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.., -, ~ @ EDITORA MÉTODO Rua Conselheiro Ramalho, 692/694 Tel.: (11) 3289-1366 - Fax: (11) 3262-4729 01325-000 - Bela Vista - São Paulo - SP [email protected] ~ N (:Ol-.J ,RO 3 -\ZS'FíQ CO(\APL.BME:'~TFtR. AQUISIÇÃO PORJllMPRA ADQUIRIDO DE '),ltlZ/!lkJ Capa: Marcelo S. Brandão VI.~lte nosso slte: www.edltorametodo.com.br 25. Ou. 2012 PREÇO ~ 0:2- REGISTRO! NctrN CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE DATA DO REGISTK ~ SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. Dimoulis, Dimltrl Positivismo jurfdlco : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurldico-polltico / Dlmitrl Dlmoulls. - São Paulo : Método, 2006 (Coleção Professor Gllmar Mendes ; v.2) Bibliografia 1. Direito - Filosofia. 2. Pragmatismo. I. Titulo. 11. Série. Coordenação André !Ramos Tavares 06-3472. ISBN 85-7660-138-9 CDU 340.12 Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda todos os direitos autorais, é proibida a reprodução total ou parcial de qualquer torma ou por qualquer melo, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. Impresso no Brasil Printed in Brazil 2006 I~

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Dimoulis, DimltrlPositivismo jurfdlco : introdução a uma teoria do direito e defesa do

pragmatismo jurldico-polltico / Dlmitrl Dlmoulls. - São Paulo : Método,2006 (Coleção Professor Gllmar Mendes ; v.2)

Bibliografia1. Direito - Filosofia. 2. Pragmatismo. I. Titulo. 11. Série.

Coordenação

André !Ramos Tavares

06-3472.

ISBN 85-7660-138-9

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Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda todosos direitos autorais, é proibida a reprodução total ou parcial de qualquertorma ou por qualquer melo, eletrônico ou mecânico, inclusive atravésde processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão porescrito do autor e do editor.

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os EQUÍVOCOSDO "PÓS-POSITIVISMO'

Sumário: 1. Retórica antipositivista - 2. Pós-positivismo germânicvs. pós-positivismo brasileiro - 3. O positivismo jurfdlco caricaturad_. 4. Objetivos poHticos.

1. RETÓRICA ANTIPOSITIVISTA

No debate brasileiro das últimas décadas o positivismo jurídicencontra suspeição e rejeição. Isso ocorre muitas vezes de formpuramente retórica, com o emprego de expressões de desprezo contr,o positivismo, que é apresentado como visão teoricamente ultrapas}sada e politicamente perigosa: "deixou de ser considerado uma formtadequada de compreender o direito", I constitui um "retrocesso";21"velho positivismo ortodoxo vem abaixo, sofrendo golpes profundoe crítica lacerante".3 Constata-se a "decadência positivista"4 e se,"fracasso político".5 E rejeita-se a "pesada crosta de POSitivismo",)no intuito de "nos livrar das amarras do positivismo".'

Os juspositivistas são apresentados como partidários de visõeequivocadas que se pre?cupam com o "invólucro" das normas

I Barcellos, 2005, p. 8.2 Streck, 2006, p. 6.J Bonavides, 2002, p. 237, 537.4 Chamon Junior, 2006, p. 52., Barroso e Barcellos, 2003, p. 336.6 Torres, 2001, p. xiii.7 Camargo, 2003, p. 139.

II

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46 POSITIVISMOJURiOICO

Ir OSEQulvocos DO"PÓS-POSITIVISMO" 47

não com seu conteúdoS e oferecem ensinamentos, "desafiando atéo bom senso" .• O juspositivismo é também considerado "teoriafrígida" que ignora sentimentos inerentes na "natureza humana" edespreza o "amor" que exprime o anseio de justiça. 10

Outros autores consideram que os juízes fazem "justiça"quando aliam o conhecimento da técnica jurídica com a qualidadede "homens bons", dispostos a lutar contra "as enormes injusti-ças". II OU ainda: "o magistrado, com prudência e moderação,portanto, deverá atuar com a arte de encontrar o justo no casoconcreto, sendo essa sua responsabilidade social e decorrente doparâmetro exigido por uma nova era".12 E não faltam as exaltaçõesda "sensibilidade" dos intérpretes, alegando que "o decisivo nãoé a lei, mas o homem".13

A rejeição do positivismo jurídico se baseia muitas vezes emacusações paradoxais, como a alegação de que os tribunais brasi-leiros não aplicam as sanções previstas no Código de Processo Civilem caso de interposição de recursos procrastinatórios porque osjuízes seguem a concepção do "formalismo positivista".14 Ora, nãoé possível entender por qual razão teórica um positivista interpretariao dispositivo "recurso com intuito manifestamente protelatório" (art.17, VI, do CPC) de forma mais restritiva do que um moralista oujusnaturalista.

Finalmente, encontramos autores que rejeitam o juspositivismocom frases de cunho puramente retórico: "na idolatria formal-norma-tivista (... ) a vítima e o holocausto convivem em paz (. ..). A visão vaziados olhos positivistas tomou-se uma conseqüência, até certo pontoexótica e inesperada, da sua irremediável cegueira moral".J5

Sabe-se que a retórica é tautológica e recorre a argumentosemocionais. Isso significa que impressiona quem desconhece o temae só satisfaz quem é partidário da posição do orador. Essa posturanão condiz com o espírito crítico que exige realizar uma avaliação

8 Barcellos, 2005, p. 249.9 Vasconcelos, 2001, p. 18.10 Venosa, 2004, p. 78.11 Dantas, 2004, p. 290.12 Russo lr., 2006, p. 146.13 Queiroz, 2004, p. 3.14 Cruz, 2006, p. t99." Pasqualini, 1999, p. 66.

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crítica do juspositivismo (como de qualquer outra teoria) comargumentos racionais e detalhadas análises e impõe a elabOraçãode propostas alternativas para a solução de problemas teóricos quea teoria criticada não consegue resolver.

Seria necessário um estudo detido da produção jurídicanacional para identificar as altemativas propostas pelos críticos dojuspositivismo. Aqui podemos somente indicar que há duas tendên-cias. A primeira é de cunho claramente idealista. Recebe influênciaspela visão jusnaturalista e insiste na necessidade de adaptar o direitoa exigências decorrentes de imperativos superiores, tais como ajustiça, o bem comum e a moralidade.

A segunda tendência é de cunho sociológico e estabelece comopremissa a necessidade de adaptar as norn1as vigentes a exigênciasdecorrentes da evolução da sociedade. Esse posicionamento pressupõeo abandono do rigor na aplicação do direito, insistindo na compreensão"flexível" dos imperativos legais e concedendo ao julgador margensde decisão além e contra a previsão legal, sempre no intuito de adaptaro direito a exigências concretas e a mudanças históricas.

É interessante que nos recentes debates nacionais a maioriados críticos da perspectiva juspositivista reivindica sua filiação aodenominado pós-positivismol6 que parece unir essas duas tendênciase constitui o principal referencial teórico (ou pelo menos termino-lógico) nos debates modernos. Analisaremos em seguida os pos-síveis significados desse termo no âmbito da teoria do direitoformulando algumas observações críticas.

2. PÓS-POSITIVISMO GERMÂNICO VS. PÓS-POSITIVISMO BRASILEIRO

As contínuas referências ao pós-positivismo no Brasil tantoem estudos de teoria do direito como em trabalhos dogmáticos,principalmente na área do direito constitucional, criam aos estu-dantes e operadores do direito a impressão de se tratar de umacorrente mundialmente conhecida e consolidada. Essa impressão éfortalecida pela publicação de estudos que dedicam capítulosinteiros ao tema e, em alguns casos, incluem o termo "pós-

16 Bonavides, 2002, p. 237; Guerra Filho, 2000, p. 169; Barroso, 2003, p. 27.43; Camargo, 2003, p. 136.139 .

II

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48 POSITIVISMO JURfOICOOS EQufvocos DO "PÓS. POSITIVISMO" 49

positivismo" em seu título,'7 fazendo referências a pensadoresestrangeiros que teriam adotado a abordagem pós-positivista.

Ora, a pesquisa da bibliografia indica que o termo épraticamente desconhecido fora do Brasil. O termo é utilizadoesporadicamente em países de língua alemã. Entre os poucosautores que qualificam sua teoria como pós-positivista, encontramosos adeptos da teoria estruturante do direito (strukturierendeRechtslehre), encabeçada por Friedrich Müller (1938-) que reivin-dica a aplicação de uma metodologia pós-positivista (nach-positivistische Methodik), utilizando esse termo no intuito dediferenciar-se da. abordagem juspositivista clássica sobre a inter-pretação das normas jurídicas.

A teoria estruturante considera que a concretização da normadeve ocorrer levando em consideração elementos históricos esociais e exige que o intérprete desempenhe um papel ativo,atribuindo sentido ao texto da norma (Normtext) em virtude deconsiderações relacionadas com particularidades do caso concreto.Mas, ao mesmo tempo, Friedrich Müller e seus seguidores aceitamplenamente a teoria juspositivista sobre a validade do direito, istoé, admitem o caráter vinculante das fontes jurídicas estatais,excluindo a. interferência de considerações morais. Insistindo nanecessidade de elaborar rigorosos métodos de interpretação, cri-ticam os "antipositivistas" que desejam transformar o aplicador em"legislador oculto" .18

De sua parte, os juristas austríacos Alexander Somek (1961-) eNikolaus Forgó (1968-), em obra publicada em 1996, propõem urnaabordagem "pós-positivista" (nachpositivistisch) da metodologia ju-rídica, designando com esse termo uma versão crítica do realismojurídico norte-americano, que se aproxima da corrente dos criticaIlegal studies (itens m, 4.4; m, 3.3 in fine).

Os dois autores rejeitam categoricamente o pós-positivismo naversão de Müller, considerando que a aplicação do direito não sebaseia no conhecimento de normas preexistentes, mas constitui umacriação ("produção") de decisões, segundo critérios políticos e comoexercício de poder social. Por essa razão, os autores rejeitam tanto

17 Oliveira Junior, 2002; Barroso, 2003: Dantas. 2004.18 Milller, 1997. p. 11, 189.214.311.330.

o positivismo jurídico como as propostas interpretativas que insistemna relevância dos "valores", afirmando que nem a moral nem a razãoprática constituem fatores que influenciam a aplicação do direito.'9

No debate brasileiro, o termo "pós-positivismo" é utilizado deforma que contradiz a visão dos autores germânicos. A doutrinabrasileira atribui ao termo um significado moralista e idealista.20

Uma tentativa de definição evidencia essas conotações:"Pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um

ideário difuso, no qual se incluem o resgate dos valores, a distinçãoqualitativa entre princípios e regras, a centralidade dos direitosfundamentais e a reaproximação entre o Direito e a Ética",afirmando, ainda, a necessidade de conseguir "a superação daideologia da desigualdade e a incorporação à cidadania da parcelada população deixada à margem da civilização e do consumo"."

Mesmo os doutrinadores quc não propõem uma definição dotermo deixam claras as conotações moralistas e idealistas, dizendoque o pós-positivismo' abandona a postura descritiva c mescla adescrição com a avaliação do sistema jurídico, iSl0 é, o ser do direitocom referências ao dever ser ideal." O mesmo ocorre quando seclassificam sob esse rótulo autores que, em nome da justiça e datradição casuística medieval, desconsideram a normatividade estatal,como é o caso de Theodor Viehweg (1907-1988), autores queconsideram a interpretação jurídica como exercício de rctórica semvínculos nonnativos claramente definidos em nome da abstrata"razoabilidade", como é o caso de Cha'im Perelman (1912-1984),e, finalmente, autores de orientação abertamente moralista como

'9 Somek e Forgó. 1996. p. 160-175.20 Dantas (2004. p. 29. 120) justifica sua adesão ao pós-positivismo com o

argumento de que os juízes. na prática. recorrem a princípios morais paradecidir em casos concretos. Esse raciocínio está fundamentalmente equivo-cado. Ainda que se comprove que todos os aplicadores do direito brasileirorecorrem a princípios morais para decidir detenninadas categorias de casos,mesmo assim não teríamos um argumento a favor do moralismo. A perguntaque formula a teoria do direito não é o que fazem os juízes como pessoasempiricamente existentes, e sim o que devem fazer para aplicar o direitode forma correta. Dito de forma mais simples. Confundir esses dois níveisde análise equivale a dizer que o homicídio está autorizado no Brasil, poistodos os dias acoITem homicídios.

21 Barroso e Barcellos, 2003, p. 376.22 Duarte, 2006. p. 68-69.

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50 POSITIVISMO JURfolCOir OS EQulvocos DO 'PÓS.POSITIVISMO" 51.

)0 Um autor espanhol utiliza o lermo "postpositivismo" para indicar abordagensque modificam parcialmente teses clássicas do juspositivismo (Calsamiglia,1998). Neste caso, o lermo está cronologicamente correto, mas continuaapresentando pouca utilidade, indicando simplesmente as dúvidas do autorsobre o caráter positivista ou não de tais abordagens.

)\ Referências bibliográficas em Dimoulis, 1999, p. 12. Uma implacável e nãodespida de humor crítica às tendências moralizantes na refiexão sobre o direitoencontra-se em Posner, 2002. p. 8-38, 108-144.

32 Souza Neto, 2002, p. 327.

Além disso, um exame detido indica que o termo "pós-positivismo" não é exato nem do ponto de vista cronológico. Ascríticas ao positivismo jurídico não constituem um fato novo, poisestão sendo repetidas, pelo menos desde finais do século XIX. Alémdisso, muitas das teorias apontadas como pós-positivistas sãoanteriores à formulação de análises positivistas atuais das últimasdécadas. Assim, por exemplo, a abordagem tópica de TheodorViehweg, tida como pós-positivista, foi exposta em obra publicadaem 1953, quase uma década antes da publicação do opus magnumde Herbert Hart The concept of law (1." edição em 1961) querenovoU os fundamentos do positivismo jurídico e originou umamplo debate sobre o sentido dessa teoria que continua até os

nossoS dias.Em paralelo, dezenas de estudiosos juspositivistas criticam,

nos últimos anos, a abordagem moralista que encontrou umaformulação sofisticada na obra de Ronald Dworkin já na décadade 1960. Ora, se o positivismo jurídico se desenvolve em paraleloàs abordagens moralistas, carece de justificativa a periodizaçãosugerida pelo termo "pós-positivismo" .30

No que diz respeito ao conteúdo das propostas dos partidáriosdo pós-positivismo no Brasil, fica claro que se trata de umaretomada da visão idealista do direito. Seguindo a palavra de ordemde "levar a sério a moral",31 a doutrina brasileira proclama queo direito constitui um sistema aberto de valores, considerandonecessária a "reinclusão da razão prática na metodologia jurídica".32

Essa premissa de abertura do direito e de flexibilização desua metodologia tem como conseqüência a reintrodução do idea-lismo e da metafísica na teoria do direito. Em obras recentes semultiplicam as referências a conceitos como justiça, verdade, moral,ética e dignidade humana enquanto valores que impõem o abandono

"

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2) Todos esses autores são rotulados como pós-positivistas por Camargo 2003,p. 137-138; cf. Souza Neto, 2002, p. 131-268.

24 Camargo 2003, p. 138, afirmando que, no âmbito do pós-positivismo, MUller adotaa postura do "pragmatismo". Observemos que MUller não utiliza esse termo.

" Guerra Filho, 2000, p. 169-170. .26 Maciel, 2004, p. 101. Um autor espanhol qualificou a teoria do Dworkin como

"pós-positivista", deixando, porém, claro que o termo indica uma teoria ques~. c?ntrapõe frontalmente ao positivismo: "como postpositivista (o antipo-SItIvIsta) es como hay que calificar la obra de Ronald Dworkin" (Atienza,2003, p. 306).

27 Dworkin, 2002, p. 35." Dworkin, 2006, p. 187-222.29 Dworkin é.considerado "anti positivista" por Pintore (1996, p. 169, nota de rodapé

~7), .Sch.'~v~llo,.o 998, p. 230) e Giordano, 2004, p. 79. Alexy é consideradoantIpositIvIsta por Betegón, 1998, p. 191 e Giordano, 2004, p. 79.

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Ronald Dworkin e Robert Alexy (1942-).13 Surpreende o fato deencontrarmos classificado como pós-positivista, ao lado dessespensadores, Friedrich Müller que, como dissemos, é um ferrenhocrítico do moralismo (que denomina de "antipositivismo"), negando-se a abrir mão da tecnicidade do positivismo jurídico e insistindono caráter vinculante das fontes estatais do direito.?4

Outros autores nacionais evitam a utilização genérica e impre-cisa do termo e designam como pós-positivista uma única correnteno âmbito da teoria do direito. Sustentou-se, assim, que o pós-positivismo é sinônimo da teoria moralista em sua versão dworki-niana?5 ou indica a abordagem feita por "Dworkin, Alexy etc.".26

Dworkin, seguido por Alexy e muitos outros autores contem-porâneos, rejeita a abordagem do positivismo jurídico, esclarecendoque seu objetivo teórico é "lançar um ataque geral contra o posi-tivismo",?? principalmente contra a abordagem de Herbert Hart, seuantecessor na cátedra de Jurisprudence da Universidade de Oxford.Trata-se de uma opção constante de Dworkin desde os seus primeirostextos da década de 1960 até as mais recentes publicações.28

Pergunta-se, porém, se temos alguma vantagem cognitivaqualificando a abordagem de Dworkin como pós-positivista combase no critério da sucessão cronológica. Não seria preferível levarem consideração seu conteúdo essencial, empregando o termoantipositivism029 ou outro mais concreto ainda? Denominar Dworkin"pós-positivista" é uma opção tão inexpressiva como a referênciaao atual período histórico como "pós-guerra".

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52 POSITIVISMO JURIDlCOOS Eoulvocos DO -PÓS.POSITIVISMO" 53

do pOsttlvtsmo jurídico.33 Encontraremos, inclusive, obras quesugerem a retomada dos ensinamentos do direito natural que éapresentado, a despeito de sua história no pensamento ocidental,como repositório "da democracia e da justiça".34

Os doutrinadores exigem que o direito se mostre "compro-missado com valores como a Justiça (=: Verdade =: valor)",35considerando necessário que, por um lado, o legislador "atinja oideal ético mais elevado da humanidade: a justiça"36 e, por outrolado, o operador jurídico crie uma "jurisprudência de valoreshumanos, sempre almejando o encontro, a sintonia entre o bempessoal e 6 bem geral da coletividade"3? realize "uma ponderadahierarquização de princípios, de regras e de valores, de sorte a obtero máximo de justiça possível"38 e não se afaste do "compromissocom a justiça", mesmo quando isso impõe desconsiderar normasválidas e exigências de segurança jurídica.39 Constatamos aqui ainsistência na crença metafísica em uma justiça que se identificacom a verdade, ignorando os debates filosóficos do século XX quelevaram ao abandono do dogmatismo idealista.40

Retomam-se, assim, as vetustas tradições do idealismo e deexaltação retórica da missão ética dos operadores do direito, natentativa de legitimar o atual ("nosso") ordenamento jurídico comojusto e moralmente adequado,41 sem indicar os fundamentos jurí-

3J Cf., a título de exemplo, Piovesan, 2003, p. 193-197; Almeida e Christmann,2004, p. 49-54; Russo Jr., 2006. Entre os autores portugueses, cf. Chorão,1991, p. 163-165.

34 Vasconcelos, 2001, p. 62.35 Nery, 2002, p. 22.36 Silva, 2006, p. 516.37 Russo Jr., 2006, p. 146.3' Freitas, 2004, p. 194.39 Nery, 2002, p. 55.'0 Mesmo autores que se distanciam da metafísica descrevem o direito moderno

de forma axiomática e idealista, se não claramente teológica, oferecendo umavisão utopicamente harmônica que elimina a dimensão real dos conflitos, dosinteresses e do poder com sua carga de violência: "direito legítimo, moralpós-convencional e política deliberativa são conceitos que se pressupõemmutuamente, numa relação de co-originariedade, que permite a configuraçãode uma legislação racional (...). Uma política que se caracteriza pelaconsideração imparcial de valores e da escolha racional dos meios colimadosaos fins desejados pela comunidade" (Cmz, 2006, p. 169).

41 Souza Neto, 2002, p. 330, Freitas, 2004, p. 214-215, 223.

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dicos desse "dever de justiça" e sem explicitar os métodos quepermitiriam encontrar a solução justa em cada caso.

3. O POSITIVISMO JURÍDICO CARICATURADO

Os partidários do pós-positivismo, como, em geral, os críticosdo positivismo jurídico, constroem uma imagem clU'icatural de seuadversário teórico que não encontra correspondência nos escritosdos mais conhecidos juspositivistas do século XX. Indicaremos aquios principais equívocos.

a) Aplicação mecânica da lei? Foi afirmado que os positivistasfazem uma clara distinção entre a criação e a interpretação do direito,considerando que o intérprete não deve criar direito.42 Sustenta-se, emparticular, que, para os positivistas, a atividade do juiz limita-se aoconhecimento da lei, devendo deduzir com rigor lógico, mediante osilogismo jurídico, a solução do caso concreto a partir de normas geraise preexistentes, sendo vetada qualquer atuação "construtiva",43

Nessas afirmações se baseia a difundida opinião de que osadeptos do positivismo só aplicam a "lei", deduzindo dela todas asrespostas sobre problemas concretos, e que seus detratores criticamo "mecanicismo ingênuo do formalismo-positivismo jurídico".44

Na realidade, essa crítica ao positivismo carece de fundamentoYOs positivistas nunca tiveram o io'efreado otimismo de considerar queas leis resolvem todos os problemas de forma mecânica, tornando ojuiz uma espécie de máquina de subsunção, que atuaria de formaprevisível, guiado pela certeza normativa, tal como ocorre com umamáquina programada a dar respostas fixas e preestabelecidas.

Se admitíssemos que essa visão caracteriza o positivismojurídico, Hans Kelsen, que constitui o principal alvo da críticaantipositivista, não poderia ser considerado positivista. A leinlra desua obra (e não de resumos ou referências indiretas às suas supostas

" Camargo, 2003, p. 136."'Camargo, 2003, p. 136; Souza Neto, 2002, p. 107. Cf. Chorão, 1991, p. '162.44 Palombella, 2005, p. 307.45 Cf. On, 1992, p. 107.

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54 POSITIVISMO JURrOICOOS EQUlvocos DO "PÓS-POSITIVISMO" 55

teses) indica que o autor considera impossível utilizar técnicas deinterpretação jurídica para encontrar a solução que corresponde aosmandamentos do legislador.46 E conclui afirmando: "a interpretaçãofeita pelo aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito(...). A produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídicaaplicável é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação doórgão chamado a produzir o ato".47

A única abordagem positivista pela qual poderia ser dito queadmite esse posicionamento é a doutlina civilista francesa e belgada primeira metade do século XIX conhecida como École del'exégese. Esses doutrinadores declaravam, nos prefácios de seustratados, a intenção de realizar uma simples "exegese", isto é, umainterpretação estritamente gramatical e lógica (ou mesmo "mecâ-nica") do texto normativo - e principalmente do então recém-promulgado Code Civil francês de 1804. Excluía-se da tarefainterpretativa qualquer consideração subjetiva ou construção con-ceituai feita pela doutrina. Conforme uma célebre afirmação daépoca, deveria ser ensinado o Código Civil e não o direito civil.48

. Mas o estudo das obras dos integrantes da escola - e não somentede seus prefácios - demonstra que essa tese não foi aplicada de formacoerente. As soluções interpretativas que formularam esses doutrina-dores para os casos controvertidos refletiam opções políticas pessoaise não resultavam da "exegese" da letra da lei e da pura "dedução".49

Isso invalida a crítica de que o positivismo jurídico adota atese da aplicação automática da lei. Quem persiste em sustentaressa tese deveria também admitir que Hart, o mais célebre positivistado século XX nos países de língua inglesa, não é positivista.

A notória análise de Hart sobre a textura aberta (opentexture)50 do direito se baseia no reconhecimento dos amplos espaçosde discricionariedade do aplicador, isto é, de seu papel criativo.

46 Kelsen, 1965, p. 468; Kelsen, 2000, p. 391.47 Kelsen, 2000, p. 394 e 393.48 Bobbio, 1999, p. 78-89; Tarello, 1995, p. 64-82; Chiassoni, 2005, p. 336-

362.49 Rémy, 1982.>O Foi recentementesugerida a versão "trama aberta", na tradução para o português

deumacoletâneade artigosdeGuastini(Guastini,2005, p. 145).Poderiatambémser utilizado o termo "porosidade" (cf. a próxima nota de rodapé).

Segundo o autor, o caráter vago e incerto da linguagem humananão permite tennos sempre certeza em relação aos casos que sesubsumem na norma.51 Alguns casos reais são dc fácil solução.Pertencem ao núcleo conceitual da nonna (hard core), permitindouma resposta certa e clara e podendo ser vistos como fáceis (clearcases). Outros casos reais são, ao contrário, complexos (hard cases).Situam-se em uma zona cinzenta (penumbra) e impõem a tomadade decisões incertas (penwnbral decisions)52 que devem ser esta-belecidas pelo aplicador de forma discricionária, ocorrendo umacriação judicial do direito (judicial law-making)Y

Seguindo a proposta terminológica de Neil MacCormick(1941-), temos, por um lado, o "núcleo da certeza" e, por outrolado, a "penumbra da dúvida".54 Nesses últimos casos, o aplicadordeve se posicionar conforme critérios pessoais que não se deduzemda norma de forma necessária e com rigor lógico.

Hart analisa longamente essa forma de exercício de poderdiscricionário e conclui:

"Em todos os sistemas jl1lidicos, um espaço amplo e importanteé deixado aberto à discricionanedade dos tribunais e de outrasautoridades para concretizar cláusulas inicialmente vagas, pararesponder a incertezas em relação às nonnas ou para desenvolvere especificar normas que se encontram, de forma abstrata, emprecedentes vinculantes". 55

Semelhantes são as conclusões de Joseph Raz (1939-), prin-cipal representante do "positivismo exclusivo" (capítulo m, 4.2.1).Raz afirma que os juízes criam o direito quando não há explícitaprevisão legislativa, sem considerar que isso contradiz a visão

51 A teoria da apen lexwre da linguagem foi elaborada pelo filósofo austríacoFriedrich Waismann (1896-1959) que empregava, em alemão, o tennoParasilal, traduzido por Hart como apen lexlure (Hart, 2001, p. 275). Parauma discussão dos significados do termo, cf. Bix, 1995, p. 7-35, 63-76;MacComuck, 1989a, p. 1i0-118; Guastini, 2005, p. 145-162. Entre as poucasreferências na bibliografia nacional cf. Struchiner, 2002, p. 11-41, 68-84.

51 Hart, 2001, p. 63-64, 69.53 Hart, 2001, p. 272-276.54 MacCormick, 1989a, p. 111.55 Hart, 2002, p. 127-136, a citação encontra-se na p. 136.

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56 POSITIVISMO JURfDICO OS EOulvocos DO "PÓS-POSITIVISMO" 57

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juspositivista: "a interpretação judicial pode ser tão cnatIva comoa interpretação de uma sonata para piano de Beethoven por Olen00uld".56 O mesmo autor deixa claro que, quando o juiz exerceseu poder discricionário, não se baseia no fonnalismo. Efetua um"raciocínio moral" que permite concretizar nonnas abstratas ouobscuras. 57

Finalmente, Ernest Weinrib, expoente da corrente de interpre-tação que é conhecida como formalismo legal (legal jormalism),afirma categoricamente que a idéia de dedução da solução concretade cada caso mediante interpretação do texto legal é improcedente,pois sempre há a possibilidade de indeterminação dos textosnormativos: "para o formalismo, a eventualidade de indeterminaçãonão pode nem deve ser excluída".58

Como atribuir ao positivismo jurídico a tese da aplicaçãomecânica e dedutiva do direito, se os seus mais conhecidosexpoentes a rejeitam enfaticamente?

b) Legitimação incondicional do direito ("positivismo ideo-lógico")? Um ulterior indício da tendência dos partidários do pós-positivismo no Brasil de adaptar a visão positivista a necessidadespolêmicas é a alegação de que, segundo o positivismo jurídico, avalidade da norma é condição suficiente para aferir seu caráter justo:"para os juspositivistas a validade é a consagração da justiça".59

Esta tese é considerada característica do denominado "posi-tivismo ideológico", isto é, de uma teoria política que faz uma opçãoa favor do direito positivo, afirmando o dever de obediência aodireito pelo simples fato de ser direito válido, isto é, independen-temente de seu conteúdo. Pergunta-se, porém, se os juspositivistasefetivamente adotam esse posicionamento.

Uma pesquisa na doutrina nacional e internacional' enfrentagrandes dificuldades em encontrar autores que propugnam pelaequiparação entre a validade e a legitimidade da norma jurídica.Na bibliografia brasileira, só encontramos semelhante afirmação naobra de Pedro Lessa (1859-1921): "Todas as leis são justas,

l6 Raz, 2001, p. 230, 234-235.57 Raz, 200 I, p. 333-334.58 Weinrib, 1988, p. 1008." Leite, 2005, p. 48.

legítimas porque são promulgadas para resguardar o interesse,objetivo ou subjetivo da sociedade".60

Tais manifestações, além de extremamente raras, são oriundas dejuristas práticos, preocupados com a aplicação do direito positivo e,principalmente, com a defesa de interesses políticos do Estado, nãotendo feito uma reflexão sistemática sobre o sentido do positivismojurídico nem fundamentando seus posicionamentos. Consideram sim-plesmente que o Estado é legítimo, da mesma forma como o seguidorde uma religião acredita na verdade dos mandamentos divinos.

Seguramente, muitos positivistas vinculam a validade do direitoà sua eficácia social, isto é, ao seu efetivo cumprimento na práticaque, por sua vez, se relaciona com a aceitação popular do direito(capítulo m, 3.4). Mas fazendo isso simplesmente descrevem umasituação real, afirmando, resumidamente, que o direito totalmenteineficaz não possui validade, sem dizer se o direito oficialmentepromulgado deve ou não deve ser obedecido, pois o juspositivismonão tem nenhuma razão teórica para sustentar uma equiparação, decunho político, entre validade do direito e dever de obediência. Poressa razão, Hobbes foi apresentado como único partidário da equi-paração entre validade e legitimidade,61 demonstrando a ausência defundamento dessa clÍtica contra o positivismo.62

Observemos, finalmente, que na recente bibliografia interna-cional há alguns positivistas inclusivistas que consideram que odireito positivo deve ser obedecido. Mas, como veremos em seguida,a pertença desses autores ao positivismo julÍdico é duvidosa c, detodas as formas, esse posicionamento não decorre do caráter justodo direito positivo, e sim de considerações de conveniência política(capítulo m, 4.2.3.1).

c) Positivismo incoerente? Além das críticas em relação àpertinência do juspositivismo, há autores que criticam os principaispositivistas por incoerência interna, alegando que suas obrasassumem teses típicas do jusnaturalismo e interpretam essa inco-

60 Lessa, 2002, p. 237.61 Leite, 2005, p. 48-50.61 Sobre a afirmação de um dever de obediência ao direito por autores que se

dizem positivistas, mas, a nosso ver, pertencem à corrente do moralismojundico cf. capítulo m, 4.2.3.1.

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58 POSITIVISMO JURIDICO

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OS EQuivocos DO "P6S.POSITIVISMO" 59

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erência como sinal do fracasso do positivIsmo, isto é, comoconfissão da inadequação do positivismo. Alega-se nesse âmbito queHart, Kelsen e Ross em algumas partes de seus escritos acabamadmitindo posições jusnaturalistas.63

Tal alegação poderia talvez ser discutida em relação a Hartque se referiu longamente ao núcleo jusnaturalista do direito positivo- ainda que isso não signifique que se aproximou dos posiciona-mentos jusnaturalistas (capítulo IV, 2.4). Mas fazer a mesmaafirmação em relação a Hans Kelsen e Alf Ross (1899-1979) parece-nos totalmente injustificado. Ambos os autores fundamentaram suaobra na plena e incondicional rejeição do jusnaturalismo comocritério de definição e de avaliação do direito positivo. A leituradas numerosas obras de Kelsen permite constatar a insistência doautor nas críticas aos partidários do direito natural e na rejeiçãodo conceito de justiça.64 Por sua vez, Ross criticou fortemente ojusnaturalismo, não hesitando a comparar o direito natural com a',~prostituta" que se entrega a todos.65 Como considerar que essesautores aderiram ao jusnaturalismo?66

4. OBJETIVOS POLÍTICOS

No âmbito político e ideológico, o pós-positivismo recebelegitimação mediante a condenação moral e política do positivismo.Afirma-se, em particular, que a experiência genocida do nazismo

6' Vasconcelos, 2001, p. 60-61, 112.04 Referindo-se à relação entre o positivismo e o jusnaturalismo Kelsen afirma:

"o contraste entre essas duas orientações fundamentais da ciência jurídicaestá enraizado nas últimas profundezas da visão do mundo e da personalidade"(Kelsen, 1928, p. 78).

" Ross, 2000, p. 304.•• Enl,. outro escrito afirmou-se o "fracasso do projeto positivista", porque seus

adeptos definem o direito com base em critérios formais, ignorando a dimensãoda eficácia e da justiça das normas, isto é, excluindo do mundo jurídico os fatose os valores. Mas, em paralelo, os expoentes do positivismo são criticados porqueintroduzem elementos de facticidade e de ideal idade, isto é, consideraçõesmorais e polfticas na definição do direito, mostrando-se incoerentes (Barzotto,2004, p. 146-147). Ora, se a combinação das esferas da política e da moral é, aosolhos do autor, o caminho certo para entender o direito e os juspositivistas fazemexatamente isso, como afimlar o fracasso dessa abordagem?

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demonstrou que o positivismo é uma teoria que legitima as pioresinjustiças em nome da obediência a "qualquer" direito. Por essarazão se afirma que o positivismo fracassou como teoria do direitoe não somente deve ser abandonado, mas seus atuais adeptostornam-se suspeitos de apoiar regimes ditatoriais e governantes quecometeram crimes contra a humanidade.

Essa crítica carece de fundamento por duas razões. Emprimeiro lugar, o positivismo jurídico, longe de ter sido superadoou abandonado, encontra-se mundialmente no centro dos debatesno âmbito da teoria e da filosofia do direito, havendo nos últimosanos uma profusão de publicações e debates (capítulo UI, 4.1).

Nesse aspecto é mantida muitas vezes uma confusão. Háautores que apresentam o positivismo como superado, considerandoque não leva em consideração necessidades da sociedade atual ouformula uma teoria incompleta, ignorando, em particular, o papeldos princípios jutídicos.67 Outros autores adotam uma perspectivahistoricista e afirmam que o juspositivismo está superado porque;na atualidade, os operadores do direito não seguem (mais) ospreceitos juspositivistas.68

Tais argumentos não merecem adesão. O formalismo dojuspositivismo e o fato de ignorar princípios não embasados nodireito positivado não se deve a um atraso teórico. É uma opçãoconsciente sobre a definição do direito. O juspositivismo não éincapaz de assimilar a problemática dos princípios, mas simples-mente não faz essa opção, como fica claro com as repetidas 'críticasdos positivistas à abordagem baseada nos princípios. Pode-sediscordar dessa opção, mas não é con'eto acusar o' juspositivismode atraso.

Da mesma forma, a mentalidade dos operadores do direito e ateoria por eles efetivamente adotada é um campo de pesquisa relevanteque pode contribuir ao conhecimento da cultura jurídica e de suastransformações no tempo, mas não oferece argumentos a favor oucontra o juspositivismo. A avaliação desse último não pode ser feitaem termos de "votação" ou de indicação de tendências e "modas".Pressupõe a realização de uma avaliação comparativa de abordagens,empregando argumentos que são internos à teoria do direito e cuja

61 Engelmann, 2001, p. 141-160,68 Freitas Filho, 2003.

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60 POSITIVISMO JURfDICO OS EQUlvocos DO "PÓS. POSITIVISMO" 61

validade independe do maior ou menor número de operadores dodireito e doutrinadores que adotam cada abordagem e das mudançasconjunturais na ideologia dos operadores do direito.

A segunda razão que invalida a crítica do juspositivismo comoideologia de legitimação do autoritarismo é que tal acusação decumplicidade não possui base histórica nem teórica, como veremosextensivamente em seguida (capítulo VI). De .forma resumida, atentativa de demonstrar a superioridade política do pós-positivismocriticando o positivismo não corresponde nem aos fatos históricosnem à situação da pesquisa jurídica.

Podemos perguntar quais são as conseqüências práticas e quaisos objetivos da tendência de adesão ao pós-positivismo no Brasil.Na prática, a rejeição do positivismo jurídico oferece uma espéciede carta de alforria ao intérprete para que ele atribua às normasjurídicas o sentido que considere mais adequado.69 Espera-se, assim,o advento de uma nova forma de "jurista não limitado ( ) voltadopara uma interpretação criativa e não mais reprodutiva ( ), podendover além do que já está pré-definido", no intuito de resolverproblemas sociais com respostas politicamente satisfatórias.?O

Nesse âmbito, a interpretação jurídica é vista como pretextopara impor aquilo que o intérprete considera corno a melhor soluçãode um conflito social. Quando se afirma que o decisivo para aaplicação do direito é o "homem" e não o conjunto das normasválidas, esse "homem" poderá decidir aquilo que reputar adequado,segundo preferências e crenças subjetivas.

Mas, se é isso o que deseja a maioria dos doutrinadores atuais,poderíamos perguntar qual é a utilidade das normas escritas etaxativas, especialmente nos clear cases. Se o intérprete pode

69 Um exemplo de aceitação da liberdade do intérprete, visto como sujeito polftico,pode ser encontrado em Slreck (2003). O autor recepciona a teoria da pré-compreensão como elemento decisivo da interpretação jurídica (p. 263-281)e invoca., a "vida" e seus "conteúdos materiais" (p. 281, 289) em menosprezoda normatividade jurídica e a favor de uma abertura principiológica do direito(p. 309-310). Em obra mais recente, o autor parece se distanciar dosubjetivismo e adotar a perspectiva da única resposta (objetivamente) certapara o caso concreto, sem explicitar, contudo, os critérios que permitiriamencontrar tal resposta (Streck, 2006).

70 Zeifert, 2003, p. 196-197. Abordagens semelhantes encontram-se em; Freitas,2004; Pasqualini, 1999; Banhoz e Fachin, 2002, p. 73.

submeter o direito a avaliações de conveniência, talvez seria melhorabandonarmos os "pretextos" normativos e substituir o direitoescrito pela elaboração de discursos retóricos apresentados pororadores especializados ou simplesmente pela escolha de pessoassábias e honestas, encarregadas da resolução informal dos conflitos,tal como ocorria em aldeias indígenas ou em cidades medievaise como ainda hoje se verifica em comunidades carentes.

Independentemente da roupagem teórica, o discurso crítico emrelação ao positivismo jurídico se resume a uma simples mensagem.Manifesta o desejo do operador do direito de se liberar dos vínculosimpostos pelas normas vigentes. RecolTe-se, para tanto, às mais vari-adas construções teóricas, referindo-se a fatos sociais, a valores dejustiça e eqüidade, a mudanças sociais e políticas, a formas alternativasde aplicação do direito, a círculos hermenêuticos e a jogos lingüísticosque impossibilitariam a aplicação fiel da norma. E a conclusão ésempre a mesma: "produzir soluções adequadas, sem a necessidade dese recorrer aos limites (sic) rigorosos de um texto normativo".?1

Nesse âmbito, se multiplicam na recente produção bibliográ-fica as análises da diferença qualitativa entre as regras jurídicas eos princípios jurídicos, utilizando como referência central as .obrasde Dworkin e Alexy.72 Sem realizar um estudo detalhado da questão,devemos fazer duas observações.

Em primeiro lugar, consideramos que entre os princípios e asregras jurídicas há diferenças meramente quantitativas (e nãoqualitativas). Isso se exprime com a adoção do conceito dedensidade normativa que será analisado em seguida (capítulo V,5.2.2). A análise das normas jurídicas sob a ótica de sua densidadenormativa vislumbra diferenças no grau de concretude e indica queos responsáveis pela concretização do direito possuem maiordiscricionariedade quando aplicam normas abstratas e vagas, comosão tipicamente os denominados princípios. Os princípios são

71 Assim por exemplo Engelmann, 2001, p. 160.72 Bonavides, 2002, p. 228-266; Rothenburg, 2003; Leite (Org.), 2003; Á vila,

2003; Barcellos, 2002, p. 40-99; Tavares, 2006-a, p. 85-123. Cf. Engelmann,2001, p. 87-160; Pedroso, 2005, p. 63-142. Uma das poucas ctÍticasformuladas à distinção entre regras e princípios na bibliografia nacionalencontra-se em Lopes, 2003, conf. as críticas em relação à capacidadenormativa dos princípios em Tavares, 2006-a, p. 88, 122-123.

7J Hart, 2002, p. 260-261; Troper, 2003, p. 76; Giorduno, 2004, p. 62-68.

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As nossas análises permitem formular duas conclusões. Pri-meiro, deixam claro que os autores nacionais que se intitulam pós-

abstratos e vagos,?3 isto é, mais abstratos e vagos do que muitasoutras normas, e possuem finalidades programáticas: estabelecemmetas sem especificar os meios e os procedimentos que permitemalcançar as metas, nem as sanções cabíveis em caso de omissãodas autoridades competentes. Isso nos leva a rejeitar a tese dasuperioridade dos princípios em relação às regras,74 assim como atese, segundo a qual a forma de aplicação dos princípios em casosconcretos é diferente da forma de aplicação das regras. A únicadiferença é quantitativa e consiste na maior discricionariedade doaplicador que deve, porém, respeitar sempre as concretizações dosprincípios realizadas pelo legislador.

Em segundo lugar, a tentativa de principiologizar75 a inter-pretação jurídica é utilizada como justificativa para ampliar o. poderdiscricionário do aplicador em detrimento do legislador. Milharesde páginas de erudição jurídica e filosófica sobre os princípios levamsempre à mesma conclusão. Os princípios são vetores dos ideaisde justiça, de eqüidade e de sensibilidade perante o caso concretoem contraposição às regras que são precisas e "frias". Em razãodisso, o aplicador do direito deveria possuir liberdade de atuação,in'dependentemente do conteúdo das normas vigentes, no intuito derealizar a justiça no caso concreto, recorrendo, conforme "ponde-ração" pessoal, a princípios que exprimem valores.

Estamos aqui diante de uma tentativa de troca de papéis queequivale a um retomo ao "antigo regime" político e jurídico quepermitia a juízes e doutrinadores criar o direito no caso concreto.Essa é a finalidade política do pós-positivismo que indica seu caráterproblemático.

63OS Eouivocos DO .PÓS.POSITIVISMO"

POSItIVIstas, baseando sua abordagem em uma reJelçao do positi-vismo jurídico e constituindo', na atualidade, a corrente quepredomina nos debates sobre a temia do direito não possuem umaclara orientação teórica, limitando-se a uma retomada de posturasidealistas do passado e fazendo referências ecléticas a autoresestrangeiros cujas obras são teoricamente incompatíveis entre si e,seguramente, não podem ser classificadas em uma única cmTente.

Segundo, a tendência de rejeição do positivismo jurídico nodebate nacional, que é atualmente expressa pelos partidários do pós-positivismo, não pode convencer por razões d: or~em. teór~c~,metodológica e política. Para comprovar o cara ter msatlsfatonodessas críticas, o caminho indicado é analisar o conteúdo dopositivismo jurídico em sua multiplicidade e diversidade, para, emseguida, examinar seus pontos fortes e seus problemas sem cederà facilidade da visão simplista e da rejeição sumária de abordagensjusteóricas particulannente complexas e vivazes, como é o caso dopositivismo jurídico.

POSITIVISMO JURíDICO62

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" Tese essa bastante difundida e oportunamente criticada por Barcellos, 2005,p. 165-234. .

1S Esse neologismo, esporadicamente utilizado na recente doutrina brasileiraindica uma mudança na concepção sobre a estrutura do material normativ~e, conseq(lentemente, sobre as tarefas e os poderes do aplicador, considerandoque, tendencialmente, todos os problemas de interpretação jurídica seresolvem pela aplicação de princípios.

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