&T no Pas, que usou intensivamente o modelo linear de mudana tcnica. Neste modelo, o desenvolvimento da tecnologia input necessrio para a indstria, cujo desempenho medido pelo nmero de patentes. Os setores de aviao e aeroespacial so os maiores contra-exemplos desta lgica. A propsito, redes de cooperao s comearam a ser estudadas no Brasil bem mais recentemente, e, no necessariamente, com o mesmo enfoque e os mesmos conceitos internacionais, uma vez que no exterior, elas se desenvolveram como teorias da firma, e no Brasil, como atividades de C&T em geral, com nfase na pesquisa ou ligadas anlise de blocos regionais, como por exemplo, em Velho (2001)27.

    Os novos pases industrializados contam, entretanto, com um diferencial nas suas polticas tecnolgicas e industriais representados pelas alianas ou parcerias estratgicas por setor industrial, pelo menos desde a dcada de 80 (Tabela 1).

    Tabela 1Distribuio das parcerias estratgicas em tecnologia nos pases

    em desenvolvimento no perodo 1980-1994.

    Setor industrialNovos pases

    industrializadosLeste

    EuropeuAmricaLatina

    Outros pases em desenvolvimento

    Biotecnologia 40.74 18.52 14.81 25.93Tecnologia da informao 65.22 7.83 3.48 23.48Novos materiais 52.17 13.04 8.70 26.09Setores de alta tecnologia 37.50 25.00 6.25 31.25Setores de mdia tecnologia 35.15 6.06 5.45 53.33Setores de baixa tecnologia 6.25 6.25 6.25 81.25

    Fonte: Adaptado de Merit-Cati Database (Narula & Sadowski, 2002, p. 61328).

    27 Velho, L.S. Redes Regionais de cooperao em C&T e o Mercosul. Parcerias Estratgicas, CGEE/MCT, n 10, Maro 2001, p. 58-74.28 Narula, R; Sadowski, B.M. Technological catch-up and strategic technology partnership in developing countries. International Journal of Management, Vol. 23, 2002, p. 599-617.

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    Um outro indicador para medir essas atividades diz respeito s remessas brasileiras ao exterior de contratos de transferncia de tecnologia. Conforme a Tabela 2, h uma tendncia de diminuio destas remessas a partir de 1999, em relao a marcas e patentes licenciadas no exterior.

    Tabela 2Remessas ao exterior por contratos de transferncia de tecnologia

    e correlatos, 1992-2002 (em mil US$ correntes)

    Ano Total

    Modalidade de contrato

    Fornecimento de servio de assistnciatcnica (1)

    Fornecimento de tecnologia

    Marcas:licena de uso/cesso

    Patentes: licena de

    explorao/cesso

    Franquias

    1992 160.484 126.352 31.250 2 2.880 ...1993 227.419 146.018 41.660 44 39.697 ...1994 373.222 244.096 48.266 1.756 79.104 ...1995 652.014 286.217 222.164 5.013 138.620 ...1996 960.564 368.749 378.154 13.237 200.424 ...1997 1.454.260 760.971 512.545 14.060 166.684 ...1998 1.756.327 1.017.959 540.113 12.529 182.747 2.9791999 1.553.354 931.790 482.266 37.939 97.083 4.2762000 1.802.231 1.045.747 619.476 31.160 94.436 11.4122001 1.704.521 1.085.642 505.126 28.134 75.069 10.5502002 1.581.915 1.005.203 485.439 22.163 59.102 10.008

    Fonte: Banco Central do Brasil/Departamento Econmico (DEPEC)/Diviso de Balano de Pagamentos (DIBAP).Elaborao: Coordenao Geral de Indicadores Ministrio da Cincia e Tecnologia, 2004Nota: inclui servios tcnicos especializados em implantao e instalao de projetos. Nem todos os contratos contabilizados sob essa rubrica so averbados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial por no serem considerados como transferncia de tecnologia.

    Isto sugere que o Brasil pode estar substituindo ou modificando o perfil dos bens e servios que produzia sob licena internacional, graas ao incremento de P&D desenvolvido internamente, talvez por meio de parcerias estratgicas. Isto pode, consequentemente, ser resultado de polticas pblicas setoriais aplicadas indstria, apesar da ausncia de poltica industrial explcita no perodo. Em se comprovando esta hiptese, com a tendncia se confirmando no longo prazo, este comportamento muito positivo para a poltica industrial brasileira. Franquia e assistncia tcnica que apontam crescimento mais recentemente no so parcerias estratgicas mas sim as marcas e patentes, que diminuram a partir de 1999.

    Cooperao internacional e seus pr-requisitos

    Por que algumas parcerias internacionais do certo e outras no? Estudos sobre o assunto apontam para a existncia de pr-requisitos para que parcerias

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    sejam bem sucedidas. As principais so: a escolha dos parceiros, a definio conjunta do tema da pesquisa ou do projeto; a diviso de trabalho; os objetivos a serem alcanados; as condies materiais e intangveis de cada membro. Isto define o grau e a natureza do trabalho conjunto, que pode ser, desde uma assistncia tcnica uma genuna cooperao, passando pela colaborao. Manter a cooperao internacional exige condies como comprometimento, algumas de Chefes de Estado, confiana e respeito dos parceiros, cumprimento dos objetivos comuns e de tudo que foi acordado entre eles.

    O Brasil integra com mais 15 pases, o programa da Estao Espacial Internacional (ISS). Para implement-lo, a agncia espacial americana (NASA) firmou acordos bilaterais com as suas congneres na Europa, Japo, Canad e Brasil e o presidente americano assinou um Acordo Intergovernamental com os chefes de Estado de cada pas-membro. Isto s foi possvel para o Brasil aps a incluso de um adendo sobre a participao brasileira na ISS no Acordo-Quadro sobre o Uso Pacfico do Espao Exterior assinado entre o Brasil e os EUA em 1996. A contribuio do Brasil se deu a convite do presidente americano para a realizao de uma parcela da tarefa da NASA que detm cerca de 50% do consrcio, com barganha comandando a negociao que viabilizou a participao do Brasil como colaborao (participante), enquanto a participao dos outros 15membros (parceiros) configura cooperao horizontal Norte-Norte29.

    Mesmo quando se trata de parceiros de C&T dentro de um bloco comercial, necessrio distingu-los. Argentina, Paraguai e Uruguai no tm a mesma histria de cooperao com o Brasil.

    Grandes temas com forte apelo poltico, como espao, nuclear, e energia, mudanas globais exigem uma interveno diferente dos temas menos sensveis. Entretanto, historicamente, tm servido de carro-chefe para alavancar outros setores de interesse para a sociedade, utilizando cooperao internacional.

    O tratamento e a prtica da cooperao internacional demandam um conhecimento prvio dos elementos que lhe so intrnsecos. Identificar o interlocutor/parceiro uma tarefa fundamental para as etapas seguintes. Assim, se o projeto/programa diz respeito parceria formal, entre Estados, a metodologia aplicvel analisar os interesses mtuos e reas nas quais a colaborao ou cooperao desejvel. Esta metodologia se justifica, pois, geralmente, parceria deste tipo comea com a definio de reas de interesse mtuo, seguida de misses exploratrias cujas recomendaes subsidiam acordos bilaterais posteriormente.

    Para isto, h procedimentos padro e arranjos legais especficos, como memorandos de entendimento, visitas tcnicas e cientficas, seguidas de workshops fundamentais para a definio dos termos de referncia que comporo os documentos bsicos de formalizao da cooperao. Neles ficaro explicitados os papis de

    29 Silva, D.H. da. Brazilian Participation in the International Space Station (ISS): commitment or bargain struck? Space Policy, Vol. 2, 2005, p. 55-63.

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    cada parceiro, os objetivos; recursos empregados, fonte de investimento, formas de avaliao, enfim, tudo que for necessrio ser acordado na aliana, sendo que a atualizao peridica dos acordos fundamental.

    Acordo-quadro e conveno-quadro de cooperao em C&T entre naes assinados pelos seus mandatrios do respaldo legal e poltico s parcerias. Estabelecem os princpios e regras gerais, mas no estipulam prazos nem obrigaes especficas. Tm fora de lei nos pases que os ratificam, porm no garantem o cumprimento das suas determinaes. Alguns setores, envolvendo questes estratgicas e complexas como espao e nuclear (no existe acordo de transferncia de tecnologia de bens sensveis) necessitam de tratados ratificados pelo Congresso Nacional, conforme rege a Constituio Federal.

    Existe uma hierarquia entre esses acordos dependendo da sua natureza, do grau de avano das negociaes e do nmero de naes signatrias. Por exemplo, Protocolos podem avanar para Tratados, como o de Kyoto, em vigor, aps a ratificao pela Rssia, embora os EUA no tenham aderido e dificilmente o faro pois utilizam como fonte de energia, preponderantemente, o carvo mineral (~80%).

    Outro exemplo de funcionamento de negociao internacional complexa o acordo de salvaguardas para o uso da base de lanamentos de Alcntara por satlites comerciais (80% americanos) assinado entre o Brasil e os EUA em 2000 e que necessita ser ratificado pelo Congresso Nacional, com pendncia at hoje. Casos especiais so autorizados pela Advocacia Geral da Unio, como o estabelecimento recente da empresa binacional Brasil-Ucrnia na rea espacial.

    A reboque do compromisso poltico vem o comprometimento financeiro para que acordos ou convnios no passem de meros exerccios coletivos sem possibilidade de realizao e de alcance dos objetivos propostos. Acordos internacionais com o Brasil precisam de aval poltico, pois a credibilidade nacional ainda est sendo testada por parceiros externos em projetos de longo prazo e garantia de fluxo de caixa. Parcerias internacionais com o Brasil bem sucedidas tiveram o apoio mencionado, como a do programa CBERS (China Brazil Earth Resources Satellites).

    Por que C&T est na agenda de poltica externa?

    C&T uma componente transversal de vrias atividades econmicas e sociais. Assim existe uma tendncia de os parceiros de P&D se congregarem em torno de idias e de projetos comuns tendo como objetivo final essas e outras atividades. A finalidade minimizar gastos em infra-estrutura e valorizar a fertilizao cruzada de conhecimentos, ou seja, com retroalimentao, e no de maneira linear. Este um ponto comum cooperao, que tem a mesma caracterstica: tambm transversal e rompe com os setores, agregando funes. No sem motivos que redes e clusters, alimentados por alianas estratgicas

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    e outras formas de arranjos cooperativos, apresentaram crescimento explosivo nos ltimos anos, e se tornaram instrumentos poderosos na estratgia de firmas, governos e comunidades cientfico-tecnolgicas dos pases avanados, rompendo e ultrapassando barreiras geogrficas.

    Uma pequena parcela das atividades de P&D fica protegida dentro dos pases desenvolvidos, por motivos de segurana nacional ou proteo propriedade intelectual e industrial. Outras atividades, mesmo as que geram inovao, porm de itens que demandam menos recursos financeiros, tempo de pesquisa e maturao tecnolgica so entregues parceria internacional sob vrias formas, como alianas estratgicas e terceirizao (outsourcing que tem a ndia como recordista em Tecnologia da Informao). Estas so maneiras de cooperar menos formais, mais geis, sem necessidade de os parceiros criarem uma empresa nova como nas joint-ventures. Como o marco legal flexvel, o compromisso maior volta-se para criar, promover e conservar laos de confiana entre os parceiros.

    Alm disso, a transversalidade da C&T facilita o dilogo entre os atores polticos e a retomada de negociaes entre naes. Consequentemente, til para compor agenda de poltica externa. A propsito: A viagem a Washington se insere, assim, na estratgia de construo de uma agenda positiva entre Brasil e Estados Unidos, pela via cientfico-tecnolgica., afirmou o ex-Ministro da C&T em 200230.

    As comunidades cientficas tm experincia em trabalho conjunto sob vrias formas, e por isso, tm servido de facilitadores para abrir canais de dilogo com outros atores, sobretudo os governamentais e industriais, mesmo em setores protegidos. Enquanto representantes suprapartidrias, a Academia Brasileira de Cincias e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia atuam como interlocutores com instncias polticas. Peas-chave dentro de embaixadas, adidos cientficos desempenham papel primordial em criar oportunidades de parceria com instituies de C&T nos pases onde esto credenciados. Cincia, tecnologia e poltica externa se somam, mais do que nunca, mas de forma diferente da que fizeram durante e logo aps a Segunda Guerra Mundial31.

    Cooperao Internacional: instrumento de economia e geopoltica

    Dada a importncia da cooperao internacional para a aproximao entre os povos, mas regida por interesses polticos e econmicos, o papel principal desta atividade tem sido conduzido pelos prprios chefes de Estado e suas altas administraes. Governos utilizam-se de colaborao internacional por vrios motivos, que desde o final da Guerra-Fria, combinam C&T com geopoltica e economia. As visitas de governantes a pases com os quais mantm relaes de

    30 Relatrio da Misso aos EUA do Ministro de Estado da Cincia e Tecnologia de 17 a 24 de abril de 2002,mimeo, 17 p. 31 Wagner, C.S.2002, op. cit. Ref. 7.

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    amizade so sempre uma ocasio propcia para inclurem na pauta de negociao, itens relacionados C&T, como meio de reforar suas economias e posies comerciais e geopolticas ao redor do mundo. Em geral, tais itens compem a agenda maior de poltica externa de cada pas. A propsito, no h dvidas quanto importncia da visita do presidente Nixon China em 1972, inaugurando uma nova era no relacionamento internacional em escala planetria, enquanto que apenas um sculo antes, a frota americana sob comando do Comodoro Perry havia obrigado o Japo a se abrir para o comrcio ocidental e a assinar tratados fora. A aproximao com a China resultou em intensa parceria atravs de alianas estratgicas utilizando, desde ento, conhecimento cientfico e tecnolgico entre os dois pases.32 No incio, os EUA prestaram assistncia tcnico-cientfica devido ao estado de deficincia em que se encontrava a C&T resultante de anos de isolamento, principalmente em termos institucionais. Na mesma linha, a visita do Presidente Sarney China em 1988 e a negociao de um projeto conjunto de satlites de sensoriamento remoto CBERS rendeu seus frutos.33 Em 1985,compartilhando projetos comuns, os Presidentes Raul Alfonsin e Jos Sarney assinaram a Ata de Iguau, dando incio histrica aproximao Brasil-Argentina que resultou na criao do Mercosul em 1991. Com os pases do Mercosul, a cooperao representa a sobrevivncia deste mercado regional.34

    Dadas as condies econmicofinanceiras da maioria dos pases da Amrica do Sul, tem cabido ao Brasil a maior parte do financiamento das atividades de C&T do bloco, como o Programa Sul Americano de Apoio s Atividades de Cooperao em Cincia e Tecnologia do Brasil com os Pases da Amrica do Sul (Prosul)35. A cooperao Sul-Sul tem sido muito fraca, desconsiderando-se as instituies cientficas em pases em desenvolvimento, capazes de transferir conhecimentos, que atuando de maneira coordenada e cooperativa, poderiam reforar sua capacidade cientfica e de negociao36.

    A poltica externa adotada pelo atual governo brasileiro a de procurar parceiros fora do eixo tradicional, ou seja, da trade EUA-Europa Ocidental e Japo, expandindo a sua atuao internacional e abrindo novos mercados para a sua economia, embora a diferena em relao ao governo anterior seja mais de estilo do que na substncia, de acordo com Almeida37. Entretanto, parcerias

    32 Kang, N-H, Sakai, K. OCDE, (2000)5, p. 13. op. cit. Ref. 19.33 Costa Filho, E. J. A Dinmica da Cooperao Espacial Sul-Sul: O Caso do Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satelitte), tese apresentada ao Instituto de Geocincias da Universidade de Campinas para obteno do ttulo de Doutor em Poltica de Cincia e Tecnologia, 2006.34 Velho, L. Redes Regionais de Cooperao em C&T, maro 2001, op. cit. Ref. 27 e Redes Regionais de Cooperao em C&T e o Mercosul, Sntese Final, MCT, 1997, mimeo, 60 pginas. 35 Dias, L.C. Programa Sul-Americano de Apoio s Atividades de Cooperao em Cincia e Tecnologia do Brasil com Pases da Amrica do Sul (Prosul), Parcerias Estratgicas, n 20, Parte 4, junho de 2005, CGEE/MCT, p. 1.247-1.268.36 Aragn, L. E., 2005, op.cit. Ref. 11.37 Almeida, P.R. de. Uma Poltica Externa Engajada: A Diplomacia do Governo Lula, Revista Brasileira de Poltica Internacional, vol. 47, n 1, 2004, p. 162-184.

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    com a trade, significam para o Brasil, a constante e necessria renovao de conhecimentos fundamentais para manter-se atualizado e participante em projetos conjuntos com os produtores de conhecimento de ponta, de tecnologia e de inovao tecnolgica38.

    Com pases de economia em transio e novos parceiros, o relacionamento interessante e estratgico para o Brasil, como o BRIC (Brasil, Rssia, ndia e China)39, grupo estimado em ter uma posio de liderana mundial por volta de 2025, segundo Riess40 e o IBAS (ndia, Brasil, frica do Sul) cujos ministros de C&T se reuniram em setembro/2006 para fomentar a cooperao no setor41,alm de pases do Mundo rabe, parceiros em potencial. Esses grupos possuem nichos e experincias bem sucedidas em alguns setores da economia, ou ainda dispem de muitos recursos financeiros para investir (Arbia Saudita) e so os mais importantes para cooperao efetiva com o Brasil. Com a frica portuguesa, a prioridade em colaborao em C&T se d por meio de assistncia tcnica em setores como agricultura,42 sade e cultura e esta colaborao tem recebido ateno especial da parte do atual governo brasileiro.

    Para parceiros to variados, o que o Brasil tem para oferecer para participar de alianas?

    Parcerias: troca de experincias e complementaridade

    O Brasil uma nao com muito a oferecer a outras, e para receber delas tambm, portanto, trocar. O Pas no tem litgios com vizinhos. Atua at de mediador em conflitos localizados (Equador com Peru Haiti, e Colmbia com Venezuela). Avanou em temas como defesa dos direitos humanos e meio ambiente. Contribui com a Organizao das Naes Unidas para o retorno da paz no Timor Leste e Haiti. Progrediu reconhecidamente em democracia e respeito s leis internacionais. Estabilizou e cresceu sua economia chegando recentemente ao 11 lugar em PIB no ranking mundial, na frente da Rssia e da ndia43. Moderniza suas instituies e diversifica seu parque industrial, alm de participar do comrcio global. Assim, passou a ser um pas mais confivel, com liderana na Amrica do Sul.

    O Brasil est organizado institucionalmente em termos de C&T h mais de cinco dcadas, dispondo de interlocutores em vrios nveis, desde o planejamento at instncias decisrias. Pas continental, possui uma classe mdia de umas 75

    38 Queiroz, S.R.R de. Globalizao da P&D: oportunidades para o Brasil, Parcerias Estratgicas, n 20, parte 5, junho de 2005, CGEE/MCT, p. 1.515-1.53339 Trabalhos apresentados no Seminrio Alianas Estratgicas para o Brasil: China e ndia, organizado pelo Gabinete de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, Braslia 22.7.2005.40 Reiss, C. p. 49, A new setting for international cooperation? Space Policy, 2005, p. 49-53.41 ndia, Brasil e frica do Sul avanam em programa de cooperao trilateral, Agncia CT/MCT 4.9.2006.42 http://www.embrapa.br/linhas_de_acao/desenvolvimento/coop_internacional. Disponibilidade 16.11.2006.43 Folha on line, htpp:www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro. Disponibilidade: 30.3.2006.

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    milhes de pessoas (~1/3 da populao total), representando um mercado das dimenses do mercado de um pas consumidor da Europa. Enquanto isso, a China constri a sua classe mdia, os capitalistas vermelhos, dada sua forte vinculao com o Partido Comunista.

    Dificilmente o Brasil j no assinou acordo de colaborao cientfica, tcnica ou tecnolgica com alguma nao. Somente o CNPq tem acordos chamados de cooperao mas que so colaboraes, segundo as definies adotadas no presente texto, com mais de 29 delas, envolvendo 53 instituies e organizaes internacionais, muitos sendo apenas intercmbio cientfico44. Mesmo assim, nem todas as colaboraes prosperaram, principalmente as multilateriais, ou avanam muito lentamente.45 Algumas ficam adiadas, como a Cooperao Bi-regional ALCUE (com a Unio Europia) que exibe muito mais caractersticas de colaborao do que de cooperao, apresentando dificuldades para ser implementada, como aponta Schmied46.

    Pases com maior experincia em firmar parcerias costumam oferecer janelas de oportunidade, via acordos bilaterais, em grandes projetos definidos e controlados por eles47 e que so colaboraes e no cooperaes. Outra forma, colaborar sob a modalidade de assistncia tcnica e cientfica, mesmo em setores como espao e nuclear; ou quanto ao uso compartilhado de grandes equipamentos, pagando uma quota, mais uma forma de colaborao apenas.

    Atualmente, as parcerias com empresas brasileiras so mais eqitativas, embora poucas ainda possam ser classificadas como tal. Os exemplos citados so sempre os mesmos, Petrobrs e Embraer, por estarem em patamar diferenciado de negociao internacional, com forte vinculao com o mercado externo, altamente competitivo e cclico, e por isso, diversificao e flexibilizao so aspectos cruciais nas suas estratgias. A propsito, alianas internacionais, portanto cooperao internacional efetiva, foram decisivas para a Petrobrs dominar a tecnologia de guas profundas. Para extrair hidrocarbonetos em grande profundidade, a empresa investiu em tecnologias associadas, como Tecnologia da Informao e novos materiais. Parceria estratgica e cooperao foram efetivamente empregadas para decrescer custos, partilhar riscos, aprender e dar um salto tecnolgico. Cada uma das 3 etapas do projeto com 3 tecnologias diferentes representou posies competitivas distintas em cooperao com companhias estrangeiras de petrleo e engenharia e que so: Subsea Multiphase Flow Pumping System (SBMS);

    44 Relatrios CNPq, 2003, 2004 (Estatsticas Comentadas).45 Por exemplo, o Brasil tem Acordo Quadro com a Eslovnia desde 1998 sem ter ainda sido ratificado pelo Congresso Nacional. 46 Schmied, J. no artigo Cincia, desafios do acordo de cooperao cientfica EU-Brasil discute as dificuldades burocrticas, alm de problemas com repasses dos recursos financeiros pelo Brasil. Folha on line, p. 1-3, 10.10.2003 (http;//tools.folha.com.br)47 A ttulo de exemplo o Programa Piloto de para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) proposto pela Alemanha ao G-7 em 1990. Vide Capacitao para Pesquisa e Desenvolvimento na Amaznia (primeiro Relatrio), p. 17-22, de Paulo Csar G. Egler, Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia, Braslia, 19.6.2000, mimeo, 42 p.

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    Subsea Separation System (SSS) e Electrical Submersible Pumps in Subsea Wells (EPRS). A Petrobrs tomou posio mais de frente quanto tecnologia mais desenvolvida (ESPS) para a qual a empresa liderou o consrcio. Assumiu posio mais diversificada na tecnologia mais intermediria (SSS) e mais conservadora quanto tecnologia menos desenvolvida (SBMS)48.

    Conhecimento cientfico e tcito favorecem a cooperao

    No universo cientfico bem mais fcil e comum o estabelecimento de confiana entre os parceiros, pois a concorrncia ocorre em originalidade de publicao e no reconhecimento social, sob forma de citaes nominais, prmios, e resultados em benefcio da sociedade. Quando a pesquisa realizada em laboratrios industriais ou em institutos tecnolgicos de P&D, as parcerias obedecem lgica diferente. Entretanto, cooperaes com competidores e rivais existem, e so as mais interessantes para examinar pois expem o conceito de complementaridade e flexibilizao. A maioria das cooperaes internacionais apresentam este perfil.

    O fluxo de conhecimento internacional intenso quando se trata de pesquisa bsica. O interessante dessas iniciativas que elas criam as oportunidades (fase inicial) e razes mais profundas que podem gerar cooperaes posteriormente. Da mesma forma, o conhecimento tcito fundamental quando equipes internacionais cooperam, pois existem clusulas restritivas de transferncia de tecnologia em algumas reas. A aproximao fsica dos parceiros facilita a transferncia de conhecimento por interao, fator de valorizao nas cooperaes internacionais.

    Aos pases em desenvolvimento interessa participar de projetos de pesquisa conjunto com pases em desenvolvimento para aprender com eles. Mas a recproca verdadeira, pois a cooperao s ocorre quando todos ganham, o que favorece o trabalho em bases mais eqitativas, quando as negociaes so bem conduzidas. Neste tipo de relao, o foco dos pases desenvolvidos, em particular no Brasil, no conhecimento tcito e na coleta de material sujeita legislao local, como a lei brasileira contra a biopirataria, e de laboratrios naturais, como ecossistemas e o Atlntico Sul.

    Oportunidades e riscos para parcerias internacionais e a poltica externa

    O relacionamento dos pases avanados com o Brasil quando apenas tcnico, cientfico e cultural foi sempre bom. Reduzido algumas vezes, mas nunca interrompido, mesmo sob governos militares e regime ditatorial. Os problemas surgiram no plano tecnolgico para o Brasil quando pretendeu ter autonomia em setores que podiam comprometer pases militarmente aliados, EUA e Europa

    48 United Nations, 2002, op. cit. Ref. 19.

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    Ocidental, buscando colaborao com os Soviticos nas reas nuclear49 e de veculos espaciais50.

    A falta de adeso do Brasil ao sistema internacional de proteo propriedade industrial at 1997, quando foi assinada a lei de patentes, provocou turbulncias na relao EUA-Brasil, com prejuzo sobre vrios outros setores da economia. O Brasil, de fato, sofreu embargos tecnolgicos e resfriamento diplomtico51 dos EUA at assinar essa lei e adotar mecanismos de disciplina e controle nuclear no mesmo ano.

    Levantando a bandeira de iseno quanto ideologia poltica, desde o ps-guerra, a cincia brasileira avanou, usando intercmbios, projetos comuns de interesse da sociedade; trocou idias em congressos; muita parceria e ganhou legitimidade perante a comunidade internacional. A partir de 2001 ocupa 17lugar em publicaes cientficas internacionais, segundo o Institute of Scientific Information. Cientistas brasileiros participam de projetos internacionais multilaterias de impacto. A lista qualitativamente importante e uma medida da atividade de colaborao internacional mantida pelo Brasil, membro de mais de 30 organismos cientficos internacionais52.

    Representao brasileira em fruns internacionais

    Acordos-quadro e convenes-quadro so discutidos e memorandos de entendimento, protocolos e tratados internacionais so assinados entre naes para formalizar as suas participaes. Funcionam como orientadores de princpios e regras gerais, mas no estipulam prazos nem obrigaes especficas. Tm fora de lei nos pases que os ratificam, mas no asseguram as condies de fazer valer suas determinaes53.

    Os oceanos, o espao csmico e a Antrtica so as ltimas fronteiras cientficas reconhecidas internacionalmente54. O seu impacto sobre o clima, reservas naturais e meio ambiente rico em conseqncias em vrias esferas, comeando pela poltica.

    Usando estatsticas desfavorveis ao Brasil, a comunidade internacional o acusou de incapacidade e falta de vontade em deter os desmatamentos na Amaznia, at que imagens do satlite CBERS apontaram exageros. Em 2004,

    49 Salles, D. Um inqurito que abalou o Brasil, Ed. Fulgor Ltda, So Paulo, 1958.50 Santos, R. O Programa nacional de atividades espaciais frente aos embargos tecnolgicos, Parcerias Estratgicas n 7, CGEE/MCT, 1999, p. 115-128.51 Representantes da Embaixada brasileira tiveram dificuldade para serem recebidos por autoridades polticas em Washington. Vide http://www.brasilemb.org52 MCT, Plano Plurianual/2005.53 Albagi, S. analisa este aspecto para a Conveno sobre Diversidade Biolgica no artigo Amaznia: fronteira geopoltica da biodiversidade em Parcerias Estratgicas, Tiragem Especial, Centro de Gesto e Estudos Estratgicos/MCT, Braslia, 2001, p. 5-19.54 Programa Antrtico Brasileiro, fev./2004 publicado pelo Governo Federal.

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    o desmatamento voltou a ser preocupante, segundo informaes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais baseadas em dados de satlites fornecidos a cada 3 dias. Este fato tem implicaes internacionais srias, pois o Brasil passou a ocupar o 5 lugar dentre os maiores emissores de gases causadores do buraco na camada de oznio, posio que o torna frgil politicamente nas negociaes internacionais, mas os dados de satlite so obtidos pelo Brasil e podem ser comparados com os internacionais, ambos com base cientfica.

    O poder pblico e a sociedade tm o dever de manter as fronteiras da cincia preservadas para as futuras geraes como bens pblicos. assim que este assunto entendido e tratado em pases desenvolvidos. Por isso que, de tempos em tempos, ressurge o discurso planetrio de que a Amaznia patrimnio da humanidade, e por isso, transcende as fronteiras geogrficas e interesses nacionais, e todos tm que tomar conta dela, internacionalizando-a55.

    O sucesso da cooperao internacional em C&T tem como importante pressuposto, o da cooperao e articulao inicialmente em nvel nacional. Se esta ltima no funcionar, dificilmente a primeira o far. Um exemplo mais complexo desta relao a organizao de blocos regionais, pois vai alm do relacionamento bilateral entre os participantes. Seu funcionamento coloca prova as condies tratadas no presente trabalho para que a cooperao se estabelea e seja efetiva.

    Preparao de blocos regionais: polticas pblicas em ao

    Um bloco regional para funcionar precisa estar maduro em todos os aspectos, este o principal legado que a Unio Europia nos deixou, atravs da lenta e gradativa construo da Europa com 23 Estados-membros, e sua participao como produtora de cincia, tecnologia e inovao.

    A implantao da lngua espanhola nos currculos universitrios e sua exigncia para alguns concursos pblicos no Brasil segue a lgica da Unio Europia, e resultado de fases preparatrias para uma posterior integrao dos pases da Amrica Latina, bem como, da preparao do Pas para o cumprimento de pr-condies com vistas construo do Mercosul. Normas tcnicas, qualificao, padronizao e certificao dentro do bloco dependem da utilizao de tcnicas e mtodos cientficos e tecnolgicos confiveis, e de um sistema unificado, seno no existir integrao regional. Isto, sem dvida, poltica de C&T para este bloco regional.

    Alguns projetos/programas precisam de comprometimento poltico. Apropsito, este foi um fator essencial para o programa CBERS, cooperao Sul-Sul sem precedentes e exemplo de aplicao das definies e discusses do

    55 Autoridades brasileiras tem refutado tais declaraes, como no artigo A Amaznia no est venda, publicado na Seo Opinio da Folha de So Paulo em 17.10.2006, e de autoria dos ministros Srgio Rezende, Marina Silva e Celso Amorim, respectivamente, das pastas da C&T, Meio Ambiente e Relaes Exteriores.

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    presente texto, principalmente as que tratam da diferena entre colaborao e cooperao56.

    Ocorrem tambm por iniciativa de um dos parceiros com pases sem experincia nesta atividade, mas que os governantes desejam realizar para promoverem as suas polticas externas e galgarem posies internacionais. Este fenmeno provocado pelas transformaes introduzidas com a nova ordem internacional do ps-guerra. As naes globalizadas redirecionaram as suas polticas externas, o que envolve muita negociao e barganhas. Na prtica, trata-se de um processo de trabalho conjunto no qual todos aprendem por interao. Este processo fundamental quando a cooperao envolve mltiplos parceiros, e se constitui em ferramenta poderosa no gerenciamento de projetos/programas coletivos.57 Manter os compromissos firmados em todos os seus aspectos conta positivamente no futuro relacionamento dos parceiros.

    Apoio poltico e respeitabilidade em fruns internacionais so importantes para pases como o Brasil que aspiram a uma posio no Conselho de Segurana da ONU e vo alm, defendendo uma ampla reformulao da prpria organizao, tema estratgico para o Governo Federal58.

    Consideraes Finais: oportunidades, riscos e desafios

    Entender porque, como, com quem e quando cooperar demandam conhecimento dos benefcios e riscos de faz-lo. A absoro de conhecimentos de C&T gerados na cooperao pelas instituies passa por esta etapa. Esta uma condio sine qua non quando se trata de projetos estratgicos internacionais. Exceto em casos excepcionais, sujeitos a cuidados especiais e legais, a parceria pode ser usada em uma grande gama de aplicao, sem salvaguardas, e como colaborao apenas. A cooperao o meio pelo qual o trabalho conjunto de P&D se realiza como aliana estratgica, mas existem outras formas de trabalho conjunto, apresentados neste artigo. Distinguir qual delas a mais adequada para cada caso demanda estratgia concertada de governo com o setor produtivo para ser bem sucedida.

    Para o governo traar polticas pblicas estveis e duradouras favorecendo a cooperao internacional, sobretudo facilitando os resultados em benefcio do Brasil, polticas e aes complementares devem, necessariamente, fazer parte de estratgia do Estado brasileiro, em vrios nveis, passo a passo, integrada, envolvendo muita cincia e tecnologia, mas tambm poltica interna e externa. Interna, no mbito das prprias instituies, que deveriam trabalhar mais as

    56 Silva, D. H. da. The China-Brazil Earth Resources Satellites (CBERS): policies and program, submetido ao jornal Space Policy em outubro de 2006.57 Ohmae K., op. cit. Ref. 21.58 Projeto Brasil 3 Tempos 50 Temas Estratgicos, Ncleo de Assuntos Estratgicos, Presidncia da Repblica, 2004, mimeo 36 pginas.

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    interfaces e privilegiar as funes e os grandes temas, e no a diviso artificial a que so obrigadas a se submeter por questes burocrtico-administrativas endgenas, que esto algumas vezes, na origem dos grandes gargalos. Superposies e duplicidade de esforos so apenas o corolrio da falta de reconhecimento de tais problemas, no to raras na administrao pblica, pelo contrrio.

    Externa, na montagem de uma estratgia que integre os esforos internacionais feitos pelo Brasil em C&T&I (e com muita precauo no I de Inovao) e que passa, necessariamente pela compreenso do papel da comunidade de C&T como geradora e produtora de conhecimento.

    Em segundo lugar, a necessria organizao nacional prvia. Esta distino fundamental para os planejadores e tomadores de deciso envolvidos nas relaes Norte-Sul, Sul-Sul, inter e intra blocos regionais.

    Instrumento poderoso para impulsionar atividades importantes para o Brasil, a cooperao internacional exige respeito aos seus condicionantes. Confiana, compromisso, respeito a prazos e repasses financeiros para o projeto comum so cruciais na cooperao Como os recursos tangveis e intangveis so escassos, existe uma tendncia mundial de que s permaneam com apoio financeiro, os projetos/programas que gerem resultados de mais curto prazo, ou que o impacto contribua efetivamente para o desenvolvimento da economia, ou ainda, muito emblemticos. Esta tambm a posio do atual governo brasileiro59.

    As oportunidades para o Brasil so muitas. Cooperaes podem ser firmadas por representantes de agncias com organismos internacionais; entre universidades e institutos de pesquisa nacionais e internacionais, entre instituies de pesquisa e empresas visando a colaborao bilateral; alm da formao de redes, clusters, consrcios,60 sem necessariamente autorizao oficial, exceto nos casos previstos na Constituio Federal. Estes mecanismos so importantes na medida em que as maiores iniciativas de colaborao cientfica e tecnolgica envolvendo pases em desenvolvimento so do tipo Norte-Sul que podem avanar para cooperaes, se os pr-requisitos discutidos neste artigo forem satisfeitos.

    Quanto aos riscos de participar de parcerias internacionais, existe a possibilidade de efeitos anticompetitivos, nos casos em que as alianas colocam os competidores lado a lado em um mercado. Os pases mais desenvolvidos tendem a se impor sobre os menos desenvolvidos, atravs de suas firmas, podendo mudar de estratgia sem os outros, o que j no to fcil, quando cooperao est envolvida, devido indispensvel confiana e independncia entre os parceiros.

    Manter os compromissos internacionais em termos de prazos, padro tcnico, e fluxo de liberao de recursos financeiros representa um gargalo para pases em desenvolvimento, como o Brasil. Existe um leque de opes polticas

    59 O Sistema de Gerenciamento do Ministrio do Planejamento (SIGPLAN) faz o acompanhamento e avaliao dos projetos na esfera federal, e assim detecta os que esto com problemas.60 Narula, R.; Hagedoorn, J. Innovation through strategic alliances: moving towards international partnerships and contractual agreements, Technovation 19, May 1999, p. 283-294.

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    para o Pas aumentar o nmero de parcerias, e por meio delas, a competitividade das firmas. Entretanto, dependem de o governo sinalizar com os seus objetivos, pois falta ao Brasil um projeto nacional de desenvolvimento. Em tempos de democracia, a sinalizao do governo ainda importante. O setor privado no audacioso. Alm disso, fundamental distinguir-se as lgicas dos setores pblico e privado para no criar expectativas inteis. A parceria interessante para ambos, mas de maneira complementar, e no substitutiva e, por isso, a cooperao um instrumento importante. Existem atividades que so de Estado, em qualquer lugar do mundo, pois dizem respeito a bens pblicos, segurana e pesquisa genrica de alto risco e longo prazo.

    Em termos de desafios, um papel nobre do governo brasileiro seria o de favorecer um ambiente de negcios para cooperao, com estabilidade macroeconmica, arcabouo legal gil e credibilidade; infra-estrutura revitalizada e diminuio dos juros para incentivar parcerias entre firmas.

    Alguns dos pontos enfatizados no presente trabalho foram destacados por Krieger e Ges como desafios para que a cooperao Norte-Sul traga benefcios para o Brasil. So eles:

    Incrementar a cooperao institucional com a participao do MCT e suas agncias, do Ministrio das Relaes Exteriores e a Academia Brasileirade Cincias;

    Evitar a assimetria entre as equipes e grupos que cooperam de forma que se evite que os investimentos realizados no tenham continuidade. fundamental que as equipes e os programas tenham estabilidade nas equipes e no financiamento;

    Seguindo a tendncia mundial, a cooperao multilateral deve ser privilegiada, no em detrimento da cooperao bilateral mas como um mecanismo mais gil para a formao de redes de colaborao entre pesquisadores.61

    Recebido em 10 de outubro de 2006Aprovado em 5 de janeiro de 2007

    Resumo

    O artigo analisa diferenas entre cooperao e colaborao cientfica e tecnolgica. A cooperao internacional representa oportunidades para parceiros sobretudo as alianas estratgicas. Na colaborao Norte-Sul geralmente os pases desenvolvidos definem o projeto/programa e detm a propriedade dos resultados. Reconhecer estas diferenas representa desafios e oportunidades mas tambm riscos para o Brasil.

    61 Krieger, E.M. e Ges Filho, P. de. Op. cit. p.1.200 e 1.201.

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    Abstract

    This article analyses differences between scientific and technological co-operation and collaboration. International cooperation represents opportunities for partners, mainly strategic alliances. In North-South collaborations usually developed countries define the project/program and become the sole owner of the results. Opportunities and risks for countries such as Brazil are to recognize these differences.

    Palavras-chave: Cooperao Internacional em Cincia e Tecnologia, alianas estratgicas.Key words: International Cooperation in Science and Technology, strategic alliances.